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A IOGA P. MASSON-OURSEL

Rio de Janeiro, 2002.

INTRODUÇÃO DEFINIÇÃO

O que é Ioga? - Em primeiro lugar o que não é. Nada pior do que prejulgar, isto é, crer, demasiadamente cedo, sem verificação nem controle, que sabemos alguma coisa.

Não é ser, nem realidade. Nem ser absoluto, nem ser relativo. Uma "Ontologia da Ioga" seria um contra-senso. Não é nem essência, nem existência, pois não foi ensinada por Platão ou Aristóteles.

Não é pensamento. Não raciocina, nem mesmo julga. Não se arrisca a êrro algum; não esperemos dela nenhuma verdade.

Promoveram-na a método universal; mas cautela com os abusos da linguagem. Método é uma noção grega.

Não é um processo natural. Natureza, do latim nascor, significa espontaneidade vital. O iogue não se aceita a si mesmo tal como nasceu, tal como viveria espontaneamente.

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Eis, por contraste, o que ela é, segundo o que praticam e ensinam os iogues.

Uma prática: preparação para o que podemos vir a ser por obra própria, ou melhor: por certas maneiras de preparar-se a si mesmo. Um "sadhana", tarefa de auto-realização.

Uma carreira, simultaneamente campo de ação e tarefa que se assume.

Uma audácia, uma temeridade entre riscos temíveis. Empreendimento contrário à natureza; ascese (no sentido de exercício) feroz, que se pode associar, porém não necessariamente, à religião ou devoção. Mais uma ginástica do que um culto, confiança apenas no próprio esforço. Em comparação os estóicos (como Marco Aurélio, por exemplo) são cristãos que se ignoram.[i] O iogue não é nem libertino nem beato. Entrega-se, diríamos de bom grado, a um esporte ascético.

Esforço de solitário absoluto, mesmo em meio a essas multidões indianas tão opacas. Não há mosteiro, nem coabitação, nem disciplina coletiva dentro de uma casta ou de uma seita, embora os religiosos tibetanos ou cingaleses participem da assiduidade da Ioga. O iogue completo nada espera de outrem, embora não tenha necessidade de fugir à sociedade, na qual não encontra nem perigo nem ajuda.

Informemo-nos, contudo, a respeito da Ioga por tôda a parte em que se encontre, com modalidades e gêneros de vida diversos. Os mais antigos tipos da Ioga vivida são atestados na disciplina dos jainas e dos budistas, por volta do I milênio a.C.; mas os testemunhos mais concretos e completos estão quase sob os nossos olhos no hinduÍsmo mais antigo.

A autenticidade da Ioga

A Ioga é, ao mesmo tempo, vontade e vida. Não uma qualquer; não bramânica, pois não se trata nem de veda nem de casta; ela é, pois, exterior ao ofício

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sacerdotal. Suas duas primeiras manifestações indianas, jainismo e budismo, não se situam no clero mas na aristocracia. Insistimos sôbre isso, porque é o ponto de partida para toda documentação no tocante a esta ascese particular que devemos estudar, Em toda história, mas sobretudo quando se trata da Índia, é preciso considerar não a verdade, mas a autenticidade. A verdade é encarada apenas na lógica e nas ciências dependentes da matemática; ajuntemos que é uma noção "ocidental", ao passo que a autenticidade vale como critério supremo para a Índia, religiosamente fiel - trate-se de ortodoxia, de sectarismo ou de Ioga. O brâmane mantém a autenticidade de expressão vocal nos domínios do sagrado, a cujo serviço se coloca essa língua acabada e perfeita, o sânscrito; o sectário mantém o prestígio das atitudes espirituais e dos costumes que fizeram a vocação do chefe de seita; o iogue aprofunda o mais possível as audácias de comportamento que tanta eficiência deram aos seus mestres. Só êle pode inovar sem degradar-se: discípulo magistral, ultrapassa os seus antecessores, o esforço desejado foi vivido; o hindu só se interessa por essas conquistas, pois sua audácia confirma e perfaz a tradição. Enquanto as castas mantêm toda tradição, sem nada acrescentar, alguns iogues fortalecem, de tempos em tempos, a preciosa autenticidade de mestrias mais decisivas. esses vitoriosos não se deixaram enganar nem pelos seus sentidos, nem pelo seu pensamento, Mestres em empirismo pragmatista, dêles muito ri se orgulha a Índia, sem invejar o que a Europa deve aos mestres do racionalismo.

O autêntico não é o verdadeiro, nem o real; mas o espontâneo que, explorado, praticado, se torna teórico e mesmo clássico. A Grécia, segundo parece, reconheceu e apreciou a razão. Nada disso! Ela a fêz, e à sua maneira. Poderosa na sua simplicidade, rudimentar ante a logística moderna.

O iogue explora e determina comportamentos, descobre uma lógica dos gestos. Isso podia parecer arbitrário na época do cientificismo; mas, após a psicologia da tensão de Pierre Janet ou o pragmatismo de W. James, após Binet e a psicotécnica, após a reflexologia de Pavlov e no tempo de Merleau-Ponty,

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seríamos ingênuos em considerar a Ioga impensável! Ela descobre, precisa a complexidade das funções vitais. Atesta-se sua autenticidade por experiência vivida (Erlebnis, dizem os alemães).

Uma disciplina do comportamento

A Ioga é extremamente psicofisiológica. Furtemo-nos de considerá-la dependente do corpo ou do espírito: o indiano não oferece essa dualidade. Admitamos somente o ser humano provido de sua consciência e dos seus órgãos e que descobre ser possuidor de certas maneiras de ser, ou de fazer-se a si mesmo. Os gregos criaram a ginástica, os romanos apreciaram a terapêutica balneária. Reconheçamos que as variantes do comportamento, pesquisadas, classificadas, exploradas com obstinação, foram o grande esporte da Índia.

Certificamo-nos disso desde a metade do último milênio antes da era cristã, época em que os fundadores das duas primeiras seitas, a dos jainas e a dos budistas, adquiriram maravilhosas aptidões em duras asceses. Quanto às épocas anteriores, porém, a ignorância é total, pois a alta antiguidade do Irã, pátria da Índia bramânica, não atesta qualquer prática comparável à Ioga.

A tradição dos brâmanes atesta que estes cultuam a expressividade de sua língua "perfeita", o Sânscrito, que plana acima das línguas faladas em evolução. Esse respeito é comparável ao dos modernos indo-europeus pela matemática. Voltemos, portanto, nossa atenção para a própria palavra Ioga.

A raiz yuj[ii] significa juntar. Yoga = junção. O yogi (iogue) é "junto", não primitivamente a alguma coisa, mas em si, absolutamente; no particípio passado passivo: iucta, em estado de junção, unificado. Exemplo clássico: que elegante solidez existe na roda construída por um carpinteiro de carreta! Os raios se encaixam adequadamente na junta e no aro. Se a gôta de água, bindu, simboliza

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a unidade do único, a roda simboliza a unidade no complexo. O asceta perfeito, senhor dos seus músculos, dos seus órgãos, da sua vitalidade.

Mas não ocultemos por mais tempo do leitor a interferência de um sentido secundário do têrmo iucta; a saber: unido ao absoluto, relação do devoto com o Princípio que êle venera. Expressão não mais de vigoroso rigor, como na entrega de si a Siva, mas de insípido langor, como na devoção a Vixenu. Em têrmos de cristandade francesa: vigor pascaliano, deliqüescência féneloniana.

Do que, portanto, se compõe o eu? De que espécie de esforços depende sua firme realização?

Trata-se de uma atitude a obter, para mantê-la ou variá-la. Uma mentalidade, um modo de reação.Evitemos preconceber alguma coisa., Não se trata, em absoluto, de harmonizar idéias. Só encontramos isso na tradição platônica. Por que postularmos tratar-se de questões de sentimento, visto que o asceta está encerrado em si mesmo? Com prudência, repitamos que se trata de comportamento. Não porque êsse têrmo tenha recentemente andado na moda, mas porque sugere gestos, tendências... Certa maneira de agir, em busca de uma maneira de ser. À medida que o ato se esboça, o ser se modifica. Não se trata, em absoluto, de conhecer, mas, talvez, de fazer-se a si mesmo.

Os helenos foram estetas e guerreiros; os iogues, não o são de maneira alguma. Diremos, na linguagem francesa do século XVII, que neles a alma é senhora do corpo que habita? Com a ressalva de que não admitem nenhuma substância pensante unida ao corpo.

A Ioga é uma disciplina autônoma e voluntária do comportamento humano individual. Só comportou regras monásticas quando aplicada ao Budismo. Por mais determinado que seja o rigor com que exclui a auto-complacência, o iogue segue o seu próprio caminho, como se estivesse só no mundo. Sua presença no

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seio da multidão não o torna social. Embora seu egoísmo esteja aniquilado, seu altruísmo também está reduzido a zero. Nada nêle se assemelha ao espírito de colaboração do alpinista. Este asceta que nada espera do próximo, nada faz igualmente por outro que se lhe esteja perto, ao solou dentro da noite, em seu isolamento ou entre a mais opaca densidade humana: êle idealiza o "único" (Einzige), segundo Stiner, embora formado na obediência de uma tradição coletiva. Também não lhe é próprio êste tête-à-tête com o absoluto, que seria o pleroma da mais rica sociedade.

Não julguemos que o iogue refreie obstinadamente seus apetites vitais, como os nossos ascetas. Ele não aspira nem à morte, nem ao nada; exacerba freneticamente a energia vital excluindo a concupiscência. Que abismo de competência reflexológica existe nesses audaciosos, observadores tão críticos, certamente, quanto ousados! Quem realmente no Ocidente viveria sem alimento durante semanas, aumentando o seu vigor em lugar de desfalecer? Quem daria ordens tanto ao seu coração como aos seus pulmões, dominando o uso dos seus músculos, sejam lisos ou estriados? Emprego místico das funções vitais: tal é a tarefa dêsses sutis mestres da fisiologia.

Dogma algum os apóia ou desacredita; seu saber é atestado pelo seu poder. Não os tachemos de fanáticos; são experimentais. Lentamente, com segurança, adquirem poderes cuja possibilidade mal suspeitamos. Situam-se, pois, no oposto do monge cristão, que desdenha e abomina sua carne para exaltar a alma; o princípio vital do iogue é imanente ao conjunto dos seus órgãos, sôbre os quais obtém um domínio crescente. Competência carnal que se opõe à carnal complacência: justamente o oposto dos nossos religiosos que lamentam a "provação" de possuir um corpo. É preciso assemelhar-se aos órgãos para deles possuir todos seus recursos e dirigi-los. Não nos libertamos sendo contra o organismo, mas descobrindo e desenvolvendo as molas do seu funcionamento.

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Observamos uma ocorrência singular e mesmo paradoxal. Muito raramente acontece - e será realmente possível? - uma humanidade arcaica reconhecer-se ignorante e sem recurso diante de uma tarefa por ela concebida. Como a conceberia, na ingenuidade da ignorância? As técnicas religiosas, uma vez que são sagradas, são rotineiras; toda pretensão inventiva seria, nesse setor, não somente presunçosa, como ímpia. Arcaica ou ulterior, a Ioga foi, não um rito mas uma busca ardente, sistemática.

Os esforços ascéticos de Jina e de Buda, que são os primeiros conhecidos pelos iogues da Índia, são proezas excepcionais, isentas de todo culto. A Ioga na qual forjaram sua mestria não é nem fé nem veneração, mas um maravilhoso esporte psicofisiológico. Onde situar suas origens? Estaria em alguma disciplina sagrada que, não sendo de origem indiana, não seria solidária com a obsessão hindu de eludir as vicissitudes da transmigração?

Os motivos de ascese não são os mesmos em tôda parte. No Ocidente asiático, no Egito, na Europa, consistem em afastar a "culpa" ou mancha; na Extrema Ásia, em fundamentar uma liberdade: na ordem universal no confucionismo, na ironia entre os tauístas. De permeio, onde jaz o mundo indiano, não há autonomia correta fora do cumprimento do dever de casta: isso produz o brâmane, não o iogue. Percebe-se, sob êsse aspecto, a que ponto o iogue abre para si um caminho de exceção, paradoxo social e moral.

Escândalo vivo para a regra do dharma (dever de casta), adquire imenso prestígio pelo seu dharma de exceção - abhidharma - enquanto extra-social. Dualismo doravante fundamental: respeito absoluto pelo brâmane, mas abismo de veneração ante êsses anarquistas, êsses temerários cujo esfôrço transcende todos os deveres. Eis o motivo pelo qual a Índia tão religiosa ou tão heróica, ignorou o que chamamos moral: uma correção dos costumes válidos para todos os homens (pensemos em Kant!). E simultaneamente compreendemos a necessidade social que justapôs ao homem de casta, fundamento da sociedade, o

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homem de seita marginal, de exceção, pioneiros das ousadias. Se a Índia foi mais do que uma colméia humana, é que a fidelidade do respeito foi compensada pela plasticidade da inovação ética e social. Houve algum iogue, e não apenas santos homens, na origem de cada iniciativa sectária, pois se a piedade é conservadora, a Ioga é frenética de inovação.

Ioga e indianismo.

A parte da Ioga no indianismo é tão grande e tão constante, que poderíamos ser tentados a encará-la como o fundo permanente da cultura indiana. Mas cuidado com as palavras.

De modo algum da civilização indiana! É o regime das castas que define a maneira social de existir para a Índia, Não há nada de social na Ioga. Haverá algo de mais pitoresco para as pessoas de formação européia moderna, do que contemplar no indianismo um amplo passado coletivo repousando sôbre duas bases, das quais só uma é social?

Tranqüilizemo-nos. Por suas origens "indo-européias" ou arianas a Índia foi moldada na sua cultura védica, irmã gêmea da cultura avéstica. Mas a Ioga nunca foi apanágio dos iranianos.

O pensamento indiano existiu e continuaria a existir sem a Ioga, mas abstrato e teórico, de uma secura análoga à iraniana. O Irã foi contemplativo e hierático, como o helenismo onde reinam as idéias platônicas...com a sedução das Graças. A verdade então é apenas luz. De fato, o bramanismo indiano não passou de conhecimento ritual: veda.

Entrevemos assim que a Índia deve à Ioga tudo o que em sua bagagem espiritual não é iraniano ou teórico. Com Jina, ela se afasta dêsse simplismo esquemático: luz e bem, trevas e mal. A elasticidade do progresso espiritual é um fervor que

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expulsa as abstrações e abre um caminho - como, por essa mesma ocasião, o Tauísmo foi, na China, uma investida do impulso vital ao encontro das solenidades hieráticas (confucionistas).

Sem a Ioga a Índia não conheceria outro tipo de ação além do carma, pura servidão. O empreendimento que o iogue ousa levar a têrmo dissipa essa fatalidade da vida vivida; faz com que se conceba um empreendimento libertador, justamente o contrário dos atos que estorvam, entravam, paralisam. Nenhuma lógica explica a coexistência dêsses dois juízos opostos: futilidade e miséria do ato, salvação pela audaciosa carreira; a Ioga é de ordem diversa do carma: empreendimento ardente e não fatalidade. Esta Ioga não é bramânica e ortodoxa, mas sectária; ignora castas e vedas; os hindus, tão religiosos, nela esquecem seus deuses; dela tiram não a crença, mas a energia. E a tal ponto que quase esquecem o panteão védico, mas fundam as duas religiões sectárias, logo seguidas de inumeráveis outras seitas.

Os textos que apresentamos na segunda parte desta obra precisarão diversas modalidades da Ioga segundo os tempos e as escolas, ortodoxas ou não. Nêles se observará a parte do discernimento e a do esforço ascético. O primeiro predominava na Ioga antiga: jaina, budista, upanichádica; o segundo prevaleceu no tantrismo medieval. Entre ambos colocar-se-á a Ioga superficial e insossa das epopéias e puranas. Eis algumas diretivas sumárias:

A Ioga antiga evita opor o espírito ao corpo. A regulamentação da função respiratória prepara a disciplina mental. Graças a um exercício nas atitudes, o espírito se liberta por puro conhecimento. O redimido vivo (jivanmucta) atesta um desinteresse absoluto. A última Ioga, chamada tântrica, efetua a evasão do princípio pensante para fora do organismo. Esforço não de conhecimento, mas de autonomia. Por libertação fisiológica fugimos de nós mesmos, desertando o corpo.

A Ioga e o comportamento.

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A atual "psicologia do comportamento" deve permitir, a um público mais numeroso do que outrora, certa compreensão da Ioga, se bem que enorme distância separe desta ascese tanto os nossos religiosos como os nossos esportistas.

Muitas dessas civilizações que Lévy-Bruhl, sem quaisquer ilusões, chamava primitivas, não concebem o acesso à idade adulta sem iniciações e provas rigorosas. São costumes obrigatórios, ao passo que a Ioga jamais teve êsse caráter, sendo uma disciplina praticável até na velhice e na morte, mas individual, e não coletiva.

A Mongólia teve as suas feiticeiras antes de ter feiticeiros. Mas a vocação da Ioga é masculina e, se comporta uma ginástica sexual, esta não visa apenas reger a geração. O iogue tântrico é extremamente exímio nesse domínio, mas visa transcendê-lo; não ter prazer. Transpõe em mestria o que o kamasutra exerce pela volúpia. A Índia, tão religiosa, difere neste ponto do Irã e de Bizâncio: não venera nem anjos nem arcanjos. O santo não é um eunuco; precisa possuir tôdas as fôrças vitais para dominar; o asceta não é um débil anêmico, mas aquêle que deve tudo provar para tudo superar.

Uma característica essencial do indianismo é a indigência em "moral", o que contrasta com o seu heroísmo sôbre-humano em ascese. Há os costumes canônicos das castas: tantas castas quantos dharmas. Há as vocações inspiradoras das seitas. Nunca um imperativo categórico válido para todos. Mais um caos humano do que propriamente uma mistura. Só Gandhi encontrou e quis a moral, porque não era brâmane, mas jurista à européia.

***

A biologia testemunha a existência de estruturas e Marx nos fêz admitir a realidade de estruturas sociais. Os hindus sabem que o organismo é estruturado,

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assim como o sistema de castas. Mas deixam-se obcecar pela importância das posturas individuais, que, devemos observar, são a origem mesma das seitas. As estruturas atestam uma fatalidade mecânica; as posturas, uma flexibilidade de comportamento. O estatismo da estrutura se fêz, mas está feito; o dinamismo da postura é o que "se está fazendo" (bergsoniano).

