Serviço educativo lura 25 2013

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JORNAL DO SERVIÇO EDUCATIVO SETEMBRO A DEZEMBRO 2013 | NÚMERO 25 Coordenação Elisabete Paiva Edição Elisabete Paiva e Sandra Barros Produção Gráfica Susana Sousa Comunicação Bruno Barreto Marta Ferreira

Design Atelier Martino&Jaña Textos de António Matos Catarina Lacerda Daniela Paes Leão e Merel Willemsen f. marquespenteado Luís Ribeiro Manuel Fernandes Mario R. N. Cordeiro Sandra Barros

Laboratório LURA Samuel Silva Distribuição Andreia Abreu Andreia Novais Carlos Rego Hugo Dias Paulo Covas Pedro Silva Sofia Leite Susana Pinheiro

servicoeducativo@ aoficina.pt ISSN 1646-5652 Tiragem 3000 exemplares

TRANSMITIREMOS ORALMENTE O CONTEÚDO DOS LIVROS AOS NOSSOS FILHOS E OS NOSSOS FILHOS, POR SUA VEZ, LEVARÃO O ENSINO AOS OUTROS. MUITOS SE PERDERÃO, É INEVITÁVEL. MAS NÃO SE PODE FORÇAR AS PESSOAS A OUVIR. RAY BRADBURY, IN FAHRENHEIT 451

JORNAL DE ARTES E EDUCAÇÃO

EDITORIAL

A MONTANTE

Reconstituindo um momento fundador, os rituais permitem fixar traçados e sedimentar práticas, comportamentos e noções; ao mesmo tempo que pela experiência do retorno nos proporcionam o conforto do reconhecimento, instituem uma base sólida para nos lançarmos à aventura da vida. Um dos aspetos mais marcantes de se ser espectador é justamente a experiência do retorno. O regresso a determinado museu ou teatro, o regresso aos clássicos, que nos situa enquanto comunidade, o regresso à visão daquele objeto ou daquele fi lme que nos marcou. O regresso impressivo do cheiro de uma sala, a concretização do ritual que inclui a consulta de um programa para escolher um evento, o rasgar do canhoto, o gongo, as luzes que se apagam.

É de tal forma que parece impossível ser-se espectador apenas uma vez – espectador é aquele que regressa. E assim, regressando, diferentes ideias e figuras se vão tornando nossa companhia, reconfi gurando o nosso mundo e alargando a comunidade de que fazemos parte.

em assistir a um evento mas antes se alimenta do encadeamento de imagens diversas, da reconstituição de lugares e de gestos? Ser espectador é participar num processo constituinte das individualidades e das comunidades, ação que, fraturante ou agregadora, revitaliza a vida em comum.

Como dar conta desta experiência vital mas não obrigatória, fruto exclusivo da vontade? Como instituir este desejo, que não se esgota

Por todo o país, a temporada cultural recomeça. Sejamos espectadores - regressemos! Elisabete Paiva

TRILHOS

Museu da Crise Daniela Paes Leão e Merel Willemsen pág. 6

Sobre a intempérie, o abismo e a dúvida f.marquespenteado pág. 4

PISTAS

Sobre a língua e a Língua Catarina Lacerda pág. 2


PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS

Catarina Lacerda*

Sobre a língua e a Língua.

fotografia de João Peixoto

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“Eu deito a língua de fora e falo de boca cheia, sinto pernas na garganta e crescem-me asas na veia”.**

Susana Madeira, a atriz a solo mas muito bem acompanhada por todos os criativos do espetáculo, levou-nos, através de divertidos jogos de palavras, para um lugar especial onde se despertam os sentidos e convocam as emoções, que é o que eu desejo num espetáculo para crianças. Espetáculo para crianças? Espetáculo para todos! Luísa Corte-Real

* Direção artística e encenação do espetáculo Comer a Língua ** excerto de Comer a Língua, texto original de Regina Guimarães

Porque o essencial está dito no que toca a “porquê encenar um espetáculo, para crianças, sobre línguas e Língua”, falemos do des-essencial mas ainda assim, talvez, importante… Encenar, o ato de pôr em-cena, é um processo coletivo de tridimensionalização. Inscreve pensamento, imatérico, num espaço físico que respeita os eixos “x, y, z, tempo”. Este espaço quer-se habitado por matéria orgânica, atores e atrizes que nele propagam e ressoam respiração, som, calor: emoção. Para lá da compreensão, apropriação, reorganização e transformação de É maravilhoso que neste tempo de historinhas da carochinha, de mobília de sala em cena, poética pro-funda em linguagem densa e enredo intrincado, o Teatro do Frio apareça como um gato a brincar com um novelo, e não se preocupe se o espetador perde ou não ‘o fio à meada’, porque o convite é para ensarilhar e desensarilhar, brincar, brindar, escurropichar ruidosamente e lamber o prato, enquanto se pede mais e mais e mais. Tão bom. Sílvia Magalhães

• pensamento em ação, a cena quer-se organizada em função do espetador, convocado, nesse momento fugaz, à compreensão vivencial dos enunciados. E por espetador entenda-se um Ser mental e sensitivamente ativo, como são tão espontânea e despretensiosamente as crianças. Mas comecemos pelo princípio. E ao princípio era o verbo, Comer, acompanhado do sujeito, a Língua. Comer a Língua, o texto, essa sequência de sinais gráficos organizados em palavras, simultaneamente loucos e amestrados, que convocam uma espiral

de imaginários, tem a particularidade de quando lido a “viva voz”, conter uma banda sonora intrincada. Curiosamente independentes, inevitavelmente unos, foram princípios Adorei o aspeto estético do cenário! Todos aqueles candeeiros chamaramme à atenção, sem dúvida! O espetáculo ajudou-me a perceber que muitas palavras não são tão bonitas como aparentam ser… Há palavras que são inspiradoras e palavras que “não prestam” (passo a expressão). (…) Laura Arantes

