O ensino na cerca. a influência do espaço arquitectónico na construção de uma educação informal

Page 1

UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA FACULDADE DE ARQUITECTURA

O Ensino na Cerca A Influência do Espaço Arquitectónico na Construção de uma Educação Informal

Guilherme Alberto Palma de Oliveira

Mestrado Integrado em Arquitectura com especialização em Arquitectura

Orientador Científico: Professor Doutor Nuno Miguel Arenga Reis Co-Orientador: Especialista Arquitecto António Pedro Pacheco

Júri: Presidente: Professor Doutor José Manuel Aguiar Portela da Costa Vogais: Professor Doutor Pedro Belo Ravara !

Professor Doutor Nuno Miguel Arenga Reis

!

Especialista Arquitecto António Pedro Pacheco

Lisboa, FAUTL, Março 2013


2


O Ensino na Cerca A Influência do Espaço Arquitectónico na Construção de uma Educação Informal

Guilherme Alberto Palma de Oliveira Mestrado Integrado em Arquitectura com especialização em Arquitectura Orientador Científico: Professor Doutor Nuno Miguel Arenga Reis Co-Orientador: Especialista Arquitecto António Pedro Pacheco

3


4


Agradecimento ao Professor Nuno Arenga e ao Professor Pedro Pacheco pela orientação ao longo deste trabalho. À Rita e aos meus pais por todo o apoio moral e momentos de descontração. E a todos os meus colegas, pelas opiniões e sugestões sem as quais a realização deste trabalho não teria sido possível.

5


6


UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA FACULDADE DE ARQUITECTURA

O Ensino na Cerca A Influência do Espaço Arquitectónico na Construção de uma Educação Informal

Mestrado Integrado em Arquitectura Candidato: Guilherme Alberto Palma de Oliveira Orientador Científico: Professor Doutor Nuno Miguel Arenga Reis Co-Orientador: Especialista Arquitecto António Pedro Pacheco

Resumo (165 palavras)

!

Tendo o espaço arquitectónico como agente primordial da construção do indivíduo,

pretende-se deste trabalho uma reflexão sobre a influência da arquitectura e do “espaço natural” na construção de pedagogias escolares que valorizem a educação informal da criança no período entre os 3 a 10 anos de idade. Através do estudo aprofundado sobre a história do ensino pré-escolar e primário, procura-se discutir diversos sistemas pedagógicos que tenham influenciado a ideia de que a arquitectura pode fazer parte da construção da aprendizagem da criança e desta como indivíduo social, através da introdução de actividades, explorações, jogos e brincadeiras potencializadas por um espaço e ambiente escolar planeado. Procura-se estabelecer, através da importância e simbologia do lugar de intervenção, a ligação dos elementos naturais característicos das cercas dos conventos com a importância que a Natureza tem na construção de pedagogias escolares alternativas. Tenho como objectivo desenvolver uma escola com ensino pré-escolar e primário no interior da cerca do Convento de Santa Marta em Lisboa. !

Palavras-chave: Escola; Jardim; Pedagogia; Ensino Informal; Cerca; Natureza.

7


8


UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA FACULDADE DE ARQUITECTURA

Learning In the Enclosure The Influence of Architectural Space In the Development of an Informal Education

Mestrado Integrado em Arquitectura Candidate: Guilherme Alberto Palma de Oliveira Scientific Orientation: Professor Doutor Nuno Miguel Arenga Reis Co-Orientation: Professor António Pedro Pacheco

Abstract (176 words)

!

Assuming the architectural space as the primordial factor of individual growth, this

paper intends a reflexion about the influence of architecture and “natural space” in the development of academic pedagogies that valorize the informal education of children, in the period between 3 and 10 years of age. By a in-depth study about the history of preschool and primary education, it is sought to discuss several pedagogical systems that have influenced the idea that architecture can have a place in the construction of children’s learning and growth as a social individual, by introducing them to activities, explorations, games and childhood play that are empowered by a planned academic space and environment. This study seeks to establish, by the importance and symbology of the proposed site to be designed, the bound of the characteristic elements of the enclosure of convents with the importance that Nature has in the development of alternative academic pedagogies. The objective is to design a pre-school and primary school building in the interior of the enclosure of Santa Marta’s Convent in Lisbon.

Keywords: School; Garden; Pedagogy; Informal Learning; Enclosure; Nature.

9


10


Índice

1. Introdução!

20

2. A Criança e o Espaço!

22

3. Influência da Arquitectura no Ensino da Criança!

27

4. Expressão de Pedagogias no Espaço Arquitectónico!

30

4.1.

Froëbel e a introdução do Kindergartën!

33

4.2.

Neutra, Jardim e High/Scope!

35

4.3.

Reggio Emilia: Cidade, Comunidade e Casa!

39

4.4.

Montessori: a autonomia da Criança!

45

4.5.

Hertzberger e o conceito espacial de “Learning Street”!

48

4.6.

Fugi-Kindergartën e a Arquitectura como brinquedo!

56

4.7.

Baupiloten e a arquitectura participada!

60

5. Construir no Construído: uma ideia de Escola na Cerca de Santa Marta!

65

5.1.

O Lugar de Projecto - a Colina, o Convento e a Cerca!

66

5.2.

A Natureza e os elementos da Cerca na influência de uma Pedagogia!

72

5.3.

A Intervenção!

76

5.3.1.

Estratégia geral!

76

5.3.2.

Programa e relações espaciais!

78

5.3.3.

Versatilidade espacial!

81

5.3.4.

Apropriação dimensional!

84

5.3.5.

Materialidade e Cor!

86

5.3.6.

Pedagogia e os Elementos da Cerca!

88

6. Considerações Finais!

90

7. Bibliografia!

93

8. Anexos!

95

11


Índice de Imagens

Fig.1. e 2. Piaget e crianças, in SINGER, Dorothy G. (2005), “Cognitive Developmente Piaget’s Theory”, education.com, Disponível HTTP: http://www.education.com/reference/ article/cognitive-development2/ (Dezembro 2012) Fig.3. As crianças e os seus esconderijos, in ALEXANDER, Christopher, A Pattern Language: Towns, Buildings, Construction. New York: Oxford University Press. 1977. p.928 Fig.4. Espaço de trabalho em escola Montessori de Delft, Herman Hertzberger, in HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.183 Fig.5. Espaço de transição em sala Montessori de Delft, Herman Hertzberger, in HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.202 Fig.6. The Nursery In the Familistery of Guise, in GODIN, Jean-Baptiste Andre, Solutions Sociales, Paris, 1871. Fig.7. Primeiras ilustrações de novas ideias de Escolas, in DUDEK, Mark, Schools and Kindergartëns - A design manual. Berlim: Birkhäuser Verlag AG. 2007. p.10 Fig.8 e 9. Ring Plan School, Richard Neutra, in Arquive of Affinities (2012), Disponível HTTP: http://archiveofaffinities.tumblr.com/post/14466227908/richard-j-neutra-project-for-ring-planSchool (Novembro 2012) Fig.10. Corona School, Richard Neutra, 1935, in LAMPRECHT, Barbara, Richard Neutra, 1892-1970, Germany, Taschen, 2004 Fig.11. A sala e o jardim, Corona School, in HINES, Thomas S., Richard Neutra and The Search for Modern Architecture, New York: Rizzoli Publicares, 2006. p.182 Fig.12. Sala de aula, in CEPPI, Giulio, ZINI, Michele, Children, Spaces, Relations Metaproject for An Environment for Young Children. Italy: Reggio Children, Domus Academy Research Center. 1998. p.38

12


Fig.13. Piazza Central, in CEPPI, Giulio, ZINI, Michele, Children, Spaces, Relations Metaproject for An Environment for Young Children. Italy: Reggio Children, Domus Academy Research Center. 1998. p.37 Fig.14. Planta da escola Diana, Reggio Emilia, in CEPPI, Giulio, ZINI, Michele, Children, Spaces, Relations - Metaproject for An Environment for Young Children. Italy: Reggio Children, Domus Academy Research Center. 1998. p.37 Fig.15. Relação interior-exterior, in CEPPI, Giulio, ZINI, Michele, Children, Spaces, Relations - Metaproject for An Environment for Young Children. Italy: Reggio Children, Domus Academy Research Center. 1998. p.41 Fig.16. Pátio, in CEPPI, Giulio, ZINI, Michele, Children, Spaces, Relations - Metaproject for An Environment for Young Children. Italy: Reggio Children, Domus Academy Research Center. 1998. p.41 Fig.17. Maria Montessori e a sua sala de aula, in “Dr Maria Montessori”, The Montessori Place (2011), Disponível HTTP: http://www.themontessoriplace.org.uk/2011/dr-mariamontessori/ (Novembro 2012) Fig.18. Cozinha em escola Montessori, in HERTZBERGER, Herman - Space and Learning Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.27 Fig.19. Conceito do zonamento para a sala de aula, Herman Hertzberger, in HERTZBERGER, Herman - Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.32 Fig.20. Espaços de trabalho em Delft, Herman Hertzberger, in HERTZBERGER, Herman Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.40 Fig.21. O conforto na escola Montessori de Delft, Herman Hertzberger, in HERTZBERGER, Herman - Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.32 Fig.22. Espaço de transição em escola Montessori de Delft, Herman Hertzberger, in HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.31

13


Fig.23. Escola primária Montessori, Herman Hertzberger, Amsterdam, in HERTZBERGER, Herman - Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.87 Fig.24. Evolução da Learning Street por Herman Hertzberger, in HERTZBERGER, Herman Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.42 Fig.25. Planta da escola Volksschule em Darmstadt, Hans Scharoun, in SYRING, Eberhard, KIRSCHENMANN, Jorg, Hans Scharoun, 1893-1972, Outsider of Modernismo. Germany, Taschen. 2004. p.57 Fig.26. Espaço de trabalho fora da sala de aula, escola De Spil, Arnhem, in HERTZBERGER, Herman - Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.43 Fig.27. Learning Street na escola De Salamander, Arnhem, in HERTZBERGER, Herman Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.43 Fig.28. Espaço de trabalho fora da sala de aula, escola De Spil, Arnhem, in HERTZBERGER, Herman - Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.43 Fig.29. Expansão da sala de aula, escola De Salamander, Arnhem, in HERTZBERGER, Herman - Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.55 Fig.30. Vista geral do jardim de infância Fugi, Tezuka Architects, in Projectos - Tezuka, Jardim de Infancy Fuji, Tachikawa, Tóquio” in arqa, no88/89, Janeiro/Fevereiro 2011. p.92 Fig.31. Interior do jardim de infância, in Tezuka Architects (2007), “Works - Fuji Kindergartën”, Tezuka Architects, Disponível HTTP: http://www.tezuka-arch.com/english/ index.html (Junho 2012) Fig.32. Relação interior-exterior da fachada, in Tezuka Architects (2007), “Works - Fuji Kindergartën”, Tezuka Architects, Disponível HTTP: http://www.tezuka-arch.com/english/ index.html (Junho 2012)

14


Fig.33. Zelkova na cobertura, in Tezuka Architects (2007), “Works - Fuji Kindergartën”, Tezuka Architects, Disponível HTTP: http://www.tezuka-arch.com/english/index.html (Junho 2012) Fig.34. Alçapões e clarabóias, in Tezuka Architects (2007), “Works - Fuji Kindergartën”, Tezuka Architects, Disponível HTTP: http://www.tezuka-arch.com/english/index.html (Junho 2012) Fig.35. Pormenor em corte, in Tezuka Architects (2007), “Works - Fuji Kindergartën”, Tezuka Architects, Disponível HTTP: http://www.tezuka-arch.com/english/index.html (Junho 2012) Fig.36. Alçapões, in Tezuka Architects (2007), “Works - Fuji Kindergartën”, Tezuka Architects, Disponível HTTP: http://www.tezuka-arch.com/english/index.html (Junho 2012) Fig.37. Workshops com crianças (2006), in “Partizipation”, Susanne Hofmann Architekten & die Baupiloten, Disponível HTTP: http://www.baupiloten.com/en/partizipation-english/ (Dezembro 2012) Fig.38. Crianças e suas experiências (2007), in “Projects - Taka Tuka Land Day Care Centre”, Susanne Hofmann Architekten & die Baupiloten, Disponível HTTP: http:// www.baupiloten.com/en/projekte/kita-taka-tuka-land/ (Dezembro 2012) Fig.39. Corredor de Traumbaum Day Care Centre, Baupiloten, 2005 (2005), in “Projects Traumbaum Day Care Centre”, Susanne Hofmann Architekten & die Baupiloten, Disponível HTTP: http://www.baupiloten.com/en/projekte/traumbaum-2/ (Dezembro 2012) Fig.40. Corredor de Traumbaum Day Care Centre, Baupiloten, 2005 (2005), in “Projects Traumbaum Day Care Centre”, Susanne Hofmann Architekten & die Baupiloten, Disponível HTTP: http://www.baupiloten.com/en/projekte/traumbaum-2/ (Dezembro 2012) Fig.41. Corredor da escola Erika Mann, Baupiloten, 2008, (2008), in “Projects - Erika Mann Primary School II”, Susanne Hofmann Architekten & die Baupiloten, Disponível HTTP: http:// www.baupiloten.com/en/projekte/erika-mann-primary-school-2/ (Dezembro 2012) Fig.42. Espaço de leitura da escola primária Erika Mann, Baupiloten, 2008, (2008), in “Projects - Erika Mann Primary School II”, Susanne Hofmann Architekten & die Baupiloten, Disponível HTTP: http://www.baupiloten.com/en/projekte/erika-mann-primary-school-2/ (Dezembro 2012)

15


Fig.43. Imagem satélite de Lisboa, in Google Earth (Dezembro 2012) Fig.44. Imagem satélite da Colina de Santa’Ana, in Google Earth (Dezembro 2012) Fig.45. Rua de Santa Marta, 1968, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML, in “Conventoo de Santa Marta (Igreja do)”, RevelarLX, Disponível HTTP: http://revelarlx.cm-lisboa.pt/gca/ index.php?id=310&cat_visita=064 (Dezembro 2012) Fig.46. Claustro do Convento de Santa Marta, inicio do séc XX, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML, in “Conventoo de Santa Marta (Igreja do)”, RevelarLX, Disponível HTTP: http:// revelarlx.cm-lisboa.pt/gca/index.php?id=310&cat_visita=064 (Dezembro 2012) Fig.47. Santa Marta, in Cartografia Silvia Pinto, 1911 Fig.48. Imagem satélite de Santa Marta, in Google Earth (Dezembro 2012) Fig.49. The Garden of Eden, in Stadelches Kintstinstitut, Autor Desconhecido. Fig.50. Santa Marta, in Cartografia Filipe Folque, 1882 Fig.51. Planta de Cobertura, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.52. Planta Piso Térreo, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.53. Planta Primeiro Piso, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.54. Expansão de sala de aula para o exterior, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.55. Learning Street, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.56. Evolução do conceito de Learning Street na proposta, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.57. Relação métrica da criança e do espaço, Cortesia de Atelier C+S Associai, Itália Fig.58. Relação Primeira Classe - Learning Street, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.59. Relação Terceira Classe - Learning Street, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.60. Corte de Salas do ensino Pré-Primário, Imagem elaborada pelo autor, 2013

16


Fig.61. Relação Recreio - Primeira Classe, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.62. Relação Recreio - Terceira Classe, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.63. Espaços Verdes, Imagem elaborada pelo autor, 2013 Fig.64. Diagrama de conceito, Imagem elaborada pelo autor, 2013

17


18


! “A escola por si oferece igual desorganização. Os edifícios (a não ser o legados pelo conde de Ferreira, que ainda quase não funciona,) são na maior parte uma variante torpe entre o celeiro e o curral. Nem espaço, nem asseio, nem arranjo, nem luz, nem ar. Nada torna o estudo tão penoso como a fealdade da aula. Não pedimos decerto para uso do ABC os clássicos jardins de Armida: mas está na mesma essência da organização do estudo a boa disposição material do edifício escolar. Sobretudo nas aldeias é quase impossível atrair ao estudo, numa saleta tenebrosa e abafada, crianças inquietas que vêm do vato ar, da luz alegre dos prados e dos montes. A escola não deve ter a melancolia da cadeia. Pestallorzi, Froebel, os grandes educadores ensinavam em pátios, ao ar livre, entre árvores. Froebel fazia alternar o estudo do ABC e o trabalho manual; a criança soletrava e cavava. A educação deve ser dada com higiene. A escola entre nós é uma grilheta do abecedário, escura e suja: as crianças, enfastiadas, repetem a lição, sem vontade, sem inteligência, sem estímulo: o professor domina pela palmatória, e põe todo o tédio da sua vida na rotina do seu ensino.” QUEIROZ, Eça de. Obras de Eça de Queiroz - Uma Campanha Alegre. Março 1872. Melancólicas Reflexões sobre a Instrução Pública em Portugal. Vol. III, Lello & Irmão, Porto, 1979. p.1198

19


Introdução

!

