Jornal Festivais Gil Vicente | 2015

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Guimar達es 4-13 junho


A vitalidade do teatro contemporâneo e a sua importância nas nossas vidas, pode encontrar-se nesse exercício do olhar que retira do palco estórias que nos ensinam aquilo que ainda não sabemos sobre nós próprios e sobre os outros. Ou num sentido mais grandioso, o quanto da vida... o teatro ainda tem para nos contar. Pensar o programa para um dos Festivais de maior longevidade no país, implica (também) tentar caracterizar esse mesmo país de forma profunda, através do mapeamento das ideias e do estado da sua criação atual, projetando para os vários palcos de apresentação a exploratória diversidade atribuída à obra de Gil Vicente. Na verdade, lendo o elenco facilmente identificamos várias propostas que sugerem a renovação desse olhar sobre a sociedade atual e por inerência sobre nós próprios, quer a partir da utilização de textos históricos e portanto já existentes, mas portadores de uma certa visão intemporal do mundo, quer pela tentativa de produção de novas dramaturgias resultantes de trajetos de vida que nos transmitem ensinamentos importantes a descodificar, sobretudo neste tempo de acentuada mudança permanente. A intervenção social que devemos ao teatro e a desejada capacidade de construir uma sociedade melhor, mais preparada e mais coesa, encontra nesta edição de 2015 um momento de afirmação, porque nos permite através da luz e da sombra, da palavra e do silêncio, da presença e da ausência, entender o todo e aprender a tolerar cada vez mais o desconhecido, abraçando-o como matéria que reclama novas formas. As imensas possibilidades da criação contemporânea jogam-se agora pelas mãos de uma geração de artistas que, abertos à transformação do país e do mundo, transportam para dentro das suas composições um inconformismo estético e um discurso que ora levanta questões ora repõe a necessidade de produzir respostas.

Reservemos, então, o nosso lugar na celebração desta arte, por vezes intensamente real, que nos fará viajar pela experiência de um processo marcante chamado “I Don’t Belong Here” com a condução de Dinarte Branco, permitirá reencontrar Virginia Woolf através da multidisciplinar e andrógina peça “Orlando” (cocriação Sara Carinhas e Victor Hugo Pontes) e provocará a interação no “Círculo de Transformação em Espelho” pelo Teatro Oficina. Na segunda parte dos Festivais, em “Fausta”, formaremos plateia para ouvir uma mulher narrar a sua vida após a morte pela voz de dois homens (Pedro Gil e Tonan Quito), numa peça encenada a partir da reescrita do livro de Patrícia Portela “O Banquete”. Assistiremos em “Oslo” (cocriação de Mickaël de Oliveira e Nuno M Cardoso) a uma tentativa de viver sem perda, num quadro que projeta a relação entre uma mãe de cuidados obsessivos e a sua filha, cujo estado é enigmático. E o pano cairá sobre o programa central, não sem antes a dramaturgia de Shakespeare deixar a sua marca na premiada peça de Tiago Rodrigues, “António e Cleópatra”, numa abordagem contemporânea sublimada pelas prestações de Sofia Dias e Vítor Roriz. Este ano, os Festivais Gil Vicente estabelecem uma relação muito direta com o curso de Teatro da Universidade do Minho, através da integração do programa “Andando”, que causará natural extensão do arco temporal da sua realização. Valorizamos (também) por esta via a formação e a profissionalização futura desta área artística, importante para a cidade e o país. Rui Torrinha

The vitality of contemporary theatre and its importance in our lives can be found in the exercise of reflection in which stories taken from the stage become vehicles for teaching us things that we do not know about ourselves and about others, or in a grander vein, about life…and what the theatre has yet to show us. Thinking about the programming for one of the longest running Festivals in Portugal implies (as well) the attempt to characterize the country in a deeper way through the mapping of ideas and the current state of creative activity and via the projection onto the stage of the exploratory diversity attributed to the works of Gil Vicente. Indeed, in reading this year’s offerings we can easily identify various works which hint at the renewal of this perspective on today’s society and of course on ourselves, be it with the use of historic texts and thus already existent but the conveyers of a timeless view of the world, or be it in the endeavors of new playwrights whose work is the result of a life path which holds important lessons to be decoded, especially in our present day so marked by continuous and marked change. In the 2015 edition of the Festival, the intervening social nature which we ascribe to the theatre and its desired capacity to build a better, more prepared and more cohesive society will find a moment of affirmation since it allows us – through light and darkness, the spoken word and silence, through presence and absence – to understand wholeness and to increasingly endure the unknown, embracing it as something which calls out for new forms. The immense possibilities open to the creative process is now in the hands of a generation of contemporary artists who, open to the transformation of the country and the world, have instilled in the core of their compositions a type of non-conformist aesthetic and a discourse which raises questions and requires answers. Let’s then reserve our place in this celebration of art, at times intensely real, which will take us on a journey through the experience of a remarkable process called “I Don’t Belong Here” with Dinarte Branco, or which will allow us to reencounter Virginia Woolf via the multidisciplinary and androgynous work, “Orlando” (a co-creation of Sara Carinhas and Victor Hugo Pontes), and which will provide a spark of interaction in “Círculo de Transformação em Espelho” by the Teatro Oficina. In the second part of the festivals, with “Fausta,” we will be the audience to observe a woman telling the story of her life after death in the voice of two men (Pedro Gil and Tonan Quito), in a play taken from the rewriting of the Patrícia Portela book, “O Banquete.” In “Oslo” (a co-creation of Mickaël de Oliveira and Nuno M Cardoso) we see an attempt to live without loss, in a portrait which projects the relationship between an obsessive mother and her daughter, whose state is quite enigmatic. And to round things off, nothing less than Shakespeare to leave his mark with the award-winning show by Tiago Rodrigues, “Anthony and Cleopatra,” in a contemporary retelling featuring performances by Sofia Dias and Vítor Roriz. This year, the Gil Vicente Festival has established a particularly close relationship with the Theatre Arts students at Minho University with the inclusion of the program, “Andando,” bringing their efforts to fruition with a public performance. Thus, we (also) place value on the professional training of the future generation of artists, which is so important for the city. Rui Torrinha


Programa P04

Atividades Paralelas

QUINTA 04 · 22H00 · CCVF · PEQUENO AUDITÓRIO

QUINTA 04 · 15H00 · PAC · PRAÇA

I Don't Belong Here

Atividário Teatro Apresentação Ricardo Henriques e André Letria

Dinarte Branco e Nuno Costa Santos

QUINTA 04 · CCVF · PEQUENO AUDITÓRIO

P06

Após o espetáculo “I Don't Belong Here”

SEXTA 05 · 22H00 · PAC · BLACK BOX

Há conversa com… Dinarte Branco

Orlando

SÁBADO 06 · 15H00 · CCVF · GRANDE AUDITÓRIO (PALCO)

Sara Carinhas e Victor Hugo Pontes

P07

Ensaio Aberto “Círculo de Transformação em Espelho”

SÁBADO 06 · 22H00 · CCVF · GRANDE AUDITÓRIO (PALCO)

Círculo de Transformação em Espelho Teatro Oficina

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Teatro Oficina

QUARTA 10 · 19H00-22H00 · CCVF · SALA DE ENSAIOS

Masterclasse com Mickaël de Oliveira “Escrever para o Palco”

QUINTA 11 · 22H00 · CCVF · GRANDE AUDITÓRIO (PALCO) QUINTA 11 · CCVF · GRANDE AUDITÓRIO

Fausta

Após o espetáculo “Fausta”

Há conversa com…

Tonan Quito e Pedro Gil

Tonan Quito e Pedro Gil

SÁBADO 13 · 19H00 · CCVF · CAFÉ CONCERTO

P10

SEXTA 12 · 22H00 · PAC · BLACK BOX

Oslo - fuck them all and everything will be wonderful Mickaël de Oliveira e Nuno M Cardoso

Debate sobre o teatro contemporâneo: a nova geração, sua formação e locais de apresentação DURANTE O FESTIVAL · CÍRCULO DE ARTE E RECREIO

Meeting Point

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SÁBADO 13 · 22H00 · CCVF · PEQUENO AUDITÓRIO 30 MAIO A 19 JUNHO · VÁRIOS LOCAIS

António e Cleópatra

Andando II Mostra de Trabalhos de Escolas de Arte / Guimarães

Tiago Rodrigues / Mundo Perfeito

ASSINATURA FESTIVAIS GIL VICENTE 2015 25,00 eur Acesso a todos os espetáculos + 1 visita às exposições patentes no Centro Internacional das Artes José de Guimarães + parque de estacionamento gratuito em dias de espetáculo

PREÇOS COM DESCONTO (C/D) Cartão Jovem, Cartão Jovem Municipal, Menores de 30 anos e Estudantes Cartão Municipal de Idoso, Reformados e Maiores de 65 anos Cartão Municipal das Pessoas com Deficiência; Deficientes e Acompanhante Sócios do CAR – Círculo de Arte e Recreio Cartão Quadrilátero Cultural_ desconto 50%

VENDA DE BILHETES oficina.bilheteiraonline.pt www.ccvf.pt Centro Cultural Vila Flor Plataforma das Artes e da Criatividade Multiusos e Complexo de Piscinas de Guimarães Espaço Guimarães Lojas Fnac, El Corte Inglés, Worten Entidades aderentes da Bilheteira Online


