Primeiro Texto Comunitário - Mangue Seco e Butantã

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PRIMEIRO TEXTO Jornal Laboratório do 3º semestre de Jornalismo (FaAC) - Noite - Ano XIV - Dezembro 2013

COMUNITÁRIO MANGUE SECO E BUTANTÃ - SANTOS-SP


Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

EDITORIAL

P R I M E I R O

Filhos da maré

MATHEUS JOSÉ MARIA

Matheus José Maria

V

isitar comunidades como a do Mangue Seco e Butantã é uma experiência que muda qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade. Pessoas vivendo sua vida à margem da sociedade e à margem da maré. Apalavra pode soar para muitos como tendo uma conotação que remeta simplesmente ao fluxo das águas que sobem e descem seguindo sua natureza, mas após essa visita, para muitos dos alunos o significado desta palavra simplesmente mudou. Maré passou a ter sentido de vida e de morte, de começo e fim, de rio ou de mar, de dia a dia para as pessoas que vivem ali. A maré passou a ser o ponto de encontro de histórias de vida como a de mães que tiveram seus filhos ali mesmo, em seus barracos, com histórias de morte onde mães perderam seus filhos pequenos e incautos para a maré. Ali, em barracos que se sustentam mais pela força de vontade

de seus moradores do que pela força dos já apodrecidos alicerces de madeira, uma série de vidas se cruzam. Maicon, o pequeno acrobata de cinco anos que cativou a todos com seu jeito inocente e olhar forte e o caminhoneiro que convive com o seu trabalho ao lado do arriscado vício das drogras até a casa mais decorada do bairro, com desenhos feitos pelo seu morador, um artista talentoso que fez sua história ali, como todos os outros, à beira da maré. Essas histórias agora se cruzam com as histórias e as vidas dos alunos do 2º ano de

Jornalismo noturno da Universidade Santa Cecília. Vidas que veem a praia pela janela de seus apartamentos localizados em gigantescas torres que ignoram o que se esconde às suas sombras. Vidas que se veem cercadas por prédios que de tão grandes, refletem a impossibilidade de alcançá-los e pela maré que os acolhe, os recebe. Um hiato social, escondido, varrido para debaixo do tapete do descaso. Vidas... sim, vidas como as nossas, exatamente iguais as nossas já que, afinal, somos todos humanos a despeito do que temos para vestir, comer

T E Prática para futuros jornalistas, experiência como cidadãos X T O Wagner Tavares

E

m cidades grandes há bairros ou comunidades onde boa parcela dos moradores desconhece a existência. Geralmente, são locais de pouca estrutura, sem apelo turístico, com passagens estreitas, sujeira, mas com pessoas e histórias. Nós, alunos do segundo ano noturno de jornalismo da Unisanta, recebemos a proposta de vasculhar essas histórias de uma região de Santos. Depois de descartadas algumas opções, chegamos às comunidades Mangue Seco e Butantã, no bairro do Bom Retiro, Zona Noroeste, graças ao contato com o presidente da Associação de Melhoramentos de ambas as comunidades, André Luiz Ribeiro. Receptivo e falador, Ribeiro veio à sala de aula para apre-

sentar sua região, relatando tanto os problemas quanto os aspectos positivos que os moradores de bairros mais ´servidos´ acreditavam não existir por puro julgamento infundado. Baseados na conversa que tivemos, pautas foram elaboradas pelos professores. Agora restava o principal: conhecer a comunidade em loco, vasculhar as histórias, absorver a cultura daquele povo. E isso já foi divertido antes mesmo de chegar até lá. No dia marcado, quase 30 pessoas esperavam um ônibus no ponto. Quando o coletivo chegou e começamos a entrar, os outros passageiros olhavam descrentes naquela gentarada passando na catraca. E não foi rápido, não. Depois de trocar de ônibus no terminal e mais alguns minutos até a Avenida Nossa Senhora de Fátima, finalmente o coletivo seguiu pela Avenida Jovino de LUIZ NASCIMENTO

Melo. É no final dela que descemos – acho que o ônibus ficou mais leve – e encontramos Jane nos aguardando na única praça daquela comunidade. O nome completo da líder comunitária é Jane Maria Vieira e é o tipo de pessoa que conhece cada morador e comerciante local. Ela nos levou à sede da Associação, erguida com placas de madeira, mas bem feita e com um espaço muito bom. A sede se tornou nossa base, onde tirávamos dúvidas, discutíamos pautas, dávamos sugestões a outros colegas e descansávamos também. Cada aluno tinha a própria missão: encontrar personagens, histórias e depoimentos sobre o assunto que abordava. O estoque não era escasso, bastava se enfiar naquelas vielas, expressar um “bom dia”, fazer uma perguntinha, e declarações de vida eram, ao mesmo tempo, jogaMATHEUS JOSÉ MARIA

2 Estudantes pegam barco para registrar melhor o local

Maicon nos ombros de Yonny

ou nos abrigar. Se eles são o que são por causa da pobreza material que os cerca, com certeza somos o que somos porque somos pobres também, mas de riqueza moral, o tipo de riqueza que não nos ajudaria a comprar novos equipamentos eletrônicos, mas com certeza nos tornaria pessoas melhores. No final das contas, somos todos seres humanos, com carências diversas. Somos todos pessoas vivendo em um mundo injusto onde alguns se julgam superiores aos outros. Somos todos filhos da maré. MATHEUS JOSÉ MARIA

Aluno registra entrevista em áudio

das para dentro dos gravadores, na função de entrevistas, e reveladas aos alunos, com carga de ensinamentos e como transmissão de experiência. Um nome ficou marcado nessas descobertas... Maicon, um garoto de cinco anos, que encantou a todos. Yonny Furukawa, uma das alunas, não desgrudava dele. Ou seria o contrário? Não só marcado na mente, mas também retratado, e muito bem, pelas lentes de outro aluno, Matheus José Maria, eleito como o nosso fotógrafo oficial. Reclamações? Também, muitas! Enquanto captávamos histórias, os moradores nos viam como mensageiros da informação sobre os problemas que eles enfrentavam. Isto não deixa de ser verdade, afinal levaremos um exemplar deste jornal para cada um dos 21 vereadores de Santos, em visita oficial à Câmara Municipal. Foi um dia no qual o alunado, possivelmente pela primeira vez, sentiu-se jornalista de verdade, fazendo matérias com caráter social, escutando os sentimentos, raivosos ou alegres, daquela parte da população. E alguns alunos voltaram à comunidade. O dia das crianças.


Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Vida sobre a maré

Fotos: MATHEUS JOSÉ MARIA

O drama das pessoas que moram nas palafitas

Guilherme Almeida

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erca de 11,4 milhões de pessoas moram em favelas e palafitas em todo o País, segundo o último censo do IBGE, de 2010. Nas comunidades do Mangue Seco e Butantã, em Santos, há cerca de 430 famílias nestas condições. Os moradores da comunidade, carente, esquecida e isolada, vivem com o descaso e promessas há tempos, mas ainda mantém as esperanças de auxílio Poder Público. E não é só a falta de investimentos em casas populares que incomoda os moradores. No local, não há creches, escolas, posto de saúde. Ligação elétrica é recente. “Todo ano falam que vão construir [novas moradias], mas isso nunca do sai do papel”, desabafa a moradora Osana Aparecida. Há um projeto de criação de um conjunto habitacional no terreno da Prainha, próximo à casa de Osana, mas, segundo ela, essa é uma promessa antiga. “Dizem que o projeto está quase pronto, mas isso já tem mais de três anos”. A dona de casa revela que não se muda do local porque espera conseguir uma habitação do Governo, “mas, até agora, nada”. “Já tem uns 20 anos que estou esperando

Para moradores, criação de casas populares não sai do papel

essas casas. Não constroem mais nada. Não deram nenhuma perspectiva. Estamos na espera, como sempre”. Mesmo com as dificuldades, ela ressalta ser feliz na casa de dois quartos onde mora com os dois filhos maiores de idade, a nora e um neto. “Para mim, não há qualquer dificuldade. Cada um se vira como pode”. Dona Osana diz ainda que a única causa em que pode confiar é a divina. “Quando Deus achar que eu mereço algo melhor, a gente sai”. Juntando as economias Rosineide de Lima Monteiro cansou de esperar por uma resposta. Moradora de comunidades há mais de 25 anos, a auxiliar de serviços gerais

revela que está juntando as economias para comprar uma casa fora da “maré”, como os moradores chamam a parte banhada pelo mar embaixo das palafitas. Para ela, morar em palafita não traz benefício algum. “Tudo é ruim. O cheiro, a lama, o lixo, tudo. Tem que ter muito cuidado ao andar porque tem rato e barata. Por mais que a casa seja bonitinha, arrumadinha, sempre tem alguns insetos. Enquanto 10 jogam lixo lá na lixeira, 30 jogam na maré”. O desejo de sair da comunidade é grande, mas o dinheiro que ela juntou com o marido não é suficiente para dar entrada em uma casa própria. “No caso, eu ia precisar vender essa casa para dar uma

entrada com o meu salário e o salário do meu marido. A gente não tem condições de morar em Santos, só Praia Grande ou no Jardim Rio Branco, em São Vicente”. Mas muitas pessoas não pensam assim. “Tem gente que não tem condições de sair daqui e não quer. Eu morro de vontade de sair. Eu e meu marido queremos ir nem que seja para um aluguel, mas temos que vender aqui antes. Estou pedindo R$ 30 mil no meu barraco, mas tem gente por ai que vende por 35, 40 mil. E tem gente que paga”. Rosineide diz que sair por conta própria é a única maneira de deixar a comunidade. “O presidente da COHAB disse que não importa se tem casa ou não. Minha saída daqui vai depender do Santos Novos Tempos. Se eles acharem que eu estou atrapalhando alguma coisa que vão fazer, me tiram. Se não, os que chegaram agora saem primeiro que eu, independentemente de ter cadastro ou não. Dizem que é pra manter o número de barracos, mas às vezes chega uma mãe de família, com filho pequeno. Você vai deixar morar na rua? A gente é ser humano, nos sensibilizamos com a história”. Para ela, o controle feito apenas pelos moradores é ilusório, impossível e irreal.

