Dee Deep - Toy art inspirado no mito das sereias

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DEE DEEP Toy art inspirado no mito das sereias

Guilherme silva



centro universitário senac santo amaro bacharelado em design industrial | trabalho de conclusão de curso | são paulo - 2018

DEE DEEP Toy art inspirado no mito das sereias

Guilherme SILVA Orientador: Prof. me. Ralf José Castanheira Flores



RESUMO Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo desenvolver Dee Deep, um toy art inspirado no mito das sereias. Para isso contextualizou-se a cena toy art, um segmento de produto relativamente contemporâneo, seu conceito e origens; e apresentou as diversas narrativas sobre as sereias a fim de conceber sua imagem e concepção. A pesquisa é fundamentada por uma investigação de caráter exploratório e bibliográfico. O trabalho conta com análises de estudo de caso com toy arts selecionados tendo como critério a representação de sereias. A ideia é relatar a experiência de produção, desde a conceituação do que é o objeto até sua materialização. Palavras chave: Toy art; Design; Sereia.

ABSTRACT This final project has developed Dee Deep, a toy art inspired by the myth of mermaids. For this, the toy art scene was contextualized, a segment of a relatively contemporary product, its concept and origins; and presented the narratives about the mermaids in order to conceive their image and conception. The research is based on an exploratory and bibliographical research. The work counts with studies of other toys projects that also have the representation of a mermaid. The idea is to relate the experience of production, from the conceptualization of what is the object until its materialization. Keywords: Toy art; Design; Mermaid.



Agradecimentos Aos meus pais, que mesmo nas dificuldades, sempre me proporcionaram o melhor que puderam para que eu pudesse realizar meus sonhos e objetivos. Agradeço também a minha família, pelo apoio e carinho dedicado à mim durante toda a minha vida e nessa longa jornada acadêmica. Ao meu orientador, por ter acreditado no tema desta pesquisa e a todo auxílio, paciência e disponibilidade ao longo de todo o percurso do projeto. Em especial, aos técnicos do laboratório de design, que sem a presença deles não iria ser possível a confecção dos trabalhos realizados durante a faculdade. Agradeço ao estágio realizado no senac e a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas que proporcionaram momentos de muito aprendizado. Aos meus amigos e colegas de classe, obrigado pela companhia nesses anos, pelos momentos bons e ruins que me ensinaram a sempre agradecer quem estava ao meu lado. E a todos as pessoas que participaram direto e indiretamente neste projeto.



SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................11 1 | TOY ARt ....................................................................13 História .......................................................................................................23 Ícones e referências .............................................................................27

2 | SEREIAS ...................................................................33 Sereias Brasileiras ...............................................................................42

3 | Estudo de caso .....................................................................49 4 | DEE DEEP - PROJETO .............................................65 considerações finais ..............................................87 REFERÊNCIAS .................................................................89



INTRODUÇÃO Este trabalho de conclusão de curso surge a partir de duas paixões pessoais: a sereia, criatura mitológica que pertenceu ao meu imaginário infantil como uma forma de expressão e fantasia; e o toy art, união de vários espaços de ação em minha trajetória, como o desenho, a arte, o design e o brinquedo. O projeto tem como objetivo desenvolver um toy art inspirado no mito das sereias. A ideia é relatar a experiência de produção, desde a conceituação do que é o objeto, seu objetivo, desenvolvimento, pesquisa de referências, metodologias e materiais. O nome do nosso toy art é Dee Deep, que o leitor conhecerá mais conforme acompanhar o desenvolvimento do projeto e de seu processo de fatura. Esse trabalho de pesquisa tem como base um estudo referente ao movimento da toy art, que teve início em meados da década de 1990 e usa o brinquedo como suporte para expressão artística. Voltado para o público adulto e colecionadores, os bonecos abordam diversos temas da vida contemporânea com a nostalgia que o brinquedo gera no consumidor. Neste âmbito, a presente pesquisa é fundamentada em uma investigação de caráter exploratório, bibliográfico e metodológico, tem como objetivo mostrar um pouco o tema a ser trabalhado no projeto. O trabalho está dividido em quatro capítulos, a saber: Este texto iniciou-se com uma busca conceitual e formal do que seria o toy art, suas diferenças de um brinquedo comum, quais as diversas formas de produzi-lo e com quais subcategorias. Depois retomamos a história do produto, onde e quando surgem os primeiros toys, e quem são as principais referências em toy art para este trabalho. No segundo, visa se centrar no mito da sereia, apresentando as diversidades de narrativas, de diversos lugares e tempos, e apontando quais referências serão essenciais para entender a criação de Dee Deep. No terceiro, desenvolveu-se um estudo de caso com base em diversos artistas/designers que trabalham com toy art e representações de sereias, apresentando uma análise e de como se dão esses trabalhos como referência no desenvolvimento deste produto. Figura 1: Ilustração Dee Deep

O último capítulo abordou o processo de concepção e materialização da Dee Deep, por meio da construção de sua narrativa, rascunhos, estudos volumétricos, modelagem digital, impressão 3D, embalagem e protótipo.

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TOY ARt Misturando arte, design, moda e culturas urbanas, pode-se dizer que toy art1 é um “brinquedo de arte”, porém, não se trata de um brinquedo convencional feito para brincar, mas sim para colecionar e expor. De um modo geral toy art é um objeto diferente e relativamente novo para expressão artística, representações de ícones pop e críticas sobre o mundo contemporâneo. Figura 2 : Coleção de toy art

1  Usou-se o termo em inglês nesta monografia pois é o nome mais comum sobre o assunto no país e porque é uma expressão que define uma indústria em vez de um produto específico, já que o termo aplica-se mais à estética do que nos materiais que são produzidos.

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Segundo Phoenix (2006, p.43) diferente dos brinquedos tradicionais os toy arts não são encontrados em prateleiras de supermercados ou em lojas de varejo, porque sua produção é feita em pequena escala, pois artistas e designers não possuem os mesmos recursos de uma grande empresa para a fabricação dos mesmos e em parte o número limitado de toys produzidos os torna mais especiais, mantém colecionadores mais interessados e transforma o lançamento de um novo modelo em um evento. Essas produções geralmente têm tiragem entre dez e mil peças fazendo com que colecionadores do mundo todo se mobilize para comprar um toy art muitas vezes raro e exclusivo devido a sua pequena escala de peças produzidas. Existem outros termos que definem a cena toy art como: boutique toys, designer toy, urban vinyl, (PHOENIX, 2006, p.43). Essas expressões têm ligações com sua estética de origem urbana, com o material que é produzido ou quando quem o concebeu é relevante para as características do personagem. Podem ser feitos de qualquer material, embora seja mais comum em plásticos como PVC (Policloreto de vinila) conhecido como vinil, sofubi2 e ABS (Acrilonitrila butadieno estireno), porém, são mais caros já que é necessário ferramentas industriais para sua produção. Ainda há materiais bastante usados e mais acessíveis como resinas, tecido pelúcia, madeira, papel e metal. 2  Vinil japonês de alta qualidade. Mais leve, macio e maleável que o vinil ocidental.

Figura 3: Brass Billy, Blamo Toys - Toy art em bronze. Figura 4: Dragon Knight, Amanda Visell - Toy art de madeira e resina.

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Figura 5: Cena do documentário ‘Un Designer Toy Artesanal’.

No mundo do toy art não existe uma separação rígida entre quem produz e quem o consome, muitos compradores e simpatizantes da toy art fazem seu próprio toy e trocam seus produtos com artistas e outros colecionadores, alguns até vendem seu trabalho. É possível encontrar na internet diversos tutoriais de como trabalhar com esses materiais e produzir um novo toy art. Um exemplo é o documentário feito pelo estúdio espanhol de design Syntetyk, formado por José M. Cuñat e Victor M. Mezquida que mostra o processo de criação de um toy art feito à mão desde o primeiro esboço até a materialização do toy art e sua reprodução. O designer inglês Matt Jones do estúdio Lunartik em 2015 lançou um guia Plastik Surgery, para iniciantes onde ensina a modelar, fazer moldes de silicone e fala sobre o mercado.

