CONTRADIÇÕES DO PLANEJAMENTO
E DA GESTÃO DAS METRÓPOLES
BRASILEIRAS: O
CASO
DE
SÃO PAULO
CONTRADIÇÕES DO PLANEJAMENTO
E DA GESTÃO DAS METRÓPOLES
BRASILEIRAS: O
CASO
DE
SÃO PAULO
Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo
Guilherme Iseri de Brito Profa. Orientadora: Karina Leitão Dezembro de 2016
Agradecimentos Gostaria de agradecer à profa. Karina Leitão, por me guiar durante este um ano e meio de trabalho, me ajudando a progredir quando eu me perdia. Obrigado também à prof. Klara Kaiser que me ajudou a achar um caminho a percorrer durante as aulas. Aos professores Luciana Royer e Jeroen Klink pela participação na banca e pela contribuição, direta ou indiretamente, ao trabalho. Obrigado a minhas amigas, Manda e Le, por estarem comigo desde nossa infância, crescendo e evoluindo lado a lado. Mal consigo esperar os anos que virão. Agradeço também aos queridos companheiros, que por anos me aturaram e sei que ainda irão me aturar por muito tempo, Ba, Caio, Gi, Isa, Sa. Obrigado por todos os momentos muito intensos que vivemos nesses últimos anos, e sei que viveremos muitos mais. Aos amigos de faculdade por todos os instantes, desde os trabalhos até as festas, e por todas as risadas e ombros amigos durante todos esses anos. Aos caminhantes, que me proporcionaram uma das coisas mais preciosas que guardo comigo até hoje, que é a sensação do coletivo. Espero que continuemos caminhando juntos. Obrigado também aos meus amigos do intercâmbio. Aquele um ano que durou uma década vai para sempre estar na minha memória me alegrando, acompanhado de todas as novas memórias que fazemos juntos. Agradeço também aos amigos da Conf., que fizeram parte de muitas das minhas madrugadas esses anos. Espero continuar rindo e fazendo vocês rirem. Por fim, agradeço à minha família, meus primos e tios que sempre me acompanharam, e principalmente aos meus pais, Mario e Sônia, por todo o sacrifício estes anos e pelo incentivo a sempre continuar em frente.
SUMÁRIO Apresentação: o estudo do urbanismo na FAU e no intercâmbio 6 1. Introdução 9 1.1 O Interesse pelo estudo das metrópoles e objetivos do estudo 13 2. História da urbanização das metrópoles brasileiras 17 3. O desenrolar da legislação metropolitana e suas contradições 25 3.1 73 e 88: opostos que não se complementam 28 3.2 Anos 2000 e o governo Lula 32 4. A atual sitação das metrópoles e regiões metropolitanas 37 4.1 O Estatuto da Metrópole e a legislação recente 41 5. A Região Metropolitana de São Paulo 55 5.1 A formação da metrópole de São Paulo 58 5.2 A legislação e os planos que envolvem a RMSP 66 5.3 A situação atual da RMSP: dados e mapas 79 6. Análise do transpote e da mobilidade metropolitanos 89 6.1 Histórico do transporte metropolitano 92 6.2 O PITU 2020 e o caos do transporte metropolitano 99 6.3 A capacidade estruturadora do transporte para a região metropolitana 103 6.4 O desafio da gestão dos transportes no âmbito metropolitano 109 7. Conclusão: o planejamento e a gestão metropolitana no atual cenário brasileiro e porque o planejamento integrado brasileiro (ainda) não existe 113 8. Referências 121
Apresentação: o estudo do urbanismo na FAU e no intercâmbio Para entender a vontade que tive de estudar as metrópoles brasileiras, a legislação que as envolve e como funciona o planejamento dentro do espaço urbano, é preciso um histórico pessoal sobre o estudo de planejamento que tive tanto durante as aulas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, como também no período de intercâmbio que fiz na University of Liverpool, pois foi a partir de divergências entre ambas as experiências que surgiu essa vontade. Primeiro, dentro da FAU-USP, no período de 20102014, tive um total de cinco disciplinas do departamento projeto que abrangeram o que na época eu via somente como diferentes escalas: planejamento municipal, planejamento nacional, planejamento regional e uma escala que aproxima o design urbano e o planejamento de bairro. Embora as diferentes escalas não tivessem uma transição óbvia entre si, o conteúdo parecia formatado de forma que pudéssemos usar o que havíamos compreendido somente dentro da própria disciplina, e não se levava para a próxima aquilo que havia sido aprendido anteriormente. Já durante o intercâmbio em 2014, quando cursei “Urban Regeneration and Planning”, percebi uma abordagem diferente daquela eu havia experienciado na FAU. Uma das disciplinas que tive no primeiro semestre, chamada “Rural Planning”, lecionada pelo professor Dave Shaw acabou se tornando uma das disciplinas mais importantes das quais participei, pois nela era explicada a mudança no sistema de planejamento inglês que havia ocorrido em 2012 com a vitória do Labour Party, e todos os entraves políticos que isso ocasionou. 6
Em síntese, o sistema de planejamento inglês funcionava através de autoridades locais, as quais criavam planos para cada localidade, estas incluiam tanto áreas urbanas como áreas rurais, que, entretanto, não eram tratadas de forma isolada: embora cada localidade tivesse um plano único, ele deveria não somente responder às necessidades da região (algo equivalente aos estados brasileiros) como também atender às necessidades nacionais. O plano e a gestão se conectavam de uma forma muito mais clara. Entender o funcionamento do sistema de planejamento do país, por conseguinte, me auxiliou em todas as outras disciplinas que vim a cursar durante o intercâmbio; as disciplinas que eu realizei no segundo semestre foram muito mais compreensíveis por causa das que eu realizei no primeiro semestre, uma vez que elas continham ideias do planejamento inglês de forma não fragmentada por escalas ou por divisões políticas. Essa foi a maior diferença que percebi entre as escolas: embora eu tenha estudado diversas legislações brasileiras e tido aulas sobre vários tópicos que abrangem o urbanismo e o planejamento urbano e regional, a desconexão de como a gestão do território funciona, quando combinada com a divisão em diferentes escalas federativas dificulta a compreensão das possibilidades do planejamento e da gestão do território no Brasil. Portanto, o tema deste trabalho se definiu a partir da minha inquietação em tentar entender o planejamento como processo territorial, e para isso o estudo das metrópoles me pareceu um bom caminho a percorrer uma vez que a sua definição já passou por diversas esferas e constitui até hoje um complexo quebra-cabeça.
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1 Introdução
O espaço urbano é um espaço de conflitos. Os conflitos emergem dentro da vida em sociedade, e quando essa sociedade se mostra desigual, esses conflitos se tornam ainda mais aparentes. As cidades refletem essa complexidade por serem aglomerações com enormes níveis de desigualdade. Quando vemos a formação de metrópoles no cenário nacional, percebemos que os conflitos dentro delas despontam de forma acelerada. O espaço metropolitano é único dentro de nossa sociedade: a concentração de pessoas, capital, infraestruturas e desigualdades os torna espaços de grandes contradições. Como aponta Firkowski (2013, p.27): “à metrópole estão associados elementos definidores, como seu peso na economia, sua concentração de atividades superiores e conexão a uma rede urbana cada vez mais mundial”. Quando falamos de metrópoles dentro de nosso sistema federalista, acrescentamos mais camadas de complexidade uma vez que temos entes federativos diferentes compondo uma mesma área de interrelações. Essas relações acontecem de inúmeras formas: através da dominação econômica, da mobilidade de pessoas e produtos, da disputa entre territórios, da dependência infraestrutural, etc. Este trabalho tenta estudar, a partir das metrópoles, os conflitos que surgem em diferentes escalas, desde a nacional até a local. Flávio Villaça fala sobre as aglomerações e a formação dessa dependência de um centro: “Essa é a origem material do valor concreto dos centros das aglomerações. Se a essência do valor de uso das localizações está associada à otimização dos deslocamentos de toda a comunidade, é nesse ponto que está cristalizada a maior quantidade de trabalho socialmente necessário despendido na produção da aglomeração e pela aglomeração. Isso significa que nenhum outro ponto o supera em matéria de trabalho cristalizado, em valor de uso, ou seja, em acessibilidade” ( Villaça, 2001, p.241).
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Dentro dessa temática, cabe uma discussão sobre o tema da gestão de nossas metrópoles nos marcos do nosso federalismo regional e metropolitano. E este trabalho explora como, hoje e historicamente, no cenário brasileiro, se configura essa relação entre planejamento e gestão.
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1.1 O interesse pelo estudo das metrópoles e objetivos do estudo Para compreender melhor o planejamento e a gestão territoriais, pretendo estudar a criação das metrópoles brasileiras, desde a sua estruturação, até as atuais legislações que as permeiam, como por exemplo, o Estatuto da Metrópole. Buscarei entender como essa legislação é capaz de influenciar no planejamento da metrópole, tentando elencar os desafios contemporâneos. Para alcançar este objetivo, tentarei explorar o porquê da grande discrepância na atual demarcação das regiões metropolitanas brasileiras, criando um estudo sobre o estado da arte da situação das metrópoles. Observando-se o mapa das regiões metropolitanas brasileiras (mapa 1), é possível notar que a atual composição reflete uma complexidade tamanha que 13
é impossível de compreendê-la por meio da mera observação do mapa, e portanto faz-se necessário um estudo histórico a fim de se revelar como chegamos na situação anacrônica que temos dentro da demarcação das áreas metropolitanas no país. Como alguns exemplos, podemos notar os estados de Santa Catarina, Paraná e Paraíba, os três com mais de oito regiões metropolitanas cada. Vemos também que Brasília hoje, não corresponde à uma região metropolitana, mesmo sendo um dos mais populosos municípios brasileiros e tendo uma área de influência nos municípios de seu entorno. Mapa 1 - Regiões metropolitanas brasileiras
Regiões metropolitanas Sede/Capital
Fonte: Legislações Estaduais específicas de cada RM
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Estudar estas questões me interessou, pois elas refletem não somente a questão metropolitana, porém o impasse do planejamento e a gestão territorial brasileira de um modo geral. Como é possível lidar com os desafios das cidades brasileiras se nem ao menos compreendemos a melhor forma de organização e coordenação do espaço urbano? Embora as cidades não componham a maior parte do território, é nelas onde reside a maior parte da população brasileira, com mais de 75% vivendo em áreas urbanas como podemos ver no gráfico 1. Gráfico 1 - População total e porcentagem das populações urbana e rural
Fonte: IBGE
Portanto, estudar as metrópoles pressupõe entender os desafios para esse país, e as contradições do planejamento e da gestão nas metrópoles num sistema em que estas estão parcamente demarcadas e muito pouco se sabe sobre suas possibilidades de financiamento e gestão, conforme se verá ao longo do trabalho. O objetivo final do trabalho se torna então, olhar para as regiões metropolitanas brasileiras em um percurso histórico. Usando a Região Metropolitana de São Paulo como exemplo para a territorialização das questões que se colocam como desafios neste âmbito do planejamento e da gestão territorial.
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2 História da urbanização das metrópoles brasileiras
Desde as primeiras décadas do século passado a população das cidades brasileiras tem crescido, enquanto a população rural tem entrado em decréscimo, processo comum nos países em desenvolvimento. Ainda assim, tais mudanças podem ser consideradas aceleradas no Brasil, quando comparadas ao cenário mundial. Maricato (1996) atribui essa mudança da população rural para a população urbana principalmente à regularização do trabalho na cidade e ao incentivo à industrialização a partir da década de 1930. E é a partir dessa década que a escala alcançada pela urbanização começa a chamar atenção do Estado, o que o levou a ampliar a sua participação na vida econômica e política do país (Fernandes, 2013, p.38). Concomitantemente a esse novo olhar do governo para as cidades brasileiras, os moradores das cidades passaram a notar os efeitos do crescimento econômico com a dilatação das malhas e populações urbanas. Mesmo que existisse, desde a década de 30, a noção da necessidade da superação das divisões político-administrativas dos municípios, é somente na década de 1950 que se iniciam estudos mais robustos sobre a metrópole. Mori cita, por exemplo, a obra de padre Lebret, intitulado ‘Estrutura Urbana da Aglomeração Paulista’, de 1957, como um dos primeiros estudos que firmava a escala metropolitana brasileira (Mori, 1996, p. 219). Com o chamado milagre econômico do fim da década de 1960, já durante o período da ditadura militar, é que o fenômeno da metropolização das cidades se torna notável no país. Podemos apontar a conurbação das áreas urbanas acontecendo em escalas cada vez maiores e uma cada vez maior relação entre as capitais dos estados e suas cidades vizinhas, ainda que esta relação seja, em sua maioria, dada pela migração diária de moradores e trabalhadores e a conexão territorial das malhas ferroviárias e rodoviárias. Neste momento, o Estado nacional começa a se preocupar em realizar planos integrados para que pudesse 19
assim intensificar as atividades do planejamento urbano (Fernandes, 2013, p.40). A forma centralizadora do governo torna-se bem perceptível dentro deste contexto, uma vez que era na esfera federal que esses planos integrados surgiam, conjuntamente com novas instituições destinadas a orientar o desenvolvimento urbano, como por exemplo, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). É com a comparação entre o I e o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) que Fernandes destaca a mudança de aproximação do governo para com a infraestrutura das metrópoles: “Se no I PND a indústria de bens de consumo foi objeto principal dos focos de investimentos, no II PND, privilegiouse o desenvolvimento da indústria de base, e ainda mais, das infraestruturas rodoviárias e energéticas, as telecomunicações e o sistema financeiro” (Fernandes, 2013, p. 41, grifo meu)
O Brasil então mudava de estratégia econômica e as metrópoles teriam uma importância muito grande dentro do novo panorama. E é por esta razão que em 1973 é promulgada a Lei Complementar nº14/1973 que estabelece oficialmente as nove primeiras regiões metropolitanas do Brasil: São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Curitiba, Recife, Fortaleza e Belém (com Rio de Janeiro sendo inclusa em 1974). Como Klink afirma, “na visão do regime militar, essas regiões desempenharam papel-chave na consolidação do processo de desenvolvimento do país” (Klink, 2009, p.416). O objetivo do governo na época era de estabelecer uma integração territorial brasileira, criando uma inter-relação entre as unidades político-administrativas, ligada a uma sociedade que já se concentrava nesses grandes centros urbanos (Barreto, 2012, p.2). Por causa do modelo centralizado da ditadura militar restava pouco poder decisório para os municípios. Este baixo grau de autonomia colocava-se como uma contradição à criação das regiões metropolitanas, uma vez que tal autonomia 20
é fundamental para garantir o bom funcionamento das metrópoles como regiões institucionalizadas, como veremos mais adiante. Embora as regiões metropolitanas tivessem sido estabelecidas, não existia dentro delas um real planejamento integrado e sim um favoritismo em relação às regiões onde se via um potencial grande de desenvolvimento econômico. A fim de que se resolvessem as contradições, foi aliado ao II PND, o desenvolvimento da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU (1974), organizado por Jorge Guilherme Francisconi e Maria Adélia Aparecida de Souza, que colocava as metrópoles em acordo com um dos principais interesses do regime militar, ou seja, as caracterizava como eixo de desenvolvimento. O PNDU, como Fernandes explica, reconhecia o desequilíbrio do processo de urbanização do país: “o processo de metropolização prematura, a proliferação de grandes aglomerados urbanos, a excessiva pulverização de pequenas cidades, a poluição industrial nos principais eixos urbanos (Rio de Janeiro e São Paulo), o desenvolvimento multiforme e rápido do território nacional e a preservação dos recursos naturais” (Fernandes, 2013, p.44). O PNDU (imagem 1) mostrava objetivos que fomentavam uma política mais clara para as cidades brasileiras, e resumidamente, buscava: a interiorização do território nacional diminuindo a discrepância de ocupação do país; estratégias regionais específicas, procurando compreender as diferenças de desenvolvimento de cada região; e a utilização de mecanismos para a implantação das regiões metropolitanas que já haviam sido definidas, como a criação de órgãos de comando e diretrizes para a estrutura urbana e os fundos federais para desenvolvimento urbano. O plano, embora muito criticado, mostrava uma mínima preocupação com o crescimento das cidades brasileiras, ainda que tardia, uma vez que a maior parte da população brasileira já habitava meios urbanos. Até então as cidades haviam se 21
Imagem 1 - Mapa sĂntese PNDU
Fonte: Brasil, II PND, 1974. Retirado de Fernandes, 2013.