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Água subindo é sinal de perigo

Palafitas: cena comum na periferia

O local também apresenta perigos aos moradores. Várias crianças caem na maré constantemente. Sem nenhum caso de falecimento registrado, as pessoas do bairro tratam o tema com naturalidade. “Meu filho maior já caiu na maré várias vezes. Antes de construir esse barraco, ai era um ‘terrenão’. Ele já caiu com a cheia. A água ficou aqui [na barriga] dele. Aí, ele ficou gritando ‘socorro’, ‘socorro’ e a gente tirou ele com um toco. As crianças vivem caindo na maré, porque elas não param, não tem como você prendê-

-los”, conta a dona de casa Janaína Aparecida. O único caso fatal que conhece é o de uma comunidade próxima, onde uma criança morreu afogada. Janaína também presenciou um incêndio na frente da comunidade. “É de lei: todo Natal, algum lugar tem que pegar fogo. Houve um incêndio aqui na frente. Não chegou a me afetar, mas eu tive que tirar as coisas de dentro de casa, porque o fogo estava se alastrando. Como aqui não entra carro, os bombeiros não tinham como entrar. Muita gente se jogou na maré pra poder tirar

a água de lá e tentar conter o fogo. Os bombeiros tiveram que emendar uma mangueira na outra até chegar aqui. Mas, eles conseguiram controlar o incêndio”. A dona de casa afirma que não pode trabalhar porque não tem onde deixar os filhos de cinco e nove anos. Sua única renda é o Bolsa Família que paga pelas crianças R$ 130, e uma ajuda irregular do pai deles. “Quero sair daqui quando meus filhos trabalharem. Quero poder sair de cima da água. Eu não quero que eles passem o que eu passei”. (G.A)

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Em busca de

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COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ Fotos: MATHEUS JOSÉ MARIA

mais saúde Carolina Yasuda

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aúde é um dos direitos que a população mais cobra de seus governantes. Conforme o artigo 196 da Constituição Federal, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Três donas de casa dividem opiniões sobre as condições de saúde da região e contam as experiências com as quais convivem no seu cotidiano. Maria Geralda de Freitas, 57 anos, mora com o marido e um dos quatro filhos em um barraco à beira do rio, e diz que a falta de saneamento básico e a sujeira do local não interferem na saúde da sua família. “Isso depende de como cada um cuida do seu lar. Eu não tenho problema com ratos, pois mantenho minha casa sempre limpa”. Andrea Cristina Santana, 39 anos, divide o lar com o esposo e dois filhos menores e atribui grande parte das doenças à água. “O grande problema daqui é a água. Minha filha, Geovanna, sete anos, já ficou com verminose duas vezes. Agora a gente só compra água mineral e também temos um filtro”.

Alessandra Luciana Neudl de Azevedo, 22 anos, tem um filho de três anos que estava com catapora e muitas feridas no corpo. Ela disse que não se preocupa em levá-lo ao médico ou passar remédios e prefere deixar o garoto continuar brincando. “Quanto mais você cuida, mais dá problema”. Alessandra justifica a atitude por causa do mau atendimento no Pronto Socorro. “Não vou leva-lo ao PS, pois os médicos nem olham direito”. O atendimento no PS divide opiniões. “Lá é péssimo. Nós temos que ir preparados para esperar o dia inteiro. Meu filho, Vitor, 17 anos, está com o pé inchado e a gente fica criando coragem para leva-lo”, reclama Andrea. Maria Geralda prefere entender os problemas do PS. “Não gosto de reclamar do pronto socorro, tento entender os funcionários de lá e sei que não é culpa deles quando está muito cheio. A gente também tem que ter paciência nesses dias”. Bem próxima à comunidade, existe uma Unidade Básica de Saúde (UBS), popularmente conhecida como Policlínica do Bom Retiro, e as moradoras elogiaram a maioria dos serviços oferecidos. “A policlínica é muito boa. Você marca e é atendido em pouco tempo. Os exames geralmente ficam prontos em dez dias”, conta Maria Geralda. Andrea elogia a organiza-

Filha de moradora teve diversas contaminações por causa da água

Policlínica Bom Retiro Endereço: R. João Fracarolli , S/N – Sta. Maria Telefone: (13) 3299-7669 Atendimento: Segunda a sextafeira, das 7h às 21h Documentos: RG, comprovante de residência atualizado no nome do paciente e Cartão SUS. Agendamento: 8h às 12h.

ção do local. “A policlínica é muito boa e organizada, conseguimos marcar o encaminhamento para as especialidades e os exames não demoram a ficar prontos”. A reclamação ficou por conta de Alessandra. “Aquela policlínica é ruim porque a gente tem que comprovar endereço, mas aqui na comunidade é difícil de arrumar esse papel. Então, não consigo marcar algo lá”.

Sonhos persistem onde tudo é mais díficil J onathan

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Mangue Seco e Butantã pode não ser o paraíso, mas reúne relatos sobre sonhos dos moradores mais jovens do local. Assim como na maioria das comunidades mais pobres, o esporte mais praticado é o futebol, a grande paixão brasileira. Devaneios de salários astronômicos e uma vida melhor fora do humilde local passam constantemente pela cabeça daqueles que desejam ser boleiros. Esse é o caso de Leonardo dos Santos, 14 anos. “Tenho o sonho de me tornar um jogador profissional de futebol”, relata o jovem. Quando perguntado sobre o que faria com seu primeiro salário, afirmou, sem muita hesitação, que ajudaria sua família. Leonardo é apenas um entre as centenas de aspirantes a jogadores de futebol do local. Porém, sempre há espaço para outros sonhos. E esse é

O jovem Leornado (à esquerda) sonha em ser jogador de futebol

o caso de Jordan Ferreira, de 9 anos. “Quero ser advogado, quando crescer”, afirma ele. O jovem sonhador diz ter se inspirado no seu irmão, que hoje é formado em Direito e já trabalha na área. No entanto, ao ser perguntado sobre qual área de advocacia ele seguiria, Jordan apenas soltou um “vish...”, aos risos. “É aquela coisa: quem corre atrás, consegue. Ser morador de um local humilde como o nosso não impede ninguém de atingir seus objetivos”, acredita Sidney Ramos, um dos diretores da associação de moradores do local. Ele reconhece que o lugar apresenta maiores obstáculos àqueles que desejam uma carreira profissional fora dali, mas também afirma que “com muito esforço, tudo é possível”. Por outro lado, antes de realizar algo desejado, as crianças e jovens da comunidade precisam acreditar que sonhar é possível, mesmo estando em uma situação mais díficil.


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COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Policlínica atende 149 famílias que não querem mais ter filhos

DIVULGAÇÃO

Livia Lino

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planejamento familiar da região do Bom Retiro é um dos desafios que os agentes de saúde da Policlínica precisam enfrentar. Atualmente, 149 famílias recebem esse tipo de atendimento, que também conta com a ajuda da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp). “Nós somos psicólogos, terapeutas”, explica Vilma Aparecida, agente de saúde da Policlínica há 13 anos. Ela, junto com outra agente, é responsável pelas orientações das famílias. Segundo Vilma, o método mais usado é o da camisinha e depois vêm as pílulas anticoncepcionais, mas, para isso, é necessário passar pelo ginecologista. “O médico examina a mulher e vê qual tipo é melhor naquele caso, e então, com a receita, ela retira aqui na policlínica”, completa. Na Unidade, há tanto os anticoncepcionais de comprimidos, como de injeção, assim como a pílula do dia seguinte. Para casos mais complexos, como cirurgias ou colocação do DIU (Dispositivo Intra-Uterino), a Policlínica encaminha-os para o Instituto da Mulher, para serem estudados e analisados. No caso da laqueadura, que é irreversível, a mulher passa por uma série de entrevistas, inclusive com psicólogos e assistentes sociais, até ir para a sala de operação. “Tem mulher que acaba desistindo, por medo da cirurgia e por ser definitiva”, explica Vilma.

Agentes de saúde da policlÍnica fazem visitas mensais à comunidade para mostrar métodos de prevenção

Outro problema que complica o processo de laqueadura é a lista de espera. Uma mulher aguarda, em média, de nove meses a um ano para ser operada. É o caso de Luiza Cristina, que reclama da demora. “Eles estão vendo que a gente tem um monte de filhos, como eu, que tive quatro e depois engravidei. Por que eles não me operaram na hora que o ultimo nasceu?”, questiona. Luiza tem 30 anos, é mãe solteira e vive apenas com o auxílio do Bolsa Família. “Coloquei o pai dos meus filhos na justiça há quatro anos e, re-

Métodos de Prevenção: O método mais indicado pelos médicos e mais comum de se encontrar é a camisinha, por ser a mais eficaz e prevenir tanto a gravidez como todas as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Seu preço é acessível, e há distribuição gratuita nas policlínicas. Existem dois tipos de camisinhas: a masculina e feminina. A masculinas é a mais comum de se encontrar, é fácil de se colocar e deve ser usada no momento da relação sexual. O Governo Federal distribui camisinhas masculinas por todo o país. Em policlínicas, é possível encontrar em dois tamanhos: para adolescentes e convencionais.

A feminina é menos populares, mas seu nível de eficácia também é bastante alto contra doenças ou gravidez indesejada. Diferente da masculina, a camisinha feminina é mais difícil de se colocar, pois deve ser encaixada dentro do canal vaginal. Porém, diferentemente da masculina, pode ser colocada horas antes da relação sexual. Já as pílulas anticoncepcionais, devem ser tomadas todos os dias no mesmo horário. No caso de não ingerir a pílula, em um intervalo menor de 12 horas, é indicado tomá-la assim que se lembrar. Caso passe de 12 horas, deve-se evitar relações sexuais por uma semana, ou usar a camisinha.

centemente, teve a audiência. Por ele estar desempregado o juiz estabeleceu uma pensão de 250 reais para sustentar todos, mas ele só dá quando quer”, desabafa. No momento, o que Luiza quer é fazer a laqueadura. “Não quero mais ter filhos, não tenho condições”. Mas não se mostra muito otimista. “É difícil eles chamarem, o meu ultimo parto foi cesariana de emergência e eles não me operaram. Agora, vou ter que deixar os meus filhos para me internar de novo”. Segundo Vilma, a Policlíni-

Outra vantagem é que o uso da pílula diminui os sintomas da TPM, evita o aparecimento de espinhas, endometriose e cólicas. Outros tipos de anticoncepcionais bastante usados são os de injeção. Existem dois tipos liberados pelo Governo Federal: o mensal, que deve ser tomado uma vez ao mês, e o trimestral. Em casos de emergência, em que a relação foi realizada sem camisinha ou pílula anticoncepcional, existe a pílula do dia seguinte (PDS), que deve ser usada no máximo 72 horas depois do sexo. Para maior garantia, deve-se tomar o quanto antes. Existem também métodos caseiros de se evitar uma gravidez indesejada, mas não são indicados por médicos, porque costumam falhar

ca faz orientações de mês a mês, e durante as visitas os agentes de saúde levam preservativos. “Eles costumam pedir bastante, por isso sempre distribuímos”. Além dos agentes de saúde, a Policlínica do Bom Retiro tem a ajuda de 15 estudantes e cinco residentes, todos dos cursos de Nutrição, Fisioterapia e Farmácia da Unifesp. Os atendimentos não são apenas focados em planejamento familiar, mas também na saúde da população. Em casos especiais, é realizada visita domiciliar.

por vários motivos. Um método caseiro bastante comum é a tabelinha, o método que se baseia no cálculo dos dias do ciclo menstrual da mulher. Porém, não é fácil descobrir os dias em que a mulher está no período fértil. Geralmente, conta-se 15 dias depois do fim da menstruação para a mulher entrar no período fértil. Para mulheres com menstruação desregulada, torna-se mais complicado saber quando ocorre esse período. E há mulheres que podem engravidar fora do período fértil. Em todos os casos, com exceção das camisinhas masculinas e femininas, existem riscos de contrair DSTs. Para mais informações, procure a policlínica mais próxima de sua casa.

