História de Minas Gerais - A Província de Minas Vol. 2

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HISTÓRIA DE MINAS GERAIS A PROVÍNCIA DE MINAS

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VOLUME ORGANIZADO POR

MARIA EFIGÊNIA LAGE DE RESENDE • LUIZ CARLOS VILLALTA


Coordenação-geral da coleção

Maria Efigênia Lage de Resende organização do volume

Maria Efigênia Lage de Resende Luiz Carlos Villalta 

HISTÓRIA DE MINAS GERAIS

Realização

Patrocínio

A PROVÍNCIA DE MINAS 2


Copyright © 2013 Instituto Cultural do Tempo Presente Copyright © 2013 Autêntica Editora Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

completada e corrigida por Thomas Ender, segundo esboço de Johann Emmanuel Pohl – ilustração da obra Viagem ao Interior do Brasil. Viena, 1832, 2 v. Guarda: Tropa da Capitania de Minas Gerais conduzindo um carregamento. De Maximiliano, Príncipe de Wied-Neuwied, cerca de 1515-1817. Oceanos: O Teatro da Natureza – Maximiliano no Brasil, Lisboa, n. 24, out./dez. 1995. Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Foto de Laura Castro Caldas e Paulo Cintra.

editora responsável

Rejane Dias apoio técnico e de pesquisa

Fernanda Emília de Morais Isabela Tavares Guerra Sávio Evaristo de Souza Santos Fernanda Braga Nahas revisão

Dila Bragança Lívia Martins Kátia Trindade rrojeto gráfico de miolo

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Carolina Rocha Patrícia De Michelis projeto gráfico de capa

Beatriz de Almeida Magalhães. Imagem: Vista de Mariana, reprodução da aquarela

Tristelune Production Christiane Morais de Oliveira Waldênia Alvarenga Santos Ataíde

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) A Província de Minas, 2 / organizadores do volume Maria Efigênia Lage de Resende e Luiz Carlos Villalta . – Belo Horizonte : Autêntica Editora; Companhia do Tempo , 2013. – (História de Minas Gerais / coordenação-geral da coleção Maria Efigênia Lage de Resende) Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-85-8217-248-3 (Autêntica Editora) ISBN 978-85-61187-04-0 (Companhia do Tempo) 1. Minas Gerais - História I. Resende, Maria Efigênia Lage de. II. Villalta, Luiz Carlos. III. Série 13-00319

CDD - 981.51 Índices para catálogo sistemático: 1. Minas Gerais : História 981.51

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A A ProvĂ­ncia de Minas Volume 2


Escrever a História de Minas Gerais

A moda do Rio de Janeiro (para onde veio de Portugal) já vai pegando nas famílias que se reputam mais polidas nas cidades, vilas e arraiais notáveis da província. É de se esperar que se as cousas assim continuarem, também se mude na moderna saudação de “ora viva”. Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo, que ainda se pratica em Minas Gerais. [...] os usos e os costumes dos mineiros, se não se acham no grau de polimento que existe nos habitantes do Rio de Janeiro, têm a seu favor, por outra parte, o serem acompanhados de qualidades louváveis que já desaparecem na capital do Império e foram substituídas por novas modas – que injustamente querem confundir com o nome de civilização. Os homens abandonaram a ociosidade a que os sujeitava o antigo governo. Hoje, todos tomam interesse nos negócios políticos da sua pátria e o grande número de jornais e folhas periódicas que imprimem nas Minas Gerais têm dado novo impulso à mocidade, a qual procura os estabelecimentos literários de S. Paulo e ainda as universidades mais célebres da Europa... MATOS, Raimundo José da Cunha Corografia histórica da Província de Minas Gerais, 1837.

A instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro, em suas múltiplas dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, bem como em seus desdobramentos futuros, que levam ao caminho particular de que resulta a Independência do Brasil – que, ao avesso da fragmentação da América Espanhola em várias repúblicas, institui um império nos trópicos –, é o quadro em que tomam forma e sentido as diversas trilhas abertas pelos pesquisadores no mapa de Minas Gerais Oitocentista.