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE

QUINTA 04 · 22H00 · CCVF · PEQUENO AUDITÓRIO

I Don't Belong Here Dinarte Branco e Nuno Costa Santos

“I Don´t Belong Here” parte das memórias e da experiência de repatriamento para o arquipélago dos Açores de cidadãos portugueses que cresceram nos EUA e no Canadá. AUTORIA Dinarte Branco e Nuno Costa Santos

ENCENAÇÃO Dinarte Branco

TEXTO Nuno Costa Santos, Dinarte Branco, António Brum, Cláudia Gaiolas, José Leandro, Luís de Sousa, Paulo Pacheco, Tiago Nogueira, Zita Almeida

INTERPRETAÇÃO António Brum, Cláudia Gaiolas, José Leandro, Luís de Sousa, Paulo Pacheco* , Tiago Nogueira, Zita Almeida

VÍDEO Paulo Abreu

LUZ Feliciano Branco

SONOPLASTIA Sérgio Gregório

MÚSICA "Folsom Prison" (Letra, Johnny Cash), "Hoochie coochie Man" (Instrumental, Muddy Waters), "I fought the law" (Versão 1966, Letra e Música, Bobby Fuller), "1/1" (5 min., Brian Eno, Rhett Davies, Robert Wyatt – Album Ambient 1: Music for Airports)

ASSISTÊNCIA DE IMAGEM E SOM Francisco Rosas, Marco Moreira, Paulo Lima

CENOGRAFIA E FIGURINOS Paulo Oliveira

CONSTRUÇÃO CENOGRÁFICA Decor Galamba

APOIO AOS FIGURINOS Ana Teresa Castelo

PRODUÇÃO Pedro Pacheco, Alexandra Libânio e João da Ponte

UMA PRODUÇÃO © José Frade

Molloy Associação Cultural

PRODUÇÃO ASSOCIADA AGECTA / Moby Dick Produções

COPRODUÇÃO

Teatro Micaelense, O Espaço

do Tempo, Teatro Maria Matos, Teatro Nacional de São João, Centro Cultural Vila Flor, Teatro Viriato

APOIO Rede 5 Sentidos, Fundação AMI, Governo dos Açores

PARCERIA Observatório dos LusoDescendentes, Associação Novo Dia

PATROCÍNIO SATA, Grupo Bensaude, Açoreana Seguros

APOIO À PRODUÇÃO Câmara Municipal da Ribeira Grande, Cresaçor, ANA Aeroportos de Portugal – Direção dos Aeroportos dos Açores, Direção Regional de Turismo – Delegação de Turismo dos Açores em Lisboa

AGRADECIMENTOS António Castro Freire, António Vieira Bizarrão (Mestre "Baiboia"), Associação ARRISCA, CLA-Ribg Universidade Aberta, Carolina Queiroz, Diana Diegues, Francisco Albergaria, Nô Coutinho, Paulo Fontes, Quinta da Falésia (São Vicente Ferreira), Quinta do Norte, Restaurante O Emigrante (Capelas), Restaurante O Solar do Rei dos Frangos (São Vicente Ferreira), Restaurante Pharmacia (Lisboa), Ricardo Reis, RTP-Açores, Rui Faria, Sofia Motta

DURAÇÃO 120 min. aprox. s/ intervalo Espetáculo em Português e Inglês, sem legendagem Maiores de 12

PREÇO 7,50 eur / 5,00 eur c/d *Após falecimento, a participação de Paulo Pacheco neste espetáculo acontece através de imagens vídeo.

“I Don´t Belong Here” é um projeto artístico sobre a problemática da deportação, construído de base, sob o ponto de vista do conceito, da dramaturgia e da encenação, com os próprios deportados e no qual eles são protagonistas. Não é um olhar de fora. É um olhar conjunto, feito do cruzamento – criativo e pessoal – das experiências de quem foi deportado e dos restantes agentes artísticos envolvidos, habituados a trabalhar coletivamente. A singularidade estética do espetáculo advém de um dado essencial: em palco vão estar homens e mulheres que foram expulsos dos EUA e do Canadá, depois de terem cumprido penas de prisão, e foram viver para uma espécie de pátria estrangeira – o sítio onde nasceram, mas no qual não se sentem em casa. São os seus rostos e os seus corpos que estão na linha da frente, a interpretar textos e quadros criados a

partir das suas experiências, das suas histórias, dos seus medos, dos seus desejos. Daquilo que foram, daquilo que são e daquilo que querem ser. São eles que dão a cara por aquilo que viveram e vivem. É a sua capacidade expressiva verbal e corporal que está em jogo, num movimento que tem tanto de corajoso como de catártico. “I Don´t Belong Here” inclui representações de instantes vividos pelos próprios, interpretações em conjunto de hinos sobre a pertença orgânica e emocional a uma terra e coreografias em palco a partir de desportos que praticaram enquanto cresceram. O espetáculo só cumprirá a sua potência máxima como resultado de um trabalho que começou com as primeiras partilhas de experiências e que só terminará no fim da digressão nacional.


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE Expulsos de Casa O processo de trabalho de “I Don´t Belong Here” começou através de contactos pessoais, feitos em agosto de 2013, na ilha de São Miguel, com aqueles que iriam formar um alargado grupo de deportados do qual foram escolhidos cinco elementos para entrar num espetáculo sobre a sua experiência de deportação. Contacto a contacto, conversa a conversa, história a história, fomos conhecendo os seus percursos e o modo como as suas vidas foram sendo conduzidas para zonas de marginalidade. Fomos sabendo o que cada um era antes de deportação. O que cada um passou a ser depois da deportação, segunda pena para quem já havia cumprido anos de prisão pelos crimes que cometeu. Sem um trabalho feito com tempo, desenhado a partir de workshops vários e contactos muitos, seria impossível atingir o nível de proximidade a que se chegou. Trabalhar artisticamente a partir das vidas de seres humanos é uma tarefa delicada e mais delicada se torna quando esses seres humanos estão numa situação de desconforto extremo, longe da comunidade onde criaram uma identidade pessoal, e num território insular com vivências e referências culturais muito distantes do caos das cidades onde cresceram. O trilho fez-se trilhando. Com ideias, avanços, dúvidas, decisões. Que permitem que as histórias sejam sempre contadas de um modo diferente em cada sessão, que abre espaço para que surjam novas ideias durante a recriação de instantes que os próprios deportados viveram. A participação de todos os envolvidos no projeto no desenho da peça foi, é e será sempre efetiva até ao fim da tournée. Mesmo tendo um chão, foi sendo construído depois de conversas, entrevistas, experiências. E está sempre a ser renovado. Como é sempre renovado o modo como cada um se conta ao mundo. São sete atores em palco. Dois profissionais, Cláudia Gaiolas e Tiago Nogueira. E cinco pessoas que expõem corajosamente a sua solidão, a sua dor, a saudade que têm dos seus, mesmo que aqui e ali sublimadas por elementos coreográficos ou pelo humor. Os seus nomes: António Brum, Tony; José Manuel Carvalho Leandro, Joe; Luís Alberto Botelho de Sousa, Louie; Paulo Maria de Almeida Pacheco, Paul; Zita Maria Costa Almeida, Zita. “I Don´t Belong Here” é, no fim de contas, sobre a não-pertença e a pertença. A não-pertença a uma terra onde se foi obrigado a viver. A pertença à casa da qual se foi expulso. Essas circunstâncias extremas e os dolorosos sentimentos que provocam em quem cumpre a dupla pena da deportação são a base do espetáculo que agora se apresenta. Dinarte Branco e Nuno Costa Santos

are in the front line acting texts and pictures created on the basis of their experiences, their stories, their fears and their desires. What they were, what they are and what they want to be. They are there representing how they have lived and how they are living. It is their verbal and corporal expression skills that are at stake in a movement that is a courageous as it is cathartic. “I Don't Belong Here” includes depictions of the experiences that these performers went through, interpretations done together of songs of the organic and emotional sense of belonging to a country, and choreographies done on stage based on the sports they practiced when they were growing up. The show will culminate in the achievement of a show which began with the simple sharing of experiences and which will go on a national tour.

