Guimarães Arte e Cultura | Jornal Teatro Oficina | 1º semestre 2016

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TEATRO OFICINA 2016 GUIMARÃES “O Teatro Of icina tem uma longa história que marca a vida desta cidade, e cuja importância pode ser medida pela relevância que a criação artística contemporânea teve na afirmação recente de Guimarães, como referência nas p ol ít ic a s lo c a i s de c u lt u r a no no s s o ter r itór io.(...)”


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“ESTE PEQUENO MUNDO, ESTA PEDRA PRECIOSA COLOCADA NO MAR DE PRATA”

O Teatro Oficina tem uma longa história que marca a vida desta cidade, e cuja importância pode ser medida pela relevância que a criação artística contemporânea teve na afirmação recente de Guimarães, como referência nas políticas locais de cultura no nosso território. Esta história será de certeza um dia contada, e convém que o seja por quem consiga ser mais objetivo do que eu, refém sempre do meu envolvimento demasiado próximo destes últimos oito anos, onde me envolveria fatalmente numa luta insanável entre a falsa modéstia e o orgulho desmedido. Eu, entretanto, para falar do futuro recuo exatamente vinte anos, até um natal em Moreira de Cónegos, onde o meu tio Jorge me falava de uma nova companhia de teatro que causava entusiasmo pela cidade. Eu, no meio dos estudos de teatro em Londres, perdido nas dificuldades do pentâmetro iâmbico, e longe de imaginar um futuro profissional em Guimarães, sorri, entre mexidos, formigos e rabanadas, perante a descrição de desfiles e espetáculos de rua inéditos por estas bandas. Foram tempos que marcaram a cidade, e que influenciaram de forma definitiva o panorama artístico nacional, dando origem a uma nova geração de atores e criadores que hoje são nomes de referência no teatro e na dança portugueses. Depois, o Teatro Oficina foi sendo muitas coisas mais, numa história que se fez de uma transição do amador para o profissional, passando por diversos estilos e modos de fazer teatro, com incursões curiosas nos universos das marionetas ou da commedia dell'arte, um pouco ao sabor das diferentes direções artísticas que por cá foram passando. Manteve sempre como companhia uma preocupação em perceber como é que o seu trabalho de criação deveria ser o reflexo de uma ideia de cidade, e talvez seja essa a chave para a compreensão da pertinência, longevidade e resistência do nosso Teatro Oficina. Mais recentemente e ainda antes da minha chegada, e num horizonte de uma Capital Europeia da Cultura, a companhia fez uma sábia viragem para as novas dramaturgias, numa preocupação válida e justa com o desenvolvimento da criação de novos textos em português, e para a tradução de inúmeros autores nossos contemporâneos, o que abriu caminho à incursão de novos modos de criação dentro da companhia. E é aqui que aparece o Teatro Oficina a pensar naquilo que deve ser o Teatro, ou naquilo que pode ser. E para isso abre-se, e deixa-se levar pelas palavras de Will Eno, Jacinto Lucas Pires, José Tolentino Mendonça ou invadir pelos universos de Brice Coupey, Giselle Vienne, Rogério de Carvalho ou Sanja Mitrovic, ou contagiar pelas histórias das Comédias do Minho, da Mala Voadora, da Útero e do Teatro Experimental do Porto. Nesta nossa urgência de contar histórias, fomos também

contando uma história paralela da criação artística, misturando territórios e formas de fazer. No fundo no fundo, estamos a tentar ser fiéis a essa ideia que não fomos nós que tivemos, e à qual devemos reverência e agradecimento, e que nos obriga a um reinventar constante do papel do Teatro Oficina. Uma ideia de cidade com uma companhia no seu centro, e com a inteligência para perceber que esse centro é móvel, e que quando se mexe, leva a cidade consigo. E é verdade que o Teatro Oficina mudou. E aparece, em 2016, com um dramaturgo residente: Jacinto Lucas Pires. E com uma série de artistas associados à companhia, que não tendo um vínculo permanente desenvolvem um trabalho regular e em relação com a companhia. Nesta equipa estão os atores Anabela Faustino, Alheli Guerrero, Carolina Amaral, Tânia Dinis, Ivo Alexandre, Hugo Torres, Nuno Preto, Marta Pazos, André Júlio Teixeira, mas também criadores como Ricardo Preto (cenografia), Susana Abreu (figurinos), Jorge Quintela (vídeo), Luis Noain (música), Pedro Vieira de Carvalho (luz) e Carlos Ribeiro (luz). E se este é o lado do Teatro, existe também o lado da Oficina, que se personifica mais na produtora Susana Pinheiro, mas que é na verdade transversal a uma equipa que vai desde quem faz frente de sala, e recebe o espetador, até à menina aparentemente invisível da contabilidade que introduz números num computador. Esta é a equipa que estará a criar os novos espetáculos deste ano, desde estas jacinticas “Grande Cena” e “Um Pontinho no meio dos olhos”, à nossa versão d' “O Conto de Inverno”, numa forma de fazer teatro que coloca o protagonismo no público, agarrandose ferozmente ao texto. Essa utopia, da cidade real, que se deixa habitar pela ficção, e permite de forma coerente e estruturada, que uma e outra avancem lado a lado, por vezes cruzando-se e sobrepondo-se, é a missão que alegremente vamos defendendo. Usando como argumento não a palavra solta e livre dos salões, mas sim a palavra que é ação em cima do palco. Como quem diz, vamos fazendo. Fazer teatro: nos palcos do CCVF e da Fábrica Asa, no Espaço Oficina, mas também nas diferentes freguesias da cidade, exclamando enquanto dizemos William Shakespeare ou Carlos Poças Falcão, que isto, este fazer, é de todos, e que dizer estes autores é um ato cívico de construção da nossa jovem e imatura democracia. Lutamos, sem medo dos demagogos e dos cínicos, por um lugar no centro da atividade da cidade, combatendo de cara levantada o centralismo exacerbado, a destruição diária do património imaterial, contribuindo para que na construção do futuro deste lugar se inclua um maior número possível de protagonistas, tornando assim, esta nossa história que vamos contando, mais verdadeira, mais eficaz, mais consequente. Marcos Barbosa, Diretor Artístico do Teatro Oficina


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“ALGUÉM ATRAVESSA ESSE ESPAÇO VAZIO ENQUANTO ALGUÉM OBSERVA, ISSO BASTA PARA QUE O ATO TEATRAL ESTEJA LANÇADO” (O ESPAÇO VAZIO, PETER BROOK)

Se algo é intrínseco na natureza humana, esse algo chama-se comunicação. Ter em comum, repartir, dividir, falar, conversar, propagar. Desde logo, a comunicação tem como fundação o nosso próprio corpo no movimento que gera o pensamento, a ideia, o debate interior, para se libertar a posteriori e procurar o espaço do outro. O pensamento que se liberta em palavra ou em gesto procura a concordância. A voz e a pantomina, ora no “faz de conta”, ora no jogo, ora na sedução capaz de captar o espetador para a necessidade de agir perante o dado. O corpo, obra de arte viva, desafia-se a si próprio. Emociona-se! Convoca-nos. É esta a força do teatro. A participação vital que Rancière postula na sua teoria da emancipação do espetador poderia servir como base para um reflexão sobre o papel do teatro enquanto operador da transformação que restaura a energia coletiva, que faz do ato de ver um momento de ação. O teatro não como puro vislumbre estético, antes como processo de significado. O teatro enquanto aquele “determinado espaço” a que Coliini chama político. O teatro enquanto fuga à estupefação, que nos convoca e convida. A inversão de papéis brechtiana. A metáfora que recria e abre outros mundos e tantas

outras verdades. Nelson Goodman diz existirem “modos de criar mundos”. O teatro é um desses modos. Guimarães, na sua política cultural, tem vindo a “criar mundos” através do teatro. Tem vindo a falar de nós para nós, abrindo o espaço que medeia o espetador e o mundo, os mundos. Pulleyn, Beckett, Vicente, Shawn, Shakespeare, DeLillo. Quão estranhos poderão ser estes mundos? Que possibilidades orgânicas e afetivas se abrem nesta comunicação? Que mundos são estes que a cultura do teatro nos revela? O teatro é a arte mais próxima da vida, o jogo que Freud diz ser a continuação da infância. Ao longo da sua existência, o Teatro Oficina tem levado a cena inúmeros textos fundamentais da produção teatral universal, dos clássicos à nova criação contemporânea. Tem investido na formação de públicos e de atores e tem dado corpo a uma ideia de partilha cultural de que Guimarães nunca prescindirá. Através do teatro. Sim, o Teatro. Longa vida, Teatro Oficina! José Bastos, Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Guimarães

Guimarães, na sua política cultural, tem vindo a “criar mundos” através do teatro.