Há como que uma harmonia preestabelecida entre essas bases fundamentais e, de um lado, a biologia, de outro, a lingüística hindus. Samscara, "confecção", aptidão de fazer-se a si próprio por comportamento, Samscrta perfeitamente composto, acabado, adequação da linguagem à totalidade do significável: valor sem par do "sânscrito". Estruturas: posturas incrustadas na plasticidade vital, carma. Fala-se de estrutura onde a expressão é necessária enquanto préformada; de postura onde é flexível e viva (não apenas vivida).

A realização de posturas difíceis de descobrir, atrozes ou terrificantes de manter: rude escola de energia, de sangue frio, de autonomia. Luta contra os rigores do clima, à vertigem, a dor, as privações, o desespêro. Manutenção de uma placidez perfeita contra os artifícios de magias hostis. Eis no que consiste a prática da Ioga.

Em contraposição como foram vaidosos e impotentes os estóicos! Quanta benignidade há no seu nil mirari. Limitam-se a suportar, sem ir além dos esforços em que o equilíbrio se arrisca mergulhar. Negam o juízo "eu sofro!" em lugar de se lançarem à prova para supera-la. Junto dessa "realização", sadhana, em que o hindu se esquece de como é vão êsse orgulho dos gregos da Ásia: "Não se espantar com nada" e nada mais que isso; em lugar de afrontar os riscos supremos. E receber a paga em dinheiro falso em vez de enriquecer em desinteresse. A verdadeira coragem consiste em dominar tôda fraqueza em lugar de conformar-se com a abstrata razão.

Origens

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Sylvain Lévi e Pélliot estudavam êsse problema como lingüistas: o sramana budista seria o xamã mongol? Em caso afirmativo, a origem da Ioga poderia ser procurada na direção da Sibéria Oriental, e tal foi o ponto de partida das pesquisas a que se dedicou o orientalista antropólogo Mircea Eliade.[iii]

Depois de vasta investigação pessoal, levou êle em grande consideração os resultados obtidos por Sirokogorov: em vez de ver no xamã um testemunho de um velho arcaísmo setentrional que teria precedido no nordeste da Ásia o impulso budista, é preciso considerá-lo como saturado dêsse budismo tibetano, o Lamaísmo, doutrina mista que teria penetrado na Coréia desde o século III, na Mongólia apenas no século XIII e na região! do Amur no século XV. Quanto aos mandchus só a teriam recebido entre os séculos XIV e XVII.[iv]

Portanto, se nos interessamos menos pela confrontação dos diversos budismos do que pela pesquisa da origem da Ioga, nem a Sibéria nem o Tibete poderão informar-nos sôbre o assunto.

O mesmo acontece com o Irã, embora a ortodoxia bramânica esteja em estreita conexão com os masdeísmos sucessivos, e o misterioso Zoroastro se situe no último milênio a.C., bem próximo de Jina. Mas, se é verdade que as passagens que dão para Peshawar são quase o único acesso normal à Índia pendjábica, pode ser que estejamos errados ao esquecer que, através do Beluchistão, o baixo Indo é acessível aos mesopotâmios, e que, além disso, as comunicações marítimas do Golfo Pérsico a Caráchi foram sempre efetivas.

Ora, o fato é que as escavações de Sir John Marshall em Mohenjo Daro (Baixo Indo) revelaram um indianismo não iranizante, mas já hinduizante numa época muito recente. Encontrou êle tabuinhas de cerâmica tôdas semelhantes, apresentando uma personagem sentada como um hindu e com três olhos: a própria efígie, ao que parece, do deus Siva que, na época histórica, será o patrono

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dos iogues. Essas tabuinhas datam de aproximadamente dois milênios e meio antes de Jina e Buda.[v]

Atestado não de um indianismo moldado por algum estilo mesopotâmico, mas puramente hindu e contemporâneo da antiga Mesopotâmia. A mais velha Ioga é indiana e da mais velha Índia, a do rio Indo, a Índia do 4.° milênio. De fato, a noção caldaica da abóbada celeste crivada de furos (que acreditamos serem astros), pelos quais o mundo sublunar se comunica com a eterna luz acumulada para além dessa carapaça, tal noção se expressa nos upanichades.

O culto do lingam ou falo, que será sempre sivaíta, é atestado em Mohenjo Daro. Segundo J. Przyluski, o têrmo austro-asiático lak (pênis), refletindo-se no sânscrito langula (charrua), instrumento de fertilização, teria comunicado o seu sentido à palavra lingam. Somos tentados a supor que certas posturas de Ioga serviam para reger a natureza. Yogini (feminino de iogue) designou um demônio feminino da vegetação, talvez antes que êsse absoluto, Siva, fôsse a conciliação dos contrários sob seu duplo aspecto, ascético e fálico. Por aí se adivinha uma fase arcaica em que Ioga e geração estiveram numa relação de causa e efeito; explicase o costume de erguer alguns lingam sôbre os túmulos das iogues (Eliade, pág. 305). O sivaísmo plenamente histórico parece ter explicitado o conteúdo virtual do proto-sivaísmo.

CAPITULO I

AS PRIMEIRAS IOGAS SECTÁRIAS; JAINAS E BUDISTAS

A carreira de Jina, o Vitorioso, e a de Buda, o Lúcido, são paradigmas de libertação. O Ocidente buscaria nos fracos ou nos escravos a aspiração à autonomia. Referir-se-ia ao escravo Epicteto, ao tuberculoso polidor de lentes,

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Spinoza. No entanto, o estoicismo libertou o imperador Marco Aurélio e o budismo fêz o mesmo com êsse outro imperador, Açoca. Onde melhor encontrar a libertação do que nos poderosos que dominaram o seu poder? Certamente a historicidade de Jina e de Buda não é tão positiva quanto a dêsses sábios potentados. Mas é mais documentária, pois a inconcebível miséria indiana é riquíssima em desinteresse; cada super-homem viu-se rodeado de inúmeros desconhecidos. Não confundamos também autodomínio com indigência. Jina e, depois dêle, Buda foram aristocratas, soberanos que renunciaram a tôda glória, a todo poder para dominar mesmo a mais humilde sêde de viver. Recebemos a lição dos pobres de Israel; admitamos que a indigência voluntária dos poderosos que renunciam à toda glória e se consideram os mais puros, testemunha a verdadeira virtude, a que se afirma senhora. A humildade indiana é o contrário do orgulho estóico. Por isso, a verdadeira libertação supera a virtude integral. É preciso dominar toda vontade de viver para, numa total renúncia, adquirir o domínio universal. O verdadeiro conquistador ultrapassa toda conquista.

Nessa metade do último milênio antes da nossa era, a Ioga parece não ter sido ainda assimilada pelos brâmanes. Estes possuíam uma formação ariana, visto que védica, ao passo que a aristocracia conservava como patrimônio cultos de nobreza com base na Ioga. Jina e Buda são, de fato, os primeiros iogues que a história assinala: soberanos que só querem comandar a si próprios, possuir apenas um método de salvação. Mas seu zêlo altruísta coloca-se na escala dos monarcas "universais"; é em esquecimento de si próprio que se manifestam comprovadamente "imperialistas". As supremas asceses detém a eficiência da mais alta autoridade.

Como a Índia não concebeu divindade que se sacrificasse pelos humanos, é natural que nenhuma religião pudesse prevalecer sôbre êsse frenesi de desinteresse. Jainismo e Budismo fornecem sabedorias coletivas mais poderosas do que todos os cultos e válidas para todos os homens, não apenas para aqueles que as promovem. Vantagem decisiva da seita, inconcebível na casta. Esses dois

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fervores isentos de teologia já nos dão, antes de Auguste Comte, religiões da humanidade; foram mais ou menos imitados, com meios relativamente fracos, pelas inúmeras tentativas sectárias, muito diversas daí por diante.

***

Por mais inclinada que fosse à fidelidade para com seu passado, a Índia entrou na história através de estranha inovação. Os fatos normais, que são apenas costumes e não acontecimentos, não são observados.

Eis o duplo acontecimento. No século VI antes da r nossa era, com o jainismo e depois no V com o Budismo, no país das castas - regime permanente - surgem duas seitas, ao encontro da tradição. Ambas são quase águas do mesmo jarro, em oposição ao regime ancestral. O bramanismo anterior, normal, visto que sem história, constituíra uma extensão até Pendjab (bacia do alto Indo) de cultos iranianos, conexos com a fórmula zoroástrica. A dupla inovação produziu-se na casta

dos

nobres,

nessa

aristocracia

cujos

membros

são

reis

(rajá).

Acontecimento que se verificou não no Pendjab mas no Hindustão, entre o Ganges e o Himalaia, numa zona permeável às infiltrações tibetanas. Seriam êles dois sêres humanos cem por cento concretos e históricos ou uma gesta aristocrática em dois exemplares, distintos na verdade, mas "sobreponíveis"? Seria ingenuidade postular que verdadeiro e real fossem sinônimos; mas não nos enganaríamos ao afirmar que se, na circunstância, a historicidade dos dois eminentes sábios não é integral, inúmeros desconhecidos avizinharam-se do esfôrço sôbre-humano que teve em Jina, o vitorioso e em Buda, o lúcido - seus protótipos.

O "denominador comum", nesta circunstância, é a Ioga. Este exercício, já muito especializado, é estranho à casta bramânica, cujo ofício consiste num rito sacrificatório segundo os brâmanas. Não esperemos encontrar, antes da Idade Média, a Ioga entre os especialistas do culto. Em contraposição, como grande

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"esporte" de vigor e audácia, observemo-la em prática na da aristocracia. Isenta de tôda relação com uma função ou uma instituição qualquer, anima os que se votam à excepcional ousadia, embora não se confunda com as regras de honra na casta dos nobres. Só se tornará escolástica e doutrinal mil anos depois de ter inspirado ao Vitorioso os meios da verdadeira vitória.

A Ioga é treinamento; Jainismo e Budismo são religiões. De modo nenhum, teologias, mas técnicas de salvação. Têrmo ainda escabroso! A salvação, à moda indiana, é via, caminho, para um objetivo definitivo: mocsa, a redenção. Noção nova, daí em diante terá grande prestígio. Admitindo uma inelutável e indefinida transmigração (samsara), o indiano não podia conceber a morte como negação da vida; a seus olhos ela é transição de uma existência para outra. Só a redenção extrai o indivíduo dessa geena, a "roda" das vicissitudes. Tal foi a proeza realizada por Jina e por Buda: tendo reabsorvido todo o estoque de carma acumulado nas suas existências anteriores; tendo conseguido escapar às malhas de nôvo carma, graças a um absoluto desinteresse e um total devotamento à libertação dos humanos, encontraram êles uma saída fora da transmigração, tornaram-se redimidos-vivos (jivanmucta). Em vez de morrerem, alcançaram o nirvana. Significa isto: esgotar, pela extinção definitiva de todo carma, a necessidade de renascer. Abrindo um caminho, revelaram a salvação.

***

Só serão apreciados o sentido e os meios da Ioga se mostrarmos que o pensamento indiano opera num plano diverso do pensamento europeu. Este, através da herança grega, da escolástica, de Descartes, de Hegel, busca a verdade, pensamento justo, mestre em lógica e matemática. A Índia fornece às suas populações heterogêneas, regras de vida, ou seja, as regras das castas, às quais se acrescentaram as regras sectárias. Foi sempre através do devir das seitas que a Ioga evoluiu em meio a várias aplicações; mas foi sempre no esforço biológico individual que explorou, que ousou e realizou (sadhana).

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Primeira na sucessão das seitas, a realização faina existe ainda no seu local de origem, após vinte e cinco séculos: no Hindustão, ao longo do Himalaia, na metade ocidental da Índia Central. Traz em si reminiscências do Irã Oriental, do zoroastrismo, do Pendjab. Sabedoria prática e realista; modéstia mas integridade. Por isso mesmo nunca incitou o raio a contrariar o seu destino. Probidade em negócios, diáfana sabedoria; zêlo proverbial pela brancura - no caso das roupas, e pureza no nudismo. A fé jaina realizou tanto a integridade em negócios quanto a honestidade nos costumes. Teste irrecusável: ferozes contra os monges budistas, os muçulmanos vencedores respeitaram os adeptos modestos do Vitorioso.

Fazem-se necessários alguns esclarecimentos para situar o pensamento jaina, cronologicamente, o primeiro de todas as (inumeráveis!) filosofias indianas. Ele é, ao mesmo tempo, espiritualista e materialista, mas não contém nenhum dualismo de substâncias. Vivo (jiva) e ao mesmo tempo não-vivo (ajiva). A esses dois "princípios" juntam-se as irrupções ou influxos (asrava); o laço (bandha); 5.° a defesa (samvara); 6.° o aniquilamento (nirjàra) ; 7.° a libertação ou redenção (mocsa). Fatores ou comportamentos, não funções, e menos ainda "coisas". O espiritual e o material aproximam-se, isto é, juntam-se através de uma Ioga mais constitutiva do que disciplinar; só Helmuth von Glasenapp a definiu. Um estorvo material, carma, insere-se nas almas, apesar de serem espirituais; entravado ou favorecido, seu comportamento resulta de contato ou junção. Ioga, nesse sentido mais arcaico, designa assim o equilíbrio mais ou menos realizado entre a autonomia do princípio espiritual e os embaraços ou obnubilações que sobrevêm.[vi]

Se o primeiro testemunho plástico da Ioga em ação é a efígie de "Siva" (?) de Mohenjo Daro, o primeiro documento filosófico dêste comportamento é, assim, o uso da palavra Ioga no cânone jaina, que atesta uma ascese mais carregada de

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arcaísmo do que o cânon budista. Mesmo através dos séculos ulteriores, quando houve

alguma

rivalidade

entre

jainas

e

budistas,

os

primeiros

nunca

demonstraram a mínima intenção de modernizar o seu cânon. Como garantia de autenticidade, o arcaísmo, em tôda a Ásia, passa por mais precioso do que os desenvolvimentos ulteriores.

Um materialismo grosseiro serve de fundamento à teoria jaina do carma. O inanimado (ajiva) consiste em diversas substâncias: a extensão (acaça), o movimento (dharma), o repouso (adharma), a matéria (pudgala) que implica localizações (pradeça) onde se situam os simples (anu), pequenezas ou extremamente pequenos (paramanu). Serão átomos? Exceto que nem a extensão, nem o infinitamente pequeno, nem a insecabilidade os define. Nos interstícios que as agregações ocultam (scandha), ainda que espirituais, podem-se insinuar elementos materiais: o carma é apenas o entravamento da alma por resíduos de atos anteriores, sedimentos materiais; assim como admitimos que a artrite e, resulta do acúmulo de uratos nas articulações. Pôr novamente em seu lugar cada, espécie, de substância, expurgar o espiritual do material, tal e o caminho da salvação ou da saúde, expressões equivalentes. A ascese apressa a dissolução dos resíduos cármicos, ao passo que a clara compreensão, acompanhada de iniciativas puramente espirituais (viria), perfaz a redenção e institui a liberdade.

A região onde se constituiu o Budismo não está muito distante da que produziu o jainismo. A diferença de tempo que separa êsses dois acontecimentos não é de mais de duas ou três gerações. O sábio dos Sáquias (Sáquia-múni) é também um soberano que renuncia ao poder temporal para libertar os sêres humanos do egoísmo e do desejo: comportamento mais absurdo aos seus olhos do que aos de Jaina, pois ele tem a convicção de que as almas não são substâncias, mas simples fenômenos. É a mesma oposição que se verifica modernamente entre o realismo de Descartes e o fenomenismo de David Hume. Na natureza e na sociedade, o dharma, estrutura efetiva do real, não é mais substância, mas fenômeno, isto é, dado sensível, inconsistente e passageiro. Um imenso

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progresso da crítica contra o realismo ingênuo: eis a originalidade filosófica do Budismo.

Sua fórmula da "produção condicionada" dos fenômenos põe desde logo a especulação da Índia ao nível do mais ousado pensamento do século XVIII europeu. Não se canse de repetir, com respeito a êsse assunto, que o idealismo budista, tendo estreado com a fase "Hume", passou mais tarde - e não mais cedo - para a fase Berkeley. Mas não nos cabe aqui tratar da philosophia universalis que só pode ser comparativa.

O potencial metafísico do Budismo, que é todavia crítica severa, não deve ser deixado em silêncio, mesmo na mais sumária apresentação. Como, na Grécia, a especulação física, enquanto supõe uma filosofia "primeira", chegou a uma metafísica, a reflexão sôbre o dharma suscitou uma crítica das condições da existência, abhidharma, espécie de metafísica adaptada a uma filosofia em que o ser depende do ato.

Os valores supremos, "tríplice jóia" do Budismo, são simétricos aos do jainismo: o iniciador transformado por contensão de lucidez em puro ser de bodhi, isto é, de conhecimento justo; sua Lei (dharma); sua comunidade (samgha).

Limite extremo do esfôrço e da lucidez, isto é, estado terminal e definitivo, em que tôda aberração por egoísmo se acha superada (diríamos em alemão: aufgehoben ), eis o objetivo. É a extinção, nirvana. Não uma queda no nada, "nadificação" sartriana. Tudo o que foi suprimido era negativo. Não concluamos daí que seja positivo o que subsiste. Mas a ilusão tornou-se impossível, sobretudo a ilusão do ser, a do egoísmo e do ego. Extinta, a vontade de viver (Wille zum Leben, de Schopenhauer). Nenhuma posse, nem de ser, nem de beatitude; mas diminuição integral dos interesses e das vaidades. A vanitas vanitatum, amargura do desencanto, não existe no nirvana; redenção total.

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É incontestável a afinidade entre as duas seitas, entre êsses dois gestos de nobreza, o jainismo e o Budismo. Sua afinidade é evidente sobretudo nas primeiras épocas; mais tarde o jainismo contentar-se-á com destinos mui honradamente modestos, ao passo que o Budismo tomará imenso impulso. Nem casta nem seita busca o que chamamos verdade. Os brâmanes dedicam-se ao sacrifício védico; os nobres buscam, à guisa de salvação, a redenção, mas por outros meios que não os guerreiros. A ascese é luta severa, não rotina sacerdotal. Não há redenção sem esfôrço, e portanto sem Ioga; mas a Ioga a serviço da redenção pode chegar ao estado de "redimido-vivo" (jivanmucta). Proeza imensamente superior à própria sabedoria integral dos inumeráveis doutos que chamamos filósofos hindus. Para um grego é bastante ser sábio, conciliando sua ação com o seu ideal, contanto que pense sub specie aeternitatis, pois seu ideal é soberanamente intelectualista; mas para a Índia o supremo objetivo excede sabedoria e razão. A reabsorção por usura tenaz do imenso carma acumulado, através de tantas existências sucessivas, dissociação de agregações materiais no jainismo, dissociação de complexos psíquicos no idealismo budista, são tarefas sobre-humanas. Com efeito, nessa parte do indianismo não há nenhum apêlo, nenhuma esperança em uma graça divina; é pragmatismo absoluto que uma consciência radicalmente "relativa" deve produzir. A dupla proeza de Jina e de Buda não foi repetida por ninguém.

