UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO DE GRADUAÇÃO II
VILA BEIRA RIO Habitação Social em São José dos Campos | SP
Trabalho acadêmico apresentado como requisito da disciplina de Trabalho de Graduação II, ministrada no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco pela professora Maria de Jesus, tendo como orientador do trabalho o Arquiteto e Professor Enio Laprovitera da Motta
RECIFE, SETEMBRO DE 2014
AGRADECIMENTOS Aos meus pais, ao meu irmão, aos meus avós e a todos os meus parentes que me incentivaram a trilhar o caminho dos meus sonhos. Aos meus amigos e professores que me mostraram coisas que vão muito além do que achei que um dia pudesse encontrar e entender, sobre a vida, o mundo e a arquitetura. À Arquitetura, por ser uma das paixões da minha vida.
"Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos e simplesmente ir ver. Não há como não admirar um homem Cousteau, ao comentar o sucesso do seu primeiro grande filme: 'Não adianta, não serve para nada, é preciso ir ver'. Il faut aller voir. Pura verdade, o mundo na tv é lindo, mas serve para pouca coisa. É preciso questionar o que se aprendeu. É preciso ir tocá-lo. " AMYR KLINK
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO | 06 125 ANOS DE HABITAÇÃO: SOBRE O QUE FALA A HISTÓRIA? | 07 O PIONEIRISMO HABITACIONAL DA PRIMEIRA REPÚBLICA: AS VILAS OPERÁRIAS | 08 O GOVERNO VARGAS E O ADVENTO DA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL | 11 A PRODUÇÃO DO BNH: QUALIDADE ARQUITETÔNICA VERSUS QUANTIDADE HABITACIONAL? | 16 A HABITAÇÃO COMO RESPONSABILIDADE ESTADUAL E AS EXPERIÊNCIAS MUNICIPAIS | 20 A POLÍTICA HABITACIONAL DO GOVERNO LULA | 25
A CIDADE | 30 HISTÓRICO DA CIDADE DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS | SP | 30 INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES | 34
A “BEIRA RIO” | 36 A PROPOSTA | 41 O TERRENO | 45 ESTUDOS DE CASO | 46 A LEGISLAÇÃO | 64 O PARTIDO | 68 PROGRAMA DE NECESSIDADES E DIMENSIONAMENTO | 71 FLUXOGRAMA | 73 A VILA BEIRA RIO | 73
CONCLUSÃO | 102 BIBLIOGRAFIA | 103 ANEXOS DESENHOS PRANCHA 01: SITUAÇÃO, LOCAÇÃO E COBERTA PRANCHA 02: TÉRREO GERAL PRANCHA 03: MANUAL DE DETALHES CONSTRUTIVOS E FASES DE AMPLIAÇÃO DA RESIDÊNCIA PRANCHA 04: TIPOLOGIA A PRANCHA 05: TIPOLOGIA B PRANCHA 06: TIPOLOGIA C PRANCHA 07: BLOCO EDUCACIONAL PRANCHA 08: AUDITÓRIO (ESPAÇO REVERSÍVEL) PRANCHA 09: GALPÃO PRANCHA 10: ANEXOS PRANCHA 11: CORTES GERAIS DVD COM O DOCUMENTÁRIO “BEIRA RIO”
APRESENTAÇÃO Este volume expõe a compilação de todo o conteúdo abordado e desenvolvido durante o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco, no período de 2009 a 2014, apresentado através da interpretação do problema habitacional brasileiro e de suas implicações sobre a vida de sua população, resultando no desenvolvimento de um projeto de arquitetura e urbanismo para uma comunidade ribeirinha, intitulado “Vila Beira Rio: Habitação Social em São José dos Campos | SP” desenvolvido sob a orientação do professor-arquiteto Enio Laprovitera da Motta.
INTRODUÇÃO O surgimento da Habitação de Interesse Social decorre de um modelo de política e de mercado adotados no Brasil desde o início da expansão de suas maiores cidades. Em se tratando dos desequilíbrios sociais gerados a partir destas escolhas, sejam eles causados pela descompassada velocidade de acompanhar os processos de consolidação de uma sociedade, seja pelo rarefeito e ineficiente planejamento realizado para ampará-las, são notáveis as suas sequelas até a atualidade. Pode-se dizer que, em termos quantitativos e qualitativos, está se transformando o processo de interpretação e formulação de soluções para os problemas urbanos e arquitetônicos voltados para a infraestrutura e a habitação. A formulação de princípios que estruturem o espaço e as habitações para apropriação da população e de seus moradores, gradativamente, mas ainda com raras exceções, correspondem às suas expectativas e necessidades reais. O histórico da comunidade ribeirinha conhecida como Beira Rio, localizada na cidade de São José dos Campos, São Paulo, não foi diferente. Incrustada em meio a um bairro de classe de alto poder aquisitivo e dentro de uma propriedade privada, sofre constante ameaça de remoção para a periferia além do processo de exclusão social. Comum a outras ocupações, encontra-se ainda dentro de uma Área de Proteção Permanente e tece vínculos significativos com o local no que tange à pertinência ao Rio Paraíba, a pesca nele realizada e a herança genética que deu origem aos seus 140 habitantes. Desmontando os degraus impostos pelo sistema brasileiro de habitação, garantir aos habitantes da Beira Rio a permanência na localidade e a sua inclusão social é andar na direção que demonstra ser possível dissolver as amarguras daquelas sequelas. Para tanto, e a título de necessidades projetuais que visam o equilíbrio social, ambiental e arquitetônico/urbanístico, relocar a comunidade para o limite que determina a área de preservação estabelecida pela legislação, possibilitar caracterizações que a classifiquem como “vila” e adotar princípios e técnicas construtivas que agilizem o processo de edificação, acaba por se demonstrar como uma alternativa plausível. O projeto da Vila Beira Rio demonstra e defende a leitura espaço-ideológica e os aspectos técnico-estruturais e estético-formais, aproximando-os do processo de industrialização. Respeitando e/ou questionando as imposições legais para o desenvolvimento do projeto, é através da padronização arquitetônica adaptada ao local e às necessidades da população habitante, o seu consciente deslocamento espacial e o respeito à sua identidade, que se consolida o projeto em questão.
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125 ANOS DE HABITAÇÃO: SOBRE O QUE FALA A HISTÓRIA? Philippe Panerai, assim como apresenta o livro Arquitetura Brasil 500 anos, realiza uma leitura realista e sincera sobre a história das cidades ser aquela “composta pela construção trivial e pela vida cotidiana” e não, somente, com a dos “monumentos e grandes acontecimentos”. Em se tratando do momento em que a casa popular ainda era um elemento estranho à arquitetura, uma vez que a maior parte dos arquitetos sempre esteve ao lado dos detentores do poder, projetando edifícios representativos e obras funcionais, aquela ficava a encargo de seus próprios moradores. O reconhecimento da “arquitetura do povo como sendo tão legítima quanto à arquitetura dos palácios e monumentos religiosos” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de)
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aconteceu quando foram introduzidos os conceitos como cidadania na sociedade ocidental, com as revoluções liberais na Europa e na América no fim do século XVIII. Entretanto, foi somente com o advento da Arquitetura Moderna, no início do século XX, que a habitação se tornou um dos principais objetos de projeto. Cabe destacar as atuações dos arquitetos do Congrés Internationaux d’Architecture Moderne – Ciams, as mais diversas realizações do período comprometidas com a questão social.
Imagem 01 – Cidade-jardim de Falkenberg (Alemanha). Arquiteto: Bruno Taut. Fonte: <http://arqok.wordpress.com/author/arqok/page/6/> Imagem 02 – Unité d' Habitación (Marselha). Arquiteto: Le Corbusier. Fonte: <http://aarteensinaapensar.blogspot.com.br/2011/10/unidade-de-habitacao-de-marselha.html> Acesso em: 27/07/2014
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O embasamento teórico e as citações utilizadas neste capítulo são de autoria de Nabil Bonduki e Maria de Jesus de Britto Leite, responsáveis pelo capítulo intitulado “Popular”, págs. 22 a 121, pertencente ao livro Arquitetura Brasil 500 anos, organizado por Roberto Montezuma (2008).
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No Brasil tal produção foi iniciada quando o “País buscava se modernizar, determinando os direitos sociais voltados para os trabalhadores urbanos inseridos no mercado formal” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de). Destacam-se singulares exemplares arquitetônicos realizados entre 1940 e 1950, como o Conjunto Residencial Pedregulho, de Affonso Eduardo Reidy, permitindo aproximação entre a produção arquitetônica de qualidade e a habitação social. Da percepção, por parte do governo, do crescente número de moradores em precárias condições de habitação, é lançado em 1964, com a fundação do Banco Nacional da Habitação – BNH, um programa de produção massiva de edificações homogêneas e padronizadas implantadas em bairros periféricos. A necessidade de acelerar a urbanização e consolidar as margens urbanas acabou por gerar projetos arquitetônicos destoantes do legado angariado e a ideia resultante foi a de que “a habitação popular se contrapunha à boa arquitetura e, para os trabalhadores, a ideia de que a arquitetura se limitava à produção para a elite” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de). Se o destino dos trabalhadores não fosse habitar um dos conjuntos habitacionais, certamente se encontrariam na precariedade dos assentamentos informais das casas autoconstruídas. Somente com a redemocratização do País, com a extinção do BNH e iniciativas pioneiras descentralizadas amparadas por gestões alternativas é que as qualidades do projeto de arquitetura e da inserção urbana puderam resgatar, a partir dos anos 1990, a autenticidade dos projetos de habitação social. Na atualidade, o projeto de arquitetura voltado para a habitação social ganha notoriedade e se faz fundamental para promover a justiça social, mas enfrenta barreiras relativas ao “custo supostamente elevado das habitações econômicas” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de); os embates em torno da ética/estética sobre a identidade da população, o local de intervenção e possíveis remoções; bem como a aceitação ou não de novas técnicas construtivas que acelerem o processo de sua execução. O PIONEIRISMO HABITACIONAL DA PRIMEIRA REPÚBLICA: AS VILAS OPERÁRIAS A primeira vez em que o tema de habitação foi abordado no Brasil ocorreu no período de 1889 a 1930, ainda sob a estrutura da Primeira República. Dentre os diferentes tipos de habitação produzidos, com destaque para os cortiços e vilas operárias - ações provenientes da iniciativa privada - pouco pode ser dito sobre a participação do Poder Público. Até os anos 1940, quando se dá o congelamento dos aluguéis pelo Governo Vargas, prevaleceu a intenção de investidores ou
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companhias em lucrar com o aluguel das casas oferecidas aos trabalhadores ao invés de uma ideologia voltada para equacionar problemas habitacionais. Considerando o favorecimento da economia agroexportadora ocorrido em todo o País, o estímulo à produção rentista se fazia cada vez mais interessante e, uma vez necessitando ter o trabalhador mais próximo, soluções seriadas de habitação começaram a surgir. Os cortiços, vilas, casas geminadas, etc. representavam as iniciativas arquitetônicas que ilustram a saída encontrada pelos empreendedores para a rentabilidade pela locação. Dentre estas, a vila operária é a modalidade de maior interesse arquitetônico que foi reproduzida no País e se caracterizava como um “conjunto urbano composto de moradias unifamiliares construídas em série, dotado ou não de equipamentos sociais” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de). A ideia do governo era fazer com que os trabalhadores de baixa renda tivessem acesso a estas moradias, mas sendo a questão higienista a única preocupação daquele além da ausente política de regulação dos preços dos alugueis, os únicos trabalhadores agraciados foram os com maior poder aquisitivo e instrução. Sendo assim, e considerando que grande parte das empresas se estabeleceu em locais isolados em busca de fontes de energia, originam-se os núcleos urbanos para alojar os trabalhadores. Nestes casos em que a industrialização ocorreu simultaneamente à urbanização, como é o caso de cidades como Paulista (PE) e Votorantim (SP), evidencia-se a inexistência do mercado de trabalho e de cidades dotadas de equipamentos urbanos e serviços capazes de concentrar a força de trabalho. De qualquer forma, a maior parte destes empreendimentos se justifica pela necessidade de manter os trabalhadores sempre próximos do local de trabalho, de modo a poderem cobrir qualquer emergência necessária. Sobre isto, Nabil Bonduki e Maria de Jesus de Britto Leite destacam que: “Essas vilas procuravam garantir as regras da moral burguesa, contando com equipamentos coletivos – escolas, igrejas, enfermarias, clubes, pequeno comércio – administrados e sustentados pela empresa, que controlava seus funcionários inclusive nas horas livres. A vida cotidiana obedecia ao ritmo imposto pela sirene da fábrica e funcionava como um verdadeiro laboratório de uma sociedade disciplinada, combinando um saber higienista como um poder que, ao mesmo tempo, proíbe, pune, reprime e educa”.
Um empreendimento de relevância e considerado precursor do conjunto residencial moderno, é a Vila Maria Zélia, projetada por Jorge Street, em São Paulo. Situado junto a uma indústria de juta, este é o típico exemplo de vila operária cujo programa se aproxima do padrão
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defendido pela arquitetura moderna, onde a existência de um conjunto de equipamentos coletivos em complementação às moradias é o que caracterizava um projeto de cunho habitacional. Ali, “submetidos a um cotidiano controlado por sirenes e toques de recolher e a uma educação que difundia os valores morais e ideológicos do empresário” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de), embora com a liberdade comprometida, era preferível a qualidade de moradia e ambiente urbano do que os problemáticos cortiços.
Imagem 03 – Vila Maria Zélia (São Paulo). Arquiteto: Jorge Street. Fonte: <http://www.saopauloantiga.com.br/wp-content/uploads/2012/10/ruas1917x.jpg> Imagem 04 – Indústria de Juta Fonte: <http://www.saopauloantiga.com.br/wp-content/uploads/2012/10/fabrica1917.jpg> Acesso em: 27/07/2014
Embora construídas de forma artesanal, as vilas operárias podem ser classificadas como precursoras da produção seriada de moradias brasileiras. O novo modelo arquitetônico era baseado na economia, racionalização de materiais e espaços, além da higienização de seus cômodos. Servindo os trabalhadores das mais variadas classes sociais, eram casas geminadas implantadas em terrenos profundos, interligadas por uma viela central originada a partir da rua. Nesta, dependendo do terreno, casas também eram alocadas e, embora mais caras, serviam tanto para habitação quanto para o comércio. Entretanto, grande parte dos trabalhadores optava também pela moradia do cortiço. A explicação para isto estava no fato de que os aluguéis cobrados pelas empresas representavam uma parcela significativa do seu salário e, portanto, eram racionalizados os gastos domésticos, inclusive a alimentação. Priorizando esta última, surgiu também uma “gradação descendente das vilas operárias mais sofisticadas, com sobrados ornamentados a moda acadêmica, aos cortiços mais precários, refletindo a escala social” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de). Abandonando os padrões municipais e adentrando à clandestinidade, a vila era denominada de cortiço e passava a ser condenada e estigmatizada, constantemente ameaçado de
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demolição devido à sua ilegalidade. A tipologia mais comum era a do cortiço-corredor, com uma sequência de quartos geminados, insalubres e sem instalações sanitárias (a privada e o tanque de lavar eram coletivos e se localizavam no fundo do lote), implantados em estritos corredores que penetravam o interior dos bairros. O custo da construção era consideravelmente mais baixo, uma vez que serem ausentes as instalações hidráulicas e os materiais de acabamento, fazendo com que o aluguel também fosse reduzido.
Imagens 05 e 06 – Complexo de cortiços: Navio Parado, Vaticano, Galeria e Pombal (São Paulo). Fonte: MONTEZUMA, Roberto. Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008.
O GOVERNO VARGAS E O ADVENTO DA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL Alterando o anterior panorama onde prevaleciam a oportunista e massiva presença da iniciativa privada na construção de moradias operárias, novas condições para a habitação se concretizam com o advento da Revolução de 1930. A atuação mais eficiente do Estado na produção de residências, o congelamento dos alugueis, em 1942; a criação das Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs, em 1937 (instituições estatais responsáveis por produzir regularmente a moradia); o Decreto Lei nº 58, de 1938, que regulamentou a venda de lotes e garantiu a difusão da pequena propriedade; e a criação da Fundação Casa Popular – FCP, em 1946 (primeiro órgão federal habitacional do País), foram algumas das principais ações do governo. Desestimular a ação privada, instituir as leis trabalhistas e deslocar para o setor público e para o próprio trabalhador a responsabilidade de produzir a moradia garantiu à Vargas o elementar caráter popular de sua política. Reduzindo o custo das moradias e aumentando o salário - ao mesmo tempo em que se desestruturava o arcaico sistema habitacional que gerou favelas e periferias - houve a consolidação social e econômica da base urbana industrial brasileira.
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Quantitativamente, as habitações produzidas nesse período foram inexpressivas frente à necessidade do país. Porém, graças aos pioneiros conjuntos habitacionais que “revelavam qualidade de projeto, novas tipologias de ocupação do espaço urbano e tendências urbanísticas inovadoras” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de), entre 1940 e 1950, é perceptível a preparação dos arquitetos brasileiros para realizar os projetos de habitação social. “Surgiu uma atitude preocupada com o barateamento da construção e produção massiva, buscando racionalização, industrialização e verticalização. Novas tipologias foram introduzidas, e difundiu-se a ideia de que habitação devia incorporar, necessariamente, equipamentos coletivos. Os arquitetos militavam por uma nova cultura do morar, que se relacionou com o desenvolvimento e a modernização do País” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de).
Frente a esta nova concepção projetual, em 1939 foi construído, no Rio de Janeiro, o primeiro bloco habitacional, o Conjunto Residencial Realengo, de caráter moderno brasileiro. Financiado pela I.A.P.I., o objetivo, além da participação na produção de habitações, era também o de defender que aquela estava intrinsecamente ligada à realização de um urbanismo consciente e que viabilizasse o acesso de trabalhadores de baixa renda. Assim sendo, o êxito se deu quando garantiram a construção seriada agregada de elementos industrializados e de baixo custo – correspondentes a um padrão construtivo admissível e satisfatório – viabilizando a concentração em altura e a substituição dos quintais por áreas coletivas para usufruto dos próprios moradores.
Imagem 07 – Conjunto Residencial Realengo (RJ). Arquiteto: Carlos Frederico Ferreira. Fonte: <http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1459> Acesso em: 27/07/2014 Imagem 08 – Planta do apartamento tipo. Fonte: MONTEZUMA, Roberto. Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008.