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Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ REPRODUÇÃO

P R I M E Guerreiros em busca I de mudanças R O Pintura feita pelos Guerreiros sem Armas em 2011

Thalyta Bueno

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T E X T O

om o intuito de transformar vidas, os Guerreiros sem Armas se instalaram nas comunidades Butantã e Mangue Seco, onde ficaram por 30 dias no ano de 2011. O Instituto Elos uniu 15 pessoas do mundo inteiro para mudar vidas, repassar seus princípios e renovar sonhos. Para ser um dos Guerreiros, o candidato participa de um processo seletivo, e logo depois faz um treinamento de um mês, aplicando isso em uma comunidade. Moradora e uma das pessoas que lidera a associação da comunidade, Jane Maria Vieira relata que os voluntários pintaram vários desenhos na praça do bairro. O principal aprendizado dela foi sobre a união dos moradores. “Depois que eles vieram, tivemos mais união”, diz. Jane foi uma das pessoas que ajudou na chegada e hospedagem e também cozinhou para os Guerreiros. Eles ficaram hospedados em um dos morros de Santos e se espalharam pelos bairros carentes. Segundo ela, os moradores não conseguiam ficar tristes perto deles, pois eles

sempre incentivavam a felicidade. Eles nunca deixaram de dar força, sempre ajudaram a pedir muitas doações. O voluntário do projeto, Ronaldo Pereira, conhece o programa desde 2009, quando os Guerreiros estiveram no bairro onde vive, Alemoa, em Santos. Em 2010 realizou o processo seletivo e pegou para si o propósito de mudar vidas. Segundo ele, o programa trabalha com sete passos: “Olhar, afeto, sonho, cuidado, milagre, celebração e reevolução”. Além de mudanças físicas como as pinturas na praça e a modificação realizada na mesma, os Guerreiros passaram e mudaram a vida de muitas pessoas, deixando como mensagens aos moradores da comunidade amor, carinho e união. Jovens de muitos países se mobilizam e vão atrás de um único objetivo: mudar o mundo. Eles passaram por comunidades de Santos apenas uma vez, deixando o lado bom de ajudar. O próximo processo seletivo para o programa acontecerá em janeiro de 2014, pelo Instituto Elos Brasil. Os interessados deverão entrar em contato no site http://institutoelos.org/.

Para moradores, oportunidades de emprego não faltam. Basta procurar dividual de cada candidato. Acho que morar na falta de emprego comunidade não faz muita é sempre um dos diferença nessa questão. pontos críticos ci- E isso não vale só para o tados na maioria Mangue Seco. Pois o cara das comunidades caren- pode morar em um bairro tes do Brasil. Porém, para bom, mas não ter capacios moradores do Mangue dade para trabalhar”, comSeco e Butantã, as oportu- para Sidney. nidades de trabalho apareAlém de a questão do emcem, basta procurar. prego ser individual, Sidney Pelo menos é o que acre- também conta que as predita o comercianocupações da te Edvaldo Silva. comunidade “Nunca faltou trasão outras. balho aqui. Quem “Emprego quer arrumar um é difícil, sim. emprego, conseMas, está difígue”. O morador cil para todos, da comunidade, não é só aqui. de 34 anos, acreAs nossas predita que não é só ocupações no porque a pessoa Mangue Seco mora em um losão outras, Sidney Ramos, cal carente, que como melhovice-presidente da as oportunidades rias na comuAssociação não vão aparecer. nidade, saú“Moro no Mande, transporte, gue desde 1997 e sempre etc”, defende o vice-presitrabalhei, mesmo não ten- dente da comunidade. do um estudo bom. Quem Além das oportunidades já quer ter um emprego, sem- existentes, o Mangue Seco pre dá um jeito. Hoje em dia e Butantã poderá oferecer eu estou com um comércio várias chances de emprego, alugado, mas sempre tra- por conta das reformas que balhando”, completou Ed- acontecem no local. valdo. “Algumas portas serão Para o vice-presidente da abertas para os moradores Associação dos Moradores daqui e da Zona Noroeste do Mangue Seco e Butan- em geral. Duas empresas tã, Sidney Ramos, morar na que estão trabalhando com a comunidade não influencia retirada do lixo da região e na nas chances de se conse- construção de um sistema de guir um trabalho em Santos. drenagem estão oferecendo “Emprego tem, só de- oportunidades de emprego”, pende da qualificação in- anunciou Sidney. V itor A njos

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“Emprego é difícil, sim. Mas, está para todos, não é só aqui.”

MATHEUS JOSÉ MARIA

Quer saber mais das comunidades Mangue Seco e Butantã ? Acesse nosso blog, com matérias em áudio e vídeo

6 blogpt2013.blogspot.com.br

Para Edvaldo Silva, é preciso procurar oportunidades


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COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Deixando o mangue mais limpo Fotos: MATHEUS JOSÉ MARIA

Lucas Ferreira

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uinhentos e sessenta e quatro quilos. Essa foi a quantidade de lixo retirada do estuário pelos voluntários do Instituto EcoFaxina na 38ª ação realizada no dia 1 de setembro na comunidade do Mangue Seco e Butantã, localizada no bairro Bom Retiro, da Zona Noroeste, em Santos. O diretor-presidente do Instituto, William Rodriguez Schepis, explica que as ações voluntárias realizadas por eles não têm um caráter apenas de limpeza. “A gente limpa, mas sabe que no dia seguinte a maré vai subir e aquilo vai retornar. Por dia é muito lixo que se joga no estuário. Então a gente vai mais com o intuito de ter uma oportunidade para conversar com os moradores sobre a importância do mangue e sobre hábitos que eles podem adquirir no dia-a-dia em relação ao descarte dos resíduos. Passar um pouco de informação”. Ele conta que, geralmente, as ações em comunidades como a do Mangue Seco e Butantã são vistas com descrença. “Existem adultos conscientes nessas comunidades. Principalmente aqueles que, um dia, trabalharam com pesca e com extração de frutos do mar do manguezal. Mas existem outros que olham com descrença. Eles veem a gente indo até lá e falam que aquilo não tem solução, que ele pode não jogar lixo no estuário, mas o vizinho joga. É muito difícil trabalhar essa parte de consciência ambiental com as pessoas, principalmente pelo fato dos adultos terem prioridades que estão à frente do meio ambiente, da sustentabilidade”. Já as crianças são mais receptivas e procuram ajudar os voluntários. “A gente costuma conversar bastante com elas,

Lixo jogado no estuário afasta espécies marinhas e prejudica a qualidade de vida dos habitantes

que se identificam com a ação. Pedem que a gente dê uma luva, uma bota, porque querem participar com a gente. Tentamos fazer com que entendam o seu papel para que seja revertida aquela situação, que não é interessante para elas”, explica William. Schepis diz que várias espécies de animais já não são mais encontradas no estuário de Santos, que é considerado um berçário da vida marinha. “Por exemplo, o golfinho nariz-de-garrafa seria um mamífero comum de a gente ver aqui no estuário, assim como há em Cananeia e Itanhaém. Mas são animais que têm um nível de raciocínio maior. Então eles percebem que o ambiente está muito alterado e tem esse discernimento de ir para outros locais. Agora, existem organismos como a tartaruga marinha,

Espécies podem desaparecer do estuário em razão do lixo largado

564 quilos foi a quantidade de lixo reciclável retirado do mangue

por exemplo, que agem muito sob instinto. Para elas, tudo que está na água é comida. Fora os peixes, pois muitos se afastam repelidos pela poluição”. William diz que ainda dá tempo de se recuperar a área do estuário de Santos. Para isso, seria necessária vontade política dos governantes. “Se a Prefeitura conseguir retirar essas famílias de lá, dando habitação a elas, e fazendo realmente um trabalho de recuperação ambiental. Não como foi feito, por exemplo, no lado esquerdo da margem do rio do Bugre, em São Vicente, onde foram retiradas as famílias, mas em vez de recompor a margem, eles aterraram e foi feita uma pista próxima à ela, sem recuperar a mata nativa de mangue”. Além das ações voluntárias, o Instituto EcoFaxina atua enviando propostas ao Ministério Público e instâncias municipais, para chamar atenção aos problemas ambientais e cria projetos que ajudem a combatê-los. Desde 2009 há um projeto para que seja criada uma frente de trabalho com jovens de comunidades de palafita. William explica que muitos desses jovens já coletam plástico na maré e vendem para

complementar a renda. “Precisamos que a Prefeitura tenha uma contrapartida nesse projeto, cedendo um espaço para a gente, próximo à margem estuarina, para que esses jovens possam reunir o material que eles coletam e a gente dar um pouco mais de infraestrutura para eles, como material de proteção, luvas, botas, embarcações para que eles adentrem em certas áreas compactadas, enquanto o trabalho de recuperação é feito”. Conforme ele, esses jovens se tornariam multiplicadores dessa consciência ambiental dentro das suas próprias comunidades. “Eles fariam não só a coleta no ambiente natural, mas também a coleta dentro da comunidade, que para eles seria melhor e mais fácil do que esperar chegar ao mangue para coletar. E isso vai aumentando a renda deles.” O EcoFaxina faz ações em diversos tipos de ecossistemas, como ilhas, costões rochosos e praias. William conta que ao fazer ações em lugares como a Ilha Porchat, em São Vicente, traz mais visibilidade ao assunto. “Quando fazemos ações em mangue é muito difícil de a imprensa cobrir e dar visibilidade para isso. É bom para gente ter contato com as comunidades, onde é a raiz do problema. Só que em uma ação na Ilha Porchat, por exemplo, a gente consegue dar uma visibilidade bem maior, tanto na questão da mídia quanto na participação de voluntários também”. Até agora, o Instituto EcoFaxina já retirou 25,1 toneladas de resíduos sólidos de áreas naturais da Baixada Santista e no começo do ano de 2013 recebeu o título de Entidade de Utilidade Pública pela Prefeitura de Santos.

