Rafael Roncato
LO M A R C E JO NAR AN
Sidney Gusman nasceu em 1966, é jorna-
S É RGIOP O T I C ODE S
o, Naliat ir m a po r S posta m one, a o c s Ram an e u m c s r u a i pa i s ney G jo e M p ri nc or Sid Naran p s a lo a e d o c r a Lider i, Mar ste liv om espot ne ne d ú o e r 000, c C 2 Q io e H g os. d r o s é S , de d ri n h vers e i a it n u s U q do d os s pelo ial equipe d ia is lizada n a u e ma t e r r m s m s a U t e . s i o v iza d s nom e n t re e. a t ua l a i o re e m o s na A r t d o o d a N s s i a n v algu fãs d n te r e ara os idame p v e o d im Tudo osíss co vali fi á r g biblio S A MIR O N A L IAT
ISBN: 978-85-8286-264-3
Grandes nomes dos quadrinhos entrevistados por quem entende do assunto
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NEIL 9 788582 862643 WWW.EDITORANEMO.COM.BR
(ORGANIZADOR)
UNIVERSO HQ ENTREVISTA
ANCO GIANFR DI
Grandes nomes dos quadrinhos entrevistados por quem entende do assunto
lista especializado em quadrinhos e escreve sobre o tema desde 1990 em jornais, revistas e sites. De 2000 a 2006, recebeu o Troféu HQ Mix de melhor jornalista especializado em quadrinhos do Brasil. Foi editor-executivo da área de quadrinhos da Conrad Editora de 2001 a 2003, sendo responsável por obras cultuadas, como Sandman e Zap Comix, e mangás, como Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, One Piece etc. De 2003 a 2006 foi editor da revista Wizard, da Panini, e lançou os livros 100 Respostas sobre Super-Heróis, 100 Respostas sobre Hanna-Barbera, 100 Respostas sobre Batman e Grandes Sagas DC, todos pela Editora Abril. Em 2006, lançou o livro Mauricio – Quadrinho a quadrinho, pela Editora Globo, que conta a história da paixão do criador da Turma da Mônica pelos gibis. Atualmente, Sidney Gusman é responsável pelo planejamento editorial da Mauricio de Sousa Produções, onde deu vida a projetos como MSP 50, MSP + 50, MSP Novos 50, Ouro da Casa, Graphic MSP, Mônica(s) e outros. Além disso, é editor-chefe do Universo HQ (www.universohq.com), o principal site sobre quadrinhos do país, que venceu dez vezes o Troféu HQ Mix (de 2000 a 2007, 2009 e 2010) em sua categoria. É considerado um dos maiores especialistas em história em quadrinhos do Brasil.
S MA RCU E R A MON
UNIVERSO HQ ENTREVISTA
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SIDNEY GUSMAN
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O Universo HQ completou 15 anos de atividade em 2015. A maior referência do Brasil quando o assunto é história em quadrinhos consolidou uma base de fãs fiéis e conquistou vários prêmios ao longo dos anos por brindar os leitores com notícias, resenhas, matérias, charges, colunas e entrevistas de qualidade ímpar. Estas últimas sempre mereceram carinho especial da equipe editorial e dos leitores. Embasadas em muita pesquisa, não raro surpreendiam positivamente os maiores nomes mundiais da HQ, “sabatinados” pela equipe do site. Para os leitores, era um deleite ver seus autores favoritos falando sobre tantos assuntos. Para coroar a trajetória de sucesso do site, Sidney Gusman, editor-chefe do Universo HQ, reuniu neste livro as 21 melhores e mais representativas entrevistas publicadas desde que o site foi ao ar, em 5 de janeiro de 2000. Todas receberam notas de atualização (são 300 no total), para tornar o conteúdo o mais perene possível, seja atualizando o leitor sobre a repercussão do que no momento da entrevista eram apenas projetos futuros, seja detalhando alguma informação mencionada en passant pelo entrevistado. Como se não bastasse, você ainda encontrará aqui duas conversas inéditas e exclusivas com dois “monstros” dos quadrinhos! Com retratos dos artistas e da equipe do Universo HQ feitos pelo talentoso caricaturista Eduardo Baptistão e dezenas de imagens coloridas, além de divertidas dedicatórias ao fim de cada entrevista, Universo HQ Entrevista promete encher os olhos dos admiradores da Nona Arte, e constitui um verdadeiro tesouro para os fãs de quadrinhos.