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Uma vez concebido o modelo que estatizava uma porção da terra, cabia então o desenvolvimento de uma unidade racionalizada e econômica dotada dos mais diversos equipamentos coletivos, que fossem capazes de corresponder ao preço pago pelo terreno e às necessidades de uma parcela da população. Assim como em projetos futuros, surgiram em complementação à edificação habitacional: escola, creche, serviço de assistência médica, centro comercial, área de lazer, campo de esportes e estação de tratamento de esgoto. Quanto à arquitetura, duas tipologias se destacavam: blocos laminares de quatro andares e sobrados em fileiras. “Buscava-se o ideal de proteção do trabalhador, criando um espaço totalizador, onde o tempo livre era ocupado em atividades educacionais e recreativas controladas pelo Estado, que reproduzia valores defendidos pela ordem oficial. Ao ‘Novo Homem’ que se buscava, era necessário moldar um novo espaço, uma nova concepção de morar, uma nova arquitetura” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de).
A década de 1940, claramente influenciada pelos costumes europeus do período entre guerras, principalmente pelo Modernismo, pode ser compreendida como a mais original em termos de produção arquitetônica de cunho residencial. Abandonando o urbanismo tradicional de ruas, quarteirões e lotes, os novos projetos priorizavam edificações de três a cinco pavimentos, sem elevador, dispostos no terreno em composições cartesianas e em outras, quando a topografia ou a criatividade arquitetônica assim se impusessem, em forma curvilínea. Independente disso cabe ressaltar a destinação pública a que teve todo e qualquer espaço de solo não ocupado pela edificação, eliminando a ideia de lote privado. A arquitetura, por sua vez, distante da perda de identidade do conjunto devido ao uso padronizado de elementos industrializados, contava com componentes compositivos que garantiam, através do jogo articulado entre cheios e vazios, a movimentação das fachadas. A influência dos conceitos corbusianos de “estrutura independente, pilotis, fachada livre e apartamentos duplex” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de), é também uma das principais características desta nova arquitetura.
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Imagem 09 – Conjunto Vila Guiomar (SP). Arquiteto: Carlos Frederico Ferreira. Fonte: MONTEZUMA, Roberto. Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008. Imagem 10 – Implantação Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/09.106/3744> Acesso em: 27/07/2014
Projetado por Eduardo Kneese de Melo, em 1947, o Edifício Japurá (SP) consolida o início das obras arquitetônicas modernas brasileiras de cunho habitacional. Tomando como base o conceito de coletividade do Conjunto Residencial Realengo (RJ) e cedendo a influência da unité d’habitacion corbusiana, o arquiteto propõe 288 unidades em um único edifício de 14 pavimentos utilizando grande parte do repertório moderno. A iniciativa pioneira em utilizar o apartamento duplex surgiu da necessidade de economia através da redução das paradas de elevador. Além disso, a preocupação em abrigar diferentes classes sociais e culturas permitiu a organização do programa de forma otimizada, possibilitando a distinção de apartamentos (entre quitinetes e convencionais), conforme se dava a altura da edificação. É decorrente deste ensaio que surgiram os edifícios Pedregulho (RJ) e Copan (SP).
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Imagem 11 – Edifício Japurá (SP) – Construído no lugar do antigo cortiço “Navio Parado”. Arquiteto: Eduardo Kneese. Fonte: MONTEZUMA, Roberto. Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008. Imagem 12 – Edifício Copan (SP). Arquiteto: Oscar Niemeyer. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Copan> Acesso em: 27/07/2014
O Conjunto Residencial Pedregulho (RJ), de 1946/1947, do arquiteto Afonso Eduardo Reidy, é tido como “o único empreendimento de habitação social destacado na historiografia da arquitetura brasileira”. A crítica realizada no livro Arquitetura Brasil 500 anos, demonstra que, muito embora seja uma obra relevante no ciclo de projetos habitacionais da época, não foi uma exceção à produção brasileira. Muito pelo contrário, realizou exatamente o que vinha sendo desenvolvido nos projetos anteriores. O diferencial, e um dos motivos de seu reconhecimento internacional por Walter Gropius e Max Bill, além da congratulação com o 1º Prêmio de Arquitetura na I Bienal de São Paulo, é proveniente do melhor acabamento estético e também da melhor resolução enquanto arquitetura e implantação urbana. Entretanto, pode-se dizer que o que realmente difere a obra das demais é a forma curvilínea aos moldes de uma serpente, integrada à paisagem montanhosa do Rio de Janeiro – possibilitando uma das mais significativas vistas para a paisagem – assim como os equipamentos coletivos desenhados de acordo com as premissas do modernismo brasileiro que, no conjunto, possibilitaram
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uma ruptura com os limites do racionalismo, “ganhando originalidade, vivacidade e plasticidade, no âmbito de um projeto de interesse social” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de).
Imagens 13 e 14 – Conjunto Residencial Pedregulho (RJ). Arquiteto: Affonso Eduardo Reidy. Fonte:
<http://www.archdaily.com.br/br/01-12832/classicos-da-arquitetura-conjunto-residencial-prefeito-mendes-de-
moraes-pedregulho-affonso-eduardo-reidy> Acesso em: 27/07/2014
Pode-se dizer que enquanto a presença do Estado garantiu a intervenção, manutenção e preservação dos espaços públicos e da própria arquitetura como peça fundamental de um sistema, conseguiu-se manter a qualidade de todos os projetos mencionados. Porém, quando o governo militar vende individualmente, a partir de 1964, as habitações e se desvencilha da gestão dos conjuntos, tais propostas foram gradativamente descaracterizadas. Da singularidade de cada uma das obras para a reprodução massiva (de blocos e casas) provedores de territórios sem identidade e arquitetura de qualidade, observa-se um verdadeiro retrocesso arquitetônico e social. A PRODUÇÃO DO BNH: QUALIDADE ARQUITETÔNICA VERSUS QUANTIDADE HABITACIONAL? Quando se dá o reconhecimento de que o problema da habitação girava em torno das iniciativas das políticas públicas, percebe-se o advento de novos conceitos urbanísticos e inovações na produção da moradia. Porém, pela ausência de uma estrutura política em âmbito nacional, com fontes de recursos financeiros estáveis e processos articulados entre os Estados envolvidos nos projetos e programas, as tentativas de implementação das mudanças, no início dos anos 1950, pelo segundo mandato de Vargas, foram frustradas.
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Reforçada pelo Plano de Metas de Juscelino – 50 anos em 5 – o estímulo ao processo de industrialização acentuou, em ritmo ainda mais acelerado, a migração do campo para a cidade. Em se tratando do momento histórico em que a construção de Brasília representou um desafio urbanístico e arquitetônico, as demais iniciativas realizadas em prol do controle do processo de urbanização nas grandes cidades, foram paralisadas. O crescimento vertiginoso da população brasileira acrescentando 12,6 milhões de pessoas às cidades eclodiu em uma crise de moradia sem precedentes, em um momento em que o governo não possuía estratégias para enfrentá-la. Em um hiato histórico em que se acreditava em possíveis reformas estruturais de caráter popular, alguns segmentos da sociedade desenvolveram propostas, através de alternativas de produção de moradia. Cita-se o projeto desenvolvido por Acácio Gil Borsoi, em Pernambuco, no Bairro de Cajueiro Seco, cuja produção, mesmo que interrompida pela Ditadura Militar, repercutiu nacionalmente, agregando valor a discussão. Entretanto, apesar das alternativas apresentadas, o processo de “remoção de favelas localizadas nas áreas de interesse para o mercado imobiliário no Rio de Janeiro” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de), serviu como premissa para o que veio a ser implementado pelo regime militar. O deslocamento da população de seu local de origem para a extrema periferia da cidade, em grandes conjuntos habitacionais de baixa qualidade arquitetônica, determinou a forma conservadora do novo governo ao propor soluções para o problema da habitação social. Assim sendo, o Golpe Militar de 1964 criou as condições políticas necessárias para a reestruturação completa do sistema proveniente do governo Vargas. Criou-se o Banco Nacional de Habitação – BNH e extinguiram-se os antigos órgãos IAPs e FCP, cuja nova forma de financiamento se apoiava no Sistema Financeiro da Habitação – SFH. Além disso, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – Serfhau congregou a agenda das administrações municipais no que tangia os pensamentos para o planejamento urbano. “O BNH foi uma resposta do governo militar à crise de moradia, buscando apoio nas massas populares urbanas, uma das principais bases de sustentação do populismo. Nessa perspectiva, possibilitar o acesso à casa própria tornou-se um objetivo ideológico, pois se acreditava que a propriedade urbana faria do trabalhador um conservador. Mas o BNH teve objetivos mais estratégicos do ponto de vista econômico: criar linhas permanentes de financiamento para estruturar em moldes capitalistas o setor da construção civil habitacional, dinamizando a economia e gerando empregos” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de).
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Pode-se dizer, entretanto, que o BNH foi a única Política Nacional de Habitação. Com recursos estáveis, o programa garantiu o financiamento de 25% das habitações construídas no País, permitindo com que uma significativa parcela da população tivesse acesso à moradia própria, mesmo que ainda fosse necessária uma quantidade muito maior do que a realizada para combater o problema habitacional brasileiro. E, por assim ser, apesar do esforço, intensificou-se a urbanização informal de autoconstrução de residências em assentamentos precários, distantes dos centros urbanos, sem infraestrutura e equipamentos coletivos. Analisando o sistema do BNH, aponta-se como equívocos a “centralização, inexistência de participação na concepção dos programas e projetos, falta de controle social, ausência de subsídios para a baixa renda, opção exclusiva da casa própria e resistência para incorporar processos alternativos” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de). Se não fossem por estes entraves, muito provavelmente o sistema teria sido ainda mais eficiente em termos quantitativos de habitações, mesmo que falho quando relativo à qualidade arquitetônica. Sob este ponto de vista, tiveram a arquitetura e o urbanismo decadentes soluções. Os grandes conjuntos habitacionais não correspondiam ao legado deixado pelo governo anterior, principalmente quando observadas as suas origens caracterizadoras de identidade e de correspondência ao meio em que está inserido. Sem qualquer expressividade arquitetônica e projetual interligada com as políticas urbanas e relativas ao ato de morar, pouco acrescentaram propondo as soluções uniformizadas e padronizadas, reforçando um dos seus maiores equívocos: a desconsideração à diversidade regional, à cultura local e ao meio ambiente. Além disso, a localização, sempre nas bordas da urbanização, acabou por enfatizar ainda mais os problemas relativos à proximidade com o trabalho, de infraestrutura e equipamentos públicos.
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Imagem 15 – Conjunto habitacional de casas (SP). Fonte: MONTEZUMA, Roberto. Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008. Imagem 16 – Conjunto habitacional de edifícios (SP). Fonte: <http://territoriopoeticocidadetiradentes.files.wordpress.com/2010/07/mg_5776.jpg> Acesso em: 27/07/2014
Em 22 anos de atuação do BNH, talvez a única exceção projetual de relevância tenha sido o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães (1967), em Cumbica, Guarulhos - SP, de autoria dos arquitetos Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e Fábio Penteado. A proposta foi uma tentativa de implantar uma nova cidade com a capacidade de 10 mil unidades habitacionais na tipologia de um bloco único a ser reproduzido, de quatro pavimentos sobre pilotis, edificado sob os moldes da industrialização. Focados nos pressupostos do movimento moderno e do racionalismo, os arquitetos buscaram, no que se tornou o “elo de transição dentre os projetos de grande qualidade arquitetônica elaborados pelo I.A.P.I. e a produção massiva do BNH” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de), o equacionamento através da solução rápida, sem menosprezar a solução plástica e construtiva. Construído parcialmente, o projeto do Zezinho Magalhães, muito embora tenha refletido o caráter conservador e pouco aberto a criativas soluções para a arquitetura e o urbanismo impostos pelo Governo Militar, pode-se entender que, pela qualidade deste projeto, a massiva produção do BNH poderia ter gerado positivos resultados para as cidades brasileiras.
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Imagem 17 – Implantação do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães (SP). Arquitetos: João Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e Fábio Penteado. Fonte: MONTEZUMA, Roberto. Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008. Imagem 18 – Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães (SP). Fonte: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.102/91> Acesso em: 27/07/2014
A HABITAÇÃO COMO RESPONSABILIDADE ESTADUAL E AS EXPERIÊNCIAS MUNICIPAIS A década de 1980, quando se dá o questionamento e a inquietação popular sobre a base política do Governo Militar e suas perspectivas sociais culminantes no período de recessão econômica, de baixa de salários e aumento do desemprego, percebe-se que sua estrutura entrava em colapso. Uma vez que o Sistema Financeiro de Habitação – SFH havia deixado de corresponder à demanda de habitações (porque a população já não tinha como contribuir para a própria instituição e as reservas haviam acabado), acirraram-se as críticas ao BNH. Uma vez findado o período militar, esperava-se que as bases do Banco fossem revistas, já que este, uma vez tendo acumulado considerável experiência e formado profissionais cujos produtos, apesar da baixa qualidade arquitetônica, foram provenientes da única política de caráter nacional voltado para a habitação. Devido à herança política vinculada a instituição, preferiu-se a desarticulação completa do sistema herdado e a instauração de um rigoroso controle de crédito que limitou consideravelmente a produção habitacional. Neste momento, quando raras habitações foram construídas e os salários permaneciam em baixa, “as favelas passaram a crescer em índices mais altos do que a população urbana como um todo” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de).
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Contornando a ausência da política nacional que norteasse o processo de produção de habitações, surgiram iniciativas individualizadas por parte de municípios e Estados. Estas, por sua vez, correspondiam à Constituição de 1988, onde a responsabilidade no fornecimento de habitação foi atribuída aos três níveis de governo, determinando reponsabilidades aos poderes locais. Assim sendo, tais iniciativas, ainda que pontuais e desarticuladas de uma política nacional, abordavam a diversidade encontrada em cada local para determinar as soluções mais plausíveis para os respectivos problemas habitacionais. “Adotando uma visão oposta à do BNH, novos pressupostos – variedade de soluções, inserção da habitação na trama urbana, reconhecimento da cidade real, estímulo à participação e autogestão – foram a base para a formulação dos programas alternativos tais como urbanização de assentamentos precários, construção de moradias por mutirão e autogestão e intervenções em cortiços nas áreas centrais, que geraram uma nova postura de enfrentamento da questão habitacional” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de).
Apesar do pequeno número de municípios terem produzido iniciativas, percebe-se que, como aconteceu em São Paulo, com o Programa de Habitação Social de São Paulo (1989 – 1992), havia a necessidade de encontrar um paradigma que criasse uma referência em âmbito nacional sobre a produção de habitação, contrapondo-se aos equívocos do passado. Sendo o maior município brasileiro e também o maior em déficit de moradias e, considerando ainda o seu momento político favorável e o equilíbrio orçamentário com um fundo habitacional (Funaps), pode produzir autonomamente sem depender de outros níveis de governo e instituições financeiras. “Nesse quadro, a intervenção habitacional pôde ser viabilizada numa escala sem precedentes em programas municipais: em quatro anos, foram desenvolvidos cerca de 250 empreendimentos envolvendo quase 70 mil famílias. O município desapropriou ou disponibilizou cerca de 4 milhões de metros quadrados em terrenos e glebas em todas as regiões da cidade, além de realizar projetos de urbanização em 71 favelas” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de).
Sobre a maneira como aconteceu esta atuação, tem-se o destaque para formas de gestão de projetos como o mutirão autogerido e o controle rigoroso dos custos de produção. Equipes de arquitetos experientes e de novas gerações foram estimuladas a dialogarem com comunidades para desenvolverem novas tipologias e propostas inovadoras voltadas para a realidade do local. Muitas delas ainda se tornaram alvo de concursos voltados para a habitação, como é o caso do Concurso Nacional de Anteprojetos de Habitação, que mobilizou áreas passíveis de intervenções concretas.
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Concomitantemente, houve intensa desapropriação de “vazios urbanos em áreas dotadas de infraestrutura” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de), rompendo com a ideologia militar de alocar as ocupações populares na periferia das cidades. Optando por empreendimentos de menores dimensões e com a participação efetiva dos seus futuros moradores, estes projetos garantiam às populações a proximidade com o centro da cidade, bem como do trabalho e de meios de transporte. Os conjuntos Rincão e Rio das Pedras, de autoria do escritório Padovani e Vigliecca Arquitetos Associados, são alguns dos exemplos de inserção em vazios urbanos.
Imagem 19 – Conjunto Habitacional Rincão (SP). Arquitetos: Bruno Roberto Padovani e Héctor Vigliecca. Fonte: MONTEZUMA, Roberto. Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008. Imagem 20 – Conjunto Habitacional Rio das Pedras (SP). Arquitetos: Bruno Roberto Padovano e Héctor Vigliecca. Fonte: REVISTA Monolito. Héctor Vigliecca, edição nº 16. São Paulo: Monolito, 2012.
O primeiro, ocupando as margens do metrô em parte de uma gleba dotada de infraestrutura, garante a economia de custos com a urbanização ao aproveitar o solo em implantação e tipologia arquitetônica (blocos de quatro pavimentos com apartamentos de acessos independentes) que permitem o adensamento. O térreo, de uso coletivo, torna a área ativa, evitando a criação de espaços públicos residuais. É o que acontece também no projeto do conjunto Rio das Pedras, onde a implantação da edificação no limite do lote, configurando um pátio central de uso coletivo, com um centro comunitário e uma área de recreação e sociabilidade, valoriza o espaço não edificado. Tanto nestes quanto nos outros projetos que surgiram abordando a mesma solução arquitetônica e urbanística, comprovou-se ser vantajoso e, portanto, necessário romper com a histórica segregação urbana que expulsou os mais pobres para a periferia das cidades. A conclusão
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obtida foi a de que a mistura de classes e a consequente utilização de todas as parcelas do tecido urbano trariam um equilíbrio social ao propor o senso de igualdade, além da redução de custos com implementação de infraestrutura, transportes e equipamentos urbanos. Outro detalhe que vale a menção é a garantia do acesso à habitação para grande massa dos excluídos. Enquanto eram recolocadas em discussão as questões referentes à “socialização do solo, racionalização dos projetos no canteiro de obras, pré-fabricação de componentes, estandardização das unidades, habitação mínima e implantação de uma gama de equipamentos sociais” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de), é através da técnica dos mutirões que houve a direta participação das comunidades nos projetos que eles mesmos habitariam. Ou seja, auxiliando na edificação das habitações e nos processos necessários no canteiro de obra devido à especificidade do local - além da identidade própria proporcionada para o empreendimento, o senso de propriedade e pertinência para com a arquitetura e o espaço comum era adquirido. Cabe ressaltar ainda que, na década de 1980, na cidade do Recife, intensos foram os debates que visavam à proteção dos assentamentos habitacionais de população de baixa renda frente à ação especulativa do mercado imobiliário. Caracterizando-os como Zona Especial de Interesse Social – ZEIS, através da Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife, de 1983, o principal objetivo era assegurar que a população fosse mantida no local, ao mesmo tempo em que eram realizados os serviços de infraestrutura urbana e regularização fundiária, incluindo-os socialmente. Porém, mesmo comprovada a sua importância como instrumento urbanístico, excetuando-se Recife, foi somente na década de 1990 que foi utilizada na cidade de Diadema (SP), e em 2001 incorporada ao Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257). A partir de então, a intervenção em favelas também foi outro tipo de abordagem projetual que ganhou destaque com as iniciativas individuais, destacando-se três formas de atuação que procuraram caracterizar estes novos espaços. A primeira delas e mais econômica, era a implantação de infraestrutura no espaço da favela, sem que fossem alteradas ou demolidas as edificações existentes. A segunda, considerando a densidade da ocupação ou a forte ocorrência em áreas de risco, deveria ter grande parte de suas famílias relocadas para outras áreas ou para edificações verticais a serem construídas no local, possibilitando assim a urbanização da área. A terceira, por fim, era a substituição por completo de toda a estrutura da favela por edificações verticalizadas. O projeto desenvolvido pelos arquitetos Luis Espallargas e Angelo Secco, o Conjunto Heliópolis I (SP), realizou a implantação de alguns blocos em áreas livres existentes na favela ou no seu entorno para viabilizar a sua urbanização.