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Sua temática é variada, mas, usualmente, utiliza a ironia, para tratar determinados assuntos, misturando a fofura e inocência do brinquedo para falar de problemas da vida adulta. De acordo com Silva (2015, p.77): “os objetos transmitem narrativas constantes, e de diversas maneiras: claras e diretas, assim como sutis e indiretas, ou herméticas e abstratas. A estrutura narra através de formas e tamanhos, cores, cenas e grafismos. Podem-se identificar algumas narrativas recorrentes por estar transitando em grande parte pela crítica urbana, pelo humor, pela desconstrução e pela desmistificação. Os mitos urbanos, sejam eles heróis de histórias conhecidas, celebridades, personagens icônicos da sociedade, do cinema, música, televisão, e até mesmo produtos comercializáveis, conhecidos entre a sociedade são comumente alvos da narrativa do designer toy.”

Alguns exemplos destas narrativas produzidas a partir de uma perspectiva adulta, poderiam ser: Gloomy Bear - Mori Chack

Figura 6: Toy art Gloomy Bear Figura 7: Gloomy atacando Pity, ilustrando a historieta.

Glomy, um filhotinho de urso, é encontrado por um garoto chamado Pity. Ele decidiu adotar o urso por achar ele frágil e fofo. O tempo passou, ele se deu conta de que Gloomy, seu pequeno mascote, que chegou frágil e delicado em sua casa, é um animal muito perigoso e selvagem pelo seu instinto animal incontrolável, assim, o urso termina por atacar o garoto. E por isso que em sua representação, o urso sempre aparece com manchas de sangue em suas patas e na boca.

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Cactus Friends - Tokidoki

Figura 8: Cactus Friends.

Sandy e seus amigos se atam em trajes de cacto porque acham que o mundo é um lugar frio e assustador, e precisam de alguma armadura para enfrentálo. O cacto é um sinal de proteção, conserva a água, e a água significa vida. Os Cactus Friends ou Amigos Cactos são a representação da vida, de serem frágeis e fortes ao mesmo tempo e puros como a água. Tara McPherson

Figura 9: Astra e Orbit.

De um mundo onde as crianças navegam no Dreamwell3 para encontrar seus amigos, Astra e Orbit podem ser encontradas além dos mares lúcidos e do céu rosa. Por baixo das cores boreais Dreamwell, este casal místico está elegantemente preparado para ajudar na sua viagem para além do sono. 3  É um jogo competitivo para 2 a 4 jogadores onde os jogadores tentam localizar os seus amigos perdidos na localidade Dreamwell. Fonte: https://www.ludopedia.com.br/jogo/dreamwell.

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Kwaii - Coarse

Figura 10: Kwaii.

Moahh moahh!!! Thump! Clonk! Kwaii atropela as planícies cobertas de grama e os campos de repolho em busca de um lar. ´Procurou em cima na montanha e embaixo pelo riacho. Ele vira todas as pedras e arredonda todos os cantos, mesmo sabendo que essa terra não o quer. Mas o que ele sente em seus chifres? Um pássaro? Agora dois? Kwaii senta e descansa. Ele não está tão feliz há muito tempo porque, em vez de encontrar uma casa, o Kwaii se tornou uma. Na leitura destas histórias, retiradas dos sites oficiais dos toys, pode-se perceber temas claramente preciosos para vida adulta e humana, como por exemplo, solidão, insegurança, resgate ao lúdico, medo e violência. Essa tentativa desenvolver uma empatia com o consumidor pode ser percebida e produzida de diferentes formas.

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Uma das vertentes do toy art é o (D.I.Y.) do it yourself, que são os modelos comercializados sem grafismos e em cores sólidas sendo a cor branca a mais comum. É o faça você mesmo, onde não é necessário ser um artista ou dominar técnicas avançadas para produção. Algumas empresas vendem kits de toys com canetas, adesivos, acessórios para intervenção, além de concursos que incentivam essa prática. Pode se dizer que o D.I.Y. é uma subcategoria do custom toy, que são os toy art personalizados por artistas. Modificando ou reinterpretando o modelo original o objeto transmite a visão e estilo de quem o customiza. Utiliza diversas técnicas manuais como, pintura, escultura e costura para a produção de um novo design, único e exclusivo, e alguns chegam a ser reproduzido em pequenas quantidades a fim de serem comercializados. O boneco utilizado como base para essas customizações é chamado de plataform toy, com formas simples, geralmente na cor branca alguns têm até partes articuláveis ou móveis para facilitar o trabalho, é uma tela em três dimensões. Exemplo dessas plataformas, existem o Munny que conta com uma linha com mais quatro modelos Bub, Trikky, Raffy e Rooz da empresa Kidrobot.

Figura 11: Munny como exemplode de um plataform toy. Figura 12: Munnys customizados pelo artista plástico dominicano Lou Pimentel.

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Há também as séries, onde o mesmo modelo de toy art recebe diferentes grafismos, pinturas ou pequenas mudanças em sua forma. Seguindo temas, assuntos específicos ou trabalho de algum artista, as séries contam com 10 a 15 modelos de toy art, como vemos na imagem da linha Dunny com trabalho do artista Jean Michel Basquiat.

Figura 13: Coleção Dunny série especial Basquiat.

Os toy art são vendidos em dois tipos de embalagem. As open box que o comprador sabe qual modelo está adquirindo, pois, o mesmo vem indicado na embalagem e possuem preços que variam pela raridade, artista, lançamento, etc. De outro modo, há as embalagens do tipo blind box, que são os toy art embalados aleatoriamente e possuem o mesmo preço, no entanto o comprador não sabe qual exemplar está dentro da caixa, isso torna uma série ou modelo de toy art mais especial, estimulando que consumidores comprem mais a fim de conseguir completar sua coleção. Para evitar que compradores 20 | TOY ART


abram a caixa e olhem qual modelo está dentro da embalagem as empresas começaram a utilizar proteção metálicas que bloqueiam até raio-x. Nessa modalidade existem os chases que são modelos secretos dentro do lote, no entanto isso não significa que são um modelo mais raro. Esses toys estão distribuídos em ratios, que serve para indicar a raridade de um toy art em proporção. Se um toy art tiver a relação 2/20 significa que o comprador encontrará dois modelos daquele toy art a cada vinte embalagens. Existem várias proporções de ratio. O número mais alto indica o número da quantidade de toys em um lote. Até aqui vimos que os toy art são, ao mesmo tempo, objetos de arte e produtos comerciais. Abordando vários temas esse produto é voltado ao público adulto, porém, não é uma regra. É possível reconhecer que existem diversos tipos e segmentos desses objetos, dos modelos únicos customizados por artistas até os licenciados distribuídos em maior quantidade. Sendo assim, os próximos textos irão nos mostrar a origem da cena toy art e como ela se estabeleceu até chegar nos dias atuais.

Figura 14: POPek de whatshisname.

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História O toy art surge na Ásia em meados dos anos 90, Ivan Vartanian (2006, p.9) diz que nenhum estudo sobre o assunto é completo sem mencionar Michel Lau, designer e pintor chinês considerado o precursor do toy art, quando em 1997 a pedido de seus amigos da banda Anodize, o artista criou o encarte de um CD do grupo. Lau não queria entregar uma foto ou desenho entediantes então Lau escolheu customizar os famosos bonecos dos Comandos em Ação (GI Joe) baseado nos integrantes da banda e os fotografou (PHOENIX, 2006, p.68-71). Ainda segundo Phoenix, em 1998 Lau foi convidado a fazer uma história em quadrinho pela East Touch Magazine4 de Hong Kong, ele se baseou na cultura hip- hop local e na cultura urbana para criar os “Gardeners”. A resposta positiva dos leitores fez com que os personagens virassem bonecos de ação e fossem expostos na ToyCon, feira anual de brinquedos de Hong Kong, porém não estavam à venda, mas com a procura e interesse de compradores, nos anos 2000 Lau criou Crazychildren, toys em edição limitada, com formas mais caricatas e menos articuladas. 4  Revista de lifestyle voltada para público jovem-adulto disponível em: http://easttouch.mymagazine.me/main/

Figura 15: Coleção Gardeners. Figura 16: Michael Lau customizando um boneco.