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Dia das Crianças

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COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

solidariedade e carinho Fotos: MATHEUS JOSÉ MARIA

Brinquedos foram doados pelos comerciantes da região e alegraram muitas crianças da comunidade, que tiveram um dia diferente

R aphael M atos

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s crianças do Mangue Seco tiveram motivos em dobro para festejar. Elas não tiveram apenas uma, mas, sim, duas comemorações recheadas com doces, gincanas e brinquedos. A primeira festa ocorreu no dia 6 de outubro, uma semana antes do Dia das Crianças. O evento foi organizado pela Igreja Universal do Reino de Deus e fazia parte do projeto “A gente da Comunidade” e, além de diversão, o evento contou com trabalho social. O projeto, que é custeado pelos membros da Igreja, é o braço social da Universal e, por meio dele, são realizados trabalhos dentro de diversas comunidades carentes de todo o Brasil. O objetivo é prestar assistência a bairros periféricos. Para a voluntária Cassiana Costa, funciona como um alicerce psicológico. Ela, que frequenta a Igreja há cerca de nove anos e participa de projetos de voluntariado há oito, declara: “Não deixamos somente brinquedos. Realizamos diversas atividades”. Quando questionada se o projeto seria

uma forma de introdução religiosa às crianças, ela afirma que “nosso trabalho é muito mais que isso. Há também conscientização social. Muitas crianças sofrem em casa, com pais viciados e brigas dentro do lar. Além disso, após a visita inicial, há um contato permanente com um grupo de oração, que faz visitas regulares às comunidades”. A assistência e a continuidade do trabalho social são fundamentais, conforme Cassiana. “De nada adianta entregarmos apenas uma cesta básica, pois dependendo de quantas pessoas tiver a família, esta só durará de uma a duas semanas, no máximo. Mas, nossa prioridade é mostrar que a gente está aqui hoje, num domingo à tarde, com este sol, por Jesus, que mudou nossas vidas, e mostrar também que existe alguém que olha por elas e que quer mudar suas vidas”. A comemoração contou com brindes como bicicleta, TV e fogão, doados por fiéis. Além disso, foram disponibilizadas equipes de cabeleireiros, enfermeiros e nutricionistas. Ao final do evento, foi realizada uma oração de agradecimento.

União faz a força

Pintura feita na oficina de artes

A festa do dia 12 de outubro foi marcada pela solidariedade e união. O segundo evento contou com a participação dos próprios moradores. A equipe da Universal cedeu os brinquedos infláveis e a cama elástica, que foram utilizados na semana anterior, e a Regional de Santos forneceu as cadeiras e os brinquedos, doados por comerciantes da região. No total, foram distribuídos

1150 brinquedos. No Mangue Seco e Butantã vivem cerca de 800 crianças, mas o vice-presidente da Associação de Moradores do núcleo, Sidney Ramos, garante que “não vão sobrar brinquedos. Quando crianças de comunidades próximas, como Vila Telma, Ilhéu Alto e Ilhéu Baixo ficam sabendo da distribuição, também participam do evento. Mesmo elas não sendo moradoras do bairro, não se faz distinção, pois, são todas crianças. Apenas organizamos uma fila e distribuímos os presentes. Às vezes, os únicos brinquedos que as crianças possuem são os que foram doados”. Mas para que tudo desse certo, Sidney conta que a arrecadação começou com meses de antecedência, e comenta: “Não paramos por aqui. Já estamos correndo atrás dos preparativos da festa de final de ano”.


Entre brincadeiras, sonhos por um futuro melhor

Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ Fotos: DANIELLY COSTA / LUCAS FERREIRA

D annielly C osta

As crianças do Mangue Seco e Butantã têm sonhos como todas as outras. Mas, diferente daquelas que crescem dentro de apartamentos ou casas com muros altos, elas brincam nas ruas. Meninos e meninas se juntam no campinho de terra da comunidade para jogar futebol ou se encontram nos becos para brincar de taco, escondeesconde ou pega-pega.

L

éverson da Silva, 7 anos, gosta de brincar com seus irmãos, e estava com eles quando foi perguntado qual era seu sonho. Ele ainda não tem uma profissão definida, mas sabe exatamente o que quer para seu futuro. “Quero ser trabalhador para ganhar dinheiro e ajudar minha mãe”, disse, bem decidido. A mãe de Léverson, Luíza Cristina, de 34 anos, tem outros quatro filhos que sustenta sozinha, entre eles um bebê de quatro meses. Sua única renda é o Bolsa Família, do Governo Federal, no valor de R$ 240,00. Lívia, de 10 anos quer ser cabeleireira. Lavínia, nove, quer ser atriz.Gustavo, quatro anos, quer ser mágico. Juan Luiz Oliveira, morador de uma das tantas palafitas do local, tem 9 anos e assim como tantos garotos de sua idade, sonha m ser um famoso jogador de futebol. Torcedor do Flamengo, Juan já deu início ao seu sonho. Ele é levado pela mãe, para jogar no Clube Portuários toda semana. Aos sábados, Juan sempre está no campo da comunidade fazendo o que mais gosta até sua mãe o chamar para almoçar e ir ao clube. Assim como Juan, Matheus Eliédson, nove, e Guilherme Costa, oito, também sonham em ser jogadores de futebol. Amigos inseparáveis, os torcedores do Santos estão sempre brincando entre os becos e palafitas do Mangue Seco. Já José Henrique Silva Barbosa, de 12 anos, gosta de jogar taco e quer ser policial. “Quero proteger as pessoas, ter essa ação”, disse o morador do número 57, amigo de Gabriel Santos Souza, que diz querer ser administrador de empresas. Entre tantos futuros jogadores, administradores, cabeleireiros, atores e policiais, o que eles realmente querem é serem ouvidos e não esquecidos pelo resto da cidade, apenas por morar em uma par-

Léverson tem apenas 7 anos, mas já sabe o que quer para seu futuro

P R I M E I R O T E X T O

Os amigos Matheus, Guilherme e Juan sonham em se tornar famosos jogadores de futebol

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Lívia, futura cabeleireira, tem dez anos e gosta de brincar de boneca

Lavínia quer ser atriz

te mais pobre. Sonham com um futuro melhor para eles e

o que eles precisam é apenas de uma chance.

suas famílias. Como disse a mãe de Juan, Viviane Luíza,


Como anjos sem asas

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P R I M E I R O T E X T O

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Elas protegem, ajudam e são companheiras nas lutas por melhorias na comunidade MATHEUS JOSÉ MARIA

Luana Ferreira

J

ane Maria Viera , 47 anos, há 25 mora na comunidade, e é considerada exemplo para todos. Ela é mãe, avó e tia de cerca de 800 crianças. O local onde vive grita por mudanças. Os barracos são palafitas e a briga é constante contra a grande população de ratos que habita em meio aos moradores. “Nunca deixamos as crianças na mão e fazemos de tudo para que elas tenham o que fazer”, conta Jane. Ela cresceu no morro e foi criada no mato. No dia em que levou um tapa de um policial descobriu que podia ser tão forte quanto o homem que lhe agrediu.Ele insistiu em dizer que Jane era um homem, pois tinha cabelos curtos e era de madrugada que sempre voltava do serviço. Foi, então, que Jane fez o curso de segurança, profissão que exerce até hoje. E leva sua experiência para todas as mulheres na comunidade, que enfrentam inúmeros problemas. As brigas entre casais são constantes. Falta de dinheiro, ciúmes e pouca informação que se transformam em agressões físicas e verbais. Jane tem como projeto implantar na comunidade reuniões para as mulheres. Sejam elas casadas ou não. O intuito é orientar e aconselhar sobre os relacionamentos. Dar dicas de como apimentar a relação, conver-

Kelly Cristina da Silva levanta barracos, às vezes, sem ganhar nada

sando e usando a criatividade. “Se o homem tem uma grande mulher em casa, ele não vai procurar outra na rua. As mulheres, muitas vezes têm vergonha de quebrar a rotina com o marido. Eu explico como elas devem agir”, revela. Ela já fez experiência com algumas mulheres e teve ótimos resultados. Porém, falta local adequado para que esses encontros tenham continuidade. Pronta para tudo “Entro na maré com a água batendo no pescoço, corro risco de pegar tuberculose, mas ajudo as pessoas da comunidade. Levanto barraco, às vezes sem ganhar nada em troca, mas não deixo de ajudar quem precisa”, ressalta a moradora Kelly Cristina da Silva. Quem precisar de um carrinho de construção, uma viga, martelo para arrumar isso ou consertar

aquilo pede para Kelly. Ela é a quem faz de tudo sem ter estudado nada. Kelly perdeu o pai com 17 anos o que desestabilizou sua vida. Ela começou a usar drogas e roubar. Resultado: 11 anos de condenação por roubo à mão armada, dois anos presa em regime fechado e um ano e oito meses no semi- aberto (“saidinha”). Ela sofre as conseqüências até hoje. “Isso não é vida para ninguém, minha mãe sofreu muito comigo. Eu já fui várias vezes procurar serviço e dou com a cara na porta. As pessoas têm preconceito por causa do meu artigo (n°157, do Código Penal Brasileiro) e não me contratam. Se eu fosse mente fraca, teria voltado para o mundo do crime, mas prefiro ajudar a comunidade”, desabafa. Kelly conta sua história de vida como exemplo para as pessoas na comunidade que

estão no mundo do crime. Para esse tipo de escolha, existem somente dois caminhos: prisão ou a morte e quem sofre junto é a família.”Pretendo sair daqui um dia, mas antes quero muito ajudar as pessoas”, diz, emocionada. De porta em porta Ela tinha uma boa vida, com direito a empregada e demais regalias. Hoje, a auxiliar de limpeza Dyennifer Aparecida da Silva é moradora e diretora de eventos do Mangue Seco/Butantã. Ela ajudou a própria família, abrindo mão do barraco que morava. Mas sua postura é de ajudar toda a comunidade. “A gente acorda com o não, mas eu saio pedindo de porta em porta um pouco de óleo, comida, qualquer coisa para ajudar as pessoas. As famílias chegam em mim e dizem não ter nada para comer. E é aqui mesmo, com um pouco de cada que a gente consegue o almoço de um ou a janta de outro”, conta. Dyennifer diz que eles tem que ser vistos pela população,pois, quando se fala em Mangue Seco e Butantã, ninguém sabe onde fica. Nos últimos quatro anos, por conta da associação dos moradores é que algumas melhorias têm acontecido. ”Nós vamos parar a avenida Jovino de Melo no horário de trânsito. Eles têm que olhar para a gente. Nós temos muitas crianças aqui precisando de ajuda”, avisa a moradora.

Obras do Projeto Novos Tempos reduzem espaço para lazer no Mangue Seco MATHEUS JOSÉ MARIA

G uilherme L úcio

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futebol é o esporte mais querido do país e porta de entrada em um mundo melhor para diversas crianças e adolescentes da periferia. E nas comunidades Mangue Seco e Butantã não é diferente. Por conta de reformas do “Projeto” da Prefeitura de Santos, o campo utilizados pelas crianças foi reduzido por mais da metade, o que atrapalha os professores e as crianças. A escolinha de futebol da comunidade está em recesso há dois meses por conta das obras. Leonardo, 14 anos, a reforma atrapalhou sua diversão. “Ainda dá para brincar, mas é pouco espaço. Antes, o campo tinha medidas oficiais, hoje é quase do tamanho de uma quadra de

Crianças brincam entre obras e contêineres no núcleo

futsal”, afirma o jovem, que sonha ser jogador de futebol. Mesmo com as dificuldades, as crianças arrumam alternativas. Na rua ao lado do campo, outras brincadeiras como bola

de gude e taco, são corriqueiras. Com poucos espaços culturais e esportivos cedidos ou criados pelo Estado, a rua acaba se tornando um centro esportivo a céu aberto.