Direitos Reservados

“I Don't Belong Here” is an artistic project on the issue of deportation, an original piece and built upon the premise that the concept, playwriting and staging is all to be done by the very people who were deported and to depict all that they went through. It is not the perspective of the outsider. It is a joint work, a perspective drawn from the intersection of experiences – both creative and personal – of those who were deported as well as other agents involved in the story and accustomed to working collectively. The aesthetic singularity of the show comes from an essential piece of information. The men and women on the stage were deported from the United States or Canada after serving prison sentences and went to live in a kind of foreign homeland - the place where they were born but not a place where they feel at home. It is their faces and their bodies that

Driven from their homes The working process underlying “I Don´t Belong Here” began in August of 2013 when certain personal contacts were made on the island of São Miguel with people – who would later make up the much larger group of Portuguese deportees – from which five were chosen to perform in a show based on their experience of deportation. Person to person, conversation to conversation, story to story, we came to know about the paths which brought them to this predicament, and what happened in their lives that led them toward the wrong side of the law. We discovered what each one was like before the deportation. What each one became following the deportation, a sort of second punishment for someone who had already spent years in prison for the crimes he had committed. Without the benefit work done over time and carried out via various workshops and many sessions it would have been impossible to reach the level of closeness which we achieved. Creating an artistic work based on the lives of real people is a delicate undertaking, one which becomes even more so when these are human beings who have gone through situations of extreme discomfort, far away from the community where they fashioned their personal identities and relegated to the Azores where lives and cultural references are worlds apart from the chaos of the cities where they grew up. The path is trod by walking on it. With ideas, advances, doubts and decisions. Which allow the stories always to be told in a different way each session, which allows for the opening of a space so that new ideas can emerge during the reenactment of those moments which the deportees experienced. The participation of everyone involved in the project in terms of designing the play has been, is and will be ongoing, continuing to the end of the tour. Even with the present foundation, more has been built upon it as a result of many conversations, interviews and shared experiences. And it is always being renewed. Just as the way each one of us is always renewing how we narrate ourselves to the world. There will be seven actors on stage: two professionals, Cláudia Gaiolas and Tiago Nogueira, and five others who will courageously expose their loneliness, their pain, their longing to be with their families, interspersed here and there with bits of choreography or humor. Their names are: António Brum (Tony), José Manuel Carvalho Leandro (Joe), Luís Alberto Botelho de Sousa (Louie), Paulo Maria de Almeida Pacheco (Paul), Zita Maria Costa Almeida (Zita). In the end, “I Don´t Belong Here” is about not-belonging and belonging. Not-belonging to a country where they have been forced to live. Belonging to a home where they were driven out. These are the extreme circumstances and the pain-filled emotions of those serving a double sentence via this deportation and they are the basis of the performance we present. Dinarte Branco and Nuno Costa Santos


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE

SEXTA 05 · 22H00 · PAC / BLACK BOX

Orlando Sara Carinhas e Victor Hugo Pontes

“Orlando”, de Virginia Woolf, é uma biografia fábula de um ser que nasce homem e, a meio da sua vida, acorda mulher. Quando interrompeu a escrita trágica de “As Ondas”, Virginia Woolf escreveu “Orlando”, história de uma personagem cuja juventude inabalável se mantém ao longo de quatrocentos anos. Para Cecília Meireles, «sucessivamente homem e mulher, Orlando representa a experiência do indivíduo nas diferentes situações em que a natureza o coloca no mundo». Sara Carinhas e Victor Hugo Pontes aceitaram o mútuo desafio de pôr em cena a coreografia deste corpo ficcional, a recriação deste mundo e as questões de género e de tempo, num solo que é a cartografia biográfica da personagem, mas que será e não será o texto de Woolf.

COCRIAÇÃO E DIREÇÃO Victor Hugo Pontes COCRIAÇÃO E INTERPRETAÇÃO Sara Carinhas CENOGRAFIA F. Ribeiro DESENHO DE LUZ Wilma Moutinho MÚSICA ORIGINAL Rui Lima e Sérgio Martins Figurinos Mariana Sá Nogueira

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO Joana Ventura PRODUÇÃO Executiva Jesse James COPRODUÇÃO Nome Próprio e Teatro Municipal do Porto Rivoli

APOIO À RESIDÊNCIA ARTÍSTICA

Companhia Olga Roriz, O Espaço do Tempo

APOIOS Ao Cabo Teatro, Companhia Instável, Teatro Nacional D. Maria II e Teatro Nacional São João

AGRADECIMENTOS Cristina Carvalhal, Madalena Alfaia e Sano de Perpessac

PROJETO FINANCIADO PELA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN DURAÇÃO 60 min. aprox. s/intervalo Maiores de 12

© José Caldeira

PREÇO 7,50 eur / 5,00 eur c/d

When she interrupted the tragic writing of “The Waves", Virginia Woolf wrote “Orlando”, a story of a character who does not age for four hundred years. Cecília Meireles writes, "First a man and then a woman, Orlando represents a person's experience in different situations in which nature places

the world". Sara Carinhas and Victor Hugo Pontes accepted the mutual challenge of producing the choreography of this fictional body, the recreation of this world and the issues of gender and time in a solo that is the character's biographical map, which may not be Woolf's text.

1. Que poder exerce um livro sobre aquele que o lê? Orlando de Sara Carinhas e Victor Hugo Pontes é um ato de leitura. Isto não pressupõe neutralidade, agnosticismo, na transposição do romance de Virginia Woolf para a cena. Aquele que lê, age: interpreta, seleciona, associa. Compõe um texto próprio com a matéria do texto que tem diante de si; cruza-o com o que estudou ou sonhou, viveu ou inventou. Toma posse do texto: faz dele carne da sua carne. Nas mãos da Sara e do Victor, Orlando de Virginia Woolf lembra os objetos transicionais de que fala o psicanalista inglês Winnicott: um cobertor, um urso de peluche de que a criança não se separa, que ama, leva à boca, danifica. Diz Antoine Compagnon que esse é o estatuto do verdadeiro livro de cabeceira: aquele que gostaríamos de ter sempre connosco, que não emprestamos, que cobrimos com as nossas marcas e os nossos sinais. Poderia outra coisa ser mais conforme ao espírito de Virginia Woolf? Ao inserir Orlando no cânone ocidental, Harold Bloom desdenhou da crítica feminista, mas encontrou no “amor à leitura” a melhor expressão do feminismo da escritora. Diz Bloom que é possível que outros grandes escritores do século XX tenham amado a leitura tanto quanto Woolf, mas nenhum “expressou essa paixão de modo tão memorável e proveitoso quanto ela”. 2. Orlando lida com o nascimento e a morte, a criação e a destruição. A estufa em que acontece é um Éden miniatural. Nele, é criado não um casal – um homem e uma mulher – mas um ser andrógino, alguém que é, à vez, homem e mulher. Mas o pequeno jardim suspenso é também sepultura, da qual se exumam cadáveres: não já a caveira de Yorick, mas os ossos de uma mão, ainda que esta nos possa dizer tanto do proprietário de que foi alienada. Beatitude e luto, gravidade e graça. Et in Arcadia ego. Talvez por isso este Orlando nos pareça tchekhoviano, o que não deve surpreender. Um crítico notou que há uma Virginia Woolf antes de ler Tchékhov e uma outra depois. 3. Água, terra, fogo, ar: os quatro elementos compõem a matéria deste Orlando. A água do pequeno lago, a água invisível em que voga o batel da infância, a água de um degelo cardíaco; a terra em que reverdecem plantas, a terra que se cola ao corpo, sinal de uma origem e de um destino; o fogo que queima as páginas de um livro; o ar que a dança desloca, o ar que as palavras de Woolf reclamam. Tudo é elementar, rarefeito: raro. Nenhuma ambição de reproduzir o carrossel imagético do romance. Mas nos escassos centímetros de terra deste jardim, podemos encontrar uma imprevista profundidade; nas águas rasas do laguinho, podemos navegar para longe. Empregamos metáforas – porventura gastas. Como a metáfora, que Virginia Woolf cultivou como um poeta, a dança é uma linguagem de uma poderosa incerteza. 4. “Estou só.” É a primeira frase que Orlando profere no romance. Que outro modo de nos dar a ver Orlando que não na sua radical solidão? Sara Carinhas e Victor Hugo Pontes oferecem-nos um solo. Quer dizer: como Novalis, estão sós com tudo aquilo que amam. Pedro Sobrado, 08 de abril de 2015 1. What power does a book wield over the person who is reads it? Orlando by Sara Carinhas and Victor Hugo is an act of reading. This does not presuppose neutrality or agnosticism in the transposition of Virginia Woolf’s novel to the stage. He who reads, acts: he interprets, selects, associates. He composes his own text from the textual material he has in front of him. He crisscrosses it with what he has studied, lived through or has invented. He take possession of the text: he makes it flesh of his flesh. In Sara and Victor’s hands, Virginia Woolf’s Orlando reminds us of the transitional objects which the English psychoanalyst Winnicott speaks of: a child’s blanket and a teddy bear, the ones which he loves, chews on, and ruins and is inseparable from. Antoine Compagnon says that this is the status of a true bedside book: the one which we always want to have nearby, the one we never lend out, the one we cover with our marks and scuffs. Might there be anything else so fitting to the spirit of Virginia Woolf? By placing Orlando in the Western Canon, Harold Bloom shows disdain for feminist criticism but has found in the “love for reading” the best expression of the writer’s feminism. Bloom goes on to say that it may be that other great 20th century writers loved reading as much as Woolf but that no one “has expressed that passion so memorably and usefully as she did.” 2. Orlando read as life and death, creation and destruction. The greenhouse where this takes place is a miniature Eden. In it, there is no couple created – no man and woman – but rather an androgynous being, someone who is both man and woman at the same time. But this little hanging garden is also a tomb from which bodies are exhumed: this is not just Yorick’s skull but the bones of a hand, even one which can tell us so much about its owner. Happiness and mourning, gravity and grace. Et in Arcadia ego. It is perhaps because of this that Orlando seems Chekhovian to us, something which, in fact, is not surprising. A critic once noted that there is a Virginia Woolf before you read Chekhov and another after you read him. 3. Earth, air, fire, water: the four elements are what make up this Orlando. The waters of a small lake, the invisible water on which a child’s boat goes floating, the water that unfreezes the heart; the earth in which plants sprout, the earth which sticks to the skin, the sign of an origin and of a destination; fire is what burns the pages of a book; the air that dances moves, the air that Woolf’s words entreat. Everything is elementary, rarified: rare. No ambition to reproduce the carousel of images of the novel. But in the scant few centimeters of earth which is this garden, we can come across something of unexpected depth; in the still waters of the pond we can sail off and sail far away. We have employed metaphors, perhaps worn out and threadbare. As in the metaphor, which Virginia Woolf cultivated as a poet, the dance is a language of powerful uncertainty. 4. “I am alone.” This is the first sentence that Orlando speaks in the novel. What other way to show Orlando in his deepest loneliness? Sara Carinhas and Victor Hugo Pontes offer us a solo work. Or better put: as with Novalis, they are alone with all that they love. Pedro Sobrado, 08 April 2015