SIDNEY GUSMAN (ORGANIZADOR)
UNIVERSO HQ ENTREVISTA Grandes nomes dos quadrinhos entrevistados por quem entende do assunto
Texto e pesquisa de: Sidney Gusman, Samir Naliato, Sérgio Codespoti, Marcelo Naranjo e Marcus Ramone Caricaturas por: Baptistão
Copyright © 2015 Sidney Gusman Copyright © 2015 Editora Nemo Todos os direitos reservados à Editora Nemo. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora. gerente editorial
equipe universo hq
Arnaud Vin
editor-chefe Sidney Gusman
editores assistentes
Carol Christo Eduardo Soares
editores
Samir Naliato Sérgio Codespoti Marcelo Naranjo Marcus Ramone
projeto gráfico e capa
Diogo Droschi revisão
Renata Silveira diagramação
Guilherme Fagundes caricaturas
Baptistão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gusman, Sidney Universo HQ entrevista : grandes nomes dos quadrinhos entrevistados por quem entende do assunto / Sidney Gusman. -- 1. ed. -- São Paulo : Nemo, 2015. ISBN 978-85-8286-264-3 1. Cartunistas - Entrevistas 2. Histórias em quadrinhos I. Título. 15-08782
CDD-741.5
Índices para catálogo sistemático: 1. Histórias em quadrinhos 741.5
A NEMO É UMA EDITORA DO GRUPO AUTÊNTICA
São Paulo Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, Horsa I, 23º andar, Conj. 2301 Cerqueira César . 01311-940 São Paulo . SP Tel.: (55 11) 3034 4468 Televendas: 0800 283 13 22 www.editoranemo.com.br
Belo Horizonte Rua Aimorés, 981, 8º andar Funcionários . 30140-071 Belo Horizonte . MG Tel.: (55 31) 3214 5700
Rio de Janeiro Rua Debret, 23, sala 401 Centro . 20030-080 Rio de Janeiro . RJ Tel.: (55 21) 3179 1975
Agradecimentos
Às nossas famílias, pela base, e porque, mesmo muitas vezes não entendendo nossa dedicação ao site, sempre nos apoiaram. A todos os colaboradores do Universo HQ, pela confiança e pela amizade. Ao Lielson Zeni, pelo apoio nas notas de atualização. Ao Edson Diogo, do Guia dos Quadrinhos, pela ajuda com as imagens. A este fantástico time de entrevistados. À Editora Nemo, por acreditar neste projeto, e à sua equipe, pelo trabalho tão zeloso. Aos milhares de leitores que acompanham nossas atualizações diariamente. É para vocês que trabalhamos com tanto afinco.