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GRANDE CENA

GRANDE CENA DE

JACINTO LUCAS PIRES Apoio

Texto Jacinto Lucas Pires; Encenação Marcos Barbosa; Cenografia Ricardo Preto; Desenho de luz Pedro Vieira de Carvalho; Interpretação Alheli Guerrero, Anabela Faustino, Ivo Alexandre e Marcos Barbosa; Produção executiva Teatro Oficina; Agradecimentos Linha Recta – Mobiliário Contemporâneo, Lda · Maiores de 12

QUINTA 28 A DOMINGO 31 JANEIRO CCVF / PEQUENO AUDITÓRIO 22H00 (QUI A SÁB) E 17H00 (DOM)

“Grande Cena” é uma peça sobre atores. Isto é, sobre o teatro. Isto é, sobre estar vivo agora, no mundo. Mário e Esmeralda, Sandra e Eduardo juntam-se para comer e conversar. Dois casais de atores, com histórias, sonhos, linguagens muito diferentes, tentam divertir-se juntos e acabam por revelar-se no processo. É possível juntar em cena guacamole, terrorismo, alta literatura, cultura pop, comédia barata, teatro isabelino, amizade, casamento, política, memória, desejo e uma quantidade astronómica de mal entendidos, e ainda assim acabar com uma peça de t-e-a-t-r-o? “Grande Cena” é o Teatro Oficina a começar 2016 com Jacinto Lucas Pires. Voltamos a um autor que tem trabalhado muito connosco em Guimarães, e que será durante o ano o nosso dramaturgo residente. Novo ano, novo teatro e uma peça muito nova, para estrear no Pequeno Auditório do nosso CCVF. Enquanto a vamos fazendo, escrevendo, interpretando, encenando, vamos passar por diferentes locais do nosso concelho, num convite olhos nos olhos, para dizer que ensaiando, vamos também convidando todos os habitantes de Guimarães, que o nosso teatro é teatro e é nosso (de todos). Marcos Barbosa


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SOBRE A AGITAÇÃO “E esta coisa de Paris?”, pergunta Mário. Tardará um pouco a retomar o tema, mas ainda há-de falar-se dos atentados recentes na capital francesa, do Daesh e de fanatismo religioso. Também de violência no México e de teatro. Sobretudo de teatro. É assim “Grande Cena”, a primeira produção do Teatro Oficina em 2016. É o teatro a falar-nos de assuntos sérios, a questionar, a provocar as ideias. Têm sido assim os últimos anos da companhia, quase sempre empenhada em colocar-nos perante questões importantes. O texto de Jacinto Lucas Pires para o novo espetáculo do Teatro Oficina convocou-me a memória de uma frase de um vimaranense ilustre do século XIX. “Fazer pensar é tudo; e a agitação a única alavanca que pode deslocar esse mundo”, escrevia, em 1884, Alberto Sampaio. O que tem isto a ver com teatro? Nesta conturbada segunda década do século XXI, tem tudo. Vivemos uma era de consensos forçados, de opinião ligeira e de consumo rápido. O alvoroço quotidiano não podia estar mais longe da agitação de que falava Sampaio. Essa é uma necessidade permanente de sairmos do lugar, de questionarmos a norma. É a única forma de provocarmos algo novo. E é também todo o contrário da época em que estamos: Tempos em que não é fácil encontrar espaço para a agitação; para confrontar o pensamento equívoco. O teatro tornou-se, por isso, um dos últimos lugares de resistência onde podemos tornar a agitação possível. Não há muitos outros lugares onde, pelo menos durante uma hora ou duas, estamos juntos, numa sala. Desligados das desatenções tecnológicas, a olhar para o mesmo assunto, a pensar as mesmas

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coisas – necessariamente de forma diferente. O teatro, nesta conturbada segunda década do século XXI, deve ser este ato de comunhão e este convite ao questionamento. O papel de uma companhia não pode ser outro que não o de convocar a agitação. E ainda mais quando se trata, como é o caso desta, de uma estrutura pública, que obviamente tem uma responsabilidade acrescida neste campo. “Grande Cena” será apenas um capítulo novo, porque há muito que o Teatro Oficina coloca a cidade que o acolhe perante questões vitais. Desde a pré-história da companhia, há mais de 20 anos, que esta tem confrontado Guimarães com a sua normalidade, de a desassossegar. Esta história de agitação começou aí, mas acelerouse, nos últimos dez, coincidindo com a afirmação do Centro Cultural Vila Flor e com a Capital Europeia da Cultura. Por exemplo, “Rei Lear”, que acabaria por valer à companhia a Menção Especial nos prémios da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, começou a ser preparado, em 2012, no Japão e transportou para o palco parte da experiência intensa de uma comunidade ainda a viver com as consequências do colapso da central nuclear de Fukushima. Na mesma altura, uma criadora incontornável da criação contemporânea como é Sanja Mitrovic fez-nos entrar por uma fábrica têxtil dentro, encarando de frente as fricções do passado industrial. São apenas dois exemplos, de uma lista que podia incluir a oportunidade extraordinária de estarmos perto de um diretor lendário do teatro nacional como Rogério de Carvalho; as colaborações com estruturas como o TEP ou a mala voadora; as incursões pelas obras de alguns dos mais relevantes dramaturgos deste tempo, como Will Eno ou Don Delillo; o contributo para a produção dramatúrgica nacional com trabalhos a partir de textos novíssimos. Mas também um trabalho menos visível, levando o teatro às freguesias da periferia do concelho, tentando reforçar a ligação ao território, ou o seu trabalho de formação com as turmas de iniciação teatral. Duas décadas depois desde a sua germinação e uma década desde a sua reinvenção, talvez seja o momento de o Teatro Oficina fazer este balanço e perceber por onde andou e onde pode ir em seguida. Arriscando adiantar já uma reflexão que deverá ser mais profunda, creio ser justo dizer-se que o Teatro Oficina tem cumprido o seu papel de trazer o mundo para Guimarães. A capacidade de convocar contributos de vários espaços para aqui confluírem tem sido bem-sucedida e ter permitido manter a agitação que nos faz pensar a todos. Falta, porém, que o Teatro Oficina seja capaz de complementar este trabalho, levando a realização daquilo que faz dentro de portas para outros palcos. A circulação – e por via disso o seu reconhecimento externo – é talvez a mais séria questão que a estrutura tem que resolver no seu futuro mais próximo. O espaço de resistência que é o teatro é esguio e cabe a

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todos alargá-lo. Além disso, por mais relevante que seja o trabalho feito e a capacidade de chegar ao público que está mais próximo, o questionamento que tem sido uma das marcas desta companhia só está completo quando for capaz de chegar mais longe do que a sua área de influência mais direta. Talvez aí a agitação de que falava Sampaio seja mais evidente. Samuel Silva, jornalista

NOTAS SOBRE ESCREVER TEATRO Usar todos os expedientes para juntar ilusão e distância — até que não haja nem uma nem outra, só outra coisa que não cabe em nenhum dos termos. Escrever o mínimo de didascálias; não cair na tentação de “encenar” por escrito. Imaginar tudo com grande pormenor e depois apagar até restar apenas o essencial (o coração, o osso) de cada momento ou cena. A lição que há no modo distraído e puro com que dizemos as deixas quando, nos ensaios, alguém pergunta “Vamos de onde?” A ideia de “deixa”: é mais disso que se trata, “deixar” as frases, do que de “fazer” qualquer coisa com elas ou sobre elas. Não ter medo da tensão entre a língua em que escrevemos e a língua em que falamos. Pelo contrário, usá-la a favor do que queremos dizer. Pausas e silêncios não são vazios; têm existência e corpo. Só fazem sentido como palavras em branco, frases em negativo. (A língua em que ouvimos.) Lição que os atores me ensinaram: uma voz constrói-se à volta de um mistério. Buscar o ponto ótimo em que tudo é normalmente misterioso e espantosamente claro. O teatro é o presente, o “isto” do presente. Exige que se “esteja lá” quando as personagens falam ou fazem alguma coisa. Falas são ações; movimentos de avanço, recuo, ocultação, revelação; palavras que querem coisas. Definir um código tão coerente e rigoroso quanto possível para que, no limite, o texto possa valer como uma pauta: música escrita onde tudo está previsto, tom, tempo, pausas, interrupções, sobreposições, etc. Em última análise, um texto não se explica. Ou seja, é a sua própria explicação. Achar a forma simples e única de, ao mesmo tempo, contar a história e contar a história de contar a história. Escrever é pensar o outro, tentar o ponto de vista do


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Uma peça é para ser atravessada por corpos num palco, mas também é “só” um texto — queira-se ou não, isso está sempre lá.

outro — pormo-nos, inteiros, do “lado de lá”. Nunca esquecer a importância da contracena. Encontrar o terreno limitadíssimo da nossa peça. E depois, cumprindo escrupulosamente esses limites, construir uma totalidade. Falar do que, de verdade, se tem medo e se deseja — por vias travessas. Diálogos são duas pessoas à conversa, mas também cada uma à conversa consigo própria. As personagens são aquelas específicas construções. São aquilo que fazem e dizem ali, daquela maneira. São despsicológicas (perdoem-me a palavra) e não têm “vidas” para trás ou para frente. São o que são na peça. Podem espelhar as circunstâncias concretas em que apareceram e usar o presente de todas as formas concebíveis, mas não devem ficar dependentes de certo contexto, atores, aquela encenação, o texto da folha de sala, a explicação na entrevista, a nota de rodapé não sei onde, etc. O conselho mais importante é talvez o da solidão. Economia de gestos e rigor em cada um. Também as ações devem ser substantivas, suficientes, enxutas. Um palco e atores sob as luzes — isso já traz consigo muita História e muito peso. O teatro deve inventar uma verdade (óbvio) mas com uma espécie de (atenção, palavras equívocas) pudor ou leveza. Aprender com as cenas silenciosas. Como pode ser fundamental o momento em que alguém decide quebrar um ramo, não pegar numa chave, tocar noutra pessoa. Não impor, “de fora”, um certo tempo às cenas. (“Tempo” usado aqui no triplo significado de duração, ritmo e “sentir”.) Seguir o compasso que as estrutura “por dentro”. Ver o que nos diz o nosso esquema, mas ver também o que sugere o próprio desenrolar da cena. Ser lúcido, mas confiar também naquilo que os poetas chamam “uma atenção” e os mortais chamam “ter ouvido”. Ideias que — desmontadas, retrabalhadas, iluminadas, esquecidas — se tornam cenas. Não há dois espetáculos iguais, diz-se. De forma análoga, também todas as peças devem ser feitas como as primeiras de alguma coisa. Arriscadas com espírito