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE

SÁBADO 06 · 22H00 · CCVF / GRANDE AUDITÓRIO (PALCO)

Círculo de Transformação em Espelho Teatro Oficina TEXTO Annie Baker

ENCENAÇÃO Marcos Barbosa

TRADUÇÃO Manuel Neto

INTERPRETAÇÃO Alheli Guerrero, André Júlio Teixeira, Diana Sá, Marcos Barbosa e Teresa Coimbra

CENOGRAFIA Ricardo Preto

DESENHO DE LUZ Pedro Vieira de Carvalho

FIGURINOS Susana Abreu

SONOPLASTIA Pedro Lima

PRODUÇÃO EXECUTIVA Teatro Oficina

DURAÇÃO 1h50 min. aprox. s/intervalo Maiores de 12

© Paulo Pacheco

PREÇO 7,50 eur / 5,00 eur c/d

Em “Círculo de Transformação em Espelho”, cinco atores convidam o público a participar num exercício teatral e somos todos testemunhas e vítimas de uma transformação comum. Numa pequena cidade, a abertura de um curso de teatro desperta o interesse de um carpinteiro recentemente divorciado, de uma estudante de liceu, de uma antiga atriz e do próprio marido da professora, que nele se inscrevem, compondo a mais improvável das turmas. Como num divertido filme indie que progressivamente se revela, os participantes realizam os imaginativos (e, por vezes, estranhos) exercícios teatrais pensados pela professora, sem se aperceberem de que, à medida que a sua relação evolui, as atividades letivas aparentemente inconsequentes dão lugar a dramas reais, de que são os protagonistas.

“Círculo da Transformação em Espelho”, de Annie Baker, é uma peça com um título complicado para explicar uma coisa simples. Cinco atores num exercício teatral convidam o público a participar e somos todos testemunhas e vítimas de uma transformação comum. Este espetáculo ganhou o Prémio Obie para Melhor Peça de Teatro Americana de 2010, integrando também as listas de referência do The New York Times e da The New Yorker para o mesmo ano. Produção de 2014 do Teatro Oficina, “Círculo de Transformação em Espelho” estreou no 31º Festival de Teatro de Almada onde foi aclamado pela imprensa internacional, nomeadamente pelo The Guardian.

In a small town, the opening of a drama class attracts a recently divorced carpenter, a high-school student, a former actress and the teacher's husband, all of whom enroll to form the most unlikely class. Unfolding like a funny indie film, the group plays the teacher's imaginative (and sometimes awkward) theatre games. But as their relationships develop over the course of the summer, the seemingly silly games

This show won the Obie Award for the Best American Theatre Play of 2010 in addition to being listed by the New York Times and New Yorker magazine the same year. A 2014 production of Teatro Oficina, "Circle Mirror Transformation" premiered at the 31st Almada Drama Festival, where it was acclaimed by the international press, namely by The Guardian.

generate some real-life drama without realizing that, as their relationships develop, the seemingly silly classes give way to some real-life drama. Annie Baker’s “Circle Mirror Transformation” is a play with a complicated title which explains simple things. Five actors in a theatrical exercise invite the audience to participate and we all then become witnesses of and fall victims to a collective transformation.

Os últimos tempos do Teatro Oficina têm sido marcados por uma questão que não é apenas artística, e que me parece que marca os tempos que vivemos. Não sei qual é a palavra certa, talvez “envolvimento” descreva com alguma aproximação esta necessidade da nossa criação estar mais presente no quotidiano das pessoas, questionando quer esse quotidiano, quer o próprio teatro em si. Esta peça da Annie Baker, que escolho encenar, após um primeiro impulso de fazer “The Flick” – que acaba de receber o Pulitzer –, vem na continuidade de um teatro que procura uma maior proximidade com o público, não na tentação da espetacularidade, mas de uma procura da verdade na relação corpo-silêncio-palavra. Ou seja, vem do nosso último Shakespeare, da vertigem da linguagem, que aqui se transforma num teatro de silêncios cortados por palavras que invadem este círculo e nos obrigam a uma alteração nas relações. Depois de Will Eno, Jenny Schawrtz e Sheila Callaghan, o Teatro Oficina continua esta partilha com o teatro português, daquilo que de novo e relevante se vai escrevendo noutras paragens. No “Círculo da Transformação em Espelho” da Annie Baker. Marcos Barbosa, março de 2014 Recently, the Teatro Oficina has come to be marked by a question that is not just artistic in nature, and one that seems to me to be an indication of the times we are living in. I don’t have the right word for it, maybe “involvement” comes closest to describing this need our playwrights feel to be more present in the daily lives of people, probing into be it their daily routine or be it the theatre inside of them. The Annie Baker play which I have chosen to stage – following my first impulse to put on “The Flick” which has just won the Pulitzer – shows the continuity of the theatre which strives for a greater nearness to the audience, not tempting with showmanship but instead with the search for truth in the relationship of body-silence-spoken word. In other words, it comes from our ultimate Shakespeare, from the vertigo of language, which is transformed into a theatre of silences that are cut by words which invade this circle and oblige us to change our relationships. After Will Eno, Jenny Schwartz and Sheila Callaghan, Teatro Oficina continues this sense of sharing of that which is new and relevant with the Portuguese theatre, and that which will be written along the way. Marcos Barbosa, March 2014


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE

QUINTA 11 · 22H00 · CCVF / GRANDE AUDITÓRIO (PALCO)

Fausta Tonan Quito e Pedro Gil

A partir do romance “O Banquete”, de Patrícia Portela, Pedro Gil e Tonan Quito autopsiam uma mulher que narra a sua vida depois de morta. “Fausta” nasce de um desafio lançado pelos atores Pedro Gil e Tonan Quito à escritora Patrícia Portela. O espetáculo tem como ponto de partida o mais recente romance da autora, “O Banquete”, editado pela Caminho. A partir de uma seleção de excertos do livro, pretende-se reescrever a história de uma Fausta e das suas trocas diárias de almas. Em “Fausta”, o público reúne-se para ouvir uma mulher que narra a sua vida depois de morta na voz de dois homens. “Para desvendar todos os segredos, precisamos de reunir a história toda, as histórias todas… deste corpo que comporta muitos tempos.” Esta é a autópsia de uma narrativa póstuma à procura de um todo impossível. “Fausta” is the result of a challenge to Patrícia Portela from the actors Pedro Gil and Tonan Quito. The starting point of the play is her latest novel “O Banquete”, published by Caminho. The play is based on a selection from the book and rewrites the story of a Fausta and her daily exchange of souls. In “Fausta,” the audience listens to a woman

TEXTO Patrícia Portela a partir do seu romance O Banquete DIREÇÃO ARTÍSTICA E INTERPRETAÇÃO Pedro Gil e Tonan Quito FAUSTA Margarida Alice ESPAÇO SONORO Pedro Costa FIGURINOS José António Tenente APOIO À CRIAÇÃO Filipa Matta FOTOGRAFIA DE CENA Mariana Silva COPRODUÇÃO Maria Matos Teatro Municipal, TAGV, Teatro Viriato, Pedro Gil e Tonan Quito, Rede 5 Sentidos

PARCERIA Truta RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS O Espaço do Tempo / Espaço Alkantara APOIO Pro.Dança IMAGEM José F. Azevedo AGRADECIMENTOS Cláudia Gaiolas, Cláudia Galhós, Fernando Gil, Flora Candeias, Luísa Taveira, Mundo Perfeito, Mirró Pereira, Patrícia Costa, Prado, Raquel Castro, Teatro Nacional Dona Maria II

DURAÇÃO 1h40 min. s/ intervalo Maiores de 12

PREÇO 7,50 eur / 5,00 eur c/d

who recounts her life after death in the voice to two men. “To disclose all the secrets, we need to get the whole story together, all the stories… of this body that has experienced many times.” This is the autopsy of a posthumous narrative in search of an impossible whole.