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Hikaru Iwanaga é outro nome importante para o nascimento do toy art, dono da cadeia de lojas japonesa Bounty Hunter, em 1997 Iwanaga inspirado na estampa de uma camiseta criada por um amigo decidiu produzir o Kid Hunter que é considerado o primeiro toy art do mundo. Iwanaga dizia que ninguém fazia bonecos que ele queria ver, então, ele mesmo começou a produzir e logo casos parecidos de pessoas que queriam seu próprio brinquedo começaram a aparecer. A loja Bounty Hunter começou a atrair olhares de outros artistas e passou a acolhê-los e a se fazer de fabricante para ideias de ilustradores que queriam ver lançados seus personagens em três dimensões, na forma de pequenas esculturas humoradas e urbanas. (SILVA, 2015, p.72). Então a cena do toy art foi se expandindo até chamar atenção internacional se popularizando no ocidente pela empresa estadunidense Kidrobot, fundada pelo artista, designer e empreendedor Paul Budnitz que viu potencial comercial nos toys art transformando o que era artesanal, não em industrial, mas em um híbrido, segundo o site kidrobot.com criando um espaço onde arte, design e surpresa se encontram.

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Figura 17: Boneco Kid Hunter, conciderado o primeiro toy art.

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Ícones e referências Neste trecho apresentou-se três profissionais de referência para o desenvolvimento de toy art e que inspiraram Dee Deep. Brian Donnelly – KAWS Na década de 1990 KAWS também começou um trabalho de intervenção em outdoors, pontos de ônibus e cabines telefônicas de Nova York, fazendo todos da cidade verem sua arte. Logo KAWS alcançou notoriedade e popularidade, e esses anúncios publicitários começaram a serem procurados pelas pessoas. Como visto anteriormente no final dessa década, a cena do toy art estava começando a explodir e KAWS lança seu primeiro toy, materializando o personagem de seus grafites. Companion foi o primeiro boneco produzido pelo artista, inspirado no Mickey Mouse com osso atravessando a cabeça e X ́s nos olhos. Trabalhando dentro da pop art tradicional, KAWS se inspira em desenhos animados e na história da arte. (PRICE, 2017, p.5) Além de criar personagens originais KAWS, reformulou ícones da televisão norte americana e dos desenhos animados adaptando a sua linguagem. Os Simpsons, Mickey Mouse, o Homem da Michelin, os Smurfs, Peanuts, Bob Esponja Calça Quadrada e Vila Sésamo são exemplos dessa apropriação que viraram bonecos, esculturas e pinturas. KAWS trabalha em parcerias com marcas de roupas, projetando e desenhando estampas para diversas linhas de produtos. E está presente dentro de galerias e museus que exibem seus trabalhos.

Figura 18: ‘The Companion’

Figura 19: Brian Donnelly – KAWS em seu estudio.

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Paul Budnitz - Kidrobot Fundada pelo artista, designer e empreendedor Paul Budnitz em 2002. Segundo o site kidrobot.com, a marca é reconhecida mundialmente como a principal criadora e revendedora de brinquedos de arte, edições limitadas, roupas assinadas por artistas e acessórios. Um inovador cruzamento entre escultura, design e arte, a Kidrobot oferece não só um meio poderoso para os estilistas, ilustradores e artistas internacionais contemporâneos, mas também uma vitrine criativa para tendências emergentes de rua e pop art. Com lojas em, São Francisco, Nova Iorque, Los Angeles, Miami e Londres, também conta com revendedores oficiais e loja online, com bonecos que custam de 5 a 25 mil dólares. Trabalhando com marcas licenciadas, parceria com artistas a empresa também tem sua própria linha de toys: Dunny, Yummy World, Labbit e Munny que talvez seja o mais famoso. Em 2007, o departamento de arquitetura e design do Museu de Arte Moderna (MoMA), de Nova Iorque, adquiriu 13 bonecos da Kidrobot.

Figura 20: Dunny série 3 - Huck Gee. Figura 21: Paul Budnitz.

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Simone Legno – Tokidoki Tokidoki, em japonês significa “às vezes”, é uma marca que vende não só produtos, mas também um estilo de vida e é reconhecida internacionalmente pelo seu estilo fofo, colorido e exagerado. Sobre a direção do designer italiano Simone Legno, que sempre teve um amor profundo pela cultura japonesa, escolheu a palavra tokidoki porque ele sente que “é a esperança, a energia escondida que todos têm dentro de si, nos dá força para enfrentar um novo dia e sonhar com a esperança de que algo mágico aconteça conosco.” O reconhecimento de Legno veio quando seus desenhos chamaram a atenção dos empresários Pooneh Mohajer e Ivan Arnold, que viram sua arte e trabalhos de design em seu site pessoal e o convidaram para morar em Los Angeles para iniciar uma nova parceria. Propondo um estilo de vida positivo e esperançoso a marca é conhecida globalmente e oferece uma extensa gama de produtos que incluem vestuário, cosméticos, acessórios, brinquedos e muito mais. Também apresenta uma série de trabalhos colaborativos com marcas como Barbie, Hello Kitty, Onitsuka Tiger e até com Karl Lagerfeld designer chefe e diretor criativo da grife Chanel.

Figura 23: ‘Kittypatra’, toy art produzido em parceria Tokidoki x Hello Kitty. Figura 24: Simone Legno.

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SEREIAS

Figura 25: Representação de uma sereia

As sereias são seres mitológicos híbridos, metade-mulher-metade-peixe, que estão presentes no imaginário coletivo desde os tempos primórdios, em histórias infantis, na indústria cultural, e na sabedoria popular. O mito da sereia está ligado a água, feminilidade, sedução, medo, prazer, tortura, vida e morte, bem e mal. Dualidades opostas em um mesmo ser que inspiraram e inspiram obras literárias e representações iconográficas.

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É importante lembrar que este mito universal, ao longo da história, sofreu transformações. Durante a pesquisa encontrou-se narrativas sobre estes seres híbridos ligados à água, desde a mesopotâmia com o deus Oannes ou Hea como também era conhecido até a lenda da Iara presente no folclore nacional. Segundo Kemble (1992, p. 69) o antecessor do mito das sereias é um deus babilônico chamado Oannes, uma deidade benevolente híbrida homempeixe que simbolizava poderes positivos vivificantes do oceano e sabedoria. Souza (2017, p.36) nos diz que “esse deus, chamado de Oannes ou Hea, e que corresponderia ao deus Cronos dos gregos, teria uma cabeça de peixe.” A autora cita Berosus que afirmava que no começo da babilônia, havia homens de diferentes etnias que colonizaram a Caldeia, esses indivíduos viviam como selvagens sem leis. “Porém, no primeiro ano, teria aparecido uma criatura vinda do mar, no Golfo Pérsico, na costa da Babilônia, dotada de razão. Tratava-se de um ser que possuía corpo de peixe e pés humanos.” (SOUZA, 2017 p.36).

Figura 26: Oannes.

A deidade Oannes era representado como um homem com cabeça humana debaixo de uma cabeça de peixe, tinha voz humana pois esse “homem-peixe” teria ensinado aos homens as letras, as ciências, as artes, a agricultura, a fundação de cidades e construções de templos e os princípios da lei. Tais ensinamentos fariam parte de um livro sobre o princípio de todas as coisas. Berosus apontado por Souza, ainda diz que que o hibridismo homem-peixe talvez é uma das mais antigas e comum união entre humanos e animais.

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Retomando Kemble (1992, p.69) em seu artigo a autora diz que essa tradição continuou na espécie da figura de Nereu, um primitivo deus do mar que foi o pai das amáveis ninfas do mar conhecidas como as nereidas, que eram retratadas como belas e detentoras de uma encantadora voz, assim como posteriormente as sereias seriam representadas. Também existiam muitas outras divindades ligadas ao mar e espíritos da água na mitologia clássica. Kemble cita que “Nereu deu lugar ao importante deus grego do mar Poseidon, que mais tarde se identificou como o deus romano Netuno”. Na mitologia grega Tritão, filho de Poseidon era o único a ser descrito com um rabo de peixe ou cauda de golfinho e era considerado um monstro marinho que representava os perigos do mar e responsável por acalmar as águas para que a carruagem de seu pai pudesse deslizar sobre as ondas do mar. Atualmente a palavra tritão é o termo utilizado para designar o masculino das sereias. Depois da referência do deus mesopotâmico, Nereu e suas filhas, tem-se outro mito muito importante. As sereias gregas, conhecidas por encantar e seduzir marinheiros com seu canto e beleza fatal, mostrando sua imagem mais malvada e maliciosa. Antes de apresentar o mito na cultura grega, investigou-se as origens e significados da palavra Sereia que incitam diferentes interpretações de acordo com o mito e sua evolução. Rato (1999, p.12) cita diversos autores que falam os significados da palavra sereia: Uns dizem que deriva do grego serién que significa cadeia, do verbo seirazen, atar com uma corda, qualidade de encantadora ou maga (Massimo;1996) [...] Allardidice (1990) aproxima-as da palavra Sirene e que a autora traduz como “a que enreda [...] voz suave e irresistível”. Victor Berard (1929) estuda outras hipóteses e como J.P. Machado (1959) no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa valoriza a origem latina, a palavra Sirena, que evoca o som: Estridente, de alerta ou harmonioso de doce envolver. D. Gaspar (1958) ... Afirma que o vocábulo deriva do grego e significa atração e provocação.