Considerada uma das instituições basilares da modernidade, a escola apresentava-

se (juntamente com a biblioteca e o museu) como um dos programas fundamentais na caracterização e qualificação da dimensão pública das sociedades modernas. Ao longo dos séculos XIX e XX, para além da função específica de formação dos cidadãos, a escola procurou impor e expressar a sua condição eminentemente pública perante o espaço urbano. Contudo, a sua dimensão representativa, especialmente no caso de Portugal, viria a tomar um enfoque substancial face à importância do espaço de aprendizagem, procurando antes de tudo, manifestar os seus valores morais de ordem, disciplina e rigor. !

Apesar da resposta mais rápida de certos países na procura de pedagogias

alternativas à visão clássica do edifício escolar, em Portugal apenas nas últimas décadas a questão do ambiente formativo nas suas dimensões educativas e pedagógicas tem estado em ordem de discussão. É com a introdução do amplo programa de requalificação Parque Escolar e com a aposta crescente na implantação (pouco qualificativa, no entanto) do ensino pré-escolar que se tem centrado a atenção crescente para o espaço educativo. !

Hoje em dia, o debate do espaço escolar já não passa pela sua importância e

referência pública, mas sim por um espectro alargado que atravessa a organização espacial do programa e pedagogia escolar, a sua integração num contexto cultural e social, o impacto das novas tecnologias nas práticas de ensino e a atenção dada às respostas perceptivas e sensoriais ao ambiente formativo (no que corresponde às experiências participativas da configuração do espaço educativo).

20


! ! “O conhecimento não surge dos objectos nem da criança, mas da interação entre a criança e esses objectos” Jean Piaget, Theory of Education

21


A Crianรงa e o Espaรงo

22


!

O estudo da criança e da relação que esta toma com o espaço é um tema explorado

por um conjunto vasto de ensaios experimentais e teóricos, tradicionalmente correspondentes e realizados no âmbito da psicologia, antropologia e ciências da educação. A constatação de que o meio exerce uma forte influência ao nível da aprendizagem, comportamento e desenvolvimento da criança como ser humano, justificou o interesse da arquitectura por este tema, desde o aparecimento dos primeiros conceitos sobre o desenvolvimento da criança. No presente, várias são as perspectivas que este assunto toma ao serem analisadas por diferentes campos do conhecimento, contribuindo para o reflexo que o espaço possa ter no crescimento da criança. !

Os primeiros estudos elaborados relativamente à percepção do espaço pela criança

surgiram no final do século XIX e desenvolveram-se em torno da ideia que a criança funcionaria como um “recipiente vazio”, respondendo passivamente a estímulos exteriores provenientes do meio, sendo os primeiros níveis de aprendizagem feitos através de sucessivas sequências de estímulo/resposta. Ao longo dos seguintes anos, esta visão acaba por evoluir para um nível mais complexo, segundo o qual existiria uma interação permanente entre o meio e a criança em desenvolvimento. Esta hipótese acabaria por se tornar uma das premissas para os trabalhos elaborados durante o século XX, que analisaram o modo como a criança interage com o meio de modo a compreender o seu desenvolvimento social e emocional.

Fig.1 e 2. Piaget e crianças

!

É com Jean Piaget, figura central da compreensão teórica sobre o desenvolvimento

da criança, que são atribuídas diferentes etapas de domínio e consciência motora e cognitiva face ao espaço que a rodeia. Na sua conhecida Teoria do Desenvolvimento Cognitivo, Piaget defende que a consciência e domínio do corpo levam um tempo

23


determinado a ser processados, e com isto atribui à criança quatro períodos distintos de desenvolvimento, ao qual correspondem diferentes relações com o espaço 1: - Período sensório-motor (0 aos 2,5 anos): neste período, a criança começa a adquirir de forma gradual os seus mecanismos perceptivos e motores (a visão, o andar, o tacto) essenciais para a construção das suas primeira noções espaciais. Nos oito primeiros meses, a criança apenas tem consciência dos objectos que consegue ver - se estes desaparecem do seu campo visual deixam simplesmente de existir. Nos quatro meses seguintes, a criança aprende a movimentar-se de forma a estabelecer contacto com as coisas que não se encontram no seu campo de visão imediato. Nos meses seguintes, aprende a andar e a ter a noção da sua localização no espaço;

- Período pré-operatório (2,5 aos 7 anos): também conhecido como segunda infância, este período constitui-se determinante no crescimento da criança, em que a construção e percepção do espaço assumem um papel fulcral no desenvolvimento desta e dos seus conhecimentos. Começa por compreender as relações de proximidade e de separação, fundamentais para o entendimento geral do espaço. É neste período, que a criança começa a aperfeiçoar os mecanismos adquiridos anteriormente, colocando estes ao exercício da sua actividade no espaço que a rodeia. A curiosidade crescente nestas idades faz com que a criança questione constantemente a realidade que a envolve, estabelecendo uma relação intelectual, psicológica e principalmente física com esta.

- Período das operações concretas (7 aos 10 anos): ao chegarem a esta fase, as crianças já conseguem lidar com êxito com várias relações espaciais que se confrontam no dia-a-dia. No início deste período, a criança é capaz de interpretar e representar aspectos projectuais e geométricos do espaço. Compreende diferentes noções face ao espaço, na medida em que percebe que a distância entre dois objectos não é afectada pelas barreiras que se encontram entre ambos e que o comprimento de um objecto é independente da sua localização.!

- Período operatório formal (a partir dos 10 anos): período não relevante para o estudo e elaboração do trabalho. 1

Jean Piaget, Linguagem e o Pensamento da Criança. São Paulo: Martim Fontes, 1999.

24


!

!

As crianças no período pré-operatório são aprendizes e curiosos natos, activos e

excepcionalmente sensoriais, vivem e constroem a sua linguagem pela experiência, por tentativa e erro, e pela representação do que aprendem através da brincadeira e através da procura de respostas em imagens e elementos reais. Esta procura é maioritariamente individual, e cabe ao espaço dispor dos elementos para que esta auto-descoberta seja potencializada. !

Neste fase da sua infância, a criança interpreta o espaço totalmente e avalia-o pelas

diversas formas possíveis de apropriação e meios de interacção activa com os elementos que o compõem. Considera o ambiente pelas oportunidades que este lhe oferece em

Fig.3. As crianças e os seus esconderijos

infinitas funções e não as suas formas físicas. Uma das apropriações características das crianças face ao espaço é por exemplo a forma como encontram nos recantos da casa (debaixo de escadas, armários, mesas) locais que interpretam como casas ou esconderijos2. !

Esta necessidade de apropriação do lugar através do esconder, subir, sentar, saltar

ou trepar, surge na procura de oportunidades onde a criança molda o seu próprio espaço, pois para esta todo o resto corresponde ao “espaço do adulto” 3. Estas diversas acções tornam-se importantes no desenvolvimento do conhecimento e crescimento saudável da criança.

2

Christopher Alexander, A Pattern Language: Towns, Buildings, Construction. New York: Oxford University Press. 1977. p.928 3

Ibidem.

25


!

Pode também assim depender do desenho arquitectónico do espaço (da casa, da

rua, da escola), a criação de uma multiplicidade de apropriações para que a criança tome deste o máximo na sua descoberta - o espaço pode ser concebido para indivíduos adultos, mas em simultâneo também para a apropriação da criança.

!

Geralmente caracterizada pelo ambiente doméstico, esta realidade torna-se aquela

onde retemos as principais noções de conforto e segurança, sendo também aquela que recebe as nossas primeiras apropriações. É este espaço que numa primeira fase deverá ser correspondido às intenções da criança, para que esta consiga apropriar-se do ambiente que a rodeia sem obstruções e através de acções autónomas. É ainda de reter que o mundo da criança não corresponde apenas a um único lugar ou sala, mas sim a um contínuo de espaços, onde esta está livre de gastar toda a sua energia nas brincadeiras e descobertas que bem entende. Em A Pattern Language, Christopher Alexander defende que este “contínuo espacial” deverá conter também espaços relacionados com a vida adulta, pois as crianças não aprendem apenas sozinhas, mas também através de várias acções dos adultos que as rodeiam4 . Através da liberdade (condicionada) proporcionada à criança no espaço doméstico, esta estará apta à construção de um “mapeamento” mental do lugar, apoiada pelas experiências de interacção e vivência do espaço, ao ser confrontada com o meio que a rodeia - é na construção deste meio, que a arquitectura poderá potencializar a percepção espacial da criança.

4

Christopher Alexander, op. Cit., p.294

26


Influência da Arquitectura no Ensino da Criança

27


!

Em Portugal, para as crianças que pertencem à faixa etária entre os 3 e os 10 anos,

e que frequentam o ensino pré-primário e primário, cerca de 6 a 7 horas diárias decorrem no espaço escolar, podendo este número alcançar 9 horas quando essas usufruem de programas de ocupação em tempos livres facultados pelo estabelecimento de ensino. Deste facto parte a certeza de que grande parte da infância de uma criança é passada no ambiente escolar, revelando-se para esta um dos lugares mais significativos para além da sua casa. Parte deste espaço que a criança tenha o primeiro contacto com a realidade social e cultural em que se forma e insere e cabe ao mesmo contribuir com mecanismos para que isso aconteça da melhor forma. Neste, a criança tem a possibilidade de expandir e explorar novos campos de conhecimento, criatividade e imaginação - num conjunto complexo onde o espaço, pedagogia e relações sociais proporcionam condições para que esta adaptabilidade a consiga moldar e a faça crescer como indivíduo social. !

Com o ingresso na escola, surgem as primeiras noções face ao domínio público do

espaço, onde a sua atitude perante outros e o próprio meio é formada através de uma experiência diária que se prolonga durante um período contínuo de vários anos. Reconhecese a importância deste domínio pela necessidade que as crianças têm de estabelecer relações com outras pessoas da sua faixa etária durante os seus primeiros anos de vida alguns estudos, chegam a mencionar que o isolamento na infância pode conduzir a fortes possibilidades de doenças psicológicas ou mesmo neurológicas durante sua vida adulta5.

Fig.4 Espaço de trabalho em escola Montessori de Delft, Herman Hertzberger

5

Fig.5 Espaço de transição em sala Montessori de Delft, Herman

Christopher Alexander, op. Cit., p.343

28


!

Na resposta à visão clássica da escola, novas propostas de pedagogias de ensino

começam a considerar a arquitectura como forte estimulante no desenvolvimento e aprendizagem da criança, onde esta e a percepção do espaço que a rodeia se tornam os elementos centrais. Estas novas pedagogias procuram uma focalização na qualificação da experiência espacial, procurando explorar vínculos entre as práticas educativas e pedagógicas na escola e a experiência perceptível e sensorial do espaço. A vivência de um espaço estimulante e diversificado vai acabar por impor à criança exigências relativas a determinados parâmetros de qualidade, que a acompanharão ao longo da vida, por constituírem as suas primeiras referências. !

Através da Arquitectura, pretende-se que os espaços onde um grande número de

crianças eram obrigadas a estarem imobilizadas, sentadas enquanto os educadores transmitiam o seu conhecimento, onde se uniformizavam personalidades e actividades, sejam gradualmente substituídos por salas que se adequam à mobilidade da criança e estejam equipadas de modo a melhor servir esta nas suas fases de crescimento. Com isto, passa-se a dar menos atenção a pedagogias caracterizadas pela importância da fundamentação teórica, e o ensino pré-escolar e primário passa a concentrar-se nas actividades manuais e práticas potencializadas pela experiência individual no espaço.! !

Cabe assim ao Arquitecto projectar elementos que contribuam à descoberta

individual do mundo que rodeia a criança, dando-lhe todos os mecanismos para que o seu crescimento se construa da forma mais adequada. A escola deixa de ser um agregado de espaços funcionais claramente diferenciados e definidos - salas em banda distribuídas por um único corredor - e transforma-se num complexo estruturado contínuo, mais aberto e dinâmico nas suas múltiplas valências pedagógicas e educativas6.!

6

Herman Hertzberger, Space and the Architect - Lessons in Architecture 2. Rotterdam: 010 Publicares, 2000. p.13

29


Expressรฃo de Pedagogias no Espaรงo Arquitectรณnico

30


!

Durante bastante tempo, o acto de projecto e a realização de espaços para o

cuidado das crianças foi colocado de parte por outras necessidades que a arquitectura procuraria resolver. !

Na necessidade de proporcionar cuidados e educação para grandes grupos de

crianças, face aos problemas sociais causados pela revolução industrial e pela necessidade de atribuir a estas um refugio enquanto os pais estariam nos seus trabalhos diários, surgem as primeiras instituições de educação para crianças na segunda infância. A primeira estrutura com estas características foi criada de raiz por Robert Owen em 1816, mas a sua filosofia pedagógica era ainda pouco desenvolvida. O foco central do pequeno currículo, centrava-se no contacto da criança com o meio ambiente, procurando estimular a sua procura de respostas face ao mundo que a rodeia, através de actividades lúdicas como pintar, cantar e dançar. No entanto, estes espaços não eram caracterizados apenas pela sua faceta educacional mas também como apoio à saúde, em estilo de orfanato/hospital, dirigido principalmente às classes operárias. Outro destes espaços seriam criados por Jean-Baptist André Godin que, apoiado nas ideias da reforma social defendida por Fourier, viria a incorporar espaços onde as crianças dos trabalhadores iriam ser tratadas e cuidadas, procurando ainda apostar na socialização entre estas com o objectivo de criar bons hábitos sociais como indivíduos.

Fig.6. The Nursery of the Familistery of Guise, Escola Francesa, Paris 1871

31


!

A necessidade de que as crianças deveriam ser tratadas com os devidos cuidados e

espaços apropriados, aliando às ideias de Robert Owen, Charles Fourier e Jean-Baptist André Godin, resultaria na criação de estruturas adequadas à permanência destas durante o dia. !

Johann Heinrich Pestalozzi (conhecido como o “educador pioneiro”), apoiado nas

ideias introduzidas anteriormente, procuraria criar novos conceitos de ensino e cuidado infantil, onde o desenvolvimento intelectual das crianças estivesse aliado ao exercício lúdico de actividades chave como potencial mudança da visão ética perante a sociedade. !

É no rescaldo da revolução industrial que começam a surgir posições de recusa face

à estrutura educacional vivida no ensino pré-escolar e primário. Visões de reestruturação do sistema infra-estrutural e pedagógico procuram corresponder a novas realidades, onde o sistema de ensino deixa de se centrar na figura de autoridade do professor e em que os alunos eram vistos apenas como uma massa receptiva de aprendizagem. Com isto é dada importância à visão da criança na sua busca autónoma e independente pelo conhecimento.

32


Froëbel e a introdução do Kindergartën

!

Na primeira metade do século XIX, são introduzidas na Alemanha as primeiras

intervenções que apresentavam ideias e pedagogias revolucionárias no ensino da segunda infância. Pela mão de um dos mais antigos colegas de Pestalozzi, Friedrich Froëbel, surgem os primeiros grandes impulsos no desenvolvimento de uma educação alternativa. Na criação e desenvolvimento do conceito de Kindergartën (ou Jardim de Infância) Froëbel procurava a singularidade da aprendizagem criativa e autónoma da criança, através do confronto directo com práticas e actividades lúdicas e de contacto com a Natureza. O termo “kindergartën” continha o sentido directo de uma ideia de jardim para as crianças onde estas seriam criadas com cuidado e atenção, como de pequenas sementes se tratassem7 . O conceito pedagógico por detrás destas novas estruturas continha de facto um pequeno jardim, sendo um dos seus objectivos principais atribuir à criança um sentido de harmonia entre esta, Deus, a Natureza e a Sociedade.