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Imagem 21 – Conjunto Heliópolis I (SP). Arquitetos: Luis Espallargas e Angelo Secco. Fonte: MONTEZUMA, Roberto. Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008.
Assim, com a repercussão da experiência de São Paulo, o rompimento com a tradição herdada do BNH garantiu que o Governo Federal reorganizasse os programas habitacionais, mesmo que não tivesse implementado uma nova política habitacional. De qualquer forma, programas decorrentes dos recursos do FGTS “incorporaram inovações como o financiamento à urbanização de assentamentos precários – Programa Pró-moradia – e o financiamento direto para o usuário final, através das Cartas de Crédito Individual ou Associativa” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de), possibilitando uma abordagem mais flexível sobre os problemas em torno da habitação, ao mesmo tempo em que se definiam diretrizes para evitar a reprodução dos equívocos do passado. A partir do momento em que o espaço da favela deixa de ser estigmatizado e perseguido, o enfoque na melhoria de sua qualidade arquitetônica e urbanística ganha notoriedade. Várias prefeituras, inclusive de abordagens políticas diferenciadas, recomendam evitar a remoção dos moradores das favelas para as áreas distantes. Reconhecendo, por parte dos setores conservadores, “de que manter os moradores na própria área era a melhor solução para a questão”, pode-se compreender a verdadeira importância da permanência da “cidade real” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de), no processo de melhoria, controle e proposição da habitação
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de interesse social de qualidade. Este enfoque pode ser ilustrado com os projetos realizados, respectivamente em São Paulo e Rio de Janeiro, Projeto Cingapura e Favela-bairro. Desencadeando um movimento em que diversos aspectos urbanos foram reconsiderados para corresponder às necessidades de proposição de habitações, além dos trabalhos realizados nas favelas, também ficaram evidentes as intervenções em áreas alagadiças promovendo o seu aterramento e urbanização. Outro destaque, porém ainda pouco explorado, também se dá para a reabilitação de áreas de interesse histórico e bairros centrais deteriorados, cujas edificações abandonadas, aos poucos são reestruturadas e disponibilizadas à classe mais baixa. Muito embora seja perceptível a mentalidade consolidada a partir de então, a restrição orçamentária correspondente ao custo das habitações populares ainda se configura como sendo um dos principais obstáculos. Decorrente disso, apesar dos excelentes projetos analisados, outra grande parte deles ainda carece de boa arquitetura e estruturação urbanística. Sobre isso, o trecho do livro Arquitetura Brasil 500 anos, evidencia qual deve ser a postura governamental para encontrar soluções mais contundentes para o problema habitacional: “O grande desafio do século XXI, para garantir uma produção habitacional com qualidade arquitetônica, é a implementação de uma nova política nacional de habitação, com fontes estáveis de financiamento e articulação dos entes federativos, que compatibilize os novos princípios adotados nas experiências municipais na última década do século XX com um projeto arquitetônico e urbanístico de qualidade e que tenha identidade com o modo de morar da população brasileira. No âmbito de um novo Sistema Nacional de Habitação, em que a intermediação bancária seja menos determinante, espera-se garantir uma produção massiva para possibilitar o acesso à moradia digna a cada cidadão, ao mesmo tempo em que se constrói uma cidade mais adequada ao convívio humano” (BONDUKI, Nabil e BRITTO LEITE, Maria de Jesus de).
A POLÍTICA HABITACIONAL DO GOVERNO LULA Inaugurando um novo período para a política habitacional, o Governo Lula, ainda em curso através do Governo Dilma, é responsável por lançar as bases da segunda política nacional voltada para a habitação social no Brasil. A criação do Ministério das Cidades (gerido pela Caixa Econômica Federal) possibilitou o surgimento, em âmbito federal, da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, responsável por grande parte da agenda voltada para as habitações de interesse social. Em detrimento às constantes descontinuidades de gerenciamento e financiamento realizadas durante o desenvolvimento urbano das cidades brasileiras, grande parte dos que
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vigoravam até o advento do atual governo permanecem em desenvolvimento. Destacando-se dos demais, além das articuladas ações em âmbito Federal, a injeção de crédito, num período de seis anos, através do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo permitiu a criação de novos programas de cobertura nacional. Dentre eles, destacam-se: Crédito Solidário (2004), Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e Urbanizando Favelas (2007) e o Minha Casa, Minha Vida – MCMV (2009). Segundo a matéria datada de 08/03/2014, do site O Globo2, que acusa o alarmante dado de 2014 em que o déficit brasileiro de habitações era de 6,9 milhões, dentre os quais 85% se encontram nas áreas urbanas, o programa Minha Casa, Minha Vida, desde 2009 (quando a carência era de 5,8 milhões) tinha como meta a construção de um milhão de habitações no período de 2009 a 2010, para a primeira fase do programa, e dois milhões até o final de 2014, para a segunda fase. Recentemente (03/07/2014), diante das promessas eleitorais, Dilma Rousseff anunciou ainda a terceira fase do programa cujo objetivo é contratar, a partir de 2015, a construção de três milhões de habitações.
Imagem 22 – Casas do Programa Minha Casa, Minha Vida. Fonte: <http://www.vaicomtudo.com/wp-content/uploads/2009/04/minha+casa+minha+vida+cadastro.png> Imagem 23 – Edifícios do Programa Minha Casa, Minha Vida Fonte:<http://www.casadicas.com.br/wp-content/uploads/2013/03/apartamentos-residenciais-MCMV.jpg> Acesso em: 26/07/2014
Atuando na compra de terrenos e na construção de empreendimentos habitacionais sob a forma de condomínios ou loteamentos, o programa MCMV fornece casas ou apartamentos para as famílias de baixa renda espalhadas pelo país. Entretanto, desde o seu lançamento, segundo o que
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Déficit Habitacional Brasileiro em 2014, segundo o site O Globo: <http://oglobo.globo.com/brasil/segundoestudo-todos-os-municipios-brasileiros-tem-deficit-habitacional-11827890>.
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dispõe o site da Caixa Econômica Federal 3, 3.389.630 era o número de unidades habitacionais contratadas para as Fases 1 e 2 do programa (até 30/04/2014), porém, somente 1.691.621 habitações foram entregues a população (até a data mencionada). Considerando que pouco menos de 50% das habitações foram entregues à população, apontam-se como alguns dos entraves encontrados, os problemas com o saneamento básico, a aquisição de terrenos e as frequentes patologias encontradas nas obras finalizadas que requerem reparos antes de sua entrega. Apesar de encontrar dificuldades e ainda distante de cumprir a meta estipulada (e a do país), é inegável a atuação massiva do programa MCMV na produção de habitações. Uma vez articulado como política pública nacional, o desenvolvimento seriado e abrangente, financiado sobre bases sólidas, garante com que uma parcela significativa da população com renda inferior a três salários mínimos tenha acesso à moradia. Entretanto, em termos arquitetônicos e urbanísticos, assim como ocorreu durante o Governo Militar e a atuação do BNH, devido à necessidade de velocidade na construção e a padronização dos produtos e processos, pouco se pode dizer sobre a qualidade dos projetos. Enquanto grande parte das novas construções é edificada afastada dos centros urbanos consolidados, onde a terra é mais barata, um modelo padronizado de casas e apartamentos é replicado, muitas vezes desconsiderando as características do local, relembrando, como no passado, as atuações frente à construção de habitações. Salvo raras exceções, como o projeto para o Residencial Wilton Lira, de 2012, do escritório Jirau Arquitetura, de Caruaru - PE, onde o conjunto de decisões demonstrando a boa leitura do terreno e da implantação das residências garantiu a adequada proposição arquitetônica e urbanística, pouco pode ser acrescentado sobre uma nova produção de edificações com identidade própria.
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Site da Caixa Econômica Federal com a matéria “Minha Casa Minha Vida prevê a entrega de 2 milhões de habitações até o fim do ano”: <http://www20.caixa.gov.br/Paginas/Noticias/Noticia/Default.aspx?newsID=904>. Acesso em: 02/09/2014
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Imagens 24 e 25 – Residencial Wilton Lira - Minha Casa, Minha Vida (PE). Arquiteto: Jirau Arquitetos. Fonte: <http://www.leonardofinotti.com/projects/minha-casa-slash-minha-vida/image/62301-120928-002d> Acesso em: 26/07/2014
Muito embora o programa Minha Casa, Minha Vida seja extremamente importante ao corresponder quantitativamente à demanda de moradias brasileiras, qualitativamente, nota-se que ainda prevalecem as iniciativas realizadas independentemente de forma alternativa pelos municípios ou através de concursos de arquitetura, sem vínculos com o programa em questão. O Conjunto Jardim Edith, de autoria dos escritórios MMBB Arquitetos e H+F Arquitetos; O Residencial Bamburral, do escritório Brasil Arquitetura; e os projetos realizados para o Concurso Renova SP, são alguns destes exemplos.
Imagem 26 – Jardim Edith (SP). Arquitetos: MMBB e H+F Arquitetos. Fonte:<http://www.archdaily.com.br/br/01-134091/conjunto-habitacional-do-jardim-edite-mmbb-arquitetos-mais-h-mais-farquitetos/520a11d8e8e44e80d1000048> Imagem 27 – Residencial Bamburral (SP). Arquitetos: Brasil Arquitetura. Fonte: <http://www.brasilarquitetura.com/projetos.php?mn=26&img=07&bg=img&mn2=157> Acesso em: 26/07/2014
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Imagem 28 – Renova SP – Cabuçu de Baixo 5. Arquitetos: MAS Urban Design + ETH Zurique + MAS+PMA. Fonte: <http://concursosdeprojeto.org/2011/08/31/concurso-renova-sp-grupo-1-cabucu-de-baixo-5-01/> Imagem 29 – Renova SP – Cabuçu de Baixo 12. Arquitetos: Monica Drucker + Ruben Otero + Ciro Pirondi. Fonte:
<http://www.archdaily.com.br/br/01-4743/concurso-renova-sp-grupo-3-lote-9-cabucu-de-baixo-12-1-graus-lugar-
monica-drucker/4743_4758> Imagem 30 – Renova SP – Água Vermelha 2. Arquitetos: Libeskindllovet Arquitetos + Jansana, de la Villa, de Paauw, Arquitectes. Fonte:
<http://www.archdaily.com.br/br/01-2440/concurso-renova-sp-grupo-1-lote-17-agua-vermelha-2-1-graus-lugar-
libeskindllovet-arquitetos-mais-jansana-de-la-villa-de-paauw-arquitectes> Acesso em: 26/07/2014
Portanto, apesar de consolidada uma nova política nacional de habitação e de sua correspondência positiva no combate à escassez de moradias, resta agora a sua adequação quanto ao equilíbrio relativo entre os custos admissíveis para os projetos populares e a estética e o funcionalismo arquitetônico e urbanístico necessários para a construção de uma cidade mais digna e justa para todas as classes sociais. Seja através do barateamento proporcionado pela industrialização, seja pelos processos de autogestão baseados nas técnicas do mutirão, é inegável que a presença da tecnologia, a oferta de mão de obra e a absorção cultural de uma nova técnica construtiva podem proporcionar o início da alteração de um sistema que por vezes insiste em não avançar.
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A CIDADE Segundo o site da Prefeitura Municipal de São José dos Campos 4, esta é uma “cidade que une cultura, tradição e tecnologia.” Em seu centro localizam-se “institutos federais de pesquisa científica, empresas de tecnologia de ponta, prédios de arquitetura arrojada, universidades, faculdades e centros de formação de mão de obra qualificada.” Já na zona rural, cuja área “concentra quase 70% do território do município”, grande parte de sua vegetação é protegida como área de preservação ambiental. Caracteriza-se como o principal município da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e o “mais importante polo aeronáutico e aeroespacial da América Latina”. A população preserva ainda parte da cultura local, influenciada pela “história dos bandeirantes”, que cruzaram o território trilhando os caminhos “rumo ao ouro das Minas Gerais, e dos tropeiros que vinham do sul do estado vizinho”. “Localizada estrategicamente entre São Paulo e Rio de Janeiro e ligada por modernas rodovias e pelo aeroporto joseense”, a cidade fica próxima das praias do litoral norte do Estado, “da região serrana e de outros destinos turísticos do vale”. Por estas, viajando cerca de uma ou duas horas, “é possível chegar a Ubatuba, Campos do Jordão ou Aparecida, onde fica a Basílica Nacional, maior santuário mariano do mundo”. Por fim, destaca-se no Brasil devido ao “potencial de negócios”, uma vez que a cidade, possuidora de polos industriais e tecnológicos e centros educacionais técnicos ou de nível superior, resguarda grande movimentação de pessoas, mercadorias e serviços, na maior parte do tempo interligados com São Paulo, Rio de Janeiro e com as cidades vizinhas. HISTÓRICO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS | SÃO PAULO A revista “São José em Dados | 2008”, publicação editada pela Divisão de Pesquisa da Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura Municipal de São José dos Campos, contextualiza o município expondo os seus aspectos histórico, político, econômico, social e cultural. A fim de ressaltar informações que complementem o entendimento da estruturação da cidade, destacam-se alguns fragmentos de seu conteúdo.
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Histórico. Site da Prefeitura Municipal de São José dos Campos: http://www.sjc.sp.gov.br/sao_jose.aspx
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Inicialmente ocupado por uma “fazenda pecuária, criada oficialmente a partir da concessão de sesmarias, por volta de 1950, a pedido de padres jesuítas”, o território joseense iniciou a sua configuração. Localizada às margens do Rio Comprido, atual divisa entre esta e a cidade vizinha, Jacareí, foi classificada como “fazenda de gado”, pelos próprios jesuítas, para “ocultar dos bandeirantes uma missão caquética” de nome “Aldeia de São José do Rio Comprido”. Com o objetivo de regulamentar a “instalação de índios dispersos, administrados por religiosos” a lei de 10 de setembro de 1611, sem nome, transformava a fazenda em “missão de catequese”. Tendo os colonos paulistas se sentido prejudicados, uma vez que “dependiam da exploração de mão de obra escrava indígena”, um conflito fez com que os “jesuítas fossem expulsos e os aldeãos espalhados”. Retornando alguns anos depois, os jesuítas se instalam “a 15 quilômetros da antiga aldeia”, no local onde hoje se concentra o centro comercial e histórico da cidade. Mesmo se caracterizando como uma nova missão, oficialmente foi tratada como “fazenda de gado”, além de este novo local possuir ”visão privilegiada da área que circundava a aldeia, garantindo maior segurança contra invasões, enchentes e permitindo boa ventilação e insolação”. Esta ocupação, por assim ser, pode ter o seu “plano teórico e prático” atribuído ao padre jesuíta Manoel de Leão, que se ocupava de administrar a nova aldeia, já que, desde que esteve em São Paulo, em 1663, sempre se ocupou desta tarefa junto a “fazendas mais remotas”, como o caso deste aldeamento. Já no século 18, com a “descoberta de ouro nas minas gerais”, o aldeamento perde relativa importância, “passando por sérias dificuldades em razão da saída de mão de obra para o trabalho nas minas”. Além disso, em 1759, quando os jesuítas são expulsos do Brasil, “todos os bens dessa ordem religiosa, tais como fazendas, colégios e aldeias” passaram a ser propriedade da Coroa. Incumbindo o “governador da província, D. Luís Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus”, de tornar as novas terras produtivas para “ampliar a arrecadação de impostos”, o governador solicitou, “e recebeu do Vice-Rei, permissão para criar freguesias e vilas”, podendo assim atender aos interesses da coroa, tributando-as. Antes disso, em 27 de Julho de 1767, a “aldeia foi elevada à categoria de Vila”, denominando-se, a partir de então, de “São José do Paraíba”. Com o pelourinho erguido na atual Rua Vilaça, próximo ao cemitério, foi feita a eleição da Câmara, promovendo a “condição de vila”. Apesar desta categorização, por um longo período quase nenhum progresso foi notado, uma vez que a “Estrada Real” passava por fora de seus domínios. Quase no século 19, a Vila de São José do Paraíba começa a apresentar “sinais de crescimento econômico” por conta do desenvolvimento da agricultura do algodão - quase que
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totalmente “absorvida pelo mercado inglês” - e pelo “desenvolvimento quase simultâneo da cultura cafeeira no Vale do Paraíba”. Em 1864, a Vila é elevada à categoria de Cidade sendo, em 1871, denominada, finalmente, de “São José dos Campos”, atingindo o seu auge produtivo quando já contava com o a presença da “estrada de ferro inaugurada em 1877”.
Imagem 31 – Mapa do Estado de São Paulo com destaque para São José dos Campos. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Jos%C3%A9_dos_Campos> Imagem 32 – O Banhado: área de proteção ambiental de 4,32 milhões de metros quadrados. Fonte: <http://www2.guiasjc.com.br/noticias/banhado-reduzido/> Acesso em: 28/07/2014.