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desenvolvido à mercê de políticas pouco claras, de uma elite muito poderosa e de um poder centralizado. Isso fica claro quando Fernandes salienta os três principais motivos pelo qual o PNDU falhou, sendo eles: o interesse do setor financeiro privado sendo afetado, a tentativa de conter a expansão da indústria de bens duráveis e a reordenação espacial que colocava as regiões periféricas como importantíssimas para o desenvolvimento da economia (o que ia de encontro aos interesses da elite da época). O plano foi sendo de pouco em pouco largado, uma vez que existiam vários agentes que eram contra a sua implementação. A elite empresarial nacional conseguiria, por fim, descreditar o II PND como um todo nas décadas que se sucederam. Os planos eram, portanto, ou ditos impossíveis de serem realizados por parte dos diferentes grupos que contrariavam os objetivos do planejamento integrado metropolitano-urbano pensado na escala nacional, ou eram realizados de forma fragmentada e, portanto, contrapunham seus próprios princípios, criando contradições dentro dos planos. Foi somente na década seguinte que foram retomadas, por parte da federação, as discussões sobre a metrópole, principalmente dentro da Constituição Federal de 1988, onde é repassado o poder da criação de novas regiões metropolitanas para cada estado. É a partir deste momento que a quantidade de regiões metropolitanas cresceu drasticamente, tornando-se 23 regiões em 2000 e 39 em 2010. De acordo com o IBGE, em 2000, 63,7 milhões de habitantes residiam dentro das regiões metropolitanas, ou seja, 38% do total da população brasileira.
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3 O desenrolar da legislação metropolitana e suas contradições
Ao analisar parte da legislação responsável pela criação e organização das regiões metropolitanas vemos uma progressão que se mostra como uma contradição. Em 1988, a esfera nacional deixa de delimitar e organizar as regiões metropolitanas passando esta responsabilidade para os estados, o que ocasiona uma situação particularmente caótica que se reflete até os dias de hoje, criando composições completamente discordantes entre cada região metropolitana uma vez que cada estado delimita as suas regiões com seus próprios critérios. Essa discrepância não só anula completamente o objetivo da criação das regiões metropolitanas, como também cria desafios adicionais, por juntar municípios heterogêneos (Klink, 2009, p.420). A Lei de 1973, embora tenha sido um primeiro passo para a organização das regiões metropolitanas, com a proposição de um conselho composto pelos municípios, criava posições desiguais entre os seus membros. Além disso, a lei menciona um plano integrado para a região e coordenação de projetos de interesse comum entre os municípios, porém não oferece real maneira dos municípios colaborarem entre si, e nem requer que os municípios o façam. Já as legislações seguintes, como a constituição de 1988 e o estatuto da cidade trazem algumas ferramentas em relação à organização das metrópoles, como por exemplo, a obrigatoriedade do plano diretor para cidades com mais de 20 mil habitantes - uma forma de forçar o planejamento territorial e organização da cidade para os anos seguintes, o que proporcionaria a possibilidade de criação de planos conjuntos, mas assim como anteriormente, não traz incentivos para que se realizem essas integrações. Neste capítulo, portanto será explorada esta dicotomia nas legislações de 1973 e de 88, além de como a legislação recente afeta as possibilidades de integração intermunicipal.
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3.1 73 e 88: opostos que não se complementam A primeira legislação que abordava as metrópoles veio, como já afirmado no capítulo anterior, de forma centralizadora: o governo federal delimitaria e controlaria as possibilidades de gestão intermunicipal nas regiões metropolitanas, que ele também criava. Essa legislação reforçava de forma autoritária o que havia se discutido na década de 60, em simpósios com diversos autores chamando atenção para as metrópoles que ganhavam forma no país, como apontam Maria Castello Branco et al. (2013, p.119). Neste processo de fortalecimento da discussão sobre as metrópoles no país, houve maior perpetuação das questões setoriais, com apontamentos para a crise da habitação e a periferização das cidades. A Constituição Federal de 1967 já 28
atribuía ao governo federal o poder de delimitação das regiões metropolitanas no Brasil, embora não existisse especificações de que forma os municípios poderiam colaborar. Ela era um embrião que possibilitou que em 1973 o governo federal tivesse forças para delimitar regiões e começar a explorar como seriam suas formas de controle. Essas regiões se tornaram pólos de desenvolvimento, o que de acordo com Klink, criou um “modelo funcionalista uniforme de regulamentação de serviços de interesse comum com destaque para o planejamento integrado de desenvolvimento econômico” (Klink, 2013, p.92). Podemos concluir então que a institucionalização das regiões metropolitanas foi uma forma de organização do espaço com o objetivo de trazer para uma escala regional, a política econômica nacional. A partir desse modelo autoritário foram criados órgãos e secretarias técnicas com o objetivo da coleta de informações sobre as regiões metropolitanas e elaborar um planejamento cujo protagonista era o maior desenvolvimento econômico possível, como por exemplo a EMPLASA, de 1975, em São Paulo. Podemos argumentar com isso que, nesse período, a legislação da década de 70 era usada pelo poder centralizador para concentrar o poder econômico do país em certas regiões, ao invés de um real desenvolvimento de todo o território nacional e de sua população. As políticas urbanas desse momento eram setorizadas, o que por sua vez favorecia certas camadas sociais. Como Klink (2013) aponta, mesmo durante o milagre brasileiro do final dos anos 60, crescia a favelização. Não existia planejamento dessas regiões uma a uma. O que existia era um plano de crescimento econômico que servia acima de tudo, a uma pequena parcela da população. Já quando o país fez a transição do autoritarismo para a democracia, durante os anos 80, as responsabilidades de cada escala de governo também foram muito alteradas, o que preconizava o modo que seriam abordadas as regiões 29
metropolitanas na constituição de 88. Com a descentralização do poder, houve um repasse grande desse poder da autoridade federal para as autoridades estaduais e municipais. Tal descentralização foi o principal motivo pelo qual a constituição designou, aos estados brasileiros, o poder de definir dentro de seus territórios as regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. E também deu o poder aos municípios de fazerem, ou não, planos integrados de desenvolvimento regional. Imperava uma autonomia grande dos entes. O que tudo isso acabou gerando, no entanto, foi um enorme descaso por todas as formas de cooperação tanto entre municípios como entre municípios e estado. Principalmente, a partir de dois grandes problemas principais que serão tratados a seguir: primeiro, o fato dos estados poderem definir as suas regiões metropolitanas criou um leque de possibilidades onde cada estado tornou-se capaz de delimitar o que queria como região metropolitana sem ter que estabelecer critérios específicos. E em segundo, o desamparo dos municípios para trabalharem conjuntamente em planos regionais, uma vez que não só não existiam incentivos, mas também havia uma guerra fiscal entre os entes (estados ou municípios) na disputa de investimentos públicos e privados. Castello Branco et al (2013, p.115) apontam para o principal problema dos estados ao definirem as regiões metropolitanas: “não são definidas sobre uma base metodológica comum, o que tende a comprometer seriamente a precisão [das] análises”. Não somente das análises para a implantação de novas regiões, como dificulta também uma possível troca de experiências entre as regiões metropolitanas, banalizando, até certo ponto, a região metropolitana como espaço pertencente à federação, uma vez que permite aos estados incluírem municípios que não têm relação nenhuma com as cidades-pólo dentro das regiões metropolitanas, com a esperança de futuramente angariarem verbas do governo federal para abarcar projetos regionais. 30
Note-se que os municípios que estão inclusos em regiões metropolitanas sem ter relação nenhuma com os centros urbanizados, e principalmente aqueles municípios que estão unidos em uma região metropolitana, sem nenhuma característica metropolitana específica entre eles, aparentam não ter a ambição nem a vontade de fazer planos integrados de desenvolvimento, situam-se em uma espécie de “limbo” onde o estado espera conseguir fundos que muito dificilmente seriam repassados de forma real para o planejamento territorial e a gestão dessa região. Já sobre o despreparo dos municípios em atuar em um cenário de governança regional, faz-se necessário olhar de volta para a década de 90 principalmente quando se acirra a guerra fiscal entre os estados e municípios. Como Klink explica (2013, p.93), com a descentralização do poder, o mercado ganhou um espaço muito grande dentro do urbano, o que fez com que os municípios tivessem de flexibilizar suas regulamentações para que as empresas e indústrias se instalassem em seus territórios. Passa a prevalecer entre os municípios a ideia de competição e não de cooperação.
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3.2 Anos 2000 e o governo Lula O cenário era de competição entre os municípios até a virada do século XIX para o XXI. Podemos ver uma mudança na abordagem já em 2001 com o Estatuto da Cidade, que introduzia diversos instrumentos urbanísticos para possibilitar a maior regulamentação do espaço urbano e possibilitar que os municípios recuperassem para si certo controle sobre o processo mercadológico que aconteceu nos anos 90. A discussão sobre o território urbano parecia estar ganhando espaço. O Estatuto da cidade (Lei nº10.257/2001) trouxe uma pequena esperança para o desenvolvimento das metrópoles de modo mais integrado, quando lemos: “planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial 32
da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano” (Art. 1 §4). Mas claramente, o documento só representava um pontapé inicial para o processo e, por muitos anos, os municípios se mantiveram distantes dele. Os planos diretores locais que o estatuto trazia como elementos centrais, tiveram grande limitações e como Klink (2013, p.96) aponta: “a maioria dos municípios enfrentou dificuldades de efetivamente regulamentar e usar os instrumentos urbanísticos”. Notamos isso principalmente quando percebemos o “boom” imobiliário que se deu concomitantemente ao crescimento econômico do país, o que aliado à disputa do setor privado e dos governos na construção de infraestrutura, tendeu a aumentar as disparidades socioespaciais (Oliveira, 2012, apud Klink, 2013, p.97). Mas foi em 2005, com a Lei dos Consórcios Públicos (nº 11.107), que o governo declarou abertamente a vontade de serem tomadas políticas de associativismo territorial (instrumentos de cooperação constituídos por escalas diferentes de governo e entre governo e sociedade civil), nesse caso específico, consórcios entre municípios e entre outros municípios ou o estado. E por esta razão, a partir dos anos 2000 acontece o fenômeno de multiplicação das regiões metropolitanas pelo país. Embora elas fossem estabelecidas pelos estados desde 88, é neste momento que os estados percebem a possibilidade de investimento federal, uma vez que neste governo há a retomada de investimentos nos territórios urbanos, de forma setorizada. Ainda mais recente é o Estatuto da Metrópole (Lei nº13.089) de 2015, que, em termos gerais, pretendia cobrir uma lacuna que o Estatuto da Cidade deixou. No entanto, tal estatuto não altera muito a realidade dos consórcios intermunicipais e dos planos regionais, uma vez que ambos já 33
aconteciam antes da lei. Esse estatuto será melhor explorado no capítulo seguinte, onde ele poderá ser colocado lado a lado ao panorama atual das regiões metropolitanas.
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4 A atual situação das metrópoles e regiões metropolitanas
Para começarmos a falar sobre o atual estado das metrópoles e regiões metropolitanas, precisamos retomar ambos os termos e entender o porquê, hoje em dia, eles se diferem. Metrópole é um termo antigo, advindo da Grécia antiga e que alude à principal cidade de um território. Hoje o termo passa a designar não só a principal cidade, porém o conjunto de cidades que têm entre si uma dependência econômica e social. No geral, o termo metrópole hoje é usado de forma a delimitar um território urbano onde “estão associados elementos definidores, como seu peso na economia, sua concentração de atividades superiores e conexão a uma rede urbana cada vez mais mundial” (Firkowski, 2013, p.27). Ou seja, ele trata não só do espaço urbano como também sua relação especial e econômica com espaços urbanos regionais, nacionais ou internacionais. Já o termo região metropolitana, no cenário brasileiro, é mais “legalista” e se refere às regiões estabelecidas, desde 1988, por Leis Complementares Estaduais. Deve-se ressaltar que, como já mencionado anteriormente, não existe um critério único para se estabelecer essas regiões e, portanto, não podemos falar que todas as atuais 70 regiões metropolitanas contenham em seu território uma metrópole de fato. Em sua maioria, essas regiões foram criadas a partir dos anos 2000, e portanto, elas respondem a uma demanda crescente de cooperação interterritorial – no entanto, é uma resposta que pouco tange o problema real. Nos anos 90, a competição intermunicipal atravancava o crescimento de diversas regiões que ficavam para trás nesse jogo. Nos anos 2000, com a maior possibilidade de cooperação e de resolução conjunta de problemas, alguns Estados criaram regiões metropolitanas por todo seu território, as quais não fazem jus a tal título, em especial por não conterem nenhum território urbano que possa ser considerado uma metrópole. Por conseguinte, este processo todo cria um obstáculo para a cooperação real entre municípios por dois motivos: 39
dilui o peso das regiões metropolitanas dentro dos estados, as quais poderiam ser balizadoras para um processo de desenvolvimento regional, além de dificultar a aplicação de instrumentos de planejamento em áreas que têm características completamente variadas. O movimento de metropolização se encontra destoante do de formação das regiões metropolitanas como escalas reais de planejamento e gestão de territórios urbanos complexos e cria um vazio: como a federação pode alocar recursos para regiões metropolitanas que são completamente diferentes umas das outras? Quais seriam os critérios? De onde viriam os recursos para tal? A Lei de Consórcios Públicos veio como uma possível remediadora dessa situação, possibilitando que fossem feitos consórcios intermunicipais e possibilitando que o associativismo territorial ocorra de forma independente da delimitação das regiões metropolitanas. De acordo com Fernando Abrucio et. al (2010, p.31), “a grande maioria dos consórcios intermunicipais surge da própria vontade dos municípios (...), no entanto, tem crescido o processo de indução de consorciamento pela ação do governo federal e dos estados”.