Fig.7. Primeiras ilustrações de novas ideias de escolas

!

Contudo, apesar de pouco explorada, a presença do espaço natural apropriado ao

ensino da criança teria surgido previamente pelas mãos de Rachel e Margaret Macmillan, ainda durante a revolução industrial na Inglaterra. Segundo as educadoras, o jardim deveria partilhar da importância dos outros espaços face à estrutura física da escola e tendo também relevância na composição de um currículo pedagógico - a existência de uma horta ou de um jardim colocaria as próprias crianças a cuidar das suas instalações. Froëbel viria a defender esta ideia, implementando em todos os seus espaços escolares um jardim como parte original de cada estrutura. 7

Susanne Hofmann, “Day Nurseries Between Social Welfare and Self-Determination” Serie 2008-3, 2008, p.164

in DETAIL,

33


!

No final do século XIX, esta ideia estaria difundida por toda a Europa e América do

Norte, incorporando o espaço natural nas escolas com o objectivo de proporcionar à criança tanto a aprendizagem de habilidades essenciais à sua vida, como a importância do proveito económico proveniente da agricultura. A imposição de um jardim em cada estrutura escolar, procurava também introduzir a relevância da ideia de comunidade - para além das crianças e educadores, era procurado que também estivessem envolvidas outras pessoas especializadas na manutenção, de modo a que o conhecimento fluísse mais rapidamente e com mais entusiasmo e estas pudessem aprender a lidar com outros adultos para além dos agentes mais próximos. !

Deve-se ao pedagogo a difusão e realização das principais ideias anteriormente

difundidas por Pestalozzi, transformando estas num sistema estruturado de actividades estritamente práticas: num conjuntos de brincadeiras, jogos e outras ocupações didácticas, com o objectivo complexo de desenvolver as capacidades da criança através de actividades baseadas em linguagens simbólicas de comparações, metáforas e analogias. Com Froëbel, a criança ganha importância como autónoma na construção das suas próprias actividades diárias, uma ideia essencial na construção de pedagogias alternativas, ainda relevante nos tempos correntes. !

No centro das suas ideias pedagógicas está o desenvolvimento da percepção

volumétrica dos objectos e do espaço, através da exploração e da brincadeira com blocos de simples formas geométricas - que viriam a ser intitulados de “gifts”8. Este tipo de exploração volumétrica através destes blocos viria mais tarde a influenciar arquitectos como Le Corbusier ou Frank Loyd Wright. O último viria mesmo a citar na sua autobiografia a importância que estes tiveram na aprendizagem geométrica da arquitetura durante a sua infância, quando aos nove anos a sua mãe adquirira um conjunto destes blocos. ! !

Em 1837, Froëbel abre o seu primeiro kindergartën, uma instituição onde apenas as

crianças mais abastadas poderiam entrar, devido ao pagamento que teria de ser feito para que estas o pudessem frequentar. A incapacidade de muitas outras crianças frequentarem estes espaços viria anos mais tarde à proibição da existência destas instituições, pelo aumento da diferença social entre classes surgir já nas idades mais novas. !

Contudo, com a mudança de gerência e criação de outras estruturas escolares por

organizações privadas e instituições da Igreja, os kindergartën começam a abrir portas a mais crianças e o ensino começa a ser difundido com mais igualdade entre elas. 8

Sarah Scott, Architecture for Children. Australia, ACER Press. 2010

34


Neutra, Jardim e High/Scope

!

Com o Movimento Moderno novas experimentações escolares tiveram destaque por

todo o mundo. Em 1933, com a introdução do uso do betão e vidro, André Lurçat realizaria em Viena a primeira escola do género modernista - o conjunto escolar Karl Marx. Um edifício estritamente ortogonal e racional, segundo uma forma em L, com base nas novas escolas edificadas em França no mesmo período. Esta forma possibilitava a comunicação com pátios ou jardins associados e em conjunto com interiores bem iluminados, tornava a noção espacial interior mais livre. ! !

Reconhecido como pioneiro do estilo internacional na arquitectura americana,

Richard Neutra viria a colocar o seu entusiasmo no espaço escolar, na introdução de novas ideias pedagógicas, baseadas principalmente no registo dos jardins de infância de Froebel. Também na década de 30, em paralelo com o conjunto Karl Marx de Lurçat, Neutra viria a introduzir o conceito de “Ring Plan School” 9, onde o tradicional edifício escolar de diversos pisos viria a ser substituído por edificados estritamente térreos, onde as salas de aula dispostas em anel abririam de um dos seus lados para um corredor coberto de distribuição e do outro lado pátios ajardinados. Esta estratégia de distribuição viria a diminuir o congestionamento diário no período de chegada e de partida de todos os alunos.

Fig.8 e 9. Ring Plan School, Richard Neutra

9

Thomas S. Hines, Richard Neutra and The Search for Modern Architecture, New York: Rizzoli Publicares, 2006. p.181-182

35


!

O seu conceito de “Ring Plan School” viria a ganhar grande protagonismo, enquanto

a mostra de arquitectura moderna realizada pelo Museum of Modern Art em 1932 viria a passar por vários pontos do País. Foi especialmente em Los Angeles que esta nova tipologia viria a ganhar grande destaque, por se adaptar facilmente ao clima da Califórnia. !

Consciente das propostas modernas realizadas na Europa, Neutra viria a procurar

nestas referências para melhorar o seu conceito da expansão da sala de aula para o exterior. Exemplos importantes e conceituados como a escola moderna de Johannes Duiker em Amesterdão (Freiluft Volkschule), serviriam para questionar as suas ideias e de certo modo, entender onde resultariam ou falhariam quando introduzido o nível de exploração da criança. Apesar da novidade do edifício de Duiker na exposição das salas para grandes pátios exteriores, o seu desenvolvimento em altura traria consigo diversas condicionantes para que todo o espaço exterior conseguisse ser aproveitado ao máximo nas actividades propostas pelos educadores. !

Com a popularidade da sua escola experimental entre diversos educadores de

infância em Los Angeles e no rescaldo da devastação provocada em 1933 por um violento terramoto no sul da Califórnia, Neutra teria em 1934 a oportunidade de por em prática as suas principais ideias pedagógicas, no que viria a ser a sua primeira escola edificada. Com a consciência e estudo de diversas outras tipologias escolares modernas, Neutra introduz a sua “Ring Plan School”, surpreendentemente, sem a disposição das salas em anel característica deste plano anterior. !

A sua nova proposta viria a estar acabada em 1935 e consistia num edifício em

forma de L, com base nos edifícios modernistas introduzidos na Europa. A sua escola consistia num total de dois jardins de infância e quatro salas de educação primária. As salas dispostas em banda de uma forma clara garantem a ventilação cruzada estabelecida entre clarabóias sobre o corredor coberto de distribuição e o jardim colocado em paralelo com este do outro lado das salas. O espaço âncora da escola passa a ser o jardim, onde a possibilidade de abrir os grandes vãos das salas de aula garante a expansão do ensino para o exterior, ideia defendida por Neutra e adaptada da escola de Duiker. A introdução de mobiliário leve e facilmente transportável veio a substituir o clássico mobiliário que por vezes era pregado ao chão, dando a possibilidade de o transportar para o exterior sempre que as crianças intendessem - a criança não se sentiria obrigada a permanecer na sala de aula, tornando-se livre de executar as suas actividades no espaço exterior. Através de sebes baixas, a divisão das salas era prolongada para o pátio, correspondendo a cada sala a mesma área de expansão verde.

36


!

Neutra garante ainda que a transição entre a sala e o jardim não seja abrupta e

executa palas que dão origem a um pequeno alpendre, possibilitando sombra nos dias mais quentes, vulgares no clima californiano.

Fig.10. Corona School, Richard Neutra, 1935

!

Fig.11. A sala e o jardim, Corona School

Ao longo dos anos seguintes, a sua “Test-tube School” (sua nova tipologia em L), por

mais experimental que fosse, seria aclamada tanto por professores e residentes da área, como por educadores de outros lugares dos Estados Unidos - a grande luminosidade existente dentro das salas de aula e as infinitas possibilidades de apropriação derivadas da liberdade proposta, viriam a garantir a Neutra grande popularidade10. O seu modelo arquitectónico viria a tornar-se referência no desenho do ambiente escolar e as suas ideias viriam a moldar o futuro modelo pedagógico dos Estados Unidos - o modelo High/Scope. ! !

Criado e desenvolvido por David Weikart na década de sessenta, o modelo

pedagógico High/Scope surgiu como resposta aos maus resultados encontrados no sistema escolar local onde Weikart residia, Ypsilanti, Michigan. Com o objetivo de ajudar os alunos a obter melhores resultados no futuro escolar e apoiado na sua experiência como professor, procurou através da manipulação e exploração de novas experiências, o desenvolvimento autónomo e cognitivo da criança11. Este método dava à criança a possibilidade de aprender 10

“There is better light in the classrooms than in any I’ve ever seen. The out-of-door possibilities lend freedom, variaty and interest to the program, not to mention their health factors. There are some delightful color effects. I feel that you have made some fresh and inspiring contributions to the art, or shall I say science, of school planning. I will use it as a wedge, if I may, to encourage other districts to venture a little from the traditional.” Doyt Early, Arquitecto Chefe na Divisão de Planeamento Escolar do Estado da Califórnia, in Thomas S. Hines, op. Cit., p.182 11

Marta Tavares Soares, Arquitectura e Infância - estudo multicultural de espaços pré-escolares. Relatório final de estágio. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa - Faculdade de Arquitectura, 2006.

37


através da acção directa com os objectos e materiais e através da interacção com as pessoas, defendendo que o conhecimento e desenvolvimento intelectual eram proporcionados por esta diálogo constante - intitulando este método de aprendizagem activa. A criança chegaria assim a uma compreensão mais rápida e facilitada do mundo que a rodeia. !

Colocadas sobre “campos de acção”, as actividades visavam tornar as explorações

mais significativas e apropriadas a cada abordagem específica. O sucesso da pedagogia pré-escolar de Weikart nasceu principalmente das estatísticas reunidas ao longo dos anos: os seus alunos, aqueles que passaram pelo currículo High/Scope, tornar-se-iam aqueles com melhores resultados nos seus empregos, salários, criminalidade e menor dependência em serviços sociais. !

O modelo High/Scope procura caracterizar a evolução do conceito de educação

infantil apropriado para um novo tipo de vida urbana e cosmopolita, valorizando o desenvolvimento da cultura da criança, a reflexão, cooperação e autonomia, com o objectivo de promover o desenvolvimento sócio-moral da criança como indivíduo.

38


Reggio Emilia: Cidade, Comunidade e Casa

!

Introduzido e conceptualizado por Loris Malaguzzi, o modelo experimental de

Reggio Emilia viria a tornar-se uma das grandes referências mundiais na construção de pedagogias, onde a criança e o espaço arquitectónico são os actores principais. Modelo de extremo sucesso, começou a ser delineado em Itália no período do pós-guerra e toda a sua história advém maioritariamente da experiência da comunidade local e da sua participação activa na construção da escola, espirito característico da região de Reggio Emilia no norte do país. !

Situada no parque público Del Popolo, no centro histórico de Reggio Emilia, a escola

Diana é um dos grandes exemplos de eficácia na relação da equipa de projecto, liderada pelo Arquitecto A.Zini, com os educadores e pedagogos, segundos os métodos e filosofia do modelo introduzido por Malaguzzi. Construída em 1970 e ainda em conjunta orientação com o pedagogo, esta escola tornou-se a base de formalização das ideias, programa e estudos, aplicadas posteriormente a todas as escolas actuais de Reggio Emilia. !

Sendo o espaço arquitectónico o ponto principal da investigação pedagógica, este

procura servir como elemento de materialização e transmissão de uma ideia de educação, tendo o objectivo de estimular a criança na sua aprendizagem, descoberta e exploração autónoma - nas bases dos ideais de Froebel e Pestalozzi. Neste sistema é reconhecido que o desenvolvimento do conhecimento da criança não se faz através de um percurso linear, mas através de uma rede complexa de intercomunicação entre influências ricas que o mundo tem para oferecer12 . Tal como nos conceitos dos pensadores anteriormente mencionados, a educação teórica estruturada era em parte substituída por uma estrutura de actividades pedagógicas e lúdicas, apoiada na opinião e diálogo directo com a criança tendo como base as suas questões, sugestões e estímulos. !

A ligação entre o espaço arquitectónico e as actividades pedagógicas deste sistema,

é também evidenciada pela distribuição dos resultados e criações da criança ao longo dos espaços da escola (em paredes, janelas, penduradas no tectos, ao longo de mesas...), procurando transmitir a esta a relevância das suas criações e do esforço que atribui a cada

12

Mark Dudek, Schools and Kindergartëns - A design manual. Berlim: Birkhäuser Verlag AG. 2007. p. 11

39


actividade. Com isto, a criança é encorajada a reconhecer o valor do seu trabalho, aumentando a sua auto-confiança na abordagem a novos desafios e actividades 13. !

O ênfase dado às actividades lúdicas e brincadeiras não abdicava da introdução do

habitual sistema educacional formal - conceitos como os números, dimensões, formas e outros, procuravam ser introduzidos espontaneamente ao longo das suas experiências diárias e quotidianas, sem forçar as crianças a aprender pela memória e estudo, mas sim pela didáctica e experiência de cada actividade. !

Apesar da defesa do crescimento e exploração autónoma da criança, a maior parte

das actividades eram desenvolvidas em conjunto com outras crianças, pois seria importante que esta não se moldasse como ser isolado, mas como um membro de uma grande comunidade. É na interacção com outras crianças, adultos, objectos e o espaço que a criança se moldaria como indivíduo social. Este sentido de comunidade é especialmente caracterizado pela exposição do espaço neste modelo. Tal como uma cidade, é desenhado para potencializar encontros, comunicação e relações, através de um sistema de ruas e praças.

Fig.12. Sala de aula

!

Fig.13. Piazza Central

Espaços como a Piazza Central (reminiscência da cidade italiana e do espaço de

encontro e referência urbana) tornam-se os protagonistas de um conjunto, onde a socialização encorajada pelo programa de Reggio Emilia toma as suas formas físicas. Este espaço característico procura não só acolher todos os fluxos interiores da escola como um núcleo, como também corresponde ao ponto charneira entre a escola e a cidade.

13

Mitra Hedman, “Learnscape: School Architecture as the Connecting Link Between Child and Contest”, in Eberhart Knapp, Kaj Noschis, School Building Design and Learning Performance. Lausanne: Imprimerie Chabloz S.A. 2007. p.129

40


!

A nível espacial e como propriedade pedagógica, tem também a mais valia de

eliminar qualquer tipo de circulação interna, em que todos os espaços principais estão distribuídos em volta deste lugar público. Neste poderemos muitas vezes assistir a apresentações, assembleias, peças de teatro ou mesmo exposições, tornando-se o coração do ambiente escolar, da comunidade próxima e da filosofia de Reggio Emilia. ! !

Outro dos espaços chave no programa pedagógico desta escola é o espaço do

Atelier Central. Acompanhada geralmente por um atelierista14 , este programa procura que a criança tenha a livre possibilidade de experimentar e explorar autonomamente uma grande variedade de materiais todos ao seu dispor. Este amplo estúdio procura complementar as salas de actividades relativas a cada ano lectivo, estando disponível a qualquer faixa etária no encorajamento de que a partilha de experiência entre os mais velhos e os mais novos potencialize as relações sociais entre crianças de diferentes idades. Tanto este espaço nuclear como todos os outros, procuram estar constantemente abertos e acessíveis a todas as crianças em qualquer altura do dia, dando a possibilidade destas se apropriarem quando se sentirem mais à vontade. 15

6

1

2

1. Piazza Central 2. Atelier Central 3. Sala 4. Sala 5. Sala 6. Refeitório

Fig.14. Planta da escola Diana, Reggio Emilia

14

Nome designado pelo programa pedagógico para um professor especializado no ensino das artes, que trabalha juntamente com outros professores em todas as áreas desde a aprendizagem, ensino e documentação. 15

Giulio Ceppi, Michele Zini, Children, Spaces, Relations - Metaproject for An Environment for Young Children. Italy: Reggio Children, Domus Academy Research Center. 1998. p.39

41


!