Após uma “grande geada ocorrida no município”, a pecuária leiteira começa a “ser introduzida com mais intensidade a partir de 1918”, sendo relativamente importante para a cidade até a atualidade. É neste mesmo período em que também acontece “perceptível procura do município para o tratamento de tuberculose, devido às condições climáticas supostamente favoráveis”. Gradativamente se cria uma estrutura de atendimento com a “implantação de pensões e repúblicas”, inaugurando, em 1924, o Sanatório Vicentina Aranha, muito embora tenha sido somente em 1935, quando São José dos Campos “foi transformado em Estância Climatérica e Hidromineral”, que a cidade passou a investir em infraestrutura, principalmente no tangente ao saneamento básico.
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Imagem 33 – Sanatório Vicentina Aranha (1924) Fonte: <http://www.guiapassaport.com.br/imagens/tumbs/site/ampli_guiapassaport_ilhabela_24042012181411_715_0.jpg> Imagem 34 – Atual Parque Vicentina Aranha Fonte: <http://www.visitesaojosedoscampos.com.br/wp-content/gallery/sanatoriovicentina/1185380035_vicentina_aranha_foto_2__andre_freire_divulgacao.jpg g> Acesso em: 20/02/2014
Com o advento da penicilina, em 1940, a tuberculose começa a ter tratamento ambulatorial e a função sanatorial da Cidade, até então principal atividade característica do município, passa a declinar. Com a infraestrutura estabelecida e o saneamento consolidado, a “atração de investimentos destinados ao desenvolvimento industrial”, foi uma das alternativas encontradas para o contínuo desenvolvimento de São José dos Campos. Para tanto, a “lei municipal nº 4, de 13 de maio de 1920, concedia isenção de impostos por um período de 25 anos e terreno gratuito” para atrair os investimentos industriais para a cidade. Instalam-se, então, em 1924, a “Fábrica de Louças Santo Eugênio”, situada na atual Avenida Nelson D’Ávila, e, em 1925, a “Tecelagem Parayba, especializada em brim, que depois se transformou em fábrica de cobertores”. No entanto, pode-se dizer que o processo de industrialização só se impulsiona em 1950 quando surge o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), hoje Comando Geral de Tecnologia Aeroespacial que pertencente ao Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA). Concomitante a este processo, inaugura-se a Rodovia Presidente Dutra, permitindo “um acesso mais rápido tanto para o Rio de Janeiro quanto para São Paulo, os maiores centros industrializados do país, que já apresentavam sinais de saturação”. Estes são os principais fatores que permitiram a atração de “indústrias de grande porte nas décadas de 1960/1970”, para a cidade de São José dos Campos. Em 1961, a cidade recebe o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), responsável por aprimorar a “estrutura educacional do município”, consolidando-o como “um polo científico e tecnológico formador de mão de obra especializada”. Com isso, houve intensa viabilização da
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instalação de “empresas nacionais de base tecnológica nos ramos aeroespacial, bélico e eletrônico, assim como nos setores automobilísticos, farmacêutico e de telecomunicações”, como é o caso da EMBRAER, General Motors e Johnson & Johnson. Acompanhando o desenvolvimento econômico através da industrialização, São José experimentou “intenso crescimento demográfico, acelerando a urbanização e ocasionando problemas”, levando o poder público a promover diversas interferências nas zonas urbana e rural para corrigir distorções como as ocupações irregulares, por exemplo. A crise econômica que assola todo o país na década de 1980 afeta drasticamente o município. Principalmente no que “diz respeito ao mercado de trabalho”, houve pouca chance de manter elevados os índices e, por consequência, a queda na arrecadação e a diminuição dos investimentos nos setores público e privado, fizeram com que São José dos Campos se estagnasse em termos econômicos e sociais. Foi somente na década seguinte, quando houve “estabilidade econômica alavancada em nível nacional”, que a cidade volta a receber “novos investimentos privados e a apresentar sinais de crescimento econômico”. Por fim, “a posição estratégica em relação às duas maiores regiões metropolitanas do país e a proximidade do Porto de São Sebastião e da Serra da Mantiqueira” consolidam São José dos Campos como “um centro regional de compras e serviços do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Sul de Minas Gerais”, suprindo uma demanda da ordem de dois milhões de habitantes. INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES O site da Prefeitura Municipal de São José dos Campos disponibiliza5 ainda outros dados relevantes para a caracterização da cidade, listando-os: Área total: 1.099,6 km² Área urbana: 353,9 km² Área rural: 745,7 km² Área de proteção ambiental: 52,36 % do território Clima: Mesotérmico úmido com estação seca no inverno Altitude (cidade): Aproximadamente 600 m Distâncias: 97 km de São Paulo, 343 km do Rio de Janeiro, 150 km de Campinas (SP) e 111 km do Porto de São Sebastião (SP).
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Caracterização. Site da Prefeitura Municipal de São José dos Campos: http://www.sjc.sp.gov.br/cidade/caracterizacao.aspx
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Coleta seletiva (população atendida) - (Urbam - 1º sem/2011)
95%
Coleta de lixo (núcleo urbano) - (Urbam - 1º sem/2011)
95%
Coleta nos eco pontos
5%
Total de resíduos sólidos recebidos - (Urbam - 1º sem/2011)
686,5 toneladas/dia
Material reciclável recebido - (Urbam - 1º sem/2011)
46 toneladas/dia
Resíduos hospitalares recebidos - (Urbam - 1º sem/2011)
3 toneladas/dia
Ligações de água (domiciliar, comercial e pública) - (Sabesp - outubro/2011).
188.530
Ligações residenciais de esgoto (domiciliar, comercial e pública)
170.061
Tratamento de esgoto sanitário - (Sabesp - outubro/2011)
88%
Tabela 01: Saneamento Ambiental Fontes: Urbam e Sabesp Orçamento do município (em milhões de reais) - 2013¹
1.837,50
Produto interno bruto - PIB - São José dos Campos (em milhões de reais) - 2010²
24.117,14
Participação no PIB do Estado - 2010²
1,93%
Participação nas exportações do estado de São Paulo - 2011²
8,88%
Participação dos setores econômicos no Valor Adicionado de São José dos Campos - 20102 Indústria
51,16%
Serviços
48,64%
Agropecuária
0,20%
Tabela 02: Economia e Finanças Fontes: PMSJC - Secretaria Municipal da Fazenda e Fundação SEADE/IBGE
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A “BEIRA RIO” Localizada na Zona Oeste do município de São José dos Campos, às margens do Rio Paraíba do Sul, ainda dentro do perímetro urbano da cidade, a Comunidade Beira Rio iniciou a sua ocupação em meados de 1950, através de um povoado de pescadores, em terras particulares de uma fazenda. Como expõe a página na internet6 dedicada a propagar e preservar a cultura local, em 2011 abrigava 35 famílias, aproximadamente 140 pessoas, “todas com origem na família de Manoel Ramos”, que habitava o local junto das suas irmãs, com a autorização do proprietário da terra. Quando as irmãs do senhor Ramos cresceram e se mudaram para a cidade, este “convidou o seu sobrinho Alziro Ramos e sua esposa Antônia, para morar com ele e ajudá-lo na pesca”. Neste momento, quando as casas ainda eram construídas de pau a pique, a “família cresceu e os 14 filhos de Alziro com Antônia, com o passar dos anos vieram a se juntar com os filhos do primeiro casamento de Alziro”.
Imagem 35 – Casa de Pau a Pique, Início da ocupação da Comunidade Beira Rio. Fonte: <http://artebeirario.blogspot.com.br/> Imagem 36 – Pescador da Comunidade Beira Rio. Fonte: <http://artebeirario.blogspot.com.br/> Acesso em: 20/02/2014
A pesca, até então a principal atividade da comunidade, era feita tanto no Rio Paraíba quanto no Rio Jaguari. Considerando ser este um momento de extrema fartura de peixes e contando ainda com a facilidade de capturá-los, além de alimentar os habitantes da comunidade, 6
Site da internet destinado à Comunidade Beira Rio: http://artebeirario.blogspot.com.br/
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grande parte da produção era “comercializada no mercado municipal de São José dos Campos”, na região central. Por outro lado, apesar do sucesso em sobreviver da pesca, a Comunidade Beira Rio “viveu em condições muito precárias e isolada da cidade até o final dos anos 1980, quando foi construída a ponte do bairro Urbanova”, loteamento destinado a receber condomínios privados de casas unifamiliares de alto padrão. Antes mesmo da “existência da ponte, as crianças frequentavam a escola que ainda hoje atende a região7, sendo que a travessia do rio era feita de barco ou em uma balsa improvisada, seguida de uma caminhada de mais de dois quilômetros”. Já nos anos 2000, a comunidade mais uma vez é obrigada a se deslocar de barco até outras localidades quando, por decisão dos novos proprietários da fazenda, a “passagem que dava acesso à ponte” é bloqueada, deixando-os isolados do restante da cidade. A favor dos ribeirinhos, algumas “instituições que davam assistência à comunidade” (Universidade do Vale do Paraíba – UNIVAP e a Igreja Católica através da Paróquia da Sagrada Família) além do apoio da imprensa, “o caso foi parar na justiça”, garantindo-lhes o direito de permanecerem no local e obrigando os proprietários a reabrirem o acesso à ponte. Com o advento e consolidação do parque industrial da cidade e da malha urbana, alguns impactos sobre o meio ambiente fazem com que o Rio Paraíba se transforme, e, mesmo que não seja possível comprovar que a causa deste processo tenha sido proveniente destes fatores, ocorre sua degradação. “Com a diminuição dos peixes”, a comunidade se vê obrigada a procurar por outras formas de sobrevivência e, além da pesca diminuta, passam a exercer atividades na construção civil (em obras que consolidam a urbanização da cidade) e em trabalhos domésticos. Além disso, “a horta, a construção de barcos, a fabricação de redes artesanais, de sabão de óleo e artesanatos como colares de malha”, eram cultivados e produzidos na comunidade para uso próprio ou para serem vendidos no mercado municipal (em complemento à renda familiar), mas mesmo assim insuficientes para “garantir uma vida tranquila”. Em termos sociais, desde a construção da ponte, a Comunidade Beira Rio é assistida pela Paróquia da Sagrada Família e pela UNIVAP. A primeira “desenvolve atividades diversas, atuando não só na área de evangelização, mas também na área social, educacional e transmitindo noções básicas de saúde”. Já a segunda, como exposto no site da instituição8, através do “Projeto Social Vale a Pena Viver”, mantém no local “uma sala de aula para crianças de 2 a 6 anos, como extensão 7
Antiga Escola Marilda Ferreira de Brito Barros Pereira (Ensino Fundamental, Médio, Educação de Jovens e Adultos), localizada na Rua Manoel Saldanha, 401, Vale dos Pinheiros. Atual Colégio Ciclo. 8 Site do “Projeto Social Vale a Pena Viver” desenvolvido pela UNIVAP: http://www.univap.br/responsabilidade_social/atendimento/beira_rio.php
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da escola EEFI Prof. Stephan Boehmisch contando com apoio da Professora Zuleide”, além de atender “as expectativas de todas as famílias que ali residem, inclusive dando apoio as tarefas de trabalho de casa dos alunos de 7 a 14 anos, que vão para outra escola estadual”. Portanto, são desta época “os containers com sanitários, a biblioteca e a grande tenda que funciona como sala de aula e que hoje também é usada para celebrações das missas e ponto de encontro da comunidade”.
Imagem 37 – Escola Infantil e Espaço Religioso da Comunidade Beira Rio. Fonte: <http://artebeirario.blogspot.com.br/> Acesso em: 20/02/2014 Imagem 38 – Tenda de sala de aula e cultos ecumênicos. Fonte: Arquivo Pessoal (Dezembro 2013)
São realizados ainda alguns “Programas Recreativos, Odontológicos e de Terapia Ocupacional que são ministrados por profissionais e estagiários supervisionados”. Em 2006 inicia-se “O Projeto Horta Comunitária” que tinha como função beneficiar as famílias interessadas em relativa subsistência e concomitante recebimento de pequena renda, obtida com os produtos cultivados. Atualmente alguns destes projetos já não existem, mas a estrutura e o legado proporcionados à Comunidade Beira Rio garantiram a sua relativa inclusão social. Em termos infraestruturais, “atualmente a comunidade possui luz elétrica, água encanada e fossa séptica”, na maior parte das casas e nos contêineres fornecidos pela UNIVAP. As edificações habitacionais, por sua vez, complementaram e/ou substituíram a estrutura de pau a pique por alvenaria, sendo executadas através da técnica de “autoconstrução” pelos próprios moradores, sem acabamento detalhado e inadequada ventilação e iluminação. Estas 35 residências abrigam aleatoriamente os 140 moradores, sendo variado o número de pessoas que compõe o núcleo familiar. Considerando esta dinâmica social, é muito comum a expansão ou retração familiar e, por isso, as casas tentam corresponder à demanda. Por assim ser, é comum adentrarmos em uma viela
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e identificar a diferença tipológica (em número de quartos, ou ambientes), com a presença de um único banheiro coletivo para o conjunto. São raras as exceções onde uma casa maior possui um banheiro individualizado. As áreas ou equipamentos de lazer se restringem ao próprio rio, onde os moradores pescam e nadam (inclusive as crianças), além de um gramado encharcado, na entrada da ocupação, onde jogam o futebol9. Pode-se destacar também o local próximo a grande tenda que, durante algum tempo, funcionou como um espaço infantil ou playground, dando suporte às atividades escolares, hoje desmontado e inutilizado.
9 A fim de retratar a realidade da comunidade e tornar transparentes as informações aqui mencionadas, recomendo assistir ao Documentário intitulado “Beira Rio” (2011), 42 min., do produtor e cineasta Diogo Costa Pinto (anexo a este trabalho) ou on-line através do site: <http://vimeo.com/49436869>.
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Imagens 39 e 40 – Quarto e cozinha de uma residência da Comunidade Beira Rio. Fonte: Arquivo Pessoal (Dezembro 2013) Imagens 41 e 42 – Edificações autoconstruídas da Comunidade Beira Rio. Fonte: Arquivo Pessoal (Dezembro 2013) Imagem 43 – O Rio Paraíba como “equipamento” de lazer da comunidade. Fonte: Documentário “Beira Rio” (2011). Imagem 44 – O gramado que serve de campo de futebol para a Comunidade. Fonte: Arquivo Pessoal (Dezembro 2013)
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A PROPOSTA A abordagem inicial do projeto da Vila Beira Rio contemplava uma intervenção arquitetônica e urbana nas atuais edificações e lugares de convivência, acrescentando à sua estrutura os espaços de lazer, estar e pontuais locais de comércio. Objetivando a não interferência na intrínseca relação de seus moradores com o Rio Paraíba, caberia ao projeto a complexa ação de realizar específicos redesenhos urbanos, possibilitando a conexão física e visual do transeunte, desde o acesso da comunidade, passando pelos locais de permanência e lazer, até a frente d’água. Além disso, seria necessária também a adequação física das edificações, em prol da redução da insalubridade, dimensionamento e funcionalidade. Lançado o desafio, a análise rigorosa da implantação da comunidade em busca das possíveis aberturas urbanas, espaços cheios e vazios e vegetação existente, revelou a comum tipologia das favelas surgidas espontaneamente: caminhos tortuosos, becos sem saída e vielas com inesperadas aberturas para o acesso ao rio. Entretanto, muito embora resguarde a sua beleza como expressão de uma morfologia ou desenho de espaços, pouco oferecia em termos de potencialidades para o necessário redesenho. A presença de edificações obstruindo passagens e a densa vegetação contribuía consideravelmente para o aumento na dificuldade de intervenção. Em termos funcionais, percebese que a lógica de composição espacial da comunidade, muito embora tenha suas qualidades (casas interligadas e caminhos que levam ao rio), pouco oferecia como espaço útil - dentro do contexto da comunidade - para o bom dimensionamento das circulações e a relocação das eventuais casas desapropriadas. Estas, por sua vez, são construídas sobre a convencional fundação radier, suas paredes executadas em alvenaria e os telhados, com raras exceções, em telhas de fibrocimento o que demonstra o caráter de consolidação do local.
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Imagem 45 – Em vermelho o acesso principal. Em amarelo o campo de futebol. Em laranja as conexões com o Rio Paraíba.
Insistindo na possibilidade de intervenção, o contato pessoal com a Secretaria de Planejamento Urbano, a Secretaria de Regularização Fundiária e a Secretaria do Meio Ambiente de São José dos Campos, permitiu o conhecimento de ser esta uma comunidade caracterizada como Zona Especial de Interesse Social - ZEIS desde 2009, mesmo ainda não possuindo nenhum projeto de regularização fundiária para o local, levantamento arquitetônico e estudo urbanístico. Em conversas mais aprofundadas e extensas com a Secretaria de Regularização Fundiária, foi possível a apresentação da ideia inicial deste trabalho. Fui informado de que, muito embora consolidada desde a década de 50 e tida como ZEIS, a “Beira Rio” – e muitas outras comunidades joseenses – se enquadram nesta categorização unicamente por serem ocupações irregulares e que, mesmo ZEIS e protegidas por lei, principalmente por se localizarem dentro de áreas privadas e/ou áreas de proteção permanente, possivelmente serão removidas por oferecerem risco a vida dos seus moradores, além do elevado estado de precariedade de suas instalações (muitas das comunidades ainda não possuem infraestrutura). Além disso, em análises concomitantes e conclusões sugestivas, observei a possível causa da situação crítica da “Beira Rio” e, clara e evidente a ocupação do seu entorno, impulsionada pela
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especulação imobiliária, pode ser vista como uma de suas principais causas. Do lado esquerdo da cerca divisória da propriedade privada onde está inserida a “Beira Rio”, desponta um dos mais recentes condomínios horizontais de residências unifamiliares de alto padrão, muito comum na região. Ainda com poucas edificações e numerosos lotes disponíveis, é notória a pressão imobiliária sobre o local, principalmente quando se percebe o prolongamento da pavimentação da via que acessa o condomínio e se estende até a cerca divisória referida.
Imagem 46 – Em vermelho a linha que define o condomínio (à esquerda) e a fazenda (à direita). Em laranja a demarcação da comunidade Beira Rio.
Sendo assim, apesar da grande possibilidade de ser o deslocamento periférico e distante do Rio Paraíba, o futuro da “Beira Rio” e, por mais desestimulante que tenha sido a vontade de continuar com o projeto da “Vila Beira Rio”, engajei-me em reestudar a legislação. Ampliando o foco para o Bairro da Urbanova (local onde estão inseridos os condomínios fechados de alto padrão e a fazenda privada onde se encontra a comunidade), notei que o Zoneamento Urbano propunha diretrizes urbanísticas, somente para a área do bairro. Por coincidência ou não, limitava-se exatamente na divisa dos referidos condomínio e fazenda, ficando esta última sob consulta especial junto à Secretaria de Planejamento Urbano - caso houvesse necessidade de edificar – uma vez que não possui definições prévias sobre a forma de ocupação e uso do solo.
