M A R I L E NA C H AU I
Manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro
M A R I L E NA C H AU I
Manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro
E S C R I T O S DE M A R I L E N A C H AU I
Volume 2 orga n i za dor
André Rocha
Copyright © 2013 Marilena Chaui Copyright © 2013 Autêntica Editora Copyright © 2013 Editora Fundação Perseu Abramo Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora e pela Editora Fundação Perseu Abramo. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia das Editoras.
organizadores da coleção escritos de marilena chaui
André Rocha Éricka Marie Itokazu Homero Santiago
revisão
Cecília Martins Lira Córdova Lizete Mercadante Machado editora responsável
projeto gráfico de capa
Diogo Droschi
Rejane Dias
projeto gráfico de miolo e diagramação
Conrado Esteves Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Chaui, Marilena Manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro / Marilena Chaui ; organizador André Rocha. -- Belo Horizonte : Autêntica Editora; São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013. (Escritos de Marilena Chaui, 2) Bibliografia ISBN 978-85-7526-589-5 (Autêntica Editora) ISBN 978-85-7643-156-5 (Editora Fundação Perseu Abramo) 1. Filosofia política 2. Ideologia I. Rocha, André. II. Título. 12-15698
CDD-320.01
Índices para catálogo sistemático: 1. Filosofia política 320.01
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Sumário
7. 11.
Apresentação Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira
117.
Crítica e ideologia
147.
Brasil: mito fundador e sociedade autoritária
239.
O homem cordial, um mito destruído à força
245.
Arcaísmos do Brasil Novo
251.
O arcaico desejo de ser moderno
257.
Cultura Popular e autoritarismo
287. “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar” – Entrevista
Apresentação
André Rocha1
Ninguém duvida de que o trabalho de crítica dos preconceitos e das ideologias é algo necessário para quem quer que viva desejando a emancipação humana e defenda a liberdade nas democracias. Contudo, alguém poderia perguntar: qual a atualidade de um trabalho de crítica das manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro? Afinal, não vivemos numa democracia, a ditadura já não acabou e, com ela, o autoritarismo brasileiro? Ou será que o autoritarismo brasileiro se infiltrou na democracia e ainda nos assedia com manifestações mais sofisticadas? Afinal, o que é o autoritarismo brasileiro? Os leitores e as leitoras encontrarão nestes ensaios de Marilena Chaui motivações para investigar as origens do autoritarismo brasileiro e criticar as suas manifestações atuais. Este volume reúne ensaios publicados em livros, revistas e jornais nas décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000. A reunião dos textos publicados em tempos e meios diversos num só volume permite a leitoras e leitores refletir, tendo como pano de fundo o contexto das décadas aludidas, sobre a formação e o sentido de uma monumental obra de combate ao autoritarismo brasileiro. Os leitores e leitoras podem, além disso, inspirar-se nesta reunião para levar o esforço adiante e elaborar novas formas de afirmar a liberdade e combater o autoritarismo no presente e no futuro. 1
André Menezes Rocha é doutor em Filosofia pela USP. Atualmente, realiza seu pós-doutorado. 7
ESCRITOS DE MARILENA CHAUI
“Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira”, publicado em 1978, foi o primeiro grande ensaio de crítica da ideologia. A crítica da Ação Integralista Brasileira permitiu que Marilena Chaui desvendasse como se formou, na década de 1930, momento de posição do capital produtivo na economia brasileira, a ideologia dos integralistas que buscavam, no Brasil, instaurar um Estado totalitário que se alinhasse com o Estado da Itália sob Mussolini e o Estado da Alemanha sob Hitler. A ideologia integralista foi dirigida às novas classes médias urbanas e procurou aliciar, sobretudo, os funcionários públicos para que contivessem os levantes operários e anarquistas iniciados na década de 1920. Durante a década de 1980, sob o impacto das imposições neoliberais, Marilena Chaui expande a crítica do imaginário das classes médias urbanas que apoiaram os regimes autoritários nas décadas de 1930 e 1970. Com efeito, ela inicia a elaboração da crítica da ideologia da competência, que se consolida, a partir da década de 1990, como crítica da ideologia dos tecnocratas que aparelhavam o Estado e, exercendo funções na administração pública, sob o comando do grande capital financeiro, punham em marcha o “choque de gestão” que conduziria à chamada “modernização do Estado”. O volume reúne três textos escritos durante a década de 1980. Em “O homem cordial, um mito destruído à força”, publicado da Folha de S.Paulo em 1980, Marilena Chaui mostra como a violência contra os movimentos sociais que, a partir das greves de 1978 