José Henrique, 9 anos, afirma que prefere jogar taco ao invés de futebol. “Quando não chove e não tenho lição de casa, eu sempre jogo aqui na rua. Como nosso campo está pela metade, fica ruim jogar lá”. Sidnei Ramos, 40 anos, um dos representantes da Sociedade de Melhoramentos do Mangue Seco e Butantã, procura alternativas para ajudar as crianças. “Estou procurando um lugar razoável para as crianças treinarem, como o Pagão (Estádio Municipal, localizado no Horto, próximo à comunidade). Melhorias. Os moradores aguardam as melhorias prometidas, que incluem uma nova área de lazer no local. O espaço ganhará um novo campo, uma quadra de futebol de salão e a nova sede da Associação, agora de alvenaria.


Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Aqui mora a cor da felicidade V inícius K epe

O

colorido que cobre a estrutura de madeira de uma das casas do Butantã, comunidade do bairro Bom Retiro, chama atenção ao se destacar das demais. Dentro dela reside um jovem artista que – representando uma pequena parcela - ainda deseja fazer uma faculdade. A vontade nasce da meta de aprimorar o que melhor ele sabe fazer: desenhar. “Essa casa é ponto de referência para quem vem entregar coisas da Casas Bahia, gás... Eles falam: ‘óh, fala que é depois da casa dos desenhos’. O pessoal já até sabe onde é”. Foi com apenas cinco anos que Eduardo dos Santos Pinheiro, agora com 26, teve contato com a arte de pintar. Ao ser questionado sobre a frase que estampa as boas-vindas do seu lar, o rapaz explica que, quando desenhou, estava pensando que ali eles sempre foram muito felizes e que nunca tiveram problemas, pois todos eles eram resolvidos em conjunto. “A minha mãe é super alto astral, então eu fiz isso inspirado nela”, comenta, ao mesmo tempo indicando com o dedo a frase Aqui mora a felicidade, pintada acima do batente da porta de sua sala. “É aqui mesmo que deve morar a felicidade. A gente não pode abaixar a cabeça para nada”. Inspirado no irmão mais velho, Paulo José dos Santos, desenhista nos anos 90, Eduardo esboçou os primeiros traços e técnicas, tendo como base os desenhos do irmão que ainda guarda com apreço. Classificando o material como “relíquia”, ele esclarece que aprendeu a desenhar olhos, boca, nariz, enfim, modelos vivos, por meio da observação. “Com o tempo eu fui me aprimorando e me destacando na época do colégio. Isso era nas aulas de Educação Artística... quando tinha”. O irmão agora é químico em uma empresa, mas Eduardo tomou o gosto pela antiga atividade de Paulo e transformou o desejo e talento em trabalho. Depois de um favor feito a um amigo, o rapaz recebeu o pagamento e ficou com o material que sobrou do serviço. Tudo o que ele tinha nas mãos para começar era um pincel e latas de tinta. Três anos foi o tempo que ficou fazendo pinturas de pincel. Depois disso, conheceu a técnica da aerografia. “É uma importante técnica que aprendi. Graças a Deus e aos meus amigos pintores eu consegui progredir, só não domino totalmente, mas continuarei aprendendo todos os dias.” Ao começar a divulgar seus

desenhos pela comunidade e internet, o artista foi contratado para fazer trabalhos particulares em murais. “Agora estou trabalhando mais com buffets. Antigamente, era só uma coisa simples, o trabalho surgia de mês em mês, um aqui, outro ali, e eu fui divulgando, até que foi crescendo. Eu espero que cresça ainda mais”, comenta entusiasmado o desenhista, mostrando dois painéis em forma dos personagens Chaves e Chiquinha, da série mexicana Chaves. Para fazer os trabalhos é necessário investimento. Os pincéis custam, em média, R$20 reais. Pistolas e os aerógrafos são mais caros, custando na faixa de 200 ou 400 reais. Serras podem somar uns 200 reais. As telas variam entre 80 e 150 reais, que dependem do estilo e formato do desenho. Ele costuma cobrar R$90 reais pelos painéis. Este é o valor de cada personagem que fabrica. Pintura no tecido eu cobra R$100 (os desenhos podem chegar a dois metros de altura). Arte para parede depende do formato, alguns clientes variam os pedidos entre texturas e formas. As exigências podem custar até R$500. “Tudo isso é fruto dos trabalhos que fiz, então sempre consigo continuar fazendo meus desenhos e repondo as minhas ferramentas.”

O meu lema é passar por cada lugar e deixar a minha marca, uma pintura. Com isso, todas as pessoas que passarem por aquele local vão poder dizer ‘o Duda passou por aqui’ ” Eduardo dos Santos grafiteiro

Inspirações - Como referências profissionais do cenário artístico, o grafiteiro elogia os trabalhos do amigo paulistano Fernando Pow, “Ele não é ótimo, mas perfeito em técnicas de aerografia”. Também elogia Eduardo Cobra, que tem trabalhos fora do Brasil. “Os desenhos são espetaculares, com sua arte não existe comparação”. O pernambucano Romero Britto é outro que o jovem cita na sua lista referencial, e diz que já consegue desenhar as artes dele.

MATHEUS JOSÉ MARIA

P R I M E I R O Os desenhos ilustram a entrada principal da casa de Eduardo

Das telas para os gibis, Alex Ross é o nome que mexe com o desenhista da casa colorida. Para ele, todo mundo deve conhecer os trabalhos do quadrinista norte-americano, especializado em pinturas de fotografia realista. Há artistas na cidade que, mesmo sem nunca ter encontrado para conversar pessoalmente, Eduardo demonstra admiração. “Vejo os trabalhos deles por aí, no comércio e também em murais. Eu gosto muito”. Os grafiteiros que Eduardo cita são Aru Graffiti e Daniel Artes, ambos da Baixada Santista. “É difícil eu ver alguma exposição, não tenho tempo. Mas eu acompanho muito pela internet, eu vivo muito ‘logado’. Vejo as coisas da região e do mundo. Existem bastantes desenhistas daqui que atuam na mesma área que a minha.” Eduardo participou de um curso gratuito de Design de Interiores, oferecido por uma instituição especializada em educação técnica para jovens com baixa renda mensal. Nele, aproveitou para melhorar suas técnicas e começou também a desenhar plantas residenciais. “Eles forneceram todo o material para fazer o curso. Eu parei por falta de tempo, porque criar plantas e fazer outras coisas. Foi uma beleza”. Mexer com decoração de residência não foi o forte dele, mas foi a partir disso que a Arquitetura tornou-se o sonho profissional do desenhista. Perto de se casar, um dos fatores que afasta o sonho de Eduardo é o investimento no casamento e na nova casa onde vai morar com a noiva Caroline Menezes, 22 anos. “Organizar casamento não é

fácil. Eu ainda não moro com ela. Na verdade, a minha sogra ofereceu a parte de cima de sua casa para gente morar, por enquanto, até a gente arrumar o nosso ‘canto’”. O retorno financeiro com a pintura é sazonal. “Em um mês eu posso ganhar R$400 com os pedidos, mas também posso passar os dois meses seguintes sem ganhar nada”. Hoje este trabalho é classificado como complemento de renda, já que o artista é registrado em outro tipo de serviço. O emprego como tradutor de documentos matrimoniais no centro de Santos apareceu quando Eduardo ainda era jovem. A dedicação e a educação o colocaram num cargo de confiança. “Minha chefe perdeu o marido recentemente e, para não abandoná-la, resolvi continuar. Ela precisa de mim.” Seu salário mensal é de R$1000,00, mais extras. “Hoje, com o meu salário, eu consigo viver para mim, mas sem família para sustentar, por isso eu criei essa empresa de pintura e personalização.” Com tudo pronto, o casório está marcado para o final deste ano. Sobre a nova casa, Eduardo não omite a decisão de repetir o talento nas paredes do local. “Vou levar tudo comigo e continuarei o meu trabalho. Vou dar a mesma vida que dei na minha antiga casa. O meu lema é de passar por cada lugar e deixar a minha marca, uma pintura. Com isso, todas as pessoas que passarem por aquele local vão poder dizer ‘o Duda passou por aqui, Deus também passou por aqui’, pois se não fosse ele, nada disso seria possível. As pessoas podem ter certeza. São desenhos abençoados e feitos com muito amor.”

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COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Da caverna ao Mangue Seco,

LUIZ NASCIMENTO

Jane

P R I faz a diferença M para os moradores E I R O Carol Pascally

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eta de ex-escravos, filha de empregada doméstica e um pescador, Jane Maria Vinagre, 47 anos, é uma líder comunitária. Apesar de sua feição rígida e firme, armazena em sua memória grandes acontecimentos que marcaram sua trajetória. As dificuldades começaram desde do início de sua vida, pois, seus avós, depois de alforriados, decidiram construir a nova vida no pico do Morro do Ilhéu. A moradia não era composta por madeiras, tijolos e concreto, mas, era uma caverna que seu avô, Zé do Ilhéu, adaptou para abrigar e proteger a família. Transformou-a em uma casa. “Eu nasci em uma caverna, chão duro e, na época, tínhamos poucos recursos. Minha mãe era empregada doméstica e morávamos com meus avós e meus oito irmãos”, recorda Jane. A infância dela foi de trabalho e muito sacrifício. Desde cedo, a menina que mais parecia menino (por não ter condições de comprar vestidos como as outras),estava acostumada com a responsabilidade. Trabalhava para ajudar a completar a renda familiar. “Não gostava de trabalhar. Eu era criança e deveria apenas estudar e brincar, mas dentro de mim eu já tinha aquela vontade de fazer algo pra ajudar e melhorar a situação. Então, eu e o meu pai trabalhávamos em épocas festivas. Ele cobrava para pescar com o ricos, e eu também servia como uma espécie de aposta de natação com os filhos dos ‘grã-finos’. Quem ganhasse a corrida no mar levava o dinheiro , e eu, claro, sempre vencia”, conta E quando ela ainda era menina, com apenas nove anos, os pais se separaram. Ela continuou a morar na caverna com sua mãe, irmãos e avós, e seu pai foi morar na comunidade Mangue Seco. “Depois que meu pai saiu de casa, as coisas ficaram ainda mais difíceis. E nossos alimentos de cada dia eram cabeça de peixe e banana com a casca também. Às vezes, um senhor de uma padaria pertinho deixava um saco enorme de pão em casa. Isso era motivo de festa

para nós”, desabafa Jane. A líder comunitária perdeu os avós e teve que desocupar a caverna. Desceu para o asfalto para morar com a mãe e os irmãos em outra comunidade. Ficou no Dique (Santos) por vários anos. Foi aí que ela começou a conhecer o mundo e mais obstáculos para enfrentar.

