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Foto: Joshua Sugiyama
Visite o site de Stefan Petrucha: www.petrucha.com VASUDEV MURTHY SHERLOCK HOLMES NO JAPÃO 1893, aventuras dos anos perdidos do detetive mais famoso da história
JACK, O ESTRIPADOR EM NOVA YORK
stefan petrucha é um grande fã de quadrinhos, ficção científica e terror. Desenvolveu um carinho por todo tipo de obra literária nos tempos de colégio e de faculdade, e acabou descobrindo que as melhores obras de ficção são aquelas que nos trazem de volta à realidade, de modo que, no fim das contas, não há para onde correr. Trabalhou como redator técnico, compilador de obras pedagógicas, redator de relações públicas e editor de jornais comerciais, mas a ficção sempre foi sua grande paixão. Escreveu várias graphic novels baseadas nas séries de TV Arquivo X e Contos da Cripta, bem como histórias para a série de detetive Nancy Drew, além de ter publicado inúmeros romances de terror e ficção científica para jovens adultos, incluindo Paranormal State, livro inspirado na famosa série de TV do canal A&E. Stefan mora no oeste de Massachusetts, nos Estados Unidos, com a esposa e as filhas.
ter crescido num orfanato, tendo apenas romances policiais e a habilidade de abrir fechaduras para estimulá-lo. Entretanto, ao ser adotado pelo detetive Hawking, da mundialmente famosa Agência Pinkerton, Carver não só tem a chance de encontrar seu pai biológico como também se vê bem no meio de uma investigação de verdade, no encalço do cruel serial killer que está deixando Nova York em pânico total. Mas quando o caso começa a ser desvendado, a situação fica pior do que ele poderia imaginar, e sua relação com o senhor Hawking e com os detetives da Nova Pinkerton entra em risco. À medida que mais corpos aparecem e a investigação ganha contornos inquietantes, Carver precisa decidir: de que lado realmente está? Com diálogos brilhantes, engenhocas retrofuturistas e a participação de Teddy Roosevelt, comissário da polícia de Nova York que viria a ser presidente dos Estados Unidos, Jack, o Estripador em Nova York desafiará tudo o que você pensava saber sobre o assassino mais famoso do mundo. E o deixará sem fôlego!
STEFAN PETRUCHA
CARVER YOUNG sonha ser um detetive, apesar de
N A F STE HA C U R PET
K C , A J
A D O I P R R T S OE
ork y a v o n em TIVE
EM DETE V O J M U 1895, E N C A L Ç O D O NO
ISBN 978-85-8286-182-0
9 788582
861820
ILLER K L A I SER M A I S F A M O S O
IA DA HISTÓR
“Stefan Petrucha revisita eventos históricos de modo inovador e dá, finalmente, um rosto e um nome para um dos assassinos mais conhecidos de todos os tempos. Um livro empolgante e fascinante, tanto para jovens quanto para adultos.”
VOYA “Jack, o Estripador em Nova York tem, do início ao fim, um ritmo impetuoso, que não diminui nem por um instante.”
Publishers Weekly “Uma aventura espirituosa e bem construída através da Nova York de outrora, na companhia de uma parceira encantadora.”
Kirkus Review “Esta história, repleta de enigmas, perseguições, cenas de luta e reviravoltas bem elaboradas vai manter os leitores tensos até a última página, para a revelação final.”
Horn Book
S T E FA N P E T R U C H A
JACK,
O E TRIPADOR
em nova york
VEM D 1895, UM JAOLÇO DO ETETIVE NO ENC
SERIAL KILLER
MAIS FAMOSO
DA HISTÓRIA Tradução de Guilherme Henrique Miranda
Copyright © 2012 Philomel Books, um selo do Peguim Young Readers Group Copyright da tradução © 2015 Editora Nemo/Vestígio
Título original: Ripper – You Thought You Knew Him. You Were Dead Wrong Todos os direitos reservados pela Editora Nemo. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora. GERENTE EDITORIAL
CAPA
Arnaud Vin
Carol Oliveira Diogo Droschi (Sobre imagem de Dimapf)
EDITOR ASSISTENTE
Eduardo Soares
DIAGRAMAÇÃO
PREPARAÇÃO
Christiane Morais de Oliveira
Karina Danza REVISÃO (EQUIPE AB AETERNO)
Camile Mendrot Juliana Amato
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil
Petrucha, Stefan Jack, o Estripador em Nova York : 1895, um jovem detetive no encalço do serial killer mais famoso da história / Stefan Petrucha ; tradução de Guilherme Henrique Miranda. -- 1. ed. -- São Paulo : Vestígio, 2015. Título original: Ripper – You Thought You Knew Him. You Were Dead Wrong ISBN 978-85-8286-182-0 1. Ficção - Literatura juvenil 2. Ficção de suspense 3. Ficção norte-americana I. Título. 15-01802
CDD-813
Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção juvenil de suspense : Literatura norte-americana 813
A VESTÍGIO É UMA EDITORA DO GRUPO AUTÊNTICA São Paulo Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, Horsa I, 23º andar, Conj. 2301 Cerqueira César . 01311-940 São Paulo . SP Tel.: (55 11) 3034-4468 Televendas: 0800 283 13 22 www.editoravestigio.com.br
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1 23 de maio de 1895 BIBLIOTECA LENOX
– Vou mostrar um segredo pra você.