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© MarianaSilva

FESTIVAIS G I L VIC E NTE

Este desafio procurou explorar o cruzamento da escrita dramática com a escrita de palco, a exploração da narração enquanto texto dramático e enquanto matéria de interpretação e de representação, bem como, a exploração de muitos dos temas e recursos formais existentes na obra “O Banquete”, de Patrícia Portela. A partir de uma seleção de capítulos do romance, pretendeu-se reescrever a história de uma Fausta e das suas trocas de almas acentuando a sua condição feminina na voz de dois atores masculinos. O objetivo foi o de procurar formas de performatividade que se encontrassem numa relação dialética e interativa entre o texto literário e a dramaturgia dos próprios atores e não na estrutura interna do guião dramático. O percurso foi o inverso àquele que habitualmente acompanha uma adaptação de um texto para palco quando adaptamos uma estrutura feita para ser lida em silêncio num tempo indefinido, e a transformamos num texto que possa ser lido em voz alta de acordo com uma economia de tempo teatral. Concentrámos a sua reescrita com a intenção de construir uma partitura que evidenciasse a presença dos vários ecos da narrativa para as vozes dos atores que cruzam dois monólogos num mesmo espaço teatral. “De quão pouco precisamos para destruir a vida que temos? De quanto precisamos para mudar? De quão pouco é preciso acontecer para nos transformarmos noutra pessoa?” in O Banquete, de Patrícia Portela The challenge of this play has been to examine the intersection of dramatic writing with stage writing, the exploration of narration as dramatic text and as interpretive and performance material as well as the exploration of many of the themes and formal resources existing in the work “O Banquete” by Patrícia Portela. Based on a selection of chapters from the novel, the idea was to rewrite the story of a ‘Fausta’ and her daily exchange of souls, emphasizing her feminine condition in the voice of two male actors. The goal was to go out in search of performance-based forms which could be found in the dialectic and interactive relationship between the literary text and the dramaturgy of the actors and not in the internal structure of the dramatic script. The path taken was the opposite of that which usually accompanies the adaptation of a text for the stage: we adapt a set structure meant to be read in silence over an undetermined length of time and transform it into a text which has to be read aloud and within the constraints of theatre time. We have condensed the rewriting with the intent to build a composition which gives evidence to the presence of various echoes in the narrative from the actor’s voices which intersect with two monologues in the same theatre space. “How little do we need to destroy the life we have? How much do we need to be able to change? How little has to happen for us to become another person?” From ‘O Banquete’ by Patrícia Portela


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE

SEXTA 12 · 22H00 · PAC / BLACK BOX

Oslo - fuck them all and everything will be wonderful Mickaël de Oliveira e Nuno M Cardoso

Depois de “Boris Yeltsin”, “Oslo” é o segundo projeto de parceria entre o dramaturgo Mickaël de Oliveira e o encenador Nuno M Cardoso.

© Bruno Simão

“Oslo” é uma reescrita de “O Que é Teu Entregou aos Mortais”, texto com que Mickaël de Oliveira venceu o prémio Nova Dramaturgia Maria Matos 2006. É uma peça sobre ”tudo” o que não retrata: a relação entre uma mãe (Mónica Calle), de cuidados obsessivos e a sua filha, cujo estado é enigmático. Ambas vivem numa casa, longe da cidade, visitada por várias pessoas, uma amiga da família (Raquel Castro) e quatro homens (todos representados por Albano Jerónimo) com funções distintas. Todos tentam satisfazer as vontades da casa. O espetáculo é sobre o que escapa ao retrato: uma tentativa de viver sem a perda.

After “Boris Yeltsin,” “Oslo” is the second partnership between the playwright Mickaël de Oliveira and director Nuno M Cardoso. “Oslo” is a rewriting of “O Que é Teu Entregou aos Mortais”, a play with which Mickaël de Oliveira won the 2006 Maria Matos New Drama Award. It is a play about “everything” that it doesn't show: the relationship between an over-protective mother (Mónica Calle) and her daughter, who

is somewhat enigmatic. They live together in a house far from town and are visited by different people: a family friend, (Raquel Castro) and four men (all played by Albano Jerónimo) with different functions. They all try to meet the house's needs. The play is about that which is not portrayed: an attempt to live without loss.

Se eu quisesse ser rigoroso com a cronologia do meu trabalho de escrita, este começa com À espera adeus eu fico (2004) e Hoje fiz amor pela terceira vez (2005), encenados por mim no Teatro Académico de Gil Vicente. Depois destas duas tentativas “escolares”, escrevi O que é teu entregou aos mortais, escrito em 2006 e vencedor do Prémio Nova Dramaturgia Maria Matos. O texto foi publicado, mas seguiu-se imediatamente a intenção de reescrevê-lo, processo concluído em 2014, com a apresentação do espetáculo no Teatro Académico de Gil Vicente (Coimbra), ou seja, em colaboração com a equipa, e publicado em Obra Completa, pela Húmus (Porto). O texto conheceu dezenas de versões, leitura após leitura, sozinho, em voz alta, ou com atores portugueses, belgas, suíços, franceses. O facto de o texto ter sido “testado” várias vezes permitiu lançar as bases para uma reescrita de fundo. O desafio da reescrita foi a de adequar o universo original de Aos mortais, que se ancorava num pathos trágico, para o contexto atual de Oslo em que o pathos se torna cómico e grotesco, sem alterar fundamentalmente a temática que poderia resumir-se em duas palavras – ausência e desapego. Mais do que uma reescrita da história inicial, esta nova proposta (Oslo) incidiu fundamentalmente sobre a forma: criar um monstro e um grotesco cavernoso, um mundo em que só as sombras existem. Oslo tornou-se aos poucos um exercício de escrita sobre a periferia do que somos, inspirado, por um lado, em Platão (Teoria das Ideias) e, por outro, na linguagem, na construção das personagens (utilizando as técnicas do contraste, síntese) e na montagem da ação tão comum em séries de animação como South Park. O projeto último de reescrita aconteceu em Oslo, quando me encontrava com o Nuno M Cardoso, cocriador do espetáculo, a descansar e redesenhar vidas. Olhámos para o texto que tínhamos tendo em conta a equipa que tínhamos convidado – a Mónica Calle para interpretar uma Mãe misteriosa e desejosa; o Albano Jerónimo, que ficou responsável por dar corpo a uma parafernália de papéis masculinos, todos diferentes entre si, alguns justapostos, e a Raquel Castro que ocupava então um lugar singular, de filigrana – a Amiga da mãe. Por outro lado, o José Capela e o Rui Monteiro ofereceram uma plasticidade necessária para uma ideia de encenação reforçar a artificialidade do ambiente criado pelo texto, criando em simultâneo uma casa-instalação: geométrica, luminosa, exígua, para que as cores, a merda (“a coisa mais natural do mundo”) e a desordem se misturassem. Embora o texto oferecesse já várias camadas de leitura e interpretações múltiplas que obrigava a uma forte participação do espetador enquanto dramaturgo, a encenação veio desafiar as categorias do texto, explorando mais ainda o universo turvo meta-teatral e grotesco, assim como expôs a ficção perante um fracasso anunciado – uma autofagia autorreferencial e trágica, porque, afinal: Aquilo que acabo de vos dizer não é nenhuma crítica sociopolítica Este espetáculo não é sobre o consumo ou sobre o facto de querermos matar o Presidente ou querermos ir para Oslo Este espetáculo é sobre o amor que nunca irão conhecer Mas não fiquem tristes, nem levem isso a peito, porque não é nada pessoal Disse-vos isso só para se manterem informados Agora, comam bolo Mickaël de Oliveira

COCRIAÇÃO

If I wanted to be exact with the chronology of my history as a writer, I would have to begin with À espera adeus eu fico (2004) and Hoje fiz amor pela terceira vez (2005), which I staged at the Teatro Académico de Gil Vicente in Coimbra. After these two “college tries,” in 2006 I wrote O que é teu entregou aos mortais which won the Maria Matos New Drama Award. The text was published but immediately afterwards I wanted to rewrite it, a process which came to an end in 2014 with the presentation of the show at the Teatro Académico de Gil Vicente, in other words, in collaboration with the team and published in Obra Completa (Húmus, Oporto). The text went through dozens of versions, reading after reading, read alone, aloud, or with Portuguese, Belgian, Swiss or French actors. The fact that the text was “tested” several times allowed me to set the foundations for an in-depth rewrite. The challenge in the rewriting was to try to fit the original universe of Aos mortais, which is anchored in a tragic pathos, into the current context of Oslo, where the pathos becomes more comic and grotesque, and all without fundamentally altering the thematics, which can be summarized in two words – absence and detachment. More than a rewriting of the initial story, this new work (Oslo) focuses primarily on form: to create a monster, a cavernous grotesque, a world in which only shadows exist. Little by little, Oslo a writing exercise about the periphery that we are, inspired on the one hand by Plato (Theory of Ideas) and on the other hand by language, the construction of characters (using techniques of contrast and synthesis) and by the montage of action so common to us in cartoon series such as South Park. The final rewriting project took place in Oslo where I met with Nuno M Cardoso, co-creator of the show, who was resting and redesigning lives. We looked at the text we had in hand, bearing in mind the team which we had invited – Mónica Calle in the role of the mysterious and eager Mother, Albano Jerónimo, responsible for fleshing out several male roles, all different from each other, some overlapping, and Raquel Castro in a unique role of the Mother’s Friend. In addition, we had José Capela and Rui Monteiro who lent the needed touch for our staging ideas: to strengthen the artificiality of the atmosphere created by the text at the same time creating a type of house-facility, one that is geometric, well-lit, and tiny so that the colors, the shit (“the most natural thing in the world”) and the disarray can all mix. Although the text offers readings on various levels and multiple interpretations that oblige the audience member to participate intensely as a playwright, the staging challenges the categories of the text, exploring even further the murky meta-theatrical and grotesque universe as well as exposes the fiction of an announced failure – a self-referential and tragic sense of autophagy, since, in the end: What I have just told you is no socio-political critique This show is not about consumption or about the fact that we want to kill the President or we want to go to Oslo This show is about love that you will never know But don’t be sad, don’t even take this to heart, because it’s not personal I told you this just to keep you informed Now eat your cake Mickaël de Oliveira