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4.1 O Estatuto da Metrópole e a legislação recente A Lei de Consórcios Públicos, porém, não traz garantia alguma de que os municípios das regiões metropolitanas devam cooperar entre si, uma vez que essa lei não trata dessas regiões de forma específica, e sim da livre ou induzida associação intermunicipal quando é conveniente para os municípios e o estado. Por esta razão, antes de abordar o Estatuto da Metrópole, é importante levar em conta a instituição de Regiões Integradas de Desenvolvimento Econômico (RIDEs), possibilitada pela Lei Complementar Federal nº 94 de 19 de Fevereiro de 1998. Essas regiões são criadas pela União de forma a estabelecer demarcações de caráter metropolitano onde o território urbano perpassa por mais de um estado. 41
Neste caso, como o próprio nome indica, o objetivo principal é o desenvolvimento econômico de áreas específicas do território nacional e que não eram contempladas na constituição de 88 por estarem entre dois estados. A diferença principal entre as RIDEs e as RMs é o fato das RMs terem o objetivo da cooperação intermunicipal e entre diversas escalas, enquanto as RIDEs são um modo de atuação da união de forma quase direta para a promoção do desenvolvimento econômico, tendo os estados e os municípios envolvidos como consultores dos financiamentos nessas áreas. “A RIDE tem como objetivo articular e harmonizar as ações administrativas da União, dos Estados e dos municípios para a promoção de projetos que visem à dinamização econômica de territórios de baixo desenvolvimento e assim, conseguir prioridade no recebimento de recursos públicos destinados à promoção de iniciativas e investimentos que reduzam as desigualdades sociais e estejam de acordo com o interesse local pactuado entre os entes participantes.” - Minitstério da Integração Nacional http:// mi.gov.br/regioes_integradas_rides acessado em 29/08/2016.
É importante ressaltar a existência dessas regiões, pois, como veremos mais adiante, elas são exemplos tratados pelo Estatuto da Metrópole. Antes de abordar o estatuto, porém, devemos analisar um Acórdão do Supremo Tribunal Federal que foi um importante precedente para a retomada das discussões das metrópoles e deu aporte à aprovação da lei. É a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1842/RJ. O STF avaliou que as funções públicas de interesse comum da RM do Rio de Janeiro deveriam ser realizadas pelo colegiado dos municípios e pelo estado conjuntamente, considerando o contexto metropolitano da área: “O interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal. O mencionado interesse comum não é comum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do
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agrupamento urbano.” (ADI 1842 RJ, item 3).
Para o STF, a lei complementar do estado do Rio de Janeiro que passava ao estado competências que deveriam ser metropolitanas era inconstitucional: “A participação dos entes nesse colegiado não necessita de ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente” (ADI 1842 RJ, item 5). Esta decisão foi importantíssima como precedente para aprovação do estatuto em 2015. Ainda é necessário analisar um estudo de 2008 realizado pelo IBGE, intitulado “Regiões de Influência das Cidades 2007” (IBGE, 2008, p.11). Este estudo se mostra relevante no sentido de ser usado pelo Estatuto da Metrópole, como base teórica. Esse estudo hierarquiza as metrópoles brasileiras em 3 diferentes tipos distintos: “1. Metrópoles – são os 12 principais centros urbanos do País, que caracterizam-se por seu grande porte e por fortes relacionamentos entre si, além de, em geral, possuírem extensa área de influência direta. O conjunto foi dividido em três subníveis, segundo a extensão territorial e a intensidade destas relações: a. Grande metrópole nacional – São Paulo, o maior conjunto urbano do País, com 19,5 milhões de habitantes, em 2007, e alocado no primeiro nível da gestão territorial; b. Metrópole nacional – Rio de Janeiro e Brasília, com população de 11,8 milhões e 3,2 milhões em 2007, respectivamente, também estão no primeiro nível da gestão territorial. Juntamente com São Paulo, constituem foco para centros localizados em todo o País; e c. Metrópole – Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia e Porto Alegre, com população variando de 1,6 (Manaus) a 5,1 milhões (Belo Horizonte), constituem o segundo nível da gestão territorial. Note-se que Manaus e Goiânia, embora estejam no terceiro nível da gestão territorial, têm porte e projeção nacional que lhes garantem a inclusão neste conjunto.”
Esse arcabouço legal é importante para, acima de tudo, 43
servir de guia para estabelecer quais são as regiões que são relevantes para o estatuto e acima de tudo, configurar uma conversa entre RMs e estados para estabelecimento de regiões mais relevantes e que possibilitam a real função proposta pelo Estatuto da Metrópole. O estudo também discorre sobre as relações pertencentes a essas regiões, e portanto, possibilita maior clareza na criação de possíveis instrumentos pelo estatuto. É preciso apontar também o quão recente é o estatuto: ele foi promulgado em janeiro de 2015, portanto ainda não completou nem dois anos, mas já atrai diversas críticas. Ele tenta fechar lacunas deixadas por outras normas de políticas de desenvolvimento urbano, como o Estatuto da Cidade e a Lei dos Consórcios. O Estatuto da Metrópole tramitou por mais de 10 anos antes de finalmente ser sancionado. O seu histórico representa muitas transformações desde a proposta original do deputado Walter Feldman (PSDB/SP) a qual deixava muito a desejar no âmbito da política urbana e focava mais em “instituir diretrizes para a Política Nacional de Planejamento e Informações Regionais Urbanas” (Moura et al, 2015, p.1). Por diversos motivos, esse Projeto de Lei não cumpria o seu papel em muitas frentes, como por exemplo, não enseja uma melhor compreensão da diversidade urbana das metrópoles brasileiras, o que ocasionou uma incongruência no modo de lidar com as funções públicas de interesse comum (FPICs). O projeto de lei ficou praticamente parado até 2011, quando o deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA) o retomou e foram feitas diversas emendas, constituindo sua versão final a qual foi aprovada com unanimidade pela Câmara dos Deputados e logo em seguida pelo Senado Federal (Moura et al, p.2, 2015). O Estatuto da Metrópole, lei 13.089, aprovado em 12 de janeiro de 2015, mesmo com alguns vetos, mostrou alguns avanços dentro da discussão das RMs, porém não alcança plenamente o que se propôs inicialmente. Primeiro trataremos dos avanços que essa lei fez, e 44
depois discutiremos em quais área ele deixou importantes lacunas. O maior (e, um dos mais necessários) avanço foi a criação de critérios técnicos para a instituição de novas RMs e Aglomerações Urbanas (AUs), em seu Art. 2º: Art. 2o Para os efeitos desta Lei, consideram-se: I – aglomeração urbana: unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de 2 (dois) ou mais Municípios limítrofes, caracterizada por complementaridade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas; [...] V – metrópole: espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE;
De acordo com o REGIC (IBGE, 2008), os centros urbanos brasileiros são organizados em cinco tipos: metrópoles (com um total de 12 identificadas), capital regional, centro sub-regional, centro de zona e centro local. O estatuto da metrópole não trata de todos esses tipos, e se foca nas metrópoles e naquilo que a própria lei define para aglomerações urbanas. Devemos já ressaltar a enorme disparidade entre esta classificação e as atuais RMs que totalizam 70. No entanto, a lei não obriga a redefinição das atuais RMs definidas pelos estados, somente as encaixa dentro do novo estatuto. Mesmo assim, causa o repensar dessas regiões pelos estados uma vez que agora todas elas têm de cumprir com novos deveres como a criação de Planos de Desenvolvimento Integrado (PDUI) sob risco de dissolução das regiões que não cumprirem com a lei. Os prefeitos envolvidos devem então, no mínimo, verificar se vale a pena a manutenção das RMs antes mesmo de iniciarem o processo de produção do PDUI, começando a transformar esses espaços meramente discricionários em territórios políticos. 45
Outro ponto positivo do Estatuto da Metrópole é seu artigo 21: Art. 21. Incorre em improbidade administrativa, nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992: I – o governador ou agente público que atue na estrutura de governança interfederativa que deixar de tomar as providências necessárias para: a) garantir o cumprimento do disposto no caput do art. 10 desta Lei, no prazo de 3 (três) anos da instituição da região metropolitana ou da aglomeração urbana mediante lei complementar estadual; b) elaborar e aprovar, no prazo de 3 (três) anos, o plano de desenvolvimento urbano integrado das regiões metropolitanas ou das aglomerações urbanas instituídas até a data de entrada em vigor desta Lei mediante lei complementar estadual; II – o prefeito que deixar de tomar as providências necessárias para garantir o cumprimento do disposto no § 3o do art. 10 desta Lei, no prazo de 3 (três) anos da aprovação do plano de desenvolvimento integrado mediante lei estadual.
O artigo garante um comprometimento legal dos gestores com o planejamento, através de um Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado. Nesse sentido a lei assegura uma estrutura mínima de governança que tenta colocar na mesma instância autoridades que em geral não se conversam, seja por rixas partidárias ou até mesmo porque enxergam mais prejuízos do que vantagens no processo como um todo. Elevando também a importância do estado como impulsionador dessa gestão interterritorial, diminuindo o peso das coerções que recaiam sobre os municípios (Moura et al, p.10, 2015). Mais especificamente, o estatuto pode garantir avanços para a execução de funções públicas de interesse comum, uma vez que se põe como necessária a criação dos PDUIs. Em contrapartida, como já vimos muitas vezes nas cidades brasileiras, os planos finalizados não são sempre postos em prática, principalmente quando agentes externos influenciam
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as possibilidades de execução desses planos. Mas mesmo assim, ele garante minimamente uma conversa sobre quais seriam as funções públicas de interesse comum e como elas poderiam ser solucionadas por uma governança interterritorial. Deve ser ressaltado também que o PDUI abrange todo o território dos municípios da região, incluindo espaços urbanos e rurais. Suas principais diretrizes são projetos estratégicos, articulação do uso do solo e articulação intersetorial. Também deve abarcar o macrozoneamento, a delimitação de áreas não urbanizáveis e um sistema de acompanhamento e controle. A primeira versão deste plano nas RMs, aprovada por lei estadual complementar dentro da assembleia legislativa correspondente, deve estar pronta até janeiro 2018 (art. 21º) e depois o plano deve ser revisto a cada dez anos. Enfim, também devemos mostrar que dentro do estatuto, se atrela o desenvolvimento do PDUI ao inciso II do Art. 8º: Art. 8o A governança interfederativa das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas compreenderá em sua estrutura básica: [...] II – instância colegiada deliberativa com representação da sociedade civil;
Este inciso tenta garantir a participação popular dentro do desenvolvimento do PDUI e isso delimita um parâmetro mínimo de voz para a população dos territórios municipais afetados. Ainda assim, é sabido que há o risco deste canal ter a mesma trajetória dos mecanismos de participação social (audiências públicas, debates, etc.) que não têm uma grande efetividade quando os planejadores e gestores não querem que tenham. Embora o plano tenha tentado apresentar avanços, ele não conseguiu atingir seus objetivos em muitas outras frentes. A primeira e, claramente a que mais causa complicações é o veto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano Integrado 47
(FNDUI), ou seja, o veto a um financiamento próprio para as metrópoles. De acordo com Ribeiro et al (2015), a finalidade desse fundo seria “captar recursos financeiros e apoiar ações de governança interfederativa em regiões metropolitanas e em consórcios públicos constituídos para atuar em funções públicas de interesse comum no desenvolvimento urbano”. Existem dois pontos relevantes nesta discussão, o primeiro remete ao fato de que, sem este fundo, acaba recaindo sobre os estados e municípios a responsabilidade de investirem seus recursos, esperando retornos posteriores - e, portanto, deixando de investir esse dinheiro diretamente. Assim, acaba por criar mais atribuições para os entes municipais e exclui responsabilidades da União quanto ao financiamento. Nesse sentido, por causa do rateio da receita é grande a possibilidade de não existirem recursos para colocar em prática as ações de cada um dos PDUIs. O segundo ponto que se deve levar em conta é sobre a transparência deste processo. De acordo com Moura et al (2015, p.11): “sob a ótica da transparência e do controle social, contudo, é inquestionável que o caminho dos fundos de finalidade específica é o mais recomendável”. O artigo vetado exigia integrantes da sociedade civil como supervisores do FNDUI, o que em tese garantiria uma maior transparência do fundo. Outra grande crítica que podemos fazer ao Estatuto é o fato que, embora ele tenha avanços muito significativos em relação a critérios técnicos, ele não consegue abranger a diversidade de arranjos urbanos brasileiros. Um exemplo é o veto ao artigo 19, que especificava a situação do Distrito federal. Como o DF está incluso em uma RIDE, explicada anteriormente, foi feito o veto. Porém, as funções da RIDE não deveriam se sobrepor às funções das RMs, uma vez que cada uma das duas deveria, a partir de sua aprovação, ter funções distintas. Acaba-se colocando a função de desenvolvimento econômico e social da RIDE como se fosse o mesmo objetivo das funções públicas de interesse comum das RMs, além de 48
deixá-la desprovida dos instrumentos necessários para o planejamento da área, no caso o PDUI. Mesmo que o art. 22º cite essas regiões como possíveis de aplicação do estatuto: “As disposições desta Lei aplicam-se, no que couber, às regiões integradas de desenvolvimento que tenham características de região metropolitana ou de aglomeração urbana”, o texto de razões do veto proposto pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República parece já descarta essa possibilidade: “Em relação ao Distrito Federal, o instrumento de cooperação federativa adequado é a Região Integrada de Desenvolvimento Econômico - RIDE”. Outro exemplo é o veto do inciso II, do §1º do art. 1º, que indicava “II – às cidades que, não obstante se situarem no território de apenas 1 (um) Município, configurem uma metrópole.” acaba excluindo futuras possibilidades de configuração das RMs, embora hoje, como Moura et al. (p.11, 2015) explica, a única que se configura desta forma é a RM de Manaus que, por já estar estabelecida, não teria complicações. A lei também não alcança metrópoles próximas que tem uma relação forte de influência entre uma e outra (que poderiam se tornar futuras megalópoles), como é o caso das RMs de São Paulo, Campinas, Sorocaba e Baixada Santista. Além de todos estes prós e contras, também é importante ressaltar um ponto da lei que tenta identificar caminhos pensados para sua aplicação. Um deles é o artigo 20º que coloca o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano como coordenador da aplicação da lei: Art. 20. A aplicação das disposições desta Lei será coordenada pelos entes públicos que integram o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano - SNDU, assegurando-se a participação da sociedade civil. § 1o O SNDU incluirá um subsistema de planejamento e informações metropolitanas, coordenado pela União e com a participação dos Governos estaduais e municipais, na forma do regulamento.