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Imagem 47 – Zoneamento do Bairro evidenciando as diretrizes para os condomínios (em azul claro, ZR1), a Zona de Qualificação, sem definição de diretrizes específicas (em cinza, ZQA) e a ZEIS da Beira Rio (acima da ZPA2).
Imediatamente a esta constatação, consultei pela última vez a Secretaria de Planejamento Urbano e, sem retornos esclarecedores, fui informado de que a área estava sob análise e que não haviam definições imediatas para o uso e a ocupação do solo. Assim sendo, repensei a abordagem do projeto e vi que, muito embora ainda fosse possível intervir na estrutura existente da comunidade, ainda assim, defrontar-me-ia com o conflitante dogma entre o que diz a legislação sobre a impossibilidade de ocupar uma Área de Proteção Permanente (por conta do risco à vida e da necessidade de preservar o ambiente natural), com a ética acerca de um deslocamento periférico da comunidade arriscando a sua perda de identidade. Com a consistente formação acadêmica obtida durante a graduação no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco, e ciente da complexidade do tema, de seu envolvimento necessário com outras disciplinas e do seu não encerramento como projeto – uma vez que o diálogo com a comunidade deve ser ainda mais intenso e sugestivo do que foi – resolvi por deslocar a “Beira Rio” para o limite definido pela APP e, portanto, próximo da comunidade existente e com ligações físicas e visuais diretas com o Rio Paraíba. Assim, significativa parcela da identidade dos seus moradores para com o local, pode ser mantida e os impactos sociais reduzidos (principalmente quando comparados aos ocasionados por um deslocamento periférico). A justificativa maior para o feito se dá quando consigo, por fim, responder ao que dispõe a legislação sobre os limites não ocupáveis de uma APP, a permanência da identidade dos moradores em relação ao local de origem, bem como a possibilidade de sugestão de um
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zoneamento urbano para a área da fazenda (ou parte dela), que considere também a diversidade de classes sociais no contexto do bairro da Urbanova, tendo como âncora e ponto de partida, o projeto e a história da “Vila Beira Rio”. O TERRENO Localizado próximo da atual ocupação e a cem metros do Rio Paraíba, o terreno da Vila Beira Rio se encontra assim definido: a Sul, pelo limite de cem metros estabelecidos a partir da margem do rio (conforme dispõe o Art. 4º, no item I, do Código Florestal de 2012, sobre a dimensão da Área de Proteção Permanente em relação à calha do rio); a Norte, pela topografia natural; a Leste, pela vegetação virgem e a Oeste, pelo traçado natural do Talvegue que converge até o rio.
Imagem 48 – Em laranja o Terreno. Em vermelho a delimitação da APP. Em azul os talvegues. Em marrom a topografia.
Apesar do relevo montanhoso da região e da proximidade com o rio, excetuando-se as curvas de nível delimitantes da face Norte do terreno, tem-se quase imperceptível declividade natural até o caimento mais acentuado da margem do Rio Paraíba. Muito embora localizado próximo de suas margens, é da década de 1960 o último registro de enchente no Vale do Paraíba.
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E por assim ser, pode-se considerar o solo natural suficientemente compactado e pouco encharcado, propício para ocupação. Pertencente a um bolsão onde se encontram os já mencionados condomínios de casas de alto padrão e a fazenda, o terreno ainda carece de infraestrutura urbana, voltada para o esgoto e a oferta de transporte público. Porém já conta com o fornecimento de água encanada e luz elétrica. Viabilizando o projeto da Vila Beira Rio, possibilitando futuras ocupações ordenadas de cunho habitacional e mesclando as diferentes classes sociais, é possível complementar a rede infraestrutural voltada para o saneamento, além da oferta de meios de transporte coletivo, desenvolvendo a região. ESTUDOS DE CASO A arquitetura e o urbanismo atrelados às políticas públicas eficientes que vislumbrem a regularização fundiária, a implementação de infraestruturas para urbanização, a requalificação dos espaços ocupados e a inclusão social dos seus habitantes, promovem respostas significativas para as demandas de habitação. Muito mais do que uma correspondência em números, é necessário um adensamento consciente, que intercale proporcionalmente espaços horizontais e verticais. Que exista a presença dominante do homem sobre o espaço público ou comunitário, como instrumento de apropriação, possibilitando torná-lo eficiente, por exemplo, na proposição do lazer, da confecção de artesanato, ou na manutenção de uma horta, por exemplo. Considerando o local onde se insere e as peculiaridades que o caracterizam, é interessante ressaltar as possibilidades de desenvolvimento espacial e de implantação arquitetônica, tornando ainda mais evidente os potenciais do lugar. Possibilitar ainda, uma vez que a arquitetura também o deve ser, que os materiais e técnicas construtivas sejam de preços acessíveis e eficientes para cumprirem com a sua função, principalmente quando o enfoque se direciona para a habitação social. ACÁCIO GIL BORSOI: O PROJETO DE TAIPA PRÉ-FABRICADA (CAJUEIRO SECO) A experiência habitacional do Cajueiro Seco, desenvolvido em Pernambuco, entre 1963 e 1964, ainda no governo de Miguel Arraes, por mais que interrompida pelo Regime Militar, deixa um
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singular legado quando ao se configurar como um “paradigma nacional de participação popular e aproximação entre o moderno e o vernacular na arquitetura” 10. Cabe ressaltar que concomitante a experiência de Cajueiro Seco, havia na Europa uma movimentação muito grande sobre os rumos do Movimento Moderno, bem como a forma de abordagem dos projetos de habitação social. É nesse ínterim que Acácio Gil Borsoi se empenha, toma conhecimento dos projetos e arquitetos mais influentes e observa as ponderações realizadas durante os CIAMs (sobretudo acerca do racionalismo e da produção em larga escala), bem como o que acrescenta o Team 10 (sobre a pré-fabricação, a valorização dos espaços urbanos e da arquitetura, voltados para a correspondência aos valores humanos). Quando retorna ao Brasil, Borsoi se une a uma mobilização de arquitetos brasileiros para soluções multidisciplinares que, dentre a gama de assuntos retratados, destacam-se aqueles voltados para a questão social e os projetos de cunho habitacional. Sobre este momento, cabe ressaltar o que disse ele mesmo e o arquiteto recifense Flávio Marinho Rêgo, no Inquérito de 1961, sobre os obstáculos enfrentados no Brasil, diante do problema da habitação social: “Nós, arquitetos, devemos ter consciência de que vivemos dentro de uma estrutura capitalista, e que se quisermos fazer alguma coisa neste campo será tentando compatibilizar o social e o econômico com o arquitetônico” (BORSOI, 1982).
“Sente-se, no entanto que dentro do nosso esquema social uma série de medidas poderiam (sic) ser tomadas para tentar, se não resolver de uma maneira clara e permanente o problema, pelo menos encaminhá-lo: a industrialização da construção procurando desenvolver métodos de pré-fabricação que fossem capazes de baratear os preços; uma legislação rigorosa com vistas a coibir a especulação imobiliária; o estudo das migrações procurando fixar o homem ao campo diminuindo o superpovoamento das cidades; a obtenção ou aproveitamento de áreas existentes próximas aos locais de trabalho; a criação de créditos populares a longo prazo e com juros baixos; a fixação dos aglomerados improvisados existentes. Pela melhoria das construções, com o fornecimento de materiais de construção básicos, auxílio técnico e utilização voluntária de mão de obra residente, procurando estimular o auxílio mútuo. A ideia é transformar aqueles aglomerados (favelas, etc.) em bairros, aparelhando-os da melhor maneira possível e procurando utilizar sua implantação natural e desenvolvimento espontâneo. Os casos deveriam ser estudados de per si, cada qual exigindo trabalho próprio. A recuperação não deveria ser feita através de um planejamento idealizado e imposto e sim por um planejamento orgânico a longo prazo que se moldasse às contradições e particularidades existentes em cada caso. 10
Tese de mestrado “Reconstruindo Cajueiro Seco: arquitetura, política social e cultura popular em Pernambuco (1960-64)” de Diego Beja Inglez de Souza. Disponível em: <http://www.pucsp.br/revistaaurora/ed8_v_maio_2010/artigos/ed/9_artigo.htm>
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Um planejamento desse tipo permitiria preservar as tradições culturais daquelas sociedades em formação (música popular, costumes religiosos particulares, artesanatos, etc.) e recuperar o pequeno número de marginais existentes pela integração em seu habitat natural, harmonizando socialmente sem a destruição da sua tradição cultural e introdução de costumes impostos e racionalizados” (ARQUITETURA IAB/GB Nº 3, 1961).
O projeto de Cajueiro Seco começa a ser desenvolvido então imbuído desta vontade de mudança do cenário habitacional e desde o seu início se caracteriza de particularidades. A começar pelo seu plano urbanístico, desenvolvido antes mesmo das definições da taipa pré-fabricada, demonstra claramente a referência advinda do exterior. Borsoi retratou o módulo de assentamento como uma “Super Quadra” e com isto, muito embora resgate semelhanças com a experiência de Brasília origina uma cidade satélite que, como característica, tinha a formação de um “núcleo urbano relativamente autônomo, dotado de equipamentos coletivos” e determinando distâncias que pudessem ser percorridas a pé pelos seus moradores. Assim, a maior conquista deste desenho foi a “inserção de uma comunidade marginal à Grande Recife, onde, mais importante do que as unidades habitacionais em si, eram os equipamentos comunitários e as dinâmicas de fixação da população ao território e desenvolvimento do grupo humano”.
Imagem 49 – Plano Urbanístico de Cajueiro Seco Fonte: BORSOI, Acácio G. Arquitetura como manifesto. Santa Marta: Recife, 2006.
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A taipa pré-fabricada surgiu então como uma alternativa ao processo construtivo, barateando a construção e permitindo a eficiência do processo, através do amplo conhecimento da taipa, convergindo para que a execução da obra fosse mais acelerada e contasse com a participação efetiva dos seus futuros moradores, através da técnica de mutirão. E por assim ser, além da familiaridade com o material construtivo, Borsoi direciona para que as edificações possuam identidade própria, ao mesmo tempo em que renuncia a forma final e acabada da sua arquitetura. Ou seja, apesar das determinações arquitetônicas e formais da obra, a estética final do conjunto poderia ser alterada, sem que houvesse a sua perda anteriormente almejada.
Imagem 50 – Montagem da estrutura da taipa pré-fabricada. Fonte: BORSOI, Acacio. Arquitetura como manifesto. Santa Marta: Recife, 2006.
Configurando-se como um dos principais projetos daquela época, é notável a repercussão das ideias defendidas por ele, mesmo nos dias atuais. Além disso, a tradução arquitetônica e urbana realizada na experiência de Cajueiro Seco possibilita interpretar muito mais da arquitetura e do urbanismo: é um reflexo sobre a política pública, a pré-fabricação e as reformas de cada indivíduo diante da sociedade. ELEMENTAL – QUINTA MONROY (CHILE) Localizado na cidade de Iquique, no Chile, o projeto Quinta Monroy é de autoria da empresa Elemental, associada à Companhia de Petróleos do Chile (COPEC) e à Pontifícia Universidade Católica do Chile. Com o objetivo de atender a classe mais pobre da população, em 2004, é desenvolvido o projeto para radicar as 100 famílias que viviam ilegalmente neste terreno de 0,5 hectares, há mais de 30 anos. A necessidade de informar ao governo que a erradicação destas
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famílias para a periferia os afastaria das oportunidades que o centro da cidade oferecia, possibilitou que alternativas fossem viabilizadas para mantê-las no local, equilibrando os interesses do governo e dos próprios moradores.
Imagem 51 – Projeto Quinta Monroy, no Chile, antes da entrega aos moradores. Fonte: <http://www.archdaily.com.br/br/01-28605/quinta-monroy-elemental> Imagem 52 – Projeto Quinta Monroy, no Chile, após a entrega aos moradores. Fonte: <http://www.archdaily.com.br/br/01-28605/quinta-monroy-elemental> Acesso em: 21/02/2014
Para que o projeto fosse atendido, o escritório de arquitetura deveria trabalhar dentro do programa do Ministério de Habitação chileno chamado “Vivienda Social Dinamica sin Dueda (VSDsD)”, ou Habitação Social Dinâmica sem Dúvida, cujo objetivo era atender a classe baixa que não tivesse condições de contrair dívidas. Com isso, eram disponibilizados US$ 7.500 de subsídios, com o qual deveriam financiar a compra do terreno (este, em particular, custava três vezes mais do que um projeto de habitação normalmente pagava), os trabalhos de infraestrutura e o projeto de arquitetura. Como resultado desta equação, previu-se a construção de 30 m² por moradia, para abrigar cada família. Os arquitetos, então, perguntando-se qual o melhor edifício de US$ 7.500 era capaz de abrigar cada família, propuseram um modelo habitacional que pudesse ser expandido, permitindo com que cada moradia ampliasse em pelo menos o dobro de sua área. Assim, em iguais tipologias de térreo e primeiro pavimento, a forma de garantir a expansão estava consolidada. Faltava decidir como funcionariam as estruturas da residência e as suas expansões, bem como a maneira como estas seriam feitas e custeadas.
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Imagem 53 – Ampliações das Moradias permitindo aumento de área e adensamento. Fonte: <http://www.archdaily.com.br/br/01-28605/quinta-monroy-elemental> Acesso em: 21/02/2014
Assim, a solução encontrada determinou que, por conta do custo, 50% do restante da edificação a ser expandida seriam direcionadas à autoconstrução realizada pelos próprios moradores. Porém, em termos de viabilidade para as expansões, previu-se que a edificação deveria ser permeável o suficiente para que acontecessem dentro de sua própria estrutura, minimizando as dificuldades e os custos. Além disso, nos 30 m² financiados pelo governo, seriam construídas as partes mais caras da edificação, como os banheiros, cozinha, escadas, paredes divisórias e estrutura portante, possibilitando que as sucessivas ampliações não dependessem de suas execuções. Considerando as ampliações, projetaram-se, assim, habitações populares, que correspondiam em tamanho àquelas somente acessíveis pela classe média. Além disso, fica ainda evidente o importante fator de implantação das residências (cuja forma estava disposta em quatro grupos de edificações) possibilitando a criação de espaços coletivos que proviam locais de socialização, atividade chave para o êxito de entornos frágeis.
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Imagem 54 – Implantação em pátio promovendo locais de socialização. Fonte:
<http://www.archdaily.com.br/br/01-28605/quinta-
monroy-elemental> Imagem 55 – Plantas Baixas das habitações e os espaços permeáveis para as expansões. Fonte:
<http://www.archdaily.com.br/br/01-28605/quinta-
monroy-elemental> Acesso em: 21/02/2014
SPBR + GRUPOSP – CASA U Resultado finalista de um concurso internacional intitulado “Elemental de Moradia Pré Fabricada”, de 2003, este é um projeto que deriva do estudo de caso anterior. As exigências do concurso, sugeridas pela própria empresa Elemental, determinavam que a área para o núcleo inicial das habitações fosse de 30 m². Complementando isto, tem-se, como segundo objetivo, a obrigatoriedade da utilização da pré-fabricação para a estruturação das moradias. Para tanto, reuniram-se os arquitetos Alvaro Puntoni (do atual escritório de arquitetura GRUPOSP), Angelo Bucci e equipe (do atual escritório SPBR), para a formulação da proposta que ficou conhecida como “Casa U”. Partindo de uma análise que objetivava restringir as ações fundamentais da obra, em apenas movimentar a terra e montar a estrutura das residências, buscaram-se as dimensões da
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carreta de transporte, que padronizam as medidas comerciais da construção pré-fabricada. Assim sendo, os 30 m² sugeridos pela Elemental correspondem então a 2,5 m x 12,00 m, possibilitando a otimização do transporte, ao mesmo tempo em que se adotou o pré-fabricado de concreto armado, como material construtivo e facilitador deste processo.
Imagem 56 – Carreta de transporte de pré-fabricados. Fonte: <http://www.spbr.arq.br/> Imagem 57 – Grua transportando o pré-fabricado. Fonte: <http://www.spbr.arq.br/> Acesso em: 24/02/2014.
Uma única peça em forma de “U”, com dimensões de 2,5 x 2,5 x 12,00 m, utilizada duas vezes, sobrepostas de modo invertido, faz o volume da unidade. O pé direito duplo sugere futuras ampliações por mezaninos, restringindo o crescimento ao interior da construção, preservando o aspecto dos espaços comuns e evitando improvisações na infraestrutura do conjunto. Uma segunda peça faz o núcleo hidráulico que sobrepõe à cozinha e ao banheiro, possibilitando futuros dormitórios no pavimento superior (LEITE, 2012). O painel de fechamento evita com que haja, mais uma vez, a descaracterização da obra arquitetônica por intervenções posteriores. Trata-se de um único painel, pivotante, que sobreposto em par, fecha o pé direito duplo de cada uma das fachadas. Funcionam solidariamente, no entanto com movimento independente, fazendo a porta de acesso e todas as aberturas necessárias à unidade. Seu raio de giro varre parcialmente o espaço interno e assim impede que futuramente os mezaninos se aproximem excessivamente das fachadas (LEITE, 2012).
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Imagem 58 – Planta baixa do pavimento térreo da habitação. Fonte: <http://www.spbr.arq.br/> Imagem 59 – Corte transversal das habitações indicando as peças em “u” invertidas. Fonte: <http://www.spbr.arq.br/> Acesso em: 24/02/2014.
A fabricação da peça única estrutural é realizada por uma forma com sua parte interna fixa e as laterais articuladas, permitindo a desmoldagem facilmente. Na produção poderia ser utilizado concreto branco ou colorido, agregando materiais que possibilitassem a diminuição de seu peso e ampliassem seu comportamento térmico como vermiculita 11, ou cinazita12. O conjunto de casas, bem como sua cobertura e paredes laterais do limite de cada grupo, receberia tratamento para proteção térmica e impermeabilização (LEITE, 2012). O movimento de terra compensado constrói uma topografia que organiza os espaços comuns: um jardim para cada uma das quatro unidades de vizinhança, disposto na cota de + 1,40 m; ruas internas e praças de apoio e serviços que invadem o espaço sob as unidades, como possíveis garagens, na cota de – 0,60 m (LEITE, 2012).