Lima (1952, p.23) Diz que a palavra Sereia deriva do latim, sirena, que se sucedeu a siren do grego e cuja a origem é fenícia: sir (canto). Percebe-se que todos esses autores denotam a questão do som, voz e canto, ferramenta de sedução das sereias. No nosso idioma usa-se a palavra Sereia para designar uma bela mulher com cauda de peixe, quanto para a versão do mito grego. “A língua inglesa faz uma distinção dos termos que se referem às sereias: há a Siren, que representa a sereia clássica grega, e a Mermaid que possui uma cauda de peixe.” (BORGES, 2008, p. 189). Os próximos parágrafos dedicaramse em falar sobre as siren.

Apesar de estarem associadas ao mar, as sirens ou sereias da mitologia sereias | 35


clássica eram na verdade mulheres-pássaro. Rato (1999, p.14) As descreve com cabeça e busto de mulher e asas e corpo de pássaro, ou só cabeça de mulher e corpo de ave. No entanto na mitologia grega existe as harpias, que assim como as sereias, também são metade pássaro. A obra Curious Creatures in Zoology de Ashton (1890) as distingue das sereias, sendo as harpias seres com cabeça de mulher e corpo de ave que exalavam um cheiro contagioso e estragavam tudo que tocavam com sua sujeira e excrementos. As Harpias eram “arrebatadoras de crianças e de almas, as imagens desses monstros eram muitas vezes colocadas sobre os túmulos, transportando a alma do morto em suas garras” (BRANDÃO, 1986, p. 236). O autor também as descreve como seres monstruosos e horríveis, que tinham o rosto de mulher velha, corpo de abutre, garras aduncas, seios pendentes. Pousavam sobre os banquetes e espalhava um cheiro tão infecto, que ninguém mais podia comer. Brandão complementa dizendo que simbolizam as paixões desregradas, libidinosas, torturas, repleta de desejos e remorso; as abastecedoras do Inferno com mortes súbitas.

Figura 27: Harpia.

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Foi na Odisseia de Homero que as sereias aparecem pela primeira vez, imortalizando o mito. Rato (1999, p.13) questiona como era e onde localizava-se o possível habitat das sereias. “era numa linda ilha coberta de flores, muito alta, de onde pudessem ver bem nos navios que sulcavam as ondas do mar. Era de aí que elas encontravam os marinheiros com sua voz aveludada e doce.” (RATO, 1999 p.13 apud PHILLPOTTS, 1980 p.57). Para Lima as sereias habitavam onde hoje se encontra a ilha de Capri na costa da Itália por ser rochosa e florida. Lima (1952 p.23) aponta a origem das sereias “ora se passam por filhas da musa Melpomémne e do deus-rio Aquelóo, ou de Aquelóo e de Estérope, filhas de Portáon e Eruité, ou de Fórcis um deus marinho ou ainda de Aquelóo e da musa Calíope”. O autor cita a versão de Libânios que diz que as sereias nasceram do sangue de Aquelóo derramado no rio quando foi ferido por Hércules. Ainda sobre a origem das sereias, existe a versão em que Céres as transformou em aves porque não socorreram sua filha Proserpina quando foi raptada por Plutão. Conta-se, ainda, que, depois destas transformações, quiseram rivalizar com as musas. Estas, irritadas roubaram-lhes as penas e coroaram-se com elas. Rato (1999, p.15) também relata essa narrativa, contando que as sereias procuraram Proserpina por todos os cantos da Terra e pediram aos deuses fulvas penas e asas, mas não para voar e sim usar como remos a fim de enfrentar e atravessar as ondas dos mares.

Figura 28: Estatua funerária de uma sereia grega.

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Retomando a Odisseia de Homero, famosa obra literária que data cerca de VIII a.C. narra a jornada de Odisseu ou Ulisses de volta para sua casa após a guerra de Tróia, porém sofre diversas dificuldades e provas quais, duram dez anos até seu regresso. Segundo Lima (1952, p.23) é nessa obra que as sereias são mencionadas pela primeira vez. Em uma passagem na obra Odisseu encontra a feiticeira Circe que descreve as sereias, como musas do mar e o alerta aos perigos que elas oferecem. Primeiro alcançará as Sirenas, elas que a todos os homens enfeitiçam, todo que as alcançar. Aquele que se achegar na ignorância e escutar o som das Sirenas, para ele mulher e crianças pequenas não mais aparecerão nem rejubilarão com seu retorno à casa, pois as Sirenas com canto agudo o enfeitiçam, sentadas no prado, tento ao redor montes de putrefatos ossos de varões e suas peles ressequidas. (HOMERO, 2014, p.274, v. 35-45.)

Depois de ter descrito as sereias e seus perigos, a feiticeira Circe diz à Odisseu como passar pelas sereias sem ser enfeitiçado pelo seu canto, aconselhando-o a tapar os ouvidos de seus marinheiros com cera para a tripulação não escutar a voz sedutora e melancólica das sereias.

Figura 29: Ulisses amarrado ao mastro para resistir ao canto das sereias

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E diz a Odisseu mandar seus companheiros o amarrar no mastro do navio, pois, dessa maneira ele passaria pelas sereias sem cair em suas tentações. O herói orienta sua tripulação à não o obedecer caso peça para o desatarem do mastro, mas sim o amarrar com mais força. Como alertado por Circe as sereias tentaram atrair o herói com seu canto: Vem cá, Odisseu muita-história, grande glória dos aqueus, ancora tua nau para ouvires nossa voz. Nunca ninguém passou por aqui, em negra nau, sem antes ouvir a melíflua voz que vem de nossa boca; mas ele se deleita e parte com mais saber. De fato, sabemos tudo que na extensa Troia, aguentaram os argivos e troianos por obra dos deuses. Sabemos tudo que ocorre sobre a terra nutre-muitos. (HOMERO, 2014, p.278, v. 180-190)

Em um momento de fraqueza, Odisseu pede para seus companheiros o soltar, mas como o combinado, sua tripulação apertaram as cordas mais forte salvando o herói. Lima (1952 p.27) diz que quando as sereias foram vencidas elas se jogaram ao mar e morreram.

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Ainda na mitologia grega as sereias aparecem na narrativa dos Argonautas, tripulantes da nau Argo em sua expedição até Cólquida em busca do Velocino de Ouro. Lima (1952 p.26) fala que os argonautas se salvaram das sereias graças a Orfeu que com sua famosa lira tocou uma melodia mais bela que o canto das sereias, deixando-as muda, Borges (2008 p.189) diz que elas se transformaram em rochedos depois de terem sido superadas. As sereias ficaram marcadas como seres do mal, sendo em resumo símbolo de sedução irresistível, crueldade e morte. Personificam o lado humano, mostrando beleza, encanto e atrativos do feminino, em sua parte animal exibe muito das aves marinhas, com instinto irracional e caçador. Por serem metade-mulher, metade- pássaro e simbolizar paixões e morte as sereias ou sirens podem ser confundidas com as harpias, essas por sua vez, aparentam uma imagem horrenda que mata tudo ao seu redor. As sereias ainda podem ser assemelhadas com as nereidas, ninfas do mar conhecidas por sua aparência bela e suas melodias encantadoras além de habitar os mares e rios. Com o passar do tempo as sereias sofreram uma metamorfose e passaram de mulher-pássaro para mulher-peixe, habitando de vez as profundezas aquáticas, adquirindo a forma de que hoje é presente no imaginário coletivo. Essa transformação segundo o artigo de Kemble na publicação stories from around the world (1992, p.75-76) se deve a fusão da mitologia grega, tradições pagãs e mais tarde do cristianismo. A autora também cita a relação simbólica do feminino com as sereias à “forte associação entre o mar e a feminilidade; o útero e os fluidos amnióticos das mulheres têm u m paralelo com as águas do mar que deram origem a vida.” Kemble indica a conexão do ciclo menstrual com o ciclo das marés e sua ligação com a lua. Expondo talvez mais uma explicação para a transformação do mito em mulher-peixe. Rato (1999, p.14) diz que só no século VI d.C o anônimo Liber Monstrorum de Diversis Generibus lhes atribuiu uma elegante e inusitada cauda de peixe. A imagem foi generalizada na idade média a ponto de fazer as pessoas esquecerem sua antiga forma. Com a ascensão do cristianismo na Europa, muitas crenças desapareceram, mas a crença no mito das sereias persistiu inclusive sendo explorado pela Igreja. Segundo Kemble (1992 p. 70) “a sereia e suas artimanhas femininas provaram ser um símbolo útil na representação da vida mundana e seus perigos”. Nesse período as sereias receberam os artefatos que criaram a sua reputação e símbolo de vaidade, o espelho e o pente de cabelo. Souza (2017, p.45-46) relata que nesse período as sereias entraram no bestiário medieval, que eram manuscritos feitos por monges com intenção 40 | SEREIAs