inaugural, fundador até — peças sempre espantáveis. Tem de haver qualquer tipo de estranheza, ainda que do género mais subtil. Um ligeiro descentramento, um desequilíbrio. Experimentar novas formas de cruzar o “contar” com o “mostrar”. Sem perder de vista que quem conta uma história — num monólogo, por exemplo — se vai revelando nesse contar, e que quem fala sobre coisas sem importância — num diálogo, por exemplo — conta histórias sobre si próprio. A ideia de pessoas-personagens; personagens que também são atores de si próprios. E a ideia de narradores-pessoas; personagens que se autossuspendem para nos darem o seu ponto de vista a partir de dentro. Na zona entre o puro verosímil e o levemente descentrado, falas que pedem dos atores alguma coisa entre o quase-espantado e o quase-automático. Falas que — não — valham sozinhas. Uma imagem teórica: a cena como um lugar ao mesmo tempo abstrato e concreto onde há pessoas e dois níveis de matéria: o das coisas-coisas, uma cadeira, uma mesa, uma faca, uma flor; e o das coisas-palavras, uma “cadeira”, uma “mesa”, uma “faca”, uma “flor”. A linguagem é o “onde” de todo o amor, todo o ódio, todo o desejo, etc. As pessoas movem-se é aí dentro. (Dito isto, atenção aos excessos de “linguagem”.) O que se diz deve ser tão claro que, do nada, faça nascer alguma coisa. Mas também tão dissimulado que sugira a existência de uma outra coisa escondida ou perdida, uma coisa sempre por dizer. A grande decisão da escrita é, porventura, a do que não se diz. Não começar a escrever até haver alguma coisa no lugar de ser escrita. Tratar os segredos mais negros, as fantasias mais loucas, as violências mais brutais, com o máximo de (atenção, palavras equívocas) simplicidade e contenção. Utopicamente, ideia=imagem. As personagens devem sofrer alguma transformação, chegar ao fim diferentes do que eram — isto é, “mais iguais” ao que são. A estrutura não serve apenas para organizar ou “emoldurar” um corpo de ideias e imaginações; deve ser o

mecanismo que põe esse corpo “em movimento”. Escrever por uma razão. Mas sem buscar um resultado. Escrever desde o fim. Descobrindo o final, descobrese muitas vezes a chave para desmontar, destruir, retrabalhar o que está para trás, acertando o texto no sentido certo. (De modo análogo, descobre-se mais facilmente como é que certa personagem fala se se souber o que ela esconde.) Dizer alto as falas. Há uma lição natural no som das frases. A importância da pontuação; de um código que, mais do que ajudar quem lê, ajude a formar aquelas vozes. Se há algo de particularmente estranho e difícil de agarrar nas entrelinhas do texto — algo sobre o qual possivelmente só temos uma vaga intuição —, é melhor parar e tentar perceber o que é. Pode ser (quem sabe? milagre!) alguma coisa mesmo nossa, mesmo nova. No fim de contas, depois de todas as regras ou princípios, é na nossa visão que temos de confiar – o nosso primeiro relance, o que nos lançou doidamente naquele mundo, naquele texto. Conseguir ganhar um mínimo de distância sobre o que se escreveu e pensar o que poderá ali haver de um qualquer mínimo novo-verdadeiro. O contrário de uma coisa ajuda a ver melhor tudo o que poderá ser essa coisa. A ficção é sempre uma forma de manipulação do tempo. Tempo que se concentra, que se expande, que se suspende; tempo fora do tempo. Em certo sentido, escreve-se contra a vida. A arte das histórias é uma arte abstrata. Primeiro, toda a loucura, ousar tudo. Segundo, toda a censura, cortar tudo. Terceiro, de novo. Questionar cada palavra, cada pormenor. E depois deixar espaço para o irrazoável. Tudo pode muito bem começar só com uma imagem ou uma frase. Ou menos até, um silêncio. (Por exemplo, um silêncio desconfortável, “de elevador”, entre dois desconhecidos, num lugar de onde não podem sair.)


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Por exemplo: numa estação de comboios um homem, que quer dinheiro rápido, vê uma mulher sozinha sentada num banco. Por vezes ajuda ser o mais simples possível, o mais prosaico. Ele faz o quê? Quem é ele? E ela? E o que é que ela quer, em troca? Algumas personagens precisam de um tempo caladas, para as conhecermos bem antes de começarem a falar, para que não se desmanchem pela voz. Outras só aparecem quando dizem alguma coisa. Desconfiar das “palavras bonitas”. Provavelmente estarão a mais. Alguns textos precisam de breves espaços de respiração: canções, parêntesis, suspensões, humor. As regras não são as da vida, são as do texto — e daquele texto especificamente. Há, claro, convenções conhecidas, “universais”, mas cada peça deve estabelecer e tornar claras as suas próprias leis. Depois, dentro desse corpo coerente, pode acontecer tudo e mais alguma coisa, qualquer subversão, qualquer impossível. Usar as pausas com moderação — valem ouro. Ouvir as opiniões dos outros com abertura, franqueza, espírito crítico. Aceitar tudo o que possa ajudar o desenvolvimento da ideia central do texto. E, em caso de dúvida absoluta, seguir a nossa primeiríssima visão. As limitações práticas (de elenco ou de espaço, por exemplo) não devem ser ignoradas. Pelo contrário, é útil tê-las bem presentes para que possamos usálas a nosso favor, a favor da peça — e assim vermo-nos livres delas. Uma cena é feita de pessoas num mesmo espaço num dado momento. A tensão implícita entre dois corpos já é um acontecimento. Uma pré-frase. Podese dizer que quase sempre se escreve em cima disso. Personagens: pessoas que são vistas a fazer coisas; isso faz parte delas, do que elas são. Queira-se ou não, isso está sempre lá. (O caráter “ao vivo” do teatro.) Uma peça é para ser atravessada por corpos num palco, mas também é “só” um texto — queira-se ou não, isso está sempre lá. De um encenador, espera-se o máximo de rigor na leitura da peça e o máximo de fidelidade ao que ela é (no osso, no coração). E depois espera-se que nos surpreenda. Uma pessoa exposta como um ator num palco já é um começo: desequilíbrio, tensão, pergunta. Não cair na tentação de explicar logo tudo de entrada. Ser “claro” não quer dizer ser “explicadinho”. Tudo o que é informação deve ser dado só quando é realmente necessário. Um final tem de resolver a coisa. Fazernos perceber que acabou, que baixa a

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luz sobre aquele mundo, aquele assunto. Um fim é um fim. Pode até ser “aberto”, mas tem de ser “final”. A difícil arte do “aparte”: o comentário como forma não de estreitar a compreensão da história, mas de a fazer expandir em novos, insuspeitos significados; de a estilhaçar ou sabotar, de a transformar ironicamente, de lhe dar outros lados, prismas novos; de a reescrever. A repetição como máquina de significação; não como fórmula. O momento especialmente comovente que se segue a uma gargalhada a sério. Enquanto se conta uma história, fazer outra coisa. Por exemplo, desmontar uma ideia feita, fotografar o presente, inventar uma língua. Respeitar as personagens. Não julgá-las, nem salvá-las. Particular atenção às “metáforas”... É sempre boa conselheira aquela regra do cinema que, em relação à escrita de uma cena, diz “entrar tarde e sair cedo”. Nem tudo é verificável, contabilizável, analisável. O todo, como se costuma dizer, é mais do que a mera soma das partes. Não cair no que é fácil e já demasiado testado, conhecido. Mas também não ter medo do óbvio. Dar nomes às personagens é defini-las — no sentido próprio de as limitar, dar-lhes um fim. Não se trata, portanto, de um mero detalhe. O teatro não é um território separado do mundo e da vida; ou só o é como são todas as vidas quando sonham no escuro. (De olhos abertos! De novo crédulos e livres como em crianças.) Teatro escreve-se com sotaque. Por vezes, pode até parecer conversa mole, mas nunca deve é soar a coisa neutra. O teatro, digo eu, precisa das muitas línguas da nossa língua, todas as mil variantes e variações, todas as entoações e deslizes, todas as gírias e frases-feitas, toda a estranheza, toda a diferença. Tudo o que for pretexto para a vida. E a vida é sempre, claro, a vida toda. Por isso, o teatro não é de fronteiras, de nenhumas fronteiras, mas um país para todos os possíveis e imaginários. Pôr pessoas dentro da língua portuguesa: elas ajustam-se e ela alarga-se. Escrever teatro: frases só lembráveis, não memoráveis. Lição que os atores me ensinaram: a palavra é um acontecimento físico. Quem escreve: ser muito sério sem se levar muito a sério. Idealmente, comédia=tragédia. Poucas palavras são melhores do que muitas palavras. Jacinto Lucas Pires, escritor