O leitor poderá constatar com o tempo que a experiência indiana se deu conta desse fato, visto que os tântricas limitaram o seu esforço, já inaudito para europeus, ao domínio de suas funções psicofisiológicas (a "torção" bergsoniana).

Jainismo e Budismo não jorraram já feitos de uma revelação de dois iniciadores, como parece indicar a ficção lendária. Cada um dos dois cânones constituiu-se gradualmente, e as duas seitas não se imobilizaram quando os cânones foram definitivamente terminados. Há também contraste entre a relativa simplicidade, imutabilidade da dogmática jaina e a extrema plasticidade do Budismo.

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O dogma dos jainas implicava uma física materialista, à qual se justapunha um dinamismo espiritualista. A primeira freava o segundo. O Budismo, ao contrário, em sua forma inicial, era um circunspecto idealismo (Pequeno Veículo, Hináiana) e em sua forma última, na idade Média, entre os tibetanos e na Ásia Central, um idealismo tão grandioso quanto o da "deutsche Romantik" com Fichte e Hegel (Grande Veículo, Maháiana)[vii]. Florescimento de um poderoso pensamento, não bitolado pelas convenções tradicionais da filosofia bramânica (fôsse em texto de base, sutras; fôsse em comentário).

***

No decurso dos tempos, a ortodoxia bramânica assume a atitude de plena autonomia, como se ambas as seitas lhe fossem completamente estranhas. Pura afetação! Essa ortodoxia sempre procurou afastar o perigo de um desvio herético. A "crítica" ocidental, porém, deu sua opinião sôbre as origens búdicas. Segundo a tese de Émile Senart, Buda, o mito solar, não deve nem ser relegado ao esquecimento nem tratado superficialmente. Os trabalhos ulteriores de J. Przyluski mostraram o que Buda, não o Buda do passado mas o do futuro, Maitréia, deve a Mitra, essa divindade da Ásia Central que tanta influência exerceu sôbre os legionários

romanos.

O

sábio

dos

Sáquias

(Sáquia-múni)

não

deve

originariamente ter sido nem homem nem deus mas Sóter, de acôrdo com o modo greco-iraniano: um salvador. Essa crença na luz e na serenidade puramente ariana carregou-se de intricados desenvolvimentos ao gôsto do hinduísmo em suas duas gestas ou romanceiros sucessivos, o Jainismo e o Budismo, assim como , alguns séculos mais tarde o romantismo, o Crixenaísmo, dupla devoção a Vixenu e a Siva, constituíram paralelamente as duas epopéias (Maabárata e Ramáiana). Está na "ordem das coisas" o fato de que os diáfanos temas iranopendjábicos se tenham enredado numa ilimitada confusão lendária ao se exprimirem segundo a fantasia maciça e caótica do Hindustão. As duas gestas salvadoras, as duas epopéias são incidências comparáveis, nas quais se indianizou o espírito ariano.

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Concluamos que Jainismo e Budismo puseram a Ioga a serviço da "redenção"; nessa fôrma serão moldadas tôdas as filosofias, visando cada qual certa forma de salvação. Evitaremos situar num mesmo plano a religião oficial de casta e o fervor sectário; pois a seita, em época mais recente, implica repúdio da casta: salto no arbitrário, proclamação de infidelidade. Jainismo e Budismo não foram cultos de repouso total, mas desafios que abriram caminho à fantasia sectária, que invadiu a Idade Média. Imenso mérito de sinceridade absoluta, perigo crescente de arbitrárias inovações. Mecânica e rotineira por suas castas, a Índia não só foi liberal como também anárquica nas iniciativas fora da casta. Singular conciliação dos contrários numa sociedade em que o fervor se recusa a adormecer sôbre uma rotina beata, numa sociedade demasiado vasta, demasiado múltipla e demasiado densa para permitir um regime de "estado".

É chegada a ocasião de observar até que ponto foram solidamente constituídas as duas primeiras seitas, em contraste com a arbitrariedade e a fragilidade que caracterizam as seitas ulteriores. As primeiras fornecem regras de vida, estritas maneiras de pensar, das quais procedeu, em grande parte, a lógica indiana. Não se limitaram, portanto, a pregar certos dogmas. A ascese de Jina e a de Sáquiamúni têm sua originalidade, embora ambas apresentem muitos traços comuns. Condensam uma imensa experiência espiritual de natureza coletiva, apesar do seu aspecto de iniciativa individual; experiência muito racionalista em comparação com o pragmatismo, que inspirará a maior parte das seitas medievais. O Jainismo comprovou sua solidez resistindo ao perecimento, seja condenado pela ortodoxia, seja perseguido pelos muçulmanos. O Budismo, religião de monges mais do que de probos comerciantes, foi aniquilado no Hindustão, repelido para o Himalaia, bloqueado no Ceilão, mas teve impulso como Pequeno Veículo no Sudeste asiático e como Grande Veículo em tôda a zona nordeste, até na China e no Japão, sofrendo, porém, paradoxais alterações. Transportou a Ioga para o país do tau.

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Examinaremos ulteriormente a mais gloriosa época do Grande Veículo, a dos Iogacaras (séculos V a VII), momento crucial da philosophia universalis.

Notemos sobretudo êste fato capital: desde o mais antigo testemunho da existência de uma Ioga - entre os primeiros Jainas - está essa disciplina em plena posse dos seus meios.

A Ioga em face das religiões e das teologias

A Ioga é ascese e não devoção. Ascese individual; suscetível, entretanto, de tomar-se coletiva, enquanto monástica, mas um mosteiro não é uma sociedade (Tibet).

A Ioga é fervor de seita, não tradição de casta. Enquanto a casta modela os indivíduos na mesma fôrma, a seita arranca o indivíduo do seu meio nativo e forma-o isolando-o em meio a outros.

A Índia foi religiosa por regime de casta, mas descobriu e cultivou a espiritualidade em iniciativas sectárias. Desenvolveu de maneira ao mesmo tempo paralela e rival o social no indivíduo (casta), o indivíduo no social (seita). Conservantismo de casta, em originalidades sectárias. A casta é uma colméia, a seita um partido, uma vocação, uma iniciativa do indivíduo; que se prolonga na forma de vida coletiva.

Assim, a Ioga não foi, como preconcebidamente a julgam no Ocidente, puro esporte

individual.

Ginástica

fisiológica,

suscitou

enorme

quantidade

de

experiências sociais. Desde o início da história indiana, Jainismo e Budismo, tipos originais de vida comum. A seguir, tôda a seqüência, tôda a variedade das seitas.

Se a Índia foi religiosa por seus brâmanes, foi mística por seus iogues. Essas duas fontes de sua devoção t opõem-se e ao mesmo tempo se completam. Opõem-se muito mais do que clero e monacato no Ocidente. Aqui, monge e padre são dois

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"homens de Deus"; lá, o ritualista e o improvisador social quando muito são comensuráveis.

A Índia pareceu misteriosa e beata enquanto o indianista se interessou exclusivamente pelas castas, que são sem número na realidade concreta. Mas, quando os europeus "realizarem" a que ponto foi audaz em iniciativas sectárias que mais nenhuma instituição conservadora freava, notarão com surprêsa que foi êste o meio mais suscetível de inúmeras contingências mesmo sem se levar em conta as Índias coloniais. A heterogeneidade das populações, dos idiomas, dos costumes ao invés de desembocar, como em outras partes, na centralização unificadora, afirmou-se numa crescente complexidade. Massa por demais diversa para governar-se a si mesma, por demais colonizadora para ser colonizável.

Se a efígie de Mohenjo Daro, hoje com cinco mil anos, é com certeza a de Siva, patrono dos iogues, a Índia é muito mais antiga pela sua Ioga do que pelo seu veda conexo do iranismo. Que revolução na interpretação de todo o indianismo! Um arcaísmo sumério-dravídico que surge como fator bem mais fundamental do que a afinidade irano-indiana, manifesta, mas tardia. Tínhamos razão ao afirmar o quanto Ioga e vida são, em princípio, e no fundo, mutuamente estranhos. De fato, a Ioga, pouco a pouco, conquistou e assimilou todo o indianismo; o emprêgo dêsse têrmo generalizou-se incrivelmente. Pouco importa qual a prática, e mesmo qual a teoria que reivindica êste singular comportamento, sobretudo se considerarmos que o autêntico vedismo, apanágio exclusivo da casta dos brâmanes, está entremeado de inovações sectárias. Tôda a história da Índia comporta essa gradual asfixia.

CAPITULO 2

UPANICHADES, VIXENUÍSMO ÉPICO E GRANDE VEICULO (- 300 a + 300)

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A Ioga insere-se entre rito e gnose: primeiros Upanichades

Observamos anteriormente que a Ioga não tem nenhuma relação com a casta, Indício do seu caráter extrabramanico - mas que e fermento ou o meio privilegiado das seitas. Nada mostra melhor o quanto, ao mesmo tempo, é ela estranha às instituições e o quanto os hindus, embora dominados pela tradição, confiaram na sua eficiência. A Ioga é suscetível de disciplinar o arbitrário e mesmo a anarquia, porque é uma regra para o indivíduo; mas consome-se a serviço das mais diferentes iniciativas, pois não implica nenhuma pretensão de valer coletivamente. Assim, enquanto o dharma é o regulador da casta, a Ioga é a inspiradora da seita. Graças a uma Ioga particular, o indivíduo afrouxa o rigor do seu dever para com a casta. Completa oposição entre a autoridade impessoal dêsse grupo social e fortuita coesão de certos indivíduos, seguidores de alguma iniciativa em moral.

Coesão frágil, arbitrária, senão anárquica: justamente o contrário da que rege a casta, sendo, porém, apaixonada. Enquanto vive dominado pelo pesado mecanismo das castas, o hindu visa iniciativas individuais, agregando-se na seita a libertários, através de uma alegre emulação. Atitude quase contrária à do socialismo europeu, promotor de um poder de massa; é, antes, um esfôrço para corrigir o excessivo sentido de massa da casta por um apêlo coletivo ao livre florescimento individual. Em resumo, enquanto a casta impunha condições sociais, a seita abria, segundo a escolha de cada um, a possibilidade de mútua aproximação sujeita a certa disciplina preferencial. Havia Ioga em todos os graus, desde o "esporte" até o misterioso apêlo das mais profundas vocações.

Existe mais ambigüidade no têrmo "bramanismo" do que no uso da palavra Ioga. Se os hindus pregaram tanto a unicidade, a eternidade invariável, extratemporal do bramanismo, foi porque se inquietavam com as suas incontestáveis transformações. O veda existe sem Ioga, e a Ioga sem veda; contudo, o emprêgo da Ioga pelos teóricos do veda formaria dentro em pouco o bramanismo.

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Precisemos: desde quando os praticantes do sacrifício védico, partindo da especulação, chegaram à pontualidade ritual; quando a técnica dos brâmanes foi acompanhada por essa especulação gnóstica, o upanichade. Foi sob a influência da Ioga que êles assim se transformavam, pois essa ginástica psicofisiológica sugeria uma infinidade de atitudes sutis e fugidias, não canônicas como a operação sacrifical.

No sentido antigo e estrito, o bramanismo é a teoria e a prática da eficiência ritual cujo monopólio pertence à casta dos brâmanes e cujos meios são determinados nos brâmanas. Trata-se de um sacrifício a executar, e de maneira alguma, de devoção ou de piedade, mas unicamente magia sacramental; o sacrifício vale por si mesmo, não como meio de evocar ou de honrar alguma divindade, cujo nome seria Brama. O brahman, substantivo, significa mais ou menos: a onipotência do rito oral convenientemente pronunciado por um técnico da casta bramânica.

A mística não foi obra sacerdotal, nem a Ioga fervor dos brâmanes, embora a êles se tenha impôsto gradualmente. Sua tarefa era ritual. Foram os teosofistas modernos que, interessados apenas pelas gnoses, prejulgaram como gnóstica a Índia mais antiga. Crer-se "iniciado" no indianismo pela leitura superficial de alguns upanichades e da Gita, é como pretender buscar a essência da cristandade em Fénelon ou em Lamartine. A adoção gradual de certa Ioga pelo bramanismo implanta-se pela necessidade em que se viram os brâmanes de combater a dupla heresia jaina e budista, onde a Ioga surgia como o meio essencial do encaminhamento para a "redenção", em outras palavras, como meio de "salvação" - tarefas de início insuspeitadas, mas que se tomaram capitais, visto que se impuseram à ortodoxia. Doravante o bramanismo não foi mais somente o ato próprio, svadharma, dos brâmanes (sua competência ritual), mas uma religião salvadora, para todos os hindus.

Observemos até que ponto a Ioga é exterior ao horizonte normal do bramanismo. Este teme as modalidades da ação [carma], por comprometerem inelutavelmente

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o homem com ilimitadas vicissitudes [samsara] que mais e mais afastam essa saída para fora de todos os futuros; em resumo: a redenção [mocsa].

Não é a Ioga uma ação, visando uma autolibertação? Existe uma atividade libertadora? A única resposta possível é esta: a Ioga libertadora não era prevista no bramanismo dos textos denominados brâmanas; aparece somente nos upanichades, nessa literatura cada vez menos ritual, cada vez mais gnóstica.

Mas que se acautele o leitor! O que êle pensa ser poesia não passa de alusão a algum texto ou algum rito que nos escapa. Nada há ali de arbitrário, salvo os nossos erros de interpretação. Sem uma delicadíssima habilidade em extrair a estrita informação quanto aos ritos, a manipulação dos upanichades só pode chegar a mesquinhas classificações. Existirá o arbitrário? Em parte alguma, salvo em proporção à nossa ligeireza. Tudo tem um valor abstrato, e seguramente sem fantasia. O elemento poético, se existe, está alhures e não ali onde cremos discerni-lo; enxerta-se numa base ritualista que desconhecemos. Não há teologia, mas piedade; não há metafísica, mas escolástica ritual. Arte também não há, salvo a densidade expressiva do sânscrito, que é para o pândia "conhecedor", a própria precisão.

A primeira utilização bramânica da Ioga atenuada nos upanichades, é só muito por alto uma disciplina fisiológica, mas já é a adoção assídua de certas atitudes. Não digamos ainda "posturas", serenas ou temerárias. Mas encaminhamento da consciência para um valor absoluto, beatamente apreciado; gradual ou contínua transição, tão profundamente reconhecida, do próprio eu, atman, à entidade integral, eterna, o brahman ("o sagrado" segundo Durkheim que, assim como Marcel Mauss, penetrava com um inigualado rigor na compreensão dêsses têrmos hindus). É o absoluto na medida em que é ritual na Catha Up., segundo o bramanismo arcaico. No entanto, desde a Svetasvatara Up., é devoção a uma divindade, já aquela que predominará na Idade Média, Siva. No Tibet, a Ioga fora comportamento; no bramanismo arcaico, foi comportamento sacramental; no

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bramanismo beato, piedade. Ponto de partida: esquivar-se à transmigração; meta de chegada: afirmar-se como dono de seu destino. Tão deplorada era essa servidão, a sucessão de nascimentos (samsara), que todo esforço visava rompeIa; a obsessão visava libertação, não liberdade.

A Ioga épica do Hinduísmo

A Índia se respeita a si mesma na fidelidade a seu passado; nunca buscou valôres mais preciosos do que sua herança védica. Apesar dêste apêgo à tradição, foi-lhe impossível conservar-se imutável através da sucessão dos séculos. O que se chamaria a era védica deriva da pré-história e de uma comunidade irano-indiana que concebemos apenas por indução.

Mas essa tinha foi "bramânica" por seus brâmanes, autores dos brâmanas, tratados de técnica ritual. Assim entrou ela na história, tal como concebemos esta ciência. A dupla heresia jaina e budista encravara-se em pleno período bramânico para fazer frente aos ritos sacerdotais e inaugurar cultos de aristocracia. No entanto, conservava seu prestígio a velha cultura baseada nos vedas, irmã-gêmea da cultura avéstica, e que tivera seu centro no Pendjab, essa Índia dos tempos imemoriais.

O têrmo hinduísmo serve para designar a produção de uma época ulterior, entre dois séculos antes e dois séculos depois do inicio da era cristã; foi então que se elaboraram essas enciclopédias romanceadas, o Maabárata e o Ramáiana, que se prolongam através de algumas puranas. Literatura aristocrática, não clerical, em que a piedade está isenta de tecnicismo sacrificatório. Os deuses não são mais ritos personificados, mas senhores de alta linhagem, elegâncias principescas - como Rama. O supremo é absoluto pela multiplicidade das suas atribuições, mundanas se bem que sôbre-humanas. Krsna (Críxena) é grande guerreiro e criança brincalhona, pastoril e feudal, piegas e impiedoso, amante das pastôras e inacessível. Sylvain Lévi compreendia essas duas pretensas epopéias como uma

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tessitura de temas caros a uma sociedade elegante, suma de lendas e de tradições que, diante das invasões, teriam sido amalgamadas pela Índia gangética a fim de ser confiadas a memórias fiéis.

A ascese dos iogues não era, nas suas origens, nem bramânica nem feudal; contudo, os brâmanes apreciavam o seu rigor e os nobres, o seu heroísmo. Mas não nos iludamos quanto a isso: a Ioga implicava fervorosa disciplina, mas de modo algum uma castidade monástica. Pagã e voluptuosa era a Índia no seu sacerdócio como na sua nobreza; não nos faltarão ocasiões de observar que encontrou rigorosas aplicações dessa disciplina, tanto no sentido de satisfazer quanto no de espezinhar a sexualidade.

A Ioga do hinduísmo, segundo epopéias e puranas, está associada a essa disposição interior conotada pelo têrmo bhacti. Da mesma maneira que a prática da Ioga põe quem a ela se vota no estado de iucta (junto), a prática do bhacti produz o bhacta. Por "participação" tornamo-nos "participantes". Acrescentemos que a entidade que se deixa possuir por participação é "bhagavante": aquêle que se dá em partilha, que se comunica por participação. Seu absoluto, em Críxena, avatar de Vixenu, consiste em deixar-se possuir: tema do tão célebre texto incluído no Maabárata: a Bagavadguitá, canto daquele que se deixa participar. O culto de Siva, que rivalizou com o Vixenu e a êle sucedeu, numa larga medida, durante a Idade Média, prestou-se acidentalmente a esta espécie de culto: o Isvaraguitá, Canto do Senhor, é decalcado na mais famosa das guitás. Contudo, trata-se então de um mestre, não de um amigo ou amante; mestre severo que é preciso seguir, mas que incita os humanos a se superarem, em vez de se comprazerem com a sua fraqueza. Entre a Antiguidade e os tempos modernos, teve assim a Índia a oportunidade de escolher entre dois ideais a débil doçura e a áspera violência.