de catalogar espécies animais (incluindo animais e criaturas magicas), plantas e minerais com propósitos informativos e morais. Nesses manuscritos elas aparecem em sua forma de jovens mulheres-peixe de seios despidos, vaidosas, penteando seus longos cabelos, cantando sentadas em rochedos a espera de marinheiros criando a referência que existem até hoje.

Figura 30: Gravura de sereias metade mulher metade peixe.

As criaturas dentro dos bestiários eram tidas como reais, servindo para explicar coisas que não sabiam na época e de algum modo colocar medo nas pessoas usando mitos. “A Sereia era vista como criatura mundana e perigosa (assim como as sereias gregas de Homero), pois enfeitiçavam os homens até sua destruição. Suas artimanhas femininas confirmavam sua reputação de vaidosa.” (SOUZA, 2017, p.46- 47). Então pode-se dizer que nos bestiários medievais as sereias representavam o medo do desconhecido fora do domínio humano, os perigos existentes em alto-mar ou no fundo dos lagos, o pecado da vaidade, luxúria, prazer e os perigos de se entregar às tentações. É notável até aqui algumas das discussões sobre a origem das sereias, percebeu-se como o mito das sereias persistiu e se difundiu ao longo da história da humanidade. As sereias já tiveram outros nomes e foram confundidas com outros mitos e divindades. As sereias passaram por uma mudança em sua forma, porém sempre representaram feminilidade, uma beleza mágica, canto e seduções perigosas.

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Sereias Brasileiras Igualmente em outras culturas estudadas anteriormente neste trabalho, o folclore brasileiro está cheio de criaturas ligadas à água. Os próximos parágrafos abordaram as lendas das sereias brasileiras Iara, muito presente na região norte do Brasil e Iemanjá na esfera nacional, produtos da miscigenação da cultura nativa, europeia e africana. Iara Na Era dos Descobrimentos as navegações que aconteceram entre o século XV e XVII, Portugal e Espanha – pioneiras na exploração marítima – expandiram a visão de mundo, descobrindo novas terras e rotas marinhas. Esse período também marca a passagem da idade média para a idade moderna. Câmara (2009, p.119) nos conta que essas nações compartilhavam o mesmo temor e a mesma fascinação pelas lendas que relatavam a existência de monstros marinhos nas desconhecidas águas navegadas por corajosos marinheiros. A autora cita (Cascudo, 1967: 122) dizendo que “os seres pavorosos que alimentavam a superstição do português colonizador e que assombravam as tripulações, com o passar do tempo e ao desembarcarem em terras brasileiras, foram rebatizados com nomes indígenas”. Assim que lendas como Curupira, Lobisomem, Boi Tatá e da Iara surgiram. A Iara apresenta traços das sereias gregas com sua voz e canto irresistível; corpo das sereias do medievo, belas jovens com cauda de peixe; e das lendas ibéricas de onde herdou características da Moura encantada, que oferece às suas vítimas presentes e maravilhas por meio do canto. Antes da chegada dos colonizadores português a Mãe d’Água como a Iara também é conhecida, era chamada de Cobra Grande, Mboiaçu, Cobra Preta e Mboiúna. Era representada por uma serpente que vivia à beira dos rios, tal qual a Moura Encantada sob a forma ofídica; que se transformava em uma bela índia que seduzia os homens e que os levava com ela para o fundo das águas. Câmara (2009), Casemiro (2012) e Lima (1952) apontam essa semelhança entre a lenda portuguesa com a autóctone como fundamento para a lenda da Iara. Casemiro (2012, p.17) nos aponta a diversidade de nomes atribuídos à nossa personagem folclórica. “É necessário explicitar que entendemos, de acordo

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com Philip Wilkinson1 e Câmara Cascudo2, “Iara”, “Uiara” e “Mãe d’água” como designações distintas para o mesmo referencial”. No entanto Câmara (2009, p. 121, apud CASCUDO, 1967: 122), o termo Iara surgiu na segunda metade do século XIX por uma necessidade puramente literária. Casemiro (2012, p.17) conta que mesmo com nome indígena (do tupi - “ig”: água; “iara”: senhor), a Iara é uma personagem criada a partir do imaginário europeu, o qual nos foi legado sobretudo pelos portugueses durante o processo da colonização.

Era comum a Iara ser descrita nos moldes europeus sendo uma jovem que refletia fisicamente a beleza alva, loura e de olhos azuis. Essa roupagem europeia tornou-se bastante comum nos registros escritos do século XIX brasileiro. (CASEMIRO, 2012, p.19). O poema de Olavo Bilac, poeta brasileiro e membro fundador da ABL (Academia Brasileira de Letras). Descreve essa imagem da Iara: A IARA Vive dentro de mim, como num rio, Uma linda mulher, esquiva e rara, Num borbulhar de argênteos flocos, Iara De cabeleira de ouro e corpo frio. Entre as ninféias a namoro e espio: E ela, do espelho móbil da onda clara, Com os verdes olhos úmidos me encara, E oferece-me o seio alvo e macio. Precipito-me, no ímpeto de esposo, Na desesperação da glória suma, Para a estreitar, louco de orgulho e gozo... Mas nos meus braços a ilusão se esfuma: E a mãe-d’água, exalando um ai piedoso, Desfaz-se em mortas pérolas de espuma. [BILAC, Olavo. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª edição. 1964, p.290]

1  WILKINSON, Philip. O Livro Ilustrado da Mitologia: lendas e histórias fabulosas sobre grandes heróis e deuses do mundo inteiro. 2ed. Trad. Beth Vieira. São Paulo: Publifolha, 2001, p.105. 2  CASCUDO, Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 4ed. São Paulo: Melhoramentos, 1979, p.453.

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No entanto é provável que tal biotipo nórdico mais provocaria medo e absolutamente nenhuma sedução entre os indígenas – dado o rechaço natural destes para com os índios albinos que se cria serem frutos espúrios de relações ilícitas. (CÂMARA, 2009, p.121).

Contudo com o passar do tempo imagem da Iara se adaptada à nossa realidade. Tratando-se, de uma jovem morena e bela, nua, de cabelos longos, negros e de olhos igualmente escuros. A Iara assim como em outras culturas representa a ilusão de um amor, a beleza e até mesmo a morte. Por se tratar de uma tradição oral é difícil apontar uma imagem ou narrativa comum sobre a Iara. Souza (2017, p.51) diz que existem versões da lenda que homens são transformados em estátua ou ficam mudos. Há outra versão em que o efeito é a cegueira. Encontra-se também a versão em que a Iara aparece no reflexo de quem se olha nos espelhos d’água de rios e lagos, estendendo seus braços, ela convida suas vítimas para o fundo, para seu palácio cheio de riquezas levando sua vítima a morte.

Figura 31: Ilustração da Iara de uma animção brasileira

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Iemanjá Iemanjá ou Yemanjá, - A grafia do nome de Iemanjá também é realizada com Y - está presente de maneira muito sólida na cultura brasileira, a Rainha do Mar, é uma das divindades da umbanda e do candomblé tida como a mãe de quase todos Orixás. Nesta parte do trabalho por uma questão metodológica, abordou sua história citando apenas Yls Rabelo Câmara em seu artigo publicado na revista Agália (2009).