Elizabeth B. Rowley gostou da confiança dele. Normalmente, ela andava às voltas com homens carecas e bigodudos ou com rapazes mais novos, tão desajeitados quanto os macacos do zoológico do Central Park. Mas aquele era diferente... Estava mais para um lobo. Ela gostou do modo como ele a havia tirado daquele grupo sem graça. Enquanto os filhinhos de papai e as damas da alta sociedade, com chapéus e vestidos enormes, se aglomeravam no salão principal de pé-direito altíssimo, ali estavam eles, cercados por prateleiras abarrotadas que continham sabe-se lá que segredos. – Será que não sentirão nossa falta? – perguntou ela. – Eu não queria ser indelicada. Ele sorriu. – Absolutamente! Não permita que eu seja má influência. Tenho certeza de que a festa deve estar muito mais interessante. Do outro lado das estantes, as famílias Astor, Guggenheim, Rockefeller e outros membros da alta sociedade falavam disso e daquilo. De cultura empresarial. Do clima de maio. Do novo comissário da polícia, Roosevelt – se conseguiria fazer algo de bom numa força policial tão corrupta que era difícil distingui-la das gangues de rua. – Onde está seu segredo? Espero que esteja por aqui, senhor...? – Assim que descermos as escadas, mas receio que esteja um pouco escuro... – Então devo confiar no senhor pra me guiar – disse ela, pousando a mão sobre o braço dele, impressionada com seus músculos fortes. Ele também era bem alto. O desconhecido a levou para mais longe do grupo enfadonho, passando por mais e mais estantes, até que chegaram a uma porta antiga, cujas dobradiças soltavam um gemido triste. Atrás dela, havia uma escadaria íngreme que, embora iluminada por uma lâmpada elétrica, mergulhava na escuridão. 7
Ele desceu na frente. A mão dela ainda pousava sobre seu braço quando chegaram ao fim da escada. O homem seguiu adiante, desaparecendo na escuridão. Ela conseguiu dar mais dois passos sozinha e adentrou um amplo espaço tomado pelo cheiro de livros. – Não conseguiram custear as instalações elétricas de todo o prédio – disse a voz sem corpo do homem. – Uma pena – respondeu ela, encontrando a silhueta dele quando o viu torcer a válvula de uma velha e fraca lâmpada a gás colocada na parede. Com o leve silvo do gás, ele enfiou as mãos nos bolsos. – Discordo – falou, tirando do bolso um palito de fósforo. – Sempre odiei as lâmpadas do senhor Edison. Fortes demais. Riscou o fósforo na parede de gesso, gerando uma faísca, anéis de fumaça e, por fim, uma pequena e calorosa chama. Quando a encostou no lampião, uma chama amarela bruxuleou no bocal. – Isso é muito mais suave. Uma série de prateleiras sepulcrais apareceu sob a luz. Elas pareciam se estender infinitamente. Com o tremular da luz, as sombras pulsavam. – Ela torna até a escuridão mais vívida. Como a batida de um coração. Antes que ela pudesse pensar numa resposta inteligente, ele a conduziu até o corredor central. Parou depois de andar um quarto do caminho e passou o dedo pelas lombadas envelhecidas dos livros. Temendo estar quieta há tempo demais, ela se esforçou para dizer algo interessante. – O senhor já foi publicado? É um escritor? – Eu? Não, não. Escrevi algumas... cartas, mas só isso – disse ele, retirando um livro grosso da prateleira. Ela se aproximou, sentindo o calor do casaco dele. – É esse o seu segredo? Não vai me mostrar o que é? – Que tolice a minha. Elizabeth Rowley, conheça Os crimes de Jack, o Estripador, publicado em 1891. Ela conteve um riso nervoso. – Nossa, parece literatura de horror barata! Esse não é aquele assassino de Whitechapel que matou aquelas pobres mulheres em Londres, sete anos atrás? – Pobres em mais de um sentido – respondeu ele, folheando o livro. – Elas viviam em péssimas condições e mal conseguiam se alimentar à custa dos outros. Ele nunca tocou numa mulher rica. – Claro que não. Ele não se atreveria. Ele se voltou para ela. – Nunca o pegaram, então é difícil saber o que ele se atreveria ou não a fazer, não acha? 8
– O que há nesse assassino terrível que interessa o senhor? – É apenas este livro em particular – respondeu ele. – A edição é péssima, cheia de erros factuais e com uma gramática que faria um colegial se envergonhar. É por isso que não existem muitas cópias. No entanto, tem o diferencial de ser o único livro sobre o insolente Jack com... isto. Mostrou o livro aberto num fac-símile. Mesmo à luz da chama distante, ela pôde distinguir as palavras escritas numa caligrafia bruta. – Li muito sobre isso, mas nunca tinha visto o bilhete em si – observou ela.