à criação do espetáculo: 1) a necessidade de transpor para ação aquela sucessão mirabolante de imaginários que se erigem e desaparecem à velocidade do pensamento, 2) revelar a musicalidade inscrita no texto, inspirando-nos à criação de partituras físicas e vocais. Urgia criar um espaço que inspirasse o ouvido a ver e a visão a ouvir. Uma espécie de “não lugar” que permitisse a metamorfose de escalas e corpos. Urgia revelar o potencial sonoro imerso. Experimentámos relações da elocução com a beat box, da música popular com a música erudita. O universo sonoro emergia. Comer a Língua é o resultado deste ato coletivo e integrado de pensamento, experimentação e apropriação. No espaço-tempo de 50 minutos, uma atriz convoca acontecimentos e imaginários a um ritmo alucinante, o do pensamento, dando a experienciar o quão viva e vertiginosa pode ser a experiência da Língua. Uma Língua arrebatadora e cativante, porque veloz e inaudita. Impar(Ah!)vel. E quando julgamos os olhos surdos e os ouvidos cegos de tão

saturados, eis que soa “Bardamerda!” e é como se um balão rebentasse frente ao nariz, abrindo caminho, nessa estridência, a outra dimensão da Língua. Uma Língua inesperada de emoções e afetos, pandora de paradigmas. Porque a língua que canta também enerva, choca, insulta. Ferve à temperatura do sangue. O belo e o feio miram-se. Estamos de volta à vertigem, agora miragem, rumo à descompressão fi nal. Embalados por Jotas que Jubilam sós, apaziguam-se sensações e emoções em coletivo. Uma espécie de almofada visual e auditiva onde nos deixamos cair para repousar os ecos da viagem. E assim, estes J que Jubilam sós levam-nos pela mão até ao Fim!, para quiçá, regressarem breve-breve a incentivar as tais asas que nos crescem na veia. É um espetáculo inclusivo, para os mais pequenos até aos mais adultos, que brinca com as diferentes “línguas portuguesas” do sul e do norte de Portugal ou dos vários países da lusofonia e onde mesmo as ditas “palavras feias” têm lugar. Através de processos de invenção constante e da descoberta das maravilhas escondidas mesmo na palavra mais comum, este “comer a língua” abre o apetite do público infantil para as possibilidades da sua língua e o “artista da palavra” que existe em cada um. Francesca Rayner

Comer a Língua, que estreou a 13 de março de 2013 em Guimarães, será novamente apresentado a 08 e 09 de dezembro, no Centro Cultural Vila Flor.


PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS

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CORPO COMUM Continuidade e Cruzamentos Sandra Barros *

O projeto 10 x 10 “promove a colaboração entre artistas e professores de diversas disciplinas do ensino secundário, com o objetivo de desenvolver estratégias de aprendizagem eficazes para captar a atenção, motivar e envolver os alunos na sala de aula. Visa especialmente estimular os professores, sujeitos a uma rotina

difícil e desgastante, contribuindo para a renovação do seu reportório de ferramentas pedagógicas e de estratégias de comunicação com os seus alunos". Pela partilha de objetivos de 10 x 10 e Corpo Comum, a Fundação Calouste Gulbenkian e A Oficina associam-se em parceria no desenvolvimento e implementação deste projeto nas cidades de Lisboa e Guimarães. No ano letivo 2013/14 o projeto está na sua segunda edição em Lisboa – com acompanhamento do Serviço Educativo d’A Oficina. Em Guimarães, o Corpo Comum continua o seu programa de cruzamento artístico e pedagógico, com oficinas direcionadas a professores, educadores e técnicos, integrando artistas convidados para a edição deste ano no projeto 10 x 10, Manuela Ferreira e João Girão, e incluindo artistas que fazem parte da equipa

10x10, Sofia Cabrita, Margarida Mestre e Miguel Horta.

*integra a equipa do Serviço Educativo

Assim, e respeitando as subtilezas de diferentes trabalhos e áreas de ensino, o último trimestre de 2013 contará com seis oficinas distintas em Corpo Comum – quatro direcionadas a professores do ensino básico e secundário, uma para professores e técnicos da área de necessidades educativas especiais e uma para educadores de infância. (ver mapa de bolso)

Direitos Reservados

Corpo Comum, programa de cruzamento de práticas artísticas e pedagógicas que encontrou a sua origem no programa do Serviço Educativo de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, continuará na temporada 2013/14. Nesta temporada, o programa estabelece também um cruzamento com um outro projeto, intitulado 10 x 10, promovido em 2012/13 pelo DESCOBRIR Programa Gulbenkian Educação para a Cultura e Ciência e que terá uma edição em Guimarães em 2014/15.