Deixar Portugal e transferir a Corte para o Brasil – medida preparada entre setembro e outubro e aprovada por d. João em 24 de novembro de 1807, em reunião do Conselho de Estado, sob a ameaça da invasão francesa e da decorrente desagregação do seu Império Colonial Português, espalhado pela América, África e Ásia – muda de ponta-cabeça as relações Metrópole/Colônia. Sob o impacto desse acontecimento, em que se desfaz, ipso facto, o status colonial do Brasil, em face do deslocamento do centro de poder político do Império Português para o Brasil, torna-se urgente a montagem das estruturas da administração central portuguesa, tarefa, em si, extremamente complexa. Isso, ao mesmo tempo em que, no plano interno, impõe-se também criar as condições para atender às novas exigências postas para a sustentação de uma dispendiosa máquina administrativa burocrática e seus apêndices de cargos e mercês. Não se chega às províncias do Império sem se passar pelas capitanias. É certo que, com a chegada da Corte ao Brasil, não houve mudança no estatuto por que essas se pautavam. Isso, porém, não significa que as capitanias não tenham passado por mudanças importantes depois de inseridas em novo contexto político, econômico, social e cultural, cuja cadeia de acontecimentos, de que são indissociáveis, marca o Período Joanino e a Regência de d. Pedro. Assim, o foco desta apresentação passa ao largo da política regional e municipal, para fazer uma breve trajetória de eventos e acontecimentos que aparecem como etapas essenciais da transição das capitanias a províncias do Império. Quanto aos governadores e capitães-generais de capitanias, esses permanecem, praticamente, intocados em seus poderes administrativos, fazendários, judiciais e militares, bem como no de participação nas Juntas da Real Fazenda e das Juntas da Justiça. O mesmo não ocorre com as cidades e vilas. Essas passam a obedecer a uma política, essencialmente fiscal, de criação de novas comarcas e redefinições de limites, destinada a ampliar a arrecadação das Câmaras, visando à manutenção das estruturas de poder da Metrópole, readaptadas ao Brasil. Em outra perspectiva, por razões fiscais e/ou estratégicas, são criadas, pela emancipação de comarcas, quatro novas capitanias: Piauí (1811), Alagoas (1817), Rio Grande do Norte (1818) e Sergipe (1820). O resultado natural dessa política foi o aumento significativo do número de juízes de fora, agentes fiscalizadores, com a função de intervir nas atividades das Câmaras, especialmente na área tributária e na contenção dos desmandos dos camaristas. No geral, o assentamento do centro de poder do Império Português no Rio de Janeiro instaura uma tensão, particularmente em questões fiscais, como exemplifica o caso dos juízes de fora, mas também em questões de justiça, em que se confrontam os agentes régios com a justiça privada, executada pelas mãos dos poderosos locais. Tensão que mais se amplia quando se considera que cada uma das capitanias constitui praticamente uma colônia ou uma pátria regional, sem elos umas com as outras, que até a chegada da Corte ao Rio de Janeiro, tinham seu centro na Metrópole. Sobre isso, diz muito a historiadora Iara Lis Schiavinatto, História de Minas Gerais