Uma conclusão, aqui, se nos impõe: nada há de comum entre a devoção (bhacti) e a posse de si (Ioga). A devoção coloca o asceta no nível modesto dos fiéis, mas

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também dos medíocres e dos hipócritas (humildade talvez salutar; mas consentirse-á nela definitivamente?); a Ioga o eleva à categoria dos mestres. Houve, nesse particular, um qüiproquó. A idéia de junção dá lugar a um equívoco. O entregar-se a...pode ser fraqueza; mas pela posse de si mede-se o valor.

Já observamos que a Ioga do bramanismo não era bramânica, mas bramanizada. A do hinduísmo é desbramanizada; pois o que significa propriamente bramanismo senão o que admite a casta dos brâmanes? Ora, com a Ioga hindu, a questão é de seita, não de casta.

Na Antiguidade havia uma ortodoxia indiana: o que admitia a casta bramânica. N a fase hinduísta nada freia as iniciativas sectárias: os brâmanes resignam-se a elas, pois torna-se-lhes impossível encerrarem-se dentro da tradição. Os que têm a tarefa de fazer viver a religião não saberiam abstrair-se dos cultos vivos, mesmo se aquêles provêm mais dos nobres que do clero, mesmo se pertencem à gente humilde. Ao longo de todo o Hindustão, infiltrações tibetanas praticam certa Ioga que nada deve aos brâmanes, mas à qual êstes sempre devem mais.

A Ioga ainda não fascina senão os cultores da ascese. Mas a multidão - e que multidões gangéticas! - exigia ritos pastoris e rurais, de montanheses e vaqueiros, essa teriolatria que sobreviveu na noção de samsara: uma só vida comum aos homens e aos animais. Haverá fato mais característico que o prestígio sagrado do falo, linga? A suprema virtude não exige tanto de fecundidade quanto de continência?

As religiões de Vixenu e de Siva, que alimentam todo o hinduísmo, eram bramânicas por alto. O que era o Vixenu védico? A onipenetração da luz. Para que se tornasse, como era preciso, não um absoluto, mas o absoluto, constituiu-se por uma fusão de entidades desigualmente concretas e magistrais: Vasudeva, Naráiana, e sobretudo Críxena, que se tornam participáveis e que, como tais, fazem de seus fiéis bhactas ou "participantes".

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E quais eram os títulos de Siva para o exercício da autoridade suprema? Seu nome é anterior a êle próprio. Os pastôres faziam oferendas a Rudra, destruidor dos rebanhos, invocando-o como propício, isto é, Siva. O grande deus continuou "pati", pastor, sendo suas ovelhas "paçu", rebanho. Artifício mais simples do que a dialética hegeliana para superar a contradição eis aí um absoluto que aniquila mas que cria; amedronta mas consola. A elasticidade com que brinca com as aparências contrárias exprime-se no mito de Siva dançando, realizando com seus ritmos tôdas as magias. Ele será o senhor, Isvara, de fiéis muito diversos, recrutados entre os adeptos das divindades grosseiras e horrendas da Índia Meridional, bem como entre os teóricos das filosofias samquia ou vedanta.

A equipolência Samquia-Ioga

As duas epopéias apresentam já sob um aspecto bem claro, e como que paralelos, dois dos sistemas de filosofia hindu clássica, a Ioga - questão de prática sobretudo - e a samquia, mais teórica. Essa disposição classificatória atesta que o comportamento dos iogues está daí em diante hinduizado, visto que já o encaram como a aplicação de um sistema especulativo puramente hindu.

O que é a samquia épica? Uma "enumeração" dos princípios ontológicos, na ordem da sua hierarquia: na parte mais baixa o mana, registro empírico dos dados sensíveis; acima dêle a ahamcara, função do eu, o "eu penso"; mais alto, a budhi que julga e decide. Temos assim três faculdades que pertencem à natureza, pracrti pradhacram: seu funcionamento depende da ordem material e são regidas por uma evolução. O puro espírito, purusa, domina-as e as põe em ação. É a forma primeira da filosofia samquia.

A Ioga segundo às epopéias oferece um sentido geral e vago: tôda prática ou método; mais precisa- mente, ginástica respiratória e concentração do pensamento. A obstinação "épica" em proclamar como uma samquia e a Ioga

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testemunha um desígnio de apresentá-las como prática e teoria complementares. Decididamente em nenhuma outra parte foi tão atenuado o relêvo da noção de Ioga: simples aplicação de uma teoria inteiramente indiana. O hinduísmo torna insulso tudo o que a êle se impõe: tal é a vocação dos sincretismos.

Apresentar em forma de dois sistemas equivalentes a samquia como teoria, a Ioga como prática, era, portanto, uma maneira de a Ioga situar-se por entre os “darsanas" (sistemas) clássicos; uma maneira de a samquia, pura especulação, unir-se à vida vivida.

A samquia é uma gnose que enumera as etapas que escalonam o esfôrço no sentido da autonomia espiritual. Por outro lado, um sincretismo obstinado exigiu que a Ioga tomasse lugar entre os meios corretos, isto é, bramânicos, de obter a redenção. No entanto, a Ioga era e continuava a ser ginástica, e a samquia saber, mas saber que se adquire aos poucos, no decorrer de um esfôrço. É preciso ascese para obter a lucidez que permite escalar a hierarquia dos comportamentos. Clareza de especulação (samquia), assiduidade de esfôrço (Ioga) completam-se.

Assim, por si mesmo se justificou o sincretismo, por mais arbitrário e medíocre que fôsse. Uma prática torna-se filosofia, um programa teórico adquire valor confirmativo. Tudo pode ser dito, mas será que se pode tudo fazer? O alpinista deve ter "trabalhado" com a picareta a muralha que irá subir, para instalar em seu cume uma escada de corda. O samquia marca as etapas, mas é o esfôrço do iogue que atinge a meta.

A idade épica coloca a Ioga na literatura. Só os upanichades tratavam do assunto adequadamente, sem que a magnificência do estilo deturpasse a doutrina. Não tiveram a necessidade de apresentar a Ioga como uma teologia, para que agradasse aos adeptos "mundanos" dos avatares vixenuítas ou às sombrias ovelhas de Siva. Reconheçamos que o Isvara, segundo Patanjali, autor das ioga sutras, tem a abstração de um Senhor, não os caracteres concretos de uma

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deidade polimorfa tal como Vixenu e mesmo como o Siva medieval, que será o patrono dos iogues.

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Acabamos de apresentar como medíocre sincretismo essa mentalidade artificial que se patenteia no Maabárata, no Ramáiana e se prolonga nas puranas. Impressão contra a qual não julga o orientalista ocidental dever defender-se, por respeito à Índia antiga. Mas saibamos precaver-nos contra êsse preconceito europeu, por mais bem intencionado que seja.

A fase épica do indianismo "volta as costas" ao bramanismo antigo, mas realiza a transição para o hinduísmo medieval. A idade bramânica termina atribuindo tanta importância à Ioga sectária, não védica e muito menos bramânica, quanto a essa estrita gnose na qual se resume a filosofia dos upanichades, a samquia. Mas eis que surge o hinduísmo, onde a seita prevalecerá sôbre a casta, a piedade sôbre a sabedoria, a torsão sôbre o equilíbrio. Então o samquia, em sua serenidade, terá sômente um fraco prestígio em comparação com as tão temerárias audácias dos iogues tântricos. Em suma a fase da equipolência foi uma transição necessária.

***

Samquia significa enumeração, escalonamento hierárquico das funções mentais, da base ao cume. Cabe à Ioga fornecer o esforço ascensional. Os dois sistemas são, portanto, apresentados como complementares, assim como teoria e prática. Mas suas origens diferem, visto que as epopéias e as puranas se esmeraram em pregar sua equivalência. Discernimento e tenacidade, eis os imensos méritos de Jina e Buda; méritos completamente exteriores a essa escolástica dos sacrifícios, tarefa dos brâmanes. O heroísmo é o apanágio dos nobres, como o escrúpulo nos ritos o é do clero. Erraríamos muito se considerássemos cismáticas as vocações particulares à aristocracia. A Índia jamais conheceu um "papismo", e não seria

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recomendável julgar como tal o lamaísmo tibetano, visto que é budista, não bramânico.

A declaração de equipolência significava o acesso da prática dos iogues à dignidade oficial da ortodoxia; após a fase épica, pode a Ioga alardear sua independência: impõe-se a todo o indianismo, independentemente de qualquer cultura ou de qualquer casta, e cada seita encontra nela os seus fundamentos.

A Ioga budista dos sete primeiros séculos d.C.

Considere-se "histórica", ou lendária a personalidade de Buda (ela apresenta simultaneamente êsses dois caracteres), sua carreira é a de um iogue de primeira grandeza. Sob muitos aspectos, parelha da carreira do Mahavira (grande herói) jaina. Essas duas carreiras foram, para os hindus, a revelação do que se pode obter baseado na Ioga. O ensinamento que delas extraíram os brâmanes foi meditado pelos autores de upanichades. Bem entendido: foram monges jainas e monges budistas que viveram êsse ensinamento e o propagaram. A Ioga tornouse, assim, a base mesma de todo esfiôrço espiritual, pouquíssimo por fundamento doutrinal, constantemente por prática assídua.

Os dois cânones, jaina e budista, põem assim à nossa disposição grande quantidade de esclarecimentos sôbre a Ioga, se bem que essa prática seja então exercida não por si mesma, mas a serviço de carreiras espirituais muito especificadas. A doutrina jaina, precisada numa prática severa, permaneceu bastante fiel às suas origens. Mas a doutrina budista, nos sete primeiros séculos da nossa era, tomou um impulso de poderosa originalidade: o Grande Veículo, junto do qual todo o Budismo anterior surge como uma aproximação sumária, o Pequeno Veículo. A Perfeição de sapiência, Prajnaparamita (séculos I e II), abre caminho para poderosas filosofias: a dos Madhiamicas (Nagarjuna, Ariadeva entre 150 e 250) e a dos logacaras (século VI e VII), precedidas pela forte personalidade de Asvagocha (século II).

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Iogacara significa praticando o exercício da Ioga; subentendendo-se: para a obtenção dos fins búdicos, salvação individual e zêlo pela salvação alheia. Em outros têrmos: liquidação por ascese do carma acumulado, e portanto encaminhamento para a redenção (mocsa); ou seja para o limite de imensa purificação e imenso esfôrço, se podemos dizer negativo (pois não é mais um ato!), obtenção dêsse estado que não é beatitude mas desinterêsse absoluto, o nirvana. Especifiquemos: empreendimento búdico utilizando meios de Ioga. Pois a Ioga anterior visava a autonomia, não a redenção; era uma ginástica psicofisiológica, não uma religião de salvação. O Sáquia-múni fôra um, redimido vivo (jivanmucta) por ter achado, realizado o caminho decisivo de libertação, através da sua magistral posse de Ioga, mas devemos reservar o têrmo iogacara para designar uma filosofia búdica, posterior de, pelo menos, um milênio.

Janismo e Budismo, com a Ioga que comportam, apareceram numa Índia limítrofe do Tibet. Abstenhamo-nos de supor que tôdas as formas de Budismo tenham igualmente por base a Ioga. O não-realismo, a recusa de se deixar enganar pela ilusão pesam mais. O essencial é evitar o falso conhecimento, embora seja preciso possuir rigoroso domínio não somente sobre os sentidos mas sôbre o querer-viver. A perspicácia desinteressada exige treino e domínio total de si; é ela que define a salvação búdica, a cujo serviço se pratica a ascese. Assim a Ioga é um meio não um fim, e o budista só se torna iogue para se tornar lúcido. Nisso não há nada da penitência à maneira cristã! O adversário não é o pecado, e nem mesmo o Diabo (embora êste exista no Budismo), mas o querer-viver ingenuamente, tolamente egoísta.

Os iogacaras pairam no cimo da disciplina idealista em "pensamento puro". Sua tese, conhecida por vijnanavadin, "só as idéias existem", aproxima-se do aforismo de Berkeley, esse est percipere aut percipi. Afinidade muito digna de reter a atenção dos historiadores da filosofia, pois a passagem do idealismo segundo Berkeley ao idealismo segundo Fichte e Novalis (idealismo construtivo e absoluto)

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teve seu equivalente na Índia do século VII, quando o Abhidharmacoça de Vasubandhu (Grande Veículo) foi seguido pelo Mahaianasutralamcara de seu irmão Asanga, notabilíssimos episódios da história universal da filosofia.[viii]

Esse poderoso impulso metafísico jamais se produziu no Pequeno Veículo. Dominou êle o Ceilão e o Sudeste asiático até Cingapura. Na Indonésia, encontrou-se com o Grande Veículo, que conquistou, através de mais de uma transformação, o Tibet, o Turquestão Oriental e implantou-se conforme múltiplos modos, em graus muito variáveis, na China e no Japão. O mais inteligente, o mais estrito escrúpulo foi empregado pelos tradutores búdicos na colaboração sinoindiana; mas um vocabulário confuciano é pouco adequado e um vocabulário tauísta, escabroso para interpretar práticas inspiradas na Ioga, quer esta seja originária, quer budizada. As referências tibetanas são as mais seguras: as mandchus e mongólicas também não devem ser negligenciadas; a fraca originalidade de pensamento nos povos pouco suscetíveis de literatura toma mais instrutivos seus esforços de tradução.

***

Tentemos dominar os fatos. Os budistas praticaram, ante da nossa era, uma Ioga, a do Pequeno Veículo (Hináiana), atribuída ao ensinamento de Sáquia-múni. Em função dêsse ponto de referência, discernimos o coeficiente de budismo contido nos upanichades. Mas o idealismo metafísico dos Iogacaras (pessoas que se conduzem como iogues) constitui o surto do Grande Veículo (Maháiana) em direção aos confins chineses; uma mensagem da Índia para a extrema Ásia, mensagem que os lingüistas tradutores, sejam hindus ou chineses, se esforçarão por transmitir com o menor número de alterações possível. Impressionantes esforços de lingüística para obter traduções não traidoras! Em que medida permite o vocabulário tauístico dos chineses a expressão das noções búdicas? Foi êste o mais memorável encontro entre indianos e chineses, homens que por assim dizer vivem de costas um para o outro, a não ser quando se encontram no Tibet; duas

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civilizações tão separadas quanto é possível estar num mesmo continente. Episódio de humanismo semelhante ao fator designado com êste têrmo pelo Ocidente cristão quando torna a encontrar o passado dos helenos e dos diversos semitas.

CAPÍTULO 3

(SÉCULOS IV A XV) TANTRISMO SIVAÍTA A ABSORÇÃO DO BUDISMO

A Ioga medieval

A Idade Média é definida pela escolástica? Isso é tão claro nas múltiplas Índias quanto na pequenina Europa. Trata-se de certo modo tanto de pensamento quanto de ensino; ou melhor: o pensamento é condicionado pelo ensino. E bem pouco pela pesquisa especulativa. Crê-se possuir a verdade, mas ela se exprime em sistemas rivais. Nenhuma ortodoxia oficial a proclama, mas cada um dos sistemas que a exprimem já tem longa tradição de ensino oral. Fixa-se em textos de máxima concentração (as sutras); a especulação ulterior nada terá a descobrir, mas terá que permanecer apta a justificar. Cada texto, definitivo em sua redação, poderá comportar, sucessivamente, diversas justificações.

A Ioga não está mais, como outrora, à margem da competência dos Brâmanes. Foi por êles adotada como ortodoxa. Mas continua a ser vivida sem êles por gente de qualquer casta e mesmo sem casta. Traz o sêlo bramânico em seus sutras, de Patanjali, mas só depende da sua própria fecundidade, da sua própria experiência jamais esgotada, que se encerra nos tantras, de épocas mais ou menos recentes. Os sutras são secos e abstratos em comparação com a dupla Ioga jaina e búdica, embora precisos em comparação com a Ioga épica, que aparece no Guitá do Bhagavat. Quanto aos tantras, valem pela audácia da exploração psicofisiológica

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e pelo misticismo que os sugeriu. Nos documentos apresentados após esta exposição, encontrará o leitor a tradução de um dos quatro capítulos de Patanjali. Serão obtidos abundantes esclarecimentos sôbre a literatura tântrica com a consulta das ricas publicações de Arthur Avalon (Sir John Woodroffe). Entre as psicologias indianas a psicogogia da Ioga

O saber indiano, ao qual se prende mais ou menos tôda especulação, assim como, entre nós, se prenderia à ciência, é religioso e tradicional, e não físico nem racionalista. Seu nome é veda. A etimologia sugere um conhecimento adquirido pela vista; com efeito, os sábios da pré-história, dos quais se supõe que proceda, são chamados rsis (pronunciar richis), "os que vêem". Contudo, o fundo revelado dêsse saber vale pelo sentido auditivo e pela maneira de pronunciar as sílabas.

Existe alguma observação "natural" na base do saber védico? Evitaremos sustentar, como tantos hindus vindos à Europa, que haja nessa escolástica religiosa alguma prenoção das nossas idéias ocidentais sobre a estrutura da matéria, mas conviremos em que a reflexão védico-bramânica manifestou cedo um sentido muito justo dos ritmos, fossem humanos ou cósmicos. A correspondência entre uns e outros, sua mútua interpretação, eis em conjunto o que de mais hindu e "científico" encerra o veda. Os primeiros indianistas europeus apreciaram como poesia o que neste momento confessamos possuir certo valor de ciência. À parte disso, votos, hinos, litanias, magia ritual não poderiam, a nosso ver, receber êsse nome.

O bramanismo, sistema construído não pelos aedos do Rigveda mas pelos teóricos de um culto e de um regime de castas, apresenta-se como fidelidade ao veda, embora utilize os hinos à guisa de liturgia. A êsse respeito, o veda constitui o pramana dos pramanas, a autoridade suprema. Armados dessa convicção, os brâmanes fechavam os olhos às invocações incorporadas em sua doutrina, só sendo acessíveis ao insólito a fim de melhor salvaguardarem o prestígio da

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revelação original. A própria interpretação dessa revelação (sruti, o "ouvido") foi apenas transmissão mnemônica (smrti).