BOTANDO AS COISAS NO PAPEL O dia 5 de janeiro de 2000 marcou a estreia do site Universo HQ, ainda com a extensão “cjb.net”. Lembro-me bem, pois, pouco antes, o jovem Samir Naliato, responsável pela página, passou a trocar e-mails comigo, porque acompanhava meu trabalho escrevendo sobre quadrinhos. Ele pedia dicas, caminhos, opiniões. Era fácil notar seu entusiasmo. Como sempre adorei conversar com leitores, e na época simplesmente não havia nenhum veículo que falasse sobre quadrinhos, fosse nas bancas ou na internet, dei todo o apoio possível. Pouco importava que o foco fosse mais amador, mais “coisa de fã”. Por isso, até textos passei a enviar ao Samir. Não demorou para que aquele ousado petropolitano me fizesse uma proposta: transformar o Universo HQ num veículo jornalístico. Eu chefiaria a equipe e levaria quantos colaboradores conseguisse. Topei a empreitada. O site passou a ter o domínio www.universohq.com e, durante muito tempo, a base do UHQ foi formada por mim, Samir, Sérgio Codespoti e Marcelo Naranjo, além de alguns valorosos colaboradores. No entanto, com o aumento da visibilidade do site, mais e mais gente foi entrando para o time. Em comum, tínhamos o amor pelos quadrinhos e uma vontade louca de contagiar mais gente com esse sentimento. O resultado de fazer jornalismo sério e isento sobre quadrinhos (de todos os gêneros, e não apenas deste ou daquele nicho) foi que o Universo HQ logo se tornou a grande referência no assunto para fãs e profissionais da área. Amealhamos muitos prêmios, fomos citados diversas vezes pela grande imprensa, pautamos jornais do Brasil inteiro, tivemos mais de 200 colaboradores até hoje e, especialmente, passamos a ter uma base de fãs muito sólida e fiel. Nesse tempo todo, a equipe editorial aumentou (com a entrada de Marcus Ramone), encolheu (o Samir saiu do site e retornou anos depois), passou por crises, pensou em parar tudo. Acontece que, além do amor pela Nona Arte, uma amizade muito forte une esse time. E cada um de nós sabe o tamanho da diferença que esse trabalho fez, faz e fará para o mercado nacional. Um de nossos maiores orgulhos é poder dizer que nenhum outro veículo divulgou tanta HQ brasileira. 9
Mas não é o único. O retorno dos leitores sempre foi extremamente positivo. Em todo o país encontro gente que diz que o site é a página inicial de seu computador ou que é visita diária obrigatória. E o “cardápio” sempre foi variado: notícias, resenhas, matérias, charges, checklists, colunas e... entrevistas. A pausa sugerida pelas reticências não foi apenas pelo fato de as entrevistas serem o foco do livro que você tem nas mãos, mas também porque elas sempre mereceram carinho especial da equipe editorial e dos leitores. Para nós, editores, era primordial que todas fossem embasadas em muita pesquisa – essa é uma marca do Universo HQ. Afinal, muitos dos maiores nomes da arte sequencial do mundo foram “sabatinados” por nós. E não à toa tantos entrevistados se espantaram (positivamente) com nossas pautas. Para os leitores, era um deleite ver seus autores favoritos falando sobre tantos assuntos. E quis o destino que justamente essas entrevistas gerassem o primeiro livro do Universo HQ, a convite da Editora Nemo, na pessoa de seu diretor, Arnaud Vin. Mas como unificar entrevistas feitas no decorrer de 15 anos? Foi só nos voltarmos para a essência do site. Assim, além de uma nova edição e revisão do conteúdo, todas receberam notas de atualização (são 300, no total!), para deixar o conteúdo o mais perene possível. Também contamos com a valiosa colaboração de Baptistão, um dos maiores caricaturistas do Brasil, que uniformizou visualmente as aberturas dos textos com ilustrações de todos os entrevistados e, no fim, da equipe do Universo HQ. A intenção era oferecer fazer algo prazeroso de ler, tanto pelas muitas informações, quanto pelo design. Afinal, o livro Universo HQ Entrevista é o primeiro passo para transpor o valioso conteúdo do site para o papel. Mas, se tudo der certo, está longe de ser o último. Sidney Gusman Editor-chefe do Universo HQ e organizador deste livro