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que, ao tratar da guerra com Caiena, refere-se ao outro lado das fronteiras como ao que se chamava “genericamente Brasil”. Com a Lei de 16 de dezembro, em 1815, ainda na Regência de d. João, dá-se a elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, o que em nada altera o status das capitanias. No plano político, porém, esse fato reforça a ideia de permanência da Corte no Rio de Janeiro, mantida em suspenso, como ponto crítico, em meio à indecisão de d. João – aclamado Rei em fevereiro de 1818 – de, já cessado o perigo francês, regressar a Portugal. À época, vive-se, em Lisboa, um clima de agitação, confabulação e expectativas, quando no rastro da Revolução Liberal, na Espanha (1° janeiro de 1820), eclode a Revolução Liberal do Porto (24 de agosto de 1820), que exige a convocação de Cortes Constituintes e, em um verdadeiro ultimato, o retorno de d. João VI a Portugal. Em 30 de outubro de 1820, sem mesmo aguardar resposta do Brasil, o Governo Regencial fixou as regras para a convocação das Cortes, que se referiam apenas ao Reino de Portugal. Em 26 de janeiro de 1821, instalam-se, em Lisboa, as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, com poderes deliberativos – diferentemente das Cortes tradicionais do Antigo Regime. As notícias do Movimento Constitucionalista espraiam-se rápido pelas capitanias do Brasil e provocam as primeiras adesões: Grão-Pará (1º de janeiro de 1821) e Bahia (10 de fevereiro de 1821). Na continuidade das tensões acumuladas, o constitucionalismo impõe-se também no Rio de Janeiro, basicamente, pela insurreição da Divisão Portuguesa da Tropa do Rio de Janeiro (26 de fevereiro de 1821), que exige de d. João VI o juramento à Constituição que as Cortes Gerais viessem a elaborar, a troca de Ministério e que ele pusesse em vigor a Constituição da Espanha. Dessas propostas, negociadas pelo Príncipe d. Pedro com os insurgentes, procede a aquiescência de d. João VI, de d. Pedro e de membros da Corte à Constituição que seria elaborada pelas Cortes Gerais – fato a que se tem denominado Juramento Prévio – bem como a aceitação da troca de ministério, o que de fato acontece. Como ganho, consegue-se evitar que entrasse em vigor, interinamente, a Constituição da Espanha. Nesse contexto marcado pela difusão do constitucionalismo, já instituídas à revelia Juntas Governativas “provisórias independentes” no Grão-Pará e na Bahia – nesta última, a situação é mais preocupante em face da condição de antiga capital, polo urbanizado, posição geográfica estratégica e volume de comércio –, passam as Cortes Gerais a uma política ativa, que prenuncia para os Vintistas, no limite, até uma possível dissolução dos laços entre Portugal e Brasil. Em meio a essa turbulência, ainda na ausência de d. João VI e sem conhecimento dos acontecimentos no Brasil, elabora-se o decreto de 18 de abril de 1821, pelo qual, em essência, são reconhecidos e legitimados todos os Governos Provisórios já criados, ou a sê-lo, nas possessões do Ultramar e ilhas adjacentes que abraçassem o constitucionalismo. Na sequência desse reconhecimento, determina-se que os Governos Provisórios procedam, de imediato, à eleição de seus deputados às Cortes Gerais. Em agosto, 13 A Província de Minas 2


deste mesmo ano de 1821, essas representações começam a chegar a Lisboa, sendo a primeira a de Pernambuco. Cabe destacar, ainda, que nesse decreto já não se fala mais em capitanias e, sim, em províncias. É o que se constata, de forma textual, quando se ordena a Regência do Reino de Portugal a estreitar laços de fraternidade com as “províncias” ultramarinas “prestando-lhes os possíveis auxílios para se tornar perpétua e indissolúvel a mútua união”. Coincidentemente, na mesma data desse decreto de 18 de abril, chegam a Lisboa, pelo navio de guerra D. Maria da Glória, notícias dos acontecimentos no Brasil: o juramento prévio à Constituição por d. João VI e pelo Príncipe d. Pedro, em meio a uma insurreição militar no Rio de Janeiro. Em uma cronologia em que se há de respeitar os tempos das viagens marítimas da época, no Brasil, retorne-se a 26 de fevereiro, data em que d. João VI proferiu o Juramento Prévio à Constituição. Esse acontecimento é decisivo para os encaminhamentos que, por via de decretos, o Rei passou a tomar. Entre eles, destaca-se o decreto de 2 de março de 1821, que abole a censura prévia e regulamenta a liberdade de imprensa, quebrando o monopólio da Impressão Régia na Corte. É a partir desse decreto que fervilha a livre circulação de panfletos e periódicos e se intensifica o debate político. Em 7 de março, d. João VI formaliza, em novo decreto, sua decisão de retornar a Portugal e deixar d. Pedro como Regente do Reino do Brasil. Em 26 de abril, após o regresso de d. João VI, d. Pedro assume a Regência, que, como se sabe, nunca foi bem vista pelas Cortes Gerais, pelo fato de o Príncipe não ter ficado submetido a nenhuma Junta de Governo e resistir às pressões para criar uma Junta no Rio de Janeiro. Esse fato é divisor fundamental na sequência dos acontecimentos que tornam críticas as relações entre d. Pedro, tratado, então, como um Delegado Temporário, e as Cortes Gerais. Em agosto de 1821, apresenta-se às Cortes Gerais proposta de decreto, em que se estabelecem os termos por que passariam a ser regidas as relações entre Brasil e Portugal. Em resumo, mantém-se a legitimação das Juntas Governativas “provisórias independentes” estabelecidas ou por se estabelecer, nos mesmos termos do decreto de 18 de abril. Juntas Provinciais assumiriam os Governos Provisórios das províncias onde houvesse governador nomeado por d. João; os presidentes das Juntas de Governo das províncias passariam a se subordinar às Cortes e ao Rei, sem qualquer autoridade militar; em cada província haveria um comandante de armas diretamente submetido a Lisboa, os órgãos criados no Rio de Janeiro seriam extintos e seria determinada a volta do Príncipe Regente para Portugal. Em setembro de 1821, essas propostas se tornam decretos. De todas essas decisões, tomadas em face da urgência de Portugal em estabilizar suas relações com o Brasil, a “institucionalização” das províncias (decreto de 29 de setembro de 1821), que as subordina a Lisboa, demarca a conjuntura crítica que vai levar ao desfecho a separação entre Brasil e Portugal, marcada pelo simbólico “Fico” de d. Pedro, em janeiro de 1822, em resposta aos apoios recebidos no Rio de Janeiro. Em contrapartida às políticas das Cortes, mesmo na incerteza do apoio das províncias, História de Minas Gerais