Na filosofia de Reggio Emilia acredita-se que a criança não deve estar confinada ao

espaço da sua sala, porque muitas vezes estas sentem a necessidade de expandir os seus conhecimentos e ir à procura das suas próprias respostas. Uma criança de três anos está livre de ir executar qualquer actividade a decorrer numa sala de uma criança mais velha, sendo abertamente acolhida pela turma e educador. Esta liberdade espacial não se estende apenas às salas de aula e atelier central - com o objectivo de não hierarquizar funções, também os gabinetes e a cozinha estão disponíveis para o livre uso da criança. A inexistência desta hierarquia também é representada pela disposição térrea de todo o programa da escola, procurando conferir um aspecto democrático ao espaço e promovendo a igualdade e sociabilidade entre crianças e adultos, valores essenciais para a construção da criança como indivíduo social16 . O sentido de horizontalidade e partilha é ainda fortalecido pela transparência controlada entre todos os espaços, dando à criança a possibilidade de estar a par de todas as opções disponíveis de apropriação, como das actividades que estejam a decorrer noutro lugar (como por exemplo o contacto visual com a cozinha, em que a criança pode visualizar a preparação das refeições). !

Um dos pontos chave da pedagogia escolar vivida em Reggio Emilia é o sentido da

Casa em qualquer espaço da escola. Para além da possibilidade de encontrar as salas de aula equipadas com uma cozinha ou um espaço para dormir, é desejada que a apropriação do espaço e disposição dos objectos não seja impedida no fechar da escola ao final de cada dia. Esta noção de apropriação transmite à criança um conforto contínuo (como em casa), em que esta sabe onde as suas próprias coisas estão ao longo do dia ou da semana. A criança pode decidir voltar à mesma actividade em desenvolvimento no dia anterior, sem que o espaço de trabalho tenha sido alterado ou arrumado. O espaço escolar com este meio de apropriação torna-se um organismo vivo, personalizável e manipulável pelos seus habitantes, não pondo em causa as matrizes iniciais do projecto e permitindo alterações tanto a longo como a curto prazo. !

Resta ainda salientar que, como Froebel e Neutra, o espaço exterior natural tem

também um papel importante na construção do espaço da escola como da sua própria pedagogia. Através de um conjunto de elementos chave, como espaços-filtro (pórticos,

16

Mark Dudek, Schools and Kindergartëns - A design manual. Berlim: Birkhäuser Verlag AG. 2007. p. 12

42


varandas, coberturas, alpendres e pátios interiores 17) o edifício escolar procura estabelecer uma forte relação entre o interior e o exterior pela sua transparência, de modo a transmitir os acontecimentos e variações do ambiente exterior (tempo, mudanças sazonais, horas do dia e ritmos da cidade), ou a importância de elementos naturais como a água e o vento.

Fig.15. Relação interior-exterior

!

Fig.16. Pátio

No aproveitamento pedagógico destes lugares naturais existe a possibilidade das

crianças aprenderem como cuidar da sua própria horta, aumentando o seu sentido de responsabilidade perante um elemento vivo. Estes espaços, como nas escolas experimentais de Neutra, possibilitam a expansão das salas de aula (mesas e cadeiras) para o espaço exterior na Primavera e no Verão. !

Com um currículo extenso, toda a actividade da criança é assim proporcionada e

claramente estruturada pelo espaço arquitectónico e pelas suas qualidades funcionais e físicas. O ambiente escolar em Reggio Emilia torna-se uma espécie de workshop para pesquisa e experimentação constante, em que a percepção das crianças e, em particular, a relação entre estas se tornam as estratégias fundamentais para a construção individual de conhecimento18 , correspondendo às exigências de cada criança durante o seu percurso de aprendizagem e crescimento.

17

Marta Tavares Soares, Arquitectura e Infância - estudo multicultural de espaços pré-escolares. Relatório final de estágio. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa - Faculdade de Arquitectura, 2006. p.39 18

Mark Dudek, Schools and Kindergartëns - A design manual. Berlim: Birkhäuser Verlag AG. 2007. p.

11

43


!

Desde o inicio da difusão da pedagogia de Malaguzzi em Reggio Emilia, tem-se

sentido um empenho progressivo no desenvolvimento de um projecto educacional que tem como núcleos a criança e a arquitectura. Por estas razões e pelo seu sucesso constante, as escolas da região têm atraído um interesse global e recebido críticas positivas dos mais diversos meios internacionais. É em 1970, ainda durante o primeiro ano da escola Diana, que é criada uma exposição de modo a partilhar os conceitos e ideias por detrás desta pedagogia. !

Actualmente intitulada de “The Hundred Languages of Children”, já fora apresentada

em diversas partes do mundo e desde os seus primeiros anos tem vindo a crescer, tanto pela mostra de interesse de quem estuda o tema, como pelos bons resultados que este programa tem conseguido. Em dados recentes, os números de estrangeiros em exposições criadas pela instituição Reggio Children (instituição criada em resposta ao interesse global em Reggio) continua a crescer ao longo dos anos, provando que esta pedagogia é, para educação e para a arquitectura escolar, uma referência que não deverá ser posta de parte.19

19

Marianne Valentine, The Reggio Emilia Approach to Early Years Education. Stoctland: Learning and Teaching Scotland. 1999. p.2

44


Montessori: a autonomia da Criança

!

No contexto da educação nova, corrente que procurou mudar o rumo da educação

tradicional na Europa, encontramos as ideias pedagógicas de Maria Montessori. Apoiada na sua difusão, Montessori acreditava que era possível atribuir à educação tradicional, intelectual e teórica um sentido mais vivo e activo por parte da criança, que se baseasse na via prática autónoma, tendo fortes influências, como a Natureza.

Fig.17. Maria Montessori e a sua sala de aula

!

Apesar da partilha de ideias chave, enquanto para Froëbel a escola funcionaria

apenas como um complemento à educação e cuidado familiares, para a doutora e filósofa italiana estas estruturas eram consideradas como o primeiro passo para a educação social das crianças. Esta corrente insere-se também no mesmo patamar dos ideais de Reggio Emilia, montando um currículo construído essencialmente na base de actividades práticas, artísticas e lúdicas. Desde trabalho em campos agrícolas, actividades domésticas, trabalho em oficinas, educação física ou mesmo educação estética com música, desenho e arte, este modelo procurava ser o mais amplo possível, para que a criança pudesse ter um espirito mais liberal face à sociedade, procurando principalmente, que a própria escola fizesse mais parte do mundo. !

Através da ampla possibilidade de escolha de actividades que a criança tem ao seu

dispor, esta tem a força para procurar no seu próprio entusiasmo ou curiosidade, ganhando motivação no crescimento e aprendizagem diários. A criança no ambiente de Montessori encontra-se livre para gerir tanto o seu espaço (interno como externo) como o seu tempo e ritmo - ao contrário do ensino tradicional, onde todas as actividades se encontram

45


coordenadas por lugares específicos e um horário preciso, neste método esta tem a possibilidade de fazer as suas próprias escolhas, recebendo desta “liberdade” um aumento da sua auto-confiança e da sua responsabilidade na tomada de decisões. Ao aprender por si o que está certo ou errado para a sua actividade e gerindo cada uma ao seu ritmo, a criança sentirá maior controlo em relação ao seu desenvolvimento e aprendizagem - algo que não acontece na via tradicional, onde cada uma é obrigada a seguir o ritmo de outras mais avançadas, ficando para trás ao não as acompanhar devidamente. !

Na formalização e materialização das suas ideias, surge em 1907 o espaço da Casa

del Bambini de Montessori, procurando que o seu ambiente físico e material se apoiassem na estimulação sensorial e intelectual da criança. De início a ideia de sala de aula persistia, no entanto, as dimensões do espaço eram fora do comum na comparação com o ensino tradicional. Estas eram modeladas em espaços diferentes (zonamento), como se de diversos quartos de uma grande casa se tratassem: a criança teria ao seu dispor, por exemplo, um local “húmido” que procurava através de um balcão e lavatório trazer a ideia da cozinha para a escola. Graças a esta gestão do espaço, o currículo de Montessori poderia variar entre o trabalho intelectual e as já mencionadas actividades domésticas.

Fig.18. Cozinha em escola Montessori

Fig.19. Conceito do zonamento para a sala de aula

!

Para além deste “zonamento”, a sala de aula procuraria funcionar através de

diferentes níveis de concentração. Utilizando a metáfora da carapaça do caracol, os espaços procuravam vir do mais intimista até ao mais livre e de contacto com o exterior. Deste modo, uma criança que estaria concentrada a trabalhar individualmente não seria por exemplo distraída por um grupo de crianças que estariam a ensaiar uma música. Em muitos

46


dos casos, estas salas tomaram a forma de um L, articulando (sem o uso de partições físicas completas) as zonas mais introvertidas para as mais extrovertidas. Utilizando o desenho do espaço em seu benefício, muitos dos lugares mais introvertidos eram por vezes desenhados em níveis mais baixos de um a dois degraus, de modo a que o espaço proporcionasse mais concentração requerida à criança na sua actividade. ! !

A instituição deste tipo de educação não fora contudo fácil nos primeiros anos da sua

difusão. Nos debates conceptuais conduzidos por arquitectos reformistas na década de 1920, as ideias introduzidas por Montessori eram pouco consideradas como importantes no desenvolvimento de uma arquitectura escolar adequada. Apesar do projecto de escolas préprimárias e primárias não corresponder meramente à criação de espaços, os aspectos construtivos estavam apenas relacionado com o estabelecimento de ligações chave com a natureza envolvente - não existia assim uma consciência das possibilidades que a arquitectura tinha no desenvolvimento das sensações e percepções da criança. !

É apenas durante a década de 1950 e 1960, no rescaldo da arquitectura moderna,

que outros arquitectos discutem as ideias de Montessori, explorando-as nos seus próprios edifícios escolares. Um destes arquitectos é Herman Hertzberger, que tem dedicado maior parte da sua vida profissional à exploração destes conceitos pedagógicos (ver página 29). !

Apesar de inicialmente testado em crianças dos três aos seis anos, o Método

Montessori está actualmente estabelecido desde as idades mais novas até experiências na educação universitária. Difundido em todo o mundo com extremo sucesso, faz parte de milhares de currículos pedagógicos, onde se procura uma alternativa ao ensino tradicional onde o professor ainda é visto como elemento de autoridade e respeito.

47


Hertzberger e o conceito espacial de “Learning Street” ! !

Com base nos conceitos construídos e difundidos por Maria Montessori sobre o

espaço escolar, Herman Hertzberger procura, através da sua vasta obra teórica e construída, uma resposta ao que teria sido até então uma abordagem errada por parte do Movimento Moderno na concepção dos espaços de ensino e constante perda de qualidade da posição dos arquitectos face a este tema. Para este autor, os arquitectos apenas se importariam com os aspectos formais, sem se preocuparem com as possibilidades espaciais que poderiam levar a uma melhor educação e o papel que estes poderiam ter na construção desta.20 !

Hertzberger procura ainda afirmar que “não existe melhor exemplo de arquitectura

vista maioritariamente como uma questão de exteriores como as escolas”, não alterando as suas configurações interiores, sendo as mesmas durante muitos anos - salas como caixas opacas ao longo de corredores estritamente utilizados para circulação ou apenas para arrumar casacos.21 Apesar de novas ideias de educação emergirem, chamando à atenção para autonomia da criança face ao espaço da escola, estas nunca chegaram ao ponto de deixar o bastião que seriam as aulas de alunos em frente ao professor - a sala de aula continuaria a mesma. !

Contudo, o ponto de partida da autonomia da criança face ao espaço estaria na

própria configuração da sala de aula conforme a sua vontade, resultando num domínio posterior do espaço fora da sala (visão do espaço da sala de aula como lar, por Montessori). Hertzberger defendia que o uso do espaço escolar não deverá ser estranho à criança, mas sim confortável, para que esta se aproprie e faça deste o seu espaço de eleição. !

Para o Arquitecto, a própria forma do espaço deve ser capaz de oferecer

oportunidades para que as crianças possam utilizá-lo de acordo com as suas próprias necessidades e desejos pessoais.

20

Herman Hertzberger - Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.11 21

Herman Hertzberger, op. Cit., p.13

48


Fig.20. Espaços de trabalho em Delft, Herman Hertzberger

Fig.21. O conforto na escola Montessori de Delft, Herman Hertzberger

! !

É na sua Escola Montessori em Delft que o desenho do espaço e seus elementos é

amplamente ligado à concepção de uma pedagogia escolar com base na arquitetura. Procurando transmitir e defender a visão que a escola deveria ser como uma pequena cidade, todas as salas eram concebidas como pequenos lares (unidades autónomas) que, ao estarem directamente relacionadas com um espaço comum, trariam a atmosfera de uma verdadeira comunidade - o pequeno hall ou corredor, tratado como a grande rua comum.22 !

Nas escolas caracterizadas pelas bases do Método Montessori, as crianças tinham

ao seu dispor elementos chave da habitação no seu “pequeno lar”. Espaços como a cozinha ou um pequeno vestíbulo procuravam que a ideia de casa não se mantivesse apenas na existência de lugares comuns, mas como razão para as crianças poderem aprender a cuidar do seu próprio espaço, fortalecendo assim uma ligação emocional com o lugar que habitam dia-a-dia - este seria um dos principais motores do currículo da Escola Montessori. !

Com a ajuda da sua professora (ou “tia” como define Hertzberger23 ), a criança teria

domínio sobre a caracterização da atmosfera do seu espaço, em constante diálogo com os seus colegas, proporcionando a noção de partilha, cuidado e trabalho em comunidade por um espaço comum. !

Hertzberger procurava contudo através do domínio espacial demonstrar a identidade

singular de cada grupo de crianças em cada sala. Todos os trabalhos realizados, fora ou 22

Herman Hertzberger, Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.28

23

Ibidem.

49


dentro desta, seriam expostos em vitrinas na separação entre a sala e o espaço comum da escola. Tornando não só a entrada na sala mais lúdica, a mostra dos trabalhos atribuiria a cada criança um sentido de realização, que aumentaria a sua auto-estima e noção de reconhecimento face à comunidade escolar. !

Como anteriormente mencionado, a importância da escola como cidade não ficaria

apenas pela concepção das salas como lares. Hertzberger procurava constantemente que todos os espaços comuns existentes nas suas escolas Montessori tivessem devida atenção na concepção de um ambiente característico. No caso de Delft, este procurou que o hall comunitário fosse “concebido de tal modo que se relacionaria com as salas de aulas como uma rua se relaciona com as casas”. !

Esta especial atenção advém maioritariamente dos conceitos espaciais

desenvolvidos por Aldo Van Eyck no seu famoso Orfanato de Amsterdão24. Organizado consoante “ruas”, “praças” e unidades de construção independentes (lares), também este edifício se caracterizava por uma pequena cidade autónoma. Van Eyck defende que pela partida e reconhecimento desta individualidade desde a fase projectual, uma série de associações posteriores irão surgindo, acrescentando uma nova dimensão à conceptualização dos lugares tanto públicos como privados25. É importante acrescentar que esta individualidade e característica dos lugares ganha uma nova dimensão ao serem construídos para a dimensão formal das crianças, face a uma realidade espacial característica - a sala como o lar.

!

Com o aumento da importância das pedagogias alternativas com o pós-modernismo

e com o abandono progressivo dos sistemas de ensino tradicionais (com base estrita na sala de aula), Hertzberger procurou reaver a importância dos espaços comuns na conceptualização do ambiente escolar, podendo este ser adequado para o enfoque tanto sobre o trabalho em grupo como para a educação individual da criança. Esta mudança a nível pedagógico libertaria as crianças da sala de aula e a procura por outros espaços seria elevada, sendo necessário o aumento progressivo tanto das áreas escolares, de modo a satisfazer as necessidades pedagógicas como um aumento de lugares onde as crianças estivessem aptas a se concentrarem nas suas actividades. !

24

Aldo Van Eyck, Writings: The Child, The City and the Artist, Holand, SUN. 2008.

25

Herman Hertzberger, Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.126

50


Fig.22. Espaço de trabalho em escola Montessori de Delft, Herman Hertzberger

!