DO SOL. Quando li um livro do Jacinto Lucas Pires, pela primeira vez, senti que me estava a trair. Explico. Todos os autores que mais admirava, eram norte-americanos ou ingleses, escreviam sobre Brooklyn, LA ou Londres, tinham tido vidas avassaladoramente entupidas por barbitúricos, festas ou encontros pouco casuais. Sentia que o meu coração pertencia mais ao inglês do que ao português. Pensava: porque raio nasci eu num raio de um país onde se fala esta língua tão estranha e que me toca tão pouco. As palavras não soavam da mesma forma que em inglês e era tão mais glamoroso ler numa língua estrangeira. A escola não ajuda a amar a nossa língua. Pelo contrário. Aprendemos a detestá-la desde pequenos com a caneta vermelha nos erros, com as leituras obrigatórias, com as composições forçadas sobre as férias da páscoa, com a análise visceral ao texto e a interpretação única da poesia, do autor. Não sei porque comprei o livro “do sol”. Mas, sei que quando lhe peguei e comecei a percorrer aquelas palavras, não consegui parar. Era uma sensação realmente estranha, de reconciliação com algo que julgava não ser reconciliável, de amar pela primeira vez, de surpresa. Lia várias frases a mesma vez porque o som daquelas palavras

Depois de nos últimos anos ter visitado Guimarães com espetáculos de várias companhias, surgiu agora a oportunidade de colaborar com o Teatro Oficina. E é com muito gosto que participo no próximo projeto, pois pude encontrar e reencontrar artistas com quem me identifico (no caso do Marcos e do Jacinto, não trabalhávamos juntos há doze anos!...). Começámos os ensaios do espetáculo “Grande Cena” em novembro do ano passado. O texto foi surgindo com base em improvisações, a partir das quais o Jacinto fez sair personagens e histórias, que agora procuram existir em palco. A partir daí, outra fase do trabalho; procurar sentidos, encontrar caminhos, concretizar. Apesar das muitas horas dentro da sala

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juntas compunha uma melodia entusiasmante. Ouvir uma e outra vez. Uma e outra vez. Uma e outra vez. E depois dei por mim a sorrir, um sorriso parvo e solitário de apaixonada, de tradução impossível. No início de dezembro, conheci-o pela primeira vez. Estava a escrever uma peça para a Oficina e trabalhava com os atores em formato de improvisações para um texto. No silêncio da bancada, observava-o a marcar o ritmo das palavras como um verdadeiro maestro. “Parem. Retomem a conversa naquele momento em que ele começa a falar do espetáculo que quer fazer”. Escrever desta forma é um ato de generosidade, não só dos atores, como também do dramaturgo que parte em busca de pistas e aceita caminhos traçados por eles. Escolhe palavras, escolhe temas, cria conceitos visuais que são didascálias tão soberanas como o ato falado. E depois, pausa. Fala com quem está na plateia a observar, fala como quem conhece as entranhas da escrita, a pulsação do teatro e, principalmente como quem se sente confortável a partilhar. Recordo o entusiasmo dos meus alunos, da vontade de escreverem assim, da curiosidade do processo de escrita, das ideias que tiveram ao ver aquilo que aconteceu naquele palco. Não tenho por hábito pedir para me assinarem livros, mas o “do sol” é especial. Disse-lhe: “Este foi o primeiro dos teus livros que li. Foi ele que fez com que me reconciliasse com a língua portuguesa. Obrigada.” Cátia Faísco, professora da Licenciatura em Teatro da Universidade do Minho

de ensaios, temos tido a oportunidade de partilhar o que vamos criando, com grupos de teatro amador de diferentes freguesias de Guimarães. Através da realização de ensaios abertos, o Teatro Oficina convida todos os que queiram a ver o processo de criação por dentro. Uma oportunidade para trocar ideias, para receber um primeiro olhar, uma primeira reação ao inacabado. Criando novos públicos, não só através do contacto com os grupos de teatro amador, bem como apostando em cursos de iniciação teatral, o Teatro Oficina tem criado um público informado, atento e mais crítico, ao longo destes anos. Um grande contributo para a grande dinâmica cultural que Guimarães possui. Estamos agora na fase final dos ensaios, todos os pormenores estão a ser revistos e tudo está quase pronto. Só falta o público para haver teatro. O nosso espetáculo estreia no dia 28 de janeiro. O vosso também. Até lá! Ivo Alexandre, ator e encenador


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COLABORAÇÃO COM A CIDADE

COLABORACAO COM A CIDADE O Teatro acordou e anda pela cidade. A dizer poemas do sublime poeta, a ensaiar de porta aberta num salão paroquial, ou a conversar sobre teatro com um grupo de estudantes na cafetaria da escola. Estamos por aí, com vontade de partilhar o nosso trabalho, e com a certeza que esse gesto se transforma num convite permanente. Escrevemos, então, uma história partilhada do nosso Teatro Oficina. Neste ano, e numa ideia de continuidade do que temos feito, e a pensar sempre no futuro, estaremos a trabalhar de forma muito próxima quer com as diferentes freguesias da cidade, respondendo a desafios e desafiando, quer com o curso de teatro da Universidade do Minho, aproximando as artes de quem faz, ao desejo de todos que connosco querem fazer.

APRESENTAÇÕES NAS FREGUESIAS DO CONCELHO DE GUIMARÃES

EMAIL ADALBERTO (DESTA TUA SILVA SILVA D E J A CIN T O L U C A S P IR E S MÃE QUE TANTO TE AMA) Texto Jacinto Lucas Pires; Encenação Jacinto Lucas Pires e Ivo Alexandre; Interpretação Ivo Alexandre; Produção executiva Ninguém · Maiores de 12

DE J A CIN T O L U C A S P IR E S

Texto Jacinto Lucas Pires; Encenação Ivo Alexandre; Músico José Pedro Ferraz; Desenho de Luz Rui Azevedo; Interpretação Anabela Faustino; Produção executiva Ninguém · Maiores de 12

Uma mulher escreve um email ao filho morto. E, durante esse processo, vai contando a sua história, tentando soltar-se do estado de negação em que vive há muito tempo. Agora que a sua vida parece querer voltar a pôr-se em movimento, Maria tenta arrumar a casa e limpar todos os fantasmas. “Email (desta tua mãe que tanto te ama)” é um monólogo feminino, uma comédia agridoce, uma pauta para voz e quarta parede, uma... monóloga?

(...) Talvez não escreva nada aqui no espacinho do “assunto”, afinal de contas. O que é que achas? Pode ser, não pode? Se a alma é um vapor de ossos que estruma a terra para florescermos eternamente no outro mundo, eu também posso mandar um email sem nada escrito no espacinho próprio para o “assunto” ou não? (...)

“Adalberto Silva Silva – Um espetáculo de realidade” é o telejornal da alma de um anti-herói português. Adalberto é um solitário e um tímido, o comum dos mortais que se apaixona perdidamente por uma desconhecida no supermercado e conta a sua história de teleponto e auricular, entre anúncios publicitários e interrupções para “compromissos espirituais”. Neste noticiário, não há solenes diretos nem reportagens sobre o nascimento de pandas em zoológicos do Oriente, mas também se apresentam “momentos belíssimos”, “acontecimentos marcantes” e “casos de crise e oportunidade”. Dramaturgo cuja escrita é marcada pelo gosto de baralhar-e-voltara-dar géneros, convenções e linguagens, Jacinto Lucas Pires brinca agora com o formato televisivo e os seus tiques e truques. Espetáculo criado em condições austeritárias – resultado apenas do encontro de um autor e um ator, agentes de si próprios, sem encenador, sonoplasta, figurinista, produtor ou companhia –, “Adalberto Silva Silva” é interpretado por Ivo Alexandre, pivô desta comédia de bolso sobre o desejo, o sonho e os chamados problemas práticos. É a sério, sim, e é para rir, pois. Para rir a sério?

(...) Boa noite, bem-vindos aqui, eu sou o Adalberto Silva Silva. Estranho, não é? Dizemos “boa noite”, “bem-vindos”, mesmo quando tudo é mau e nenhuma coisa nunca será bem-vinda. Palavras papagaias, não é? Palavras inteiras que aprendemos a engolir sem mastigar, palavras invioláveis que aprendemos a violar, repetindo-as com cara séria para que o mundo não rebente debaixo

dos nossos pés, dos rabos que sentamos nas cadeiras desconfortáveis... que nos fazem doer desde o cóccix, ó caneco, até ao... (aponta para o centro do peito) até... este... até aqui. Desculpem, já vou... peço perdão, mas... Deixem-me recomeçar, sim? (...)

UM PONTINHO NO MEIO DOS OLHOS [ESTREIA ABSOLUTA]

D E J A CIN T O L UC A S P IRE S Texto Jacinto Lucas Pires; Encenação Marcos Barbosa; Cenografia Ricardo Preto; Desenho de Luz Pedro Vieira de Carvalho; Interpretação Carolina Amaral; Produção executiva Teatro Oficina Maiores de 12

“Abre para cá” é um livro de contos, onde redescobrimos este “Um Pontinho no meio dos olhos”, para na voz desta atriz muito nova, fazer teatro, na primeira pessoa, um pouco por cada lugar da nossa cidade. Contamos um história, de forma simples, abrindo para cá, para dentro da cidade, todo o mundo que esta nova atriz muita nova tem dentro, enquanto a vemos partir, levando a nossa cidade com ela.

(...) O tempo passou (como uma coisa na janela), os dias iam crescendo e a ameixoeira pequena e bonita estava sempre a mudar. A minha mãe mandou-me uma carta em que me perguntava se eu já tinha namorado e quando é que ia casar e dizia que não era por nada mas

que a minha prima, que era mais nova que eu dois anos, já se tinha casado (uma cerimónia maravilhosa) e já estava grávida, e que se eu demorasse muito daqui a uns anos nenhum homem me havia de querer, que agora as raparigas eram umas desavergonhadas e os homens tinham tudo o que queriam, sem esforço, já não era como dantes, no tempo dela, etcétera, etcétera, e muitas saudades para o meu bebé, da tua querida mãezinha. (...)