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Segundo o site: http://www.vermiculita.com.br/, acessado em 24/02/2014, a “vermiculita” é um mineral semelhante à mica, formado essencialmente por silicatos hidratados de alumínio e magnésio. Quando submetida a um aquecimento adequado a água contida entre as suas milhares de lâminas se transforma em vapor fazendo com que as partículas explodam e se transformem em flocos sanfonados. Cada floco expandido aprisiona consigo células de ar inerte, o que confere ao material excepcional capacidade de isolação. O produto obtido é inífugo, inodoro, não irrita a pele e nem os pulmões, não conduz eletricidade, é isolante térmico e absorvente acústico; não se decompõe, deteriora ou apodrece; não atrai cupins ou insetos; é somente atacado pelo Ácido Fluorídrico a quente; pode absorver até cinco vezes o seu peso em água, é lubrificante e tem as características necessárias aos materiais filtrantes. 12 Segundo o site: http://www.construramosecia.com.br/, acessado em 24/02/2014, a “cinazita” ou “argila expandida” é um agregado leve que se apresenta em forma de bolinhas de cerâmica leves e arredondadas, com uma estrutura interna formada por uma espuma cerâmica com micro poros e com uma casca rígida e resistente. É produzida em grandes fornos rotativos, utilizando argilas especiais que se expandem a altas temperaturas (1.100 °C), transformando-as em um produto leve, de elevada resistência mecânica, ao fogo e aos principais ambientes alcalinos e ácidos, como os outros materiais cerâmicos.
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Imagem 60 – Corte longitudinal das habitações indicando a organização dos espaços comuns. Fonte: <http://www.spbr.arq.br/> Imagem 61 – Corte perspectivado ilustrando os pavimentos da edificação com a garagem. Fonte: <http://www.spbr.arq.br/> Acesso em: 24/02/2014.
Preparadas fundações e pilares, as peças são montadas com grande rapidez. Cada peça, ou casa, descansa sobre quatro apoios de modo independente, permitindo que se movimentem isoladamente, no caso de um eventual abalo sísmico (LEITE, 2012). O exemplo de implantação no terreno hipotético sugerido demonstra apenas um caso aplicado. Vale destacar a total independência das unidades habitacionais e do terreno, e também a total independência das unidades entre si. Assim, o modelo apresentado é reduzido, ao mínimo, nos seus componentes e, ao máximo, nas suas aplicações (LEITE, 2012).
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Imagens 62, 63, 64 e 65 – Processo construtivo e conjunto final de habitações. Fonte: <http://www.spbr.arq.br/> Acesso em: 24/02/2014.
ANDRÉS ORELLANA: PROJETO DE HABITAÇÃO PARA PESCADORES (VENEZUELA) A partir da observação das comunidades de pescadores existentes na Venezuela, o arquiteto propõe um tipo de habitação sustentável, cujo objetivo maior é resgatar a qualidade da autossuficiência na arquitetura, atrelada às necessidades e atividades de seus habitantes. Partindo do pressuposto de que os seres humanos preservam a sua história e espécie, através de mecanismos de adaptação e interação com o meio ambiente, toma como exemplo as comunidades de pescadores existentes na Venezuela, para propor através do desenho urbano e arquitetônico, o espelhamento do conceito de adaptação. Para tanto, determina a Isla de La Tortuga, no mar do Caribe, como a localização do protótipo (é o local onde estão concentradas as atuais comunidades de pescadores) e toma como referência a tipologia de barco utilizada por aqueles, o “peñero”, para consolidar o partido arquitetônico. O colorido da embarcação misturado à pigmentação do exoesqueleto de crustáceos comuns na região, como a lagosta e o caranguejo, foi utilizado como expressão formal e estética na unidade habitacional. Tais elementos ficam visíveis nas placas coloridas de revestimento das fachadas móveis, bem como no caimento dos telhados e movimentos de janelas.
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Imagens 66 e 67 – A estética e o formalismo da habitação de pescadores. Fonte:<http://www.archdaily.com.br/br/611037/venezuela-prototipo-de-habitacao-para-pescadores-potencializa-asqualidades-de-suas-comunidades> Acesso em: 20/03/2014.
Maximizando o conceito da autossuficiência e minimizando o impacto ambiental, desenvolveu-se um “plano urbanístico” cuja principal característica é o trabalho com a sustentabilidade. Dessa forma, o pátio central denominado de “Pátio do Vento”, é responsável pela geração de energia eólica que, juntamente às células solares instaladas nas residências, fornecem energia elétrica para toda a comunidade. As habitações, por sua vez, possuem o pé direito duplo para a criação de uma câmara de ar que promova a circulação contínua, permitindo com que o ar quente produzido pelo aquecimento da cobertura e das placas solares, seja constantemente dissipado. Além disso, um sistema de captação de água das chuvas e vedações permeáveis da fachada possibilita a reutilização da água, bem como a entrada de luz natural.
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Imagens 68 e 69 – Implantação e casa de pescadores. Fonte:<http://www.archdaily.com.br/br/611037/venezuela-prototipo-de-habitacao-para-pescadores-potencializa-asqualidades-de-suas-comunidades> Acesso em: 20/03/2014.
Estruturada segundo a modulação de 2,45 x 4,65 m, as residências podem ainda ser ampliadas, em virtude do crescimento da família. Com isso o projeto em questão, levando em consideração as suas peculiares condições de uso, possibilita a direta relação entre o morar e o trabalhar, garantindo dignidade para os seus moradores, bem como o baixo impacto ambiental e a constante busca por uma melhor qualidade estética, formal, funcional e construtiva. MARCOS BOLDARINI ARQUITETOS - PARQUE CANTINHO DO CÉU (SÃO PAULO) Compondo o programa “Mananciais” 13, mantido pela Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) com a colaboração do governo do Estado de São Paulo, o Projeto do Cantinho do Céu, de autoria do arquiteto Marcos Boldarini, trata de incorporar a lógica própria nas intervenções de urbanização da comunidade, que começou a se estabelecer na década de 1980 e hoje reúne quase 10 mil famílias em uma área de cerca de 1,54 milhão de metros quadrados. É através do estabelecimento de elementos integradores entre moradores, a cidade e a represa Billings, bem como a preservação das áreas de manancial e não remoção massiva de famílias, que o sucesso do projeto foi garantido.
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O programa “Mananciais”, assim como dispõe o site: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/capela_do_socorro/noticias/?p=10744, acessado em 24/02/2014, que nasceu como Programa Guarapiranga, em 1994, é uma intervenção de âmbito estadual, mas tem a Prefeitura como executora. O programa foi criado com o intuito de controlar a poluição da represa, que apresentava índices preocupantes, especialmente causados pela proliferação de algas, alterando o gosto da água e tornando-a imprópria para consumo. Problema gravíssimo, já que a Guarapiranga é responsável pelo abastecimento de 3,5 milhões de pessoas na região metropolitana. Em 2007 o programa passou também a realizar obras na área da represa Billings e a maior parte dos investimentos se concentra na região da Capela do Socorro.
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Imagem 70 – Requalificação Urbana e desenho do parque linear (Comunidade Cantinho do Céu). Fonte: <http://arcoweb.com.br/projetodesign/arquitetura/boldarini-arquitetura-urbanismo-parque-publico-19-01-2011> Acesso em: 23/02/2014.
Ruas de terra batida e espaços vazios sem qualquer elemento qualificativo que atraísse e proporcionasse a integração dos moradores, deram lugar a um novo parque, uma nova “cidade”, uma nova perspectiva de futuro para um espaço antes esquecido. Hoje, a beira da represa, que constituía área de risco, é o ponto de encontro dos moradores. Conta com área de esportes, de cultura e saúde, academia para a terceira idade, pista de skate, mesas de ping-pong, quadra de bocha, campo de futebol, playground, deque de madeira e um parque linear. Cada uma das ruas tem uma área de lazer a poucos metros de distância (Arquitetônico, 2011).
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Imagens 71 e 72 – Requalificação Urbana da Comunidade Cantinho do Céu. Fonte: <http://arcoweb.com.br/projetodesign/arquitetura/boldarini-arquitetura-urbanismo-parque-publico-19-01-2011> Acesso em: 23/02/2014.
Trata-se então de inaugurar uma desejável prática de resgate da relação cidade-água, tão desprezada na evolução urbana de São Paulo, na região onde um dia havia sido planejada para ser a frente aquática da cidade (LEITE, 2012). “É como um sonho”, resume Vera Lucia Basalia, de 61 anos, 23 deles vividos no Parque Residencial dos Lagos, por onde passa o parque linear de Boldarini. “Antes, a gente tinha que ir até o centro de São Paulo para conseguir se divertir. Agora não. Ganhamos o nosso Parque do Ibirapuera. Muitos vêm do centro de São Paulo para conhecer a região. Hoje, temos orgulho do bairro”. Vera diz que a revitalização do espaço público reduziu a violência e o número de adolescentes envolvidos com drogas. “Os jovens não tinham o que fazer”, conta Vera, presidente da Associação de Moradores do Parque Residencial dos Lagos desde 1992. “Agora, querem praticar esportes e jogar capoeira.” As casas, antes vendidas por cerca de R$ 25 mil, hoje não custam menos que R$ 100 mil. “Ninguém mais quer mudar daqui”, afirma com entusiasmo, dizendo que até a água da represa está mais limpa (Nunes, 2011).
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Imagens 73, 74, 75 e 76 – Equipamentos do Parque Linear. Fonte: <http://arcoweb.com.br/projetodesign/arquitetura/boldarini-arquitetura-urbanismo-parque-publico-19-01-2011> Acesso em: 23/02/2014.
Ainda sobre os equipamentos componentes da área de lazer, o recém-inaugurado cinema ao ar livre no Cantinho do Céu, simboliza uma nova abordagem de intervenção em territórios informais: pequenas e criativas práticas de urbanismo revelam o imenso potencial desses lugares. Um urbanismo mais operacional e tático, mais integrador e menos refém das velhas imposições que insistem em querer impor o formal sobre o informal (LEITE, 2012).
Imagem 77 – Cinema ao ar livre no Cantinho do Céu. Fonte:
<http://www.archdaily.com.br/br/01-157760/urbanizacao-do-complexo-cantinho-do-ceu-slash-boldarini-
arquitetura-e-urbanismo/529f151ee8e44e0120000157> Acesso em: 24/02/2014.
TOPIARIS LANDSCAPE ARCHITECTURE: TAGUS LINEAR PARK (PORTUGAL) O parque linear realizado em Póvoa de Santa Iria, em Portugal, às margens do rio Tejo, possui área de 15 mil metros quadrados e antigamente era um espaço inutilizado e bloqueado por grandes lotes industriais. Em seu entorno diversas comunidades haviam se juntado para a conquista do espaço e, felizmente, a democratização da área possibilitou a execução do projeto, permitindo com que pessoas de diversas idades, de diferentes estilos de vida e origens culturais e sociais, desfrutassem de suas qualidades. Caracterizando-se como uma área de lazer que conecta a parte mais interior das ocupações à frente d’água, oferece diversos tipos de equipamentos e atividades de esporte, pesca,
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caminhada, ciclismo, educação ambiental e lugares de convívio. É interessante também a destinação de uma parcela do parque para a “Praia dos Pescadores”, reservada em um banco de areia existente, conectando-se ao restante do parque por passarelas e decks de madeira, tornandose também, parte integrante do que é público.
Imagens 78 e 79 – Implantação do parque e equipamento educacional na “Praia dos Pescadores” Fonte: <http://www.archdaily.com/515442/tagus-linear-park-topiaris-landscape-architecture> Acesso em: 25/04/2014.
A resistência inicial dos pescadores, temendo a perda do “senso de lugar” com o seu compartilhamento enquanto área de lazer e aprendizado cultural, brevemente deu lugar a uma estratégia de vigilância constante e sustentável, pela movimentação e permanência de pessoas. Contendo um conjunto diverso de equipamentos destinados à educação ambiental, lazer, esportes informais, plataformas de pesca, abrigos, áreas de piqueniques, etc., o parque configurou e agregou muito mais do que espaços de convívio e lazer. O desenho urbano intercalando edificações de cunho educacional, áreas de prática de esportes, de convívio e de lazer, tornou a área atrativa e constantemente utilizada. Além disso, a permeabilidade visual garantida pela determinação dos eixos de indução possibilita imediata leitura espacial que, uma vez reforçados pelos elementos escultóricos (seja do próprio ambiente, seja por objeto arquitetônico), garantem rica experiência espacial.
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Imagens 80, 81, 82 e 83 – Caminhos e espaços de convivência e vegetação do parque linear. Fonte: <http://www.archdaily.com/515442/tagus-linear-park-topiaris-landscape-architecture> Acesso em: 25/04/2014.
A LEGISLAÇÃO A abordagem da proposta de intervenção na Comunidade Beira Rio, passando pela posterior definição do terreno em que foi desenvolvido o projeto e pela análise das diretrizes urbanísticas que regulam o uso e a ocupação do solo, revelaram-se quatro os critérios para a sua legalização. Considerando a ordem de parâmetros legais encontrados no desenvolvimento do trabalho, e sabendo que a Beira Rio está submetida a todas elas, apresentam-se as definições referentes à Zona Especial de Interesse Social, Zona de Urbanização Controlada 6, Área de Proteção Permanente e Zona de Qualificação. Ao iniciar o projeto e analisar a Comunidade Beira Rio tanto in loco quanto por ortofotocartas, percebeu trata-se de uma localidade inserida no perímetro da Zona Urbana do Município de São José dos Campos. A típica ocupação espontânea, muito comum em favelas
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consolidadas, pôde ser constatada legalmente através do Zoneamento Urbano, no qual caracteriza como uma ZEIS a ocupação da Beira Rio, conforme dispõe a Lei Complementar nº428/10: “Artigo 127 XXII - Zona Especial de Interesse Social - ZEIS: constitui-se de áreas destinadas aos projetos residenciais voltados à população de baixa renda, enquadrando-se nesta categoria áreas ocupadas por sub-habitações, os imóveis utilizados como cortiço, as habitações coletivas precárias, os conjuntos habitacionais irregulares ocupados por moradores de baixa renda, favelas e loteamentos clandestinos onde haja interesse social em promover a regularização fundiária e urbanística, adquiridas pelo poder público para programas habitacionais e/ou áreas correspondentes às frações do território destinadas à promoção da política habitacional de interesse social que comprovadamente atendam à faixa salarial de zero a três salários mínimos”.
Segundo a legislação, as ocupações dentro da ZEIS ficam sujeitas às diretrizes específicas do órgão competente pela regularização fundiária e urbanística dos assentamentos informais. Somente após a sua efetiva regularização e urbanização é que é definido o parâmetro adotado para a ocupação e uso do solo e, na maior parte dos casos, corresponde às diretrizes estabelecidas pela Zona de Urbanização Controlada 6. “Zona de Urbanização Controlada Seis - ZUC6: constitui-se de áreas consolidadas, com predomínio do residencial horizontal, ou glebas vazias periféricas, destinadas aos usos residenciais unifamiliar horizontal, de comércio, serviços e institucional com nível de interferência urbano-ambiental médio e uso industrial virtualmente sem risco ambiental, admitindo-se o uso multifamiliar vertical quando destinado aos programas habitacionais voltados à população com renda familiar de até seis salários mínimos”.
Assim sendo, e reconhecendo as possíveis atividades e ocupação dos lotes permitida, e considerando ainda que, no caso da Beira Rio, o uso seria residencial, unifamiliar e horizontal com comércio e serviço, tem-se, segundo o Anexo 12 da referida lei: Coeficiente de Aproveitamento máximo (CA) igual a 2,0; Taxa de Ocupação (TO) igual a 0,65; Gabarito (GA) máximo igual a 8,70 m; Recuo Frontal igual a 5,0 m; Recuo Lateral (até 2 pavimentos) é nulo; e o Recuo Fundos (até 2 pavimentos) é igual a 1,5 m. Entretanto, ainda na mesma lei, o item 10 aponta que deverão ser atendidas também as legislações ambientais vigentes, que incidam sobre o imóvel. Em se tratando de uma ocupação às margens do Rio Paraíba, deve-se considerar que:
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“No caso de existência de nascentes (olhos d´água) e demais corpos d’ água (rios; córregos; lagos; lagoas etc.), topo de morros etc., no imóvel ou nos imóveis vizinhos, deverão ser observadas as disposições da legislação vigente que trata das áreas de preservação permanente – APPs; sendo que o interessado deverá indicá-las em planta baixa, no projeto de Alvará de Construção e na solicitação de Inscrição Municipal do estabelecimento. Ressalta-se que a supressão e/ou intervenção na vegetação localizada em APP, sujeita ao regime do Código Florestal, depende de prévia autorização do órgão estadual competente – Agência Ambiental da CETESB, órgão ligado a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo”.
Este item, portanto, indica que a análise da CETESB, relativa à autorização para a devida regularização fundiária da Comunidade Beira Rio – para a posterior intervenção arquitetônica e urbanística almejada inicialmente com este trabalho – dependeria diretamente do que dispunha a legislação referente à proteção ambiental. O Código Florestal de 2012 no Art. 4º da Seção I “Delimitação das Áreas de Proteção Permanente”, do Capítulo II “Áreas de Proteção Permanente”, define como APP: “(...) as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros.”
Considerando, segundo a definição da Secretaria do Meio Ambiente de São José dos Campos, a calha do Rio Paraíba aproximadamente igual a 70 (setenta) metros e que, de acordo com o item “c”, determina uma APP de 100 (cem) metros, o questionamento sobre a possibilidade de se conseguir a aprovação junto à CETESB, para manter a população no local (uma vez que a Beira Rio se encontra completamente dentro dos limites da APP) revelou ser aquela aprovação consideravelmente pequena. O baixo número populacional de habitantes da Beira Rio (140 pessoas), a completa incidência da comunidade dentro da área de APP configurando risco à vida, o ainda ausente sistema de infraestrutura urbana e a lentidão do processo de análise frente à pressão
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imobiliária sofrida pelo bairro, possivelmente culminariam no deslocamento periférico dos moradores. Ainda que o próprio Código Florestal disponibilize de ferramentas para análises específicas de comunidades inseridas dentro de APPs – surgidas espontaneamente ao longo da história – cogitando a possibilidade de mantê-las no local, foi com o reestudo do Zoneamento Urbano do Bairro da Urbanova (onde se insere a Comunidade Beira Rio), que se viabilizou a alternativa projetual. Por ser esta área pertencente à Zona de Qualificação, tem-se que: “Zona de Qualificação - ZQA: constitui-se de glebas e/ou terrenos sem infraestrutura que, devido a sua localização estratégica para o crescimento urbano e o desenvolvimento do Município, necessitam de Plano de Ocupação Específica visando configurar novas centralidades, com diversidade de usos e com boa qualidade urbano-ambiental, podendo ter parâmetros específicos e respeitar as características dispostas no artigo 143 da Lei Complementar nº 428/10”.