Na mitologia africana Iemanjá é a história que mais se aproxima da serias e da Iara. Segundo Câmara (2009, p123) a narrativa começa com o primeiro casal divino formado por Obatalá, que simboliza o céu; e Odudua, que simboliza a Terra. Dessa união resultaram dois descendentes Aganjú, o firmamento, e Iemanjá as águas. Aganjú se sentiu atraído sexualmente por sua irmã e buscou uma oportunidade de encontrá-la sozinha com intuito de violenta-la. O autor aponta que existe mais de uma versão dessa história, em algumas Iemanjá consegue fugir em outras ela é possuída por seu irmão. Todavia, independente do final, segundo as narrativas, surge a vida de dentro de seu ventre e de seus seios assurgem as águas doces que forma os rios. Janaína ou Dona Janaína, Dona Maria, Ianê, Iemanjá, Princesa de Aiocá, Minha Madrinha, Minha Mãezinha, Princesa do Mar, Rainha das Águas e Sereia do mar são outros nomes pelos quais Iemanjá também é conhecida. Muitas vezes descrita sendo como uma: “mulher bonita e sedutora, vaidosa e de gênio forte, Yemanjá é representada como sendo uma jovem de cabelos escuros e longos, alta, magra, elegante e de pele clara, a caminhar de forma lânguida e sensual por sobre as águas e a distribuir suas bênçãos por onde passa.” (CÂMARA, 2009 P.123)

Obviamente essa representação não correspondia a imagem retratado em sua origem africana cuja as características eram, pele negra, corpo gordo, com o rosto coberto por véus e um vestido longo e rodado nas cores azul e branco. Pode-se comparar as duas formas de representação, historicamente o povo africano foi silenciado e sua cultura invisibilizada, por influência do colonizador europeu quem impôs esta aparência física branca. É possível

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ver também a miscigenação cultural em seus cabelos longos e negros, os quais podem ser uma aproximação com a Iara, que também sofreu influência européia em sua imagem. A imagem de Iemanjá oferecendo bênçãos das mãos pode ser uma aproximação ao mito de Nossa Senhora das Graças. Os escravos na tentativa de manter seus cultos, transfiguraram seus deuses em santos católicos. Muitas entidades das religiões afro-brasileiras têm seu nome na língua original e uma respectiva relação com um santo como, por exemplo, Oxalá como Jesus Cristo ou Senhor do Bonfim; Ogum como São Jorge; Oxóssi como São Sebastião ou Santo Antônio e Omolú – São Lázaro ou São Roque.

Figura 32: Iemanjá.

No sincretismo, Iemanjá se tornou equivalente à Nossa Senhora da Conceição e na Bahia, à Nossa Senhora das Candeias. A autora relata que todo dia dois de

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fevereiro é celebrado um culto a entidade. Nesta comemoração são enviados ao mar frascos de perfumes, sabonetes, enfeites, roupas, flores e comidas – acompanhados de súplicas em formato de cartas e os bilhetes. Seus pedidos aguardam uma ajuda especialmente relacionados ao amor. Iemanjá possui o sábado como seu e dia, e tem uma relação com a lua, com as pedras marinhas, as conchas e a prata. Suas cores são azul, branco e prata. Outras características seriam ser: defensora dos que se relacionam com o amor e conjurações sentimentais; ter um lado maternal, dedicado e severo; apego ao luxo, conforto e prazeres carnais. O mito de Iemanjá pode ser aproximado ao de Iara e as sereias, pois a sedução de seus apaixonados e os conduz para dentro da profundidade dos mares, onde tira sua vida - como pagamento por terem tentado possuí-la. Iemanjá é atualmente cultuada por todo o Brasil e possui em sua imagem um símbolo da resistência do movimento negro. Além de ser uma referência cultural para literatura e arte brasileira.

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ESTUDO DE CASO O trabalho iniciou-se com a contextualização da cena toy art, abordando seus conceitos e origens. Também foi apresentado o mito das sereias com o objetivo de descrever a sua imagem, narrativas e mudanças na sua forma de mulher-pássaro para mulher-peixe que percorre o imaginário coletivo até hoje. Agora, foi necessário analisar alguns modelos de toy art inspirados nas sereias. A finalidade deste estudo de caso foi detectar quais imagens simbólicas do mito estão presentes nos toys, suas configurações formais, materiais e processos de fabricação a fim de conhecer produtos semelhantes à proposta do trabalho.

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Mermadi ESC-TOY LTD | Erick Scarecrow | 2011 Materiais - Resina - Tinta

Dimensões - Toy: 15 cm de altura -Spalsh: 10 cm de altura

Preço - U$$ 150,00

Análise Scarecrow é um designer, artista, escritor, produtor e fundador da ESCTOY LTD, que oferece uma variedade de serviços como desenvolvimento e gerenciamento de marcas e conta com mais de 400 produtos lançados, entre eles jogos, toy art e produtos gráficos. Com forma orgânica e arredondada Mermadi representa uma sereia fofa, com cauda curta e nadadeiras pequenas, tem aparência jovem e uma linguagem urbana devido a sua vestimenta e acessórios (touca e luva sem dedos). Seu nome faz alusão ao termo mermaid que em inglês é usado para designar as sereias metade mulher, metade peixe. O modelo produzido em resina e pintado à mão, mede aproximadamente 15 centímetros de altura, o toy vem acompanhado de uma peça que aparenta um esguicho de água ou uma onda e tem aproximadamente 10 centímetros de altura. O projeto de 2011 contou com duas edições, a original figura número 19, onde a cor azul, que remete a água se destaca, somente 20 peças foram produzidas e a versão da figura número 20 em escala de rosa chamada de Mermadi Secret teve apenas 5 peças fabricadas.

Figura 33: Poster promocional do toy art Mermad.i

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Mermadi 2 Villainous ESC-TOY LTD | Erick Scarecrow | 2011 Materiais - Resina - Tinta

Dimensões - Toy: 10 cm de altura - Spalsh: 6 cm de altura

Preço - U$$ 150,00

Análise Mermadi 2 Villainous, essa é a segunda edição do modelo apresentado anteriormente, nesta edição a sereia é representada com corpo todo de peixe com apenas a cabeça humana. Pelo nome essa é a vilã, mostrando o lado malvado das sereias, as cores mais sobreas e chamativas salientam esse aspecto de perigo. Somente 30 peças foram produzidas, todas em resina e pintadas a mão, o toy tem aproximadamente 10 centímetros de altura e conta com a peça splash de aproximadamente 6 centímetros de altura.

Figura 34: Mermadi 2 Villainous.

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Mermaid Architectmade | Hans Bølling | 1954 Materiais - Madeira

Dimensões - 17 x 13 cm

Preço - U$$ 149,95

Análise Bøllin, é um arquiteto e designer dinamarquês conhecido por seus objetos de madeira, ele projetou moveis, brinquedos e objetos de arte que hoje são produzidos por um empreendimento dinamarquês chamado ArchitectMade, uma empresa que manufatura produtos de arquitetos dinamarqueses. Mesmo não pertencendo a dimensão dos toy art esse objeto tem características aproximadas pela a maneira de representação estilizada e por serem um objeto artístico semelhante a um brinquedo. Podendo ter sido inspirado pela história da pequena sereia, famoso conto dinamarquês de Hans Christian Andersen. A Mermaid de Bølling configura-se na imagem tradicional das sereias, metade mulher metade peixe. Feito de maneira artesanal o objeto tem 17 centímetros de altura por 13 centímetros de largura. Enfatiza a aura feminina com suas linhas curvas e volume arredondado. A cor natural do material gera a sensação de unidade da peça, feita de madeira de carvalho e maple. A sereia conta com articulações giratórias na cabeça, braços, corpo e cauda.

Figura 35: Mermaid - Hans Bølling.