* Convulsar (CAIR EM CONVULSÕES) Manifesto de se ser terrível

I. início golpejo.golpejo.golpejo.golpejo.golpejo.golpejo.golpejo.golpejo.golpejo.golpejo. Não ignorar a reverberação alevantada e circulada à minha frente deste movimento primeiro. Há aqui a violência (do que é derradeiro) e celebra-se o iniciar do sistema, olhá-lo nessa abertura. Trabalhar as ruínas, ALtas, de matéria escorregadia e húmida. Erguidas pelo meio da sofreguidão, em descampados ensolarados, uma presença escura de fundação. Disto de se consumir num atelier, etapas: 1. Deparar-me com a necessidade de criar uma metodologia individual de abordagem ao projeto artístico (lançar proposições reconhecidas lalalalalalalala...) - de qualquer dos modos, uma primeira concetualização. 2. Relampejar inconsequentemente. As rajadas de ação espontânea. 3. Sofregamente carregar a. 4. Notar o movimento dos olhos que duvidam, registar os lugares que estes olhos tocam, perceber como estes encurvam outros pedaços do físico-indagar isto enquanto exploramos.


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5. Premir zonas e atentar ao afloramento de coisas estranhas. II. “...eu e a minha cara na floresta.”1 A proposição é a de compor uma performance em que me descaia ao que me inquieta ferverosamente utilizando o conto que me foi proposto “Um pontinho entre os olhos” do Jacinto Lucas Pires. LargAR-ME num sítio que treme|luz|. Aferições: Não, já não me apetece empurrar para dentro a dança tal como não me apetece empurrar para dentro o teatro. Abrir, sim, um espaço para as aparições de potências transformadoras, onde estas se esvaiam. Decido encarar o texto posto, de modo a dele soltar as coordenadas dramatúrgicas orientadoras para o episódio da fascinação. Assim: falar desse espaço-tempo, sala grande e vazia, da solidão que devemos encontrar-nos para daí surgirmo-nos aos outros mais inconsequentemente. Reclamo esse habitar aí. É um susto, é alarmante mas é a condição para que possamos confrontar-nos com o que de nós vamos dizer aos outros (através das ações que tomamos), a nossa individualidade pujante. A liberdade de fazer acontecer discurso sem que sejamos pois pregadores de conceitos e juízos que nos foram passados e aos quais não fizemos experiência (e que portanto não pode impedir-nos de nos lançarmos na descoberta de tudo o que nos atravessa por nós), é o âmbito do recolhimento. Retornar a um espaço em suspenso, vibrante em que despojada de pretendimentos, me encontro em observação dos acontecimentos, dos fenómenos, dos mecanismos que descortino, cambaleando para as paredes esfriadas em que escorro e me restabeleço do que descobri que sou. Por isso esta jovem, colocando-se tanto em posições estratégicas de desapego como em situações drásticas atordoantes, vai testando esse território escuro de onde brota. Emancipando-se da influência familiar, dos interesses da geração à qual pertence, dos pressupostos associados à sua condição de jovem estudante, ela (de)para-se com a questão da liberdade que pode experimentar por si no mundo em que se encontra. Ela dispara-se. Dança, terror. Aqui percebo que algumas motivações artísticas que já se me apareciam reconditamente podem intervir neste lugar. Designo-as através de uma série de movimentos que denuncio Séries de Emergência. #1 A QUEDA primeiro de tudo, cair. lá, o advir. Só depois deste acontecimento que é um movimento afirmado “de um momento para o outro”, daí, dessa matriz é que se poderá vir a ecoar (=escorrer). #2 DE SE SER ACOSSADO mgrrrrrrrrrr glhglhglh tqvtqvtv bfk bfk bfk tttttttttttttttttt zxwzxw jl t mmmmmrrrrs (é pois o corpo que propõe a vogal) Tremer até aos confins, DESTRAVAR.

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#3 OS ESPELHOS Para falar comigo para comigo, chamo-me Alice e chamo-me alto. Tem que ver com não temer atravessar os SÍTIOS onde dói. Os espelhos estão espalhados até onde eu deixo de aparecer que é quando eu deixo de cair. Ainda não apareceu o meu desaparecimento. Nos sítios mais escuros vejo MAL. entro, não identificando o que é que isso constitui. Só o espelho revela para os que miram. Estou dentro dali e é então que Apareço derramadamente. Aí retumbo algo que vem antes de mim e é por isso não me esvou. #4 O RECÔNDIDO. encurvar-se, ativar o corpo côncavo. O poço enquanto lugar de onde se puxa, insistentemente. #5 TUDO O QUE ESBRACEJAR avisar, assinalar freneticamente o que se avistou, o que foi (?) #6 ANDAR DE RASTOS circular sem parar com mesmo muito peso, o que transtorna o reconhecimento. escorregar portanto e deslizar dolentemente. Gemer. #7 O SAGRADO eletricidade estática. #8 EXILAR pegar-se e forjar-se daqui. estar de lado, entornar. Isolar regiões revoltosas, deixá-las REVOLTAR. Abandonar o que é tentador naquele canto, deixá-lo cantaROLAR Divorciar, deixá-la SOZINHA. #9 JAZER-ALI ESTAR. lidar com os olhares a postos, treinar o desapego mas deixar o corpo vibrar desafiante. perceber como a ambição faz pender, um desequilíbrio que acentua uma parte só, que sobressai. #10 DESILUDIR Após tantos anos a viver em Guimarães (onde nasci, onde me convulsionei, onde me entusiasmei pela criação artística, onde experienciei processos fabulosos na CEC 2012, local real de onde me lancei, de onde fugi...), surge agora a oportunidade e depois de encontrar tornados no Porto, em Lisboa e em Paris, de assaltar, mais propriamente de me pôr aos saltos à imagem que poderiam vir a ter os que me repararam, apagando com desenvoltura e eficácia o que seria expectável. Afigurasse-me como fulcral este deparamento com o público da minha cidade - este que me circundou no meu crescimento, para que me aperceba do que sobrevivi artisticamente e do que trago ribombante, para que compreenda a reação que invoco nos meus conterrâneos (com quem partilho antes de mais uma primeira identidade cultural e uma memória coletiva local) e para que possa induzir-lhes e remoer-lhes profusamente de paisagens inesperadas e chocantes. Carolina Amaral, atriz 1

in “Um pontinho entre os olhos”, Jacinto Lucas Pires.

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SERMÕES? A PA R T IR D A L E I T UR A DE T E X T OS D E PA D R E A N T ÓNIO V IE IR A

Texto e Interpretação Marcos Barbosa; Vídeo Jorge Quintela; Produção executiva Teatro Oficina Maiores de 12

Ao contrário do que possa parecer, isto não é um espetáculo. Nem é um monólogo, nem muito menos uma peça unipessoal. É uma construção, partindo da presença de um ator e de um público, de uma conversa sobre o ato criativo, sobre o ritual, ou sobre o teatro, tendo como ponto de chegada os textos escritos pelo Padre António Vieira, S.J. No falhanço de qualquer acordo ortográfico, construímos da forma mais partilhada possível, um acordo performático. Marcos Barbosa


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ESTUDAR TEATRO

EM FUSÃO Ao longo dos últimos anos, alguns teóricos do teatro têm vindo a testar a aplicação do conceito de “fusão concetual” [“conceptual blending”] à experiência do espetador de teatro. A sua novidade é muito promissora, sobretudo quando permite uma reavaliação de conceitos clássicos na teoria do teatro, tão estimáveis quanto rebatíveis, como “empatia”, “identificação” ou “distanciamento”. A fusão concetual consiste na atividade cognitiva de combinar diferentes perceções ou categorizações sobre perceções, de um evento ou de um objeto, construindo um conceito “universal” com base numa abstração que permite isolar uma caraterística, ou caraterísticas, que são comuns ou mais salientes ao longo de uma série de perceções do mesmo fenómeno. É deste modo que, comparando várias observações de cavalos, conseguimos chegar à forma caraterística do cavalo. Ou do rosto humano. Os jogos de “faz-de-conta”, que as crianças começam a praticar a partir dos 2 anos são instâncias deste exercício de fusão. Através deles, a criança vai compreendendo os limites de conceitos como “eu”, “outro”, “próprio” e “diferente”, ao mesmo tempo que ensaia a sua sobreposição. Através destes jogos, emerge a noção de “papel”, no sentido de função ou estatuto, à medida que a criança vai imitando as atividades diárias daqueles que as rodeiam. Um dado significativo, que tem sido sublinhado por vários psicólogos, prende-se com o facto de, ao longo destes jogos, a criança procurar reservar sempre para si a possibilidade de colocar, a qualquer momento, um pé fora do “faz-de-conta”, rindo-se daquilo que está a fazer ou assumindo, em geral, aquilo que chamaríamos um meta-comportamento, a observação, do exterior, daquilo que está a fazer. Estes dias no conjuntivo (“e se?”) das crianças têm sido interpretados, por vários filósofos contemporâneos, como estando na origem da experiência ficcional e, em particular, como constituindo a base da experiência do espetador de teatro. Em Um ator prepara-se, Stanislavski referia-se ao “se mágico” que rodeava a ida ao teatro e colocava na base do trabalho do ator a mesma questão que a criança se poderia colocar ao iniciar mais uma tarde de brincadeira: “se eu fosse esta personagem nesta situação, o que é que eu faria?”