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f. marquespenteado*

* Artista visual

A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS

Sobre a intempérie, o abismo e a dúvida ___ minha proximidade com arte em comunidades + arte educação teve início através de uma convocatória que meus amigos me fizeram notar: um órgão de fomento de arte na Grã-Bretanha buscava artistas interessados em trabalhar com ‘justiça criminal’. Apliquei com um projeto que foi rejeitado mas que retornou comentado em suas insuficiências: [re]apliquei este mesmo projeto modificado e ampliado, e... fui contemplado. Dei então início a um grupo de oficinas que posso dizer que foram o fundamento de uma metodologia que ainda hoje aplico quando sou convocado a trabalhar com comunidades, estudantes ou profissionais. Com isso quero dizer que, antes de mais nada, foi uma pura acidentalidade o que me aproximou desse estar com grupos de sujeitos ‘em nome das

ARTES E COMUNIDADES— ENCONTROS 3ª EDIÇÃO 25 A 27 OUTUBRO Centro Cultural Vila Flor Seminários Na III edição de Artes e Comunidades Encontros questionamo-nos sobre por que procuram as artes indivíduos e sociedades. Se as artes são território de experimentação e construção de olhares invulgares e inesperados sobre o mundo, que papel desempenham elas hoje, numa sociedade já de si volatilizada, liquefeita, veloz? O que procuram os artistas? O que procuram os públicos? Onde se encontram – nos teatros e museus, no bairro, na escola, na rua? Que diferentes conceitos de “arte” habitam os imaginários: os nossos e os dos públicos e das comunidades com quem trabalhamos. Os convidados, f. marquespenteado, Marta Lança e Veerle Kerckhoven, sugerem perspetivas renovadas sobre estas questões, descentrando-nos dos contextos institucionais, sociais e culturais que nos são mais familiares. O modelo de organização destes Encontros privilegia um trabalho em profundidade e a articulação entre práticas e teorias: os interessados deverão por isso escolher apenas um seminário, de acordo com os seus interesses e experiências. Na abertura desta III edição, está reservado um momento para apresentação dos participantes através de projetos que desenvolvem/ desenvolveram e das questões conceptuais com que se estão a deparar, promovendo a partilha de experiências entre pares.

artes’, momentos aonde eu procuro sugerir rotas pelas quais possamos nos revelar e encantar uns aos outros e, quando possível, fazer emergir o muito que temos em comum. Acidentalidade passou desde então a ser mote, equipamento de viagem e estratégia, assim como também nos acompanharam nessas travessias as cisões, o inesperado e os sonhos. ___ essa metodologia de rotas está incrustada em oficinas de trabalho que precipitam os sujeitos a re-acessarem e se aproximarem de seu equipamento ‘desenho’ [ao que tendo a chamar de patrimônio visual espacial] bem como de seus textos, de sua escrita [ao que tendo a chamar de patrimônio visual cifrado]. A posição, ou melhor, a disposição que se espera, é a de que

o participante impulsione os seus mais pertinentes [e assombrados] temas com ingenuidade, engenho e espontaneidade. Eu já me fiz valer deste método em diferentes situações e ambientes e, em cada contexto, existem ‘perguntas guia’, ‘destinos’ aos quais procuramos nos aproximar em grupo para podermos neles mergulhar. Minha primeira aplicação deste método foi em uma prisão londrina aonde os prisioneiros puderam, através de desenhos, fotografia, vídeo e bordado, iluminar e traduzir recônditos de suas experiências pessoais no cárcere. ____ o contexto sempre mostra a perspetiva de uma e de cada comunidade: suas posses, seus talentos, suas ansiedades e sua devoção. Desde então [o 2003] me

____ neste último ano e meio venho Eu trabalho sobre trabalhando em um projeto para o qual reuni um grupo europeu e americano de relações e nexos curadores, gerentes culturais que veem a política artistas, e especialistas em equidade e arte em comunidades. Nós nos reunimos ao redor como a política do de questões que orbitam o destino do dicorpo, do corpo nheiro público alocado para a cultura e da indicação sobre o descaso [ou da inexistenpreenchido, do te relação] do cidadão mais desavantajado sujeito que vivifica [leia-se mais pobre] frente aos aparelhos de suas cidades, entre eles o musuas perguntas, suas culturais seu e a galeria. Como grupo, nós decidimos preocupações e sua comprar um ‘espaço inflável’ com o qual já viajámos para a Irlanda, a Grã-Bretanha fé, que as expõe e e a Lituânia, e em um espaço público aplicamos um [nosso] ‘método’, recolhendiscute, cândida e do visões e posições sobre nossas [várias] parcimoniosamente. perguntas. Hoje, próximos a finalizarmos divido, a mim e a meu contexto pessoal e cultural, com comunidades de sujeitos em situação de rua e vivendo em abrigos, com comunidades periféricas [leia-se pobres] em questões como o meio ambiente ou a posição dos indivíduos na cadeia produtiva, com alunos de escolas [particulares e públicas] de arte, moda e design e, recentemente, com toda uma associação agrícola, desde o trabalhador rural ao administrador. Muitas vezes vivenciei grupos entretecidos por sujeitos oriundos de recônditos culturais contrastantes, mesmo dentro de suas próprias terras, [trabalhei, nesses anos, na Grã-Bretanha, no Brasil, Lituânia, Itália e na Venezuela] e...nunca [nos] faltou entusiasmo e empenho sincero. Penso que a difusão desse bom espírito no trabalho deve-se fundamentalmente à simplicidade das tarefas e das propostas dessas oficinas, simplicidade que convida o participante a dinamizar suas questões singulares, as da mente e as da alma.

nosso tempo em comum, nosso embate é o de devolver, eficiente mas poeticamente, nosso aprendizado, seja o coletado, seja o derivado de nossa vivência intra/inter pessoal. Navegar por entre um grupo acéfalo de profissionais com uma enorme bagagem profissional e com fortes personalidades vem sendo uma imersão na qual nossas autopercepções se inovaram e nos pareceu vital que na formulação dos resultados de nossa pesquisa, e nessa trajetória do moldar esse ‘saber’ que nos é requisitado pela agência que viabiliza nosso encontro, haja o reconhecimento e a ciência da importância dessas subjetividades em jogo [suas fricções e seus reais embates], e incluir, nesses mesmos resultados, uma atenção carinhosa e inclusiva de nossas singularidades [todas e sem exclusão] como seres humanos e como profissionais que agem nos tempos tão particulares como os nossos. Esse reconhecimento se faz vital enquanto possíveis futuros, os nossos pessoais [talvez os primeiros a