25 de setembro de 1888
Caro Chefe,
Tenho ouvido dizer que a polícia me pegou, mas ainda não foi dessa vez. É hilário quando eles dizem que estão no caminho certo, achando-se muito espertos. Aquela piada sobre o Avental de Couro me deu um verdadeiro ataque de riso. Estou na cola das prostitutas e não vou parar de estripá-las até me prenderem de fato. Obra grandiosa foi o último trabalho. Não dei à mulherdama nenhum tempo de gritar. Quero ver me pegarem agora. Adoro meu ofício e não vejo a hora de começar de novo. Em breve vocês ouvirão falar de mim e de minhas travessuras. Guardei numa garrafa de cerveja de gengibre um pouco do fino material vermelho do último serviço mas ficou grosso como cola e não posso usá-lo para escrever. Tinta vermelha deve ser tão boa quanto, espero, ha-ha. No próximo serviço, vou cortar as orelhas da mulher-dama e mandar para os policiais só de farra, que tal? Guarde esta carta até que eu tenha trabalhado mais um pouco, depois a divulgue imediatamente. Minha faca é tão bela e afiada que quero trabalhar agora mesmo, se eu tiver chance. Boa sorte. A seu dispor, Jack, o Estripador 9
Ele pegou o livro de volta. – Poucos aqui viram. Esta é a única cópia em que alguém em Nova York poderia pôr as mãos sem ter de entrar em contato com a Scotland Yard, em Londres. Com um forte estalo, arrancou a página e a colocou no bolso. – Agora... não há nenhuma. Os olhos dela se arregalaram. A violação era ousada, porém ele deveria ter suas razões. Enquanto ele colocava o livro de volta no lugar, ela começou a pensar numa explicação. – É um homem da lei, senhor...? – Depende de a que lei a senhorita se refere. Eu sigo a minha própria. Um lampejo a fez virar a cabeça para a mão dele, que agora segurava uma longa e afiada faca cuja lâmina refletia o brilho amarelado vindo da lamparina a gás. Quando Elizabeth B. Rowley voltou a levantar os olhos, a mão dele já estava em sua garganta. Qualquer som que ela pudesse ter emitido, qualquer objeção que pudesse ter feito, foram abafados pelo forte punho dele. Ele a levantou com firmeza até que, a começar pelos calcanhares, os pés dela não mais tocassem o chão. – E, por favor, não vamos nos deter com formalidades – pediu ele. – Você pode me chamar de Jack.
