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“O LIVRO DOS PRAZERES, DE LISPECTOR, NO CINEMA

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DO NOSSO TEMPO

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REPORTAGEM

CLARICE LISPECTOR

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“O LIVRO DOS PRAZERES, DE LISPECTOR, NO CINEMA

“A mais premente necessidade de um ser humano era tornar-se um ser humano.” Essa é a premissa que guia o romance Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, de Clarice Lispector, publicado em 1969, em que a autora, mais uma vez, lança-se a desvendar as profundezas da alma. Ela escreve Lóri, uma professora primária do Rio de Janeiro, na casa dos 30 anos, que vive sozinha em um grande apartamento à beira-mar que ganhou do pai e que não sabe se relacionar com os outros nem com o mundo. O mal-estar da existência é tudo o que lhe consome. E é essa crise existencialista que chega ao cinema pela mão e direção de Marcela Lordy, diretora de O livro dos prazeres, um dos destaques da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Lordy, de 46 anos, que também dirigiu A musa impassível (2011), cumpriu a missão quase impossível de adaptar um livro quase inadaptável, uma vez que a obra literária transcorre quase que exclusivamente nos pensamentos de Lóri —por medo da dor, a personagem não se permite sentir nada. “O maior desafio foi justamente criar dramaturgia, construir ações e sensações. Quis fugir da voz em off para explicar o filme”, diz a diretora, que trabalhou o projeto durante dez anos. A obra teve sua estreia nos festivais precisamente no ano do centenário de Clarice Lispector, 2020. A obra está disponível para ser assistida online, no catálogo da Mostra de São Paulo. Tanto o livro quanto o longa — que entrará em cartaz no segundo semestre de 2021— mostram a transformação de Lóri em uma mulher inteira (no sentido existencial e metafísico da coisa),

que se abre aos sentimentos, às sensações, alegrias e desgostos da vida. Um dos catalisadores dessa transformação é o professor de filosofia Ulisses (no filme, o argentino Javier Drolas, de Medianeras), que é o único homem com quem ela começa a construir uma relação para além de encontros de uma noite só e que a faz questionar os rumos de sua solidão. “É uma história de construção individual e, ao mesmo tempo, de desconstrução do amor romântico”, diz a diretora. Ela própria deparou-se com o livro pela primeira vez quando também tinha cerca de 30 anos e acabava de sair de um casamento de uma década. Foi também dessa experiência que nasceu a vontade de contar a vida e os processos sentimentais de uma mulher que, pouco a pouco, vai tomando as rédeas de sua própria vida. No filme, o preenchimento do vazio no qual Lóri vive imersa acontece também de forma física, à medida em que ela vai mobiliando e decorando o grande apartamento que abriga seu corpo e mente. Outra coisa que atraiu Marcela Lordy a realizar O livro dos prazeres foi ouvir do cineasta Walter Salles, ela não se lembra quando, que Fernanda Montenegro diz que Lóri era a única personagem que ela gostaria de ter interpretado e não o fez. No longa, quem vive a protagonista é Simone Spoladore, cujo ar melancólico e distante casa perfeitamente com a atmosfera onírica da obra. “Acho que Simone até tem alguma coisa que lembra a Clarice, esses olhos profundos, uns olhos de onça”, comenta Lordy. E embora a câmera não se afaste de Lóri sequer por um minuto, são abundantes os planos que a mostram de perfil, sem que o espectador possa encará-la de frente e se veja resignado ante a impossibilidade de acessar o mundo dessa mulher. A própria Clarice, uma autora que busca transcender o cotidiano e construir personagens sempre na iminência de um milagre, uma explosão ou uma descoberta, por mais singela que seja, parece ter tido dificuldade em acessar o subjetivo dessa mulher inalcançável. “Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte que eu”, escreve a autora na nota que abre o livro.

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