10 UNIVERSO HQ ENTREVISTA
w w w.universohq.com
IVO MILAZZO UM MESTRE ITALIANO DO TRAÇO Entrevista publicada em dezembro de 2000
UMA TÍPICA SEXTA-FEIRA PAULISTANA. Numa pizzaria da zona oeste da cidade, a equipe do Universo HQ, com Sidney Gusman, Sérgio Codespoti e Marcelo Naranjo, aguarda ansiosamente a chegada de seu ilustre entrevistado, ninguém menos que Ivo Milazzo, um dos maiores desenhistas de quadrinhos da Europa. Nascido em 20 de junho de 1947, em Tortona, Milazzo considera-se um genovês por adoção. Sua parceria com o roteirista Giancarlo Berardi, iniciada no início da década de 1970, imortalizou o personagem Ken Parker, tornando-o o mais badalado caubói dos quadrinhos mundiais. No Brasil, Ken Parker tornou-se cult entre os leitores. Dos 59 números de seu título mensal, 53 foram lançados pela Vecchi, a partir de 1978, e dois pela Best News, no início dos anos 1990. Portanto, quatro continuam inéditos (a Tendência, que está republicando todos os volumes, desde o número um, em edições caprichadíssimas no formato original, promete lançar a série completa).1 Além disso, foram publicados no Brasil a edição especial Os cervos & Um hálito de gelo, pela Editora Ensaio; a minissérie em duas partes Onde morrem os titãs, e o álbum de luxo Um príncipe para Norma, ambos pelo CLUQ – Clube dos Quadrinhos. Recentemente, a Mythos colocou nas bancas material inédito da Parker Editore – a editora fundada por Milazzo e Berardi – de “Rifle Comprido” (como Ken Parker é conhecido entre os índios), numa minissérie em três números que, devido ao sucesso entre os leitores, tornou-se uma revista mensal em 2001.2 Mas a carreira desse torcedor do Genoa (o grande rival da Sampdoria em Gênova) vai muito além de Ken Parker. Em seu currículo há diversos trabalhos de sucesso na Europa, como L’Uomo delle Filippine (na coleção Un Uomo un’Aventura); Welcome to Springville; as séries Marvin il Detective, Tom’s Bar,3 Giuli Bai & Co (uma série ambientada em Gênova nos anos 1950) e episódios de Mágico Vento.4 Num papo descontraído, regado a muitos chopes, Milazzo falou sobre sua carreira e seus trabalhos, numa entrevista exclusiva, que você confere a partir de agora! 1
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3 4
O que realmente aconteceu: a Tendência mudou de nome para Tapejara durante a publicação, e lançou a edição 59 da revista em janeiro de 2007, finalizando a série. Nos anos seguintes, os leitores brasileiros ainda veriam diversas edições especiais do personagem. Entre 2007 e 2008, o CLUQ publicou quatro álbuns coloridos: Filhotes, A lua de magnólia em flor, Soleado e Pálidas sombras. Em 2011, a editora lançou os encadernados Onde morrem os titãs e Um hálito de gelo. Entre 2013 e 2014, mais quatro álbuns: Os condenados, Nos tempos do Pony Express, As aventuras de Teddy Parker e Cara de cobre. Além do universo do Ken Parker, em 2003 a Opera Graphica lançou duas coletâneas de histórias curtas, Contrastes e Noturno; e a Quadro a Quadro, em 2013, publicou Tiki – O menino guerreiro, da dupla Berardi e Milazzo. A Mythos publicou toda a série em 18 edições, entre 2000 e 2002. Em julho de 2015, o CLUQ começou a lançar a Ken Parker Magazine com a segunda série do personagem, que republica as edições anteriormente editadas pela Mythos, dessa vez no formato original (21,5 x 22,5 cm). Lançados pela Opera Graphica como Marvin (2001) e Tom’s Bar (2002). A série foi publicada integralmente no Brasil pela Mythos, encerrando-se no n. 131, em maio de 2013. As edições desenhadas por Milazzo são as de n. 30, 36, 40, 44, 52, 57, 70, 79 e 89. IVO MILAZZO 13
Universo HQ: Com quantos anos você começou a trabalhar com quadrinhos? Ivo Milazzo: Meu primeiro trabalho profissional foi em 1971, com uma história
chamada Il Cieco, publicada na revista Horror, da Editora Sansoni. Quanto tempo levou desde a concepção do personagem até o lançamento da primeira revista?