A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS

____ um parêntesis: sou um sujeito bastante tímido e fico curioso ao perceber o quanto eu ainda sou aproximado para ‘trabalhar o social, a comunidade’. Eu me valho da ciência de minhas capacidades mercuriais [de comunicação] e venusianas [de afeto] que não me faltaram e, continuadamente, evoco nas sessões de trabalho nossas presenças de espírito, já que nos é dada essa oportunidade esquisita e única de trabalharmos juntos. Talvez aqui [com minha timidez e com a constelação de agentes que me formam] eu me dirijo a responder à [querida] Elisabete Paiva que me convida a trabalhar com o Serviço Educativo d’A Oficina e me pergunta sobre as dimensões sociais e políticas em que eu compreendo que meu trabalho artístico está envolvido. Eu trabalho sobre relações e nexos que veem a política como a política do corpo, do corpo

preenchido, do sujeito que vivifica suas perguntas, suas preocupações e sua fé, que as expõe e discute, cândida e parcimoniosamente. Não consigo falar de outra política senão a que faço diariamente, preenchendo-me do que percebo que sou constituído e que a mim pertence e, em continuidade, me deixando afetar pelo outro, por tudo o que ele me apresenta e o que espontaneamente comigo divide . As [breves, poucas] posições [sociais e políticas] que eu, Fernando, artisticamente trabalho, são questões que venho esculpindo ‘em mim’, as únicas pelas quais eu sinto proximidade, as que eu imagino e intuo poder dar ao discutir ‘em aberto’, sem precisar, em barricada, de as defender. Assim, o político é sempre o eu que falo e o outro que se expressa, o outro que [realmente] franquia a si mesmo no contacto, aquele que se faz ver: esses são os ingredientes para minha ação e cosmovisão. E nesse afetar-se pelo outro, é a sua intempérie, o seu abismo e

a sua dúvida o que mais [me] interessa, bem mais que a razão e o sentido que o outro pensa fazer de si. ____ Tendo me sido revelado o público alvo do Serviço Educativo nesses ‘Encontros’ em outubro próximo, eu antecipo que trarei para o encontro o [meu] ‘método’ mas que antes dele fazer uso, eu vou procurar com esse grupo que, por sua vez, a mim procura [grupo que parece particular e letrado], realinhar compreensões sobre a arte [suas expressões, vocações e significados], para depois navegarmos [sem rota fixa] por nossos patrimônios. ___ sem mais, um abraço, f. marquespenteado

Fotografia de f.marquespenteado

serem cuidados], e os das comunidades a que atentamos.


5. Posi-

4. Coloca um lápis de cor na boca e tenta desenhar a espiral maior que conseguires.

e de Outono.

ciona-te em frente ao jornal com uma caneta preta na mão. De olhos vendados, imagina durante um minuto o interior do teu corpo e depois desenha-o calmamente.

6 | LURA LABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA

Desenhando-se é um conjunto de propostas de desenho para serem realizadas no mesmo suporte (esta f


7 | LURA

LABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA

*Conceção Samuel Silva

folha de jornal) de forma livre e despreocupada. 1. Põe uma música a tocar e um lápis de cera em cada mão. Imagina que as tuas mãos são o teu corpo, dança. 2. Recorda um objeto de quando eras mais pequeno(a) e que tenha sido marcante.Desenha-o com lápis de grafite.

3. Convida um amigo ou familiar para a realização desta proposta. Pega na mão dele e desenha uma árvo


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Luís Ribeiro *

A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS

Ver e criar na contemporaneidade: relacionar professores, alunos, artistas, curadores e espaços culturais num objetivo comum. 1. Oficinas da Imagem: um lugar de colaborar e atravessar O projeto “Oficinas da Imagem” foi organizado pelo Serviço Educativo de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. O primeiro momento consistiu no convite às escolas do concelho de Guimarães a inscreverem-se com uma turma nestas oficinas de forma livre e gratuita, tendo recebido quatro inscrições: as escolas EB 2/3 das Caldas das Taipas, EB 2/3 Fernando Távora (Fermentões), Escola Secun-

dária Francisco de Holanda e EB 2/3 de Pevidém. O segundo momento foi o convite a quatro artistas plásticos portugueses para trabalharem com as turmas. Na brochura sobre este projeto pode ler-se o seguinte:

Deste pequeno texto sublinho dois aspetos que me parecem fundamentais: por um lado o interesse em “proporcionar uma experiência colaborativa entre um artista e um professor”; por outro, a intenção de levar os participantes a “atravessar diferentes territórios”. Uma das críticas mais comuns à escola atual é que esta se fecha sobre si própria num modelo mais próximo do século XIX do que do atual afastando-se dos alunos. O professor continua a fechar-se na sua sala de aula onde, sozinho, vai tentar ensinar os alunos como se fosse o mensageiro da verdade. Assim, o artista pode funcionar como um agente neutro que irá provocar uma experiência colaborativa entre múltiplos territórios: espaço expositivo – escola – casa. Pode funcionar, também, como uma ponte que atravessa diferentes territórios tais como os conteúdos programáticos da disciplina, os interesses pessoais dos alunos e as exposições de arte contemporânea. Estes dois objetivos do projeto Oficinas da Imagem reforçam a ideia de que “se a escola se abrisse um pouco mais, se tornasse mais permeável a estes modos de ser contemporâneos, experimentasse mais essas novas formas de viver, poderia, quem sabe, inventar outras formas de educar” (Ramos do Ó, 2007: 116). Mas o texto da brochura refere outro aspeto importante na questão das (boas) práticas relacionais:

pelo artista e vice-versa, acreditando que nesta troca de conhecimentos e de práticas é valorizada a aprendizagem dos alunos.