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Pode-se imaginar que a Índia não tenha visto levantar-se nenhuma heresia contrária à tradição védica e à técnica sacerdotal. Pode-se mesmo supor que ela ignorou esta ascese psicofisiológica, a Ioga. A exegese teria sido o único conhecimento a interessá-la: a mimamsa. Investigação atenta, discussão aprofundada tendo por objeto o Veda e o uso ritual (carma mimamsa) dos hinos. A palavra tem apenas um sentido vago quando a aplicamos, como "mimamsa segunda", à metafísica vedantina. Em seu sentido próprio, designa um esfôrço de análise - paralelo ao da gramática - dos meios da técnica ritual. É por excelência a reflexão sacerdotal dos brâmanes.

A metafísica dos upanichades sucedeu, no bramanismo, à técnica ritual. O conhecimento de Brahman-Atman, que é salvação, tem o nome de jnana. Não é uma investigação, mas uma revelação sôbre o destino último dos homens. O princípio dêste saber foi, de início, a evidência sensível como manifesta claridade (Jnanaprabha,

Jnanapracaça,

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brilho

da

luz;

Jnanabhascara,

sol

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conhecimento; Jnanacacsus, olho do intelecto), o conjunto luminoso da experiência dos sentidos. Mas como a reflexão descobre obscuridades na própria visão, a fortiori dificuldades em bem conhecer, surgiram duas evidências: a dos sentidos e a superior, do entendimento, "terceiro olho". O manas, consciência empírica, é apenas o lugar, o centro comum das sensações; é dominado por um conhecimento de inteligência.

O mais autêntico conhecimento tem acesso ao celeste, reservatório universal, permanente, de luz e de vida: é o absoluto da iluminação, eterno esplendor. Os árias do "Irã”, como os do Indo, acharam por essas alturas a origem de todo valor ou certeza. Porém, mais baixo, nesse subsolo onde reside, a maior parte dos

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mortos, há o enigma da morte, cujo segrêdo nos é revelado pelo upanichade. Manifestação luminosa, revelação de mistério: duas interpretações que em breve se fundiram como contatos com o absoluto. Nossa origem, nosso destino: dois aspectos do nosso ser verdadeiro.

A idéia de que o conhecimento justo redime o espírito ocupa um lugar central em tôda especulação da Índia ortodoxa ou sectária, mas posterior ao mais antigo veda, que não se preocupava com servidão alguma. O samsara dos jainas, e depois dos budistas, parece ter inaugurado e a seguir implantado na alma indiana a convicção de que a nossa existência nativa ou natural, de que a nossa natureza empírica é tôda feita de infelicidade e de miséria, mas que podemos subtrair-nos a essa fatalidade através de um saber particular, libertador.

Muitos se esforçaram por procurar a origem dessa idéia nas primeiras meditações bramânicas sôbre o veda, ou em algum mito austro-asiático e oceânico, como no "tohu-bohu" sumério-babilônico, essa desordem do ser anterior à ordem imposta pelas divindades. Os brâmanes apontam a servidão na ilusão, os heréticos a discernem no desejo egoísta. Quem quer que escape ao desprêzo e à rapacidade, nivela-se a si próprio, em lugar de mascarar-se. Ora, nivelar-se a si mesmo é no vedanta reconhecer-se como o próprio absoluto; no Budismo não absoluto, mas inteiramente lúcido e benéfico.

O conhecimento que salva é pregado por algum iniciado (de um esoterismo) ou iniciador (salvador). Na Ásia Ocidental é conhecido com o nome de gnose, podendo ser recolhido junto de um sóter. No Irã Oriental, no Pendjab, na Ásia Central recebe o nome de jnana (=gnvsiZ) e é obtido dos bodhisatvas.

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O conhecimento não absoluto, mas normal a um espírito que vive entre os dharma ou fenômenos, é para brâmanes e budistas viinana. O prefixo vi equivale aqui ao

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prefixo dis do latim, traduzamos discriminação, distinção, pois trata-se de operações analíticas. Vijnana "discerne" a especificidade das coisas ou das ações nesse meio povoado de existências relativas em que nos colocou o nascimento, e em que o desejo de viver nos faz permanecer. Que isto, portanto fique claro: segundo o bramanismo, vijnana designa a ação de conhecer no interior do conhecível; segundo os budistas, o conhecimento que atinge apenas os fenômenos, ou antes, que coloca os fenômenos pensando-os, se nos referimos ao idealismo - quase berkeleyano - dos vijnanavadin. Não há, nesse caso, outro ser além do ato do pensar e êsse resíduo inteiramente relativo: o pensado.

Uma mesma raiz, provida de outro prefixo, é a que aparece no têrmo prajna, conhecimento eminente. Esse termo possui seu valor preciso no Budismo, na passagem do Pequeno para o Grande Veículo através da Perfeição de sapiência, Prajnaparamita: entidade quase divina como a Sofia helenística ou essas solenes alegorias, orgulho do panteão zoroástrico. Este cúmulo da sabedoria consiste em extirpar a crença na realidade ontológica dos dharmas (que são "fenômenos" e não "números"); repisa-se que todo dharma é não-dharma por ser "fenômeno" sem consistência nem permanência. Repetição que reduz a nada (vacuidade, suniata) essa aparência de ser, decepando-a com cutelo; obstinação em negar a entidade do ser.

***

A lucidez na qual os budistas buscam a redenção, isto é, a expurgação do carma, chama-se bodhi; é aparentada com essa função de claro conhecimento que os samquias denominam budhi. A "raiz" de onde brotaram essas duas excrescências verbais implica um despertar. Já o Brhadarantiaca upanichade (III, 8) menciona aquêle que "desperta para o atman". No sistema samquia, budhi é a mais alta operação intelectual de que seja suscetível a natureza (pracrti); consiste em reconhecer que o absoluto transcende tôdas as qualidades (guna) naturais. A bodhi, compreensão dessa série de condições que conduz da ignorância (avidia) à

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transmigração (nascimento e morte eternos, por querer-viver), é também uma maneira, para o pensamento empedernido pelo carma, de perceber que a paz, a liberdade do nirvana será a sua eliminação, Tanto aqui quanto ali trata-se do conhecimento positivo de uma necessidade negativa, despertar de uma realização de transcendência.

Ora, para os samquias, a inteligência budhi leva a melhor sôbre o senso comum manas - e sôbre êsse senso comum egotizado ou egoísta pelo efeito do ahamcara - ora para um bhicsu (monge búdico) bodhi supera citta (o pensamento empírico). Bodhicitta, "o pensamento de bodhi", é tôda a meditação búdica; a bodhi realizada é o estado de redimido-vivo (jivanmucta), o dêsses grandes lúcidos que só existem por lucidez (em lugar de existirem por carma e de simplesmente aspirarem à clareza): os bodhisatva, pessoas cujo ser é bodhi. Em contraposição, a clareza da budhi entre os samquias é a de satva fenomenal, nem menos nem mais que a mais diáfana das guna.

A psicologia normal, no sentido comezinho, entre os adeptos de Sáquia-múni situa-se no plano de citta: não conhecimento, mas pensamento empírico, êsse guisado incoerente de "idéias" ou êsse polipeiro de imagens que tanto Mill como Taine descrevem segundo o associacionismo, As agitações dessa mentalidade sem estrutura, cittavrti, são o que a ascese da Ioga afasta ou detém desde o princípio. O Budismo receia que, sob a intencionalidade da consciência, cetana, se dissimule um ingênuo mas nocivo apetite de apropriação. E assim absorve, para adaptá-lo aos seus fins, o treinamento dos iogues. Operações extranormais: dhiana samadhi

A Índia demonstrou escasso interesse pela psicologia "corrente", mas interêsse apaixonado pela psicogogia. Deleitou-se com enorme quantidade de técnicas à margem da vida individual ou coletiva, e mesmo ao contrário do vital e do coletivo. Técnicas que chamaremos de meta ou antes de parapsicológicas.

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Enquanto a consciência nos projeta no sentido do futuro, o bramanismo bloqueia os seus zeladores na integral conservação do passado. A promessa dos budistas requer, para acabar com os samscara ou o carma, uma recuperação do estoque mnemônico no sentido inverso do tempo, reencontrando êsse conteúdo das vidas anteriores que produziram a existência atual. Ainda mais: é preciso despir-se da natureza, evadir-se do que se é para caminhar no sentido da libertação. O corpo não deve mais servir para gozar a vida, nem o espírito para conhecer. O que vale a pena de ser conhecido são os meios de entravar o apêgo ao ser, e mais ainda a fecundidade vital, as maneiras de extirpar a crença no real e as exigências do eu. Mas cuidado: não se trata em absoluto de perseguir, de mortificar; ao contrario, e preciso desenvolver a vitalidade para adquirir pleno domínio sôbre ela. Não digamos que se necessite dominar o próprio espírito, visto que não existe alma; as funções mentais são biológicas. O objetivo será superar o querer-viver pela inteira posse das energias vitais.

A Ioga deve estar na base dêsse ascetismo. Integra ou reintegra, pouco a pouco, na consciência e na vontade os ritmos respiratórios, os da circulação, os do influxo nervoso. No limite de tal esfôrço, se pudesse chegar a bom têrmo, o iucta estaria perfeitamente "junto" em perfeição, isto é, possuiria as alavancas de comando que lhe movem todos os órgãos; faria da sua energia o que quisesse. E como cada um dos seus sentidos ou dos seus órgãos de ação coloca-o em relação com os ritmos da energia cósmica, sua presença, seu poder estendem-se ao mundo inteiro, que, por leciprocidade, nêle repercute. A ubiqüidade, a onipotência do iogue são de difícil obtenção, sendo portanto raras, não supranormais; mas escapar à vida pela eficiência da própria vida, como pretende o budista, eis o que é extranormal, contrário à natureza.

Dhiana, a meditação, e Samadhi, o recolhimento são as operações decisivas na Ioga, em particular na sua forma búdica. Comumente, a segunda dessas disciplinas passa por ser a mais alta, mas ambas constituem concentrações. Entendamos por isso muito mais do que a fixação, aliás muito relativa, chamada

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entre nós de atenção. Não julguemos sobretudo que se trate de adquirir clareza intelectual sôbre o que quer que seja. Nada há para analisar ou contemplar, pois o conteúdo banal do pensamento foi de golpe excluído e não existe nenhum "mundo inteligível" a refletir no entendimento, visto serem os fenômenos inconsistentes. Concentração significa densa e tenaz aplicação da vitalidade consciente sôbre algum ponto do corpo humano ou alguma parte do cosmo. Nossa energia, que não se encerra nos limites do nosso corpo, pode colocar-se aqui ou ali e produzir efeitos. No interior de nosso corpo ela pode inervar ou congestionar êsse ou aquêle órgão, obtendo diversos efeitos mediante febre ou alívio. Daí, tantas sensibilizações

ou insensibilizações

que assombram o Ocidente. Essas

concentrações psicofisiológicas vão produzir destrezas mentais, intuições, êxtases cujo ponto de partida e testemunho exterior aparece nas atitudes (asana) corporais, tão canônicamente marcadas na plástica dos estatuários. Gestos exteriores, posturas mentais acham-se mutuamente implicados, segundo uma necessidade sôbre a qual tudo temos a aprender por junção de ginástica integral com psicogogia.

Entre as escolas búdicas, a fortiori entre as castas ortodoxas e as seitas independentes, as formas de meditação variam ao infinito. O iogue quer domínio; o budista, extinção. Sancara alcança o autêntico fugindo ao ilusório. Logo após a Índia mística da Idade Média, a Índia política moderna obteve a redenção sem pretender a liberdade: a atitude justamente oposta à dos europeus, que se declararam, com Rousseau, livres por natureza! Os hindus, que supomos sonhadores, sabem que todos os objetivos[ix], inclusive o absoluto, só se adquirem se os obtivermos por sadhana, realização. A Ioga tântrica

Os três últimos séculos do período que, no Ocidente, chamamos de Idade Média põem fim a êsse imenso esfôrço especulativo: as vocações espirituais da Índia; o século XVI é quase estéril nesse sentido. A queda de Vijaianagar (1585) marca o último desfalecimento político de uma civilização que se recusava a fazer política,

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isto é, que se furtava à competição - entre Estados. Doravante nenhuma região é interdita aos muçulmanos que têm o tino político e consideram a guerra como santa quando está em jôgo o Islã.

Estrangeiros, vindos do Extremo Ocidente em navios que dobram o Sul-Africano, instalam-se nas costas, ao passo que os cavaleiros da estepe nórdica, outrora bandidos ferozes, dispõem à sua vontade das entradas da Índia, tão reduzidas, tão estreitas, e fundam impérios na própria China, a fortiori no Hindustão.

A Índia espiritual ainda não está inerte. Reúne a sua bagagem tradicional e reconsidera-a. Cada uma de suas religiões e de suas filosofias tem uma longa história e formiga de comentários na extrema multiplicidade dos Estados e através da diversidade dos idiomas. Confusão inconcebível de cultos e de pensamentos através de tôdas as províncias das três Índias (Indo, Ganges, península).

As castas subsistem e proliferam ao infinito no caos da opacidade humana; é, por assim dizer, o fator sub-consciente do gigantesco organismo. Mas as seitas surgem ou desaparecem, aqui, ali, por tôda parte, sem nenhum plano sistemático. As duas primeiras haviam sido, na antiga era, a de Jina, modesta mas nunca interrompida, a de Buda, que o Islã expulsou de tôda parte, salvo do Ceilão, da Cachemira e do Nepal, anfractuosidades himalaias. As seitas são agrupamentos isolados, arbitrários, acidentais como empreendimentos de indivíduos audaciosos e profundos, Constituem a inspiração contingente, acidental ou local, mas não oficial; arrisquemos a palavra: livre - através da compacidade colossal do corpo indiano, orgânico quando muito, ao (natural) ou organizado (por esfôrço humano).

A Idade Média foi a era das seitas, principalmente vixenuítas ou sivaítas; na sua primeira metade, predominou Vixenu; na segunda, Siva. Duas teologias, dois humanismos. Sua rivalidade causou estragos sobretudo no Decão, essa terceira Índia, onde o indianismo clássico sucumbiu, após ali se ter "reunido" em fortalezas

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e em universidades, apesar dessa disparidade fundamental do marata e do dravídico.

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A literatura espiritual dês se último período é chamada tântrica. Os tantras são tratados sectários de ritual e de liturgia. No culto de Vixenu são chamados samrita; no de Siva, agama; uma terceira variedade é o culto sacta, que tem também seus tantras. Mas tântrico é também um epíteto que designa certas obras búdicas. As edições e traduções de Arthur Avalon (Sir John Woodroffe) apresentaram tôda uma biblioteca dêsses textos.

Tinham êles outrora uma reputação bastante duvidosa: abstrusos, obscenos. São, por certo, de extremo tecnicismo; tratam, por outro lado, de Ioga sexual e simbolismo sexualista, sem nenhum pudor mas sem a menor intenção corruptora. Não censuremos à Índia seu paganismo, não nos tomemos incapazes de entrever um aspecto essencial dos seus ritos. Os primeiros românticos não estavam longe de entrever e de apreciar a Índia tal qual foi, apesar da sua falta de informação; Goethe, em particular, ao declarar com serenidade que o eterno feminino pode suscitar no homem o contrário mesmo da degradação. "Das ewig Weibliche zieht uns hinan”.

A cortesã não é mais maldita na Ásia do que na antiga Atenas; a espôsa não é menos respeitada do que na República romana, e a Índia, muito mais do que qualquer outro povo inodo-europeu, cultivou o prestígio da Mãe inicial; as três Índias são consideradas não como uma pátria mas como uma "mátria". Ainda em nossos dias, depois de Ramacríxena, quanto um Tagore, um Aurobindo reverenciaram com um mesmo zêlo a arcaica deidade anterior aos deuses, de quem é filha "mother Índia"!

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As espôsas de Vixenu e de Siva são menos suas companheiras do que sua essência primordial. Por isso, seu culto prosperou incrivelmente nesse Decão que reverenciava "a divindade" mais do que os deuses, tanto do lado tâmul quanto do lado marata. Mistério da geração primeira, sem fecundação.

Deixemos essa fase arcaica; precisamos constatar grande quantidade de simbolismos feminizantes. O poder se manifesta pela ação; o absoluto aparece na sua manifestação, a atividade é feminina em relação ao agente. Tal é o sentido fundamental do têrmo sacti. E as seitas "sacta" ensinam que, para atingir o absoluto, é preciso ter penetrado, assimilado sua expressão: "o eterno feminino". Só pode ultrapassar a geração quem rompeu seus mistérios; a Ioga sexual, que tachamos imprudentemente de voluptuosa, é um rito místico[x], no qual o homem se deve libertar e não escravizar-se.

A devoção sacta põe o fiel em contato com os cinco elementos e assim lhe confere a eficiência suprema. Pelo vinho, assimila o fogo; pela carne, o ar; pelo peixe, a água; pelos gestos (mudra), a terra; pelo coito (maithuna), o espaço (interpenetração). A "realização" (sadhana) sacta é um comportamento (ioga) simbólico pelo qual a vitalidade orgânica - que aqui representa o papel de sacti e é denominada cundalini - ascende (em têrmos modernos) pela coluna vertebral para fundir-se com Siva no alto do crânio: libertação (em têrmos de biologia mística) dos diversos centros nervosos. Assim, enquanto o gozador ignorante produz a sua servidão, o asceta tântrico liberta-se graças ao domínio que sabe adquirir sôbre o automatismo das funções. Até então o Budismo se limitava a pregar a continência, e os brâmanes valorizavam o domínio sôbre os sentidos. Mas o iogue tântrico, conservando em seu poder a disposição das suas fôrças vitais, sabe mobilizar a sexualidade porque adquiriu nessa matéria uma prática de virtuose.

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Nada há de metafórico, apesar do simbólico, nessa salvação que o tântrica realiza por sua própria ação. Salvação que exigia não só perspicácia búdica como o domínio dos comportamentos, tão adequadamente obtido através da Ioga; o tantrismo

adota

em

plena

consciência

essas

duas

exigências

como

complementares. Cada uma delas, separadamente, seria vã, e a simples devoção mais vã ainda, embora lúcida. O leitor terá escolhido o caminho certo, se confrontar essa maneira de obter a salvação por meios fisiológicos com as proezas da nossa recentíssima cura de moléstias mentais por intervenção da cirurgia.