Fig.23. Escola primária Montessori, Herman Hertzberger

Apoiado nas teorias dos seus colegas da Team X sobre a importância dos espaços

“entre” ou “In-betweens” 26, Hertzberger procuraria potencializar os espaços transaccionais entre o corredor e a sala de aula como espaços aptos a reter lugares de ensino e trabalho, tanto individuais como de grupo. Numa evolução do que seriam os seus corredores como ruas surge o conceito de Learning Street27 , procurando que estes espaços não se tratassem apenas de uma simples transição entre o público e o privado, mas também uma anunciação do programa de ensino vivido em cada sala e de uma difusão inter-geracional entre alunos. Com a criação desta “rua da aprendizagem”, a educação formal não se restringia apenas ao espaço da sala de aula mas prolongar-se-iam para o exterior. Com o tempo e a apropriação constante destes lugares, os limites entre sala de aula e corredor tornar-se-iam cada vez mais ténues e o espaço da escola transformar-se-ia numa mostra constante de aprendizagem e recepção de ensino informal - ao realizar o percurso de uma criança pelo ambiente escolar, esta teria contacto com diversas actividades de colegas mais novos ou mais velhos e por vezes sentir-se-ia curiosa, juntando-se ao grupo de colegas.28

26

João Paulo Martins, Os espaços e as práticas. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa - Faculdade de Arquitectura, 2006. p.256 27

Herman Hertzberger, Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.41 28

Herman Hertzberger, op. Cit., p.114

51


Fig.24. Evolução da Learning Street por Herman Hertzberger

!

Este percurso de aprendizagem não só se aplica à transmissão de informação de

professores para alunos ou de alunos para alunos, mas também na intervenção de outras actividades como a culinária ou a jardinagem, estando espaços como a cozinha, o jardim ou a horta abertos à curiosidade da criança. No mesmo percurso da escola, a criança teria a possibilidade de ver ou preparar o seu almoço ou mesmo colher os seus próprios alimentos. !

Em alternativa a estes lugares, dava-se também às crianças a possibilidade de

encontrar espaços mais privados fora das salas de aula, como nichos ou recantos, se estas entendessem que a sua actividade requeria mais concentração ou mesmo na necessidade de tempo privado (como refúgio). !

Contudo, se o espaço do corredor passa a ser totalmente habitado como verdadeiras

extensões das salas de aulas, estes novos lugares precisariam de ser tratados como excepções a nível lumínico e habitável. Lugares que anteriormente eram vistos como lugares sombrios onde casacos e outros pertences seriam colocados, seriam transformados gradualmente, pela colocação de mesas, cadeiras e qualquer material que evocasse uma atmosfera de trabalho. Só com esta conquista o espaço será totalmente alterado e o antigo paradigma dos corredores sem fim seria eliminado. Hertzberger procuraria ainda promover a diferenciação de todos estes espaços criados, porque nem todas as crianças têm as mesmas intenções, e uma maior diversidade das características espaciais de cada lugar asseguraria uma maior ocupação destes.29 29

Herman Hertzberger, op. Cit., p.42

52


!

Com a difusão destas novas pedagogias são outros os arquitectos que exploram os

conceitos e características da Learning Street. Um deles é Hans Scharoun, procurando maximizar o espaço e actividades na sua conhecida escola primária em Darmstadt.30 Constituído por salas irregulares, a escola assume o protagonismo no seu espaço de ligação a estas - um corredor liberto, onde a circulação se faz livremente e sem obstruções. A irregularidade causada pelos ângulos das salas transmite nesta grande rua (o corredor) a existência de inúmeros nichos ou espaços de trabalho, que podem ser facilmente apropriados pelos alunos. Scharoun caracteriza o seu resultado como a forma arquitectónica do processo pedagógico que gostaria de implementar na escola - um espaço de luz controlada, apropriado para o trabalho e para as necessidades das crianças.

!

Fig.25. Planta da escola Volksshule em Darmstadt, Hans Scharoun

!

O conceito de Learning Street procurou estabelecer uma novo método de ensino,

onde a pedagogia passaria a invadir diversos espaços da escola. Contudo, em certos casos, os limites entre salas e espaços de transição diluíram a um ponto onde já não seria facilmente identificável certas fronteiras que teriam no entanto de ser mantidas. Para Hertzberger, este seria entendido como o último e derradeiro ambiente para todas as mudanças do ensino, um lugar onde se espera que os alunos sejam mais independentes e que seja constituído apenas por um espaço livre de barreiras, que pudesse ser dividido, repartido e explorado pelas próprias crianças segundo as suas necessidades de utilização. Partições móveis e outros objectos seriam entendidos como elementos chave neste

30

Eberhart Syring, Jorg Kirschenmann, Hans Scharoun, 1893-1972, Outsider of Modernismo. Germany, Taschen. 2004. p.57

53


organismo de ensino, em que as suas mudanças eram submetidas pelos seus principais intervenientes (as crianças), com ajuda dos professores na construção de um ambiente favorável à prática e partilha de conhecimento - surgiria assim o conceito de Learning Landscape ou Learnscape 31. !

Semelhante aos conceitos na construção dos escritórios de planta livre, a noção de

espaços sem salas de aula não é novidade. Este tipo de escola fora outrora bastante popular nos EUA nas décadas de 1950 e ’60, mas falhou na sua implantação permanente. No entanto, nos dias de hoje não surge como uma ideia nova e alternativa ao espaço clássico de ensino, mas como uma evolução das pedagogias alternativas utilizadas nos novos modelos de escola. !

Hertzberger procura comparar esta nova abordagem ao ensino como se de uma

grande sala Montessori se tratasse 32. Para o Arquitecto, alunos de diferentes idades trabalhariam individualmente ou em grupo numa variedade de campos, constantemente supervisionados por Professores, que tanto estabeleceriam a ponte entre o conhecimento de diversas crianças, como auxiliariam os alunos nas suas dúvidas e descobertas.

Fig.26. Espaço de trabalho fora da sala de aula

Fig.27. Learning Street na escola De Salamender, Arnhem

! !

Contudo, é reconhecido que esta nova pedagogia espacial é bastante frágil e são

vários os pedagogos que a contradizem. Para além da relativa facilidade que as crianças terão nestes espaços para possíveis distrações e da carga excessiva exercida sobre os professores no controle destes, é a inexistência de fundos ou orçamentos reduzidos que levam à exigência de espaços mais reduzidos, onde a prática deste modelo é inconsistente.

31

Herman Hertzberger, Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008. p.57 32

Ibidem.

54


!

Não se deverá perder a esperança na individualidade e autonomia que este modelo

dá à criança, como aconteceu anteriormente, porque as mudanças sociais e económicas serão bastante mais versáteis com o futuro. Para já, é a partir dos modelos anteriores que se dão pequenos passos na construção destas ideias, nem que seja na possibilidade de diferentes salas se combinarem em espaços unos. Assim procura-se experimentar as possibilidades que o conjunto de diferentes faixas etárias e grupos de crianças trazem para a implantação de um ensino informal, versátil, auto-suficiente e autónomo, onde os professores não serão mais uma figura de autoridade, mas sim de apoio constante e o ensino não se aprisione somente ao espaço da sala de aula.

Fig. 28. Espaço de trabalho fora da sala de aula

Fig.29. Expansão da sala de aula, escola De Salamender, Arnhem

55


Fugi-Kindergartën e a Arquitectura como brinquedo

!

Situado em Tachikawa, subúrbio da cidade de Tokyo, o jardim de infância Fuji

consiste em grande parte da presença da sua cobertura. Com base nas pedagogias introduzidas por Maria Montessori, o ênfase do projecto é também colocado no comportamento social, na possibilidade de crescer a partir dos seus próprios esforços e no encorajamento da criança à sua criatividade - em resposta ao constante crescimento de uma vivência fechada e enclausurada da criança no Japão, onde o conforto é transmitido pela vivência de um mundo virtual de jogos de computador e de televisão.

“O nosso esquema é o “fim de uma era”. O fim de um cofre-forte de “alegrias” que agora foram abandonadas. As exigências modernas privaram as crianças de sentir. Não sabem que, quando chove, o solo fica húmido; não sabem que, se for atingida, uma pessoa magoa-se; não sabem por que razão uma lâmpada brilha. Aquilo que queremos ensinar através deste edifício é o “senso comum”, que comporta os valores da sociedade que permanecem inalteráveis, ao longo dos tempos.” 33

Fig.30. Vista geral do jardim de infância Fugi, Tezuka Architects

! !

Com o objectivo de criar um edifício onde as actividades das crianças pudessem fluir

ao máximo, Takaharu e Yui Tezuka procuravam no desenvolvimento de uma forma oval uma estrutura que promovesse um sentido de comunidade, através da constituição de openspaces generosos e linhas visuais não obstruídas por elementos físicos. Devido à forma irregular dos espaços, as crianças não se encontram sentadas em linhas contínuas de cadeiras, mas sim em grupos dispostos em direcções aleatórias, voltando-se apenas quando é necessário ouvir o professor. Os espaços para as diversas faixas etárias constituem-se através da utilização de mobiliário de madeira leve, que pode ser facilmente alterado pelas crianças e educadores segundo as necessidades de cada actividade.34

33

Vários Autores, “Projectos - Tezuka, Jardim de Infancy Fuji, Tachikawa, Tóquio” in arqa, nº88/89, Janeiro/Fevereiro 2011. p.92 34

Tezuka Architects, “Kindergartën in Tokio” in DETAIL, Serie 2008-3, 2008, p.188

56


!

Uma menos-valia da constituição destes espaços em contínuo reside no controlo

sonoro entre diferentes lugares da escola. No entanto, e surpreendentemente, para os professores desta escola, os espaços com maior nível de ruído sonoro são os melhores para treinar as crianças na concentração das suas actividades e para melhor aprenderem os devidos comportamentos sociais que devem adquirir nestas situações. Com isto, as crianças terão mais habilidade de estudarem e trabalharem em espaços onde o ruído seja mais elevado. !

Segundo os arquitectos 35, não se procuraria um edifício introvertido para os seus

espaços interiores amplos mas, pelo contrário, um aspecto de continuidade física e visual entre todos os espaços interiores e exteriores da escola. Através de um sistema de fachada completamente corrido de amplas “paredes translúcidas” é possível ter uma noção total dos

Fig.31. interior do jardim de infância

Fig.32. Relação interior-exterior da fachada

espaços interiores opostos. Estes elementos de fachada possibilitam também que sejam facilmente amovíveis e os limites entre o exterior e interior acabam diluídos por um espaço transaccional em alpendre, estando permanentemente abertos durante dois terços do ano. Como resultado desta ambiguidade constante entre o interior e exterior é transmitida às crianças uma noção de exterior, como se estivessem a brincar à sombras das árvores, mesmo que estejam, no entanto, no interior do edifício. !

A visibilidade permanente atribuída aos educadores de todos os espaços, possibilita

também eliminar um dos problemas mais discutido nos últimos anos a nível da educação - o bullying. Uma das causas deste problema tem origem na existência de espaços que não se encontram supervisionados por não terem possibilidades de controlo visual, devido aos seus limites e barreiras físicas. Nesta escola, ao não existirem paredes permanentes, tanto o

35

Entrevista a Tezuka Architects, “Kindergartën in Tokio” in DETAIL, Serie 2008-3, 2008, p.196

57


controlo visual como sonoro pode ser assegurado, prevenindo este problema entre as crianças.36 !

Contudo, o protagonismo do projecto tanto para os educadores como para as

crianças, não reside apenas na continuidade do espaço térreo. Os arquitectos Tezuka garantiram a possibilidade de expandir o domínio de exploração do espaço exterior através da cobertura de desenho oval deste edificado.

Fig.33. Zelkova na cobertura

Fig.35. Pormenor em corte

!

Fig.34. Alçapões e clarabóias

Fig.36. Alçapões

Procurando não limitar o uso da cobertura apenas ao seu percurso contínuo, foram

instaladas clarabóias que dão às crianças a possibilidade de espreitarem e interagirem com as que se encontram dentro do edifício, sendo algumas destas utilizadas também como alçapões de acesso ao exterior. Devido à sua altura, estas poderão também servir de pequenos assentos para as crianças, cansadas de correr à volta do edifício durante todo o dia. No desenvolvimento da forma original da cobertura foi possível, através do uso da oval, assegurar a preservação das árvores existentes no local destinado à escola. Através de uma estratégia de implantação, três grandes zelkovas (árvores da família dos ulmeiros) fazem agora parte da linguagem da cobertura e do interior da escola, surgindo de dentro das salas

36

Entrevista a Tezuka Architects, “Kindergartën in Tokio” in DETAIL, Serie 2008-3, 2008, p.196

58


e gerando sombra no piso superior. Para garantir a segurança das crianças nestes lugares foram instalados, em conformidade com uma ideia por parte do casal director da escola, redes de segurança nos vazios onde as árvores intersectam a cobertura. Causando a impossibilidade de serem trepadas desde o início do seu tronco, as crianças facilmente acedem a estas pela cobertura, não existindo perigo eminente de uma queda maior. Actualmente, este é o espaço da escola que concentra mais crianças, explorando as possibilidades que estas pré-existências atribuíram às brincadeiras e aventuras destas.

59


Baupiloten e a arquitectura participada

!

Nas últimas décadas tem existido um crescimento da insistência mostrada pelos

utilizadores dos edifícios para que os seus desejos e vontades sejam realizados e incorporados nas construções que futuramente utilizarão. Quer os arquitectos se isolem das opiniões dos seus clientes, sendo acusados como egocêntricos ou arrogantes, quer representem as intenções dos seus clientes, esta questão tem-se tornado essencial no método recente de projecto. !

Liderado pela arquitecta alemã Susanne Hofmann e constituído por alunos da

Universidade Técnica de Berlim em parceria com o seu atelier, o grupo Baupiloten procura desde 2003 um constante processo cooperativo entre futuros arquitectos e utilizadores nas várias fases dos projectos executados. Recorrendo a orçamentos baixos, este programa de investigação e reforma procura guiar os estudantes na criação de um edifício desde o seu projecto até á supervisão da construção, com a participação activa dos seus utilizadores. !

A Arquitecta acredita que é possível a integração e a discussão da ideias dos

utilizadores, dando ao processo criativo do grupo uma conexão necessária com a realidade quotidiana. Esta ideia afasta por si a condição que a participação destes possa verdadeiramente destruir o plano arquitectónico elaborado, pelo facto das suas opiniões não terem em conta os valores arquitectonicamente estabelecidos. Para Hoffman, “o Arquitecto tem que dar parte do seu controle do projecto e processo construtivo, o que não tem que significar que a originalidade e criatividade serão limitadas e que o Arquitecto se torna portanto apenas a pessoa que leva a cabo a implementação técnica das ideias dos utilizadores” 37, procurando ainda acrescentar que “o que as ‘pessoas’ sabem acerca das exigências acerca do uso e experiência do espaço é um potencial recurso social, que deve ser tido em conta na arquitectura se se pretende atingir uma identificação mais forte entre os utilizadores e os seus edifícios, o que por seu turno sustenta a aceitação social do projecto arquitectónico”38. !

Recorrendo a orçamentos baixos para o desenvolvimento do projecto, é essencial

que este diálogo entre arquitectos e utilizadores seja constante, procurando certificar que o sucesso do projecto é certo e que os níveis de satisfação por parte dos utilizadores sejam

37

Vários Autores, “Projectos - Baupiloten, Remodelação da Escola Básica Erika Mann” in arqa, nº88/89, Janeiro/Fevereiro 2011. p.76 38

Ibidem.

60


positivos. Como estratégia, o Baupiloten procura que a comunicação entre arquitectos e futuros ocupantes não se centre na sugestão de plantas, mas na concepção de uma atmosfera espacial confortável e concordante, tornando mais fácil a comunicação e expressão das necessidades e ideias por ambos os intervenientes do projecto. !

Sendo o ponto fulcral dos últimos anos o projecto de espaços escolares, os

estudantes, as crianças e os professores tornam-se os principais intervenientes na construção dos objetivos do grupo. Com base na ideia de uma arquitectura participada, com o objectivo de incentivar os futuros ocupantes na participação da concepção do seu espaço, o programa do Baupiloten recorre à realização de workshops onde são discutidas as ideias e evolução do projecto entre todos os intervenientes e onde são propostos os desafios e estratégias de desenvolvimento. Sendo especialistas naturais pelo tempo que permanecem nos espaços escolares, as suas exigências em relação à atmosfera do seu ambiente são decisivas para o projecto destes lugares.39

Fig.37. Workshops com crianças

!