[...] uma experiência colaborativa entre um artista e um professor, deixar ambas as práticas serem atravessadas uma pela outra [...] Este atravessamento refere-se à importância do professor em deixar-se contaminar

A palavra atravessamento foi uma chave de ação e de relação. Interessava-nos proporcionar uma experiência colaborativa entre um artista e um professor, deixar ambas as práticas serem atraves-

2. O campo expandido da escola Rosalind Krauss escreveu, a propósito das alterações provocadas pelo aparecimento de novos tipos de escultura (mais tarde lido como instalação) a partir da década de 70 do século XX (Krauss, 1979: 31-44), que a compreensão do que era escultura até à data estava obsoleta. Krauss alertou para a necessidade de alargar o território do que era considerado escultura ou, como refere no texto, de compreender as contruções “não-paisagens” e as “não-arquiteturas” como fazendo parte do universo conceptual das práticas artísticas (como são os casos das obras de Robert Smithson, Robert Morris, Carl Andre, Richard Serra ou Christo & Jean Claude). A ampliação do campo que caracterizava este território do pós-modernismo possui dois aspetos implícitos; os próprios artistas e a questão do meio de expressão. Em ambos, as ligações das condições do modernismo sofreram uma rutura logicamente determinada. Se analisarmos a escola da atualidade verificamos que a sua estrutura se mantém desde o modernismo. Não podemos continuar a ver os alunos como meros reservatórios de informação e os professores como territórios colonizáveis pelas forças de poder. E as artes visuais podem desempenhar um papel importante na expansão do território escolar na tentativa de desconstruir alguns conceitos tradicionais como da autoexpressão, da autenticidade e originalidade que Marcel Duchamp pôs em causa há 100 anos.

sadas uma pela outra. Interessava-nos que os participantes fossem levados a atravessar diferentes territórios: espaço expositivo – escola – casa e centro – periferia, naturalmente, mas também binómios conceptuais como espaço público – espaço privado, observação – representação, meu – nosso, real – virtual, presente – memória, momento – paisagem. (Brochura Oficinas da Imagem, 2012)

Como nos refere Dennis Atkinson: The concept of self-expression is often employed in association with the terms, uniqueness, originality and authenticity and is indicative of what might be ermed a modernist discourse of art practice and understanding. (Atkinson D., 2006: 17) Por outras palavras, tal discurso da apologia das práticas modernistas forma os parâmetros através dos quais a escola é concebida. A escola continua a olhar para os alunos esperando que determinadas características técnicas e de conhecimento determinem o resultado final da obra que estes vão produzir. Neste sentido, Oficinas da Imagem coloca os alunos em contacto direto com espaços expositivos, obras de arte contemporânea, artistas e curadores ampliando consideravelmente o território escolar pré-concebido pelos alunos e professores. A aprendizagem resulta, então, de um processo que pressupõe o estabelecimento de relacionamentos de tipo diverso "quer entre os indivíduos e os objetos de saber, quer entre os indivíduos e outros indivíduos" (Charlot, 2001, p.17) 3. Oficinas da Imagem: um lugar para ver, pensar e criar Os artistas convidados para orientar o projeto Oficinas da Imagem começaram por marcar um encontro com as turmas num dos espaços de exposição. Este primeiro encontro fora do espaço-escola transporta os alunos, imediatamente, para o campo expandido da escola referido anteriormente. O primeiro momento do projeto em funcio-


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A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS

Nota: Este artigo foi escrito, apresentado e publicado no “II Congresso Internacional Matéria Prima: práticas das Artes Visuais no ensino básico e secundário" na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em Julho de 2013.

namento foi a visita a uma das exposições pré-selecionadas pelos artistas convidados. Este momento confrontou os alunos, o professor, o artista, a exposição de arte contemporânea e os orientadores dos espaços expositivos, posicionando os alunos numa plataforma imaginária que lhes possibilitou praticar a interpretação das obras de arte contemporânea. Tomando como exemplo a turma do 9ºº ano da escola EB 2/3 Fernando Távora, oficina orientada por mim, os alunos visitaram a exposição “Paisagem Transgénica” comissariada por Paulo Catrica e Pedro Bandeira, que desafiaram quatro artistas diferentes, Katalin Deér, Filip Dujardin, JH Engstrom e Guido Guidi (uma proposta de reflexão sobre o território do concelho de Guimarães enquanto construção cultural). Os alunos durante a visita tiveram a oportunidade de construir as suas próprias interpretações num discurso crítico em relação às obras expostas,

mo, com o objetivo de criar uma paisagem que relacione o individual com o coletivo e o público com o privado; f) exposição pública dos trabalhos, em relação com os realizados pelas outras turmas , nas instalações da Associação Comercial e Industrial de Guimarães. 4. Oficinas da Imagem: um lugar para mostrar e relacionar Para além do trabalho “Paisagem Privada”, o projeto Oficinas da Imagem apresentou outros três conjuntos de trabalhos realizados pelas restantes turmas. Como a fotografia marcou a forma como encaramos e vemos o mundo que nos rodeia, numa era altamente condicionada pelas novas tecnologias, “Fração de Segundos” propôs através da construção de uma câmara escura dentro de uma sala de aula convencional e de uma pin-hole feita a partir de uma vulgar “caixa de sapatos”, tornar acessível a base essencial da fotografia, desmistificando o seu processo. O trabalho concebido e orientado pelo artista Pedro Bastos foi realizado pela turma do 8º F da escola EB 2/3 de Pevidém foi apresentado na exposição em vídeo e em fotografia (figura 4). Por outro lado, os alunos da turma do 8º PCA da escola EB 2/3 Caldas das Taipas foram convidados pela artista Catarina Claro a fotografar e a desenhar “os seus” lugares e objetos, e a esculpir o rosto de cada um, convocando à descoberta e observação da paisagem e do corpo que os rodeia, remetendo para o tema do território e identidade de cada um, numa tentativa de construir novas formas de olhar para a realidade e para o espaço que os envolve, para as coisas que lhes pertencem e que

