Gabiroba Entrevista

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S E M O G A I C Ú ANA L ISTA

EV A ENTR

B GABIRO

EST.

2017

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Atleta divinopolitana se curou da depressão praticando corrida a partir dos 56 anos Por | Alexandre Rodrigues, João Luiz Reis, Junio Kemil

A

história de vida de Ana Lucia Gomes revela a trajetória de alguém que encontrou um caminho de felicidade pelas próprias pernas, literalmente. Essa atleta de 68 anos conheceu o mundo das corridas de rua por acaso, mas agora é referência no esporte, no centro-oeste mineiro. Ela é uma das principais representantes da Acord (Associação

dos Corredores de Rua de Divinópolis), sendo a atleta mais idade entre os 56 corredores da associação. Nesta entrevista ela conta um pouco de sua vida e carreira como corredora, e seu início no atletismo. ______________ P – Qual o local que a senhora nasceu e sua data de nascimento? R – Nasci em Divinópolis mesmo, 2


no dia 23 do 10 de 1949, moro no bairro Catalão. P – Qual a profissão da senhora? R – Sou costureira aposentada, então agora eu trabalho agora fazendo bicos, fazendo remates, essas coisas. P – Além de costureira, a senhora teve outra profissão? R – Trabalhei muitos anos na Fitedi como fiandeira. Fui babá também e trabalhei como doméstica. P – A senhora foi casada? Têm filhos? R – Não fui casada e não tenho filhos P – A senhora sempre morou em Divinópolis? R – Sim, sempre. P – Tem irmão ou irmã? R – Tenho. Nós somos em 6 irmãos e minha mãe criou mais 4 primos, então ao todos fomos criados como 9 filhos, porque um irmão morreu muito cedo. P – Além da corrida, a senhora pratica algum outro esporte? R – O primeiro esporte que pratiquei foi natação, pois até os 51 anos eu ainda tinha muito medo de água e meu afilhado é que me ensinou a nadar (risos). Aí eu pratiquei durante um tempo, depois eu parei, tive um problema

muito sério de saúde e fiz 3 cirurgias. Antes disso não praticava nenhum esporte. P – E quando começou a correr? R – Aos 56 anos. P – E porque a senhora começou a correr? R – É que a natação para mim, tinha sido mais para eu sair daquela...eu queria aprender para perder o medo da água, então não foi uma coisa assim tão séria. A corrida eu já comecei pelo seguinte: Na época que comecei a correr a minha mãe deu derrame, teve um problema de saúde sério e eu fiquei muito deprimida com a morte dela, entrei numa depressão profunda. Eu estava com 52 anos quando ela adoeceu e ela faleceu quando eu tinha 54. Eu tive uma depressão muito grande e aí eu comecei a me prender dentro do quarto, eu não tinha alegria, chorava demais, até o ponto que eu senti que não estava legal. Meu sobrinho que morava comigo, ele falou pra mim: tia, a senhora precisa dar um rumo na minha vida, fazer alguma coisa que a senhora supere, a senhora está se entregando e se achando pequena demais. Ele era corredor e eu comecei caminhando; às vezes dava uma 3


corridinha. Fui para a Acord, ajudando eles lá como secretária, fiquei muito tempo trabalhando assim, ajudando nas corridas. Eu nunca tive a pretensão de ser atleta, de jeito nenhum. Mas com esse problema todo, às vezes dava aquela tristeza, eu saia caminhando, comecei a correr. Na Acord a gente fazia as viagens e eu viajava com eles; um dia a gente foi até Vitória (ES) e eu falei com meu amigo Francisco Carlos que tinha von-

tade de correr lá porque a prova passava um por uma ponte bonita por lá. Ele me disse “E olha que a senhora dá conta!”; aí falei “acho que não, são 16 km!”. P – Então sua primeira corrida foi no Espírito Santo? R – Foi no dia 5 de agosto de 2005. Eu fui sem pretensão nenhuma, mas vou tentar. Fiz a inscrição e corri. Mas me senti tão bem durante o tempo que estava correndo, não sei se porque a vista é muito bonita. Mas 4


pensei que era isso que ia tirar essa depressão e essa tristeza de dentro de mim. Eu era uma pessoa medrosa, tinha medo da vida, não tinha coragem de encarar nada e vi que isso que ia melhorar minha vida, ter um desafio. Foi a primeira coisa que completei. E daí veio a outra corrida, o primeiro troféu... P – Só para resumir então, quantas provas a senhora já disputou? R – Até no fim de 2016, corri 473 corridas. P – Qual a prova mais fácil e a mais difícil que a senhora participou? R – A prova mais fácil foi aqui mesmo em Divinópolis, no circuito Conheça Divinópolis Correndo, ali no bairro Esplanada, que eu fiz com tanta facilidade que eu mesma, quando cheguei e olhei meu tempo, eu assustei (risos). A mais difícil foi a KTR, que é disputada na Serra Fina, perto de Passa Quatro. P – Como é seu treino e como se organiza? Lá na Acord não temos treinador, é cada um por si. É 5