Fig.38. Crianças e as suas experiências

Estes workshops procuram que o componente essencial deste trabalho seja o

estímulo conceptual e artístico das crianças, especificamente fora do contexto escolar. A discussão e execução destes trabalhos será centrada essencialmente na concepção da atmosfera do espaço desejado, tornando-se o elemento crucial para a comunicação entre arquitectos e futuros utilizadores. Em contraponto à utilização normal de desenhos técnicos ou foto-montagens na discussão de um projecto entre arquitecto e cliente, tanto as crianças como os arquitectos recorreram a colagens, imagem pintadas e maquetas para que a comunicação entre ambos seja facilmente compreensível. Para além do trabalho prático

39

Mark Dudek, Schools and Kindergartëns - A design manual. Berlim: Birkhäuser Verlag AG. 2007. p. 50

61


junta-se a esta metodologia de concepção, entrevistas, narrações de histórias ou filmagens e suas projecções espaciais. Estes workshops culminarão na construção por parte dos arquitectos de maquetas de atmosfera através dos requisitos formulados, sendo estas posteriormente apresentadas num seguinte encontro entre intervenientes, nos quais os utilizadores os poderão imaginar e experimentar directamente.

Fig.39. Corredor de Traumbaum Day Care Centre, Baupiloten, 2005

!

Fig.40. Corredor de Traumbaum Day Care Centre, Baupiloten, 2005

Data de 2003 a primeira intervenção do Baupiloten no âmbito educacional. Em

conjunto com os alunos da Escola Elementar Erika Mann em Berlim, o espaços desta foram modernizados e remodelados, tendo como “pano de fundo” a criação de uma paisagem imaginária intitulada “O mundo do Dragão Prateado”, criando uma arquitectura expressiva e lúdica. Os alunos, de idades compreendidas entre os nove e treze anos, foram desafiados a produzir colagens de paisagens fantásticas e imaginárias num dos primeiros workshops criados pelos arquitectos, dando principal foco na expressão arquitectónica do futuro dos espaços da escola. Inspirados nos trabalhos executados e nas visões e desejos das crianças, o grupo procurou interpretar os ambientes atmosféricos realizando um conjunto de colagens, protótipos e modelos espaciais, com o especial cuidado de serem tanto apelativos para as crianças como facilmente compreensíveis. !

A paisagem imaginária d’”O mundo do Dragão Prateado” procura, desde a chegada à

escola, presentear os utilizadores com este mundo imaginado pelas crianças e arquitectos. Ao entrar no edifício os visitantes são saudados por uma pequena exposição do trabalho executado pelos alunos ao longo de todos os encontros e workshops organizados no âmbito

62


deste mundo imaginário. Ao longo do corredor e primeira ascensão, os visitantes podem apreciar os trabalhos e as crianças poderão ter conhecimento tanto do trabalho de colegas como do seu, elevando a sua auto-estima em relação às suas próprias produções (aproximando do modelo utilizado nas pedagogias de Reggio Emilia ou Montessori). Quanto mais se vagueia pelo espaço escolar mais se sente o espírito do imaginário “Dragão Prateado”: num misto de plantas, cores, sons, mobiliário e luzes, o espaço é alterado segundo o tema específico de cada lugar deste “novo mundo”. Esta reconstrução capturou a imaginação da criança de numa maneira tão extensa que esta é capaz de sentir e descrever a presença do “Dragão” em cada lugar que está ou passa. As crianças tornaram-se tão apegadas ao projecto que anos mais tarde, todos os espaços continuam nas suas condições iniciais, sem estarem alterados ou danificados.

Fig.41. Corredor escola Erika Mann, Baupiloten, 2005

Fig.42. Espaço de leitura da escola primária Erika Mann, Baupiloten, 2005

! !

Com a conclusão, entusiasmo e sucesso da primeira fase, o grupo Baupiloten em

conjunto com as crianças da escola procurou expandir outros espaços desta culminando no que viria a ser o fictício “Fungar do Dragão Prateado”. Este projecto, compreenderia os lugares comuns da escola como corredores e outros espaços, expandindo o conceito de um ambiente de aprendizagem confortável, adequando-se a conceitos educativos modernos e procurando servir a necessidade de zonas comunitárias para diversas utilizações. Esta nova apropriação foi facilmente conseguida devido à largura dos espaços deste antigo edifício, existindo grande espaço de manobra para as novas propostas.

63


!

É importante reter que apesar deste exemplo se afastar dos modelos apresentados

anteriormente, centrados em pedagogias com base no espaço, este é investigado pelo modo como eleva e lida com o lugar que as crianças vivem dia-a-dia a um nível superior. As crianças passam a ser arquitectos do seus próprios mundos, sendo capazes de formar o seu próprio ambiente quotidiano criando uma relação íntima com este. Ao conhecerem e terem feito parte da construção destes lugares singulares, as crianças sentir-se-iam mais confortáveis e o cuidado para com estes passará a ser extremo. !

Nas palavras de Susanne Hofmann40 , “este é o princípio de um processo dialético no

qual tanto as crianças como os adultos podem claramente articular e mesmo nomear estímulos sensoriais que são importantes para o ambiente em que vivem. Form follows Kid’s Fiction!”

40

Vários Autores, “Projectos - Baupiloten, Remodelação da Escola Básica Erika Mann” in arqa, nº88/89, Janeiro/Fevereiro 2011. p.76

64


Construir no ConstruĂ­do: uma ideia de Escola na Cerca de Santa Marta

65


O Lugar de Projecto - a Colina, o Convento e a Cerca

Colina

Fig.43 Imagem satélite de Lisboa

!

A Colina de Sant’Ana localiza-se no centro histórico da cidade de Lisboa,

constituindo uma das suas “sete colinas”. Ocupa uma área de 183 hectares e situa-se a Oeste do Castelo de São Jorge, entre dois dos principais eixos de expansão da cidade: a Avenida da Liberdade e a Avenida Almirante Reis. !

Situa-se então numa área central e privilegiada da cidade, com boa acessibilidade,

quer perimetral, quer no interior da colina. Apresenta uma grande diversidade de transportes públicos e de percursos, sendo uma área consolidada densamente urbanizada, com um número relevante de bens arquitectónicos com interesse cultural e patrimonial. Esta colina constitui-se como o conjunto com mais património ligado à medicina e saúde em Portugal. ! !

Durante séculos foi o limite natural da expansão urbana de Lisboa. Só em meados

do século XIII esta colina começa a ser continuamente habitada, sendo no entanto a sua ocupação fundamentalmente agrícola, mantendo-se assim até ao final do século XIX. !

A sua localização extramuros, a fundação do Convento de S. Domingos (1240) e de

outros edifícios de cariz religioso atraem as classes mais baixas e os doentes que aí se refugiaram, sendo estabelecido em 1479 o primeiro grande hospital português, o Hospital Real de Todos os Santos. No final do século XVI, a construção do Colégio Jesuíta no

66


Convento de Santo Antão-o-Novo distingue-a como importante centro de saber académico. Infelizmente, com o terramoto de 1755 tanto o hospital como o convento acabam destruídos. Posteriormente na reconstrução do último, acaba por ser expropriado aos Jesuítas através da expulsão da sua Ordem em 1759, e é modificado de modo a acolher o novo Hospital Real de São José. !

No século XIX dá-se o reordenamento dos hospitais da Colina de Sant’Ana, muitos

deles instalados em antigos conventos, como o Hospital do Desterro, de Arroios, de Santa Marta e de Santo António dos Capuchos, bem como outros construídos de raiz, como o Hospital de D. Estefânia e Miguel Bombarda. A colina foi também o local onde nasceu o ensino da medicina em Lisboa, com a criação da Escola Médico-Cirúrgica (1836), da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que utilizou os Hospitais de São José e Santa Marta como hospitais escolares.

!

Inserem-se no actual contexto dos hospitais localizados na Colina de Sant’Ana e

especificamente no conjunto constituído pelos Hospitais Civis de Lisboa (HCL): o Hospital de São José, Hospital de Santo António dos Capuchos, Hospital do Desterro, Hospital de Santa Marta e Hospital Miguel Bombarda. Estes bens imóveis estão em processo de desactivação e desafectação pela Câmara Municipal de Lisboa, que os pretende vender de modo a obter recursos financeiros complementares para a construção do futuro Hospital de Todos os Santos, na zona oriental da cidade, que concentrará as actividades hoje exercidas pelos HCL, porém com instalações e equipamentos modernizados. !

Esta situação poderá conduzir à perda do imenso património arquitectónico,

histórico, científico, artístico e cultural, bem como à diminuição da vivência da Colina de Sant’Ana. É necessário repensar, reabilitar e revitalizar uma zona com localização e topografia privilegiadas, reorganizando e dando um novo significado a esta colina. O futuro de todo o património e as consequências para esta zona da cidade têm que ser bem ponderadas, de modo a que este local seja inserido na contemporaneidade e integrado nos novos planos para a cidade, sem perder as suas características identitárias.

67


Convento

Fig.44. Imagem satélite da Colina de Sant’Ana

!

O Convento de Santa Marta situa-se na Colina de Sant’Ana, na fronteira entre as

freguesias de S. José e de Coração de Jesus, pertencente a esta última. É contíguo ao Palácio dos Condes de Redondo, actual Universidade Autónoma de Lisboa. !

Antigo Convento das Religiosas Clarissas de 2ª regra (urbanistas) da ordem de S.

Francisco, sob invocação de Santa Marta, foi edificado no lugar de um recolhimento instituído por D. Sebastião e destinado às filhas de vítimas do surto da peste de 1569. É fundado pelo Cardeal D. Henrique anos mais tarde (1583), a pedido das recolhidas que queriam transformar o recolhimento em convento. !

Devido ao aumento da população que o habitava, foram realizadas obras de

ampliação e reforma, assim como a construção de uma igreja condigna, entre 1616 e 1636. Era um dos maiores conventos de Lisboa, organizado em redor do claustro, para onde abriam as várias dependências, como o refeitório, os lavabos, a roda e a sacristia. Em 1755, a igreja e o convento sofreram vários danos provocados pelo terramoto, que seriam rapidamente reparados.

Fig.45. Rua de Santa Marta, 1968

Fig.46 Claustro do Convento de Santa Marta, inicio séc. XX. 68


!

Em 1887 o Convento de Santa Marta é encerrado devido à Reforma Geral

Eclesiástica, que previa a desactivação de edifícios conventuais. Três anos mais tarde é cedido pelo Estado aos Clérigos Pobres, transformando-o num hospital provisório. O hospital só é definitivamente inaugurado em 1908, após grandes obras de adaptação. Em 1910 tomou o nome do ministro Hintz Ribeiro, com o propósito de aí serem estabelecidas as Clínicas da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Com a implantação da República, passou a ser denominado Hospital Escolar de Santa Marta e desempenhou funções nas áreas dos tratamentos da sífilis e de doenças venéreas. É assim dependência da Faculdade de Medicina de Lisboa de 1918 até 1952, ano em que esta foi transferida para as instalações do Hospital de Santa Maria e foi de novo integrado nos Hospitais Civis de Lisboa.

Fig.47. Santa Marta, Cartografia Silva Pinto, 1911

!

As obras de adaptação e as consequentes transformações sofridas pelo edifício

implicaram grandes alterações nos espaços interiores do convento. Os dormitórios, a cozinha e o refeitório, entre outras dependências, foram transformados em enfermarias e gabinetes para funções hospitalares. O corpo do claustro sofreu um duro golpe ao ser-lhe acrescentado mais um piso, corpo construído ao estilo da arquitectura do início do século. Em 1957, este hospital recebe o primeiro museu da história da medicina em Portugal, designado Museu dos HCL - Doutor Alberto Mac Bride. !

Actualmente é um hospital vocacionado para a área da cirurgia cardiotorácica.

69


Cerca

Fig.48. Imagem satélite de Santa Marta

!

Elemento importante na construção do território de cada convento, a morfologia da

cerca conta o crescimento da cidade e de como a arquitectura se manifestou ao longo do tempo. !

Criada com a construção do espaço conventual, a cerca torna-se o símbolo da terra

que o homem deve habitar e domesticar, destinando-se essencialmente ao cultivo de pomar e horta, ao abastecimento de água e ainda ao lazer, isolamento, meditação, oração e actividades físicas dos religiosos. Este elemento representa a marcação de um território e de uma memória, preservando o isolamento da relação entre o interior e o exterior. !

No caso do Convento de Santa Marta, a área consolidada pela cerca era constituída

por um conjunto de elementos naturais que sustentavam o modo de vida dos seus habitantes. Através da existência de hortas e pomares, o Convento tornava-se autosustentável ao produzir tanto os seus próprios alimentos, como produtos utilizados na troca de outros bens necessários vindos do exterior. !

No final do século XIX, com o abandono da função conventual, o espaço da cerca

perde as suas características e funções iniciais pela necessidade da expansão do programa hospitalar que viria a ocupar Santa Marta deixando de existir os espaços de jardim, horta e pomar. O significado do lugar, apesar de ainda existir fisicamente, abandona o seu forte simbolismo. Ao longo dos anos seguintes, a expansão do programa hospitalar e o plano das Avenidas Novas acabam por conquistar o limite da cerca, perdendo a força física que teria sobre o território próximo.

70


“As escolas começaram com um homem debaixo de uma árvore: um homem que não sabia que era professor, debatendo as suas constatações com umas quanta pessoas que não sabiam que eram estudantes. Os estudantes reflectiam sobre o intercâmbio entre eles (…) Rapidamente se ergueram os espaços necessários e assim nasceram as primeiras escolas.” Louis Kahn - sobre o acto de projectar escolas, Junho de 1971.

71


A Natureza e os elementos da Cerca na influência de uma Pedagogia

!

Com base no lugar de projecto, o espaço limitado pela cerca do Convento de Santa

Marta em Lisboa, procura-se estabelecer uma ligação fiel e racional com a simbologia e importância que este elemento tem na construção de um ambiente escolar. !

Característicos das cercas dos conventos ao longo da história, os elementos naturais

do jardim, pomar, horta e água41, são reconhecidos tanto pelo seu aspecto contemplativo como pela sua importância que teriam no sustento e actividades dos religiosos. !

Contudo estes elementos poderão servir outros propósitos em conjunto com a

construção de uma pedagogia activa, ao serem traduzidos como dispositivos chave na construção de um ambiente escolar tanto educacional como lúdico. Esta ligação pedagógica proporciona à criança uma aprendizagem contínua da Natureza e dos seus efeitos e mudanças tanto diárias como sazonais.

Fig.49 The Garden of Eden, Autor Desconhecido, Stadelches Kintstinstitut

41

António Manuel Xavier, Das Cercas dos Conventos Capuchos. Lisboa, Licorne. 2011. pág.75

72


! !

Desde muito cedo que a Natureza e o seu estudo têm presença e importância nos

currículos pré-escolares e primários. Na introdução dos espaços de domínio infantil, já estudados ao longo deste trabalho, poderemos mencionar a importância que esta tem na construção de uma pedagogia escolar eficaz:

- A denominação de Kindergartën por Froebel, estudada anteriormente (pág. 23), destaca a importância que a ideia de jardim tem na raiz da construção física e pedagógica do espaço escolar; - Nos Infantários de Rachel e Margaret Macmillan, este lugar era elemento de destaque na disposição de todas as salas. Importante espaço central do infantário, a existência de uma horta e de um jardim introduzia as crianças aos cuidados com a natureza e todos os aspectos lúdicos que ao cuidar da sua porção de horta atribuíam à aprendizagem activa da criança; - Com Neutra o sentido do jardim ganha tanto proporções lúdicas, como climáticas e de saúde. Este espaço natural servia de extensão e apropriação livre por parte da sala e a existência de arvoredo tornava o ar mais saudável no meio da cidade cosmopolita de Los Angeles, protegendo do calor e clima quente da Califórnia. - A existência da horta ou do pomar foi também mantida pelas pedagogias de Reggio Emilia e Montessori como ponto importante do ensino da biologia e natureza, transmitindo às crianças que os alimentos não surgiriam apenas no prato ou na sopa, dando a estas um sentido de responsabilidade e respeito perante a própria Natureza. Era sugerido também por estes programas que as crianças tivessem a oportunidade de interagir com estes espaços, no âmbito de cultivo, manutenção e colheita de alimentos. - Os efeitos da presença da água e seus equipamentos podem ser estudados e aplicados a nível projectual de forma divertida e lúdica. O contacto directo com a sua presença sonora ou os seus efeitos visuais (chuva, canalizações, repuxos) podem sugerir explorações e brincadeiras didácticas. É no jardim de infância Fuji que este elemento se torna um foco projectual e de brincadeiras na disposição de diversas torneias estrategicamente colocadas no recreio da escola. As crianças são autorizadas a utilizar livremente estes dispositivos, criando um sentido de responsabilidade perante a sua higiene e utilização deste recurso. Qualquer jogo ou actividade que envolva água será sempre apelativo à criança e pode ter efeitos

73


positivos e extremamente terapêuticos. O seu desenho programado e estudado, pode trazer mais valia no projecto paisagístico do jardim, ou no abastecimento da horta, do pomar, ou mesmo das instalações interiores da escola.

