Guilherme Arantes - Carta Capital

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Plural

Deixa chover

PROTAGONISTA Após seis anos de pausa

reflexiva, Guilherme Arantes revisita o passado e retoma a matriz pop romântica que o consagrou nos anos 1980 POR ADRIANA DEL RÉ

G

uilherme arantes entrou em uma máquina do tempo e regressou três décadas na sua história. A viagem não lhe proporcionou mudanças físicas. Os cabelos fartos não retornaram, tampouco o corpo esguio da juventude. Seu reencontro deu-se com a matriz pop romântica que o sagrou nos anos1980, ao embalo de Cheia de Charme, Deixa Chover, Planeta Água e tantos outros hits. Uma sonoridade inconfundível, cunhada à base de sua “pegada” muito pessoal ao piano. Esse retorno aos primórdios o fez visitar o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da USP, onde estudou na década de 1970, mas largou antes de concluir. Ele diz se arrepender de não ter ido até o fim. Não por acreditar que a música tenha sido um equívoco, mas por não ter conquistado o canudo de arquiteto. “Levo mais jeito para arquitetura do que meus colegas”, graceja. O cantor e compositor paulistano revisitou o passado para fazer as pazes com o presente. Sua máquina do tempo é o novo disco, Condição Humana (Coaxo do Sapo/ Tratore), que reúne dez faixas com a presença marcante de seus teclados. Foram seis anos sem inéditas. Pausa para enxergar quem ele realmente foi e quem pretendia ser. “Fiz muito essa

"O sucesso é muito falso, volátil. Mas sabia que minhas músicas me fariam permanecer"

reflexão: por que as pessoas gostavam tanto de algumas coisas minhas e de outras nem tanto? O que eu faço que mais ninguém faz parecido?” Foi o que o levou ao encontro de seu velho e amado piano romântico, deixando de lado outras incursões experimentadas na carreira, como sua faceta bossa nova, tão elogiada por Tom Jobim, ou mais funkeada, cultuada por feras como Ed Motta. Condição Humana vem acompanhado do subtítulo Sobre o Tempo. O tempo é tema recorrente no disco e em seus pensamentos. Às vésperas de completar 60 anos (julho), o músico analisa o novo ciclo de vida a partir do que vê ao redor, uma nova geração que chega em bloco à fase adulta. Pai de cinco filhos, já é avô. “Quando me tornei pai senti o baque da passagem do tempo. Chegou o momento

de viver tudo de novo, com um olhar mais tranquilo. O coroa negocia com a vida, o jovem dá trombada. Ao mesmo tempo há uma urgência, porque você sabe que só tem um terço de vida pela frente.” E como cantar o amor de modo a soar como um sentimento de alguém vivido? A resposta veio com a primeira música, Você em Mim, pensada para Maria Bethânia gravar. A cantora não conseguiu, no entanto, incluir a canção em sua obra recente. “É a letra de um amor maduro, sobre a capacidade de amar com qualquer idade. E isso acabou aplicando-se a mim.” Arantes não desistiu de criar uma canção para a diva, a quem deu Brincar de Viver. Ela não foi caso isolado. Ele muniu intérpretes como Elis Regina (Aprendendo a Jogar) e Roberto Carlos (Toda Vã Filosofia). Sua obra está impregnada de vivências. É assim com Onde Estava Você, interpretada em tom nostálgico. Fala sobre a finitude da amizade, dos laços esfacelados. A princípio inspirou-se na filha adolescente, que perdeu contato com uma amiga, mas acabou resvalando na própria história. Com os olhos marejados, lamenta os amigos perdidos. “Quando se é jovem, parece que toda aquela turma vai durar para sempre, mas houve amigos que não consegui reencontrar. Quis fazer uma música sobre a passagem do tempo sob o prisma das amizades que vão ficando num álbum de memórias. E me enxerguei também esquecido. Cadê meus amigos, o Ezequiel Neves, o Julio Barroso?”, complementa, voz embargada. A eles canta “Em tempos de guerra e paz/ Onde andava você/ Quando o mundo me esqueceu... na areia do deserto”. Para quem conhece a trajetória de superexposição do músico nas décadas de 1970 e 1980 e seu sumiço da mídia nos anos 1990 e 2000, a letra pode soar como um desabafo. Ele não descarta essa leitura. Arantes recorda-se de quando

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fotos: Marcos Méndez e arquivo pessoal

Imersão. Hoje, perto de completar 60 anos. E no limiar do sucesso, em 1984 (alto) e 1982

estava no apogeu. Que muitas vezes, depois de fazer show para uma multidão enlouquecida, “eu era uma espécie de Luan Santana”, voltava para o hotel, punha um calção e saía caminhando pela cidade para ouvir o barulho do vento, os passos no chão. “O que me segurou a cabeça durante o estrelato foi o tempo da faculdade, ter lido Maiakovski. Sucesso é muito falso, volátil. Mas sabia que o que me faria permanecer seriam as músicas.” Apesar de ser o menino de ouro da vez, não escondia a insatisfação com a dinâmica das grandes gravadoras. Era preciso aparecer na tevê à exaustão, gravar um som palatável às massas, ser rentável. E ele só queria fazer música. Na CBS (atual Sony) havia planos de carreira internacional. Para o Guilherme Arantes tipo exportação pensava-se na imagem do cantor

romântico, nos moldes de Julio Iglesias. “Queriam me transformar. E havia pessoas que achavam que estava fora desse projeto eu tocar piano. Mas eu os enganava. Ficava prometendo disco para o outro ano, mas não lancei nada. Nunca deixei mexerem na minha verdade do piano.” Com a chegada do CD, nos anos 1990, o cenário mudou. O axé, o pagode e o sertanejo se fortaleceram como fenômenos populares e jogaram para escanteio nomes consagrados do rock e da MPB, entre eles Os Paralamas do Sucesso e Guilherme Arantes, respectivamente. Os primeiros investiram em shows fora do Brasil e encontraram plateias devotas na Argentina. O segundo seguiu caminho longe dos holofotes, continuou a fazer shows, a lançar discos e voltou ao anonimato. “Foi a década perdida.”

Os anos 2000 simbolizaram um novo capítulo. O cantor, que cresceu em meio à efervescência cultural do Bexiga, em São Paulo, e morou no Rio de Janeiro, se mudou para a Bahia. Em Barra do Jacuípe, Camaçari, ergueu o estúdio e pousada Coaxo do Sapo, com projeto arquitetônico próprio. Perto funciona seu Instituto Planeta Água, que desenvolve ações sociais e ambientais. “Comecei a reconstruir tudo da estaca zero.” Em Condição Humana, o músico cercou-se de uma parcela expressiva da nova geração, Marcelo Jeneci, Curumin, Duani, Mariana Aydar, Thiago Pethit, Tiê, Tulipa Ruiz. Com o álbum recém-lançado, tem novo desafio: competir com suas músicas consagradas. Mas o Guilherme Arantes de hoje, mais sereno, certamente dará um jeito de conviver em harmonia com a obra do irrequieto Guilherme Arantes de 30 anos atrás. • cartacapital ­— 15 de maio de 2013 83

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