Muito embora não seja possível o acesso ao plano urbanístico para a localidade em questão, a análise do entorno permite a previsão de que o desenho urbano e a forma de uso e ocupação destinados às classes de alto padrão acontecerão por continuidade. O item 3 da lei que caracteriza a Zona de Qualificação – ZQA, destaca que o interessado deve apresentar loteamento aprovado pelo órgão competente, para que então, na Secretaria de Planejamento Urbano, sejam definidas as diretrizes de uso e ocupação do solo.
Imagem 84 – Diretrizes urbanísticas definidoras do projeto com destaque para a translocação da Beira Rio. Em verde: APP de 100 metros. Em branco: parte da área de ZQA a ser transformada em ZUC6. Em amarelo: linha divisória da ZQA (à direita) e área ocupada por condomínio.
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Sendo assim, proporcionando um equilíbrio social no Bairro da Urbanova e garantindo com que os moradores permaneçam com a identidade que os caracteriza, são necessárias, inicialmente, quatro ações de acordo com o que estabelece a legislação: 1)
Definição e aprovação do loteamento para a área em questão;
2)
Definição das Diretrizes Específicas que determinarão o uso e ocupação do solo da
área em questão, tendo as bases da Zona de Urbanização Controlada 6 como parâmetros iniciais; 3)
Caracterização de ZEIS para o loteamento aprovado, inclusive para o terreno
destinado ao projeto Vila Beira Rio; 4)
Deslocamento da Beira Rio para o limite de 100 (cem) metros estabelecidos pela
definição da APP, originando a Vila Beira Rio; O PARTIDO Da escolha do terreno para a formulação dos primeiros esboços que configuraram a ideia do projeto, algumas definições se fizeram necessárias e, muito embora constantemente questionadas, permitiram tecer consistente coerência com as características presentes na antiga comunidade Beira Rio, bem como com a realidade imposta pela nova localidade. Em se tratando deste fato e considerando as premissas para um Projeto de Habitação Social, quase que espontaneamente surgiram sugestões oferecidas pelo próprio ato do desenho, sobre ser igual e concomitante a hierarquia entre o desenho urbano e o arquitetônico. Uma vez que as referências obtidas pelos estudos de caso (sobretudo nos projetos em Cajueiro Seco, em Pernambuco, o Quinta Monroy, no Chile e o Projeto de Habitação para Pescadores, na Venezuela), onde as edificações e os espaços de convivência só se faziam eficientes quando configuravam sistemas de complementação, ou seja, onde uma estrutura auxilia e necessita da outra, faz desta uma das principais buscas neste projeto. Essa definição de espaços ativos (utilizados pelas pessoas) e constantemente vigiados (observados pelas pessoas) - os pátios - cercados por edificações dispostas estrategicamente segundo a orientação solar garante parte da vitalidade urbana necessária para que os locais sejam mais seguros e frequentados. Sendo a região ainda pouco habitada e relativamente distante dos centros comerciais, é evidente a necessidade de se promover um conjunto arquitetônico tal, que, através de uma única entrada disposta diante de uma alameda central – de onde partem os caminhos que levam aos pátios e destes para as residências – surgisse um sistema habitacional com relativa autossuficiência
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em serviços e oferta de comércio, bem como na possibilidade de autogestão. Assim, fica determinado que, para o projeto em questão, o modelo urbano arquitetônico de “vila” é o que mais se aproxima da intenção desejada. Além do pensamento voltado para o interior da vila, igual foi a responsabilidade de estruturar conexões provenientes dos pátios mencionados com a frente d’água. Garantindo a continuidade da pertinência dos moradores em relação ao Rio Paraíba, bem como a nova e importante ligação com o interior do bairro, integrando-os à vida urbana, talvez tenha sido este um dos pontos fundamentais de interpretação para a formulação do partido arquitetônico. Sendo assim, tomou-se como ponto de partida para o início do traçado da Vila Beira Rio, a memória espacial do principal caminho de acesso à atual comunidade. Estruturando o eixo intitulado “Alameda da Memória”, a continuidade do projeto se fez como consequência. Sabendo-se da necessidade de complementação do programa de uma vila – onde o setor terciário (comércio e serviços) tem importância relevante – e considerando ainda a ideia de ser a Vila Beira Rio a origem da futura ocupação da gleba, surgiu a possibilidade de implantação de três equipamentos urbanos que consagram a vitalidade já possibilitada com a referida configuração ativa dos espaços: a escola/biblioteca, o auditório reversível e o galpão de lojas e confecção de barcos. Muito embora tenha aumentado o grau de dificuldade de articulação necessária entre estes novos equipamentos e as residências, bem como os seus respectivos diálogos estético e paisagístico, ficou definida – propondo outros três sub eixos em complementação ao eixo da “Alameda da Memória” – a configuração urbana, arquitetônica e paisagística da Vila Beira Rio.
Imagens 85 e 86 – Definição dos eixos (em branco o atual caminho de acesso à comunidade, em vermelho o eixo da “Alameda da Memória”) e estudo volumétrico.
Tal proposição teve como intuito reforçar a interligação espaço visual entre os pátios de convívio, bem como os equipamentos coletivos (escola/biblioteca, auditório reversível e o galpão de
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lojas e confecção de embarcações) e as habitações. Portanto, como disposto nas imagens acima, além da “Alameda da Memória”, que resgata o valor significativo de pertinência dos moradores para com o local, tem-se que o Primeiro Sub-Eixo (destacado na cor Bege), é responsável por possibilitar uma segunda e direta abertura paisagística para o Rio Paraíba. Além disso, uma vez iniciado este percurso, adentraríamos ao espaço educacional (onde estão a escola, biblioteca, administração e banheiros coletivos), passando pelas habitações, área de lazer (com redário e academia ao ar livre) até o encontro com o rio. Assim, reforça-se a ideia de que a educação escolar também estaria atrelada à importância do Rio Paraíba para a cidade e o país, consolidando o ideário de sua manutenção e preservação. O Segundo Sub-Eixo (destacado na cor Amarela), demonstra a necessidade de articular a educação com a cultura e transformar esse conjunto em uma forma de lazer e entretenimento. Por isso, destaca-se aqui a interligação espaço visual entre o pátio infantil (caracterizado pelo playground), o bloco educacional (escola e biblioteca) e o cultural (auditório reversível). Este, por sua vez, pode abrigar desde peças teatrais e pequenos concertos, até celebrações religiosas, de acordo com as ambições desejadas pela comunidade em si. Já o Terceiro Sub-Eixo (destacado em Cor-de-rosa), em muito reforça o Segundo Sub-Eixo quando ressalta a importância da cultura como forma de conhecimento e da educação como forma de sua consolidação. Interligando o pátio infantil, o bloco educacional e o galpão de lojas e confecção de embarcações e redes de pesca, tem-se a intenção de dar continuidade à herança da pesca, que de mão em mão vai passando (inclusive nos dias atuais), sem permitir seu esquecimento com o decorrer da história. Por último, mas igualmente importante, restava definir os elementos arquitetônicos que valorizassem as premissas de sustentabilidade, velocidade construtiva e adaptabilidade arquitetônica em busca de expansão, finalizando, desta maneira, a determinação do partido arquitetônico. Justificando-os, temos que a sustentabilidade se fez necessária, pois, uma vez que o terreno se encontra próximo ao rio e a áreas de preservação, deveriam ser construções que provocassem baixo impacto ambiental. A velocidade construtiva reforça a sugestão do arquiteto João Figueiras Lima de que o problema habitacional brasileiro pode encontrar possíveis e plausíveis soluções com a utilização de elementos industrializados na construção (acelerando a oferta de moradias necessárias no país). A adaptabilidade arquitetônica por sua vez, assim como analisado nos estudos de caso (principalmente no projeto Quinta Monroy, no Chile e o concurso da Casa U), cogita que a ampliação arquitetônica dentro de sua própria célula habitacional é uma alternativa para o adensamento racionalizado e consciente. Correspondendo a estas três determinações
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projetuais, estabeleceu-se a tecnologia do Light Steel Framing (ou perfil leve em aço) como sistema construtivo predominante em todas as edificações da Vila Beira Rio. Finalizado o partido do projeto, inicia-se a formulação do organograma e fluxograma dos seus equipamentos. Da análise estética, funcional, paisagística e sentimental realizada sobre o conjunto que determina a Vila Beira Rio e a vida de seus habitantes, confirmada a sua eficiência, realiza-se a parte técnica do projeto e apresenta-se o resultado. PROGRAMA DE NECESSIDADES E DIMENSIONAMENTO A partir da análise realizada in loco sobre a estrutura da Beira Rio, onde as conversas com os seus moradores – quando indagados sobre o que gostariam de complementar na comunidade – revelaram, assim como também é possível abstrair do já mencionado documentário “Beira Rio”, que seria interessante se houvesse uma divisão mais eficiente dos espaços, ao mesmo tempo em que cada atividade possuísse um local específico. Dentre aquelas que já existem ali, a tenda que abriga tanto a escola para crianças quanto as missas aos domingos, e os containers que servem como banheiros para ela, são os únicos equipamentos destoantes da ocupação residencial. O legado histórico deixado pelas proposições arquitetônicas voltadas para a habitação social, principalmente aqueles em que os equipamentos coletivos complementavam os espaços comuns e a própria habitação, assim como os estudos de caso referenciados, permitem desenvolver o programa arquitetônico em questão. Portanto, correspondendo à realidade existente e imaginando a futura, foram propostos: escola, biblioteca, bloco administrativo, banheiros coletivos, auditório reversível, playground, galpão que abriga a confecção de barcos e lojas para o comércio local, as habitações, o campo de futebol (que foi mantido no lugar de origem) e a horta comunitária. Além disso, cabe ressaltar a importância – e, portanto parte integrante do programa de necessidades – inerente aos eixos estruturantes da Vila por serem responsáveis pela conexão física e visual das suas diferentes partes (a “Alameda da Memória” e os três Sub-Eixos destacados no capítulo do Partido Arquitetônico), bem como o Pátio Infantil (que enquadra o playground), o Pátio Central (principal local de permanência e convívio), o Pátio de Celebrações (onde se localiza o auditório reversível) e o Pátio de Comércio (caracterizado pelo galpão de lojas e confecção de embarcações e a praça de lazer que, como local de permanência, interliga o campo de futebol ao restante da ocupação). Uma vez ciente da alcunha social do projeto da Vila Beira Rio e do seu necessário controle de custos, propor o correto dimensionamento dos ambientes arquitetônicos é de suma importância.
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Para tanto, quatro foram as fontes que serviram de embasamento: Código de Edificações do Município de São José dos Campos (datado de 2003, porém alterado em 2005 e responsável por determinar as áreas mínimas, pé direito, iluminação e ventilação dos ambientes de uma edificação); Manual Técnico de Engenharia - SindusCon-SP (que determina o layout mínimo das habitações exigido pela Caixa Econômica Federal); Cartilha do “Programa Minha Casa, Minha Vida” (que determina, de acordo com a localidade e tipo de projeto o tamanho e a tipologia da habitação); e o livro “Arte de Projetar em Arquitetura” do arquiteto Ernst Neufert. É interessante destacar também que a adoção da técnica construtiva do Light Steel Framing (utilizada nas edificações deste projeto), prevê modulações estruturais de 40 cm por 40 cm, influenciando diretamente no dimensionamento arquitetônico. Assim, a efeito de enquadramento na realidade brasileira e da cidade de São José dos Campos, o projeto em questão pode ser discutido e inclusive financiado segundo os moldes do atual Programa Nacional de Habitação (Minha Casa, Minha Vida).
Tabela 01 – Dimensão do mobiliário mínimo elaborado pela Caixa Econômica Federal. Imagem 87 – Capa da Cartilha do programa Minha Casa, Minha Vida.
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FLUXOGRAMA
Imagem 88 – Fluxograma.
A VILA BEIRA RIO A delimitação do terreno, a escolha do partido arquitetônico, a definição do programa, o dimensionamento e a determinação do fluxograma, possibilitam desta forma, a descrição do projeto da Vila Beira Rio. Antes, porém, é importante frisar a prioridade necessária dada ao projeto da Vila em si. Este trabalho, uma vez cogitando a possibilidade de ser executado, deveria ser composto por, no mínimo, outros dois projetos complementares e de fundamental importância: o desenho do loteamento da gleba onde se insere a Vila Beira Rio, bem como o projeto arquitetônico-paisagístico dos decks propostos para a margem do Rio Paraíba como extensão das áreas de lazer e atracagem de pequenas embarcações utilizadas pelos ribeirinhos. Entretanto, devido às respectivas complexidades e tempo necessário para o desenvolvimento técnico, assumiu-se a responsabilidade de desenvolver com profundidade somente o projeto da Vila Beira Rio e, como referências aos outros dois, sugestões foram indicadas.
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Imagens 89 e 90 – Implantação da Vila Beira Rio. Destaque para o Rio Paraíba e os loteamentos e condomínios privados de casas.
A escolha de manter o traçado da atual rua de terra existente que acessa a comunidade partiu do princípio de se preservar a história da trajetória que os levou até à margem do rio. Quando antes o caminho era percorrido e ao fundo se via as ocupações da comunidade, hoje, passando pelo acesso principal demarcado ao lado direito pelo castelo d’água e pela horta comunitária, e ao lado esquerdo pelo estacionamento de veículos, imediatamente há o encontro da vista com a lateral e fundo das casas alinhadas em primeiro plano, a administração, biblioteca, e o pátio central em segundo e o prolongamento do antigo caminho que agora, intitulado de “Alameda da Memória”, leva-nos até o Rio Paraíba, cruzando a ocupação da Vila Beira Rio.
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Imagem 91 – Implantação da Vila Beira Rio e indicação direcional e alfabética das perspectivas do projeto (ver próximas páginas).
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01 | castelo d'água 02 | horta 03 | estacionamento 04 | pátio de carga e descarga 05 | bloco educacional 06 | pátio central 07 | auditório (espaço reversível) 08 | pátio de celebrações 09 | pátio infantil 10 | pátio de lazer 11 | campo de futebol 12 | galpão para confecção de embarcações e lojas comerciais
N 11
Imagem 92 – Acesso à Vila Beira Rio (Perspectiva A). Imagem 93 – Dona Antônia (atual líder da Comunidade Beira Rio) e o eixo da “Alameda
da
Memória”
(Perspectiva B). Imagem 94 – Residências e a horta comunitária da Vila Beira Rio (Perspectiva C).
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Como quem adentra a um cenário urbano assim que sai de uma estrada bucólica, em muito se percebe a intenção de proporcionar cadenciadas perspectivas alocadas em cada intersecção entre dois dos eixos estruturantes da ocupação. Muito embora revelem a dramaticidade e contundência do rigor de um eixo urbano – com o enfoque no direcionamento de toda e qualquer atenção para a presença exata de um equipamento em sua posterior extremidade – é a partir deste momento em que são definidos os diferentes espaços destinados a abrigar cada uma das atividades do programa proposto. Do acesso através da escadaria que vence a altura de 2,70 metros corrigindo o desnível topográfico, há a primeira surpresa espacial do projeto. Do encontro entre a “Alameda da Memória” com o prolongamento do Primeiro Sub-Eixo, tem-se o concomitante convite para ir-se até o rio que, emoldurado em duas situações, destaca-se ao fundo da paisagem. Se prosseguir pelo caminho iniciado (através do eixo da “Alameda da Memória”), encontrar-se-á no Pátio Central. Intrigado, o visitante mais curioso pode se perguntar qual é o sentido da segunda opção e, perseguindo as suas ambições, logo descobre que este, também levando ao rio, mostra-lhe um pouco mais sobre como aquela população pode contar agora com uma biblioteca e salas de aula, destinadas a todos os moradores da Vila.
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Imagem 95 – Intersecção da “Alameda da Memória” com o Primeiro Sub-Eixo. Destaque para o emolduramento do Rio Paraíba na paisagem do fundo (Perspectiva D).
Escolhendo seguir pelo caminho principal, na intersecção encontrada entre a “Alameda da Memória” e o Segundo Sub-Eixo, descobre-se o jardim do Pátio Central destinado ao lazer e a convivência. Abrigando a escola e a biblioteca do lado direito de quem chega, o pátio faz a função de anfitrião e, convidando à permanência, induz – com o auxílio da implantação arquitetônica e com a organicidade dos bancos em concreto pré-moldado – ao passeio visual pelas casas alocadas ao lado esquerdo, pelo Pátio de Celebrações e pelo intitulado “Auditório Reversível” que, como pano de fundo, tem a arborização existente da antiga ocupação.
Imagem 96 – D. Antônia aponta a intersecção da “Alameda da Memória” com o Segundo Sub-Eixo. Destaque para o “Auditório Reversível” e o Pátio Central (Perspectiva E).
O “Auditório Reversível”, com capacidade para 140 pessoas, é assim chamado por possibilitar a sua utilização para atividades que englobam tanto os eventos culturais, como peças de teatro, palestras e apresentações diversas, quanto celebrações religiosas. Esta última, por sua vez,
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muito definidora do caráter arquitetônico de uma obra, ao ser destinada à utilização de dois segmentos em igual número de moradores católicos e evangélicos da Beira Rio, não seria possível corresponder arquitetonicamente ao que dizem as duas religiões sobre o espaço sacro em si. Portanto, e considerando que a religião é parte integrante, mas não o todo do que representa o espaço, prevaleceu a reversibilidade arquitetônica e seu aspecto funcional.
Imagem 97 – “Auditório Reversível” e o Pátio de Celebrações (Perspectiva F).
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Imagem 98 – Planta Baixa Pavto. Térreo do Auditório. Imagem 99 – Planta Baixa 1º Pavto. do Auditório. Imagens 100 e 101 – Corte AA’ e Corte BB’.
Saindo do auditório e voltando os olhos para o eixo percorrido, a paisagem da biblioteca e da escola articulados entre si e o Pátio Central, convidam à continuidade da experiência espacial. Do Pátio de Celebrações, à entrada do auditório, cujas varandas e quintais das residências de seu entorno desfrutam do que ali se encena, percebe-se, pela segunda vez, a indução arquitetônica proporcionada pela perspectiva do bloco educacional e pelo emolduramento da paisagem em destaque na continuidade do Sub-Eixo. Subindo o deck, a movimentação das crianças que brincam no playground atrai o olhar do visitante que, descontraído, passa pela varanda da biblioteca e, antes de chegar até as crianças, compreende a intensão arquitetônica das grandes janelas ao proporcionar maior quantidade de luz natural e ventilação cruzada para aqueles ambientes.