Assim, a inspiração última do indianismo não afundou no vago nem no obsceno. Aumentou a experiência através de experimentações, cuja audaciosa positividade mal entrevemos. Empreendimentos à margem da ciência ocidental, mas prolongados, graças ao que a Ioga revela sôbre as possibilidades que o organismo vivo fornece. Houve assim temerárias emprêsas suscitadas por êsse sistema sacta no qual se acham reunidos paradoxalmente Buda e Siva, ladeados cada um por uma companheira, sua "energia" (sacti). Expressões simbólicas, expressões verbais de esforços, mas não palavrório. Possam aquêles que não levam a sério os verdadeiros iogues assistir um dia aos seus comportamentos.

A Ioga e o Ocidente

Ante o misticismo indiano, o Ocidente racionalista se desconcerta. Os teosofistas não ousam nada rejeitar da mentalidade asiática, sobretudo se ela desafia a crítica. Os higienistas aceitam que falsos iogues sejam consultados a fim de aperfeiçoarem a ginástica (de origem grega) ou empregados como massagistas. Rodin, contudo, meditou sôbre a polivalência dessa forma do absoluto: Siva, cuja "dança" não cabe no music-hall. De fato, os humanos só pensam em relações; mas, enquanto a Europa busca as leis da natureza, a Ásia marca as condições da eficácia; por isso, a aplicação última da Ioga foi de ordem mágica. O "mecanismo", segundo o Ocidente, passa da matemática à física e depois à biologia; a

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relatividade universal vista à moda indiana, tendo por base um dinamismo vital, vai acabar na parapsicologia. Tarde demais, todavia para que se possa esperar amplos desenvolvimentos na positividade, pois a Índia já não é o país mais fechado, mais isolado de um planêta que a aviação torna cada vez mais exíguo.

A noção de Ioga já se desliga de todo mistério com a crítica que lhe é feita pelo Ocidente. Contudo, revela à ciência ocidental fatos insuspeitados. O poder (dos iogues) pode ampliar o saber (dos biólogos).

Assim, uma aluna do cardiologista Ch. Laubry, a Dra. Théreze Brosse, publicou em 1936 (Presse médicale, n. 83), observações obtidas sôbre um iogue por registro simultâneo do pulso, da respiração e do eletrocardiograma. Este asceta reduzia de tal modo as batidas do seu coração que parecia suspendê-las; restabelecia-as com virtuosismo. Outros deixaram patenteado ante o corpo médico de Paris que as duas vias de evacuação de que dispõe o corpo humano podem ser utilizadas como meios de absorção. O jôgo dos músculos lisos e dos músculos estriados pode contradizer os dados da experiência constante no Ocidente. Postos de parte todos os subterfúgios, não se poderia negar que certos iogues adquiriram no domínio dos seus órgãos resultados com que jamais sonhamos.

Para em meio ao ilusório destacar o efetivo, é necessário que se afirme na linha dos orientalistas a autoridade do Dr. Jean Filliozat, mestre tanto em línguas antigas quanto em fisiologia. Seu principal mérito reside em omitir-se qualquer juízo sôbre os iogues antes de ter escrutado a anatomia e a fisiologia indianas, bem diferentes das concepções ocidentais.[xi]

Os textos

Já é tempo de os fisiólogos estudarem de visu e com meios precisos o comportamento dos iogues. Mas, como não possuem e não querem adquirir

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nenhuma competência na ordem da experiência vivida, seu juízo se arrisca a situar-se e o seu raciocínio a cair fora da questão.

A própria maneira de existir das obras de puro pensamento, na Índia, difere do andamento dos sistemas filosóficos no Ocidente. A redação dos sutras, texto canônico de tal sistema, fixava o assunto ne varietur; era o resultado de reflexões praticadas há muito tempo, chegadas ao máximo de rigor tanto verbal quanto dialético. Assim enunciam os ioga sutras no século IV na nossa era em certa redação, a essência da Ioga, sem aprovar nem criticar a Ioga posta em prática por Jina e Buda, cêrca de novecentos anos antes. E a ioga prossegue sua carreira após seus sutras canônicos em obras mais ou menos fiéis, de andamento mais ou menos livre, embora as soluções satisfatórias passem por terem sido obtidas num certo texto.

Em suma, os sistemas continuam a evoluir, mesmo após os sutras que deviam fixá-los.

A sorte da Ioga, enquanto sistema filosófico, dependeu de diversos fatores:

1.° O conteúdo da dupla Ioga jaina e búdica, a primeira permanecendo bastante fixa enquanto a segunda sofria muitas transformações e vicissitudes (Ceilão, Tibete, Turquestão iraniano e chinês);

2.° A relação entre o sistema ortodoxo chamado samquia, teórico sobretudo, e o sistema denominado Ioga, sobretudo prático (assim os sutras da Ioga foram suscitados pela Samquia carica).

Acrescentemos que, depois da Ioga épica, houve sempre ao lado dos puros iogues certos brâmanes mais ou menos ioguizados e os iogues sectários, exteriores ao bramanismo ortodoxo.

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Enfim, no interior da Ioga clássica, na de Patanjali, considerada "real", isto é, tendo a primazia em ortodoxia, veio juntar-se a Hatha Ioga, "Ioga da célula ou do claustro" (hatha), que é para o asceta o que a carapaça é para a tartaruga: seu lugar necessário e natural, não somente de retiro mas de vida permanente. Prova de sincretismo é essa afirmação de que a Hatha Ioga está compreendida na Raja Ioga e essa obstinação em repetir: Não há Hatha Ioga sem Raja Ioga, nem Raja sem Hatha. Por isso mesmo é que se impõem ao estudo as três expressões do Hatha:

- a Hatha Ioga pradipica (lâmpada da H. I.);

- a Gheranda samhita (coletânea dos ensinamentos de Gheranda);

- e a Siva-samhita (coletânea dos ensinamentos de Siva)

É a anexação oficial da Ioga pelo Sivaísmo, cada vez mais preponderante no decorrer da Idade Média. Siva: antigo protótipo dos iogues, arcaico deus iogue, o iogue absoluto. Acabaram-se as asneiras vixenuítas da era épica (Maabárata, Ramáiana, puranas), os deuses de fraqueza caducaram. A Ioga, único valor isento das possíveis ilusões da fé segundo cultos diversos, é o deus supremo personificado. Se, durante a alta Idade Média, a mitologia sivaíta se decalca na de Vixenu[xii], é para que o absolutismo do deus dos ascetas não se imponha menos às consciências do que outrora o relativismo sincrético vivido por uma nobreza debilitada, decaída do vigor que atestara concebendo de início o Jainismo e o Budismo.

Lembremos que os deuses védicos tinham sido ritos personificados; daí o bramanismo, técnica sacerdotal. Lembremos que Vixenu fôra o ideal sincrético do feudalismo mundano, guerreiro e místico; Críxena, incendiário de guerra e amante das pastôras, ríspido e terno; Rama, elegante aristocrata. Siva, pelo contrário: não um deus de casta protetor de pessoas que têm seu dharma, mas ideal divino das

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seitas medievais. Deus é exigido por toda parte na Idade Média, quando se ausentava do horizonte dos maiores espíritos, no tempo de Jina e Buda. A Idade Média sabe que Moisés proclamou Iavé, que o Filho crucificado atesta a divindade do pai, que o agitador árabe quis fazer descer sôbre a terra o reinado de Deus. O prestígio medieval de Siva é benéfico independentemente de tôda casta, para os sem-casta, para os que se colocam fora da casta. Por isso, o mais arcaico (talvez) dos deuses da Índia tomou-se o mais moderno: patrono do ascetismo, da dor, mas também da esperança. A Índia sivaíta não foi uma apaixonada da justiça, mas do amor, no duplo sentido de Eros e de sacrifício, ao passo que Vixenu-CríxenaRama fora apenas ideal de volúpia.

Conclusão

Um leitor atento observará sem dúvida que o têrmo Ioga, ambíguo desde a antiguidade, foi empregado com significações díspares, sempre mais diversas.

A ambigüidade originária era: 1.° O iucta está unido (em si e consigo mesmo), sendo portanto vigoroso pela sua coesão; 2.° O iucta está unido com o absoluto. As duas acepções interferem incessantemente na Guitá, Pareciam elas manifestamente complementares, embora a primeira fosse, sem contestação possível, essencial e fundamental, e a segunda derivada, já adventícia. O que nos dá aqui plena segurança é o uso primitivo da palavra entre os primeiros jainas e budistas Mahavira e Sáquia-múni são insuperáveis pelo seu prodigioso ascetismo, não por devoção, visto que não são de modo algum teístas ou devotos. Os mais antigos Upanichades são os que levam em conta apenas o primeiro sentido. A literatura épica, ao contrário, delicia-se em associar, quase em confundir a significação rispidamente severa e realista com o emprêgo pietista e sensaborão.

Lembremos que as duas principais religiões da Idade Média fizeram sua escolha. A de Vixenu contentou-se com o emprêgo pietista, a de Siva com o uso rigoroso. Mas quantas contaminações entre essas inspirações de início diversas, e em

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seguida rivais, exaltantes uma e outra, pois não há "hindu" que não traga, em si um voluptuoso e um asceta! Por isso, a "última palavra" da sabedoria hindu consistiu em fazer fundir êsses dois aspectos da sabedoria indiana nos tantras, os quais foram uma desforra do rigor contra a moleza, embora a interpretação européia tivesse cometido o preconceito contrário.

Mas como se abusa da palavra Ioga, que passa a designar uma prática qualquer, e mesmo qualquer especulação! Critério decisivo: o têrmo veda, tão prestigioso, tão sagrado, não designa mais do que a ocupação e quase o ofício do brâmane. As seitas, contudo, respeitam essa palavra, colocaram além da ortodoxia o seu coração e a sua fé. A Ioga domina tanto a tradição quanto as iniciativas sectárias.

***

A Ioga tântrica foi herdeira a um tempo da civilização muito densa do Ganges, e da tão múltipla e diversa civilização do Decão, onde campeiam lado a lado o marata e o tâmul, onde, até a queda de Vijaianagar, a Índia sobreviveu a si mesma em meio à irrupção muçulmana. Embora o Islã tenha aniquilado os mosteiros do Hindustão, a lembrança do budismo ali permanece tenaz, nos confins do Himalaia, assim como ainda vive no Ceilão. A inspiração búdica sobreviveu nos tantras, freqüentemente considerada como conciliável com o hinduísmo militante dos últimos mistas indianos. A heresia antiga aparece, assim, como patrimônio tão sagrado quanto o ensino dos brâmanes na desesperada resistência à invasão total.

***

Os eruditos exploradores da Ioga sivaíta foram pouco numerosos. Honra seja feita a Sir John Woodroffe (Arthur Avalon) que, durante mais de meio século, editou e traduziu numerosos tantras. O Journal asiatique apresentou sucessivamente suas publicações. No único fascículo publicado pela revista alemã Yoga (H. Palmié

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edit., Harburg- Wilhelmsburg, 1931) o indianista Heinrich Zimmer estudou a Hatha e Woodroffe, a cundalini.

A Ioga segundo a Índia moderna

Entre o Grão Mogol Acbar (falecido em 1605) e a rainha Vitória, imperatriz das Índias (1819-1901), a Índia continuou sem renovar sua meditação murada dentro do fervor. A extensão da autoridade muçulmana na dera cabo da frondosa escolástica sem suscitar nem "reforma" nem "renascimento"; realização de poderio e de paz, mas esterilidade do espírito; simbiose imposta pela destreza política de dinastias indiferentes à religião. Aliás, os progressos europeus no campo da navegação e da fôrça guerreira abrem aos portuguêses, aos franceses, aos inglêses o Decão, e depois as embocaduras do Ganges.

A Índia suportou com apatia êsse domínio britânico, acrescentado à presença muçulmana. Contudo a presença de Albion exigia muito mais: os hindus arriscavam-se a "perder a sua alma". Daí o seu despertar espiritual, duas ou três gerações antes de qualquer projeto de libertação política. Não ignoremos que aquilo que nós outros chamamos de liberdade política jamais fôra concebido pelas três Índias continentais.

Os gangéticos não experimentaram nenhum entusiasmo em estudar a psicologia ou a economia segundo Stuart Mill e Spencer em Calcutá e mesmo em Oxford; a mãe Índia possuía arcaicos recursos em nada humilhantes para os seus filhos; veda e Ioga, fidelidade sacerdotal e iniciativa no vigor, atitude de aristocracia; patrimônio das duas castas dominantes, com propensão a tentativas de seitas.

Na segunda metade do século XIX o mais poderoso asceta, que merece a consideração universal, é Ramacríxena: um Titã tão senhor do seu pensamento quanto o Titã Nietzsche sentiu-se arrasado ao perder o seu. Tudo é audácia e desafio tanto num quanto noutro; mas os temerários da Índia possuem o segrêdo

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da saúde, ao passo que os apaixonados do romantismo desmancham-se em galanteios ante a Dor e a Morte. Ramacríxena queria não assegurar para si algum contato com o absoluto, mas coincidir com o absoluto do divino, nos seus mais secretos tesouros. Forma exigente e temerária do sadhana indiano como do Erlebnis germâ- nico: pôr-se em uníssono não com diferentes devoções, mas com o soberano mestre de cada uma delas. Quis êle coincidir não somente com tôdas as entidades indianas, mas com Alá, com a Trindade Cristã; sondar o fundo dos abismos e o mais alto dos céus. Como - se compreendeu o que tão bem fêz compreender - pôde Romain Rolland colocar êste místico do mais prodigioso em paralelo ou, melhor, em díptico com seu discípulo simplesmente humano, êsse hindu que "descobriu a América": Vivecananda?

O total virtuosismo artístico de Rabindranath Tagore não foi menos excepcional do que o total gênio metafísico de Ramacríxena. Fêz descer sôbre a terra o ideal do visvacarma, o oni-realizador. Os helenos, que criaram tôdas as artes, nunca acreditaram que fôssem elas realizáveis por um mesmo artista; conceberam essa maravilhosa família de divindades inspiradas, as Musas. Leonardo da Vinci domina Tagore pela ciência e pela graça; mas quem mais o faz? Podemos supor uma Ioga da arte? A arte é modo de fazer, a Ioga modo de fazer-se.

Gandhi, que não era de casta elevada, foi um iogue pela insuperabilidade da sua virtude e do seu devotamento, pela sua capacidade de jejum ilimitado. Podemos dizer que foi um iogue do direito? A reivindicação política e social está fora da casta e mesmo fora da seita. A um tempo astuto e impecável, escapava a tôda pendência, tão humano era êle. Deplorava a morte de um inglês tanto quanto a de um compatriota. De fato, como advogado dos direitos do homem, é mais europeu do que asiático. Antes dêle, só a China de Confúcio e a França de 89 tinham colocado o dever dos homens dentro do respeito da humanidade. Por isso mesmo é êle o único indiano que "viveu" e faz viver a moral: não uma obrigação (dharma) de casta ou de seita, mas uma obrigação universal, como diz Kant, sem nenhum motivo ou móvel religioso. Quanta ignorância, pois, a daqueles que acreditam ser

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Gandhi o hindu típico, integral! Ele sofria por todo o gênero humano, por seus adversários como por seus compatriotas. Ioga da pátria, como só vemos em Joana d'Arc; jogue da humanidade. Seus pensamentos lhe vêm da Europa, sua realização liberta o humano no homem indiano.

O último iogue de reputação universal é Aurobindo Ghosh, o sábio de Pondichéry. Sinal dos tempos! Aí temos um hindu que só descobriu seus próprios ancestrais depois de haver adquirido o saber e a elegância de um jovem inglês! Certamente demonstrou tanta coragem cívica quanta santidade. Na segunda guerra mundial ousa declarar que a Inglaterra e a Índia cumpriram seu dever lutando contra Hitler. Mas amplia em excesso o uso da palavra Ioga: tôda especulação desinteressada, como todo dever, é Ioga. Não poderíamos ignorar nem esquecer, nós outros, que veda e bramanismo, valôres bem indianos, foram exteriores ao domínio próprio dos iogues.

Tais são as grandezas da Índia moderna, doravante sem castas mas não sem honra; de uma Índia onde muçulmanos e hindus devem viver distintamente (Paquistão muçulmano, Índia), se bem que misturados.[xiii]

CAPITULO 4

TÉCNICAS NÃO INDIANAS COMPARAVEIS A IOGA

Dervixes e Sutis iranianos

O Irã teve os seus dervixes, como a Índia, os seus iogues. Os dervixes girantes são místicos do Irã muçulmanizado. Este velho domínio ariano foi islamizado quase logo após a morte do Profeta; enquanto o Hindustão e o Decão foram invadidos - sem sofrer uma conversão, nove séculos mais tarde. O paradoxo

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então foi procurar acesso a uma mentalidade transcendente não no recolhimento silencioso e imóvel do mista em seu fôro interior, mas num redemoinho cada vez mais precipitado. Trata-se de superar a consciência por frenética rotação. Espécie de embriaguez obtida por torvelinho. A consciência se recusa a pensar segundo a mentalidade empírica dita normal; exulta, enlouquece e o corpo se abate, prêsa de crise nervosa.

Essa procura de um excepcional gabarito de consciência, estonteante e delirante, não é mais que o estímulo, produzido por absorção de um excitante. Lévy-Bruhl, há tempos, assinalou em mais de uma civilização "primitiva" esforços semelhantes para realizar coletivamente alguma mentalidade paranormal. Os ritmos frenéticos têm a sua magia.

Todavia êsse recurso a um desvairamento nervoso da consciência tanto individual quanto coletiva nada tem de comum com a Ioga. Faz a consciência participar de um delírio fisiológico, enquanto a disciplina do iogue, pelo contrário, estende incrivelmente o domínio sôbre vida orgânica. A consciência do dervixe soçobra na queda do corpo inteiro. O frenesi nos gestos pausados e precipitados realiza apenas por assim dizer os movimentos de uma bússola endoidecida; o contrário justamente do plácido e metódico autodomínio que possibilita ao iogue a exploração metódica, encarniçada das suas funções, a marcação dos seus recursos, a extensão ilimitada das suas eficiências. Interpretado à maneira indiana, o caso do dervixe seria uma antiioga, desfalecimento querido na confusa agitação do samsara: justamente o contrário do esfôrço para apaziguamento (santi), para a salvação definitiva, concebida "no limite": o nirvana. Se nessa circunstância o europeu se engana é porque desconhece as garantias, as seguranças com que se protege o iogue no seu lúcido heroísmo que é inteiramente o oposto de uma embriaguez. Evitemos confundir o esfôrço que visa um completo domínio com a técnica do completo abandono. Os artifícios de "êxtase" (no sentido próprio da palavra) obtêm uma renúncia preguiçosa; os

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recursos de "ínstase", ao contrário, são árduos mas progressivos para além de qualquer limite que se possa prejulgar.