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d. Pedro institui, em fevereiro do mesmo ano, o Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, órgão de caráter eletivo. No mês de março seguinte, ele se desloca para Minas em busca de apoio, onde cria o cargo de ministro especial para referendar, publicar ou executar seus atos de governo. Com o mesmo objetivo, parte em seguida para São Paulo, formando, assim, o triângulo Rio, Minas e São Paulo, principais províncias mentoras do projeto separatista que sairia vitorioso. Assegurada a Independência, já no contexto da Constituinte de 1823, constam, entre muitas divergências, proposições dos Constituintes brasileiros, no intento de, em franca tendência descentralizadora, ampliar os poderes dos Conselhos de Governo das Províncias, a serem criados. Em meio aos desentendimentos na Constituinte, d. Pedro I, por Lei Imperial de 20 de outubro de 1823, extingue as Juntas Provisórias de Governo, passando o governo das províncias, também em caráter provisório, a um presidente executor e administrador, nomeado pelo imperador e um conselho, cujas atribuições permanecem indefinidas. Dissolvida a Assembleia Constituinte, em 12 de novembro de 1823, é somente na Constituição de 1824, outorgada por d. Pedro, que são definidas as atribuições dos conselhos de províncias, que, sem autonomia, permanecem atadas à capital do Império. É sobre esse pano de fundo que se apresenta aos leitores esta obra de investigação sobre a história de Minas Gerais do Oitocentos, analisada em múltiplos aspectos que conformam sua complexidade regional e seu significante papel na formação do Estado Imperial Brasileiro. A Província de Minas, que ora se dá a público, é a segunda parte da Coleção História de Minas Gerais, dedicada à história de Minas nos períodos colonial, imperial e republicano. Nos dois volumes que a constituem, reúnem-se 43 historiadores e experts de áreas vizinhas à História, cuja contribuição é inestimável para se compor um cenário mais amplo do Oitocentos mineiro. Certamente, não foi objetivo dos organizadores cobrir todos os assuntos, o que implicaria pretender o impossível. É importante salientar, no entanto, que a concretização desta obra, considerando-se o grande número de pesquisadores envolvidos, não foi tarefa fácil, que só se viabilizou em decorrência do espírito de colaboração dos autores, que se manteve no decorrer de sua elaboração. Reafirmando-se o princípio que deu origem à Coleção História de Minas Gerais, é imprescindível esclarecer que duas razões se fundiram na sua proposta original: por um lado, a carência de obras que, nos últimos 50 anos, contenham uma abordagem mais geral, que não se prenda exclusivamente ao exame de temas específicos; e, por outro, a expansão da massa crítica de pesquisadores, fato de que tem resultado em pesquisas empíricas cada vez mais aprimoradas e em reflexões cada vez mais aprofundadas. Essa conjunção favorável entre ausência e presença tornou possível a reunião de um número considerável de estudos que se assentam sobre uma base de excelentes investigações nos diferentes campos de interesse de cada pesquisador. Como não podia deixar de ser, esta obra reflete a profunda renovação por que têm passado as pesquisas históricas nos últimos 30 anos, tanto no plano das fontes 15 A Província de Minas 2