Líder comunitária, Jane ajuda nas melhorias do Mangue Seco

e ex- presidiária, ela encontrou muitas portas fechadas. Vivia de bicos e da pesca, ensinamento que seu pai deixou. “Hoje, ainda é muito triste lembrar tudo que eu passei, do sofrimento que é estar confinada em um quadrado e, mais triste, é saber que meu amigos me viraram as costas quando eu mais precisei. Muitos pisaram em mim”, compartilha, emocionada. O tempo passou, o pai de Jane ficou doente e ela teve que sair do Dique para morar no Mangue Seco e cuidar dele, que faleceu. Mas, deixou para ela um legado, uma missão.

Ilusões. “Quando vim morar no asfalto, eu ficava deslumbrada com tanta novidade. Em casa, eu não tinha amor e afeto, o que fez eu procurar encher esse vazio na rua. Fiz amizades que me prejudicaram, esqueci minha família para estar na rua, balada e fazendo coisas que me arrependo até hoje” O envolvimento de Jane com as amizades a fez estar no lugar errado e na hora errada. Seus amigos, que eram usuários de drogas, foram pegos pela polícia e ela estava junto. Mesmo não usando e nem portando entorpecentes, Jane foi Missão presa e pasJane estasou quase va destinada dois meses a cuidar dos na cadeia femoradores do minina. bairro, lutar E foi nesse por eles e faperíodo lonzer qualquer go e sofrido, coisa para em regime mudar a situaJane, líder comunitária fechado, que ção daqueles ela refletiu que mais presobre a vida e o que iria fazer cisavam. E apesar da expressão quando saísse de lá. Na cadeia, de brava e forte, ela se emociofoi torturada por outras presidi- na ao falar da sua relação com o árias, teve que aprender a lidar Mangue Seco. com as circunstâncias dentro O mangue é tudo para mim. da cela. Eu posso tirar alimento da mi“Foi lá a grande lição de vida nha casa e dar para outra famíque eu tive, aprendi muito. Per- lia, como já fiz muitas vezes. Vou cebi que não podíamos nos atrás do que for pela melhoria deixar levar pelas amizades e do povo, é meu sonho ver as muito menos confiar em todo crianças brincando, sem violênmundo. Eu deixei minha filha cia, com moradia digna e estudo de lado para estar com esses ‘ bom. Hoje, eu dedico a minha amigos’ e acabei presa sem fa- vida aqui e tento sempre ajudar zer nada. E o pior não foi estar nos projetos e na implantação de na cela, mas, sim, as agressões novidades também”, ressalta e o preconceito “ Como líder social, Jane está Ao sair da cadeia, Jane mu- sempre junto nas decisões do dou seus pensamentos e ama- líder André Luiz. Ela auxilia, dureceu ainda jovem, mas tinha fala das necessidades do povo que aprender a jogar com a vida. e vai à luta. Não terminou o Ensino Médio, o “Deixo de viver a minha vida que dificultou na hora de procu- só pra ver o sorriso de alguém, rar emprego. Com pouco estudo de uma criança, pra isso não

A maior alegria é sentir esse amor de mãe, de avó e ter a certeza de que enquanto houver forças em mim, lutarei até o fim por essa comunidade”

meço esforços”, saliente Jane”. Ela está há mais de três anos na luta para as melhorias da comunidade e define que “o perfil do líder é estar preocupado com o bem estar daqueles que dependem ou necessitam de ajuda. E não ter vergonha.” Na comunidade, Jane é respeitada por todos e admirada por suas ações, o que faz com que se sinta aliviada ao lembrar do passado. Para os moradores, como Maria Lúcia, 68 anos, aposentada, ela é sinônimo de bondade. Jane parece um anjo ! Quando você menos espera, ela aparece para estender a mão. Seja o que for, ela dá um jeitinho e consegue”. Assim como Maria Lúcia, para o porta voz da comunidade, André Luiz, 36 anos, servidor público, Jane é especial. “Por mais que eu tenha que tomar as decisões pela comunidade, ela sempre está junto. Desde que cheguei aqui ela sempre me dá forças. Classifico-a como diretora social”. Atualmente, Jane trabalha apenas na comunidade e encontra forças em uma música gospel que fez questão de cantar, emocionada. “Minha música é aquela da Bruna Karla, Advogado Fiel. Toda vez que escuto sinto minhas forças sendo renovadas por Deus. Sem fé não somos nada” Jane têm três filhos, todos casados. Casou-se, também, e já é avó. E a maior felicidade dela é saber que hoje encontrou o verdadeiro sentido do amor, tanto com os filhos quanto para o próximo. “A maior alegria é sentir esse amor de mãe e de avó, e ter a certeza de que, enquanto houver forças em mim, lutarei até o fim por essa comunidade. Acredito que tenho uma missão aqui.Deus ainda não quer me levar”, acredita Jane.


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Núcleo ainda não é prioridade em moradias do projeto Prainha MATHEUS JOSÉ MARIA

Diego Corumba

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comunidade Mangue Seco-Butantã pode ter de esperar para conseguir moradias em conjuntos habitacionais, segundo as previsões da Companhia de Habitação de Baixada Santista (COHAB-ST). “A prioridade é para quem mora em palafitas, áreas de proteção ambiental ou favela. Não é porque estão perto que signifique que irão primeiro. Estamos avaliando comunidades de Santos em geral”, explica o diretor presidente da COHAB-ST, Helio Vieira. De acordo com ele, a transição do Projeto de Aceleração ao Crescimento 1 (PAC-1), que trata da habitação, para o programa “Minha casa, minha vida”, adiou a construção das moradias. Em 2008, quando iniciou a mudança, foram refeitos todos os cálculos de engenharia para a adequação dos locais às normas do Governo para não haver perda de tempo. Em 2013 a equipe da Cohab está em estágio fundiário, recolhendo todos os títulos que pertencem às propriedades privadas e da União para dar início ao Projeto Prainha, para benefício do núcleo. “Atualmente, somente começamos o trabalho de drenagem e estamos cuidando da parte que se refere aos títulos”, esclarece Vieira. Ele afirma que também há outros entraves no projeto, cuja solução está sendo planejada, como o custo dos terrenos onde serão construídos os conjuntos e a venda de propriedades adquiridas. Sem

Comunidade sonha em se mudar para habitações populares e mudar o cenário do local

resolver isso, torna-se inviável qualquer construção popular. Os residentes do Mangue Seco-Butantã reclamam da atual situação de moradia onde vivem, ansiando mudar de situação o mais rápido possível. “Não dormimos quando venta por medo do barraco cair. Sempre que chove, há ratos entrando em nossas casas, e eles inclusive perderam o medo dos humanos. Temos que trocar sempre as vigas e já aconteceu de tirar uma senhora de sua casa às pressas por causa do barraco que estava desabando. A gente se ajuda, mas essas coisas são terríveis para nós e para nossas crianças, queremos todos ter uma vida melhor”, desabafa um dos moradores, que não quis se identificar.

Colaboração entre vizinhos é essencial na comunidade Gustavo Prado

A

maioria das moradias da comunidade são formadas por palafitas, casas construídas sobre estacas de madeira que ficam acima da água. E morar nelas é muito perigoso. Além disso, o custo não é tão baixo e ainda podem acontecer incêndios ou até desabamentos. Por isso, a cooperação entre os vizinhos é fundamental. A moradora de uma palafita, Michelle Maris dos San-

tos, conta que a vizinhança ajuda bastante. Ela falou que incêndios são comuns, devido às casas não serem regularizadas e o fornecimento de energia improvisado,o chamado “ gato”. Michelle disse que sua casa é regular, então apresenta menos risco de facilitar o fogo, mas ainda assim não está livre de uma tragédia. E que em um dos incêndios, que ocorreu às 5h, o auxílio dos vizinhos foi fundamental para ajudar-lhe a apagar o fogo e salvar móveis. Ela também falou que morar

O diretor da COHAB-ST revelou que há um cadastro do Conselho Municipal de Habitação, que reúne nomes trazidos de movimentos populares, associações de bairros, entre outros, num total de seis mil nomes. Já na própria COHAB-ST foram cadastrados oito mil nomes, o que se aproximou do levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), que previa 10.000 pessoas vivendo em situação irregular. “O projeto engloba 720 moradias populares, equivalente a 2.800 pessoas locadas. O correto seria planejar mil unidades por ano, mas, na Baixada Santista, não conseguimos trabalhar assim. Não há espaço disponível para construções nesse ritmo. É um problema no Mangue Seco-Butantã não é mesmo barato. É difícil sustentar a palafita porque a madeira é cara, e para fazer a travessia de “barquinho” para o outro lado, é preciso pagar R$ 2,25. O estudante Lucas Carmo, 18 anos, morador de uma palafita visivelmente torta, conta que quase morreu quando era pequeno, porque sua “casa” caiu de madrugada, devido à lama do fundo do mangue.

que será estendido até a próxima geração. Não é da noite para o dia”, esclarece. Ao contrário do Projeto Prainha, os conjuntos da Caneleira e Tancredo estão mais próximos de serem viabilizados, mas também estão em fase de estudo. Para Helio Vieira, a construção desses conjuntos se faz necessária, tanto para os moradores quanto para o crescimento da cidade. “Com os trabalhos de drenagem do Santos Novos Tempos, podemos estender um canal, por exemplo, na área do Mangue Seco, ou criar novos empreendimentos ali, desapropriar e realocar o pessoal que vive no lugar para as moradias populares. Isso ajudaria na construção da cidade. Seria o ideal”.

P R I M E I R O T E X T O

Mas, ele e a mãe foram salvos por um vizinho, que os acordou antes da queda batendo na porta com um pedaço de madeira. Lucas disse que hoje, seu barraco está com uma parte menor que a outra, mas já comprou nova madeira e a casa está em processo de arrumação, devido à solidariedade que existe entre os vizinhos, os quais ajudaram a reforçá-la em baixo. MATHEUS JOSÉ MARIA

13 Vizinhos são fundamentais para se viver no Mangue Seco


Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Canela Seca Futebol Clube tira as P crianças das ruas R I M E I R O T E X T O

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Lívia Lino

H

á cinco anos, nascia graças a ideia de Fabiano Cavalcante da Silva, conhecido como Fagundes, o Canela Seca Futebol Clube. “É legal interagir com as crianças porque eu não só ensino eles, eu também aprendo muitas coisas”, diz Fagundes, que também é o técnico do time e diretor de esportes do Mangue Seco - Butantã. O projeto do Canela Seca foi criado para ocupar as crianças com o futebol, ao invés de ficarem sozinhas nas ruas. “Ensino as crianças a jogarem futebol, cidadania, como respeitar o outro, o espaço de cada um e o direito de ir e vir”, conta. Fagundes afirma que o Canela Seca é um projeto social. E ele não dá moleza para as crianças do time. “Eu pego no pé deles com escola

e com outros projetos sociais porque é sempre importante estar envolvidos com os projetos”. Pouco depois do nascimento do Canela Seca Futebol Clube, Fagundes abriu um salão de beleza dentro de um container abandonado. “Vinham muitos usuários de drogas usar o container que tava abandonado e eu decidi usá-lo até para ficar mais perto das crianças da comunidade”. O Salão Fagundes é frequentado principalmente pelas crianças da comunidade. É um salão masculino onde é possível fazer o pé, cortar o cabelo, a barba e a sobrancelha. Curta no Face. Além da repercussão do Canela Seca pela comunidade, o projeto social também ganhou um curta-metragem, contando a sua história e como ele interfere de forma positiva na vida das crianças.