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§ 2o O subsistema de planejamento e informações metropolitanas reunirá dados estatísticos, cartográficos, ambientais, geológicos e outros relevantes para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas.
Assim sendo, percebemos que a legislação intenciona diversos avanços para a política pública urbana regional e que tenta progredir em relação ao planejamento e gestão das áreas metropolitanas. Os instrumentos que esse estatuto evoca carregam grandes limites para a gestão metropolitana para que sejam desempenhadas as FPICs. Contudo, a lei acaba não atingindo o escopo necessário, e portanto, deixa muitas brechas para que se anulem os avanços esboçados. A falta de receita própria e a imprecisão na definição do compartilhamento de responsabilidades entre cada um dos entes faz com que a legislação fique aquém do que ela se propõe e sem possibilidade de alcançar o que ela procura. Mesmo assim não descarta as grandes vitórias que se configuram principalmente no comprometimento legal com o artigo 21 da lei, e no avanço teórico para classificação das RMs e AUs do artigo 2º. Nesse sentido, a Proposta de Emenda à Constituição - PEC 13 de 2014 pode dar uma nova luz para esta situação. De autoria do senador Aloyso Nunes (PSDB), a PEC está atualmente tramitando, aguardando análise pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (Secretaria de Apoio à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania). Essa PEC inclui os artigos 18-A e 159-A e altera o artigo 182, modificando a instituição de RMs (incluindo a União como encarregada da criação delas) e cria dispositivos de gestão e financiamento para o desenvolvimento urbano das metrópoles. Por ser uma PEC, ela tem mais poderes do que o Estatuto da Metrópole teria, e portanto carrega uma responsabilidade de continuar o caminho traçado pelo estatuto. A sua justificativa em geral é harmonizar as políticas públicas da 50
União, dos estados e dos municípios para as regiões. Assim, se destaca a tentativa de reverter o quadro atual onde políticas que demandam uma escala metropolitana são assumidas pelo governo estadual. Em resumo, os principais pontos da PEC são: dar a competência à União de criação de RMs em casos específicos (entre territórios de mais de um Estado, possibilita o Distrito Federal compor RMs), dar à União a possibilidade de dispor sobre os requisitos para a caracterizaçãos das RMs e AUs, sobre os mecanismos de governança, financiamento e regime jurídico dos agrupamentos, sobre o conteúdo das leis complementares que instituem as regiões e sobre a harmonização das políticas de associativismo territorial. Além disso, ela esclarece sobre as competências dos Estados e da União ao criarem as regiões, em relação à destinação de parcelas das receitas tributárias aos agrupamentos e sobre um plano diretor conjunto dos municípios do agrupamento. Também deixa claro que esse agrupamento não tem autonomia política. É importante ressaltar que essa PEC tensiona de maneira bastante liberal uma das grandes lacunas deixadas pelo Estatuto da Metrópole que seria o financiamento das mesmas. As únicas saídas que existiam dentro da lei final aprovada eram repasses voluntários dos entes para o agrupamento, via instrumentos como a operação urbana consorciada e parcerias público-privadas, tarifas advindas dos usuários dos serviços públicos ou a criação de novos impostos (Frota, 2015). Frota (2015) indica também que essa PEC não é uma proposta unânime, uma vez que impõe “aos entes locais uma redução de receitas em favor da instância metropolitana”; concluindo portanto que “todas as vias de financiamento colocadas em pauta apresentam significativos entraves”. A saída proposta por Frota, ainda que se possa ser contra seu caráter demasiadamente conciliador, é a integração de múltiplas fontes, o que a PEC, junto ao Estatuto da Metrópole, acaba possibilitando. 51
A PEC também pretendia apontar uma alternativa para o PDUI, ou para o Plano Diretor de cada município. Indicando que quando o ordenamento territorial for uma Função Pública de Interesse Comum, deve-se haver um plano diretor integrado. Hoje em dia, os dois planos têm uma relação frágil. De acordo com o Estatuto da Metrópole, a realização do PDUI não isenta os municípios de realizarem os seus próprios planos diretores, porém este deve ser compatibilizado. Ou seja, pressupõe-se o PDUI como um orientador para o plano diretor dos municípios de cada aglomeração. O PDUI também intencionava solucionar alguns dos antigos entraves dos planos diretores, principalmente em relação ao patrimônio ambiental da região, e tentava apontar a escala das diretrizes que devem ser criadas, mas não delimita exatamente como elas se associam com os planos municipais. A PEC, propondo planos diretores conjuntos, poderia ajudar a resolver tal questão, mas ao mesmo tempo pode criar uma margem para confusão dentro das aglomerações, bem como quais seriam os principais pontos de cada um dos planos e como eles devem se diferenciar. Para explorar mais a fundo as possibilidades que o PDUI traz, entraremos na análise metropolitana. Tendo a Região Metropolitana de São Paulo como estudo de caso, é possível fazer uma aproximação das questões tratadas até agora e explorar como elas se desenvolvem no território.
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5 A RegiĂŁo Metropolitana de SĂŁo Paulo
São Paulo é hoje a maior metrópole brasileira com uma população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE para 2016 de 21.242.939 de habitantes, sendo que só a capital teria uma população de 12.036.175 habitantes. Olhando apenas para este dado populacional, já podemos ter uma ideia do quão grande é esta região. Somente a capital, São Paulo, já apresenta o equivalente a toda a população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a segunda mais populosa do Brasil. Neste capítulo será explorado o desenvolvimento da cidade de São Paulo e a formação da região metropolitana. Depois dessa aproximação histórica, serão abordados os dados atuais da RMSP e o desafio para a gestão cooperativa dos 39 municípios integrantes.
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5.1 A formação da metrópole de São Paulo O momento histórico com o qual se inicia este capítulo corresponde à passagem do período imperial ao republicano no Brasil. Dentro da política imperial, pelo comando de João Teodoro Xavier, foram realizadas grandes obras de infraestrutura para acompanhar o crescimento da exportação de café, potencializando a região de São Paulo como centro econômico e colocando a capital do estado como centro regional. A construção da Estação da Luz em 1968 era um exemplo disso. É nos próximos anos, porém, que a iniciativa privada começa um grande processo de expansão a oeste do centro da cidade - processo que até hoje mostra seus resultados. Com a passagem do governo imperial para a república em 1889, as intervenções urbanísticas tornaram-se prioridade, 58
a fim de gerar uma “ampla modernização técnica e social” (Reis, 2004, p.139). Era uma época em que o Estado exercia muito poder sobre a cidade, controlando muitos dos serviços como água, esgoto, saúde, educação, iluminação, etc. através do governo do estado ou do município. Era também um momento em que a população européia dentro da cidade encontrava-se em rápido crescimento, fugindo do clima de guerra do continente europeu, ultrapassando 50% do total da população da cidade. Concomitantemente a este influxo de imigrantes europeus, ocorreu o desenvolvimento da indústria, e por consequência, o surgimento de bairros industriais e operários. Embora o caráter industrial fosse reprimido por aqueles que promulgavam a “vocação agrícola” do território brasileiro, isso não impediu seu desenvolvimento. Alguns fatores foram incisivos para isto, um deles já foi falado, que foi o influxo de imigrantes que vieram países com maior grau de industrialização. Outro fator foi a queda no valor das exportações do café o que trouxe uma crise para a economia brasileira a partir dos anos 1890. O último fator foi o fato de já existir um cenário paulista com uma leve industrialização que ia se desenvolvimento desde os anos de 1860, principalmente através de grandes famílias tradicionais da cidade. Na primeira década da república houve realmente uma grande proliferação de “pequenas empresas de imigrantes, na capital e no interior, mudando completamente o perfil da economia do estado” (Reis, 2004, p.140). Esses novos bairros cresciam em paralelo com as ferrovias. Para dar uma ideia da importância da ferrovia para o desenvolvimento da RMSP, precisamos explorar as facetas do seu desenvolvimento. Durante a época imperial foram promulgadas leis que facilitavam a implantação de ferrovias, esperando que o próprio mercado daria o passo seguinte, ou seja, a sua implantação de fato. Na década de 1850 foram feitas as primeiras concessões, assim como, inaugurados os primeiros 59
trechos. De início, seguindo o plano de desenvolvimento do território nacional da época, elas em sua maioria voltavamse para o Rio de Janeiro, capital do país. Desde a década de 1860 até antes de meados do século XX as ferrovias eram os principais eixos de estruturação de desenvolvimento do país. Claramente, a produção de café foi o principal guia para a construção das ferrovias no início, construindo-se linhas que levavam o café de diferentes regiões até o Rio de Janeiro, onde era exportado. No momento em que o oeste paulista se tornou o principal exportador nacional de café, construíram-se também as principais ferrovias que ligavam o interior do estado ao litoral para a exportação da produção, ligando também a capital do estado. São Paulo seria um dos estados com mais ferrovias após a passagem do império para a república, construídas principalmente entre 1880 e 1910, ordenadas em sua maioria de forma radial, ligando a capital a outras cidades e conectando a produção de café com o porto de Santos para sua exportação. Portanto, quando a indústria começou a se desenvolver mais fortemente em São Paulo, áreas do entorno das ferrovias foram eixos de desenvolvimento urbano para novos bairros que iam surgindo. Essa mudança econômica possibilitou novas formas de ocupação do território, o que fez com que a cidade de São Paulo passasse de 65.000 habitantes em 1890 a 500.000 em 1915. Os novos moradores da cidade viviam em vilas operárias, cortiços ou edículas, em sua maioria. Houve um processo de periferização do território, com os novos residentes tendo que se deslocar para chegar aos seus locais de trabalho. A E. F. São Paulo Railway se estendia por um lado para sudeste, passando por São Caetano (que na época, ainda fazia parte do município de Santo André) e por outro para o interior, passando por Jundiaí; a E. F. Sorocaba Railway conectava o oeste do estado, e passava por bairros hoje tidos como antigos bairros operários, como Osasco (hoje município autônomo), 60
Lapa e Vila Leopoldina, enquanto a E. F. Central do Brasil ligava a região à leste do centro, incluindo o município de Mogi das Cruzes. Esses foram grandes eixos para o crescimento da cidade. A cidade também crescia sensivelmente no sentido Sul, porém não graças à presença de ferrovia, mas sim por causa das avenidas Domingos de Morais, que fazia ligação com Vila Mariana e Saúde, e Conselheiro Rodrigues Alves, que ia em direção à Santo Amaro, que naquela época era outro município. Durantes os anos 1920 foi também quando surgiram os Tramways, que ligavam o centro com a região norte, uma das linhas se dirigindo para a Cantareira e outro indo para Guarulhos. São Paulo, em meados do século XX, já tinha uma escala metropolitana (imagens 2 a 5), e isso foi só impulsionado pela introdução do carro no território nacional. O desenvolvimento já não estava mais preso às ferrovias e suas estações, e foi então que todos e qualquer espaço desocupado entre os grandes eixos de desenvolvimento começaram a ser preenchidos, rapidamente, pela migração extensiva que ocorria em direção a São Paulo. É também durante a primeira metade do século XX que são realizadas grandes obras de infraestrutura, como o tamponamento do rio Anhangabaú e a canalização do rio Tamanduateí. Também houve a melhoria dos serviços públicos, alguns por iniciativa do governo estadual, alguns por meio de capital estrangeiro, e outros ainda através do governo federal. O escopo de trabalho do município havia sido ampliado na república, e em geral consistia no controle da beleza das ruas, dos parques e jardins, e outros serviços de construção civil. Foram nas décadas de 1920 e 30 que os automóveis começaram a ganhar cada vez mais espaço na cidade, e o ônibus começou a superar o bonde. As áreas centrais começaram a passar por um processo de verticalização onde os parques e jardins eram grandes espaços de comércio e encontro da população 61
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Imagens 2, 3, 4 e 5 - Mapas de São Paulo e proximidades. 1914 e 1924 (pág. anterior), 1943 e 1951 (esta pág.) Fonte: Portal histório demográfico da SMDU, disponível em: http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/index.php
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em geral. Na periferia os lotes eram apertados e com edifícios colados uns nos outros, construídos com materiais baratos, e os bairros não apresentavam espaços livres qualificados, o comércio se distribuía, praticamente, na avenida principal que cortava o bairro. E essas tendências prolongaram-se nas décadas seguintes de 1930 e 1940. A retificação dos rios Tietê e Pìnheiros foram acompanhados pela construção das respectivas avenidas marginais, prontas até os anos 60 (vale ressaltar que na época, existia o projeto para que as marginais do Tietê virassem um grande parque urbano, porém este projeto não foi feito em detrimento da criação das grandes avenidas). Foi também nesse período, principalmente após a crise de 1929, que houve uma maior diversificação da indústria paulista, com grandes montadoras internacionais vindo para o estado e estabelecendo-se não só na capital, como também na região do seu entorno. O ABC crescia com a indústria metalúrgica, produzindo peças para a indústria automobilística e de bens duráveis. Aumentava-se o território urbanizado, e começavase a construção de grandes rodovias que ligariam São Paulo ao resto do país. Os antigos bairros industriais como Brás e Mooca viam sua decadência já que a indústria migrava para os municípios vizinhos, se instalando próxima às novas estradas. Essas novas conexões agora traziam um intenso trânsito de caminhões para dentro da metrópole, sobretudo para a capital. O sistema de ônibus tornou-se prioritário no transporte público, que no entanto, ainda era deixado de lado em favorecimento do carro. No final dos anos 60, a cidade já estava congestionada e procuravam-se projetos para desafogar o tráfego. Foi durante essa época também, entre 1930 e 1960, que muitos municípios tornaram-se autônomos, como por exemplo Osasco, que se separou da capital e São Caetano do Sul, que se separou de Santo André. A RMSP ganhava forma 64
graças ao grande processo migratório que ocorria no país. As pessoas que agora formavam São Paulo não eram mais somente os imigrantes europeus, mas sim uma grande mescla de pessoas de todo o país. Crescia a favelização nas cidades; as antigas periferias agora eram bairros centrais, e as novas periferias cresciam “às custas do trabalho de seus moradores” (Reis, 2004, p.199). “A vida cotidiana de boa parte dos habitantes da região metropolitana se organizava em mais de um município” (Reis, 2004, p.210). Essa era a nova realidade dos municípios da região, possibilitada pelas novas rodovias e linhas de ônibus; a população agora residia em um município, trabalhava em outro e ainda cruzava mais outros em seu deslocamento diário. Antigos bairros tinham sua cara completamente alterada e muitos entravam em decadência, o que ocorreu com o centro da capital, por exemplo. Novos bairros surgiam e se conectavam à malha da cidade. Acontece uma “monumentalização” na cidade, onde os espaços de compra, antes espalhados, tornamse grandes shoppings centers, os espaços de morar, por sua vez, acabam se prendendo em condomínios. As distâncias aumentam, porém as novas tecnologias e novas conexões aproximam locais que antes eram distantes.