e das temáticas quanto no das abordagens e dos novos aportes metodológicos ao trabalho do historiador. É essencial enfatizar que a revolução provocada na pesquisa histórica pela informática e seus contínuos avanços se materializa na ampliação contínua do acesso à documentação e à produção historiográfica, por sua disponibilização on-line, e em recursos que permitem aprofundar a análise crítica das fontes, por meio de gráficos, tabelas, mapas, quantificações e outras ferramentas importantes na arquitetura argumentativa de novas interpretações. Essa renovação, movimento historiográfico de dimensões internacionais, vem possibilitando, em especial aos estudiosos da história de Minas, a abertura de novas trilhas de pesquisa e a verticalização do conhecimento em áreas importantes. Nesse cenário, entre inovação e reavaliação, chama a atenção a vitalidade que os estudos históricos sobre Minas Gerais têm apresentado nas duas últimas décadas. Para isso, concorrem, de forma simultânea, a expansão dos programas de pós-graduação em História e uma imensa disponibilização de fontes, tanto pela via on-line quanto pela presencial, nas instituições detentoras da guarda de acervos, produto de políticas destinadas a resgatar, ordenar e disponibilizar documentação de interesse para a história de Minas. Uma primeira e basilar consequência desse fato é a ampliação da pesquisa empírica, visto que não se faz história sem fontes. Há muito, são evidentes os resultados desse movimento. Novas trilhas de pesquisa têm sido abertas, fazendo esfumaçarem-se muitas das certezas que, em determinadas épocas, foram prevalecentes. A produção historiográfica das últimas décadas sobre Minas Gerais – seja do Setecentismo, do Oitocentismo ou da Minas Republicana –, elaborada em universidades e centros de pesquisa no País e no exterior, tem sido marcada, basicamente, por uma reavaliação crítica dos conhecimentos tidos como estabelecidos, não só no sentido de ampliá-los, mas também de refutá-los, em função de problematizações mais complexas; pela introdução de novas temáticas e novas abordagens e pela utilização de uma multiplicidade de novas fontes. Ao lado dessas novas abordagens, registra-se a incorporação à historiografia sobre Minas Gerais de uma multiplicidade de novos objetos historiográficos – a morte, as festas, a sexualidade, as relações clientelares, as redes de poder, a cultura política, a cartografia, as bibliotecas, as práticas de leitura e escrita, e as inconfidências no plural, entre outros. No conjunto, alguns aspectos devem ser destacados de forma particular. O primeiro é a constatação de que, no quadro geral da historiografia sobre Minas Gerais, o Setecentismo é objeto privilegiado. E não podia ser de outra forma. É fora de dúvida que a história de Minas do Setecentismo é indissociável do imaginário edênico suscitado pelas minas de ouro, a que se juntaram a cobiça e as engrenagens da política e das economias não só do Brasil e de Portugal e seu Ultramar, bem como, particularmente, das potências europeias da época, em especial da Inglaterra. Não sem razão, esse período da história de Minas tem se revelado um campo de estudos que atrai de forma contínua pesquisadores no Brasil e no exterior. História de Minas Gerais