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Imagem 102 – Segundo Sub-Eixo. Detalhe do Pátio Central e da implantação do bloco educacional (Perspectiva G). Imagem 103 – Intersecção do Primeiro com o Segundo Sub-Eixo. Detalhe para o emolduramento do Rio Paraíba, à esquerda, e da movimentação das crianças no playground, à direita (Perspectiva H).
Em seguida, na intersecção do Primeiro com o Segundo Sub-Eixo, o visitante se depara com a possibilidade de prosseguir até o playground ou ainda se utilizar da passarela existente que conecta a biblioteca com as salas de aula. É possível visualizá-las dispostas linearmente configurando o pátio central, bem como o bloco de banheiros coletivos que correspondem à demanda solicitada. Por entre eles, o Primeiro Sub-Eixo trata de reforçar a lembrança do visitante para com a história da antiga ocupação, ao mesmo tempo em que o convida, para que em um segundo momento, não se esqueça de ir conhecer o Rio Paraíba. No playground, a configuração convergente das casas voltadas para o pátio infantil possibilita a criação de uma ambiência urbana tal que reforça a conexão existente, mas nem sempre visível, entre o ensino e a brincadeira e da conformação urbano arquitetônica de vilas. É justamente neste encontro, proporcionado pela intersecção do Segundo com o Terceiro Sub-Eixo, que o visitante é convidado a prosseguir com o flaneur.
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Imagem 104 – Andrelina (filha da D. Antônia) e as crianças da Beira Rio pousam para foto no Playground. Detalhe para a implantação das casas configurando o Pátio Infantil (Perspectiva I). Imagem 105 – Intersecção do Segundo com o Terceiro Sub-Eixo demarcando o Pátio Infantil. Detalhe para a Arte Urbana de autoria de Alex Senna (ilustrador e grafiteiro de SP) na parede cega do Bloco Educacional (Perspectiva J).
Das gargalhadas e brincadeiras proporcionadas pela “hora do recreio”, passando pelo som advindo das casas onde se escuta um casal de idosos conversando sobre as ousadias dos garotos de hoje, espia-se sobre o peitoril da janela de uma das três salas de aula. A professora explica aos alunos um pouco sobre a Matemática e ele (visitante), pergunta-se se teria chegado atrasado para a aula de Geografia, onde a própria professora, muito provavelmente, explanando sobre os rios brasileiros, teria apontado para o próprio Rio Paraíba como forma de ilustrar o conteúdo. Teria ele se emocionado com tamanha felicidade em ter ali a cem metros de distância a possibilidade de ver com os seus próprios olhos tudo aquilo que muitas vezes só conhecemos através de livros, de aulas e da televisão?
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Imagem 106 – Sala de aula da Vila Beira Rio. Detalhe para a janela protegida por brises contra a insolação direta e bandeira ventilada (à direita), favorecendo a ventilação cruzada (Perspectiva K). Imagem 107 – Terceiro Sub-Eixo. Janelas e brises da escola (à esquerda), as residências (à direita), o galpão e o campo de futebol ao fundo (Perspectiva L).
A escola, equipamento central da Vila Beira Rio, dotada de três salas de aula totalizando 75 lugares, comporta, em cada uma, a quantidade de 25 alunos. Considerando a média de 1,20 metros quadrados de área útil por cada um deles além do espaço destinado à guarda de material e o tablado do professor, tem-se que a área da sala de aula é aproximadamente igual a 54 metros quadrados. Assim como no auditório, as salas de aula também possibilitam o uso flexível do espaço e, além das aulas disponíveis nos três expedientes diários – sendo, por exemplo, o matutino destinado aos alunos menores, o vespertino aos mais jovens e o noturno aos adultos que desejem prosseguir ou aprofundar os seus estudos – é possível desenvolver as sessões eleitorais, campanhas de vacinação, curso de idiomas, curso de música e confecção de artesanatos.
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Imagem 108 – Planta Baixa do Bloco Educacional.
01 | administração 02 | sala dos professores 03 | bwc 04 | vestiários 05 | área de serviços 06 | biblioteca 07 | wc coletivo 08 | sala de aula 09 | antessala 10 | deck descoberto
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Imagens 109, 110, 111 e 112 – Cortes AA’, BB’, CC’ e DD’.
E então, quando se dá por convencido de que o Rio Paraíba não foi esquecido, percebe-se exatamente no último ponto de convergência que une o Terceiro Sub-Eixo com a “Alameda da Memória”. Aqui, onde a visão percorre os exatos 360 graus, observam-se a vegetação da paisagem original, as casas e o galpão, cujo uso é voltado para o comércio local (com a venda de produtos básicos, artesanato, pescados e leguminosas oriundas da horta comunitária que foram produzidos, plantados ou coletados pelos próprios moradores) e para a confecção de equipamentos de pesca (barcos e redes). Aproveitando o dia ensolarado, um dos pescadores da Vila Beira Rio tece uma de suas redes de pesca, ao mesmo tempo em que é observado por um garoto que, apesar de ansioso pela partida de futebol, demonstra-se curioso em expandir o seu universo de conhecimento.
Imagem 113 – Encontro do Terceiro Sub-Eixo com a “Alameda da Memória”. Detalhe para o pescador da Beira Rio em primeiro plano, os barcos e o galpão em segundo e o campo de futebol em terceiro (Perspectiva M).
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Imagem 114 – Planta Baixa do Galpão. Imagens 115 e 116 – Cortes AA’ e BB’.
Enquanto o pescador busca no depósito do galpão uma das redes que utilizará na pesca do próximo domingo, foi possível contemplar o Pátio de Lazer que mais atrai a permanência dos visitantes que, com a execução do projeto, prestigiam um pouco da tranquilidade e da cultura da Vila Beira Rio. Sob a sombra de uma das árvores, desfrutam de doces e picolés caseiros
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produzidos pelos próprios moradores e, antes de partirem, aproveitam para comprar os artesanatos à venda nas lojas do galpão, auxiliando indiretamente no aumento da renda da Vila Beira Rio e da redução das suas despesas comuns. É neste local também que, além da completa observação espacial, o visitante mais atento compreende, por fim, a intenção arquitetônica em revestir igualmente os três blocos de equipamentos coletivos com as ripas de madeira na cor natural. A variedade arquitetônica, muito embora visivelmente influenciada por uma inicial familiaridade das formas e volumes, é exacerbada pela diferenciação resultante entre a escola, o auditório e o galpão (e também das residências) quando comparados entre si. E, por assim ser, apesar de diferentes em forma, tamanho e cor, garantem com que haja a unidade estética entre todas as edificações da Vila Beira Rio. Com isto e com a garantia de locais concomitantemente utilizados e vigiados (os espaços ativos), conseguiu-se delimitar e hierarquizar os espaços, eliminando do projeto a comum necessidade de dividir fisicamente os limites do terreno para com aquilo que não faz parte dele.
Imagem 117 – Pátio de Lazer da Vila Beira Rio. Detalhe para a Arte Urbana de autoria de Eduardo Kobra (pintor muralista de SP) na parede do Galpão (Perspectiva N).
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Imagem 118 – O marco visual do Castelo D’água no início do eixo da “Alameda da Memória”. Detalhe para o pescador da Beira Rio com a rede de pesca em primeiro plano, o galpão e a escola em segundo (Perspectiva O).
Observando as residências entregues aos moradores da Vila Beira Rio, em muito se percebe a diferença de tipologia em relação à antiga ocupação. Caracterizada pela diversidade de casas com distintas quantidades de quartos (ou ambientes) – que refletiam o poder aquisitivo da família e/ou o número de seus habitantes – percebe-se que variavam conforme a necessidade do momento pelo qual passavam. Era comum encontrar casas ampliadas devido à chegada de um novo filho ou a vinda de uma parte da família antes distante, fazendo-se necessário mais um ambiente íntimo. Considerando a dinâmica do núcleo familiar dos seus moradores e desejando interferir o mínimo possível no seu funcionamento, coube encontrar uma solução básica, financiada pelo governo através do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, e comum a todas as famílias da Beira Rio, capaz de se enquadrar na lógica referida. Sabendo-se do grau de parentesco entre os moradores da Vila e também da necessidade da rápida execução das moradias, originou-se um protótipo habitacional inteiramente pré-fabricado com duas possibilidades de ampliações dentro de sua própria unidade.
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Imagem 119 – Fases de Ampliação da Residência.
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A tecnologia construtiva caracterizada pelo Sistema em Perfis Leves em Aço ou Light Steel Framing, produzida inteiramente através de elementos pré-fabricados, foi uma das maneiras encontradas para acelerar a construção das habitações e dos equipamentos coletivos, diminuindo, ao mesmo tempo, o desperdício de material e proporcionando a redução nos impactos ambientais. Uma vez produzidos industrialmente, os perfis estruturais (que em conjunto configuram uma parede, por exemplo) chegam prontos da fábrica, são encaixados, aparafusados e recebem o revestimento (e reforço estrutural) com placas cimentícias ou compensado de madeira. Realizadas as instalações internamente as paredes, aumenta-se a eficiência termo acústica da edificação quando se dá o preenchimento interno das paredes com Lã de Vidro ou de Rocha. Assim, em um sistema autoportante, é possível sobrepor até cinco pavimentos com o mesmo desempenho estrutural da tecnologia convencional em alvenaria e concreto.
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Imagens 120, 121 e 122 – Detalhes construtivos em Light Steel Framing.
Interessante frisar que, apesar de ainda ser uma técnica recente se comparada a tradicional alvenaria e concreto, o sistema do Light Steel Framing vem sendo gradativamente utilizado em projetos de cunho social. Embora seja de baixa complexidade, exige ainda certa experiência em seu manuseio e funcionamento, e, portanto, ainda é pouco difundido na sociedade. Porém, através da inclusão dos moradores (principalmente aqueles que já trabalham na construção civil) com a adoção das técnicas de mutirões e sistemas de autogestão, a tecnologia é dominada. Em termos econômico-financeiros, hoje é possível realizar em até cinco vezes mais rápido e de forma mais limpa (diminuindo os impactos no ambiente) uma obra em Light Steel Framing, inclusive a preços igualitários a outra que antigamente era construída em alvenaria e concreto. Como complementação ao verde da área de preservação às margens do rio, destacadas pelas alterações arquitetônicas e pelas cores diferenciadas (previstas e cogitadas em projeto) que refletem a personalidade de quem ali mora, surgem, intercalando os espaços de convivência e os equipamentos urbanos, as 35 residências que abrigam os 140 moradores da Vila Beira Rio. O número de pessoas por família, por consequência, determina a quantidade de dormitórios que aquela deve ter. Considerando então que cada quarto abriga até duas pessoas, as residências, no seu aspecto embrionário (caracterizado como Tipologia A), possuem o pé direito duplo, dois quartos, um banheiro social, sala conjugada com a cozinha e área de serviço externa.
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Imagens 123, 124 e 125 – Planta Baixa e Cortes da Tipologia A.
Convidado a adentrar a uma delas e desfrutar de uma xícara de café, a Dona Antônia, atual administradora e líder da comunidade Beira Rio, mostra o pé direito duplo do ambiente social e da cozinha. Em seguida, aponta para a expansão vertical possibilitada com aquela altura e diz que além do banheiro social, os dois quartos superiores (que são idênticos aos do térreo), possibilitaram com que a família da filha dela (totalizando também quatro pessoas), pudesse se estabelecer, caracterizando a forma arquitetônica que corresponde ao estágio de desenvolvimento parcial da edificação (Tipologia B). Assim, a iniciativa é favorável tanto para a D. Antônia quanto para a família 96
da filha, uma vez que além da companhia e da vida conjugada, podem se ajudar mutuamente com a divisão das contas de luz e de água, além dos afazeres domésticos, barateando o custo de vida.
Imagens 126, 127, 128 e 129 – Planta Baixa e Cortes da Tipologia B.
Curioso sobre as outras histórias dos moradores, logo fui informado de que ali também havia gente que, devido ao reduzido número familiar, desenvolveu a unidade habitacional em dois blocos justapostos com acessos independentes e plantas iguais. Na maioria destes casos, o proprietário disponibiliza para a locação o pavimento não utilizado da residência e, como
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consequência, gera uma renda extra para o seu orçamento. A modalidade, cujo espaço habitacional é desenvolvido ao máximo (caracterizando a Tipologia C), também é frequentemente utilizada e além de garantir a privacidade para ambas às famílias, proporciona a cobrança separada das contas de luz e água.
Imagens 130, 131, 132 e 133 – Planta Baixa e Cortes da Tipologia C.
Independente do grau de desenvolvimento da edificação (Tipologia A, B ou C), complementou a D. Antônia que, na Vila Beira Rio, mesmo sendo proporcionada a flexibilidade
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arquitetônica – ao sugerir e possibilitar a duplicação da planta residencial, abrigando assim o dobro do número de pessoas que hoje moram ali – faz com que esta seja uma decisão individual de cada proprietário, respeitando a característica familiar e a respectiva situação econômica e financeira. Agradeço, então, pelo café e enquanto espero a D. Antônia receber um jornalista na sala de administração localizada junto ao gabinete dos professores, ao lado da biblioteca, decido por caminhar pela “Alameda da Memória” até a entrada da Vila Beira Rio. Observando o marco visual determinado pelo castelo d’água que reforça a entrada da Vila Beira Rio, adentro ao Pátio Central e noto que além das cores das residências também é distinto o seu número de janelas e pavimentos. Das casas para o espaço do pátio, observo que o formato sinuoso dos bancos, entre curvas e retas, muitas vezes faz lembrar a forma orgânica do Rio Paraíba o que, sutilmente, equilibra a intensidade da perspectiva arquitetônica e o rigor dos eixos estruturantes. Com a agradável descoberta, mas com o pesar de estar próximo da despedida, é sob a sombra de uma das árvores que reacende o desejo de permanecer. As crianças correndo pela “Alameda da Memória”, os visitantes em convívio com os moradores, os pássaros que sobrevoam a Vila e a brisa que sopra constante, vinda do rio.
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Imagem 134 – O marco visual do Castelo D’Água no início do Eixo da “Alameda da Memória”. Detalhe para o Pátio Central, a implantação arquitetônica da escola (à esquerda) e as casas ao fundo (Perspectiva P).
Sorridente, reencontro a D. Antônia e pergunto como foi a entrevista. Disse-me que o jornalista estava interessado em saber sobre a vida da população depois que o projeto foi finalizado, ao mesmo tempo em que ironizava a situação pelo fato de ter se tornado coisa recorrente a partir de então. Disse-lhe ainda que poderia ele retornar outro dia para fotografar o que desejasse e se desculpou por necessitar o término do encontro já que havia de cumprir com um compromisso no centro da cidade.
Imagem 135 – D. Antônia e a visão de quem deixa a Vila Beira Rio. À esquerda a horta comunitária e ao centro a escadaria, a rampa de acessibilidade e o Castelo D’Água (Perspectiva Q).
Sem querer comprometer o horário dela, agradeço pelos minutos de atenção e receptividade e elogio a eficiente gestão como administradora da Vila Beira Rio. Uma vez que ela conta com o auxílio da prefeitura para manter o local em pleno funcionamento, reuniu também todos os moradores (adultos e crianças) da Vila para solicitar a sua contribuição na manutenção, limpeza
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e conservação de todos os seus equipamentos e residências, além de reforçar a necessidade de agirem com intenso senso de coletividade para que a Vila perpetue para as futuras gerações. Despeço-me e subindo as escadarias, penso que amanhã será um novo dia para quem se preocupa com a pesca. Talvez eu volte para ouvir mais algumas histórias, fotografar a criançada, desfrutar de um café ao ver os homens construindo um barco e vivenciar mais um pouco deste espaço. Mas... Por hora, reservo-me a lhes contar somente isso.
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CONCLUSÃO A relevância do tema acerca da Habitação Social, apesar de há muito existir, gradativamente, volta a ganhar espaço na agenda dos arquitetos. Ciente da responsabilidade social a que lhe é inerente, é fundamental a sua participação como um dos agentes modificadores do espaço urbano e arquitetônico: base para a coexistência humana. Em continuidade ao debate retomado sobre as premissas dos projetos de Habitação Social, a Vila Beira Rio aparece como possível alternativa para demonstrar que o espaço do homem é adaptável e constantemente reformulado segundo as suas necessidades e prioridades. Distante da imutável e estática ideia de que o “meio urbano social” é indigno e ineficiente, pouco rentável e altamente oneroso, o projeto visa demonstrar que o reconhecimento da identidade e a análise criteriosa de comunidades precárias, permitem desenvolver soluções plausíveis e singulares, fugindo do imediatismo da exclusão social que destrói a sua essência. Com isso, procurou-se comprovar que, em algumas situações de risco, apesar de tal implantação ser comum em ocupações de baixa renda, é necessário a coragem de pensar na remoção consciente das famílias, garantindo a proximidade e a identidade com o local de origem. Uma vez que a maior parte das ocupações já se encontra consolidada, o deslocamento periférico, além da exclusão social, provoca a perda de identidade das pessoas para com o meio em que vivem. Ainda assim, se inviável for mantê-las no local, que se analise a possibilidade de deslocá-las o mais próximo possível deste, com infraestrutura implementada e preferencialmente dentro do contexto urbano consolidado. Correspondendo à necessidade de se produzir um maior número de habitações em um curto espaço de tempo, concomitante à otimização dos processos e à preservação do meio ambiente, apontou-se a industrialização como alternativa. Uma vez que é maior a oferta de produtos e pouco díspar seus custos finais em relação às técnicas tradicionais, a padronização dos materiais viabiliza, quantitativamente, a redução do déficit habitacional brasileiro, onde, inclusive, encontramse as moradias da Vila Beira Rio. Qualitativamente, cabe a criatividade do arquiteto em tornar evidente o que identifica e caracteriza a comunidade em que se intervém. A Vila Beira Rio, portanto, busca concretizar o ideário de que um projeto de arquitetura e urbanismo voltado para a habitação de interesse social, muito embora atrelado a um processo político e econômico, é, antes de tudo, uma ferramenta social em constante debate e atualização. Almeja-se, assim, leva-la adiante e transformar o que se necessita ser modificado. Deseja-se, por fim, sair do lugar comum e questionar a forma de pensar a arquitetura, o urbanismo e a vida.
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ANEXOS