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ningyo black awewsome toys | 2017 Materiais - Sofubi

Dimensões - 30 cm de altura

Preço - U$$ 120,00

Análise Não foram encontradas informações sobre fundadores, designers ou trajetória da empresa Awesome Toys. Sabe-se que é uma companhia com sede em Hong Kong e produz toy art no estilo tradicional asiático. Possuem em seu catálogo modelos de releitura e reprodução de brinquedos fabricados entre os anos 60 e 80. Nestes toy temos a representação da lenda da sereia japonesa Ningyo, descritas como criaturas horríveis, ao contrário das sereias ocidentais caracterizadas sendo bonitas e sedutoras. Contudo, acredita-se que a carne de uma Ningyo oferece a imortalidade e, suas lágrimas transformam-se em pérolas e, quando consumidas, trazem a juventude eterna. É um dos muitos contos populares no Japão. Ningyo Black mede 30 centímetros de altura e conta com três pontos de articulação: cabeça, braços e cauda; a articulação em sua cauda permite que o toy art fique na posição vertical ou horizontal. Com escamas bem marcadas a cauda tem em sua nadadeira pontos de apoio que servem como base para que o produto fique de pé. Aparenta um corpo masculino, diferenciando-o da representação tradicional mulher-peixe. Tem uma feição mais diabólica, salientada pelo par de chifres em sua cabeça.

Figura 36: Ningyo black.

Apenas 10 peças foram produzidas para o seu lançamento. A cor preta e o efeito brilhante advêm do o vinil japonês, que além de macio e liso tem a aparência cintilante, a cor única transmite uma unidade a peça. ESTUDO DE CASO | 57


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Suity-Chan Hints and Spices | Shane Haddy | 2013 Materiais - Sofubi

Dimensões - 7 cm de altura

Preço - U$$ 25,00

Análise Haddy é um jovem designer toy australiano proprietário da empresa Hints and Spices, foram encontradas poucas informações sobre ele ou sobre a empresa. Todavia, Haddy projetou Suity-Chan Kowaiila em um intercambio para o Japão a fim de aprender a técnica de produção de toy art em sofubi. Em seu blog1 o designer relatou o processo de criação de seus toys e diz que nunca tinha pensado em criar uma Sereia, mas na hora de desenhar o modelo a ser fabricado pensou em criaturas mitológicas e diz que sempre gostou do mito das sereias e acredita na versão em que elas são criaturas que seduzem com seu canto, afogam suas presas e então se deliciam com a carne humana. A intenção do designer era fazer um toy que pudesse ser intercambiável, então ele desenhou um segundo modelo inspirado no coala, animal que representa a Austrália.

Figura 36: Suity-chan. Figura 37: Suity-Chan com cabeça do toy Kowaiila

Suity-Chan aparenta uma imagem tímida, com os braços cruzados, tampando os seios, sentada em cima de sua cauda em posição encurvada, a cabeça tem elementos de peixe e humanos. A figura de 7 centímetros, apresentasse com diversas cores. Possui apenas um ponto de articulação, a cabeça que pode ser removida e trocada por outra peça. O nome Suity-Chan - pronuncia-se ‘Sweet Sui’, ‘Sweet’ doce em inglês e ‘Sui’ (Chan) é água em japonês - significa Água Doce em português.

Figura 38: Kowaiila.

1  http://blog.hintsandspices.com/

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Ariel (Little Mermaid) Funko pop | 2012 Materiais - Vinil

Dimensões - 7 cm de altura

Preço - U$$ 10,00

Análise Fundada em 1998, a Funko começou produzindo bobbleheads1 com temas nostálgicos para a época, a empresa cresceu e obteve sucesso rapidamente e hoje a domina boa parte do mercado de colecionáveis. Seus produtos têm características que os assemelham com toy art, como ser um brinquedo colecionável, com proporções exageradas e serem fabricados em vinil, porem a Funko reproduz o mesmo modelo em grande escala e não cria figuras originais, apenas fabrica produtos licenciados de marcas e personagens mainstream pertencentes à cultura pop e geek. Neste modelo temos a reprodução da imagem da Ariel, personagem do filme A Pequena Sereia produzido por Walt Disney Pictures. Umas das marcas da linha POP da Funk é a cabeça desproporcional em relação ao corpo, configurando certa infantilidade ao objeto. Produzido em PVC, tem 7 centímetros de altura e apenas um ponto de articulação giratória entre a cabeça e o corpo. Além da cauda, que tem acabamento com glitter fazendo alusão ao brilho de escamas, outro elemento marinho aparece no objeto, as conchas em seu biquíni reforçando a ligação com o mar.

Figura 39: Ariel - Funko pop.

1  Brinquedo colecionável que possui a cabeça superdimensionada em comparação ao seu corpo. Em vez de encaixe comum entre a cabeça e o corpo esse tipo de boneco tem conexão feita por ganchos ou molas; tal forma que uma leve batida fará a cabeça balançar.

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Figura 40: States of matter (Trance) - Coarse Life.

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DEE DEEP - PROJETO O objetivo deste capítulo é compreender o percurso do projeto que resultou no desenvolvimento do nosso toy art chamado Dee Deep, de início um fascínio pessoal e um lugar utópico de fuga da realidade e uma busca de liberdade um objeto de pesquisa e criação. Esta narrativa descreveu o processo de concepção do produto do começo ao fim, as etapas do projeto foram documentadas com fotos, sketches, modelagem 3d, embalagem e produção e serão apresentadas no decorrer deste capítulo. A ideia de uma sereia escafandrista surgiu sem pretensões em um desenho de 2012 em um sketchbook. A princípio o desenho foi feito pensando na plataforma toy art, com formas arredondadas, fofas e com a ironia de um ser aquático que usa um artefato humano para sobreviver debaixo d’água.

Figura 41: Esboço vetorial. Figura 42: Primeiros desenhos em Sketchbook.

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Algum tempo depois o desenho foi materializado em um workshop de toy art em resina ministrado pelo artista Ricardo Bozzo Argenton, no Serviço Social do Comércio (SESC) na Unidade Consolação, no qual foi abordado o total processo de fabricação de um toy - o rascunho, a concepção do molde, produção de réplicas em resina, acabamentos, pintura, entre outros. Foi a primeira vez que houve contato com o processo de confecção de um toy art, o que serviu para fundamentar esse trabalho de conclusão de curso.

Figura 43: Escafandra, toy art em resina e pintada com tinta acrílica como resultado do workshop.

A escolha de resgatar esse projeto para este trabalho de conclusão de curso se deu a partir do anseio de criar um novo toy com o mesmo conceito e poder aprofundar sobre o mito das sereias e compreender melhor o que é toy art, desenvolvendo um produto mais maduro e sobre o tema. Ao decorrer das pesquisas percebeu-se que um toy precisa de uma narrativa para funcionar pois esse fator cria um vínculo com o consumidor. Antes dessa pesquisa a sereia se chamava Escafandra e não tinha uma narrativa que acompanhava. Neste primeiro momento de diagnóstico, também foi notado 66 | PROJETO


que um toy art não precisa necessariamente ser tão infantil então foi tomada a decisão de um design um pouco mais humanoide. Como explanado anteriormente o conceito dessa personagem surgiu em trabalhos realizados durante a graduação. A escolha de aprofundar no tema se deu pois sentiu-se a necessidade de um assunto que traria prazer a ser pesquisado durante o ano. Além do desejo pessoal, a escolha do mito das sereias, foi notado a presença de poucos toys com essa representação e os que existem seguem narrativas folclóricas ou de personagem de algum conto. Conforme trabalhado no capítulo dois as sereias são seres híbridos metade mulher metade peixe e sua imagem carrega outras dualidades como prazer e dor, fascínio e medo, vida e morte. Portanto, esse foi o ponto de partida para criar a nova forma e personalidade da nossa personagem. Se um toy art necessita de uma narrativa, Dee Deep ultrapassa este conceito ao se basear em um mito para desenvolver sua ficção. As sereias são conhecidas pelas histórias de sedução e tragédia: o canto hipnotizante e beleza irresistível sempre trouxeram a perdição para aqueles que se deixaram levar. Nossa personagem, porém, é uma sereia diferente. As principais características deste arquétipo, sua face e voz, estão escondidas atrás de um escafandro. O que acaba por atiçar a curiosidade para o grande enigma com o qual nos deparamos: por quê uma sereia, um ser mítico metade peixe, usaria tal acessório? Qual seria a necessidade de tal instrumento se uma sereia já respira facilmente embaixo d’água? Esta é a origem desta lenda, como característica deste gênero de história possui uma evocação poética e uma parcela de imaginação popular. A partir desta perspectiva plural, uns dizem que ela foi uma menina, ingênua e tímida que encontrou nesse escafandro mágico uma forma de fugir da realidade e mergulhar em um mundo de fantasias. Outros acreditam que ela está sonhando apenas – ora mergulhando em águas profundas e frias, ora flutuando em águas claras e quentes. Por fim, surge a perspectiva a uma possibilidade mais plausível, pelo menos para quem vos escreve, a de que Dee Deep era uma menina triste, que de posse do seu escafandro mágico, decidiu corajosamente mergulhar no mundo em busca de si mesmo. Apoiado nesta narrativa, seu nome mostra-se de uma proposta lúdica com uma palavra estrangeira, deep que significa profundo em inglês, e uma brincadeira sonora, resultando em Dee Deep.