Em 1974, quando eu e [Giancarlo] Berardi apresentamos o primeiro episódio para Sergio Bonelli5 [o editor de Tex, Zagor e cia.], os quadrinhos e o cinema estavam repletos de westerns. Por isso, nossa primeira preocupação com Ken Parker era fazer uma boa história, em que, muitas vezes, a natureza era a principal protagonista. Depois de aprovada a primeira edição, foram três anos de trabalho, pois, como a revista seria mensal, precisávamos ter material suficiente. Assim, em 1977, Ken Parker fez sua estreia. É verdade que a fonte de inspiração para a criação do personagem foi o filme Jeremiah Johnson, de Sydney Pollack, com Robert Redford? Vocês extraíram do filme somente o visual do personagem ou o conceito também?
Sim, é verdade. Além do visual, Ken Parker herdou muito do personagem vivido por Redford, que, no filme Jeremiah Johnson [Mais forte que a vingança, no Brasil], era um homem bom, de princípios, que vivia nas montanhas e, em vez de enfrentar os desafios da natureza, resolve integrar-se a ela, abdicando da civilização. Sua influência foi tamanha que, inicialmente, o personagem iria se chamar Jedediah Baker, mas Bonelli decidiu que o nome deveria ser algo curto, fácil de memorizar. Ele estava certo! E assim surgiu Ken Parker. Ao contrário de outros quadrinhos western, Ken Parker não tem tiroteios intermináveis, bandoleiros malvados ou ladrões de gado sujos. O personagem prefere usar o cérebro em vez dos músculos. Isso foi previamente determinado por você e Berardi para fazer algo diferente de outras revistas do mesmo estilo?
Quando criamos Ken Parker era impossível uma história em quadrinhos de western não ter personagens trocando socos ou tiros com os inimigos, pois, na época em que ele vivia, a vida era mais rude. Até mesmo as mulheres eram mais rudes naqueles tempos. Por isso, o diferencial teria que estar no contexto da história, na trama. E foi isso que Berardi sempre procurou fazer. Há uma curiosidade na primeira edição de Ken Parker. O personagem interpretado por Robert Redford no filme começa de barba e depois, no número seguinte, está sem. Sabe por quê?
É que, na Itália, nenhum personagem barbudo faz sucesso. Os fãs parecem não gostar. Daí, a história foi conduzida para que ele tivesse uma razão para se barbear! Sergio Bonelli faleceu em 26 de setembro de 2011, aos 78 anos.
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14 UNIVERSO HQ ENTREVISTA
Ken Parker – Rifle Comprido (2000, Tendência/Tapejara), o primeiro volume dos 59 que a série teve, e a edição italiana de Magico Vento – Shado (1999, Sergio Bonelli Editore): ambos desenhados por Ivo Milazzo.
Comparado com outros quadrinhos do gênero, Ken Parker é relativamente novo [1974]. Qual é a vantagem de Ken Parker sobre as outras obras, para ter conseguido alcançar esse sucesso?
Não sei dizer exatamente. É uma questão de gosto pessoal. Talvez, a razão desse sucesso venha do fato de Berardi e eu sermos um pouco mais jovens que os autores que faziam quadrinhos de western naquela época; e por termos vivenciado outras coisas. Nós enxergávamos as histórias de um modo diferente. Para desenhar as histórias de Ken Parker, você fazia muitas pesquisas. Fale um pouco sobre a importância disso para compor a história.
A pesquisa é fundamental numa história de western. Eu sempre procurei passar muitas informações por meio do meu desenho. No começo era difícil, pois as condições financeiras não me permitiam comprar livros caros, em que pudesse me basear. Por isso, o cinema também acabava me servindo como fonte de referência. A caracterização da época em que o personagem vivia passa pelas roupas, casas, armas e mais uma infinidade de coisas. Tudo isso compõe o cenário de uma boa história! Para desenhistas mais antigos, acho aceitável a falta de pesquisa, mas na geração moderna isso é inadmissível, ainda mais com tantos recursos à disposição. Você é um perfeccionista por natureza. Qual conselho daria para quem está iniciando agora no mercado de quadrinhos?