***

O Sufismo iraniano é o contrário mesmo de embriaguez ou loucura: uma mística do amor divino. Completo devotamento a Deus; não, como cadáver mas como dasa, escravo; supondo-se que escravidão signifique renúncia alegre de si próprio, absoluto entusiasmo para com o absoluto. Recomendamos para li compreensão do sufismo não somente tradicional mas relativamente: antigo o sólido estudo fornecido por K. M. Jamil[xiv], erudito paquistanês, sôbre o grande místico Rumi (nascido em 1207 em Balkh). Obras principais: Mathnawi, Divan. Rumi não é dêsses muçulmanos que exageram a influência grega sôbre os sectários do Profeta; é exclusivamente ao Islã que recorre o devoto do Amor absoluto. O valor de si se reduz a zero; dando morte a si próprio, o sufi vive em Deus; Malebranche e Spinoza foram os europeus que se valeram de atitude análoga.

Antes de Jamil, Nicholson era o exegeta mais competente sôbre a obra de Rumi, pois precisara a filiação a que êste se prende: não a ariana, persa ou indiana, mas a semítica (Egito, Síria, Arábia). O mista muçulmano aprecia a vida, ao passo que o indiano quer pesquisar sua estrutura para evitar tomar-se vítima dela, e para, se possível, dominá-la.

Não esqueçamos de assinalar o Tahlcik-i Hind, obra em que o grande muçulmano Beruni traduziu os Ioga sutras de Patanjali. Obra do século XI, esfôrço para apresentar objetivamente o conteúdo da Ioga, clássica ao povo do Islã sem alterar a exposição indiana com preconceitos muçulmanos.

Louis Gardet, na Revue thomiste (1950), precisou a espécie de êxtase que se encontra nos sufis desde o século X, em particular em Kalabadhi (falecido em 995).

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O wajd, "choque mental" (Massignon); o wujud, "existencialização", isto é, posição fora das suas causas; ek-stases que realizam a criação por Deus; eis a mola mental característica do seu comportamento. "A audição dos corações e a sua observação", uma "chama que nasce no íntimo do ser"; é passageira, ao passo que a gnose é estável. "Quando Deus está presente desaparece o êxtase... O êxtase só pode atingir formas perecíveis e êle próprio se apaga no instante em que a visão começa”.

Mas Hallaj afirma a existência de uma união metamorfoseante no amor e pelo amor, união não mais aniquiladora:

Os estados de êxtase divino são todos provocados por Deus, embora a sagacidade dos mestres renuncie a compreendê-lo. O êxtase é uma incitação, e depois um olhar que cresce e flameia nas consciências.

Quando Deus vem habitá-lo assim, a consciência dobra de acuidade e então três fases se oferecem aos videntes:

Aquela em que a consciência, ainda exterior à essência do êxtase, permanece como espectadora espantada;

Aquela em que a ligadura no ápice da consciência se realiza; e (aquela) então (em que) se volta para uma Face cujo olhar a subtrai a qualquer outro espetáculo.

Hesicasma e Ioga

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Os monges cristãos do monte Atos manifestaram esforços ascéticos mais próximos à Ioga do que os dervixes com a sua busca de desfalecimento. Sobretudo entre os séculos XI e XIV, mesmo na época em que o Sivaísmo tântrico tanto impulso tomava na Índia Central e Meridional. Tratar-se-á de uma Ioga cristã? Aí está uma fórmula sedutora, se bem que não se possa tomá-la ao pé da letra.

Por quê? Porque o cristianismo não admite essa transmigração, samsara, que a mística indiana quer eludir. Porque a tarefa do cristão não é redimir-se em relação ao pecado original, mas acolher a salvação que lhe traz o Salvador. Houve bhactas entre os nossos ancestrais: os pietistas à maneira de Fénelon; nêles, é o próprio Deus quem se afirma, coincidindo Filho com Pai. Mas que debilidade sugere essa teologia ao fiel! Felizmente a ascensão no amor divino afasta-se bastante dessa sensaboria em Santa Teresa e João da Cruz. Ninguém merece a graça. A salvação se obtém pela fé, não há dúvida; mas pelas obras? Essas obras que a consciência indiana, unanimemente, considera escravizantes? Para ela, a libertação é o contrário da obra.

Os monges do Atos são gregos. Como podem ser cristãos? Os cristãos modernos estão habituados pela lembrança da escolástica a esta persuasão: a possibilidade de ser aristotélico e fiel a Cristo. Mas Platão se escolasticiza menos que Aristóteles; procura-se Platão em Plotino? O paganismo de Platão não é negável. - Foi superado, sem dúvida, pela ascese do Atos, que se denomina hesicasta[xv], a qual santifica as duas primeiras faculdades humanas admitidas por Platão: o nouV,

pensamento;

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qumoV,

coração;

exclui

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terceira,

epiqumia,

concupiscência, pelo treinamento monacal.

O emprêgo dêsse vocabulário platônico difere inteiramente de como é feito no platonismo. A vida religiosa exige que o pensamento se submeta ao amor divino, e portanto ao "coração": preceito contrário ao da sabedoria média. Isto supõe evidentemente que alma e corpo sejam dois aspectos de um mesmo devir.

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Nada há de absoluto ou imortal no cristão; sua salvação depende do seu comportamento.

Portanto, uma ontologia antiga foi substituída por uma técnica espiritualizante; nada esperar da graça, mas praticar um ascetismo assíduo; esfôrço totalmente paralelo ao do tantrismo indiano, cada vez menos especulativo, cada vez mais pragmatista; operando na carne viva ao invés de especular sôbre o eterno. Esses dois empreendimentos enquadram simetricamente os mais religiosos meios da Eurásia: Grécia cristianizada, semitas judeus e muçulmanos, Irã zoroastriano e Mesopotâmia, compacto indianismo.

Nenhuma seção da humanidade se compreende por si mesma. Deixemos de nos iludir por ilusões demasiado tenazes: a pretensa distinção entre Europa e Ásia, a pretensa oposição entre corpo e alma, a pretensa incompatibilidade do ariano com o semítico. Acedamos em observar sôbre o mapa, ainda que sumário, que Mediterrâneo e Mar Negro só diferem nos nomes; passado o Cáucaso, o Cáspio se lhe segue, e que os antigos fundos marinhos se estendem até o Turquestão chinês: uma mesma latitude, ao longo da mesma estrada, a da sêda, desde a China até os Dardanelos. Sim, uma única estrada real e possível. Isso explica destinos comparáveis, muitas vêzes complementares, quase numa mesma latitude. Se a inspeção do mapa não basta para abrir-nos os olhos, saibamos pela história dos mongóis que tôdas as velhas civilizações se escalonam de Irkutsk a Bizâncio e ao longo do Danúbio, em direção ao Reno. Tinham razão os sofistas gregos e os sofistas chineses: tudo pertence, ao mesmo tempo, ao outro e ao próprio e com certeza ao solidário.

Visto que o helenismo se misturou ao indianismo com e após Alexandre, não seria inconcebível haver algo de indianismo na origem do hesicasma. A quase ubiqüidade do Islã (Ásia inteira, África e Europa) seria bem mais incrível se, para melhor compreender, permanecêssemos suscetíveis de espanto. A circulação da

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respiração interessa aos monges do Atos: devem fazer retenção da respiração para seqüestrar o intelecto no coração. Não são os cristãos que amam o filho de Deus?

Refugiam-se pois, fielmente, no amor absoluto, ao passo que os iogues tântricos, reabsorvendo uma a uma as funções vitais, evadem-se pelo cimo do crânio numa libertação fisiológica: precisões comparáveis, visto que opostas.

Ioga e tau

Nenhuma prática atestada pela antropologia assemelha-se tanto à Ioga quanto o tauísmo chinês. Mas a dupla competência indianística e sinológica é em tudo e por tudo excepcional. A tão frutífera cooperação de Edouard Chavannes e de Sylvain Lévi teria podido, nos quinze primeiros anos do século XX, estabelecer de golpe, a êsse respeito, as necessárias precisões, mas outras tarefas, mais árduas, açambarcaram o seu esfôrço comum e que, desgraçadamente, tão pouco durou.

Índia e China, as duas sozinhas, constituem, aproximadamente, dois terços da humanidade. Estão muito separadas, mas também reunidas, pelo Tibet onde a Ioga é "autêntica", e o mundo mongol sempre pesou sôbre ambos. A expansão do Budismo para a Ásia mais oriental tornou ali conhecido o que pode obter ou sugerir o ascetismo da Ioga; expressão não menos marítima do que continental. O tauísmo, ao contrário, foi apenas apontado aos hindus, embora o uso do vocabulário tauístico interviesse algumas vêzes na tradução para o chinês dos textos indianos ou tibetanos.

Explicar a vida pela circulação da respiração, governá-la, portanto, por uma ginástica respiratória, tal é em resumo a pretensão comum dos iogues e dos tauístas, como foi êste também o programa dos solitários do Atos; mas as condições diferem de acôrdo com os meios. O hesicasma herda uma civilização na qual, através de Platão, de Aristóteles, de Plotino, dos Estóicos, não cessou de

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variar o uso do têrmo pneuma por mais cristão que seja, um monge bizantino não poderia pensar como Santo Agostinho ou como um papa romano. Como se poderia apresentar nas mesmas condições disciplina da respiração em meios tão diferentes como o são os da Índia e da China?

A Índia é um país tríplice: Pendjab, Ganges e península; êste conjunto é fechado: imensa ratoeira da qual, uma vez dentro, ninguém escapa. A China é dupla por suas bacias fluviais, una por sua continuidade que vai desde a Mandchúria até Tonquim; tão aberta e escancarada quanto possível ao norte, sempre capaz de ser invadida pelos mongóis, mesmo com a sua Grande Muralha; o afluxo regular dos soldados veteranos, aliás, lhe é tão indispensável quanto perigoso. Este país é essencialmente guerreiro, pelo menos intermitentemente. Nêle a política se faz sentir com frenesi em tôdas as épocas, ao passo que é só a partir de Gandhi que a Índia se situa na concorrência e no equilíbrio do mundo. O horizonte dos indivíduos está encerrado no dever de casta e a proliferação ilimitada das castas interdita, mesmo aos soberanos, que de direito só podem ser nobres, e que foram muitas vêzes escravos, tôda ação governamental. Não há nenhuma possibilidade de opinião pública. Um regime prejulgado perfeito, eterno, absoluto, e como tal respeitado por agrupamentos cada um dos quais se fixa na sua própria lei, o dever de casta (svadharma), é ordem, mas inconsciente, na falta de tôda crítica, de tôda iniciativa, como a ordem que reina entre as abelhas e formigas.

Certamente a possibilidade de fundar seitas, tão contingentes e acidentais quanto imutáveis eram as castas, abria para a sociedade o caminho da inovação e da iniciativa, em dharmas particulares e arbitrários; mas que salto no desconhecido era essa deserção da casta! Só iogues manifestam tal temeridade: Jina, Buda, outros menos ilustres, e enorme quantidade de desconhecidos em meio à confusão dos lugares e das épocas. A seita é um exutório, não uma instituição; longe de reformá-la, ela foge à sociedade.

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O meio chinês é sempre agitado por abalos políticos. Enquanto o iogue se coloca à margem da sociedade, freqüentemente de tôda sociedade, o tauísta julga, e muito cruamente, todo poder, tôda autoridade. Aborrece-se ou escarnece; pode suscitar reações coletivas. Insiste na fraqueza dos fortes, na fôrça dos fracos. Brinca com seu próprio espírito e brinca com o espírito alheio. Dialético e sofista (se nos permitem falar grego), como difere êsse homem do iogue! Este só quer agir sôbre si mesmo, ignora os outros; zombar dos costumes humanos parecerlhe-ia futilidade. Que êrro cometeríamos se admitíssemos que êle pensa! O primeiro preceito da Ioga é pôr têrmo ao desenvolvimento do pensamento.

O pensamento chinês, na antiguidade, comporta dois "pólos": a natureza segundo Lao (seja êsse primeiro tauísta mítico ou não), a civilização segundo Confúcio; nada há de absurdo em que se interprete essa oposição como análoga à de Rousseau e Voltaire no século XVIII francês, pois muito poucos meios humanos mostraram um espírito tão aberto e diverso, tão avisado na agilidade crítica, quanto os "cem filósofos" da velha China.

Acrescentemos que Li e Tchuang foram na antiguidade tauísta nomes tão consideráveis quanto Fichte e Hegel no esplendor do romantismo germânico. O apogeu da civilização chinesa é, sob todos os aspectos, anterior à nossa era. Houve épocas incomparáveis em outros lugares que não a Atenas de Péricles ou a Toscana do século XV. A história só tem sentido quando completa, e só se encontrará o reflexo do pensamento humano numa philosophia universalis. Já era isto manifesto bem antes que as distâncias parecessem reduzir-se incrivelmente em conseqüência dêste fato nosso contemporâneo: a aceleração cada vez mais acentuada das comunicações em nosso planêta.

Existiu fé sem ascetismo, e ascetismo sem fé. Este último caso é manifesto no Iogue puro e simples, nem piedoso nem pensante, mas resolvido a possuir-se a si próprio, adquirindo poder sôbre as suas funções vitais; o tauísta é um iogue

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sarcástico, irônico e revoltado, a quem a contradição estimula ao invés de acabrunhar; o paradoxo é seu critério de verdade, da mesma forma que superar a contradição é o critério de verdade para Hegel. Zomba da lógica; já o iogue ignoraa, assim como ignora a sociedade. Haverá coisa mais curiosa do que essa para franceses habituados como foram a respeitar o social desde Comte e o racional desde Descartes, como se o Discours sur l' esprit positif completasse o Discours de la méthode!

Resumamos. O iogue não se interessa nem pela natureza nem pela sociedade. Seu mundo é seu corpo. Não emite nem postula qualquer juízo. O tauísta, pelo contrário, alimenta seu vigor com elementos naturais. Empoleirado numa rocha, domina a corrente que turbilhona lá embaixo e corre para profundezas ainda maiores; vive na claridade, meditando sôbre a modéstia absoluta da água. Insolência do cume, discrição das fontes puras: chan chuei. Orgulho e humildade. Que faz êste asceta que assim domina o abismo, quando algum camponês, lá embaixo, passa por uma ponte recurva? Crispado num riso de escárnio, põe-se em uníssono com os cimos e desafia a vertigem. É o nosso leitor ingênuo ou precavido? Na primeira hipótese, admirará a "arte", o “pitoresco" - no entanto, acha-se em presença de um esquema místico. O interêsse por essa "paisagem" é ilusão de europeu: os detalhes manifestam uma significação doutrinal. Não se trata tampouco dos devaneios de algum passeante solitário, embora J.J. Rousseau ateste verdadeiramente um humor tauísta (!), mas toque de chamada para um culto determinado, nem mais nem menos do que para algum pintor italiano ou espanhol a figuração do Calvário. Aliás um texto acompanha normalmente a efígie.

Assim ilustrado, evitaremos a confusão. O iogue é um hindu que se liberta da transmigração (êsse espantalho, essa obsessão da Índia), adquirindo por Comportamento pleno domínio sôbre a vida: heróico explorador da biologia vivida. O tauísta é um chinês insaciável que realiza sua autonomia domando funções vitais, e portanto respiratórias, e purificando seu juízo; que se põe em uníssono

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com a natureza, agradada em seus aspectos opostos mas complementares. Irritado contra as prenoções humanas, busca a inteligência na ironia e no paradoxo, a eficiência na alquimia e na magia, deixando para os confucianos o senso comum e a formação dos funcionários, num Estado que perdeu sua aristocracia. O poder que o tauísta adquire sôbre a vida, êle o deve a uma tecnologia tanto quanto a um comportamento, a drogas como a meditações. É um rival da Ioga búdica, isto é, incluída no Budismo, mais do que da Ioga simples ou integral; por isso, exerce uma eficiência política ao mesmo tempo que mágica.

Os verdadeiros conhecedores dêsse assunto são raros no Ocidente, embora cada geração, desde o fim do século XIX, tenha dado à França - para falar nela apenas - um ou vários sinólogos eminentes. Pelliot sabia tudo, até mesmo os mais modestos dialetos, e sua erudição foi inigualável, mas não se dignou a "produzir". Granet, virtuose na interpretação das origens chinesas, negligenciava o exame das épocas históricas. Somente Henri Maspero consagrou sua carreira à interpretação do pensamento chinês antigo e depois medieval.[xvi] Tentemos não falsear o sentido que êle dá à palavra tau.

Resolvamos chamá-lo o Originário ou o Um. Dêle resulta o Dois, a saber, o yin (par); e depois o Três: o yang (ímpar). O yin é o tau no estado de repouso; o yang seu estado de movimento. Sucessão, alternância dêsses contrários, aí está a mola do que os ocidentais chamam "mecânica universal", regra do devir, essa "transformação", yi, constitutiva de todo o real e de todo o pensável; que ainda por cima constitui, entre os confucianos, o objeto do Yi king. No entanto, enquanto o confuciano busca aí um meio de controlar se o soberano está de acôrdo com o Céu, o tauísta acha identificação com o princípio das transformações o meio indireto para coincidir com a natureza, captar-as energias, fazê-la produzir uma supernatureza.[xvii]

Esta física, explicação dos "fenômenos", explicação também como se adquire uma vida espiritual. Por êsse meio indireto aproxima-se ela, de certa forma, da ascese

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dos iogues. Pois a eficiência, como a felicidade, obtêm-se por reabsorção no nãoagir (wu wei) do tau, aquisição da vacuidade; o asceta indiano retrai suas funções sensoriais no coração e esvazia seu espírito por uma ginástica respiratória análoga à do ascetismo chinês. O tauísmo foi para a China como a Ioga para a Índia, repúdio à religião tradicional e zêlo ardente pelo absoluto. Última observação: surpreendemo-nos menos do que o grande sinólogo ante o fato de que o erudito moderno Hu Che tenha apresentado a doutrina de Tchuan tseu como um sistema de lógica (pág. 492): trata-se de uma lógica hegeliana, não aristotélica.