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5.2 A legislação e os planos que envolvem a RMSP Em 1973, a região fica oficializada pela Lei Complementar Federal nº 14, com 37 municípios na época (hoje com 39), firmando o desenvolvimento da metrópole como parte do escopo do estado, e não dos municípios pertencentes. Porém, esta não é a primeira legislação que agrupa os municípios em uma mesma área. O Decreto Estadual N.47.863, de 29 de março de 1967 cria a “Grande São Paulo” (termo até hoje usado no dia-a-dia), apontando diversos conceitos teóricos e políticas a serem implantadas na região em suas considerações iniciais: “1.º) - que a área metropolitana de São Paulo assume hoje em dia importância nacional não apenas pelo porte da sua população
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e pela importância das funções econômicas, administrativas e sociais que concentrou, [...]; 2.º) - que o crescimento anárquico das áreas urbanizadas, centradas no Município da Capital, bem como o atraso dos equipamentos e serviços de infraestrutura bloqueiam o funcionamento da metrópole, [...]; 3.º) - que cerca de 40% da população do Estado se concentra hoje na região conhecida como “Grande São Paulo”, tendo suas condições de vida fundamentalmente afetadas pela deficiência dos serviços metropolitanos de saúde educação, transportes ou abastecimento, [...]; 4.º) - que é indispensável todavia integrar e harmonizar as soluções parciais até agora aventadas individualmente pelos diferentes órgãos públicos, compatibilizando programas e prioridades dentro de um plano do conjunto [...]; 5.º) que o Estado, responsabilizando-se por parcela fundamental dos serviços públicos dos quais depende a metrópole [...] está habilitado a elaborar, na real dimensão dos problemas metropolitanos, o Plano para todo, da Grande São Paulo, cuja função integradora será fundamental para todos os planos parciais [...]; 6.º) - que o Governo do Estado, ao assumir a responsabilidade que lhe cabe ante êsses problemas atende ao dispositivo constitucional, que valoriza o planejamento de Áreas Metropolitanas indo ao encontro das iniciativas já tomadas pelos Municípios da Região [...]; 7.º) - que é indispensável uma elaboração cuidadosa a fim de se definirem as estruturas administrativas mais adequadas para sustentar o processo contínuo de planejamento da Área Metropolitana, [...] devendo ainda incorporar a participação de segmentos verticais e horizontais da população;” (Grifos meus)
Como vemos, esse decreto embora parta do entendimento sobre diversas das dificuldades criadas em uma região metropolitana pelo descompasso de diferentes governos municipais, acaba deixando a desejar quando tentase estabelecer uma igualdade maior entre o poder do governo estadual e dos municípios pertencentes à Grande São Paulo.
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Este decreto ainda cria o “Conselho de Desenvolvimento da Grande São Paulo” e o “Grupo Executivo da Grande São Paulo - GEGRAN”. O conselho seria composto por representantes do governo estadual, dos municípios que compõem a área e outros grupos, como o Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB e o Instituto de Engenharia. Já o GEGRAN teria seu colegiado composto por representantes das secretarias do estado, e somente um representante da capital, sem representante dos outros municípios. Enquanto o primeiro tinha como objetivo “apreciar e sugerir em seus elementos essenciais tôdas as medidas tendentes a implantar e aperfeiçoar o Sistema de Planejamento da Grande São Paulo”, o segundo tinha um caráter mais pró-ativo, “promover a elaboração e aprovar o Plano Estadual da Grande São Paulo (...) definir e promover a implantação do Sistema de Planejamento da Grande São Paulo, explicitando as formas operacionais de colaboração entre as diferentes esferas e setores do poder público (...)”. De acordo com a publicação em diário oficial na época, os órgãos necessitariam de uma perfeita harmonia para trabalhar em conjunto, uma vez que o conselho seria o aprovador das propostas do GEGRAN (imagem 6). Considerando o momento histórico tratado - a ditadura militar - o “alinhamento” das prefeituras, principalmente a da capital, com o governo do estado acontecia de forma muito mais fácil e o retro-apoio que as entidades recebiam facilitava o seu trabalho e a criação de planos. Em 1971 é entregue o PMDI, Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado. O PMDI teve como base teórica dois documentos, o primeiro eram as pesquisas de Louis-Joseph Lebret, o Padre Lebret, auxiliado por sua equipe, a SAGMACS, as quais tinham um tom humanista e focavam no estudo das populações que residiam na metrópole, apontando os problemas causados pela grande extensão territorial urbana e o número muito grande de habitantes, que passavam o que era considerado 68
Imagem 6 - Páginas do diário oficial de 1967.
Fonte: Blog Linha d’água, disponível em: https://titochi.wordpress.com/2014/10/25/regiao-metropolitana-de-sao-paulo-rmspinstalado-o-conselho-de-desenvolvimento-da-grande-sao-paulo/
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ideal; o segundo era o Plano Urbanístico Básico (PUB), dos anos 1967/68 que era uma primeira resposta para a nova configuração metropolitana que a região demonstrava, e tinha uma visão menos hostil sobre o tamanho populacional da cidade, e mais ampla no intuito de proporcionar oportunidades de desenvolvimento dentro do território da metrópole (imagem 7). O PMDI portanto criava diretrizes dentro de diversas facetas, como a estruturação do espaço metropolitano com a concentração da expansão no sentido Leste/Oeste e barrando a ocupação Norte/Sul na defesa dos mananciais, o assentamento da população, focando o aumento da densidade nos centros e ocupação dos vazios nas periferias, a ocupação e o uso do solo, e os espaços abertos, visando a preservação e valorização das paisagens da metrópole. O plano tinha um aspecto que conjugava várias das linhas de pensamento predominantes da época e discutia suas propostas sobre a ótica daquilo que achava-se que deveriam ser as funções metropolitanas - as questões que seriam de escopo da metrópole - e propunha a criação de uma estrutura básica de funcionamento para o planejamento nesta escala, com órgãos colegiados e executivos. No mesmo ano, 1971, também era entregue o PDDI, Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, primeiro plano diretor aprovado em lei do município de São Paulo e que também seguia na mesma mão da SAGMACS e principalmente do PUB, usando o plano como uma base para suas proposições (imagens 8 e 9). O PDDI também abordava o planejamento com uma visão reguladora da expansão urbana e zoneamento, e portanto ia na mesma linha do PMDI. De acordo com uma entrevista em maio de 2015, Benjamin Adiron Ribeiro, um dos autores do PDDI, para o portal Vitruvius, o plano na verdade não tinha uma visão travada: “O PDDI era um plano integrado, a orientação era que o
70
Imagem 7 - PUB como manchete de jornal da ĂŠpoca
Fonte: Acervo do jornal EstadĂŁo, disponĂvel em: http://acervo.estadao.com.br/noticias/ acervo,planos-urbanisticos-de-sao-paulo-nao-foram-adiante,9639,0.htm
71
planejamento urbano tinha de ser 1º contínuo; 2º, tinha de ser dinâmico, constantemente se atualizando, e não a cada dez anos, mas constantemente; e tinha de ser integrado, tinha de colocar como interdependentes todas as funções urbanas” (http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ entrevista/16.062/5523?page=4%2011/11/16 acessado em 11/11/2016).
Essa época foi um despontar da discussão sobre o planejamento urbano, que culminou na produção de muitos planos, porém não resultou na implantação de nenhum. São Paulo tinha por anos crescido de forma desordenada e a discussão acumulada sobre o ambiente urbano da metrópole acarretou numa imensa produção intelectual que não teve tempo para progredir. Em 1973, a federação, que já prestava atenção nas regiões metropolitanas há algum tempo, passa a Lei Complementar Federal 14/73. Essa lei tem um teor mais conservador no que diz a respeito das responsabilidades metropolitanas, e tem um foco no desenvolvimento das regiões como pólos econômicos nacionais. Em cumprimento à essa lei, o governo do estado passa a Lei Complementar Estadual nº 94, em 29 de maio de 1974. São criados os dois conselhos mencionados na lei federal: o CODEGRAN (Conselho Deliberativo da Grande São Paulo), unidade deliberativa e normativa e o CONSULTI (Conselho Consultivo de Desenvolvimento da Grande São Paulo), unidade consultiva. Além destes dois conselhos, são criados também a EMPLASA (Empresa Metropolitana de Planejamento) que realizaria a parte técnica e executiva, e a Secretaria dos Negócios Metropolitanos (esta, só em 1975, por decreto), que seria uma unidade coordenadora. Além disso, foi criado o Fundo Metropolitano de Financiamento e Investimento, o FUMEFI, que funciona até hoje como parte de uma subsecretaria do governo do estado, supervisionado pelo Conselho de Orientação. De acordo com o site, 72
Imagem 8 - Malha viária proposta pelo PUB
Imagem 9 - Malha viária proposta pelo PDDI
Fonte: Portal Vitruvius, disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/07.082/259
73
“O FUMEFI tem por finalidade financiar e investir em projetos de interesse da Região Metropolitana de São Paulo. Suas operações são formalizadas por Instrumentos de Liberação de Crédito, (...) celebrados pelo Agente Financeiro, o Banco do Brasil, com as Prefeituras Municipais Beneficiárias (...). Os repasses financeiros decorrentes dos contratos BB/FUMEFI são realizados parceladamente, mediante Pareceres Conclusivos da EMPLASA, na qualidade de Agente Técnico, emitidos a partir de valores documentalmente apresentados pelas Beneficiárias, correspondentes aos serviços efetivamente executados (...).” (Subsecretaria de Assuntos Metropolitanos, acessado em 14/11/2016).
Os órgãos então fecham um triângulo de “Planejamento”, “Gestão” e “Financiamento”, compondo o Sistema de Planejamento e de Administração Metropolitano (SPAM, também instituído em 1975, pelo Decreto Estadual nº 6.111). Porém, a partir deste momento e por muitas décadas, a conexão entre planejamento e gestão foi perdida, o que exploraremos mais a fundo no capítulo seguinte. É importante perceber o fato de não ter existido nenhum plano, até os dias de hoje, tão relevante quando o PUB, ou o PMDI, em relação à escala metropolitana. Diferentes órgãos criaram planos de forma setorizada, como o PITU2020 (1999) e mais recentemente o PITU2025 (2006), as cidades fizeram planos diretores específicos para seus territórios e foram criadas novas leis que influenciavam no território metropolitano, como a Lei de Proteção aos Mananciais (1976, reformada em 1997) e a Lei Estadual de Recursos Hídricos (1991). Foi somente no começo desta década que houve uma tentativa de reorganização da Região Metropolitana como unidade do território estadual, pela Lei Complementar Nº 1.139 de 16 de junho de 2011. Altera o nome oficialmente de Grande São Paulo para Região Metropolitana de São Paulo, RMSP e dita alguns objetivos para a reorganização: “I - o planejamento regional para o desenvolvimento
74
Mapa 2 - DivisĂŁo Socioocupacional RMSP
75
Sudeste
Leste
Norte
Oeste
Sudoeste
Capital
socioeconômico e a melhoria da qualidade de vida; II - a cooperação entre diferentes níveis de governo, mediante a descentralização, articulação e integração de seus órgãos e entidades da administração direta e indireta com atuação na região, visando ao máximo aproveitamento dos recursos públicos a ela destinados; III - a utilização racional do território, dos recursos naturais e culturais e a proteção do meio ambiente, mediante o controle da implantação dos empreendimentos públicos e privados na região; IV - a integração do planejamento e da execução das funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região; V - a redução das desigualdades regionais.”
A lei ainda separa em 5 subregiões os municípios, já o total de 39 conhecidos hoje, com São Paulo fazendo parte de todas as regiões por ser o polo central (mapa 2): I - Norte: Caieiras, Cajamar, Francisco Morato, Franco da Rocha e Mairiporã; II - Leste: Arujá, Biritiba-Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel e Suzano; III - Sudeste: Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul; IV - Sudoeste: Cotia, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista; V - Oeste: Barueri, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do Bom Jesus e Santana de Parnaíba. A lei ainda cria o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo (CDRMSP) e um Conselho Consultivo, extinguindo o CONDEGRAN e o CONSULTI. Ambos os conselhos eram mais igualitários comparados aos seus antecessores, com o CDRMSP possibilitando uma maior participação dos municípios e o novo Conselho Consultivo da 76
RMSP proporciona a participação de membros da sociedade civil. Cria também o Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana, que tem por objetivos: “I - financiar e investir em planos, projetos, programas, serviços e obras de interesse da Região Metropolitana de São Paulo; II - contribuir com recursos técnicos e financeiros para: a) a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento socioeconômico da Região; b) a elaboração de estudos, pesquisas e projetos, objetivando a melhoria dos serviços públicos municipais considerados de interesse comum; c) a redução das desigualdades sociais da Região.”
Este Fundo assume, assim que completamente instalado, as atividades do FUMEFI. Em 2013 também, a Secretaria de Desenvolvimento Metropolitana transformase na Subsecretaria de Desenvolvimento Metropolitano, subordinada à Casa Civil; e a EMPLASA (agora como Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano), pelo Decreto Estadual Nº 57.349, de 20 de setembro de 2011, é designada a exercer, em caráter temporário, as funções da Secretaria Executiva do CDRMSP. Em resumo, a estrutura de planejamento da RMSP se configura com o conselho de Desenvolvimento da RMSP respondendo à subsecretaria de Desenvolvimento Metropolitano, e a EMPLASA como auxiliadora do processo de planejamento (Organograma 1). Os conselhos consultivos servem como articuladores dos municípios para sua contribuição ao CDRMSP e as câmaras temáticas e câmaras especiais são formas de aproximação de diferentes questões que dizem respeito à metrópole. Em 2013, o prefeito Fernando Haddad é eleito presidente do Conselho de Desenvolvimento da RMSP e a retomada do planejamento metropolitano pela realização do PDUI é iniciada. Este processo será discutido mais para frente no trabalho. 77
Organograma 1 - Composição do sistema de Planejamento da RMSP em 2014.