confrontando-as com a leitura dos comissários, prolongada através da figura do orientador da exposição. Num segundo momento, conduzi os alunos na criação de uma série de trabalhos a partir dos conceitos inerentes à exposição. O trabalho desenvolvido na disciplina de Educação Visual teve como título "Paisagem Privada" e resultou da ideia de paisagem individual captada a partir de uma janela da casa de cada aluno. Através de uma linguagem plástica comum, pretendeu-se criar um painel de 25 desenhos pouco figurativos, criando uma nova ideia de paisagem. O objetivo foi alargar o conceito de paisagem individual da realidade quotidiana, apelando à sensibilidade de cada um perante todos os objetos que nos rodeiam. Aqui, foi valorizado o "património cultural" como fator decisivo nos processos de aprendizagem e desenvolvimento do aluno. As técnicas foram

estão habituados a olhar sem explorar o seu verdadeiro significado. Por último, em “Desenho para o deslocamento de um lugar”, concebido e orientado pelo artista João Giz e realizado pela turma do 11º AV1 da Escola Secundária Francisco de Holanda, havia um lugar para “deslocar a paisagem e a missão de desenhar o movimento desse lugar” (brochura do Oficinas da Imagem, 2012) além de uma pedra para levar pela mão, por ruas e varandas da cidade de Guimarães, em busca de um lugar para suspender numa linha e sentir o deslocamento da paisagem. O resultado foi um conjunto de desenhos, fotografias e mapas recortados para serem vistos de cima. Considero que a "aprendizagem pode definir-se como uma construção pessoal, resultante de um processo experiencial" (Tavares, 2007: 108) mas é, acima de tudo, um processo relacional que implica a utilização da linguagem, da comunicação, numa relação construtiva com o meio social e cultural em que "todas as funções psico-intelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do desenvolvimento [da criança]: a primeira vez nas atividades coletivas, nas atividades sociais, ou seja como funções interpsíquicas; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento [da criança], ou seja, como funções intrapsíquicas" (Vygotsky, 1977: 46). Assim, cada aluno teve a oportunidade de confrontar o seu património cultural individual com a visão de quatro fotógrafos profissionais, com a visão do grupo (turma) e com a visão do público visitante, para além da do professor, pois devemos

discutidas com o professor tendo em conta os conteúdos programáticos (bidimensionalidade vs. tridimensionalidade, cores planas, opostas e complementares, relação figura-fundo, entre outros). Como temos analisado nesta reflexão, "o importante é que os membros do grupo se ajudem uns aos outros a captar a «configuração do terreno» e a orientação da tarefa" (Bruner, 2000: 42). O trabalho realizado com os alunos envolveu diferentes momentos importantes na promoção do desenvolvimento psicológico dos alunos e dos seus processos de educação e aprendizagem: a) visita à exposição "Paisagem Transgénica"; b) realização de desenhos em casa a partir do que vê através da janela, representando as paisagens em formas simples, bidimensionais, apenas com linha de contorno; c) seleção de um desenho por aluno na sala de aula; d) ampliação do desenho e pintura do mes-

encarar "o desenvolvimento como um processo de natureza cultural que se constrói a partir das trocas, da partilha e da cooperação que as interações entre os sujeitos e, igualmente, entre estes e os instrumentos de mediação instrumental potenciam" (Trindade, R. & Cosme, A., 2010: 62). Considerações finais O projeto Oficinas da Imagem permitiu expandir o território escolar destas turmas. O ensino relacional entre diferentes agentes educativos reforçou os mecanismos de aprendizagem dos alunos, colocando os estudantes num processo experiencial que lhes permitiu aproximarem-se dos modos de ver, de pensar e de criar a arte contemporânea. Foi valorizado o património cultural como fator decisivo nos processos de aprendizagem e desenvolvimento do aluno, focalizando atenções no trabalho de grupo, nos instrumentos criativos e nos processos reflexivos mais do que nas manifestações da autoexpressão, pois é importante a construção pessoal através da relação experiencial. Este projeto foi um território de confronto de ideias e de práticas, fazendo os participantes atravessar múltiplos campos educacionais.

* artista visual

Referências bibliográficas Atkinson, Dennis (2006) School Art Education: Mourning the Past and Opening a Future, International Journal Of Art & Design Education, 25(1), pp. 16-27 Bruner, Jerome (2000), Cultura da Educação, Edições 70 Brochura Oficinas da Imagem (2012), Centro Cultural Vila Flôr Charlot, Bernard (2001), Os Jovens e o saber - perspectivas mundiais. Porto Alegre, ArtMed. Krauss, Rosalind (1979) Sculpture in the Expanded Field, October vol. 8, pp. 30-44 Ramos do Ó, Jorge (2007) Desafios à Escola Contemporânea: um diálogo, Educação e Realidade, Jul/Dez, pp. 109-116 Tavares, José et all. (2007) Manual de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Porto Editora, Portugal Vygotsky, Lev (1977) Aprendizagem e Desenvolvimento Intelectual na Idade Escolar, in Luria, L. et al., Psicologia e Pedagogia I, Lisboa: Estampa