!

No caso do Convento de Santa Marta, estes elementos tornaram-se essenciais para

a sobrevivência do convento ao serem o seu único meio de sustento, tanto alimentar como financeiro. Para além do auto-proveito, o cultivo produzido neste espaço era utilizado para troca de outros bens provenientes do exterior, mantendo viável o funcionamento do espaço.

Fig.50. Santa Marta, Cartografia Filipe Folque, 1882

!

No entanto, estes não constituiriam todo o espaço delimitado pela cerca e pelo

convento. Ao ser considerado como espaço de culto, continha também um vasto jardim que serviria de local de isolamento, meditação e oração. Este espaço a Este do convento, ao contrario dos anteriores, já apresentava um desenho estruturado caracterizando a sua harmonia espacial. Neste espaço situava-se um grande tanque de água que marcaria o seu ponto mais alto e o eixo principal do seu desenvolvimento. Calcula-se também que este elemento para além de contemplativo, serviria os espaços adjacentes de horta que envolviam o Jardim. !

O espaço do pomar situaria-se a norte do limite do Convento, entre este, a cerca e o

Palácio dos Condes de Redondo.

!

Com o objectivo de reactivar estes elementos perante a memória do lugar da cerca,

é proposto que a intervenção estabeleça uma ligação fiel ao interagir com estes, criando uma pedagogia que incentive as crianças na aprendizagem da Natureza e o valor que esta poderá ter nas suas vidas. !

74


! “Os jardins de infância não são geralmente considerados como trabalhos de planeamento espetaculares que iram assegurar aos seus projectistas um lugar no panteão dos arquitectos. A empatia é chamada em vez de artes dramáticas ao se lidar com as necessidades de pequenos utilizadores e de objectivos pedagógicos - assim como uma profunda compreensão de regras, regulamentos e directrizes. (…) Construir para as crianças, quer na forma de uma creche, infantário ou jardim infantil, apresenta-se certamente como um desafio especial. Que linguagem arquitectónica é apropriável? Como consegue alguém criar uma forma espacial apropriavel para um conceito pedagógico que procura impacto em certos valores? Num ambiente onde pequenos indivíduos acabam por experimentar e compreender o mundo que os rodeia, qualquer aspecto desempenha um papel crucial.” * Christian Schittich, revista DETAIL, 2008 *citação traduzida pelo autor

75


A Intervenção

Estratégia geral

!

Procurando dar resposta ao recente interesse do abandono da função hospitalar, de

momento activa nos antigos espaços conventuais da Colina de Santa’Ana, esta intervenção tem como objectivo a requalificação do lugar da cerca no Convento de Santa Marta partindo do pressuposto que este espaço poderá ser entregue de novo à cidade preservando a sua memória. !

A estratégia projectual defende a ideia de recuperação dos espaços de jardim, horta

e pomar, previamente presentes no espaço da cerca do Convento de Santa Marta, ao libertá-lo das construções e estruturas realizadas no início do século XX como suporte ao programa hospitalar que o ocupa actualmente. Ao aliar a importância do jardim à existência de um espaço educacional para a pré-primária e primária que o sustente, o lugar pode recuperar tanto a sua memória como apresentar um novo espaço livre numa colina caracteristicamente compacta da cidade de Lisboa.

Fig.51. Planta de Cobertura 76


!

Ao adoptar os exemplos e pressupostos teóricos abordados nos capítulos anteriores,

a solução apresentada centra-se na conjugação entre os elementos característicos e estruturais do lugar e as ideias pedagógicas onde a Arquitectura e a Natureza estruturam um modelo de ensino informal e alternativo. ! !

Devido à incompatibilidade entre manter um espaço não construído com uma área

natural tão vasta (jardim do convento) e a proposta de um programa extenso tanto a nível programático como de edificado, sugere-se a construção de um espaço escolar isolado do contacto directo com o espaço público do lugar, ao esconder grande parte do programa sobre uma estrutura verde ocupável e percorrivel. Esta estratégia procura intensificar os níveis de segurança recorrentes no tratamento de espaços educacionais para crianças mais novas e possibilita um contacto permanente entre a escola e a Natureza na construção de uma pedagogia alternativa. Recorre-se para isto à construção de um “quinto alçado” perceptível pelo convento e envolvente próxima, onde apenas alguns espaços da escola sugerem a presença deste programa educacional. !

A “estrutura natural” deste lugar é intensificada pela existência de uma massa

arbórea de maior porte no limite entre o espaço da cerca e o quarteirão proveniente das Avenidas Novas. A constituição desta mata procura que a diferença de cérceas entre o espaço envolvente imediato e o interior da cerca seja atenuada, fazendo com que a existência do edificado do quarteirão não exerça uma presença violenta sobre o jardim e o convento. ! !

Pela recuperação do jardim anteriormente existente na cerca, sugere-se também a

permeabilização dos limites da mesma através da oferta de diversos atravessamentos públicos. Estes atravessamentos procuram que o espaço natural comunique directamente com a sua envolvente e não se constitua apenas como espaço de contemplação. Com esta estratégia, torna-se possível o acesso ao convento através de novos circuitos anteriormente não permitidos pelo caracter privado do programa hospitalar. !

77


Programa e relações espaciais

!

Ao apostar na interacção entre maior parte dos espaços da escola com os seus

exteriores, o programa principal desenvolve-se no piso inferior e é distribuído em volta de um pátio central que tanto recolhe as crianças nos períodos de recreio como também servirá de extensão das diversas salas de aula que se encontram directamente dispostas para este. Ao recrear esta forma, para além do reconhecimento da identidade do convento como préexistência, defende-se a tipologia de um edifício onde a circulação interior se constrói através de um circuito contínuo que procura atravessar todo o programa de modo a assegurar uma fácil mobilidade por parte dos alunos, professores e educadores. !

Para além de funcionar como principal acesso às diferentes salas de aula, este

circuito procura estabelecer o contacto com os espaços colectivos da escola como o refeitório, o atelier aberto, a biblioteca, a sala polivalente/ginásio e outros espaços de recreio interior. Estrategicamente colocados, ao longo desta circulação são também encontrados pequenos pátios ajardinados que atribuem luz, marcam as diferenças espaciais vividas ao longo do seu percurso e reforçam o contacto com a Natureza característico da pedagogia escolar proposta.

1. Atelier Alberto 2. Sala Polivalente/Ginásio 3. Biblioteca 4. Ensino Pré-Primário 5. Primeira Classe 6. Segunda Classe 7. Terceira Classe 8. Quarta Classe 9. Refeitório 10. Horta 11.Pomar

3

2 4 1 5

11

10

5 6

9 6 8

8

7

7

Fig.52. Planta Piso Térreo

78


! !

Apesar do edifício surgir como um sistema educacional unitário, não se pretendeu

transmitir a mesma noção espacial ao nível do ensino pré-primario e primário. !

Procurando incentivar uma noção de comunidade próxima perante os alunos mais

novos, a distribuição das salas no ensino pré-primário desenvolve-se à volta de um espaço comum para onde todas as quatro salas (dos dois aos cinco anos) partilham a sua entrada. Semelhante às estratégias utilizadas por Montessori, Hertzberger e em Reggio Emilia, pretende-se que este espaço reuna os alunos numa primeira instância de recreio mais próximo às salas de aula, de modo a que os educadores tenham um maior controlo sobre as crianças. Este pequeno espaço faz também parte do circuito continuo da escola, sendo por vezes ambíguo nos seus limites e diferenças. Contudo, esta ambiguidade poderá aproximar alunos mais velhos que circulam pela escola interagindo com os mais novos caso necessário. Adjacente a estas salas, para além da biblioteca e da instalação sanitária comum, encontra-se uma sala de conto onde se podem reunir diversas crianças na leitura de uma pequena história. !

O conjunto pré-primário encontra-se ainda posicionado estrategicamente próximo do

acesso principal à escola, facilitando a mobilidade das crianças mais novas ao encontro da sua sala. !

Distribuídas em banda ao longo da circulação contínua da escola, as salas do

ensino primário não negam o incentivo à comunidade devido a esta distribuição. Ao serem mais independentes, as crianças mais velhas têm mais facilidade de mobilidade e responsabilidade nas suas acções, tornando o espaço de recreio atribuído mais versátil e distante das salas de aula. Ao contrário do ensino pré-primário, estas salas funcionam a maior parte do tempo individualmente dentro do seu ano escolar, procurando apenas estabelecer relações interior-exterior com o espaço mais próximo e adjacente a estas. !

Ao longo destas salas podem também ser encontradas as instalações sanitárias e o

pequeno bar. ! !

Como anteriormente mencionado, este piso principal procura desenvolver-se isolado

da envolvente próxima, atribuindo ao piso superior as funções de carácter público como o átrio de entrada, gabinete de atendimento, secretaria e sala polivalente, constituindo estas um dos volumes que marcam a presença do programa escolar face ao jardim e ao atravessamento público da cerca. Corresponde também a este volume o acesso principal à escola, procurando que as crianças interajam com o jardim antes de lhe acederem.

79


1. 2. 3. 4.

Hall de Entrada Sala Polivalente/Ginásio Biblioteca Secretaria

1 3

4 2

Fig.53. Planta Primeiro Piso

!

Aos outros volumes correspondem as funções da biblioteca e refeitório. Não tendo

acesso directo através da cota superior, os volumes procuram atribuir a estes espaços a sua importância a nível colectivo perante os outros espaços da escola. Deste dois, apenas a biblioteca se desenvolve num segundo piso, em que os espaços e oferta de leitura se destinam às crianças do ensino primário. No caso do refeitório, o destaque é atribuído através do seu duplo pé-direito de modo a intensificar a natureza e qualidade do espaço. !

Por último, é importante mencionar a importância que o atelier aberto tem perante a

pedagogia escolar e a sua localização estratégica no espaço. Semelhante ao conceito utilizado em Reggio Emilia no seu atelier central (pág.31), este lugar procura reunir alunos de diversas faixas etárias explorando diversas técnicas artísticas e incentivando a partilha de conhecimentos entre crianças. Para além dos blocos de aulas por parte dos professores e educadores de cada ano, o espaço tem ao seu dispor um professor especialista em artes ao longo do dia como apoio ao trabalho de cada aluno neste espaço. A sua posição estratégica à entrada da escola e entre o ensino pré-primário e primário, incentiva as crianças a ter a noção dos trabalhos realizados ao longo da semana pelo universo escolar.!

80


Versatilidade espacial

!

Desde o início do processo de projecto que se manteve a consciência que os

espaços deveriam ser capazes de rápidas mutações, com o objectivo de solucionar diferentes situações de apropriação por parte dos utilizadores da escola, tornando o edifício o mais flexível possível. ! !

Na base nos conceitos utilizados por Neutra na sua Corona School (pág. 26) e mais

recentemente pelos arquitectos Tezuka no seu Fuji Kindergartën (pág.44), propõe-se maximizar o uso do espaço exterior (recreio) como extensão da sala de aula ao conseguir trazer para fora o ensino nos dias mais solarengos, não obrigando as crianças a estarem fechadas, enclausuradas e sujeitas apenas ao interior do espaço. Esta possibilidade é complementada pelo uso de portadas em madeiras facilmente corridas para a parede e um conjunto de mobiliário leve que pode ser rapidamente transportado pelas crianças para o exterior. Apesar das diferenças mencionadas anteriormente entre o ensino pré-primário e primário, esta possibilidade não se restringe apenas a um deles, pois pretende-se que o espaço exterior seja utilizado por todas as crianças. Contudo, por questões de segurança e controlo, as crianças mais novas entre os dois e três anos encontram-se viradas para um pátio de dimensões mais reduzidas. Às crianças entre os quatro e cinco anos pretende-se que interajam desde cedo com as crianças mais velhas ao estarem mais próximas da realidade destas, partilhando do mesmo recreio.

Fig.54. Expansão da sala de aula para o exterior

!

Através do uso de paredes amovíveis procura-se garantir que as salas

correspondentes ao mesmo ano lectivo no ensino primário possam trabalhar em conjunto se existir a necessidade de partilhar o ensino entre duas turmas. Esta estratégia procura que as crianças da mesma classe não se tomem como estranhas fora das suas turmas, criando um sentido de união perante cada ano.

81


! !

O sistema de circulação contínua desenvolvido não procura apenas facilitar a

mobilidade entre espaços, mas pretende-se também assumir como um espaço de excelência nas possibilidades de apropriação oferecidas pelo edifício escolar. !

Introduzido por Herman Hertzberger, o conceito de Learning Street (pág. 39 a 40)

tem por objectivo maximizar o uso do espaço de circulação nas escolas de modo a possibilitar um aumento da área apropriável pelas crianças. É na base deste conceito que se procura atribuir à circulação um carácter participativo e não secundário, ao corresponder a esta a presença de espaços que possam ser ocupados pelas crianças tanto em períodos de recreio como em períodos de trabalho.

Fig.55. Learning Street

! !

Funcionando como uma cintura ao longo do edifício, estes novos lugares designam-

se como a fronteira entre as salas e o exterior da escola e procuram intensificar o significado de uma “rua interior” em que os seus diversos acontecimentos se baseiam na transmissão constante de ensino informal entre as crianças. Para além de espaços alternativos de trabalho, são oferecidos como possibilidade de extensão da sala de aula, eliminando os limites e fronteiras criados pela individualidade atribuída a esta no ensino tradicional - a

82


escola passa assim a funcionar como um sistema unitário e não como um conjunto de salas homónimas onde o ensino se restringe às suas quatro paredes. !

À parte dos espaços que dialogam directamente com as salas de aulas, outros

lugares da escola tendem a fortalecer o significado do espaço de transição como “rua da aprendizagem”. Ao atravessar o refeitório, as crianças podem ter acesso visual às zonas da cozinha, da horta e do pomar, aprendendo como são tratados os elementos das suas refeições diárias desde a colheita do alimento até à própria confecção. Como em Reggio Emilia, procura-se que o interesse da criança por estas actividades cresça também fora da sua casa, ao dar a estas a possibilidade de participação na cozinha quando necessário. !

Participativos deste sistema de ensino informal estão também a biblioteca e o atelier

aberto. A primeira não se encontra numa primeira instância ligado ao circuito principal, porém possibilita o encontro de um segundo circuito, mais privado e pausado pela natureza do seu espaço. Este percurso procura ligar espaços como o pátio para as crianças mais novas do pré-primário e o acesso alternativo à sala polivalente/ginásio e à enfermaria. Quanto ao atelier aberto, a importante localização anteriormente enunciada é maximizada pela possibilidade de interagir com a Learning Street do mesmo modo que os espaços anteriores - as crianças ao passarem e espreitarem os trabalhos executados sentirão interesse em se juntar criando um sentido de comunidade e participação conjunta entre todos os alunos.

Fig.56. Evolução do conceito de Learning Street na proposta

83


!

De modo a diminuir a área bruta do espaço escolar em resposta à necessidade de

ter um pequeno auditório e um ginásio, programas de grandes dimensões, procurou-se a concepção de uma sala polivalente multi-funcional que albergasse ambos os espaços num só conjunto. Através do uso de uma bancadas retrácteis, o espaço pode facilmente moldarse às exigências do seu uso, esteja a ser utilizado como ginásio ou como pequeno auditório. Pela sua versatilidade são assegurados espaços de apoio às suas diferentes utilizações como balneários, arrecadações e salas técnicas.

! Apropriação dimensional !