Secretaria Estadual da Casa Civil EMPLASA Subsecretaria de Desenvolvimento Metropolitano
Conselho de Desenvolvimento da Região (CDRMSP)
Agência Metropolitana
Fundo de Desenvolvimento da RMSP
Conselhos Consultivos
• Subregião Norte • Subregião Leste • Subregião Sudeste • Subregião Oeste • Subregião Sudoeste
Câmaras temáticas • Saúde • Mobilidade • Poluição Ambiental • Cultura • Defesa Civil • Educação • Esporte e Lazer • Habitação • Transporte • Etc.
Câmaras especiais • Aeroporto • Copa do Mundo
Fonte: http://www.sdmetropolitano.sp.gov.br/portalsdm/conselhos_sp_camaras.jsp retirado de Denizo, 2015.
78
5.3 A situação atual da RMSP: dados e mapas Esta parte do trabalho tem como objetivo abraçar a discussão sobre o processo histórico de formação da RMSP com dados atuais sobre a situação da metrópole, tendo em vista também as discussões que serão feitas nos próximos capítulos. Primeiramente, exploraremos dados sobre a população, apoiando principalmente em um estudo de 2008 do Observatório da Metrópole sobre as regiões metropolitanas, o volume 3 é especificamente sobre a de São Paulo. O estudo trabalha com oito categorias socioocupacionais, que são traduzidas em cinco tipos de municípios diferentes na RMSP: “popular”, “operário tradicional”, “operário industrial”, “elite industrial” e “tipo agrícola”. De maneira geral, esta classificação ajuda a compreender qual o 79
papel de cada município dentro da metrópole. O mapa 3 nos mostra quais municípios pertencem a qual tipo. O tipo “popular” são municípios com grande parte da população alocada nas atividades agrícolas e operários da construção civil ou da sobrevivência, e as moradias são predominantemente agrícolas. O tipo “agrícola” leva a densidade de trabalhadores agrícolas ao máximo dentro da RM, também com muitos trabalhadores de sobrevivência e pouca atividade industrial. O tipo “operário tradicional” tem grande quantidade dos seus trabalhadores dentro da indústria secundária relativa aos outros tipos, sendo a maior parte na indústria tradicional ou na construção civil. O tipo “operário moderno” tem grande porcentagem de sua população trabalhando na indústria secundária, com foco na indústria moderna e com menos operários na indústria tradicional. O tipo “elite industrial” são os municípios que foram o berço da indústria metalúrgica e embora tenha grande quantidade de trabalhadores na indústria moderna, a densidade de elites (intelectual e dirigente) e classe média a separa do tipo anterior. Tabela 1 - Populações do M. SP, RMSP e E. SP
Ano
M. SP.
RMSP
E. SP.
Porporção MSP/RMSP
1980
8.587.665
12.588.745
25.375.199
68,22
33,84
49,61
1991
9.610.659
15.369.305
31.436.273
62,53
30,57
49,40
2000
10.435.546
17.878.703
37.032.403
58,37
28,18
48,28
2010
11.253.503
19.683.975
41.252.162
57,17
27,28
47,72
Tabela acima - Fonte: IBGE, 1980, 1991, 2000 e 2010. Mapa ao lado: Fonte: Observatório das metrópoles, 2009.
80
MSP/ESP
RMSP/ESP
81
Mapa 3 - Divisão Socioocupacional RMSP
Elite Industrial
Operário Moderno
Operário Tradicional
Popular
Agrícola
Polo
A tabela 1 mostra a proporção entre os dados de população através dos anos. Podemos perceber uma diminuição na proporção da população entre a capital e a região metropolitana, indicando um desenvolvimento mais uniforme dos municípios, diferente do que víamos nos anos 60. Observando as próximas tabelas (2 e 3), concluímos também que o crescimento é maior nos municípios com nível de desenvolvimento econômico menor, porém no geral acontece em área urbana. Tabela 2 - Taxas de crescimento populacional Tipo de Município
Pop. 1991
Pop. 2000
Taxa (em %)
Agrícola
29.192
39.010
3,27
Popular
800.249
1.107.060
3,67
Op. Tradicional
900.340
1.308.109
4,12
Op. Moderno
2.688.810
3.422.777
2,72
Elite Industrial
1.371.165
1.567.465
1,50
Pólo
9.646.185
10.435.546
0,88
TOTAL
15.446.932
17.881.997
1,64
Tabela acima - Fonte: IBGE, 1991, 2000. Retirado de Observatório da Metrópole, 2009. Tabela 3 - Crescimento da pop. urbana e rural Tipo de Município
Diferença
Rural
Urbana 1991
2000
1991
2000
Urbana
Rural
Agrícola
23.486
31.519
9.689
11.491
8.034
1.802
Popular
741.114
1.039.960
49.135
67.100
288.846
17.965
Op. Tradicional
891.383
1.287.188
17.957
20.921
395.805
2.964
Op. Moderno
2.675.841 3.394.311
12.969
28.466
718.470
15.497
Elite Industrial
1.359.767 1.555.535
11.398
12.260
195.468
862
621.065
400.293
287.774
Pólo TOTAL
9.412.894 9.813.187 233.291 15.114.484 17.121.400
334.439
761.303 2.006.916 426.864
Tabela acima - Fonte: IBGE, 1991, 2000. Retirado de Observatório da Metrópole, 2009.
82
Vários apontamentos diferentes podem ocorrer destes dados, mas é necessário, acima de tudo, ressaltar que o crescimento da população urbana nestes municípios demonstra a crescente conectividade dentro do território metropolitano, possibilitando novos residentes nos municípios mais afastados do polo central; há uma desconcentração econômico-espacial e os municípios do entorno da capital começam a tornaremse parte do polo com a população se espalhando cada vez mais por outros municípios. O mapa 4 mostra que em 2000, chegavam mais migrantes para os municípios do entorno da RMSP do que para a capital. Mapa 4 - Migrantes (%), 2000 - RMSP
31 ou mais 25 a 31 Menos de 25
Fonte: Observatório da Metrópole, 2009.
83
Essa tendência é resultado de uma melhoria em várias da cidade do entorno, no quesito econômico-social, os mapas 6 e 7 mostram, porém, que ainda existe uma enorme discrepância entre os municípios que circundam a capital. Mapa 5 - Diferença entre o PIB per capta dos municípios da RMSP e PIB per capta nacional (em mil R$), 2010 - RMSP
+20,00 0 a 20,00 -20,00 a 0 Fonte: IBGE, dados retirados de Boletim Metropolitano de Conjuntura Social e Econômica. Mapa 7 - IDH Municipal, 2010 - RMSP
+0,85 0,80 a 0,85 0,75 a 0,80 -0,75 Fonte: IBGE, dados retirados de Boletim Metropolitano de Conjuntura Social e Econômica.
84
Para analisar os padrões da economia dos municípios, é necessário analisar a ocupação de suas populações (mapa 8), aliando os dois tem-se uma ideia de padrões de desenvolvimento dentro da RMSP nos últimos anos. Mapa 8 - Taxa de Ocupação por Município - 2000 - RMSP
82 ou mais 75 a 82 Menos de 75 Fonte: IBGE, dados retirados de Observatório da Metrópole, 2009.
Os municípios com maior taxa de ocupação da população são também os que recebem menos migrantes, apresentam mercado de trabalho menos diversificado, com foco em menor número de diferentes atividades. Em suma, isso mostra que embora a região tenha diminuído a sua grande disparidade sócio-econômico entre os municípios, ainda existem existe uma grande lacuna entre os municípios com maior poder econômico e aqueles com uma economia menos desenvolvida. A RMSP continua como um grande polo econômico no cenário brasileiro, demonstrado pelo quadro seguinte (4). E, ao mesmo tempo, ele mostra o quão São Paulo ainda é o município mais à frente economicamente na região, com 85
seu PIB em 2013 representando mais que metade do total do PIB da metrópole. Mesmo assim, a diferença está diminuindo entre a capital e os outros municípios, o que é um bom sinal se quisermos uma região metropolitana mais igualitária. Outro número que diminui pela tabela é a porcentagem da participação da RMSP no PIB nacional, decorrente principalmente do despontar de outras áreas do território brasileiro como zonas de interesse econômico, e o PIB ter voltado-se novamente para a agropecuária nos últimos anos. Tabela 4 - PIB, 2010 a 2013 em R$ (milhões) Unidade Territorial
2010
2011
2012
2013
Brasil
3.885.847
4.373.658
4.805.913
5.316.453
Estado de São Paulo
1.294.649
1.434.735
1.554.748
1.708.221
RMSP
736.254
814.511
875.690
947.608
Mun. de São Paulo
446.958
495.708
533.373
570.706
Fonte: IBGE/SEADE
Todas essas estatísticas reafirmam a necessidade de tratar a metrópole como região única. Vemos que os municípios têm uma interdependência e somente dentro da ideia de uma governança metropolitana é que podemos sanar os déficits de desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes áreas da metrópole. A falta de cooperação cria acima de tudo, gestões dicotômicas entre os municípios e causa à população grandes perdas, pois não os organiza a integração dos serviços de interesse comum. O próximo capítulo entrará mais a fundo na metrópole de São Paulo, explorando como é tratado um desses serviços de interesse comum, que no caso, será o de transportes.
86
6 Anรกlise do transporte e da mobilidade metropolitanos
Este capítulo abordará uma das funções públicas de interesse comum (FPIC): o transporte metropolitano. Entender os problemas do transporte metropolitano não significa entender os problemas da metrópole como um todo, porém, considerando a capacidade transformadora do transporte, além do seu peso histórico na construção da metrópole que temos hoje em dia, podemos ter um bom panorama de uma das facetas que caracterizam a vida metropolitana: o deslocamento diário entre diversos locais, e como o espaço urbano intermunicipal dá a este deslocamento características próprias, e vice-versa, como este deslocamento acaba caracterizando o espaço urbano de diversas maneiras. Para isso, primeiro seguiremos olhando para um histórico mais recente dos planos e das companhias que fizeram o papel do transporte da população entre os diferentes territórios da metrópole.