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TRILHOS MARCAS QUE FICARAM E QUEREMOS PARTILHAR

O Museu da Crise é um projeto artístico independente iniciado por Daniela Paes Leão e Merel Willemsen, acolhido na programação do Serviço Educativo de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. O primeiro objetivo deste projeto foi, através de investigações artísticas, circunscrever a crise, contendo-a dentro do edifício do Museu para a tornar um conceito do passado. Paralelamente o projeto teve como objetivos questionar e analisar como é que vários países combatem os seus problemas económicos; iniciar projetos que tornem indivíduos parcialmente independentes do atual sistema financeiro; e convidar artistas, arquitetos e pensadores para desenvolver projetos baseados em economias alternativas. Mais informação em www.museudacrise.org

MUSEU DA CRISE Daniela Paes Leão e Merel Willemsen *

O Museu da Crise é um projeto que nasceu de um profundo sentimento de urgência em criar uma resposta artística à atual crise, tentando libertar o processo mental da ideologia neoliberalista, criando uma nova forma de olhar a crise, independente da vigente perspetiva do mercado livre. O Museu da Crise é um processo criativo que, envolvendo diretamente comunidades ou o contexto onde opera, pretende gerar um comportamento sustentável a partir das bases. O Museu da Crise não tem uma forma concreta, não é um edifício e não tem funcionários nem diretores. É, antes de mais, um pensamento, uma ideia em constante desenvolvimento que, juntamente com os inúmeros participantes, se torna cada vez mais concreta. É um conceito de mãos no chão e de olhos

postos no céu, a utopia... O Museu da Crise é também um nome, forte e cheio de significado e, ao mesmo tempo... vazio. Um nome de algo que não existe mas que põe as pessoas a pensar e que ativa a imaginação de cada um: como seria um museu da crise? O que significa? Como tornar a crise um conceito do passado? Que outra cultura poderia saber lidar melhor com a crise do que a portuguesa, que desde longa data nela existe? Cada Português desenvolveu, consciente ou inconscientemente, estratégias de como viver em crise. O contacto com estas pessoas durante workshops, laboratórios, apresentações ou conversas, traz sempre novas perspetivas, novas soluções e novos caminhos a descobrir. Às vezes, as mais pequenas coisas abrem um horizonte de possibi-

lidades. Ao incorporarmos estas contribuições no projeto, desenvolvendo-as e dando-lhes corpo, pretendemos não só capacitar cada um, mas também responsabilizar. Reverter a crise começa com pequenas ações. Todos nós temos uma palavra a dizer sobre a configuração da nossa sociedade, e todos temos a imaginação e o direito de construir este Museu da Crise. O Museu da Crise contará com uma nova fase de trabalho no contexto da Trienal de Arquitetura de Lisboa, em novembro deste ano.

* conceção e realização do projeto

Como Meter A Crise Num Museu (Ou Coisa Assim Parecida) Manuel M. Fernandes*

* sócio da AVE – Associação Vimaranense para a Ecologia e participante do projeto Museu da Crise

1.  Recebi um convite para participar numa oficina do Museu da Crise, projeto que começou por me parecer uma espécie de provocação. Imaginei prateleiras vazias logo à entrada desse museu, uma fatura vencida por pagar esquecida a um canto, um documento de penhora perdido no chão. Imaginei-me a deambular por esse museu de aspeto devoluto, pisando talões multibanco amarfanhados, com saldo negativo, deparando com o menu de um restaurante que fechou, o alvará de uma obra abandonada, um documento de apresentação na segurança social. Numa vitrina encontrei a chave de uma casa devolvida ao banco e, numa das salas, uma mesa sem pão. Quis regressar, desorientei-me e não encontrei uma porta de saída. 2.  Sem salas para visitar, nem objetos expostos, na oficina éramos apenas nós,

os participantes, respondendo ao desafio lançado pela Daniela e pela Merel, promotoras do projeto: é possível meter a crise num museu, tornando-a uma coisa do passado? Discutimos soluções em grupo e esboçamos iniciativas simples que podem transformar o quotidiano: mudar hábitos de deslocação, caminhando, pedalando e usando mais vezes os transportes públicos; cultivar alguns dos alimentos que consumimos, criando para o efeito uma bolsa de terrenos disponíveis; transformar casas arruinadas em elementos da estrutura verde urbana; e tantas outras iniciativas. Começámos assim a transferir algumas estratégias privadas − as da nossa economia doméstica, não tributada − para um espaço social mais abrangente, com efeito de escala. Talvez haja portas por abrir, se não nos deixarmos imobilizar pela retórica da crise.

3.  Quando catalisamos em grupo energias transformadoras, tornamo-nos capazes de ultrapassar os vários sentidos em que a crise nos cerceia. Com efeito, saio de mim e constato que não sou o único a sofrer com as imposições implacáveis da “austeridade”, nem o único capaz de engendrar soluções informais que mitiguem as perdas que sofremos. Contudo, isto já está para além do conceito de um museu: o estado a que chegamos reclama uma democracia na qual a partilha não seja um lugar-comum, mas o lugar da comunidade, capaz de converter a crise num espectro desarmadilhado.