MATHEUS JOSÉ MARIA

Além de ter seu salão, Fagundes também é o técnico do Canela Seca

No documentário produzido em 2013, o Canela Seca conta com 40 jogadores de várias idades. Dois jogadores agora fazem parte do Jabaquara Futebol Clube, nas categorias sub-14 e sub-15. Tanto para as crianças como para os apoiadores do projeto, mais importante do que o futebol é o comprometimento delas. “Se algum deles estiver com nota baixa, a gente senta para conversar e até fica sem jogar ou joga pouco”, explica Fagundes.

Além disso, as crianças devem sempre mostrar seus boletins e não deixar de fazer as lições de casa. O símbolo do Canela Seca Futebol Clube, que são três crianças de mãos dadas, significa a união que o time e as crianças devem sempre ter, como explica Fagundes em seu curta-metragem. O documentário contando a história do time pode ser assistido na página do facebook Associação de Moradores do Mangue Seco e Butantã

Associação sonha com casa nova LUIZ NASCIMENTO

Elaine Farias

A

Associação de Moradores do Mangue Seco e Butantã obteve sua sede no ano de 2009, mesmo já existindo há 17 anos. O local é simples, com estrutura feita em madeira compensada e um conteiner bastante enferrujado como extensão. É dividido em duas salas pequenas e uma maior, onde se encontram um aparelho de som, um de DVD, uma TV e duas caixas de som potentes. Ao lado delas, um grande mural na parede, onde ficam expostas as fotos dos eventos realizados no lugar. Esse é o cenário da sede simples, mas que se torna acolhedora para as pessoas da comunidade que a usam todas às terças-feiras à noite para realizar o culto da Igreja Universal. Eles se reúnem também para falar do assunto que mais as interessa: suas novas moradias. Afinal, há um projeto de conjunto habitacional para o núcleo. Quando foi fundada, em 1996, a associação não tinha sede própria e as reuniões eram feitas no bar de

Sede levantada em 2009, feita de madeira, não comporta mais os projetos atuais, cursos e reuniões da comunidade

Raimundo Bitencourt, um dos moradores mais antigos da comunidade. Nessa época, o local ainda era feito de madeira e a água fornecida pela Sabesp só ia até lá, obrigando os moradores a dividir o custo, já que todos a usavam. ´Seu` Bitencourt conta que para que os moradores tivessem suas residências abastecidas, cavaram uma vala de 400 metros, pois foi essa a exigência feita pela companhia de saneamento básico.

Passado certo tempo, a comunidade cresceu e necessitava de uma sede de alvenaria, que ainda é um projeto estudado pela Prefeitura. André Luiz Ribeiro, presidente da associação, e seu vicepresidente, Sidney Ramos Oliveira, dedicam seu tempo em prol da comunidade e, junto com ela, sonham com o dia em que terão um espaço maior e com espaço suficiente, onde poderão fazer festas e cursos profissionalizantes,

como os de pedreiro, corte e costura, panificação, cabeleireiro e outros. Fabiano Cavalcante da Silva, cabeleireiro e responsável por dar aulas de futebol para os meninos da comunidade, enfatiza que esses projetos darão oportunidade de uma renda melhor às famílias. Os adolescentes podem aprender uma profissão e praticar um esporte, além de frequentar a escola, ficando longe do risco das drogas.


Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Sonhos por uma vida melhor Fotos: LUIZ NASCIMENTO

Náthaly Azevedo

N

ão é fácil viver sobre palafitas, tendo que conviver com entulhos, área de manguezal suprimida, poluição por esgoto, insetos e animais como ratos, por exemplo. ”Em dias de chuva, o nível de água sobe e com isso o mau cheiro aumenta ficando quase insuportável”, conta a dona-de-casa, Jaqueline Conceição Pereira da Silva, moradora há quatro anos na comunidade. Como maior sonho, ela almeja mudar-se para os prédios que a prefeitura está para construir, porém isto nunca aconte-

É só começar a chover e as fiações de energia começam a ‘pipocar’, sair faíscas, é horrível!” Jaqueline, dona-de-casa ce. “Sair daqui e ir morar em um prédio onde tivesse escadas, não passar por um beco cheio de água e quando eu tropeçasse seria em um gato, não em um rato”. “É só começar a chover e as fiações de energia começam a ‘pipocar’, sair faíscas, é horrível! No verão, o calor é muito intenso. Meu esposo já até colocou alguns objetos para tentar amenizar a situação em casa, mas não foram suficientes. Durante o inverno, a mesma coisa. O frio é bastante árduo”, declara Jaqueline. Ela tem cinco filhos, uma delas, com síndrome de Turner. A deficiência atrapalha o crescimento de mamas e estatura. A dona-de-casa cuida de oito crianças todos os dias. Necessidade básica de ser

Jaqueline Conceição tem dois filhos e reclama da higiene da comunidade para cuidar dos filhos

realizada para algumas mulheres residentes na cidade, como energia elétrica, pois há planejamento em áreas urbanizadas. Para outras moradoras na comunidade é quase impossível. “Meu maior sonho são consertos, manutenção e implantação de postes na comunidade”, informa Jane Maria Vinagre, uma das líderes do Mangue Seco – Butantã. Como fonte extra de renda, Mauricé Luiza Pereira, 60 anos, diz fazer crochês, almofadas, mas segundo ela não é sempre que pode. Em entrevista, se emocionou ao contar que é seu genro quem a sustenta financeiramente e para ela a religião influencia e tem poder para melhorar a vida, entre outros aspectos. Mauricé tem hipertensão, possui oito filhos, mas nem todos convivem com ela. “Moro aqui há dez anos, mas penso em sair daqui. Os ‘predinhos’ que nunca saem iriam nos ajudar muito”. A catadora de recicláveis, Ana Cristina Pereira dos Santos, trabalha há 13 anos nesse serviço próximo à comunidade e conta também com a ajuda de vizinhos que colaboram

doando recicláveis. Como sonho, gostaria de ter um salário fixo e outro tipo de profissão. Jéssica Pereira dos Santos

Moro aqui há dez anos, mas penso em sair daqui. Os ‘predinhos que nunca saem iriam nos ajudar muito” Mauricé, 60 anos

reside no Mangue Seco há 22 anos, desde que nasceu. Segundo ela, não há higiene no local. Fezes e urina, por exemplo, são jogados diretamente no rio. “Eu tenho dois filhos, um deles é de colo e complica cuidar deles nessas más condições”. A moradora Maria Geraldo

de Freitas gosta de morar na comunidade. Para ela, nada a desagrada na convivência da região. Há 34 anos reside na Zona Noroeste. “Tenho quatro filhos, mas apenas meu caçula de 4 anos mora comigo. Os outros já casaram e foram morar fora. Um deles, por exemplo, mora no canal 2 com a esposa.” Segundo Maria Geraldo, o lugar é sossegado e ela nunca teve problemas. Conforme ela muita coisa mudou no Mangue Seco - Butantã desde que começou a morar no local, há 13 anos. “Antigamente, a comunidade não era aterrada e era tudo fechado. Nós abrimos a comunidade”. Anteriormente, Maria era residente no Caminho São Sebastião.“Muita gente tem vontade de sair daqui, mas eu não tenho. A comunidade é tranquila!”. “Assim que sair os futuros prédios no Mangue Seco, pretendo ir morar lá. Afinal moro aqui há tempos.”

P R I M E I R O T E X T O

15 Jane gostaria que o núcleo fosse contemplado com melhorias na iluminação

Mauricé é hipertensa e faz crochês para ganhar uma renda extra


Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Lutando pela coletividade Y onny F urukawa

P R I M E I R O T E X T O

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uncionário da Prefeitura de Santos e atuando na Defesa Civil, André Luiz Ribeiro, de 36 anos, é casado e pai de uma filha. Um dos fundadores e atual presidente da Associação de Moradores das comunidades Mangue Seco e Butantã, tem como principal preocupação a necessidade de ajudar o próximo. Isso é freqüente desde o seu emprego e na sua vida pessoal e comunitária. Mais conhecido como Andrezinho, ele trabalha firme para não desapontar os moradores. Com projetos já realizados e muitos outros em planejamento, ele já está à frente da entidade desde 2005 e pretende continuar. Para o presidente, não existe nada mais gratificante do que o sorriso no rosto de uma criança. E essa é a motivação para continuar o sonho para melhorar a vida de 430 famílias do núcleo. PT - Como você chegou à comunidade e à presidência da associação de bairros? André - Cheguei à comunidade da Zona Noroeste em 2005 e ainda não existia uma associação. Era apenas um grupo de pessoas, líderes, mas nada formalizado. Eu vim para somar. E para montar uma associação nada melhor do que os próprios moradores que nasceram e cresceram aqui. Tivemos uma ideia em 2006 de reivindicar algumas coisas, mas não tínhamos força porque não éramos jurídicos. Em 2009, convidei algumas pessoas e a partir daí fundamos a associação com um grupo de cerca

MATHEUS JOSÉ MARIA

de 80 pessoas. Alguns parlamentares e empresários da região vieram apoiar esse projeto, a nossa associação. PT– Como surgiu a ideia da criação associação? André - A ideia veio da força das pessoas. Para que elas possam reivindicar seus problemas e os seus direitos como cidadãos. Quero melhorar a comunidade. São 430 famílias ao todo e eu tenho vontade de ajudar cada uma, graças a parcerias que consegui em meus outros trabalhos, como os Guerreiros sem Armas, a Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, e outras entidades e ONGs, que oferecem total apoio. É importante dizer também que não temos vínculos políticos e religiosos. PT- Hoje, você só trabalha com isso ou tem alguma fonte de renda? André – Trabalho na Defesa Civil há 3 anos, sou técnico de redes. Antes disso, já trabalhei na regional da Zona Noroeste e também na regional dos Morros. Fui militar no Exército e trabalhei nas áreas de vendas e marketing. Também já trabalhei cinco anos na AmBev e outras empresas multinacionais. PT- Como é conciliar o emprego, a associação e a família? André- Confesso que é corrido, não tanto agora, mas quando comecei eu era presidente, vice, diretor de eventos e diretor de esportes. Fazia tudo. Hoje, na nova gestão, desde o dia 25 de abril quando eu fui reeleito, eu nomeei algumas pessoas na diretoria. Mas o mais gratificante é o sorriso no rosto de uma crian-

Desde 2005, André atua em melhorias para a comunidade

ça, quando eu dou um brinquedo, ovo de Páscoa, faço festas de Natal e dia das crianças. PT- O que você realiza na associação? André – Eu consegui trazer a rede comunitária para os moradores. Faço festas em todas as datas festivas e além da parte social com as parcerias. Até passagem para moradores ir para a terra natal eu consegui graças aos contatos. Sei que há muito a se fazer ainda na comunidade. Mas fico feliz pelo Mangue Seco e Butantã terem saído do anonimato. Ele está sendo lembrado. Foi um trabalho bem feito e eu me orgulho disso.