Este trabalho de composição de um “faz-de-conta” processa-se a partir de um exercício de fusão concetual. A criança ou o ator vai combinando, progressivamente, caraterísticas suas com caraterísticas da personagem que considera mais salientes. Porque se trata, desde logo, do talento para avaliar o que é mais ou menos saliente naquilo que está a ser representado, este exercício carateriza-se por uma enorme seletividade, aproveitando-se traços que passam no filtro, barrando outros que poderiam baralhar o processo de fusão. Ao descrever a princesa Salomé da sua peça, Oscar Wilde pedia que a vestissem de verde, “como um lagarto”, para que a sensualidade reptiliana da filha de Heordíades fosse mais rapidamente integrada pela atriz que desempenhasse o papel. Pode acrescentar-se que, neste processo de osmose, a criança aprende igualmente a eleger, de entre as caraterísticas que lhe são próprias, aquelas que melhor podem servir o desenho do faz de conta. Uma parte considerável da construção do género passa por aqui. Este trabalho de fusão parece repetir-se na experiência do espetador, que se caracteriza por uma combinação / fusão entre caraterísticas da personagem e traços idiossincráticos do ator. Uma fusão que é igualmente marcada por uma grande seletividade: o espetador “ignora” que Lear morre no final, sobretudo se já viu a peça, e barra constantemente a intromissão da persona do ator, para que “Jorge Andrade” não impeça o acesso a “Hamlet”. Quando tal não acontece, e quando o ator interrompe o “fluxo” ficcional, travando esse vaivém entre personagem e ator, ocorre aquilo que os psicólogos designam por “pop out”, pelo que deixamos “no” ator a personagem. A fusão tem vindo a impor-se como uma explicação alternativa às venerandas noções para-aristotélicas de empatia, reconhecimento, identificação ou ao brechtiano distanciamento, como modelo para a experiência teatral. O modelo aristotélico impunha a ilusão como condição necessária para a “suspensão da descrença”, na estafada fórmula de Coleridge, pois só assim se lograria a identificação pré-catártica do espetador com a personagem. Brecht via no teatro um instrumento para uma contínua desmitificação dos processos burgueses de obscurecimento

da realidade, o que supunha o exercício permanente da competência do espetador para furar o véu de Maya que o ator insiste em puxar sobre si próprio. Uma explicação do teatro assente em noções como a de fusão concetual prefere pensar a experiência do espetador como uma passagem contínua entre compreensão ficcional e consciência do artifício mas sem nunca abandonar qualquer dos elementos do vaivém. Este modelo explicativo parece corresponder mais exatamente à fenomenologia do espetador de teatro. O fascínio pela densidade semiótica e psicológica da personagem avança e recua à medida que oscila a nossa admiração pelo trabalho performativo do ator – ele próprio ativando um mesmo tipo de oscilação entre a consciência do sentido da peça e a atenção prosaica ao ambiente na plateia ou ao estado de espírito dos colegas. A flutuação ao longo deste exercício de fusão é um dado perfeitamente admitido e todos os participantes acabam por ser conduzidos a uma reflexão sobre a duplicidade inerente ao teatro. Em outras culturas teatrais, atingir esta fusão de elementos pode ser ainda mais exigente, como no caso da dança-teatro Kathakali, na Índia, onde para elaborar uma mesma personagem é necessário o trabalho conjunto de um ator / bailarino, um cantor / locutor e um conjunto de músicos percussionistas. De um ponto de vista evolucionista, a prática da fusão concetual no teatro estimula o mesmo trabalho de ligações neuronais que resultava tão valioso no jogo de “faz-de-conta” da infância. De um ponto de vista ético-político, tanto pode ser tido, “aristotelicamente”, como fomentador de uma maior compreensão do outro – pelo exercício da nossa capacidade em simular uma personalidade alternativa de crenças e desejos – como, brechtianamente, uma via de ensaio sistemático da nossa capacidade para nos darmos conta dos mecanismos da ilusão. Em todo o caso, é uma experiência que deve ser defendida como valiosa em si mesma, sem nenhuma justificação adicional, como o valor inestimável do riso da criança quando se dá conta dos modos de fazer de conta.

De um ponto de vista evolucionista, a prática da fusão concetual no teatro estimula o mesmo trabalho de ligações neuronais que resultava tão valioso no jogo de “faz-de-conta” da infância.

Vítor Moura, diretor da Licenciatura em Teatro da Universidade do Minho


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Como um jovem artista, recentemente inserido no meio profissional, zelo pela minha área, aliás, como qualquer outro profissional, com gosto pela sua atividade, zela pela do mesmo. Só que, infelizmente, quando falamos da área artística, o zelo e o cuidado por estas tão sensíveis práticas, por muito grandes que sejam, não são suficientes. É muito difícil a arte tornar-se autossustentável, pelo menos no nosso país. Não há incentivo cultural, ou pelo menos o que chegue, em diversas regiões deste nosso canto de antigos conquistadores de quem tanto nos orgulhamos.

Ao lerem o parágrafo que antecedeu este, já devem ter alguns juízos de valor quanto à minha parte, como por exemplo, “Olha mais um a queixar-se que nada está bem e tudo vai mal. E que ser artista é que é difícil e tal.” Permitam-me que pare as vossas avaliações em relação a mim, pois não foram essas as razões que me levaram a escrever este texto. A minha intenção é bem contrária àquela que estas primeiras linhas apontam. Escrevo este texto não para apontar o dedo a quem não apoia a cultura, mas para valorizar a quem, e muito bem, o faz. Valorizo todos aqueles, que de forma direta e indireta, apoiam e contribuem para a cultura. Não, esta não é a minha forma de homenagear as pessoas que referi antes, mas é a maneira de lhes mostrar o meu apreço por elas de forma breve e clara, e isto por dois motivos. O primeiro porque se fosse nomear individualmente a cada um as páginas desta edição não seriam suficientes, assim como as palavras, e o segundo porque vou ser mais específico e escrever sobre um caso em particular. A cidade que

me acolheu durante três anos como estudante e me acolhe pelo quarto como profissional, Guimarães. A cidade onde nasceu Portugal é, provavelmente, uma das poucas urbanizações que mais impulsiona e apela à cultura nacional e internacional. Por alguma razão terá sido Capital Europeia da Cultura em 2012 e que continue a parecer todos os anos. E isto deve-se não só ao facto de ser uma cidade bastante proactiva e energética, mas também às organizações que lhe pertencem e trabalham em prol de melhorar cada vez mais os meios constituintes da mesma. Como um jovem artista é reconfortante ver uma cidade tão empenhada e interessada na cultura, e ver a capacidade de várias instituições trabalharem, em conjunto, no sentido de alcançar os seus objetivos, cada vez mais ambiciosos, de forma a continuar a enriquecer e a estimular culturalmente, não só a cidade, mas também o país. Guimarães tem um rol extenso de atividades, espetáculos e festivais, como o Guimarães Jazz, os Festivais Gil Vicente, o Festival de Inverno, entre outros, muitos destes organizados

e promovidos pela Oficina, que é a organização que mais contribuiu e de forma bastante relevante para o desenvolvimento cultural da cidade. É bom saber que há pessoas que se interessam com a área e fazem tudo o que puderem para que ela persista e a levam como uma parte séria da sua vida, ou até é mesmo a sua vida. É bom saber que há pessoas que levam este interesse mais além e tentam criar oportunidades para os mais jovens se inserirem no meio, ou pelo menos estar mais perto dele. É bom saber que há pessoas que se juntam e criam organizações como a Oficina com o objetivo de o futuro da arte e dos artistas tornar-se progressivamente mais seguro. É bom saber que existem locais em que nos podemos sentir abrigados e acolhidos por obras e peças incríveis que muitos se esforçam para nos poderem proporcionar. Mário Alberto Pereira, ator (licenciado em Teatro pela Universidade do Minho 2012-2015)


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TURMAS DE INICIAÇÃO TEATRAL

TURMAS DE INICIACAO TEATRAL

PLÁGIO

APRESENTAÇÃO DA TURMA PROTÓTIPO QUINTA 18 E SEXTA 19 FEVEREIRO ESPAÇO OFICINA 21H30 Quem tem algo a dizer que levante o braço e diga. Mas que diga mesmo. Com o corpo entregue à palavra. Com a palavra ao serviço da imaginação. Com a imaginação ao encargo da vontade. Se alguém tem algo a dizer que o faça... completo. Que não seja uma mera imitação das palavras de um autor. Que levante o braço e que o corpo vá atrás. Até lá serão apenas massas que transportam as palavras de um autor. Meras imitações da vontade de um encenador. Em “Plágio” encontramos um grupo de massas que debitam palavras de um autor. Debitam-nas porque foram ensinados a fazerem-no daquela forma. Sem saber muito bem porquê. Sem o questionarem. Até ao momento em que as massas desaparecem e decidem levantar o braço. Ganham voz. Revolucionam-se. Revolucionam-se contra as “páginas” que os registavam. Mas se alguém tem algo a dizer que o faça completo sem ir atrás ou será sempre uma massa plagiada de alguém, de um autor. Nuno Preto, ator e encenador

PIRANDELLO

APRESENTAÇÃO FINAL DAS TURMAS DE INICIAÇÃO TEATRAL DOMINGO 22 MAIO CCVF / GRANDE AUDITÓRIO 17H00 Este é o verdadeiro espetáculo da cidade, onde quem levantou o braço e disse: sim, eu quero fazer teatro, se encontra num grande palco, e atravessando um enorme espaço vazio, olha o público olhos nos olhos. Nuno Preto encena, e atores todos muito novos, de idades muitos díspares, e todos bastantes valentes, festejam a alegria de estar dentro do grande teatro do nosso mundo. Quem vem? Quem vive?