Corpo, Música, Artes Plásticas António Matos*

Corpo, Música, Artes Plásticas. Expressões indissociáveis que se interligam e afastam. Que vivem individualmente mas que se complementam e completam quando se precisam mutuamente. Depois de ter participado nestas três formações gostaria de expressar o meu agradecimento ao Serviço Educativo do CCVF por levar a cabo esta iniciativa. Estas formações eram dirigidas aos técnicos que trabalham diretamente com uma população especial e fantástica – PESSOAS COM CUIDADOS ESPECIAIS. Numa das formações aprendi “Que pessoas são estas, tão estranhas, que

me são tão familiares?” E de facto são pessoas estranhas mas que ao longo de pouco tempo se tornam próximas, quase fazendo parte da nossa família. E que nos dizem e ensinam muito, sem se aperceberem. No que diz respeito às formações propriamente ditas, e não querendo identificar nenhuma em particular, as técnicas apresentadas não só servem, de forma geral, de âncora para aplicação prática, bem como favorecem a troca de experiências pessoais entre os técnicos, nas diversas áreas e formações individuais. Agradeço aos formadores pela forma

aberta, honesta e franca como nos foram apresentando, e ensinando, algumas (suas) técnicas. Estas formações, e outras que acharem convenientes, direcionadas a uma população de cuidados especiais, devem ter continuidade.

* Animador Sociocultural da valência CAO/Alecrim da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães

No verão Mario Rui N. Cordeiro*

O verão é uma coisa extraordinária. Sobre isto escrevi dezenas de páginas sem nunca ter dito nada de especial. No verão os criminosos são inteligentes, olham de costas para a treva e escolhem um nome. Assim: - Chamo-me Guilherme. - Eu Raúl. Mas eu sei que isto não é verdade. Um criminoso não tem nome, não tem nada. Chama-se apenas criminoso. - Aquele homem é um criminoso – dizem as pessoas. Um criminoso não tem sono. Não anda de bicicleta.

Traz sempre uma navalha aberta no bolso direito das calças. Um criminoso não dá frutos porque vem de muito longe – pensam as pessoas. Estou sentado numa cadeira. No meio da sala há um fogo muito antigo. Um criminoso percorre os países até às suas origens, lava as mãos no rio mais próximo e não escreve frases nas paredes. Às vezes diz: que procuro? Mas logo se recompõe e caminha por ruas estreitas. Ebebeda-se assim em correrias intermináveis até que alguém o descobre, sozinho num quarto escuro,

Aceitam-se Colaborações, Sugestões, Ideias e Outras Coisas… para publicação neste Jornal servicoeducativo@aoficina.pt

fala dele violentamente e denuncia-o. Então vem a polícia. Um criminoso é uma pessoa que, com todas essas correrias de matar e roubar, perdeu o nome. Um criminoso não sonha. Não conhece ninguém. Não sorri. Um criminoso não existe. * Autor de – Do Livro no prelo – “O Contador de Histórias” - 1965-1997 exílios -

Direitos Reservados

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NA LURA ESPAÇO DE TODOS PARA TODOS


Espetáculo "Opostos bem-dispotos" © Direitos Reservados

MAPA DE BOLSO A nossa agenda do trimestre

VISITAS Visitas Orientadas • M/ 4 anos ATÉ 31 DEZEMBRO • TERÇA A DOMINGO

Lições da Escuridão Visitas Orientadas • M/ 4 anos 21 SET. A 15 DEZ. • TERÇA A SÁBADO

Japão 1997 de António Júlio Duarte Visitas Orientadas • M/4 anos TODO O ANO • TERÇA A SÁBADO

Visitas Orientadas ao CCVF ESPETÁCULOS Teatro-Música • M/ 3 anos 29 SETEMBRO A 1 OUTUBRO

Dança • M/ 12 anos 27 NOVEMBRO

18 A 20 DEZEMBRO • 6 aos 12 anos

A Forma do Espaço

Natal feito com a Mãos Oficinas de Artes e atividades lúdicas

Máquina Agradável

OFICINAS PARA JOVENS E ADULTOS

Teatro • M/ 7 anos 8 E 9 DEZEMBRO

Workshop/ Audição

Comer a Língua

13 SETEMBRO • M/ 65 anos

Tempo do Corpo

Teatro do Frio

OFICINAS PARA CRIANÇAS E JOVENS Oficinas para pais e filhos • 1 a 5 anos 21 E 22 SETEMBRO

Ninho das Coisas Inês de Carvalho

Opostos Bem Oficinas Dispostos Joana Providência Lições da Escuridão Monitores do CIAJG Tempo do Corpo

OUTUBRO A DEZEMBRO • 3 aos 13 anos

Sofia Silva OUTUBRO E DEZEMBRO

Corpo Comum

Performance Comunitária • M/ 16 anos 7 SETEMBRO

Migrar

Fernando Giestas e Rafaela Santos Seminários • Adultos 25 A 27 OUTUBRO

Artes e Comunidades Encontros Audiowalk • M/ 12 anos TODO O ANO

Atabicar o Caminho

João Martins João Girão, Manuela Ferreira, Margarida Mestre, Sofia Cabrita / Professores do ensino básico e secundário Miguel Horta e Margarida Vieira / Professores e técnicos da área de necessidades educativas especiais Carla Galvão e Crista Alfaiate / Educadores de infância Ensino Secundário OUTUBRO A MARÇO

Dança • M/10 anos 12 OUTUBRO

A Arte como Farol Magda Henriques A PARTIR DE OUTUBRO • M/ 15 anos

Atelier Aberto CIAJG Organização

OUTROS

Preços_Consultar condições específicas em www.ccvf.pt Reservas para espetáculos Tlf 253 424 700 / Fax 253 424 710 bilheteira@ccvf.pt Informações e reservas para outras atividades Tlf 253 424 700 servicoeducativo@aoficina.pt

Apoios

Centro Cultural Vila Flor Av. D. Afonso Henriques, 701 4810 431 Guimarães Tel 253 424 700 geral@ccvf.pt www.ccvf.pt


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