Você acha? Alguns não me acham perfeccionista. Dizem que tenho um traço “veloz” demais. Muita gente não gosta do meu desenho, acham simples. IVO MILAZZO 15
Na verdade, meu traço é simplificado, mas fruto de um estudo intenso. É uma opção de estilo. Utilizo um traço apenas para fazer o que outros fariam com três ou quatro, na escola clássica. É o caso, por exemplo, de Milton Caniff.6 Bruno Marraffa, que também desenhou Ken Parker, já segue mais essa linha, com um traço bem diferente do meu. O objetivo sempre foi passar, pelo meu traço, uma imagem visual direta para o leitor. Veja também os casos dos excelentes ilustradores que trabalham atualmente nas revistas. Para mim, eles estão mais próximos da pintura que dos quadrinhos. Na minha concepção, o desenho de uma história em quadrinhos exige uma outra narrativa, um outro estilo. Você acha que o estilo western ainda tem muito a dar para os quadrinhos? Você gosta de algum outro quadrinho desse gênero?
Certamente. O western é uma fonte inesgotável. Tanto que há mais de cinquenta anos a Itália produz personagens de western com grande sucesso. É um gênero inesgotável, cuja paixão passa de pai para filho. Eu cresci lendo Tex e O Pequeno Xerife e, mais tarde, vim a conhecer outros grandes quadrinhos de western, como Blueberry, digo, o “verdadeiro” Blueberry, aquele feito por [ JeanMichel] Charlier e Jean Giraud, bem antes de ele se tornar o Moebius, desenhista de ficção científica. Também gostava de Jerry Spring, do Jijé.7 Na edição n. 15 de Ken Parker [Homens, feras e heróis], ele encontra com Tex e Zagor. Como surgiu essa ideia? Como foi a repercussão entre os fãs dos três personagens?
Minha intenção nessa edição era prestar uma homenagem; e o resultado foi excelente, pois os fãs de Tex e Zagor também gostaram muito. Nessa história aparecem também o Lucky Luke8 e outros personagens dos quadrinhos de western. Qual é sua história predileta de Ken Parker?
Ah, são muitas. Mas eu poderia destacar Adah [n. 46], Lily e o caçador [n. 25] e Lar doce lar [n. 30], pois são histórias muito humanas. Aliás, aqui vai uma informação em primeira mão: duas delas, Lily e o caçador e Lar doce lar, serão reeditadas na forma de um álbum luxuoso,9 em formato gigante, em toda a Europa, chegando simultaneamente a Itália, Portugal, Espanha e França. 6 7 8
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Autor da série clássica de quadrinhos Terry e os piratas. Jijé era o pseudônimo do autor belga Joseph Gillian. Lucky Luke é um personagem criado por Morris e René Goscinny. Em 2014, a Zarabatana começou a publicar uma coleção do personagem no Brasil. Lançadas em Portugal pela ASA em 2003 e 2004, respectivamente.
16 UNIVERSO HQ ENTREVISTA
Essas histórias foram escolhidas porque, nas minhas andanças com Berardi pela França, notamos que não havia nenhuma história de western desse estilo publicada. Algo sentimental. Numa, retratamos um homem que caminha com seu cão pela neve, e, na outra, Ken Parker vai às montanhas para encontrar seu velho pai. Devo mencionar que Lily era o nome de minha cadela! No Brasil, Ken Parker tem muitos fãs. Agora, o personagem está voltando a ser publicado aqui por duas editoras, a Tendência e a Mythos. O que você diria aos leitores que ainda não conhecem o personagem?
Eu diria para comprarem ou pedirem a revista emprestada [risos]! Na verdade, eu convidaria os novos leitores a conhecer o personagem; e os antigos, a revê-lo. Gostaria mesmo é de enaltecer o corajoso trabalho da Tendência, pois é difícil trabalhar com histórias em quadrinhos em forma de livros. Só na França esse material é universalmente aceito como literatura. No resto do mundo, é um subproduto cultural, relegado às bancas.10 Por isso, o conceito de livros de quadrinhos é difícil de trabalhar. Mas como as edições estão belíssimas, com uma nova tradução, um papel de qualidade e no formato original, os leitores têm gostado bastante, o que me deixa muito feliz. Além do Brasil, em que outros países Ken Parker foi publicado?