ASSISTÊNCIA DE PRODUÇÃO E DE DIREÇÃO

FOTOGRAFIA AGRADECIMENTOS

TEXTO

Ana Catarina Campos, Pedro Barbosa

Mickaël de Oliveira

COPRODUÇÃO

INTERPRETAÇÃO

Colectivo 84, Cão Danado

Mickaël de Oliveira e Nuno M Cardoso

Albano Jerónimo, Mónica Calle, Raquel Castro

APOIO

FALCK Kaya Michelle

DURAÇÃO 120 min. aprox. s/intervalo

DGArtes e Teatro Académico de Gil Vicente

Maiores de 16

José Capela

LUZ

APOIO NAS RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS

PREÇO 7,50 eur / 5,00 eur c/d

Rui Monteiro

mala voadora, Companhia Olga Roriz

CENOGRAFIA

PRODUÇÃO Executiva Stage One


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© Bruno Simão

FESTIVAIS G I L VIC E NTE


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE

SÁBADO 13 · 22H00 · CCVF / PEQUENO AUDITÓRIO

António e Cleópatra Tiago Rodrigues / Mundo Perfeito

© Magda Bizarro

Se dizemos um dos nomes, o outro surge de seguida. A nossa memória não consegue evocar um sem o outro. Plutarco escreveu que, a partir deles, o amor passou a ser a capacidade de ver o mundo através da sensibilidade de uma alma alheia. Misturaram amor e política e inventaram uma política do amor. São uma história de amor histórico. São um romance baseado em acontecimentos reais frequentemente romanceados.

Shakespeare ergueu-lhes um monumento verbal que transformou na verdade mais verdadeira aquilo que nunca lhes aconteceu. No filme de Mankiewicz que levou a 20th Century Fox à falência, Richard Burton e Elizabeth Taylor foram o casal celulóide e real que eles nunca e sempre foram. Neste espetáculo que Tiago Rodrigues escreve e dirige, Sofia Dias e Vítor Roriz são a dupla aqui-e-agora do que eles foram ali-e-então. São e não são António e Cleópatra. São o António a ver o mundo pelos olhos da Cleópatra. E vice-versa. Sempre vice-versa. Vice-versa como regra do amor. Vice-versa como regra do teatro. Este espetáculo é ver o mundo através da sensibilidade das almas alheias de António e Cleópatra.

Say one of the names, and the other one immediately pops out as well. Our collective memories cannot evoke one without the other. Plutarch wrote that because of them the idea of love has become the ability to see the world through the sensitivities of a different soul. They are the mix of love and politics, and they invented the politics of love. They are a story of historic love. They are the romance based on real events that are frequently romanticized. Shakespeare erected a monument of spoken word to them and turned what never happened to them into the truest of the true. In the Mankiewicz movie which bankrupted 20th Century Fox, Richard Burton

and Elizabeth Taylor are the film and real-life couple that never and always had been. In this sow, written and directed by Tiago Rodrigues, Sofia Dias and Vítor Roriz are the here-and-now duo in the role of those who were the there-and-then couple. They are and they are not Anthony and Cleopatra. They are Anthony, who sees the world through Cleopatra's eyes and vice versa. Always vice-versa. Vice-versa as a rule of love. Vice-versa as a rule of drama. This play sees the world through the sensitivity of the different souls of Anthony and Cleopatra.


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE

TEXTO

PRODUÇÃO EXECUTIVA

de Tiago Rodrigues com citações de “António e Cleópatra” de William Shakespeare (tradução de Rui Carvalho Homem)

Rita Mendes

ENCENAÇÃO

COPRODUÇÃO

CENOGRAFIA FIGURINOS

Centro Cultural de Belém, Centro Cultural Vila Flor e Temps d'Images

Ângela Rocha e Magda Bizarro

APOIO

MÚSICA

Museu de Marinha

excertos da banda sonora do filme “Cleópatra” (1963), composição de Alex North

UMA PRODUÇÃO Teatro Nacional

similarly of a Cleopatra. Sofia is always describing what an Anthony who lives in an imaginary staged world is doing and saying. And vice-versa. “Always vice versa,” we have noted in the summary of the show. ‘Vice versa’ could in fact have been a good title for this play. Thus, we have strived to invent a couple who speaks about another couple, continuously telling us about and evoking this invisible Anthony and Cleopatra to the extent that on occasion they dive into these names and give them a visible form. We also feed the confusion of identities between Anthony and Cleopatra and also amongst the actors and the characters. The confusion we propose is always double. The idea that Plutarch himself proposes in the passage where he describes the way Anthony flees from battle in order to follow Cleopatra’s barge is written in a lighthearted but understanding tone noting that “the soul of the lover always lives in the body of the other.” This passage from Plutarch, which speaks of an Anthony who disconnects from his own identity thus destroying his reputation and honor in order to see the world through Cleopatra’s eye, presents as much an amorous ploy as it does a theatrical paradox. It is ‘the soul in the body of the other’ which we are striving for with Sofia and Vítor trying to see the world through the eyes of Anthony and Cleopatra, and also through each other’s eyes. It is ‘the soul in the body of the other’ that we are speaking about when we invented a theatre play for two choreographers.

As in the confusion of a couple which switches bodies, we have likewise created a show where the theatrical writing and the staging should comprehend the world through the body of the other: the world of mathematical and entertaining language, rigorously poetic, and from the choreographic universe of Sofia Dias and Vítor Roriz. This Anthony and Cleopatra was written imagining the theatre through their eyes, in the same way that their performances are intended for the stage and using a body of text and of theatre that is ‘other’ to them, although familiar, because it is important to mention that ‘other’ does not imply distance. Much to the contrary. This collaboration is born of the recognition that there exists an artistic affinity with the ‘body of the other.’ Although the body belongs to another, we might well imagine that it is ours. And when we switch bodies, we do not irretrievably lose our own. We merely lend it temporarily so that these ‘borrowed’ bodies can translate into a type of collaboration, literally, into a joint work. The set design by Ângela Rocha and lighting by Nuno Meira focus on the idea of instability and continual movement, giving form to a playing field with no apparent rules, where this artistic partnership will take place, inspired by an idea of an amorous collusion. We have also teamed up with history, with Plutarch, and with Shakespeare. And finally, we will collaborate with the audience, this indispensable and ultimate of forces. This ‘body of the other’ where we wish our lover’s soul to reside. Tiago Rodrigues, November 2014

D. Maria II a partir de uma criação original pela companhia Mundo Perfeito

COLABORAÇÃO ARTÍSTICA

ESPETÁCULO CRIADO COM O APOIO DE GOVERNO DE PORTUGAL | DGARTES

Maria João Serrão e Thomas Walgrave

DURAÇÃO

APOIO TÉCNICO

80 min. s/intervalo

Nuno Meira

Shakespeare wrote (probably around 1606) a version of Anthony and Cleopatra that over time has had trouble receiving the merit it deserves, still in the shadow of Hamlet, Othello, King Lear or Macbeth. Reputed to be an incomplete work or offending the Canons, this is due to the multiplicity and dispersion of plot times and places, in clear disobedience to Aristotelian parameters and in combination with what John Drakakis calls a “deconstruction avant la lettre” originated by a language that seems to stem from a “thread of consciousness.” In the readings that we did of Shakespeare for the first rehearsals of the project, it was precisely this sinful spirit of transgressing the text which pushed us toward a space of freedom (and nearly irresponsibility) which was necessary for us to dare to create our own Anthony and Cleopatra. Shakespeare's tragedy “Anthony and Cleopatra” is an inventory of dichotomies: east and west, reason and feelings, male and female, politics and sex, war and love, work and idleness, tragedy and comedy. Face to face, in parallel, symbiotic or complementing each other, each ingredient in the play always finds its pair, its opposite, like the two who give the work its name. Fascinated by this idea of doubles, we have reduced Shakespeare's pharaoh-filled cast to two actors: Sofia Dias and Vítor Roriz. They are much more Sofia and Vítor than a performance of a Cleopatra and an Anthony. Or maybe I should say of an Anthony and a Cleopatra. Because in this play, Sofia speaks obsessively of an Anthony, and Vítor speaks