PT – Qual a principal carência dessas comunidades? André – Sem dúvida a habitação é a minha maior luta. Estou atrás de parcerias para que eu possa ajudar e oferecer um lugar digno para essas 430 famílias carentes, que hoje correm o risco de morar em palafitas. PT- Qual sua característica mais forte? André – Humildade. Ser humilde é tudo. PT- E uma característica negativa? André - Querer abraçar o mundo. Muitas vezes eu não deixo as pessoas fazerem nada, e quanto a isso eu sou muito cobrado.

Pouco espaço para o lazer, mas muita vontade para se divertir

Aline Tavares

O 16

s locais de entretenimento dos moradores da comunidade Mangue Seco e Butantã são restritos, porém a Associação de Moradores do bairro tenta sempre organizar uma forma de conseguir obter algumas opções para que haja festa e alegria na comunidade. A reforma na Praça José Lamacchia em 2012, por exemplo, que estava em estado deplorável, criou um novo espaço aos moradores. Segundo o vice- presidente da Associação, Sidney Ramos, depois de ouvir todos os moradores a respeito de como seria o novo “rosto” da praça, deixaram- a limpa e sem brinquedos, apenas com bancos e mesas, de acordo com o gosto de toda a comunidade.

MATHEUS JOSÉ MARIA

Sidney frisa também a ampliação que pretendem fazer com a quadra ao lado da sede da associação, pois não tinham espaço para continuar com as aulas de esportes e Entre carcaças de contêineres, crianças brincam na única área de lazer do núcleo dança que possuíam do Ivaldo Luciano dos Santos, Em 2014, Ivaldo comenta dentro da comunidade, mas integrante da banda e cantor que a banda provavelmente que agora, com a melhoria de Carnaval há 14 anos parti- será na Praça José Lamacda quadra, será possível a cipando das escolas de sam- chia devido aos seus patrocivolta desses ensinamentos. ba Sangue Jovem, X9 e União nadores: Bar do Mineiro e Bar Outra forma de lazer que Imperial, a banda foi criada do Corredor. acontece no Mangue Seco e para haver maior comodidaAlém de participar da banda, Butantã é a Banda Concentra de para as crianças e famílias ele criou os Amigos da Pesca, mais não sai que acontece nos dançarem e se divertirem em para os moradores da comunicarnavais desde 2011. Segun- um lugar fixo. dade aprenderem a pescar.


Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Moradores do Mangue Seco / Butantã reclamam sobre mudança do CRAS MATHEUS JOSÉ MARIA

Josimar Frazão

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comunidade um transtorno em relação à unidade do Centro de Referência de Assistência Social da Prefeitura (CRAS), que faz o atendimento no bairro. Faz mais de um ano que a sede do serviço foi transferida para outro local e isso está dificultando o acesso dos moradores. As pessoas passam por muitas dificuldades com essa mudança. Alguns moradores têm a chance de ser atendidos pelo serviço e outros não, e isso causa conflito de opiniões. Amazilde Carla dos Santos Silva, conhecida como Kika por todos do bairro, mora no Mangue Seco há oito anos e disse que o atendimento sempre apoiou-a nas suas necessidades. “Eu recebo ajuda do CRAS com o bolsa família e atenção das assistentes sociais. Só achei errado a Prefeitura mudar o endereço para tão longe da comunidade”, ponderou Kika. Antes, o CRAS ficava mais próximos dos núcleos e todos que quisessem algum tipo de ajuda tinham acesso fácil ao local. Outra situação que os mo-

Hoje, a antiga sede do CRAS no Mangue Seco abriga um trabalho com grupo de alcoólicos anônimos

radores não entendem são os dias de agendamentos para consultarem as assistentes sociais. Isso ocorre uma vez na semana, toda a segunda-feira. Para a moradora Maria da Soledade Medeiros, mora na comunidade há 22 anos e tem seis filhos. Ela explicou sobre como a prefeitura cortou o apoio que dava a dois filhos seus. “Eles me ajudavam na questão de remédios, mas de uns dois anos para cá eles cortaram a ajuda e não deram nenhum tipo de explicação”, contou Maria.

A comunidade aguarda alguma providência sobre essas queixas, já que muitos dos moradores esperam ainda contar com esse serviço no bairro. Até o fechamento desta edição a Prefeitura de Santos não se pronunciou sobre a situação do CRAS nas comunidades do Mangue Seco/Butantã. Resposta. A Prefeitura de Santos alega que não existe mudança de local do CRAS no bairro do Bom Retiro. Em nota, informa que aconteceu uma

troca de lugar há mais de um ano e isso ocorreu por conta do prédio, que recebia os serviços do centro, ter sido interditado pela Defesa Civil por motivos de segurança. A comunidade não foi consultada, pois a mudança teve que acontecer rapidamente para a segurança de todos. Esse novo endereço ficou distante da comunidade do Mangue Seco, mas agora está próximo de outra, e mesmo por conta disso, o atendimento da unidade se manteve regular.

Luana Cristina, aluna e cidadã MATHEUS JOSÉ MARIA

Wagner Tavares

O

s alunos foram à comunidade para produzir todas as matérias que foram expostas aqui neste jornal. Ir ao local é outra sensação, principalmente quando não estamos acostumados com aquele ambiente específico. Mas houve uma aluna, Luana Ferreira, que se sensibilizou mais que os outros. Ela não quis apenas entrevistar, redigir um texto e tirar fotos. Luana conseguiu motivar os próprios colegas de faculdade, professores e amigos para ajudar e fazer doações. Ao todo, foram arrecadados 130 quilos de produtos e R$900, que ajudaram a comprar mais alimentos. Tudo isso foi suficiente para atender 50 famílias. Confira a entrevista. PT. Ao entrar na comunidade, algo lhe surpreendeu, cativou ou sensiblizou? Luana. Quando eu entrei na comunidade, o que chamou a minha atenção, imediatamente, foi a sujeira e o cheiro que o lugar tem. Mas quando comecei a andar pelos becos, eu me perguntava: “Como essas pessoas con-

Luana, à esquerda, entrega a primeira cesta básica a uma moradora

seguem viver aqui?”. Quando estava conversando com a Jane, líder comunitária, Dyennifer, uma moradora da comunidade, aproximou-se e começou a falar que não tinha com o que alimentar a família. Perguntei como que ela fazia para sobreviver. Respondeu que ia de porta em porta, pedindo um pouco de feijão, de arroz, e assim garantia o almoço. Aquilo ficou entalado em mim, e senti que precisava fazer algo. Só precisaria de um pouco

de tempo e de dedicação. Cheguei em casa com um nó na garganta. Não achei que fosse me sensibilizar tanto com aquelas pessoas. PT. Você logo correu atrás de doações. Como foi? Luana. As doações começaram a ser coletadas numa festa organizada por outro aluno, o Guilherme Aquino. Na entrada, os clientes doavam alimentos. O evento aconteceu até às 5h. Outra aluna, a Aline

Tavares, ajudou. Mesmo assim, foi muito cansativo. Nós duas, sozinhas, carregamos mais de 100 quilos de produtos até o carro e depois descarregamos na casa dela. Ainda consegui mais R$ 900,00 de doações de professores, alunos e colegas do meu trabalho. Somando tudo, deu para formar 50 cestas básicas. PT. Qual o prazer que veio disso? Luana. O prazer disso tudo é deixar as chamadas “sementinhas boas na vida das pessoas”. Eu sei que 50 ou até 100 cestas não vão resolver o problema. As pessoas se alimentam todos os dias, logo essas doações acabam. E o problema vai além da alimentação. Moradia, saneamento básico, etc. Só este trabalho de faculdade, o jornal inteiro sobre uma comunidade, já é muito bom, mas eu não ia ficar sossegada em somente escrever sobre alguns personagens, talvez ficasse com culpa de não ter feito algo além disso. Agora fico com a sensação de “missão cumprida”. E eu queria poder ajudar mais e mais.

P R I M E I R O T E X T O

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Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

ENSAIO FOTOGRÁFICO

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Mangue-vida

Fotos: Matheus José Maria

Do sorriso de uma criança aos sonhos por dias melhores dos adultos: Assim é o Mangue Seco / Butantã, comunidades que aguardam por melhorias.


Edição Especial:

COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Nossa equipe

P R I M E I R O PRIMEIRO TEXTO COMUNITÁRIO é o Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Santa Cecília (UNISANTA). Redação, edição e diagramação dos alunos do 2º ano de Jornalismo do período noturno. Diretor da FaAC: Humberto Iafullo Challoub. Coordenador de Jornalismo: Robson Bastos. Professores Responsáveis: (2) Fernando De Maria - Textos (18) Luiz Carlos Bezerra - Textos (20) Fernando Claudio Peel - Diagramação (28) Luiz Carlos Teixeira Nascimento - Fotografia

T E X T O

Editor: (23) Wagner Tavares Sub-editor: (14) Guilherme Almeida Reportagens / editores gráficos (1) Carol Pascally Página 12 (3) Elaine Farias Página 14 (2ª matéria) (4) Raphael Matos Página 8 (5) Luana Ferreira Página 10 (1ª matéria) (7) Guilherme Lúcio Página 10 (2ª matéria) (9) Diego Corumba Página 13 (1ª matéria) (10) Jonathan da Silva Alves Página 4 (2ª matéria) (11) Dannielly Costa Página 9 (12) Josimar Frazão Página 17 (1ª matéria) (13) Aline Tavares Página 16 (2ª matéria) (14) Guilherme Almeida Páginas 3 e 19 (15) Náthaly Azevedo Página 15 (16) Gustavo Prado Página 13 (2ª matéria) (17) Thalyta Bueno Página 6 (1ª matéria) (19) Yonny Furukawa Página 16 (1ª matéria) (21) Lucas Ferreira Página 7 (22) Livia Lino Páginas 5 e 14 (1ª matéria) (23) Wagner Tavares Capa, páginas 2, 17 (2ª mat.) e 18 (24) Vítor Anjos Página 6 (2ª matéria) (26) Carolina Yasuda Página 4 (1ª matéria) (27) Vinícius Kepe Página 11 Fotografias (8) Matheus José Maria Ensaio da página 18 (28) Professor Luiz Carlos T. Nascimento Colaboração (6) Haila Esteves (25) Jéssica Alves O teor das matérias e artigos são de responsabilidade de seus autores, não representando, portanto, a opinião da instituição

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