Ken Parker foi publicado, com sucesso, em treze ou quatorze outros países, como Turquia, Grécia, Espanha, Iugoslávia, Holanda, França e países escandinavos. Nos Estados Unidos e na América do Sul – exceto o Brasil –, infelizmente, ele nunca foi publicado. Você e Giancarlo Berardi fizeram uma parceria que ficou reconhecida como uma das melhores duplas de criação de western dos quadrinhos, mas o último trabalho publicado por vocês foi em janeiro de 1998. Existem planos para uma volta aos “velhos tempos” e os dois produzirem algo juntos novamente?
Como estivemos juntos por muito tempo, resolvemos seguir caminhos distintos para diversificar nossa produção, e ambos temos conseguido êxito em nossos novos trabalhos. Mas temos planos para atuarmos juntos novamente, como no projeto da publicação multinacional de Ken Parker [Itália, Portugal e França], em edições mais sofisticadas e coloridas.11 Atualmente, o cenário brasileiro é um pouco diferente daquela época: as livrarias abriram espaço para os quadrinhos, assim como há planos governamentais de compra de HQs. Em ambos os casos, privilegia-se o formato álbum em detrimento da revista. Na contramão disso, o número de bancas diminui ano após ano. 11 A editora italiana Mondadori republicou Ken Parker na íntegra, incluindo os especiais, em cinquenta edições com maior número de páginas. A última delas saiu em 2015 e trouxe uma aventura inédita da dupla Berardi e Milazzo, que fecha a história do personagem. A edição se chama Fin Dove Arriva el Mattino. 10
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Ken Parker – Onde morrem os titãs n. 1 (1999, CLUQ) é uma história fora da série regular do personagem. Já Ken Parker – Fin Dove Arriva Il Mattino (2015, Mondadori) traz uma aventura inédita do personagem depois de décadas.
Que tipo de quadrinhos você lê? Quais foram seus ídolos nos quadrinhos?
Eu tive muitos ídolos, mas tenho uma péssima memória e, com certeza, esqueceria algum. Por isso, prefiro não citar nomes. Mas costumo dizer que meus ídolos são as pessoas que me ensinaram algo tecnicamente e me fizeram crescer profissionalmente. Atualmente, leio poucos quadrinhos, por dois motivos: primeiro, para não me deixar influenciar; segundo, porque gosto de histórias cuja arte seja bem balanceada com o texto, algo raro atualmente. Há algum personagem que você gostaria de ter desenhado e não conseguiu?
Hummm… Acho que não! Poderia me considerar um profissional realizado. Durante minha infância, eu pensava em desenhar alguns personagens de [Aurelio] Galleppini, Hugo Pratt e dos desenhistas da revista L’Intrepido. Depois, quando me tornei um profissional, esses sonhos desapareceram. De Hugo Pratt, tinha uma preferência especial pelo personagem Ernie Pike, um correspondente de guerra.12 Você faria quadrinhos de super-herói?
Super-herói? Não! Bem, se me pagarem… Afinal, sou um profissional. Qual é sua opinião sobre os fumetti [como são chamados os quadrinhos na Itália] de super-heróis? No seu país, atualmente, eles ocupam muito espaço no mercado?
Hoje, na Itália, os super-heróis ocupam uma fatia muito pequena e restrita do mercado. Os campeões de vendas são os mangás. Pokémon é uma coqueluche. Vende mais que Topolino.13 Ernie Pike é um personagem criado por Hugo Pratt e pelo roteirista argentino Héctor Germán Oesterheld em 1957, no período em que Pratt trabalhou na Argentina. 13 Topolino é o nome do Mickey na Itália e, durante muitos anos, seus títulos foram campeões absolutos de vendas no país. 12
18 UNIVERSO HQ ENTREVISTA
Você conhece autores brasileiros?