2 Cercado de sons perturbadores por todos os lados, Carver Young se esforçou para manter a mão firme. Ele precisava se concentrar. Precisava. Sabia que conseguiria fazer aquilo. Não era um menininho com medo do escuro. Na verdade, adorava o escuro. Mas as rachaduras nas paredes do sótão deixavam o vento correr solto. Papéis velhos esvoaçavam como pássaros assustados. Roupas bolorentas farfalhavam, como possuídas por espíritos. E então o cutelo, encravado no teto, bem acima dele, se mexeu. Aquilo era demais. Carver deu um passo para trás, fazendo a tábua do assoalho ranger. “Não! Se alguém lá embaixo me escutar...” Praguejando, engatinhou de volta sob a lâmina. Ela não cairia. Estava lá havia anos. Não tinha por que cair naquele momento. Respirando fundo, voltou a examinar a tranca. O buraco da fechadura era estreito, e os pinos 10
que prendiam o cilindro do miolo eram difíceis de alcançar. Claro que logo essa seria a única fechadura no Orfanato Ellis que lhe daria trabalho. Aquela não era sua primeira infração, mas era a que poderia mudar sua vida. Invadir a cozinha ou afanar materiais escolares era perdoável e registrado como “indiscrição juvenil”, nas palavras da senhorita Petty. Dessa vez, porém, ele poderia ir parar atrás das grades. Certeza que Finn e sua gangue ficariam muito satisfeitos com isso. O magrelo Carver trancafiado nos calabouços, encurralado entre assassinos e assaltantes, enquanto Finn, um ladrão de verdade, permanecia livre. Mas Sherlock Holmes e Nick Neverseen não fariam o mesmo? Não burlariam a lei para chegar à verdade? O cutelo voltou a ranger, como se estivesse ansioso para punir alguém. Antes de vê-lo com seus próprios olhos, Carver achava que se tratava de uma mentira que os pequenos contavam para assustar uns aos outros. A história contava que um garoto qualquer foi pego roubando biscoitos de Curly, o cozinheiro. Bêbado como um gambá e furioso como o diabo, Curly pegou o cutelo e seguiu o menino até o sótão, mas, quando levantou a faca para golpeá-lo, o pobrezinho se ajoelhou e começou a chorar. O cozinheiro ficou com dó e, em vez de atacar o garoto, jogou a faca para cima. Talvez a lâmina tivesse sido deixada ali como um aviso, como uma caveira num tesouro de piratas. Não! Era mais como aquela antiga lenda grega da Espada de Dâmocles. Dâmocles sentia muita inveja de um certo rei, o qual, então, se ofereceu para que trocassem de lugar. O “rei” Dâmocles ficou animadíssimo, até olhar para cima e ver uma espada pendendo sobre sua cabeça, presa por um barbante. Ele entendeu a questão. O preço do poder era o medo. Era por isso que a mão de Carver não parava de tremer? Do outro lado da porta estavam os arquivos secretos de todos os órfãos do Ellis, incluindo os que haviam ido embora e os que, assim como ele, estavam lá havia mais de uma década. Carver não sabia nada sobre os próprios pais, nem seus nomes, nem como eram, muito menos como viviam, ou se já tinham morrido. Seu sobrenome, Young, foi inventado pela senhorita Petty, pois ele ainda era um bebê quando chegou. Desde que começou a arrombar fechaduras, pensou em subir ali e descobrir o que a senhorita Petty não lhe contara. Ela sempre hesitava muito ao conversar sobre o passado dele. Agora que a diretora saíra, ele tinha a oportunidade que precisava. Ao menos era o que achava. Depois de uma hora tentando, a fechadura não cedia à sua coleção de pregos curvados. Ou eles eram grossos demais ou tinham o formato errado, e ele não conseguiria curvá-los naquele instante. 11
Deu um passo para trás e olhou ao redor, em busca de alguma outra coisa que pudesse usar. O longo e vasto sótão estava abarrotado de caixas em desordem, cabides de roupas e baús – um cemitério de lembranças. Algo colorido no meio do breu chamou sua atenção. Entre uns blocos de alfabeto mordidos e gastos estava seu antigo brinquedo favorito, um velho caubói de corda, montado num cavalo. Esse brinquedo, que era de uma criança rica, tinha vindo da Europa e fora doado porque estava velho e quebrado. A senhorita Petty ficou admirada quando Carver, com apenas cinco anos na época, consertou-o. O Homem Caubói, como ele o chamava. Agora, aos catorze anos, ele levantou o brinquedo. A chave de dar corda estava solta. Tinha quebrado de novo, mas talvez pudesse ajudá-lo uma última vez. Usando seu prego mais grosso, Carver abriu o cavalo. Dava a impressão de que alguém tinha derrubado leite dentro dele anos atrás, mas as peças estavam intactas. Seria possível consertá-lo novamente, mas ele não precisava de um brinquedo. Em vez disso, retirou o arame que movimentava as patas do cavalo para a frente e para trás. Era fino o bastante, mas estava enferrujado. Provavelmente quebraria. Mesmo assim, valia a pena tentar. Ele o dobrou com cuidado e, quando ficou satisfeito com o formato, deslizou-o para dentro do buraco da fechadura. Lentamente virou-o. Houve