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Por sua vez, os estudos historiográficos referentes a Minas Gerais na República anteciparam-se ao interesse sobre a história da Província. Nos entornos dos últimos anos da década de 1970, os temas republicanos começam a despertar a atenção dos estudiosos, mantendo-se, a partir de então, certa regularidade de estudos. Alguns indicadores gerais da produção historiográfica nos programas de pós-graduação sugerem que essa produção, anteriormente mais centrada na primeira república, tem avançando bastante em pesquisas dedicadas ao pós-trinta. Sem exclusão de outras temáticas, destaca-se, nesse caso, um interesse crescente pelo viés do político, na turbulência de uma República entre ordem e desordem, engolida nas tramas de um passado de violência e repressão. No que se refere à historiografia do Período Provincial, objeto da presente obra, essa só ganha fôlego nas duas últimas décadas, em que pesem os estudos pioneiros de Francisco Iglésias, Política econômica do Governo Provincial Mineiro (1835-1889), tese de livre-docência defendida na Universidade Federal de Minas Gerais e publicada em 1958; e de Alcir Lenharo, As tropas da moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil (1808-1842), dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo e publicada em 1979. Também se destacam como marcos desse pioneirismo a tese de doutorado de Peter Blasenheim, A Regional History of the Zona da Mata in Minas Gerais (1870-1906), defendida na Universidade de Stanford, na Califórnia/EUA, em 1982; a tese de doutorado de Roberto Borges Martins, Growing in Silence: The Slave Economy of NineteenthCentury Minas Gerais, Brazil, defendida na Vanderbilt University, Tennessee/EUA, em 1980; e, igualmente, livro de Douglas Cole Libby, Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX, publicado em São Paulo, pela Brasiliense, em 1988. Somente a partir dos primeiros anos da década de 1990, começa a se configurar, com regularidade, uma produção historiográfica sobre a Província de Minas, cujos resultados põem em xeque, em pouco mais de duas décadas, interpretações tradicionais que se pautavam pelo pressuposto de uma Província decadente, sem notas de singularidade que a distinguissem das demais províncias do Império, no compasso unificador do Governo Central. Hoje, com uma vasta produção, a historiografia sobre Minas Gerais do Oitocentos, vista no contexto da historiografia brasileira, entre aspectos compartilhados e circunstâncias particulares – políticos, econômicos e sociais –, caracteriza-se por uma reviravolta, que se confronta com as versões difusas dos que viam Minas, até então, pelo viés exclusivo da mineração. Essa historiografia revisionista, que se impõe, já nos primeiros anos da década de 1990, por um intenso debate em torno da demografia e da escravidão no Brasil, bem como, de forma particular, para a Província de Minas, alarga-se sobre o mercado interno, a abertura do Sertão do Leste, a(s) política(s) indigenista(s), o boom cartográfico, as mudanças socioculturais, os conflitos sociais, a diversidade na constituição de espaços públicos e a singularidade da Província de Minas no cenário político durante todo o Período Imperial, entre outros importantes temas. 17 A Província de Minas 2


Essas reinterpretações da história de Minas indicam que o cenário de Minas Gerais do Oitocentos, em sua complexidade, abre-se continuamente a novas indagações. E é isso que nos mostra uma historiografia sobre Minas Gerais vigorosa, que se mantém em permanente diálogo com suas fontes. Como conclusão, impõe-se reafirmar os princípios que motivaram a execução desta obra. Destaque-se, de forma especial, a renovação de temas e de metodologia por que tem passado a ciência e a arte de fazer história e da produção de um conhecimento acumulado sobre a história de Minas Gerais, fruto de uma produção acadêmica cuja qualidade e quantidade é impossível ignorar. No entanto, esses conhecimentos – originados de dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos – permanecem circunscritos, basicamente, à comunidade acadêmica, seja porque se mantêm mais restritos a seus próprios pares, seja porque muitas dissertações e teses não são publicadas em livro, difundindo-se, em parte, em periódicos especializados. Nessa perspectiva, divulgar e dar maior visibilidade a essas pesquisas é o objetivo fundamental que se pretende alcançar. Espera-se, pois, que esta obra se torne não só instrumento de trabalho para estudantes e profissionais em todas as áreas em que o conhecimento histórico é base e referência, mas também atenda à demanda de um público mais amplo de leitores interessados em um conhecimento histórico atualizado e elaborado segundo padrões historiográficos do presente. A esses leitores, reitera-se a certeza da existência, em todas as sociedades, de uma paixão pela sua própria história, ou seja, pelo conhecimento e inteligibilidade de seu passado. É preciso reconhecer, por fim, que com esta obra esperamos contribuir para a construção de uma nova memória de Minas Gerais em sua inserção no contexto político, econômico, social e cultural brasileiro.

Belo Horizonte, setembro de 2013 Maria Efigênia Lage de Resende

História de Minas Gerais

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Panorama de Ouro Preto [Cidade imperial por Carta de Lei de 1823], autoria desconhecida, c. 1870. O Museu da Inconfidência. São Paulo: Banco Safra, 1995.

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