Sim, conheço alguns. Mauricio de Sousa, Laerte, Ziraldo, Angeli, Miguel Paiva. O Mauricio é o Disney brasileiro. Os outros seguem uma linha mais de humor, muito característica do povo de vocês. Fale um pouco mais de seus trabalhos recentes, como Texone [Tex Gigante, no Brasil]14 e Shado [uma edição da recém-lançada série do personagem Mágico Vento].15
Texone foi uma experiência fantástica, a realização de um sonho, pois somente grandes artistas fazem essas edições, e eu tive a honra de ser convidado para uma delas.16 Mas tive que me adaptar ao personagem, que tem uma narrativa muito peculiar. Claudio Nizzi, o roteirista de Tex, me disse: “Lembre-se de que o Tex nunca ri. No máximo, sorri!”. Precisei até refazer algumas páginas, porque estava fazendo o personagem numa outra linha. Eu também não podia esquecer que o Jack Tigre é o Tex com uma pena na cabeça; o Kit Carson é o Tex com bigode e cavanhaque; e o Kit é o Tex Júnior [risos]. Sobre Mágico Vento, já fiz três edições da revista e entreguei a quarta. O material está vendendo bem na Itália, o que me deixa muito feliz. Quais são os projetos em que você está trabalhando atualmente e quais são seus planos para o futuro?
Eu tenho trabalhado em muitos projetos. Um deles é Superbi itinerari: raccontare Genova alla ricerca degli aromi, dei sapori e delle curiosità, um guia da cidade que será lançado em 2001, no qual mostro, por meio dos aromas, sabores e detalhes, a “velha” Gênova que andava esquecida. Há também um convite de um autor brasileiro para realizar um álbum com histórias em quadrinhos sobre a participação da Força Expedicionária Brasileira nos campos de batalha da Itália, durante a II Guerra Mundial; uma série sobre um índio iroquês [tribo que hoje vive na divisa entre o estado de Nova York e o Canadá], que se passa nas montanhas Adirondacks, no estado de Nova York, e conta sua relação com os sonhos; e uma versão em quadrinhos de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, feita em parceria com o argentino Jorge Zentner.17 Publicado em novembro de 2001, pela Mythos, em Tex Gigante n. 8. Publicada pela Mythos em dezembro de 2004, em Mágico Vento n. 30. 16 Já desenharam esses especiais de Tex autores como Víctor de la Fuente, Magnus, Jordi Bernet e Joe Kubert, dentre outros. 17 Nenhum desses trabalhos foi publicado até agora. Milazzo desenhou outras edições de Mágico Vento, Tom’s bar, Marvin, Tiki, e, dentre as inéditas no Brasil, o último número de Ken Parker, Un Drago a Forma di Nuvola (roteiro de Ettore Scola), publicada pela BAO Publishing; a série francesa Le Maître Rouge (roteiro de Francesco Artibani), publicada pela Les Humanoïdes Associés, além de participações em diversas coletâneas. 14
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Você conhece a versão de Dom Quixote feita por Will Eisner?18
Não sabia que Will Eisner, que considero um artista grandíssimo, havia feito uma adaptação de Dom Quixote, mas posso dizer que não a verei até concluir a minha, para não correr nenhum risco de ser influenciado. Existe algum desenhista que você gostaria de ver desenhando Ken Parker?
Que pergunta difícil! Não sei, são tantos grandes nomes… Mas eu citaria Alex Toth,19 que é um grande artista, tem o dom de sintetizar o desenho e domina como poucos as técnicas de chiaroscuro [luz e sombras].
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Publicada no Brasil pela Companhia das Letras, em 1999, com o título O último cavaleiro andante. Alex Toth (1928-2006) foi um desenhista estadunidense que trabalhou para Marvel, DC, Warren e criou diversas animações para a Hanna-Barbera, como Superamigos, Herculoides, Space Ghost, Jonny Quest, dentre outros.
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Capa de Ken Parker – Adah (2005, Tendência/Tapejara). Este 46° volume da série é protagonizado por uma linda mulher negra, numa história de rara sensibilidade que é das preferidas de Milazzo.
IVO MILAZZO 21
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