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As reflexões sobre a história da Dee Deep fizeram com que eu repensasse o desenho inicial, tentando incorporar características e detalhes da nova narrativa. Entretanto, como o processo de construção e questionamento das pesquisas é simultâneo, esta incorporação das novas facetas da personagem não foram primeiramente absorvidas ao desenho. Ao contrário, o primeiro rafe reforçava as características que pensou-se abandonar - a representação imagética mais fofa, arredondada e infantil, e por assim dizer, mais próxima de uma linguagem tradicional de brinquedo.

Figura 44: Rascunho de ilustração. Figura 45: Primeiro rafe para um redesign de Dee Deep.

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Neste momento também houve alguns rascunhos que propunham um maior aprofundamento da subjetividade de Dee Deep, por meio de desenho que tentassem explorar traduções de sentimentos como a melancolia.

Figura 46: Rascunho Dee Deep melancolica.

Levantamento de ideias e exploração do recurso do desenho como metodologia de projeto e elaboração de um objeto artístico, temos alguns outros exemplares que se destacam. Existiu uma Dee Deep que possuía um único volume e saísse das propostas de figuração de um escafandro e rastreava uma imagem mais concisa, este exemplar caiu em uma imagem genérica.

Figura 47: Desenho que foge totalmente da imagem da Dee Deep.

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Outras traziam as formas arredondadas e depois de longos exercícios, encontrou-se um silhueta que seria agradável.

Figura 48, 49 e 50: Sketchies exploratórios.

Contudo, depois de se retornar à história percebeu-se uma incompatibilidade entre a imagem e a narrativa, Dee Deep era uma personagem forte e as investigações a construíam de modo muito infantil, não correspondia a sua complexidade. Assim como a figuração de um coração em sua cauda, essa imagem de fácil identificação não condizia com sua personalidade. Neste momento de pesquisa, decidiu-se voltar-se a investigação de outras referências de toy art, que traziam uma linguagem mais voltada a adulteza e a formas que eram mais fiéis a representação humana. Para se compreender em que esta escolha influencia, podemos retomar o primeiro capítulo. Os primeiros sketchs traziam uma representação mais próxima da referência usada do Munny, da cabeça grande e corpo em menor proporção.

Figura 51: S sketch exploratório

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Neste segundo momento buscou-se uma maior aproximação das dimensões realistas, todavia tentando escapar da imagem de outra linguagem colecionável, o action figure. Os desenhos começaram a acompanhar a busca de uma construção humanoide, sensual e estilizada de seu corpo. Alcançando uma silhueta conceitual que possuía a dualidade entre humanoide e o brinquedo e serviram de ponde de partida para modelagem.

Figura 52: Folha com diversos desenhos exploratório Figura 53: Sketches mais formais e conceituais da Dee Deep.

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A partir da trajetória até este momento de pesquisa, encaminhou-se ao software Rhinoceros 3D no qul, foi modelado o primeiro escafandro. Este exemplar foi impresso em plástico ABS nas máquinas de impressora 3D no laboratório de design do Senac, o qual fundamentou para o estudo volumétrico em massa de modelar (clay). O exercício de volume foi fundamental para fazer ajustes de desenho e começar de fato a modelagem digital.

Figura 54: Blocagem para estudo volumétrico.

Então, precisou-se partir para um software mais específico para modelagens digitais nessa linha o Z- brush. Seguindo as referências dos desenhos chegouse a um primeiro modelo digital, porém ainda insatisfatório.

Figura 55: Modelo digital no softwerw Zbrush.

Decidiu-se realizar algumas alterações na posição e tamanho da cauda, está que ainda mantinha o formato de coração, e também foram adicionadas algumas escamas. No entanto, quando o modelo digital foi impresso notou-

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se uma distância no resultado em comparação com a representação narrativa da personagem, a qual por sua postura trazia traços confiantes e imponente, o oposto de sua descrição.

Figura 56, 57 e 58: Primeiro modelo protótipo da Dee Deep impresso.

A proporção corporal, o seio muito realista, braços mais animalesco e as escamas geraram incômodo, sendo percebido uma fuga de concepção de toy art de características como a simplicidade e superfície lisa. Então alterações foram escolhidas para aperfeiçoar a forma do toy, essas foram a adoção de uma postura mais encurvada, a aproximação da proporção do corpo, seios mais suaves parecidos com de bonecas convencionais, mas ainda com mamilos, braços antropomórficos com membranas entre os dedos - remetendo a seres aquáticos - e eliminação das escamas e mudar o formado da nadadeira, abandonado o formato de coração aí chegamos no modelo satisfatório mais próximo ao pretendido.

Figura 59: Comparação entre as alteraçoes. Na parte superior o novo modelo.

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Figura 60, 61 e 62: Modelo com alterações impresso.

Ainda assim foi feito um modelo alternativo com a cauda um pouco mais grossa, para dar uma “unidade” e deixar o toy um pouco mais “fofo”. Outras mudanças também foram decididas como a retirada do mamilo para ficar mais com a estética de boneco e adicionar a base do escafandro. As barbatanas que se localizavam na base agora estão na lateral por uma questão de projeto pois na posição poderia dar algum problema na hora de produzir o molde e as réplicas em resina por esse motivo também decidiu-se que os braços e o escafandro deveriam ser encaixados.

Figura 63: Modelo 3D do novo design com encaixes.

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Figura 65: Comparação entre os três protótipos.

Analisando os três protótipos produzidos percebeu-se que ainda faltava algo que ligasse a narrativa da Dee Deep e à estética toy art. Como o segundo modelo foi o que mais aproximou-se da proposta; é que foi pensado no modelo final, juntando seu design com as configurações do terceiro modelo. A proporção corpo e cabeça também foi alterada visando a aproximação com a toy art. Então mais uma vez repetimos o processo de modelagem e fabricação digital

Figura 64: Partes impressas em ABS. Figura 66: Versão final em 3D.

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Após ter definido o modelo final a peça passou por acabentos com lixas 220 para tirar as imperfeiçoes mais grossa e lixa d’agua 150 para deixar a peça lisa e pronta para o molde. A princípio Dee Deep foi projetada em duas versões, a original já pintada com as cores do primeiro modelo produzido em 2012 e branco seguindo o formato dos toy plataforma como visto no capítulo um desta pesquisa, que servem como base para customização de artistas e entusiastas do movimento toy art.

Figura 67: Protótipo com acabemnto. Figura 68: Peças separadas.

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Figura 69 e 70: Render com cores do modelo original.

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130 mm

ficha tĂŠcnica

89 mm

66 mm

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considerações finais A trajetória deste trabalho foi fundamentada pelo processo de desenvolvimento de um produto. Este projeto acompanhou o processo de uma busca por autoconhecimento e crescimento pessoal. Os caminhos entre design, arte e mito se materializaram em Dee Deep. A pesquisa nos mostrou questões do universo toy art, toda sua complexidade e a importância da produção de um objeto que dialoga com o artístico e o lúdico na vida adulta. O estudo de caso nos mostrou as especificidades de quem já as produz e nos permitiu criar diálogos com a produção pessoal. Seja para refletir no uso de materiais, possibilidades de construções, formas e outras citações importantes. A parte prática mostrou-se ser mais custosa do que se imaginava, com muitas idas e vindas metodológicas, o que foi útil para legitimar que toy art pode ser sim considerado design, pois lida com desenhos, formas, soluções, materiais e meios de fabricação. O projeto demandaria mais esforço e dedicação do que foi possível fazer para esse trabalho de conclusão de curso. Mas gostaria de continuar com esta linha de pensamento, estudo e projeto a fim de conseguir uma produção limitada em vinil. Por enquanto, entrego esse caderno com este conteúdo, mas a pesquisa pretende ser uma referência para futuros pesquisadores de toy art, espaço de atuação ainda pouco trabalhado no Brasil.

Figura 69: Render 3D.

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88 | REFERÊNCIAS


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