91
6.1 Histórico do transporte metropolitano Para fazer este estudo, foram selecionados alguns pontos mais relevantes a se discutir, portanto este panorama acaba tendo um viés caracterizado pelas empresas que faziam o transporte de pessoas cruzando as divisas municipais e conectando grandes áreas, ou que, quando não fazem, deveriam fazer. Além disso, focarei também no transporte de passageiros, e não de carga, podendo ser ele individual ou coletivo. E, para iniciar essa caminhada, o Plano de Avenidas de Prestes Maia (imagem 10). O plano, publicado em 1930, se analisado por um caráter técnico, trazia para o cenário paulistano uma proposta com muitas referências estrangeiras, como explica Leme (1990), dentre elas o sistema de radiais e 92
perimetrais de Stübben e o perímetro de irradiação de Eugene Hénard. Porém, uma análise técnica não nos basta dentro do cenário metropolitano. A época em que este plano é inserido influi muito em seu entendimento. A indústria automobilística instalavase no território e crescia diariamente o número de usuários do meio motorizado. O carro na época, era visto como o meio de transporte do futuro, e por consequência, as cidades deviam adaptar-se à essa nova modernidade. O Plano de Avenidas foi transformador do espaço urbano de São Paulo, e acabou estruturando também o cenário metropolitano. As suas propostas que criavam o perímetro de irradiação, com o propósito de desafogar o centro, e as avenidas radiais com propósito de conectar o centro às outras partes da cidade acabam por delimitar padrões de expansão para a área urbana e ao mesmo tempo, limitar outras possibilidades de conformação da malha urbana. Veremos o impacto disto mais para frente. Imagem 10 - Plano de Avenidas de Prestes Maia, 1930
Fonte: Portal Vitruvius, disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/07.082/259
93
A partir do momento que o plano começa ser implantado, principalmente no momento que o próprio Prestes Maia torna-se prefeito da capital (1938 a 1945), fica clara a mudança na paisagem da cidade: as novas avenidas que cortam os bairros e o início da construção de grandes edifícios no centro fazem com que a cidade cada vez mais parecesse com os cenários americanos, contrapondo-se ao caráter europeu que por tantos anos buscou. Não podia ser mais clara a natureza rodoviarista de todo o plano, e ele acaba sendo, mesmo com todas suas alterações, um dos poucos planos que conseguiu ser implantado na história do município. Já no final do mandato de Prestes Maia, as novas avenidas estavam lotadas, e a poluição da cidade aumentava. Os motivos para que isso acontecesse foram vários: o automóvel tornava-se o maior protagonista uma vez que era uma época onde o transporte público esvaia da cidade. No próprio plano, Maia era contra a renovação do contrato da Light, empresa de bondes do município. O sistema de bondes será “municipalizado a partir de 1947 com a criação da CMTC” e acaba deixando de se expandir “sendo considerado na época como obsoleto” (Reis, 2004, p. 195). Além disso, nessa época, são construídas grandes auto-estradas que conectam São Paulo a Santos e o resto do país, aumentando o número de caminhões que passa pela cidade. O projeto rodoviarista andava, enquanto a metrópole parava. É também neste momento que a frota de bondes vai sendo trocada pela de ônibus, o que contribui para o aumento da poluição. Estes ônibus eram operados pela CMTC Companhia Municipal de Transportes Coletivos até o final da década de 50, quando houve fim do monopólio estatal e outras empresas entraram no mercado do transporte coletivo, o que gerou uma grande perda para a CMTC nos anos seguintes. As décadas seguintes são caracterizadas por uma atuação de diferentes equipes no planejamento da capital, sem muitas respostas aos problemas, e cada vez maior declínio no 94
transporte público da capital, sem contar o transporte público metropolitano. Os planos que se seguiram, em sua maioria, davam respostas rodoviaristas para problemas rodoviaristas, como vimos com o PUB e o PDDI. Porém, foi com estes planos e a retomada do olhar para a metrópole que em 1977 é criada a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), que em 1980 é anexada à EMPLASA, sendo recriada em 1987 por decreto estadual. A EMTU foi criada como empresa fiscalizadora dos ônibus intermunicipais e pouco a pouco passou a empresa gerenciadora. Hoje em dia é uma das empresas responsáveis pelo transporte metropolitano, controlando o transporte de média capacidade. As linhas da EMTU servem como conexões importantes entre áreas centrais dos municípios e estações de outras modalidades de transporte, como o metrô e a CPTM. Seu principal trecho na RMSP é o corredor ABD (também conhecido como São Mateus - Jabaquara), conectando o bairro de São Mateus na Zona Leste ao Jabaquara, na zona Sul, passando por Mauá, Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema. Na mesma década da criação da EMTU, foi quando começaram as primeiras viagens do metrô de São Paulo. Sendo que a primeira linha aberta foi a linha 1 - azul, só no trecho Jabaquara-Saúde, em 1972, e posteriormente sendo estendida até o Tucuruvi. Contudo, foram vários os projetos para a construção do metrô antes deste trecho começar a funcionar. Um dos primeiros foi um projeto feito pela própria Light, exatamente na época da derrocada do transporte público em favor do automóvel, o que fez que o projeto não fosse aceito pela prefeitura. Posteriormente, até mesmo o próprio Prestes Maia acrescentou o metro em seu plano, porém subjugado ao sistema viário. Foi somente em 1968, com a fundação da Companhia do Metropolitano de São Paulo, que começaramse as obras para o metrô, baseadas em um estudo realizado 95
pelo consórcio HMD, completando anos depois a linha 1 Azul. Em 1979, devido ao alto custos das obras, a empresa é assumida pelo governo estadual, que vem sendo o progenitor das novas linhas de metrô. A segunda linha a ser construída seria a linha 3 Vermelha, que já deixava de lado muito do projeto original, seguindo somente a diretriz da direção leste-oeste, inaugurada em 1979. A terceira linha, a linha 2 - Verde, também abandona o projeto e segue somente a diretriz de percorrer o espigão central, concluída em 1991. Em 2001 se inaugurou a quarta linha, a linha 5 - Lilás, que mantém-se até hoje como um trecho de sua extensão projetada, não se conectando com as outras linhas. A última linha a ser inaugurada é a linha 4 - Amarela, em 2011, conectando o Butantã ao centro e criando estações de transferências nas três linhas centrais. Embora as linhas conectam um bom trecho dentro da capital, mal podemos considerar o metrô como transporte metropolitano pois não sai do município de São Paulo, indo completamente contra sua lógica e seu próprio nome. Além disso, sua malha concêntrica no final tem a mesma ideia que o plano de avenidas, ligando espaços afastados à centros urbanos estabelecidos, fazendo a manutenção de uma malha urbana entravada. Quando estudarmos o Plano Integrado de Transportes Urbanos - PITU, discutiremos mais a fundo às questões do metrô. O último dos transportes metropolitanos é o sistema de trens, controlado atualmente pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O trem em São Paulo, como já vimos, tem uma história longa, tendo sido o transporte estruturador da metrópole por muito tempo, conectando os municípios do entorno com a capital. Embora tenha passado por um processo de modernização no séc. XXI, muitas das linhas seguem o mesmo caminho desde o século XIX. Um dos pontos importantes de toda sua história foi a criação da FEPASA (Ferrovia Paulista S.A.), em 1971, unificando várias das estradas de ferro controladas pelo governo do estado 96
dentro de uma só companhia. Embora a FEPASA tenha sido posteriormente somada à Rede Ferroviária Federal (RFFSA), após várias tramitações na escala federal, os trechos urbanos voltaram para o controle estatal através da CPTM em 1992. Hoje são seis linhas que espalham-se por um pedaço do território metropolitano, sendo que a linha 7 conecta o centro à parte norte da RMSP, extrapolando os limites e indo até Jundiaí. A linha 8, vai do começo da Zona Oeste, quase centro, até Itapevi, conectando outros quatro municípios no caminho. A linha 9 conecta o município de Osasco com a Zona Sul, a linha 10 conecta a Zona Leste com o Grande ABC paulista, e a linha 11 conecta a capital com os municípios à leste, até Mogi das Cruzes, atravessando toda a Zona Leste. A linha 12 serve como apoio de conexão da Zona Leste de São Paulo, chegando até Itaquaquecetuba e Poá. Estes três modos de transporte são, hoje em dia, os modos mais abrangentes de deslocamento metropolitano, e o mapa 9 mostra o alcance de cada um. Nota-se uma grande diferença na área de abrangência de cada um dos modos. Este panorama nos serve para discutir melhor o PITU, assunto do próximo subcapítulo.
97
Mapa 9 - Estrutura de Transporte da RMSP
Linha de trem urbano
Linha de metrĂ´
Corredores de Ă´nibus
Fonte: LUME FAU USP
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6.2 O PITU 2020 e o caos do transporte metropolitano Escolhi tratar o PITU 2020 pois ele representa um marco dentro do planejamento metropolitano, sendo discutido exatamente na virada do século. Já existia um certo acúmulo sobre a questão metropolitana, porém ela estava de lado, com a questão urbana sendo tratada principalmente em nível municipal. O PITU 2020 foi um plano que deveria, em tese, guiar o desenvolvimento do transporte metropolitano até o ano referido, com revisões frequentes. Com o objetivo de alcançar uma metrópole competitiva, saudável, equilibrada, responsável e cidadã (São Paulo, 1999, p.20), pretende-se um processo contínuo de planejamento que seja: um processo dinâmico (que incorpora as novas realidades da metrópole), um processo democrático, e um processo 99
completo (que examina do investimento à gestão). Em suma, o plano usa bases de 1997 para estipular possíveis futuros para a RMSP, considerando três cenários econômicos futuros: pleno desenvolvimento, crescimento moderado e estagnação econômica. Utilizando quatro estratégias (investimento em infra-estrutura, medidas de gestão em transporte, medidas de gestão no trânsito para controle do uso do automóvel e política de preços e regulação de tarifa) é desenvolvido um plano para o transporte metropolitano. O plano, no entanto, foca claramente na implantação de linhas metroviárias, que no resumo das proposições, é de longe o maior investimento que seria feito na melhoria do transporte público. A proposta de expansão para a rede metroviária é a denominada “rede aberta” (imagem 11), escolhida a melhor entre outras 2 propostas de redes. A rede aberta tem como objetivo a integração de polos regionais fora dos municípios de São Paulo, integrando diferentes modais e proporcionando novos vetores de ocupação urbana. A sua maior diferença entre as outras propostas é a sua característica de estender as linhas para fora do limite municipal. Além disso, existem propostas para o sistema de transporte por ônibus e melhoramentos no sistema viários, porém ambos em escala menor, menos ambiciosos, servindo principalmente como potencializadores do futuro sistema sobre trilhos. Se compararmos a proposta do PITU com o cenário atual da metrópole, vemos que o que se sucedeu ao plano foi o completo oposto. Isso decorre principalmente pelo fato de que a aposta principal do plano - o metrô de São Paulo - ficou muito aquém daquilo que foi concebido, além de ter tido muitas mudanças nas propostas de linhas durante os anos seguintes do plano. O metro crescia a cerca de 2,5 km. ao ano na sua primeira década de implantação, e desde então só decaiu, chegando à menos de 2 km. ao ano. Isso coloca o transporte sobre trilhos em São Paulo incompatíveis com as possibilidades apresentadas no plano até 2020. Outras 100
propostas também não foram realizadas, como o pedágio urbano no centro de São Paulo e até hoje ainda existem trechos do rodoanel que não foram terminados. Podemos dizer que o PITU 2020 reavivou uma discussão sobre o transporte metropolitano, gerando resultados positivos, como a modernização das linhas da CPTM e o início da construção de novas linhas de metrô. Foi base também para outros planos que resultaram em grandes vitórias para a população, como o bilhete único em São Paulo. Entretanto, com o estatuto da cidade em 2001 e consequentemente os planos diretores municipais das cidades da RMSP, foram trazidos diversos elementos que agora já tornavam o PITU 2020 obsoleto e em 2006 foi formulado o PITU 2025, com dados agora de 2000. Imagem 11 - Sínteze do transporte sobre trilhos e pneus do PITU 2020
Fonte: PITU2020.
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O PITU 2025 foi um plano que tentou unir o planejamento dos transportes metropolitanos com uma visão mais financeiramente viável e consegue propor um caráter mais estruturador do espaço urbano, aliando os transportes com o planejamento do uso e ocupação do solo. Porém é conservador na proposta de modo geral e acaba caindo por terra. Voltando para o PITU 2020, que teve um alcance muito maior do que o seu sucessor, vemos que embora as inúmeras qualidades do plano, considerando vários cenários e propondo um sistema de transportes metropolitano que com certeza supriria muitas das demandas, a sua grande falha foi ficar aquém da possibilidade estruturadora do transporte no território. Embora as propostas tivessem a ideia de criar outros pólos dentro da RMSP, a conexão radial dos desenhos de expansão metroviárias não demonstram a precisão necessária para que isso acontecesse. Bruton (1979, p.7) coloca essa mesma questão como uma crítica aos planejadores: “o nãoreconhecimento e utilização do planejamento dos transportes como um dos muitos instrumentos importantes para dirigir e dar forma ao ambiente urbano”. O fato do plano ter ficado tão longe da sua execução também nos mostra o caos instaurado dentro do planejamento metropolitano. Não só este, porém os inúmeros planos aqui já comentados, em sua maioria, não viram sua implantação por completo e somente partes de suas propostas. A desconexão completa entre o planejamento, a gestão, e o financiamento das diversas facetas da metrópole cria um espaço urbano fraturado.
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6.3 A capacidade estruturadora do transporte para a região metropolitana O transporte, considerado uma FPIC, teria várias possibilidades de pequenas intervenções quando trabalhado na escala metropolitana, porém a falta completa de gestão regional faz com que os municípios não trabalhem conjuntamente para resolverem problemas que não estão concentrados dentro de seus territórios e, portanto, não conseguem ser resolvidos no âmbito municipal. Os mapas a seguir mostram duas facetas da mobilidade: seu efeito na vida das pessoas, pelo tempo que elas demoram em seus deslocamentos (mapa 10) e como ela afeta as cidades, pelo saldo de pessoas que entram e saem todo dia de cada município (mapa 11). Primeiro, falaremos da pesquisa Origem-Destino 103
(OD), realizada pelo metrô, a mais recente em 2007/2008. É uma pesquisa que aponta a origem e o destino das pessoas em suas viagens diárias. Porém, o que essa pesquisa acaba demonstrando é um panorama estático dentro da região metropolitana. Ela não responde à possíveis novas demandas: como o aumento de condomínios combinado com a saída da indústria no ABC influencia o fluxo de pessoas? Como o crescimento populacional dos municípios mais próximos, como Osasco e Taboão, alteram os padrões de viagens? A pesquisa OD é muitas vezes trazida à tona quando se trata do sistema de transportes, porém existe um grande perigo em usála para o planejamento. Primeiro, ela, como já foi dito, tratase de um cenário estático, ou seja, ela não dá conta das novas mudanças de uso do solo que acontecem, e nem acompanha a evolução do mercado imobiliário e do uso do solo. Outro problema importante é o fato dela possibilitar somente uma resposta para este fluxo. Considerando uma emergencialidade, a pesquisa OD é ótima para a formulação de respostas imediatas a um problema de fluxo. Mas isso descaracteriza em grande parte o papel que o transporte tem de modificar o espaço urbano. Bruton (1979, p.23), em seu livro, fala sobre este problema “planejadores de transporte e uso do solo compreenderam o potencial dos transporte em dar forma ao ambiente urbano pela influência da acessibilidade de locais dentro da área urbana”. Quando falamos do planejamento metropolitano, a organização do transporte tem uma grande capacidade modificadora do território. E nesse sentido, podemos usar os transportes metropolitanos para ver quanto a falta de uma gestão metropolitana causa de perdas significativas para todos os municípios dentro da RMSP. Para isso, usarei três exemplos: o metrô, os bilhetes único e bom e as ciclovias novas. O metrô de São Paulo, como já dito, tem crescido em velocidades menores do que no início da sua implantação 104
Mapa 10 - Porcentagem de pessoas que demoram mais de 1h para chegar ao trabalho, 2010 - RMSP
21,1 a 53,6 9,9 a 21
Fonte: IBGE, Atlas do Censo Demogrรกfico 2010. Mapa 11 - Saldo do deslocamento (pessoas), 2010 - RMSP
77.815 a 811.242 0 a 77.815 -26.778 a 0 -80.258 a -26.779 Fonte: IBGE, Atlas do Censo Demogrรกfico 2010.
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nos anos 70/80. Por causa disso, os diversos planos para o metrô, em sua maioria, foram por água abaixo. Hoje em dia o metrô é 100% concentrado dentro da capital, com o primeiro projeto de sua saída em andamento, conectando o aeroporto de Guarulhos. Hoje, sobre o controle o governo do estado, o processo de expansão do metrô não levou em conta os municípios mais próximos da capital que poderiam ter sido incorporados à malha metroviária. Na tentativa de diminuir o custo de expansão da malha, os municípios vizinhos foram retirados do processo de planejamento e o metrô tornou-se um transporte não metropolitano, fugindo completamente do seu objetivo inicial. Podemos ver a diferença que existe quando comparado com a malha de trem, que já existia muito tempo atrás. Embora essa malha não tenha se expandido faz muitos anos, ela não só foi responsável pelo desenvolvimento de muitos dos municípios, como o ABC, como também hoje serve como meio de transporte intermunicipal, ultrapassando as fronteiras municipais. O segundo exemplo que temos é o bilhete único, iniciativa do governo Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo. Em 2004 foi lançado o bilhete na capital, permitindo o usuário a fazer trocas de ônibus pagando uma única tarifa dentro de um período de tempo, além de fazer integração com o metrô e a CPTM e trazer diversos benefícios para certos tipos de usuários, como por exemplo, idosos. Além do bilhete único, na região metropolitana existe o BOM, Bilhete Ônibus Metropolitano, que possibilita o usuário a pagar passagens sem o uso de notas em ônibus intermunicipais, como os da EMTU, e tem aumentado a sua oferta de transferência com algumas linhas da CPTM e do metrô. Embora os bilhetes facilitem o transporte dentro da metrópole, eles ficam muito abaixo da necessidade real da população que usa transporte público. É um exercício fácil para mostrarmos o quanto a falta de um bilhete, que permite transferências entre vários modais, faz: imagine alguém que 106
pega um ônibus municipal em Ribeirão Pires, pagando uma taxa de R$3,50, depois faça transferência para um ônibus da EMTU com o BOM, pagando uma taxa de R$4,50 para chegar na capital, e fazer mais uma transferência para um outro ônibus ou estação metroviária, pagando R$3,90. Só nessa viagem, a qual a pessoa pode chegar a fazer duas vezes por dia, ela gastaria R$11,90. A falta de integração tarifária entre os vários modais dos diferentes municípios prejudica os usuários do sistema público de transporte, e em última instância, incentiva o uso do carro para percorrer distâncias que cruzam fronteiras municipais. A falta de gestão neste caso não possibilita que o usuário de transporte público percorra distâncias realmente metropolitanas, prendendo-o a possibilidades menores de mobilidade, ou o fazendo recorrer a outros métodos de transporte. O que nos leva a um último exemplo, que são as ciclovias. As ciclovias em geral foram um avanço da discussão da mobilidade urbana feita na gestão Fernando Haddad. Mesmo as bicicletas não sendo consideradas um transporte ideal para o tamanho da escala metropolitana, o trabalho conjunto de prefeituras só beneficiaria as populações das cidades próximas, principalmente, quando o sistema é aliado à intermodalidade com terminais de ônibus e estações de trêm e metrô. Um exemplo claro disso é a ciclovia da Av. Eliseu de Almeida que chega até próximo da cidade de Taboão da Serra, mas acaba na divisa, não continuando dentro da cidade vizinha, e que poderia conectar a população de Taboão à estação Butantã do metrô. Vemos, com estes três exemplos, a capacidade que tem o transporte de estruturar a cidade, garantindo a ocupação de novos espaços e proibindo a de outros, pelo simples fato da facilidade ou dificuldade de locomoção. Déak (2010, p.337) fala sobre os benefícios de uma estruturação melhor do sistema de metrô, aliado a outros modais de apoio: 107
“a redução dos diferenciais de preço do solo da aglomeração urbana, isto é, redução dos preços relativos das localizações mais privilegiadas (“preço do solo urbano”), devido ao efeito de homogeneização da acessibilidade na região metropolitana como um todo. Trata-se aqui, na verdade, do instrumento mais efetivo - se não o único - de combate à especulação imobiliária descontrolada”.