RESIDÊNCIA ARTÍSTICA

Sofia Dias e Vítor Roriz

DESENHO DE LUZES

desliga da sua identidade, destruindo a sua reputação e honra, para ver o mundo pelos olhos de Cleópatra, tem tanto de tese amorosa como de paradoxo teatral. É essa alma em corpo alheio que tentamos quando a dupla Sofia e Vítor tentam ver o mundo pelos olhos de António e Cleópatra, mas também através dos olhos um do outro. É dessa alma em corpo alheio que falamos quando inventamos uma peça de teatro para uma dupla de coreógrafos. À imagem da confusão das duplas que trocam de corpo, quisemos criar um espetáculo onde a escrita teatral e a encenação compreendessem o mundo através dum corpo alheio: o da linguagem matemática e lúdica, rigorosamente poética do universo coreográfico de Sofia Dias e Vítor Roriz. Este António e Cleópatra foi escrito a imaginar o teatro pelos seus olhos. Do mesmo modo que as suas interpretações estão apostadas em estar no palco, usando um corpo de texto e de teatro que lhes é alheio, embora familiar. Porque é importante dizer que “alheio” não implica distância. Muito pelo contrário. Esta colaboração nasce do reconhecimento de que há afinidade artística com esse corpo alheio. Que embora seja de outrem, poderíamos imaginá-lo nosso. E ao trocarmos de corpos, não perdemos irremediavelmente o nosso. Emprestamo-lo temporariamente. Para que esses corpos emprestados se traduzam numa colaboração, literalmente, num trabalho juntos. O espaço cénico de Ângela Rocha e a iluminação de Nuno Meira, pautados por uma ideia de instabilidade e movimento perpétuo, dão forma ao campo de jogos aparentemente sem regras onde acontece esta colaboração artística inspirada por uma ideia de colaboração amorosa. Também colaboramos com a História, com Plutarco, com Shakespeare. E, finalmente, colaboramos com o público, esse indispensável e último dos colaboradores. Esse corpo alheio onde queremos que a nossa alma de amante habite. Tiago Rodrigues, novembro de 2014

Mundo Perfeito

INTERPRETAÇÃO

Ângela Rocha

consciência”. Nas leituras que fizemos de Shakespeare, logo nos primeiros ensaios deste projeto, foi precisamente este espírito transgressor da estrutura do texto que nos empurrou para o espaço de liberdade (e quase irresponsabilidade) necessário para nos atrevermos a criar o nosso próprio António e Cleópatra. A tragédia de Shakespeare é um inventário de dicotomias: oriente e ocidente; razão e sentimento; masculino e feminino; política e sexo; guerra e amor; trabalho e ócio; tragédia e comédia. Em confronto, em paralelo, em complementaridade ou simbiose, cada ingrediente desta peça encontra sempre o seu par ou o seu reverso. À semelhança da dupla que dá nome à obra. Fascinados por esta ideia de dupla, reduzimos o elenco faraónico de Shakespeare a dois intérpretes: a Sofia Dias e o Vítor Roriz. Que são muito mais a Sofia e o Vítor do que uma representação de uma Cleópatra e de um António. Ou talvez devesse dizer de um António e de uma Cleópatra. Porque neste espetáculo a Sofia fala obsessivamente de um António e o Vítor fala com igual minúcia de uma Cleópatra. A Sofia sempre descrevendo o que faz e diz um António que vive numa imaginária encenação. E vice-versa. “Sempre vice-versa”, dizemos na sinopse do espetáculo. Vice-versa poderia, aliás, ter sido um título para esta peça. Assim, procurámos inventar uma dupla que fala duma outra dupla, relatando e evocando continuamente uns invisíveis António e Cleópatra, ao ponto de mergulharem por instantes nesses nomes, dando-lhes uma forma visível. Alimentamos a confusão de identidades entre António e Cleópatra, mas também entre intérpretes e personagens. Propomos a confusão que é sempre uma dupla. Essa ideia que o próprio Plutarco propõe quando, na passagem em que descreve o modo como António foge da batalha para seguir no encalço de Cleópatra, escreve em tom jocoso mas compreensivo que “a alma do amante vive sempre em corpo alheio”. Esta tirada de Plutarco, que fala dum António que se

PRODUÇÃO

Teatro do Campo Alegre, Teatro Nacional de São João e alkantara

Tiago Rodrigues

Uma colaboração amorosa Este António e Cleópatra não é a peça de William Shakespeare. É uma peça original que construímos alicerçada na memória da tragédia de Shakespeare, que por sua vez tinha os seus fundamentos no retrato biográfico que Plutarco faz de Marco António nas Vidas Paralelas, ele próprio herdeiro de diversos escritos e relatos de viva voz (Plutarco chega a citar o seu próprio bisavô no capítulo sobre Marco António). Assumimos estas heranças e outras, menos antigas mas igualmente monumentais, como o filme-maratona de 1963, realizado por Mankiewicz com o casal Taylor-Burton (do qual usamos fragmentos de música) e também a parafernália resultante da aura de fascínio que o romance de António e Cleópatra ainda lança sobre historiadores, ficcionistas e público. Nessa fronteira ambígua entre o plágio e a citação que tanto agradaria a Shakespeare (usamos diversas frases da tragédia, retiradas da notável tradução de Rui Carvalho Homem, edição da Campo das Letras), aceitamos também que este fenómeno da transmissão de um episódio histórico e literário está marcado pela erosão. A erosão do tempo e da linguagem que condenam a memória a uma incompletude e que, por isso mesmo, abrem portas ao nosso contributo pessoal. Se soubéssemos tudo, saberíamos demais e não teríamos urgência em fazer este espetáculo. Shakespeare escreveu (provavelmente tê-lo-á feito em 1606) um António e Cleópatra que, ao longo do tempo, tem tido dificuldade em subir ao pódio das suas obras trágicas, ocupado por Hamlet, Otelo, Rei Lear ou Macbeth. Para tal, contribuiu a reputação de obra imperfeita ou transgressora dos cânones, que se deve à multiplicidade e dispersão de tempos e espaços da ação, em clara desobediência dos parâmetros “aristotélicos”, combinada com aquilo a que John Drakakis chamou uma “desconstrução avant la lettre” originada por uma linguagem que parece ter uma origem num “fio de

Amarílis Felizes

CONSTRUÇÃO DO MOBILE Decor Galamba

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO E FOTOGRAFIA

Maiores de 12

PREÇO 7,50 eur / 5,00 eur c/d

An amorous collaboration This Anthony and Cleopatra is not William Shakespeare’s play. It is an original play which we have constructed upon the memory of Shakespeare’s tragedy, which for its part, was based on the biographical portrait which Plutarch makes of Mark Antony in Parallel Lives, he himself the heir to various writings and first-hand accounts (Plutarch even quotes his own great-grandfather I the chapter on Mark Antony). We have assumed this legacy and others far less ancient but equally monumental, such as the marathon film directed by Mankiewicz in 1963 and starring the Taylor-Burton couple (from which we have taken some musical bits) as well other paraphernalia resulting from the aura of fascination that the Antony and Cleopatra romance still sends in the direction of historians, fiction writers and the general public. In this fuzzy area bordering plagiarism and quotation which would be so pleasing to Shakespeare (we have used various lines from the tragedy taken from the notable translation by Rui Carvalho Homem, Campo das Letras edition), we have also accepted the fact that performing something that is a historical and literary event is a path marked by erosion. This erosion is one of time and language which condemn memory to a level of incompleteness, and for that reason opens doors for us to add a personal contribution. If we knew everything, we would know too much and we would not feel any urgency in putting tougher this show.

© Magda Bizarro

Magda Bizarro


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE

Direitos Reservados

Atividades Paralelas

QUINTA 04 · 15H00 · PAC · PRAÇA

QUINTA 04 · CCVF · PEQUENO AUDITÓRIO

Atividário Teatro Apresentação

Após o espetáculo "I Don't Belong Here"

Ricardo Henriques e André Letria Um Atividário (atividades + abecedário) pode ser uma ferramenta de aprendizagem e, sobretudo, de divertimento. Cada livro fala de um tema em formato de abecedário, ao mesmo tempo que se propõem atividades práticas para fazer a sós, na escola ou em família. De A a Z, o tema é desvendado através de referências artísticas, históricas, científicas e filosóficas. Coincidindo com a abertura dos Festivais Gil Vicente será apresentado o Atividário Teatro, do escritor Ricardo Henriques e do ilustrador André Letria. Editado pela Pato Lógico, “Teatro” é o segundo Atividário que Ricardo Henriques e André Letria publicam, depois do premiado “Mar” (2012). An activibet (activities + alphabet) can be both a learning tool and a source of fun. Each book talks about a subject in the form of an alphabet while also offering practical activities that can be done alone, at school or with the family. From A to Z, the subject is revealed with references to art, history, science and philosophy. The presentation of the Activibet Theater by writer Ricardo Henriques and illustrator André Letria will be coinciding with the opening of the Gil Vicente Festivals. “Teatro” is being published by Pato Lógico and is the second Activibet that Henriques and Letria have published after the award-winning “Mar” (2012). Entrada livre Todas as idades

Há conversa com… Dinarte Branco “Há conversa com...” acontece regularmente após um espetáculo ou no âmbito de uma exposição, com o desejo de aumentar o vocabulário comum entre artistas e públicos e de promover o sentido crítico e a capacidade de fruir dos objetos artísticos. No âmbito dos Festivais Gil Vicente, teremos uma conversa com Dinarte Branco sobre como se constrói um espetáculo de teatro com um grupo de “não atores”, ex-criminosos e em profunda e constante revolta com a sua condição de deportados. “Conversations with” happens regularly after a show or during an exhibition. The idea is to increase common vocabulary between artists and the public and promote a critical attitude and the ability to enjoy artistic objects. During the Gil Vicente Festivals, we will be talking to Dinarte Branco about how to build a theatre show with a group of non-actors, formal criminals in a constant state of indignation at having been deported. Entrada livre Todas as idades