Ao lidar com um programa de uma escola é importante reter que a escala do espaço

será diferenciada pelas idades dos seus utilizadores. Cada sala terá de estar preparada para as idades que albergará e os espaços comuns terão de estar concebidos consoante dimensões médias para o uso global de diversas faixas etárias.

Fig.57. Relação métrica da criança e do espaço, C+S Associati, Itália

!

Com o objectivo de simular o declive do terreno pré-existente, o desenvolvimento do

edificado apresenta diferentes cotas em diferentes locais. Utilizando este factor como uma mais valia do desenho do espaço, foi possível corresponder os pés-direitos de certas salas de aula às idades dos aos seus utilizadores.

84


!

Estando na cota mais baixa, as salas das crianças mais velhas (terceira e quarta

classes) obtêm neste processo um pé direito mais elevado, adaptando-se à sua idade e percepção espacial. Já as crianças das classes inferiores (primeira e segunda classes), ao se encontrarem numa cota superior, o espaço acolhe-as com um pé direito mais baixo. Esta estratégia espacial estende-se também à concepção dos diferentes lugares adjacentes às salas de aula introduzidos pela Learning Street. Contudo, para manter a unidade visual do edifício, o espaço de circulação mantém a mesma altura entre as diferentes salas, devido ao protagonismo anteriormente mencionado.

Fig.58. Relação Primeira Classe - Learning Street

!

Fig.59. Relação Terceira Classe - Learning Street

No caso do ensino pré-primário, ao se encontrar sobre a mesma cota, a simulação

de alturas do pé-direito não é feita naturalmente, mas sim pelo piso da própria sala. Ao entrar, uma criança entre os 2 e 3 anos de idade terá de subir para alcançar o espaço principal. Ao contrário, a faixa etária entre os 4 e 5 anos será obrigada a descer, aumentando o pé-direito do espaço. Esta estratégia complementa a possibilidade que as crianças terão de se sentar correctamente ao se expandir os limites da sala para o exterior. !

Fig.60. Corte de Salas do ensino Pré-Primário

85


!

Ao exigir que se desenvolva à mesma cota em toda a sua extensão, o espaço do

recreio não sofre alterações derivadas das simulações propostas. Devido a este factor e para se estabelecer o contacto directo com as salas ao ser o único espaço em comum, adoptou-se um método semelhante à abordagem utilizada nas salas do ensino pré-primário. Consoante a disposição da sala face ao recreio é criado um espaço de transição entre ambos, que simulará a diferença entre as diferentes cotas.

Fig.61. Relação Recreio - Primeira Classe

Fig.62. Relação Recreio - Terceira Classe

Materialidade e Cor

!

Sendo as crianças os principais agentes na utilização do espaço escolar, é

importante que a escolha dos materiais se aproprie ao modo como estas o pretendem usar, apostando principalmente em materiais confortáveis e menos susceptíveis ao desgaste que estas possam provocar no seu uso. !

Recomendável pela sua superfície lisa, resistente, impermeável e de fácil tratamento

e limpeza, o linóleo surge como um material bastante usado neste tipo de espaços. Propõese como material chave utilizado no espaço da Learning Street pelo seu emprego com juntas pouco aparentes. A aplicação contínua deste material nega os limites marcados que possam existir entre o corredor e nichos adjacentes, tornando estes espaços perceptíveis como um todo. Pode também ser utilizado em zonas como o refeitório, o bar e o atelier central para que a limpeza diária destes lugares seja mais fácil. !

Como segundo material definido para a composição do espaço está a madeira, pelo

seu conforto e natureza resistente ao impacto. Enquanto que o material anterior está apontado apenas para o revestimento do piso, a madeira torna-se mais versátil pela sua

86


aplicação variada. No caso projectual pretende-se que esta se torne o material de destaque na marcação de espaços de maior protagonismo como as salas de aula, a biblioteca e o alpendre do recreio. Pela sua leveza a madeira constituirá também o material usado nas portadas que definem o limite entre a sala e o recreio exterior e no mobiliário encontrado nas salas e outros locais próximos pelo seu fácil transporte por parte das crianças. !

Para os espaços húmidos recorre-se ao uso de materiais cerâmicos geralmente

destinados a estes locais pela sua fácil manutenção e limpeza.

!

O estudo e uso da cor em projectos educacionais é um tema bastante discutido e

por vezes arriscado. São muitos os arquitectos que defendem que as possibilidades atribuídas pela cor deverão ser usadas a um nível elevado por se lidar com crianças e as referências a este tipo de projecto não se esgotam. Contudo é também reconhecido por outros que o abuso e errada conjugação deste recurso se pode tornar traiçoeiro na percepção futura do espaço. !

Neste projecto pretende-se que a cor seja usada de um modo extremamente

ponderado e sereno, recorrendo apenas ao uso básico de tons chave como o amarelo, o vermelho e o azul, na marcação de espaços relevantes à comunicação global do projecto. Nichos, circulações, marcações de salas e lumínicas encontram-se marcados através do uso destas cores auxiliando a percepção do espaço. O protagonismo destas cores é atribuído pelo uso dos materiais anteriormente mencionados e pela escolha destes em tons claro. Pela suavidade da gama de cores apresentada, os elementos naturais do pomar, jardim e horta, entrarão em destaque perante os elementos construídos do espaço, pelas suas cores fortes e variadas - aumentado a relevância que terão perante a proposta pedagógica da escola.

!

87


Pedagogia e os Elementos da Cerca

!

Explorando os conceitos pedagógicos correspondentes do uso da Natureza

introduzidos ao longo deste trabalho, o projecto procura intensificar os elementos característicos do lugar de projecto, assegurando que estes vivam da interacção entre o edificado e a cerca do Convento de Santa Marta. !

O jardim, o pomar, a horta e a água, estudados anteriormente pela importância que

têm na construção da cerca conventual (pág. 54), são concebidos em conjunto com o edificado, ao estabelecerem relações de proximidade e uso por parte da escola. ! !

Mencionados pela relação que mantêm com o conceito e construção da Learning

Street, a horta e o pomar são os protagonistas do diálogo entre a Natureza e a escola ao ser conjugados com os hábitos diários das crianças. Ao ser exigido que o seu controlo e manutenção faça parte do currículo, os alunos tornam-se responsáveis por manter estes locais nas suas condições favoráveis à produção de alimentos, ao mesmo tempo que aprendem a cuidar e a ter respeito pelo seus bens. Na vertente lúdica, o contacto permanente com as zonas de cozinha e refeitório intensifica o conhecimento da origem dos alimentos que consomem às refeições.

Fig.63. Espaços verdes 88


!

!

!

De modo a incentivar o ensino da biologia e outras ciências naturais, para além dos

espaços anteriormente mencionados, são concebidos pátios ajardinados que se encontram adjacentes a cada conjunto de salas por ano lectivo. Para além da marcação feita por estes ao longo da circulação contínua da escola, pretende-se que sejam utilizados como iluminação natural neste espaço e pontuem o percurso com elementos naturais. !

Ao estar exposto a um uso mais permanente do espaço, optou-se por reduzir os

elementos naturais do recreio principal apenas à existência de um elemento arbóreo singular, tanto pela sua marcação espacial como pela sombra que pode originar. Apesar desta escolha, as crianças que se encontram no jardim terão contacto visual com a horta, o pomar e a cobertura em jardim proposta para o edificado.

Fig.64. Diagrama de conceito

!

Pela recolha da água pluvial através de um simbólico tanque encontrado no jardim

da cerca, pretende-se usar este recurso como um elemento lúdico e indispensável para a manutenção da horta e do pomar. Ao tratar a água recolhida é possível através de um sistema de canalização assegurar a rega da horta e do pomar e permitir que o processo possa interagir com o edifício escolar. Estando visível, as crianças ficam a par do curso que a água fará ao longo do espaço e a maneira como é utilizada na manutenção dos seus alimentos. Tal como no jardim de infância Fuji, é pretendida a instalação de torneias no pátio da escola pelo aspecto lúdico que a água pode trazer tanto a brincadeiras como a outras actividades leccionadas.

89


Considerações Finais

90


!

Na defesa que o espaço arquitectónico poderá servir como elemento primário da

construção do indivíduo, este estudo procurou perceber a influência que este tem na aprendizagem informal da criança no contacto directo e indirecto que esta tem com o ambiente em que se envolve. ! !

Constituindo um tema bastante debatido nos últimos anos na Arquitectura

Portuguesa pelo impulso introduzido pelo programa Parque Escolar, o desenvolvimento deste tipo de programa arquitectónico suscitou a exploração do significado do espaço perante a criança e o modo como esta pode influenciar no seu crescimento cognitivo e físico perante os lugares com que esta lida diariamente. O incentivo deste trabalho reside na procura de novos domínios da arquitectura face a pedagogias escolares. Apesar da introdução e incentivo deste programa às ideias de Herman Hertzberger no uso total do espaço como dispositivo do ensino da criança, diversos conceitos são postos de parte pela impossível gestão dos recursos existentes. Contudo, estas possibilidades não deverão ser inteiramente esquecidas e cabe ao Arquitecto explorar o melhor modo de introduzir estas e novas estratégias no desenvolvimento deste tema.

!

Ao mencionar apenas algumas das referências em que a minha abordagem

projectual procurou reflectir, não se pretendeu nesta dissertação entender que o tema e as experiências realizadas no campo da educação se esgotam apenas nos exemplos apresentados. Era importante que este estudo não se limitasse à influência do espaço físico do ambiente escolar, mas também no espaço natural e vegetal que, em diversas pedagogias, funciona como grande charneira entre a criança e a aprendizagem activa e lúdica dos elementos da Natureza, não se prendendo apenas ao estudo teórico dos mesmos. Os resultados estudados neste trabalho foram entendidos como as bases mais importantes no desenvolvimento de uma arquitectura escolar em que o espaço de ensino se estende para além dos limites habituais da sala de aula e consome os diversos lugares do edifício escolar.

91


!

A exploração de outros temas na construção de uma pedagogia alternativa culmina

na influência que o lugar de projecto tem sobre o programa escolhido: a Cerca do Convento de Santa Marta traz consigo uma longa historia, caracterizada pela existência de quatro elementos chave naturais: a água, o pomar, a horta e o jardim. Estes elementos em conjunto com as possibilidades que espaço arquitectónico permite, resultam na construção de uma pedagogia alternativa em que o ensino explora novos espaços no edifício escolar e a criança é impulsionada a aprender pelas suas próprias escolhas e acções. !

Ao introduzir as capacidades que os espaços interiores e exteriores têm na

construção de uma ideia de escola, pretendeu-se chamar a atenção que os recursos educativos na concepção do espaço escolar não deverão apenas estar centrados sobre o modo como o currículo deverá ser apresentado. A concepção deverá ter uma noção da constituição total do lugar em que o edifício escolar se insere e das potencialidades que este poderá dar na introdução de novos temas de ensino e no crescimento autónomo da criança perante o espaço e os outros indivíduos.

92


Bibliografia

Monografias

ALEXANDER, Christopher - A Pattern Language: Towns, Buildings, Construction. New York, Oxford University Press. 1977 CEPPI, Giulio, ZINI, Michele - Children, Spaces, Relations - Metaproject for An Environment for Young Children. Italy, Reggio Children, Domus Academy Research Center. 1998 CUITO, Aurora - Guardarias: disseco de jardines de infância. Barcelona, Editorial Gustavo Gili. 2001 DUDEK, Mark - Schools and Kindergartëns - A design manual. Berlim, Birkhäuser Verlag AG. 2007 DUDEK, Mark - Kindergartën Architecture: Space for the Imagination. England, Taylor & Francis. 2000 HERTZBERGER, Herman ‐ Lessons for students in arquitectura. versão traduzida: Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes. 2006 HERTZBERGER, Herman - Space and the Architect - Lessons in Architecture 2. Rotterdam, 010 Publishers. 2000

HERTZBERGER, Herman - Space and Learning - Lessons in Architecture 3. Rotterdam, 010 Publicares. 2008 HINES, Thomas S. - Richard Neutra and the Search for Modern Architecture. New York, Rizzoli Publishers. 2006 KNAPP, Eberhard, NOSCHIS, Kaj - School Building Design and Learning Performance. Lausanne, Imprimerie Chabloz S.A. 2007 LATOUR, Alessandra - Louis I. Kahn, Escritos, Conferencias y Entrevistas. Madrid: Biblioteca de Arquitectura El Croques Editorial. 2003 LYNCH, Kevin - A imagem da cidade. Arquitectura e Urbanismo. Lisboa, Edições 70. 2008 SCOTT, Sarah - Architecture for Children. Australia, ACER Press. 2010 SYRING, Eberhard, KIRSCHENMANN, Jorg - Hans Scharoun, 1893-1972, Outsider of Modernism. Germany, Taschen. 2004 VALENTINE, Marianne - The Reggio Emilia Approach to Early Years Education. Stoctland, Learning and Teaching Scotland. 1999 VAN EYCK, Aldo - Writings: The Child, The City and the Artist, Holand, SUN. 2008 XAVIER, António Manuel - Das Cercas dos Conventos Capuchos. Lisboa, Licorne. 2011

93


Teses, Doutoramentos e outras provas académicas AUGUSTO, António Eduardo Pires Rodrigues - Espaço e Comportamento em Edifícios Educacionais (2ª Infância). Conforto Ambiental. Lisboa, FAUTL. 1997. Dissertação para Obtenção do Grau de Mestre em Tecnologia da Arquitectura e Qualidade Ambiental MARTINS, João Paulo - Os espaços e as Práticas; Arquitectura e as Ciências Sociais: habitus, estruturação e ritual. Lisboa, 2006. Tese de Doutoramento PEREIRA, Catarina V. A. D. - Paisagem e Pedagogia do Recreio Escolar. Lisboa, ISAUTL, 1998 SOARES, Marta Tavares - Arquitectura e Infância - estudo multicultural de espaços pré-escolares. Lisboa, FAUTL. 2005. Relatório final de estágio VIANA, Catarina N. R.- Espaços Exteriores de Escolas Primárias, Relatório de Trabalho de Fim de Curso de Arquitectura Paisagista. Lisboa, ISAUTL. 1995

Publicações periódicas Vários Autores - “Ambientes Formativos”. arqa - arquitectura e arte, nº88-89, Jan/Fev, 2011 Vários Autores - “Konzept - Kindergartën”. DETAIL, nº3, Serie 2008 Vários Autores - “Primeira Infancia”. Arquitectura Viva, nº126, 2009

94


Anexos

95


Anexo I Processo de Trabalho Desenho

96


97


98


99


100


101


102


103


104


105


106


Maquetes

107


Anexo II Maqueta Final escala 1:500

108


Piso tĂŠrreo escala 1:200

109


Anexo III Peças Desenhadas

A001! !

Proposta urbana e Evolução do Local

A002! !

Processo de Evolução,

!

!

Conceito Pedagógico, Learning Street e

!

!

Axonometria

A003! !

Planta de Localização

escala 1:2000 (reduzida para 1:4000)

A101! !

Planta Piso Térreo à cota 45.00

escala 1:500 (reduzida para 1:1000)

A102! !

Planta Primeiro Piso à cota 50.00

escala 1:500 (reduzida para 1:1000)

A103! !

Planta de Cobertura

escala 1:500 (reduzida para 1:1000)

A104! !

Planta Piso Térreo à cota 45.00

escala 1:200 (reduzida para 1:400)

A105! !

Planta Primeiro Piso à cota 50.00

escala 1:200 (reduzida para 1:400)

A106! !

Planta de Cobertura

escala 1:200 (reduzida para 1:400)

A201! !

Cortes BB’, CC’ e GG’

escala 1:500 (reduzida para 1:1000)

A202! !

Corte AA’ e BB’

escala 1:200 (reduzida para 1:400)

A203! !

Corte CC’ e DD’

escala 1:200 (reduzida para 1:400)

A204! !

Corte EE’ e FF’

escala 1:200 (reduzida para 1:400)

A205! !

Corte GG’ e HH’

escala 1:200 (reduzida para 1:400)

A301! !

Corte Construtivo

escala 1:20 (reduzida para 1:40)

A302! !

Planta Construtiva

escala 1:20 (reduzida para 1:40)

A401! !

Argumentação visual exterior

A302! !

Argumentação visual exterior

!

Argumentação visual interior

!

110


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.