um grupo que se reúne todas as segundas e têm, em média, 56 pessoas e o treinamento eu faço por minha conta. Quando faço essas corridas mais fortes, eu tenho um amigo, o Wal, ele é de Sete Lagoas, é ele que me orienta. No normal, quando faço corridas de 10, 15 até 21 Km, eu já faço uma média de duas horas por dia correndo. Eu gosto de treinar cedo e treino perto das estradas, no asfalto, não gosto de correr nas pistas próprias. Eu costumo sair para a Cachoeira do Caixão, saio por aqui e vou nas rodovias para

correr. P – E essas duas horas por dia, são quantas vezes por semana? R – Eu só não treino sábado porque no domingo geralmente tem competição e nas segundas. P – E não é perigoso correr perto das estradas? R - Todo mundo acha, mas eu já acostumei tanto...Os caminhoneiros e as pessoas que veem passar já me conhecem e me cumprimentam. P – A senhora é a participante mais velha do grupo e já correu com pessoas da sua idade ou além? 6


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R – Sim sou a mais velha do grupo e já competi com uma senhora em uma maratona com 71 anos. Foi em São Paulo. Maratona que tem a distância de 42KM! P – Qual o momento mais marcante de todas essas corridas? R – Cada corrida é muito especial para a gente; no meu caso, depois dos problemas de saúde que tive, cada corrida para mim eu já considero uma vitória. Mas uma corrida marcante para mim foi na corrida All Limit, que acontece em Belo Horizonte, porque nela querem que a gente chegue no limite. E lá eu fui a mais idosa a participar, já tinha 66 anos. Sabe quando todos dizem para você: “não vai porque você não consegue?”, mas eu fui lá e consegui bem. Essa corrida tem obstáculos e é mais que meia-maratona, tem 27 Km. Colocam ponte, pedras, passar debaixo de cerca. É uma prova de aventura mesmo e, dentro da minha categoria eu consegui, mesmo estando em uma categoria de 40 anos pra cima. Ganhei das moças de 40 anos e eu venci um desafio. P – Outra corrida que a senhora participou foi a São Silvestre, certo? 8


R – Uma corrida que foi muito emocionante que participei é a São Silvestre, eu já participei 12 vezes, a corrida especial do Brasil. A primeira vez que eu corri ela, por causa de eu ser a mais velha da turma, eu achei que não ia conseguir e puseram na minha cabeça que a subida da Brigadeiro (Luis Antônio, avenida na qual passa uma parte da São Silvestre) era uma coisa horrorosa. Aí eu fui assim mesmo. E eu fiquei emocionada, pois é muito emocionante completar ela. E quando chega na Brigadeiro todo mundo começa a gritar “agora que começou a corrida!”, mas aí eu passei, já vi os balões na Avenida Paulista (reta de início e final da prova) e falei pra turma: “Ou vocês estão moles demais ou estou muito esperta, porque eu nem senti a Brigadeiro”. (Risos) P- A prática do esporte ela deve ser mais compartilhada na sociedade? Deveria ter uma apoio maior para formação da criança e até mesmo do adulto? R – Eu acredito que todos os governantes, de todas as cidades, deveriam investir no esporte. A primeira entrevista que eu dei (na TV Globo/Integração) eu recebi 68 cartas de pessoas que assisti9


ram ao programa e falavam comigo que não tinham coragem de dar o primeiro passo e ao me ver sentiram essa vontade. E crianças também, eu faço parte do programa Amigos da Saúde e nas palestras que faço eu sinto esse interesse para jovens e idosos. Acho que o atletismo ia dar muita força para as pessoas. Tinha de ter mais investimento, em Divinópolis não tem muito isso, infelizmente. P – A senhora considera que a prática do esporte foi totalmente benéfica e fundamental para sua melhoria de saúde física e mental? R – Eu acho que, se eu não começasse a correr naquela época, eu certamente estaria numa clínica, estaria tomando remédio e tudo mais. Aqui em Divinópolis eu sou a corredora mais velha, tanto é que me chamam de Tia Ana por isso...Mas correndo eu consigo me libertar... P – A senhora pretende correr enquanto a senhora conseguir correr até quando? R- Enquanto eu der conta, se Deus quiser! Ana Lúcia irá completar 500 competições realizadas ao longo de sua carreira na Corrida da Ygloo, no próximo dia 10 de setembro, ocasião em que será homenageada pelo feito, sendo um exemplo de vida por sua história de superação e conquistas. 10


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Conteúdo

UEMG UNIDADE DIVINÓPOLIS

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