e 1979, se manifestavam contra a ditadura e passavam a exigir seus direitos explicava-se tanto pelo terror de Estado implantado na ditadura como pela estrutura social da sociedade brasileira. O terrorismo de Estado e a transformação da política em polícia, apoiados pela grande mídia e por grande parcela das classes médias urbanas ainda absortas no apoio ao regime militar, apenas manifestavam a reprodução da estrutura autoritária da sociedade brasileira e destruíam à força o mito do brasileiro como homem cordial. “Cultura Popular e autoritarismo” é um grande ensaio inédito, apresentado numa conferência em Washington em 1987. Nele, Marilena Chaui investiga o processo de “redemocratização” a partir de uma análise crítica do período ditatorial e procura desvendar as formas de resistência popular que, surgidas ainda no interior da ditadura, podem explicar a gênese das reivindicações pela 8
APRESENTAÇÃO
democracia a partir da luta de classes, isto é, no interior da estrutura da sociedade brasileira. Desse período também publicamos “Crítica e ideologia”, o ensaio mais teórico do volume, que trata da gênese e do modo de operação da ideologia nas sociedades industriais e, também, do contradiscurso como forma de combate à ideologia. Este volume reúne dois textos de intervenção política publicados na Folha de S.Paulo na década de 1990 durante o governo Collor: “Arcaísmos do Brasil Novo” e “O arcaico desejo de ser moderno”. Nesses artigos, Chaui denuncia não apenas a imposição das diretrizes econômicas do neoliberalismo no Brasil, no plano Brasil Novo, mas também a maneira pela qual as elites dirigentes provindas da ditadura, a partir do governo Collor, iniciaram um processo de “modernização” da política brasileira. A vida privada do governante passa a figurar um espaço público imaginário que, apresentado pelas grandes empresas de comunicação, oferece-se à identificação dos cidadãos. Vale a pena conferir nos artigos como Chaui analisa nos detalhes a construção da figura do político, na pessoa de Collor, que apareceu triunfante nas televisões durante as eleições de 1989 e no início de seu governo. A imprensa brasileira procurou consagrar o corpo do governante, de uma maneira que lembra a sagração medieval dos dois corpos do rei, colocando as realizações privadas do político no centro do noticiário: no caso de Collor, como sabemos, uma determinação moral de lutar contra a corrupção, combater os marajás e criar um Brasil Novo. Dessa maneira, as convicções morais e a vida privada do político passam a operar como um corpo místico que simboliza a nação verde e amarela e pede a adesão mais recôndita da família brasileira. Ora, sob essa apresentação do espaço público pela vida privada e pelas convicções morais do governante, sob essa identificação da nação com a pessoa do governante, amoldava-se novamente o imaginário das classes médias urbanas pela grande mídia no início do período democrático e infiltrava-se triunfante o neoliberalismo sob a bandeira do político que por suas convicções morais acabaria com a corrupção. Por fim, no ensaio “Brasil: mito fundador e sociedade autoritária”, publicado em 2000, Marilena Chaui amplia sua crítica das formas de pensamento autoritário no Brasil e passa das formas que ele assumiu nos debates contemporâneos à sua gênese histórica no período colonial para demonstrar os vínculos entre ideologia autoritária e a 9
posição dos intelectuais colonizados na reprodução da estrutura social autoritária. Com a teoria do “mito fundador”, Chaui nos convida a pensar a gênese da cultura autoritária a partir da instalação dos administradores coloniais, passando pela Monarquia e pela República Velha, transformando-se para se acomodar às novas classes urbanas que surgiam com a instalação das fábricas e da produção capitalista no Brasil, vingando na ditadura militar e assumindo, enfim, uma forma peculiar sob a pena dos tecnocratas do neoliberalismo. As manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro são desvendadas a partir de sua gênese na própria estrutura autoritária da sociedade brasileira. Isso significa que as ideologias enfrentadas nos ensaios de Marilena Chaui não podem ser compreendidas se forem destacadas da percepção da própria estrutura social de que são manifestações e, reciprocamente, que a estrutura social ela mesma se manifesta nas suas ideologias. Na melhor tradição de crítica das ideologias, estes ensaios de Marilena Chaui convidam leitores e leitoras a refletir sobre sua própria situação histórica para perceber a gênese da ideologia a partir da estrutura social, libertar-se das mistificações que nos são impostas, reelaborar as relações sociais e levar adiante o trabalho de negação teórica e prática do autoritarismo que emperra a criação de novos direitos e o fortalecimento da democracia no Brasil.
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