SÁBADO 06 · 15H00 · CCVF · GRANDE AUDITÓRIO (PALCO)

Ensaio Aberto “Círculo de Transformação em Espelho” Teatro Oficina Na tarde que antecede a apresentação da peça “Círculo de Transformação em Espelho”, o Teatro Oficina irá realizar um ensaio aberto, seguido de uma conversa, destinado a estudantes e alunos interessados em conhecer melhor o processo de criação de um espetáculo. In the afternoon before the staging of "Circle Mirror Transformation", Teatro Oficina will be holding an open rehearsal followed by a conversation for students interested in finding out more about the creation of a play. Público-alvo alunos e estudantes das artes do espetáculo Horário 15h00 No máximo de participantes 50 Data limite de inscrição 04 de junho Inscrição gratuita, através do preenchimento do formulário online disponível no site www.ccvf.pt


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FESTIVAIS G I L VIC E NTE

QUARTA 10 · 19H00-22H00 · CCVF · SALA DE ENSAIOS

Masterclasse com Mickaël de Oliveira “Escrever para o Palco” No âmbito do Festival Gil Vicente e da apresentação do espetáculo “Oslo – fuck them all and everything is wonderful”, Mickaël de Oliveira propõe uma masterclasse sobre o processo criativo que deu origem à respetiva criação, em cocriação com Nuno M Cardoso, e sobre o trabalho que tem desenvolvido nos últimos anos no seio do Colectivo 84, estrutura que cofundou com o ator e encenador John Romão. A masterclasse procura abordar os diversos modos e modelos possíveis de trabalho dramatúrgico e cénico, incluindo o trabalho específico empreendido em “Oslo”, alargando a reflexão aos demais trabalhos do Colectivo 84, em diálogo com contextos artísticos nacionais e internacionais, que fundam as suas propostas a partir da ideia de “escrita de palco”. During the Gil Vicente Festival and the play “Oslo – fuck them all and everything is wonderful”, Mickaël de Oliveira will be giving a master class about the creative process that resulted in the joint creation of the play with Nuno M Cardoso and about the work that he has been doing in the last few years with Colectivo 84, which he founded with the actor and scenery director John Romão. The class will address the different possible forms of working drama and scenery, including that involved in “Oslo”. He will extend his talk to other Colectivo 84 works in dialogue with Portuguese and foreign artistic contexts, which base his proposals on the idea of “writing for the stage”. Público-alvo todas as pessoas interessadas Horário 19h00-22h00 Data limite de inscrição 08 de junho Inscrição gratuita, através do preenchimento do formulário online disponível no site www.ccvf.pt

QUINTA 11 · CCVF · GRANDE AUDITÓRIO Após o espetáculo “Fausta”

Há conversa com… Tonan Quito e Pedro Gil “Há conversa com...” acontece regularmente após um espetáculo ou no âmbito de uma exposição, com o desejo de aumentar o vocabulário comum entre artistas e públicos e de promover o sentido crítico e a capacidade de fruir dos objetos artísticos. No âmbito dos Festivais Gil Vicente, teremos uma conversa com Tonan Quito e Pedro Gil sobre o processo de criação de “Fausta”. “Conversations with” happens regularly after a show or during an exhibition. The idea is to increase common vocabulary between artists and the public and promote a critical attitude and the ability to enjoy artistic objects. We will be talking to Tonan Quito and Pedro Gil about the creation of “Fausta" during the Gil Vicente Festivals. Entrada livre Maiores de 12

30 maio a 19 junho Andando II Mostra de Trabalhos de Escolas de Arte / Guimarães — Curadoria Tiago Mora Porteiro

SÁBADO 13 · 19H00 · CCVF · CAFÉ CONCERTO

Debate sobre o teatro contemporâneo: a nova geração, sua formação e locais de apresentação A importância da formação, a relação entre teatro profissional e as escolas de artes e ainda as pontes de colaboração entre os diversos agentes do meio teatral para estruturação do caminho futuro, serão pontos em discussão numa conversa aberta à participação da plateia. O debate contará com a participação de Tiago Porteiro, Marcos Barbosa e Mickaël de Oliveira. The importance of training, the relationship between professional theater and schools of the arts and collaboration points between different members of the theater family for building future pathways will be discussion points in an open discussion with the audience. Tiago Porteiro, Marcos Barbosa and Mickaël de Oliveira will take part in the debate. Entrada livre Maiores de 12

ANDANDO II aparece este ano associado à programação dos Festivais Gil Vicente. Um gesto de abertura e encorajamento que expressa bem o quão a cidade está empenhada em abraçar este elo fundamental da vivência artística de Guimarães, os vários cursos de formação artística, nomeadamente os que são oferecidos pela Universidade do Minho. — ANDANDO II is part of the Gil Vicente Festivals this year. It is a gesture of openness and encouragement that expresses how committed the city is to embracing this fundamental link of artistic experience in Guimarães, the different artistic courses and especially those offered by Universidade do Minho.

Programa 30 DE MAIO · 22H00 · CENTRO PARA OS ASSUNTOS DA ARTE E DA ARQUITETURA E Agora Morremos Todos! Laboratório VI Dir. Jorge Andrade com assistência de David Cabecinha — Alunos do 3o ano da Licenciatura em Teatro

04 A 13 DE JUNHO · QUINTAS E SEXTAS, 18H30 ÀS 21H30 · SÁBADOS, 16H00 ÀS 21H30 · TEATRO JORDÃO Atelier 3C – projeto para “Um Núcleo das Artes” Docente (coord.): José Capela — Grupo de alunos de 5o ano do curso de Arquitetura da UM

08 DE JUNHO · 20H30 · CENTRO PARA OS ASSUNTOS DA ARTE E DA ARQUITETURA Caixa Negra Criação e interpretação: Maria de Carvalho, Rute Fernandes, Sérgio Silva

ESPAÇO OFICINA · 22H00 DURANTE O FESTIVAL · CÍRCULO DE ARTE E RECREIO

Fazíamos tudo juntos, quase tudo

Meeting Point

#Duoléticas

Durante os Festivais Gil Vicente, o Círculo de Arte e Recreio será um ponto de encontro do festival, onde artistas e público se poderão juntar num espaço de partilha, debate e convívio. Um espaço de festa e um espaço comum dos que amam o teatro e convivem com o teatro.

Criação e interpretação: Luís Fernandes e Maíra Ribeiro Criação e interpretação: Diogo Roas e Tatiana Rocha

09 DE JUNHO · 20H30 · CENTRO PARA OS ASSUNTOS DA ARTE E DA ARQUITETURA Work in progress Criação e interpretação: Rita Silva

22H00 During the Gil Vicente Festivals, the Arts and Recreation Circle will be a meeting point of the festival, where artists and audience can join in a sharing environment to debate and enjoy social gathering. A place to celebrate and a place that is a common area for those who love theatre and live with theatre.

Play-off Criação e interpretação: Marta Ferreira e Rita Trigo

POC! Criação e interpretação: Mário Pereira

10 DE JUNHO · 22H00 · PALACETE DA PRAÇA DE S. TIAGO – MUSEU DE ALBERTO SAMPAIO Self-titled Criação: Júlio Cerdeira e Henrique Margarido Interpretação: Júlio Cerdeira

15 E 16 DE JUNHO · 22H00 · CENTRO PARA OS ASSUNTOS DA ARTE E DA ARQUITETURA Terceira Idade Um reality show de Rogério Nuno Costa a partir do texto homónimo de José Maria Vieira Mendes Laboratório IV Dir. Rogério Nuno Costa — Alunos do 2o ano da Licenciatura em Teatro

15 A 19 DE JUNHO 15H00 ÀS 20H00 INSTITUTO DE DESIGN Exposição de desenhos de observação – Figura Humana; Objetos; Espaço Docente (coord.): Paulo Almeida — Alunos de Arquitetura e Design da Escola de Arquitetura

CENTRO DE FORMAÇÃO PÓS GRADUADA · 15H00 ÀS 20H00 Pray for our Souls/projeto de arte digital Rui Carvalho – EngageLab.org (Laboratório de intercessão Artes e Tecnologia)

16 DE JUNHO · 19H30 · LARGO DO TROVADOR Concerto (Ensaio Aberto) Orquestra de Sopros da Academia de Música Valentim Moreira de Sá

18 DE JUNHO · 20H30 · CENTRO DE FORMAÇÃO PÓS GRADUADA Projetos autónomos dos alunos de 2o ano da Lic. Teatro

19 DE JUNHO · 19H00 · LARGO DO TROVADOR EmCaixa Laboratório II (Teatro) / Uso e identidade Docentes (Coord. Geral): Bernardo Providência e Tiago Porteiro Artistas Associados: Diana Sá e Patrick Hubmann, Alunos do 1º ano da Licenciatura em Teatro e Design — Projeto apoiado pela Universidade do Minho / Licenciatura em Teatro/ILCH (promotor), Licenciatura em Design de Produto e Mestrado Integrado/Escola de Arquitetura, Câmara Municipal de Guimarães, Centro para os Assuntos da Arte e da Arquitetura, A Oficina, Museu de Alberto Sampaio, Instituto de Design e Academia de Música Valentim Moreira de Sá


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