Turma Protótipo Francisca Silva Bruno Barreto Angelina Silva Elisabete Abreu Nuno Pacheco Edite Mendes Diana Viana Maria Lisboa Rui Cunha Elisabete Eustáquio Isabel Moura Patrícia Carvalho Paulo Silva Filipa Pereira Patrício Torres Pedro Lemos

Turma Adultos Iniciação Iola Castro António Matos Cristiana Gomes Albertina Castro Nuno Castro Andreia Soares Maria Teresa Coimbra Ana Francisca Ribeiro Sara Camões Maria de Fatima Silva Maria Inês Gonçalves Maria José Carvalho Renato Bacêlo Rosana Munoz Elisabete Teixeira Joaquim Silva Paula Pinto Silvia Freitas Dalila Fernandes Adriana Ferreira Tânia Pinto Andreia Ribeiro Francisca Pereira Lara Linhares

Turma Adolescentes Vania Timóteo Rita Magalhães Rodrigo Dias Ana João Silva Joana Ribeiro Bruno Pereira Teresa Carvalho Eduarda Silvério Beatriz Rodrigues Elsa Machado Turma Infantil Teresa Ribeiro Ana Leonor Ferreira Matilde Costa Inês Castro Margarida Amaral Ana Sofia Gonçalves Mafalda Freitas Simão Cunha Beatriz Fernandes Lucas Sampaio


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“Qual o verdadeiro impacto da cultura?” A pergunta é do Jornal de Negócios, a resposta que por lá se encontra é caraterística da tipologia do jornal. E qual será? Pessoalmente, já não consigo responder de forma isenta, o impacto é diário, seja por “bater com a cabeça na parede”, potente de impacto; seja pela realização de um projeto que sempre quis fazer e sentir-me realizado com ele, também potente de impacto mas com uma expressão bem diferente. Bom, impacto tem. Se a questão me fosse dirigida a resposta seria breve, nada impactante, mas eu faço parte dos 10% que o Jornal de Negócios designa por “trabalhadores das artes do espetáculo”. Agora, ao colocar a questão aos 90% que sobram, quantos se sentiriam impactados por ela? Quantos se sentiriam com vontade de responder? Quantos responderiam com outra questão? E a questão é errada, a meu ver. A verdade é que não deveria criar impacto nenhum. Impactante é assistir a um tsunami. Impactante é ver alguém que não se vê há muito tempo. Impactante é um pimento padron realmente picante. E a “cultura” não deveria criar impacto, deveria, sim, estar presente, enraizada, sustentada. E a palavra “sustentada” não aparece com o mesmo significado que o Jornal de Negócios nos dá. A “sustentação” neste texto, esta “sustentação” da “cultura” não existe na maior parte dos casos.

Quando me perguntam o que me levou ao teatro e o que sinto desta experiência, é difícil dizer alguma coisa que ainda não tenha sido dita. Não vão ouvir nada de novo ou revelador da minha parte. Não sou escritora nem poeta, não tenho o dom da palavra nem da escrita. Só sei o que sinto. Todos os clichés se adequam aqui, tudo o que ouviram falar do teatro é verdade, multiplicado por dez! A alegria, o êxtase, o encantamento, mas também o medo e o pânico, às vezes. Tudo existe, e tudo é bom! É uma aprendizagem contínua, descobrimos fraquezas e limitações e somos desafiados a ultrapassá-las. Crescemos conhecendo-nos melhor. É um desafio constante, é divertido e estimulante. No teatro só nos pedem uma coisa, que sejamos nós próprios, e que libertador que isso é! O teatro conquistou-me, envolveu-me, tem-me levado por caminhos que nem sabia ser capaz de percorrer! E poder fazer isso com pessoas tão diferentes de mim, com visões e objetivos diferentes é o que de mais bonito e enriquecedor levo daqui! Para mim o teatro são as pessoas, o contato, a partilha de ideias, de desejos e medos. O teatro para mim é isso tudo, um sentimento! Ah e os aplausos, os aplausos são realmente qualquer coisa de muito viciante!!! Andreia Soares, aluna das Turmas de Iniciação Teatral

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Mas não existe se persistirmos, se apenas quisermos criar com “impacto”. Não existe se o pensamento for moldado pelo “impacto”. Não existe pelo impacto. Não existe. Até se poderá inventar um ano de projetos impactantes que o impacto vai desaparecer, desaparece de malas aviadas para outra “freguesia”, porque o dia a dia é uma seca, é um marasmo, é um mar calmo, são pessoas desconhecidas, são pimentos indiferentes ao paladar. Este é o dia a dia. E não é mau. E é precisamente neste dia a dia que a “cultura” aos poucos se tem que enraizar, sem estrondo, mas com um dia seguinte um pouco diferente. Um estômago bem melhor. Alguém que se conhece aos poucos. Uma paisagem bem mais calma, sustentada. Fazer da “cultura” uma coisa cultural. Realmente cultural. Daquelas banalidades que por tão enraizadas estarem, já nem se notam (aparentemente). Faz parte. Deveria fazer parte. E os finais de tarde no Espaço Oficina são de forma entusiasmante uma seca, são peculiarmente repetitivos. São o dia a dia e deixa-me feliz ver que de uma Turma de Iniciação Teatral se vai criando uma acidental comunidade cultural. Por isso, qual o verdadeiro impacto que a cultura tem? É uma questão que me deixa triste enquanto décima parte percentual. Por se colocar e por ainda se falar dele: do pimento padron, do tsunami, desse amigo que não se vê há muito tempo.

TURMAS DE INICIAÇÃO TEATRAL

Ea “cultura” não deveria criar impacto, deveria, sim, estar presente, enraizada, sustentada.

Nuno Preto, ator e encenador

Nos dias de hoje há uma família que impera: a família de nome "Automático". É quase divina, pois parece estar presente em todo lado e aparece de muitas formas.

Mas o mais viciante do teatro é a falha, ou antes, o recuperar dela. Quando olhamos para o outro ator a pensar - fod*-se, e agora?! quem é agora falar?! - e temos de improvisar no meio da cena para a coisa não ficar a meio ou acabar no nada, esse sim, é o sal. É isso que me dá a adrenalina para continuar em palco. O palco que me dá mais cor. Os automáticos apresentam-se quase sempre com O teatro dá-me a oportunidade de improvisar e, com isso, ajuda-me a criar. ar moderno e inteligente. Queremos abrir um carro, carregamos no botão e é O teatro ajuda-me a libertar de um mundo cada vez mais automático (infelizmente, o nosso). automático, o carro abre. Queremos ir ao 18º andar de um prédio, carregamos Pedro Lemos, aluno das Turmas de Iniciação Teatral no botão do elevador e é automático, lá subimos. Entramos na casa de banho de um restaurante e a luz acende, é automático. O problema é quando a luz apaga. Lá começamos a rabiar, a erguer um braço ou a esticar uma perna para luz acender novamente. E quando ela volta, já trás consigo uma pocinha à volta do urinol! O automatismo às vezes também falha. Por isso, temos de estar preparados. Também no teatro aprendo a estar preparado para a falha. Aquela coisa de poder esquecer uma deixa ou entrar em cena fora de tempo dá uma vertigem na barriga, que quando começamos a atuar parece que entramos em piloto automático.

O problema é quando a luz apaga.


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O CONTO DE INVERNO

O CONTO DE INVERNO DE

W ILLI A M SH A K ESPE A RE Encenação Marcos Barbosa; Tradução Fernando Villas-Boas; Cenografia Ricardo Preto; Desenho de Luz Pedro Vieira de Carvalho; Figurinos Susana Abreu; Vídeo Jorge Quintela; Direção Musical Manuel Fúria; Músicos a confirmar; Piano Luis Noain; Interpretação Alheli Guerrero, Anabela Faustino, Carolina Amaral, Borja Fernandez, Diego Anido, Fernando Epelde, Hugo Torres, Ivo Alexandre, José Diaz, Marta Pazos, Nuno Preto e Tânia Dinis · A classificar pelo IGAC

QUINTA 15 A DOMINGO 18 SETEMBRO CCVF / GRANDE AUDITÓRIO 22H00 (QUI A SÁB) E 17H00 (DOM)

Escrita em 1610-11, esta peça foi inicialmente publicada em 1623. “O Conto de Inverno” é um conto de fadas trágico. Não. “O Conto de Inverno” é uma comédia pagã. Quer dizer… Também é uma peça cristã, de certa forma. E é realista e romântica. Idílica, talvez? É uma peça sobre o amor, o milagre, o dom, a ressurreição, o perdão. É, sobretudo, uma peça muito sobre o teatro. É por isso que, neste ano de 2016, a levamos a cena, nos 400 anos da morte do autor.

TRADUZIR PARA O TEATRO – HOSPITALIDADE, PARTILHA E EMPODERAMENTO.

Quando se traduz para o teatro e, no caso de Shakespeare, gostaria de destacar três pontos que precisam ser levados em conta para a produção de um texto aceitável.