***

Encaremos agora, depois do tauísmo antigo, tauísmo da Idade Média, menos metafísico mas rival do Budismo, concebido, portanto, numa ambiência de terminologia indiana. Todo europeu culto deveria ser informado dêsse fato tão importante: a tradução dos textos búdicos indianos ou tibetanos para o chinês ulteriormente para o idioma japonês, obra de colaboração entre homens doutos da Índia e do Extremo Oriente - foi um esfôrço de "humanismo" tão notável quanto êsse humanismo do "Renascimento" no qual o europeu moderno compreendeu o que devia à antiguidade greco-latina e semítica. Mas não foi apenas o chinês que teve que adquirir uma informação séria sôbre o indianismo: foi o próprio tauísmo, apesar das suas origens propriamente chinesas. Pois "para a constituição do corpo imortal, o tauísmo utiliza drogas preparadas à base de plantas e sobretudo de produtos minerais, particularmente de cinábrio e de outros sais de mercúrio. Para obter a Longa-Vida, a Índia desenvolveu igualmente todo um ramo da sua medicina vegetal, e constituiu sobretudo tôda uma química dos corpos mercuriais". Ao Dr. Filliozat cabe o mérito de haver precisado êste fato importante, numa conferência realizada a 16 de maio de 1949, em Hanói ("Dân Viêt Nam", agôsto de 1949).

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Com isso confirmou e ampliou o alcance de um trabalho que Henri Maspero, em quatro conferências, queria apresentar à Universidade de Montpellier em 1941 (Mélanges posthumes, t. I).

Pode-se dizer, de modo geral, que o tauísmo antigo era metafísico, e que o da Idade Média foi mágico. Há mais verdade em observar que Tchuang tseu reina com esplendor sôbre essas duas épocas: "Lamento as pessoas do mundo que pensam que os processos para nutrir o corpo bastam para fazer durar a vida eternamente. Nutrir o corpo não basta". Mas aquêles que lamentava pulularam nos séculos ulteriores; admiram-se com o fato de que a vida eterna requer processos para eternizar o corpo. "Nutrir o princípio vital" e "nutrir-se de sôpro": fórmulas complementares.

***

Que concluir dêste confronto ioga e tau?

Observam-se muitas intenções análogas: a salvação buscada em disciplinas vitais, e não "espirituais". Na Índia é a respiração, na China, a nutrição que prepondera. Mas o budismo implantou entre os amarelos a Ioga gangética, a Ioga da antiguidade. Na Idade Média, é a Ioga dos tantras que caminha para o Extremo Oriente, seja em direção a Cingapura, seja visando a Mandchúria e a Coréia. Não devemos ignorar que tôdas essas exportações vão atingir a Ásia insular, o arquipélago japonês, o arquipélago oceânico até Bali. Não esqueçamos que na Indo-China vivem lado a lado a Ioga cambodjana e o tau anamita.

As complexidades da China filosófica refletem sob mais de um aspecto a permeabilidade ou irredutível especificidade da Ioga e do tau. O confucionismo muitas vêzes se impregnou de tauísmo; o Budismo dos amarelos conservou seu intrínseco coeficiente de Ioga. Mas os ângulos se arredondam na inevitável incompreensão e no sincretismo. A China recebe suas águas do Tibete, onde

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perdura uma estritíssima Ioga. Por que não terá ela recebido por ali a Ioga transmitida diretamente? Porque a civilização chinesa predominante fêz-se pelo Norte, lado em que, repitamos, ela se abre escancaradamente para os mandchus e os mongóis; porque a velha China era o vale do Wei e a bacia do Rio Amarelo, não a do Rio Azul.

***

Sobretudo não façamos confusão, sob o pretexto de compreender. O ocidental não está imediatamente apto para a assimilação dos costumes asiáticos. O nãoagir, wu wei, dos tauístas nada tem de comum com a reprovação dos atos no Budismo. Visa esta última evitar a escravidão por acumulação de carma (resíduos da ação). O não-agir, superior a tôda ação, é poder supremo. Nada se faria sem o tau sempre não-agente. Esse adágio é decisivo; observemos sua congruência com essa convicção de Platão, de Aristóteles e de PIotino: tudo o que devém exprime a eternidade do ser. A pura metafísica não é patrimônio exclusivo da Grécia clássica; foi o que há tempos pusemos em relêvo na nossa obra Le fait métaphysique.[xviii]

RESUMO

O indianismo tem dois aspectos: veda e ioga. Diferentes inspirações: tecnicismo ritual dos brâmanes, zêlo dos iogues por certo comportamento. Os iogues não formam nem casta nem seita, mas dignificaram o espírito "sectário" quando sua conduta, ao invés de ficar a serviço unicamente do indivíduo, visou fins coletivos. O veda é saber, a Ioga poder.

Nesses dois empreendimentos o homem da Índia traçou seu destino; a fé para êle não é esperança, mas obtenção gradual de competência. A Índia ignora a hipótese pascaliana de uma graça eventual, bálsamo que dá esperança ao que

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duvida. Que a crença seja proporcional à dúvida é eventualidade européia; se os ingênuos a mascaram, ela é compensatória. No mais religioso país do mundo jamais houve guerras religiosas; o Islã teria sido ali bem recebido se não houvesse sido impôsto. Ninguém ali crê que uma religião possa ser vã ou falsa; não a desprezam nem a combatem.

A Ioga não é crença, mas poder; não se recusa a associar-se a um culto para fortalecê-lo. O que chamamos de hinduísmo não será, exatamente, uma Ioga que se põe a serviço do bramanismo, em época recente como outrora se havia posto a serviço das duas heresias jaina e búdica a mais velha Ioga do Hindustão? A Índia interessa-se tanto pelo vivido quanto pelo pensado, ora, a Ioga é frenesi vital, condicionado por um bloqueio de pensamento (cittavrttinirodha). Pragmatismo realista.

Vivida à maneira indiana, a religião não consiste em crer (numa palavra, numa promessa, numa personalidade transcendente), mas em obter por obra ou por recurso. Nenhuma ansiedade, mas também nenhuma preguiça! Confia-se, tentase a despeito de tôdas as dificuldades, ao invés de recusar por inércia ou confiança. Assim se operam a adaptação, a assimilação. A eficiência proporcionada pela Ioga recompensa o mista do seu esfôrço confiante, robusto, heróico.

Pascal pareceria lá, seguramente, tão cético quanto Montaigne; ao passo que o cristão concebe ordinariamente Pascal como meio montaigniano, meio fervoroso. A Ioga não é fé, mas fornece ou recusa critérios de positividade na eficiência. A Índia, certamente, não ignorava o que se pode esperar de uma graça divina, mas os adeptos de Vixenu usaram e abusaram dela; o Sivaísmo medieval reagiu contra a repugnante frouxidão do período "épico" durante o qual a própria Ioga perdia o seu vigor. Que recuperação se operou em nome de Siva, o deus asceta!

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Não são os brâmanes que fornecem maior quantidade de iogues nem como outrora os senhores feudais, mas freqüentemente. repitamos, a gente de casta inferior e mesmo à margem da casta. A Ioga não é uma religião, conveniente para certa camada da sociedade, mas uma vocação, um "esporte" severo, onde abundam os terríveis critérios de incansável energia. Nada há para crer nem para saber, mas quantas provações na absoluta solidão! Aquela que se encontra em meio à multidão com o sôbre uma praia longínqua ou a uma altitude vertiginosa.

O homem moderno da Europa ou da América até agora ainda não estruturou seu esfôrço em tão severas disciplinas. Mostra-se êle capaz de magníficos heroísmos, nos quais a mais meritória coragem é indispensável: audácia e devotamento, a que se juntam os meios de ação fornecidos pela ciência denominada física. São proezas isoladas, para promover o conhecimento puro mas que só acidentalmente encontram meios, pretextos para o progresso espiritual.

FINAL

Através da diversidade das regiões e da sucessão das épocas, a bibliografia do Ioga desafia todos os inventários. Como a enumeração das castas, "irá" ela até o infinito, pois, pôsto de parte o veda no sentido estrito, todo o conteúdo do indianismo participa dessa tarefa: o saber fazer, o saber viver, o saber peno sar; competência independente de tôda fé, mas que se adquire como forma de "se fazer". A Ioga nada tem de comum com a correção do comportamento de casta, mas é o "denominador comum" dos costumes sectários, desde Jina e Buda até os nossos dias, até Aurobindo ou Gandhi. Cuidemos de não interpretar a nãoortodoxia como cismática, ou revolucionária: as Índias não são a pequena Europa, com seus papas e seus regimes políticos; lá, o máximo de fervor é acompanhado por completa tolerância. Parece incrível, mas é verdade: a Ioga, 100% não védica, disciplinou tanto a ortodoxia quanto as heterodoxias.

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As asceses de Jina e de Buda são para nós os primeiros exemplares da Ioga vivida, ao mesmo tempo que de um pensamento sectário, estranho à casta bramânica, mas próprio desta segunda casta: a aristocracia, nobres e reis.

Vêm em seguida os Upanichades bramânicos, onde se constitui uma Ioga na qual decresce a ascese, mas aumenta a especulação metafísica: idade de ouro desta fina literatura, que durará até os tempos modernos, se bem que carregada de escolástica.

A transição entre o que o Ocidente chama antiguidade e inícios da era cristã é para Índia a enorme elucubração das epopéias, e depois dos puranas ("velhas" inspirações atravancadas de cultos novos e sectários). A alta Idade Média é a época em que se constituem os textos de base - os sutras - para a maior parte dos sistemas.

Significa isso que foram meditados até se condensarem em precisões definitivas e, se se pode dizer, eternas. Mas êsse máximo de rigor, ponto final da concepção, é logo ponto de partida de discussão e de erística. Para apreciar a densidade, é preciso diluí-Ia, e essa diluição faz entrever faces não percebidas na elaboração. Todo texto comporta diversas interpretações: resultados de longa reflexão, os sutras esboçam, por sua vez, argúcias, sutilezas imprevistas. A Idade Média é escolástica, e também teológica, nas Índias como em toda a Eurásia, mas tão maciçamente que desconcerta a imaginação. Todo europeu pode informar-se sôbre o assunto graças ao excelente manual de Farquhar (An outline of the religious literature of lndia, Oxford University Press, 1920). Do século III ao século XVI da nossa era, que imenso esforço de especulação ali se produz, bem mais compacto do que o da China e o da Europa durante o mesmo período! Houve duas Chinas, mas Índias houve muito mais do que duas.

Para cada época é preciso levar em consideração duas Iogas, jaina e búdica: a primeira sêca e prática, a segunda imensamente difundida no Tibete, em Serinda,

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na China e no Japão, e depois na Mongólia: é o Grande Veículo Maháiana; - ou no Celião e até a Insulíndia: é o Pequeno Veículo, Hináiana.

Em todas as épocas e sobretudo na Índia propriamente dita pulularam iogues, seja de altas, seja de baixas castas, seja de marginais, vindos de determinada seita ou independente de todo agrupamento sectário. Indivíduos extra-sociais, de imensa ambição ainda que limitada aos extremos da sua vitalidade orgânica. Entre êles situam-se os mais pobres e medíocres esforços, como também os mais poderosos; essa gente só deve à sociedade êste esporte estranho, que a exclui de toda sociedade.

***

Essas

prodigiosas proezas ou extravagâncias espirituais são sugeridas,

incentivadas por textos escritos, embora se difundam no segrêdo do misticismo. Já uma pessoa que não dê nenhum sentido concreto à palavra “arte" ou ao têrmo "metafísica" nem mesmo suspeitará do que designam êsses têrmos. Alguém que se acreditasse próximo da Ioga porque é ginasta ou esportista permaneceria numa cegueira semelhante. As citações que o leitor encontrará aqui dos Sutras da Ioga e de alguns outros textos só esclarecerão aquêles que dão um sentido aos verbos conhecer e compreender, querer e suportar, traçar o seu próprio destino.

Textos jainas e budistas: o caminho do nirvana, que só se atinge depois de um esfôrço cumprido durante vidas sucessivas. Nos dois casos, uma ioga não teísta. O Bagavadguitá é ulterior de vários séculos ao Maabárata e ao Maitráiana Upanichade. A célebre Guitá é a expressão de uma ioga crixenaíta (adoração de Críxena, avatar, isto é, encarnação particular do deus Vixenu); a Maitráiana é atéia, a Chulica teísta.

Em budismo, temos a Ioga-avatara de Nagarjuna (meados do século II) ; a Iogacara-bhumi-sastra de Asanga ( início do século IV).

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O século IV de nossa era (por volta de 300) assistiu ao surto do idealismo budista vijnanavadin (= o real é apenas conhecimento, não "ser"), o dos logacaras ("que têm uma conduta de iogues") período mais glorioso do Maáiana (Grande Veículo).

Nos meados dêsse século, depois da publicação do principal texto samquia, a Samquia Carica, situa-se a dos Iogasutras de Patanjali. Esse texto capital, bem como seu bhasia (comentário), obra de Veda-Viasa (séculos VII ou VIII), e a Tattva-vaiçaradi de Vacaspatimisra (ap. 890), foram traduzidos por Woods, indianista americano. No século XII, o Iogasastra de Hemacandra, jaina. No século XVI, Vijnanabhicsu publicou um logavarttica e um logasara-samgraha.

Em suma, embora tenha sido profundamente integrada ao bramanismo e admitida entre os sistemas ortodoxos a ponto de poder ser apresentada como o aspecto prático do sistema samquia, jamais foi esquecida a origem extrabramânica da ioga; restou o fervor lícito para todos, mesmo para os fora de casta, como os budistas e os jainas introduziam nos costumes. Por isso, existe ao mesmo tempo por si mesmo e junto com a armadura teórica da samquia: essa é a teoria, a outra é a prática. A ioga bramanizou-se como se tivesse sido sempre a maneira de fazer viver a samquia. Prêsa de maneira contingente ao indianismo, foi promotora: assim como o ato puro de Aristóteles, êsse cume fascinante por sua transcendência, Caivaliam, ou o Senhor, isvara, impõe-se como o vigésimo sexto princípio à hierarquia ontológica.

Não sendo a ioga nem religião, nem literatura, pode parecer um aspecto contingente, muito limitado, do imenso indianismo.

Evitemos a ilusão. Só ocasionalmente foi a ioga uma devoção, mas incitou devoções por tôda parte. Prevaleceu sôbre a casta no pulular das seitas. Mesmo no seu classicismo, a ioga nunca foi rotina, pois seu prestígio nunca foi o prestígio do sagrado. Seu prestígio situa-se na inovação indefinida embora não

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revolucionária. Por que não revolucionária? Porque a Ioga decide da sorte dos indivíduos, sem jamais tornar-se instigação social.

Jamais existiu um corpus coletivo de Iogues; êles são engenheiros de biologia individua, não fanáticos sociais, pois a seita é uma coletividade de solitários, como um mosteiro ou um convento de beguinos. Contudo, se os brâmanes vivem no sagrado, os sectários vivem num fervor motriz.

O passado da Ioga é bastante rico para que nos recusemos a justificá-lo por considerações totalmente modernas: tal como a psicanálise. Esta é uma pesquisa; a Ioga, um exercício. É, por outro lado, bastante precisa para que não a confundamos com as práticas "bárbaras" de povos considerados "primitivos". Que apresente interesse para a antropologia, compreende-se; mas pertence à história e localiza-se geograficamente.

Ficha técnica:

O presente texto é uma versão produzida com base na tradução do livro A Ioga escrito pelo Prof. P. Masson-Oursel. SP: Difel, 1964. (obs: nesta versão não constam os anexos da obra original)

Os livros da Editora Shu são reproduções de textos e artigos já esgotados ou de domínio público. Sua distribuição é inteiramente gratuita. Caso haja reprodução ilegal desta obra fora de nossa página, ou cobrança pelo seu acesso, por favor, entre em contato conosco. editaru@bol.com.br

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NOTAS

[i] Diz Tertuliano que dão êles prova de uma quase-vocação cristã (testimonium animae naturaliter christianae).

[ii] A mesma raiz que aparece na palavra jugo, empregada no sentido de canga.

[iii] Yoga, Paris, Geuthner, 1936; Techniques du Yoga, Paris, Gallimard, 1948.

[iv] Revue de I'Histoire des Religions, to CXXXI, 1946, pgo 48.

[v] A civilização "sumério-dravídica" do Indo já praticava certas posturas da Ioga. Cf. MARSHALL, pr. XII, 17; pr. XCVIII do voI. III; pags. 44 e 53-4 do tomo I.

[vi] La théorie du karman dans Ia philosophie jaina, 1915; Le Jainisme, 1925. Sua Phllosophie der lnder, de 1949, foi traduzida para o francês (Paris, Payot, 1951). Referimo-nos a ela às pags. 231 e 232.

[vii] Cf. Esquisse d'une histoire de Ia philosophie indienne. Paris, Geuthner; Inde antique. Paris, Evolution de l'Humanité, coleção HENRI BERR, do autor; e as obras de LA VALLE-POUSSIN, de STCHERBATSKY, de LAMOTTE, de GROUSSET.

[viii] Cf. Histoire de Ia philosophie, de BRÉHIER: número suplementar La philosophie en Orient, de P. MASSON-OURSEL (P.U.F.), 1948, págs. 102-104.

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[ix] A palavra artha designa a um tempo objeto e fim, coisa e objetivo. A ciência do artha é a economia e a política, a técnica dos valores. A Índia não crê em essências como a Grécia; é pragmatista.

[x] Não busquemos a compreensão dêsse rito no Kama-sutra, manual de erotismo e nada mais. A Índia tudo escolasticizou, tanto o prazer quanto o interêsse, a guerra como a caça. O sactismo é fervor, não deboche.

[xi] Magie et médecine, Paris, 1943. - "As origens de uma técnica mística indiana", Revue philosophique. abril de 1946. - "Les limites des pouvoirs humains dans l'Inde", Etudes carmélitaines, 1953.

[xii] Por exemplo, no Isvara Guitá, transposição sivaita da Guitá do Bhagavat (crixena = vixenu). O leitor poderá julgá-lo pelas passagens apresentadas mais adiante.

[xiii] Outros gurus (mestres) honram nossa época. As publicações de Jean Herbert (Paris, Albin Michel) tornam acessíveis a qualquer leitor, sem nenhum preconceito "teosófico", os tesouros espirituais da Índia moderna e diversos textos essenciais do passado.

[xiv] Da Osmania University (Hyderabad): Introduction to Rumi's thought, 1950.

[xv] A palavra hsucia nada tem de comum com o latim castus, "casto". Significa paz e repouso; digamos, quietude.

[xvi] La Chine antique, Paris, de Boccard, 1927. - I. Les religions chinoises; II. Le taoisme, Publlcations du Musée Guimet, 1950; Mélanges posthumes apresentadas por P. DEMIÉVILLE. É preciso também procurar na obra de FORKE uma sólida documentação média sôbre o conjunto do passado chinês.

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[xvii] Cf. nossa Philosophie en Orient, tomo suplementar da Hist. de Ia Phil. de BRร HIER (P. U. F., 1948), pรกgs. 140 a 145.

[xviii] Presses Universitaires de France.

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