O transporte, com seu potencial estruturador, quando planejado e implantado com a intuito de se manter o status quo de uma economia entravada de não a garantir o bemestar da população, gera uma infraestrutura concentrada e deficiente, que beneficia uma elite em detrimento dos outros indivíduos. Porém, quando estruturada de forma a prover maior mobilidade e conectividade aos habitantes, garantindo uma maior reprodução da força de trabalho, nos assegura um território urbano menos desigual. Falta-nos, portanto, entender quais os desafios atualmente presentes para a gestão dos transportes na escala da metrópole.
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6.4 O desafio da gestão dos transportes no âmbito metropolitano Todo este processo que foi abordado até agora nos gera um questionamento: por que a mobilidade urbana por modos coletivos, questão que parece central para diminuir o entrave territorial dentro da RMSP, é deixada de lado pelas gestões e se mantém como supérflua ao invés de central? Tem-se colocado como obstáculo intransponível a falta de investimentos no setor, sempre colocando o metrô como uma infraestrutura cara e que dá pouco retorno. Como Déak coloca em seu artigo de 2006 para “Caros Amigos” (http:// www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/c_deak/CD/3publ/ ev06tr-publ/index.html acessado em 02/12/2016): “Transporte é infraestrutura precisamente por não poder ser
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transformado em mercadoria. A ‘mercantilização’ do transporte é tão-somente um pseudo-conceito do discurso neoliberal.”
Mas isso não significa que o transporte só traga ônus para o estado. Isso fica mais claro quando olhamos para as chamadas “deseconomias” da falta de mobilidade, que são as perdas geradas pelo sistema deficiente que temos hoje em dia. Elas são comprovadas quando olhamos, por exemplo, o tempo perdido, o combustível consumido e a poluição causada anualmente, por causa de congestionamentos. Déak (2010, p.335) aponta que a redução de 30 minutos na viagem diária do trabalhador representa 6,3% da jornada de trabalho. Isso poderia ter vários efeitos diretos ou indiretos, como o aumento da produção ou procura por atividades diversificadas com o maior tempo livre. Vale também lembrar, como Frignani assinala (2012, p.115), que o metrô tem altos índices de durabilidade e menores custos de operação por km/ passageiro. Déak (2010, p.335) em seu texto, ainda aponta que a falta de investimento no setor traria “um virtual colapso das funções de circulação, algo semelhante ao ocorrido nos meados dos anos 1960”. Embora a redação seja originalmente de 1987, essa previsão continua dentro de nossa realidade. O ideal seria que, em 2000, o transporte público absorvesse 56% das viagens motorizadas por transporte coletivo. O metrô, como sistema com maior capacidade estruturadora, deveria responder a boa parte dessa demanda. Era prevista a necessidade de novos 125 km. de metrô em São Paulo até a virada do século, e hoje, mais de uma década depois, temos pouco mais de 78 km. no total. Começamos a perceber o porquê de todos os modais sofrerem de superlotação atualmente. Kiyoto (2010, apud Frignani, 2012, p.115) nos mostra a escala de investimento para que se alcançasse esse número, quando consideramos que se custava entre U$80 e 200 milhões cada quilômetro de linha, e admitindo U$1 bilhão
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de investimentos anuais para o metrô, na melhor das hipóteses, em 10 anos teria-se alcançado os 125 km. De acordo com Frignani, este investimento, em 2012, representava 1,34% do PIB do estado. Essa defasagem entre o ideal e o real se dá, de acordo com Déak (2010, p.335), através dos “atuais níveis agudos de escassez resultantes da ausência de investimentos na infraestrutura urbana em níveis sequer aproximadamente compatíveis com o crescimento urbano”. Essa ausência de se investimentos, no entanto, não se dá por uma falta de recurso do estado ou por serem investimentos muito maiores do que a escala metropolitana comporta, e sim pela manutenção de uma sociedade elitizada com baixos níveis de reprodução social (Frignani, 2012, p.122).
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7 Conclusão: o planejamento e a gestão metropolitana no atual cenário brasileiro e porque o planejamento integrado brasileiro (ainda) não existe.
Quando abordamos a questão do metrô percebemos a falta que faz a gestão integrada metropolitana como meio de garantir que a escala que detém o poder sobre a construção das novas linhas, nesse caso o estado de São Paulo, o faça em uníssono com as necessidades metropolitanas. Isto acaba causando grandes deficiências na sua implantação, principalmente a partir de dois problemas centrais, o primeiro é a concentração do poder decisório em uma escala única, acima da municipal, e o segundo é a não compreensão do tangenciamento entre as escalas metropolitana e local. Um exemplo disso é quando se passa do desenho da linha do metrô para a decisão de onde serão construídas as estações. O Brasil passa por um processo de aprendizagem sobre o associativismo territorial, que na escala regional já teve casos muito díspares. Joaquin Oliveira, no seminário internacional do Plano Diretor Regional do ABC, nos dias 8 e 9 de junho de 2016, falou sobre os dois pilares necessários para a estruturação da gestão em nível regional: o primeiro é a coordenação entre governos e setores, e o segundo é o fortalecimento de capacidades e promoção de “policy learning” (os modos que os diferentes sistemas geram e usam conhecimento sobre a operação e os impactos de políticas) através de níveis de governo. Ao percebermos isso, temos que entender que é muito recente a retomada, por parte dos governos, da discussão metropolitana. Se nos anos 90, com o baixo dinamismo econômico e a crise fiscal houve uma descentralização do poder o que ocasionou uma crescente municipalização, como aponta Mori (1997, p. 271): “Os diversos textos constitucionais se repetiram uns aos outros no tratamento dos municípios como de entidades políticas autônomas — as entidades federadas de terceiro grau — transmitindo a falsa noção de um país que é uma federação de municípios autônomos”.
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Na virada do século, com a recuperação econômica e os avanços no campo social, vimos o cenário nacional se tornar um campo da guerra fiscal enquanto as cidades recebiam grandes investimentos em infraestrutura e passavam por um boom imobiliário. Na década atual, no entanto, ao mesmo tempo que o campo do associativismo territorial se torna mais fértil, se diminui a capacidade de investimentos dos estados e municípios devido à crise fiscal. O Estatuto da Metrópole instituiu, em 2015, a demanda para as regiões metropolitanas desenvolverem Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUIs) em três anos. Os municípios da região metropolitana paulista já iniciaram o processo de formulação do PDUI, e de acordo com o cronograma aprovado, “até o fim de 2016 será finalizado o caderno de sustentação para a minuta do Projeto de Lei do PDUI-RMSP, a ser apresentado à Assembleia Legislativa” (Site PDUI). Esse processo é importante pois introduz uma discussão mais rica sobre a metrópole, com o envolvimento de vários agentes e, no caso da RMSP, diversos municípios cooperando entre si para que todos tenham voz no futuro da metrópole. Essa discussão está muitos anos atrasada, como Klink explica: “após o esvaziamento do planejamento metropolitano tecnocrata, centralista e autoritário, que caracterizava o regime militar, emergiu um vazio institucional (...) a região metropolitana ficou ‘órfã’ no pacto federativo brasileiro” (2013, p.83). Este processo de retomada da discussão acaba exigindo a participação dos municípios envolvidos, pois o destino de todos está em jogo, e cria um ambiente mais democrático onde todos devem ter a sua voz ouvida sobre o futuro de seu território. Em um recente esforço de contribuir com o debate, os municípios de São Paulo, Guarulhos e o Consórcio do Grande ABC formularam um caderno de contribuições à elaboração do projeto do PDUI. Uma discussão importante 116
dentro deste caderno é quais são as reais questões de escopo metropolitano. Neste caso, são apontadas as FPICs que destacam-se como indubitavelmente metropolitanas, pois fogem das divisões políticas entre os municípios, estas são: Mobilidade, transporte e logística; Habitação e vulnerabilidade social; Desenvolvimento econômico, social e territorial; Meio ambiente, saneamento e recursos hídricos. Para cada uma delas, são expostas uma série de diretrizes, sempre tendo em vista qual a escala de atuação que o PDUI requer, para que preserve-se a autonomia municipal. A tentativa de desenvolver um nível maior de gestão metropolitana mostra ao que veio quando falamos especificamente das FPICs. Os problemas que o espaço urbano cria são enormes e dos mais variados, mas dentro da nossa divisão política em municípios, a dificuldade de solucionálos torna-se maior quando cada peça do quebra-cabeça não se encaixa. Embora o estatuto da metrópole não garanta um processo democrático nem igualitário para a elaboração dos PDUIs, um processo rico de planejamento, quando ele existe, traz consigo inúmeras possibilidades de melhorias para a população que reside nessas regiões. E mesmo que o estatuto da metrópole tenha ficado abaixo das expectativas daquilo que realmente se requer para uma gestão metropolitana, a fomentação da discussão já eleva a situação a um patamar acima daquilo que tínhamos, que eram regiões metropolitanas em completo desgoverno, criadas sem critério e mantidas como meras divisões institucionais. Agora fica na mão dos municípios e estados para realmente tornarem as metrópoles ambientes onde a cooperação impera, em ordem a diminuir as desigualdades que áreas urbanas dessa proporção criam. Além do PDUI da RMSP é importante mencionar que também temos os municípios do ABC criando um consórcio e tomando a iniciativa de criar um Plano Diretor Regional - PDR que abarca a região do Grande ABC. Este é outro exemplo de 117
governança regional que temos que ressaltar (Cartilha PDRABC, distribuída em seminário de apresentação do PDUI). O PDR auxilia no entendimento de problemas de escala mais locais do que os PDUI, e ele leva mais em conta as peculiaridades que mantém aqueles municípios unidos dentro de uma mesma região, no caso do ABC, o passado comum considerando o caráter industrial da região que tem suportado uma crise nas últimas décadas. O PDR tenta achar soluções plausíveis para os problemas, considerando tanto a autonomia municipal como entendo a sua inserção na metrópole. No cenário político-econômico atual, com o aumento da competitividade entre as cidades por um repasse maior e a incapacidade das gestões de atuarem conjuntamente por discordâncias partidárias, fruto do municipalismo brasileiro, seria muito fácil virar as costas para a governança regional uma vez que ela não mostra-se como a opção mais vantajosa, embora o trabalho em conjunto dos municípios a longo prazo consiga criar uma região menos desigual. É preciso continuar a procura por soluções conjuntas para problemas que não contém-se em um certo limite territorial, e tanto o PDUI e o PDR parecem pretender abordar essas questões, ainda que a tradição brasileira indique que a existência de um plano não garante sua execução e financiamento. Como Klink explicou no seminário internacional do PDR do ABC, o desafio que se coloca atualmente é para que o processo de planejamento, tanto do PDR como do PDUI, não se torne um processo tecnocrata, e considere os elementos centrais que são a territorialidade e a economia metropolitana, o que abarca alguns temas como as redes e cadeias produtivas; mão-deobra e mercado de trabalho; serviços; e espaço e economia de inovação. Temos de perceber que a urbanização metropolitana é um reflexo de um processo nacional. Na década de 70, com os novos planos para a Grande São Paulo, já se observava, como aponta Klara (1997, p.254) a diluição dos limites “do próprio 118
espaço urbano, à medida do reconhecimento de que suas funções voltadas a si e ao espaço nacional não constituíam uma dicotomia, mas sim aspectos inseparáveis de um mesmo movimento, o processo de urbanização do espaço nacional”. Pois é isso que a metrópole representa no Brasil, não somente uma continuidade do espaço nacional como um espelho de suas contradições. O uso da mobilidade como estudo de caso serve para mostrar o processo entravado de produção do espaço nacional. Como aponta Déak (2007, p.12): “uma infra-estrutura geralmente precária associada com a concentração de investimentos em áreas limitadas que assim se tornam privilegiadas induzem mais a diferenciação que a homogeneização no espaço urbano (...) existe um deliberado reforço das barreiras através dos investimentos”. Estes entraves se refletem também no Estatuto da Metrópole e a sua falta de financiamento. A justificativa da “cristalização” de verbas para a metrópole mais serve como desculpa frente à “crise” pela qual o país passa, onde ao mesmo tempo que se diminui o salário médio do brasileiro, se aumenta o número de milionários (Estadão, http:// economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-crise-brasil-venumero-de-milionarios-aumentar,10000089814 Acessado em 02/12/2016). O entravamento da economia se reflete no espaço nacional e na escala regional. Mas isso não impede que se tente construir nas metrópoles de hoje uma discussão sobre o tema. A gestão em escala regional não substitui o papel do planejamento municipal, nem mesmo o planejamento em nível estadual e sim complementa o processo de desenvolvimento urbano através de medidas que não cabem nem em uma nem em outra escala territorial. E é este processo de construção do território urbano que está, nos dias de hoje, em desafio no Brasil.
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