1. O texto literário traz consigo uma série de determinantes linguísticas e culturais impostas por uma cultura que não é o da língua-alvo nem mesmo do público contemporâneo Inglês. Apesar de no caso específico de Shakespeare, que contribuiu tanto para a forma da linguagem que é usada nas diferentes variedades do Inglês hoje faladas, não podemos ignorar o facto de que essa língua que foi originalmente usada pelos atores isabelinos era um perfeito mistério para os vários séculos de tradição de palco inglês. Toda essa tradição de representar Shakespeare funcionou na língua que os atores e o público partilhavam ao longo da história, tentando ser fiéis ao Bardo. Os linguistas David e Ben Cristal têm-se dedicado a pesquisar qual o som da pronúncia original das peças

de Shakespeare, a que se usaria na dicção na época isabelina. Esse longo trabalho de investigação deu frutos práticos em 2004 quando se apresentou no Globe a primeira produção completa em Pronuncia Original de Romeu e Julieta. 2. O texto traduzido, ou o original são parte de um projeto maior, um processo de comunicação teatral mais amplo como Keir Elam tão bem descreve com o seu modelo de comunicação teatral simplificada, (Elam 1980, 24). Por isso, o texto traduzido é parte de um todo inteiro, cuja responsabilidade está nas mãos finais do diretor. No palco, o texto é apenas um componente da peça e nem sempre o mais importante 3. Contudo, gostaria de propor que o tradutor


TEATRO OFICINA 2016 GUIMARÃES

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também é um autor criativo. Seguindo a proposição de Susan Bassnett sobre da capacidade autoral e criativa do tradutor," a tradução não é nem mais nem menos que a interpretação que um leitor faz de um texto. Isto significa que o tradutor é o reescritor criativo desse texto". Consideramos que literatura em tradução, mesmo quando se utiliza a linguagem normalizadora do imperialismo, pode ser um processo emancipador. Seamus Heaney identificou que este processo dá aos tradutores uma sensação de liberdade de expressão que de outra forma seria problemática em face das linhas de tensão da memória histórica e da pressão para se identificar com objetivos políticos dos grupos contemporâneos, como foi o seu caso em mui-

Teatro Oficina com encenação de Marcos Barbosa. Hospitalidade e dizibilidade são aspetos desta tradução, e por isso mesmo considero que tanto a tradução como a encenação produziu um texto empoderador e libertador. Traduzir peças para o palco faz o tradutor enfrentar desafios e dificuldades específicos decorrentes do meio em particular que é o teatro. Uma peça é escrita para ser representada. O autor escreveu para um diretor desenhar um projeto, dirigi-lo, de modo que os atores o representem e o público o possa apreciar. No palco, o texto é apenas um componente da peça e nem sempre o mais importante. A linguagem teatral não se limita à troca de diálogos. Muitas vezes, o texto é "ausente", cheio de lacunas, não dito. Os

tas das suas traduções de tragédias gregas. (Heaney, 1989, 15) Traduzir peças gregas para inglês dava a possibilidade de expressar de maneira distanciada problemas que são muito prementes e fraturantes para serem abordados num contexto de conflito contemporâneo. Dá-se assim um espaço possível de expressão, um lugar onde se podem criar imagens, expor o que é muito estranho ou doloroso num espaço consensual, acolhedor de diferenças. Para Yeats, a tradução tem um papel fundamental na formação de "imagens para os afetos", porque através da tradução os indivíduos percebem que, apesar das distinções entre línguas e culturas, partilham com todas as outras pessoas essa capacidade de criação de linguagem. Para Robert Welch, a tradução é uma legítima indagação intelectual: Toda a legítima indagação intelectual pode ser vista como um tipo de tradução: toma um texto, uma fase da história, um evento, um instante de reconhecimento, e passa a entendê-lo, revivendo-o no processo de recriação [...] nesse estado de mudança e sua re-criação o objeto revela-se mais completamente do que nunca. (Welch, 1993: xi) Defendendo o seu postulado sobre o uso da língua de modo livre e autónomo no Manifesto pour l'hospitalité, Derrida apresenta-o num quadro mais político, o dos limites do uso da linguagem. Em última instância este argumento leva à proposição de uma maior liberdade na tradução. Como Benjamin argumentou em A Tarefa do Tradutor isso teria o objetivo de libertar die reine Sprache, a sua própria língua que está sob o domínio de um outro (autor); o trabalho do tradutor será o de pelo processo de recriação /tradução libertar a sua língua que está contida nesse texto (Benjamin 1992: 81). No caso de Shakespeare, como em outras traduções para o palco, o desvelar, recriar essa Reine Sprache para o palco apresenta necessidades específicas. É sem dúvida uma espécie de hospitalidade criar na nossa língua uma voz legítima para o que nos era estranho. Cada tradutor providencia esse espaço de maneiras específicas à sua arte de traduzir. Vou considerar a tradução de Rei Lear por Fernando Villas-Boas representado aqui em Guimarães pelo

silêncios, comprimento de palavra, ritmo, tom ou melodia, tudo o que não é verbal, que poderia ser chamado de "música" é altamente significativo. Também a linguagem poética do teatro, a interação entre todos os elementos teatrais (iluminação, cenografia, movimento, decoração, trajes) que interferem uns com os outros. A consciência das relações entre os diferentes elementos do processo teatral, a capacidade de ouvir o que a musicalidade do texto confere, tudo isso é também da responsabilidade do tradutor. Contudo, a verdade é que qualquer tradutor deve traduzir um texto escrito. Mas o público vem para "ver" uma peça e o texto é apreendido pelo ouvido, através dos atores. Se simplificarmos grosseiramente o modelo de comunicação teatral de Keir Elam, há uma fonte que leva o texto original ao ator que vai usar o texto na sua língua, essa fonte é o tradutor, e este texto vai ter um outro intermediário - o ator - entre o texto na sua versão escrita e aquilo que o espetador “vê”. Fernando Villas-Boas reúne as qualidades de um tradutor sensível e exigente: amor e respeito pelo texto, um bom ouvido, sensibilidade aos ritmos de ambas as línguas e uma escrita rica e elegante em português. Em alguns casos felizes de colaboração como o desta produção o diretor e os atores puderam consultar o tradutor sobre problemas de dicção ou, durante os ensaios, um ator podia manifestar a sua dificuldade em pronunciar uma palavra em particular e o tradutor tentava encontrar outra que também servisse o texto. Assim, os atores poderiam trabalhar em um texto que foi adaptado à sua própria dicção e ao projeto do diretor. Quando vamos ver uma peça ouvimos o texto uma vez. Não podemos folhear o livro para trás para perceber melhor ou apreciar de novo uma frase. Por isso, a importância de dicção. Mas nesta produção especial, o público pode ter uma maior interação com o texto. Ele era-lhe mais acessível. Como os atores representavam, o texto era projetado em quatro telas permitindo ao público sentado à mesa seguir o texto. Permitia também quando houve oportunidade que o público tomasse a voz de

O CONTO DE INVERNO

um personagem e dissesse as falas desse momento, tendo assim parte ativa naquele repasto teatral. Não esqueçamos também que as pessoas com dificuldades auditivas podiam assim acompanhar a representação porque lhes era possível ler o texto dito. Este esforço de cooperação com o público - a oportunidade de o público intervir na peça - como Marcos Barbosa referiu foi exigente e mais esgotante para os atores dado que tendo de partilhar tanto o espaço cénico como as falas com o público os retirou da sua zona de conforto profissional. Para o público foi um momento de empoderamento e de responsabilização. Quando Edmund ataca o pai, todos somos cúmplices daquele crime. Este tema, o da hospitalidade da tradução, é aqui levado a este outro nível de partilha, a difícil tarefa dos atores, a generosa proposta do encenador e a mais exposta posição do tradutor que teve patente a sua versão do texto, oral e por escrito, dando-se assim ao escrutínio do público por duas vezes. Num tempo em que discutimos e ensaiamos novos modos de vivermos no nosso mundo global, gerando espaços de hospitalidade como formas de sobrevivência física (a dos refugiados) e moral (a dos nossos princípios e valores), é muito salutar ver que em Guimarães se ensaia essa partilha de espaço e de voz a todos os cidadãos. Filomena Louro, professora da Licenciatura em Teatro da Universidade do Minho

O Conto de Inverno exibe algum do verso mais complexo de toda a obra de Shakespeare, mesmo contando as grandes tragédias, e seguiu-as no curso da obra.

Pertence à série derradeira dos “Romances”, peças inspiradas no folclore intemporal dos contos moralizantes que recuam à antiguidade britânica ou clássica, esta última neste caso. A peça não costuma ser valorizada pela sua intensa carga política, e realismo das suas crueldades, mas antes como um conto admonitório algo fantasioso sobre os males do ciúme e sobre a energia renovadora que a Natureza concede a todas as reconciliações. A carga política fala-nos com maior intensidade se, como Arthur Schitzler, acharmos que “Épocas em que a verdade pode não só tornar-se perigosa para aqueles que a dizem mas também para aqueles que a escutam, são profundamente doentias.” A esta luz, a fábula deixa de ser um devaneio sentimental para entreter a corte (assim foi encomendada), mesmo se algo sombrio, e passa a ser um ensaio arriscado sobre a tirania na sua própria casa. Assim a viu o ensaísta Jonathan Bate, por exemplo, que viu nela esta interrogação que só nos pode ser próxima: “Quão longe poderá um conselheiro ir – ou já agora um dramaturgo, cujas obras são montadas na corte –, no dizer de verdades que os chefes não querem ouvir?” Fernando Villas-Boas, tradutor


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