um estalo. O cilindro tinha girado. A porta se abriu para dentro. Tinha conseguido! Dando um risinho de deboche para o cutelo, entrou numa sala acinzentada, repleta de armários de arquivos. Estava muito escuro para ler as etiquetas, mas Carver imaginou que a gaveta do canto inferior direito contivesse os X-Y-Z. Quando a abriu, o metal seco rangeu alto. Aquilo não devia ser ilegal. Afinal de contas, a única coisa que ele queria era seu próprio arquivo. Retirou todos os arquivos e os levou até um fraco raio de sol. Enquanto examinava a incômoda pilha, uma brisa derrubou um pedaço de papel que estava no final do monte. Com medo de derrubar a pilha toda caso se inclinasse para pegá-lo, colocou o pé em cima dele e o manteve assim, enquanto estudava os outros. Nenhum na letra X, mas alguns na W – Welles, Winfrey, Winters. Lá estava ele, embaixo de todos: Young, Carver. Colocou a pilha em cima de um velho baú e pousou uma gaiola em cima, para que os papéis não voassem. Ansioso, abriu seu arquivo. Nada. A única coisa que havia lá era um cartão anexado igual ao que ele vira no escritório da senhorita Petty, que listava o nome do órfão e todos os 12
pertences que tinham chegado junto com ele. A linha dos nomes dos pais estava em branco. Sequer mencionava a mulher que, pelo que a senhorita Petty havia dito, o levara para o Ellis quando era um bebê. O cartão tinha apenas um registro, na letra pequena e caprichada da senhorita Petty, datado de 1889. Uma carta havia sido recebida da Inglaterra. Dos pais dele? Não dizia. Carver baixou os olhos. O papel ainda estava embaixo de seu pé. Depois de deixar a pasta de lado, pegou o pequeno papel dobrado num retângulo imperfeito. Era uma carta. O papel era grosso e escrito com uma caneta-tinteiro que borrava em grandes manchas. A caligrafia era grosseira, quase um garrancho.
18 de julho de 1889 Não hei de desistir, mas tenho de parar p or enquanto, Chefe. Não p ense que liquidei a fatura. Eu ainda não me curvei, e a faca ainda está boa para mais obras grandiosas. Mas é meu sangue desta vez, e ele ainda corre. Pensei que ela tivesse m orrido cedo demais para ter o nosso único rebento, mas não. Ele deve ter oito anos agora, e ou vi dizer que tem uma marca no ombro no formato de uma orelha, p ela qual p osso encontrá-lo. Da mesma cor também. Ap osto que gostaria do mesm o ofício, dep ois que começasse a participar de meus joguinhos. Mas isso terá de esp erar. Tente não sentir a minha falta. A seu dispor, Carver leu e releu a carta. Na quarta vez, alguns pedaços começaram a fazer sentido. “Pensei que ela tivesse morrido cedo demais para ter o nosso único rebento, mas não.” “...ouvi dizer que tem uma marca no ombro no formato de uma orelha...” Quem escreveu pensou que seu filho tinha morrido no parto, assim 13
como sua esposa. Carver tinha oito anos em 1889 e tinha uma marca de nascença no ombro. A carta havia sido escrita pelo pai dele! Seu pai tentara vir atrás dele... E se ainda estivesse vivo? E se seu pai ainda estivesse por perto, procurando-o?
3 Depois de roubar umas maçãs da despensa, Carver sentou-se à sua minúscula cama no dormitório masculino. Antes da hora de dormir, o solitário salão ficava vazio, já que todo mundo estava trabalhando ou brincando, o que fazia de lá o lugar perfeito para ficar a sós com seu prêmio. Estava tão absorto, estudando a carta linha por linha e memorizando todas as curvas da tinta, que quase não notou quando a senhorita Petty passou pela porta. Mal tinha enfiado a carta no bolso quando a alta e magra mulher curvou um dedo em sua direção e disse, aborrecida: – Venha comigo. Será que tinha descoberto? Mas já? Ele tinha tomado tanto cuidado! Em silêncio, Carver seguiu a matriarca, que o levou escada abaixo para o estreito corredor em que ficava seu escritório, entre o refeitório e a cozinha. Era sempre muito rígida, mas não desse jeito. Devia estar furiosa. Devia ser isso, então: ele tinha ido longe demais. Ele estava prestes a se desculpar e se explicar quando viu que já tinha gente no escritório. Finn Walker e Delia Stephens estavam sentados num banco para crianças, parecendo extremamente desconfortáveis. Quando viu Carver, Finn estreitou os olhos e resmungou com sua voz, que já era grave: – Se ele falou que eu fiz alguma coisa, mentiu de novo. Por maior que ele fosse, a senhorita Petty o silenciou com um único olhar de relance. Finn se metia em mais encrencas do que Carver, mas o que Delia estava fazendo ali? A jovem morena de rostinho redondo estava no Ellis havia quase tanto tempo quanto Finn e ele, mas o comportamento dela era impecável. O vestido de algodão que ela usava era leve demais para aquele clima, contudo, ela estava vermelha e suando como se tivesse sido arrancada da lavanderia no meio das tarefas. O que estava acontecendo? – Sente-se. 14
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