Zero Hora - Porto alegre, setembro de 1835
capital é tomada
Vindos de Pedras Brancas, revolucionários venceram luta na Ponte da Azenha e invadiram Porto Alegre, enquanto o presidente da Província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, fugia para Rio Grande. Páginas 4 e 5
Túlio Milman onde tudo foi planejado
Rosane de Oliveira a guerra só começou
Bela Hammes causa da peleia
As estratégias militares dos farroupilhas veio à luz na casa de José Gomes de Vasconcelos Jardim, em Pedras Brancas. Página 3
A luta deflagrada em Porto Alegre terminou com uma fácil vitória liberal, mas o vento ainda pode mudar de direção. Página 8
Altos impostos imperiais sobre gado, charque, couro e sebo da Província são considerados o estopim da revolução iniciada em 20 de Setembro. Página 9
a moda que a província está buscando em paris – páGinas 6 e 7
Porto Alegre, setembro de 1835
editorial
FraSeS
como se fosse 1835
O
lhar para a história do Rio Grande do Sul e nos transportar para 1835 era a nossa missão. Quais seriam as reportagens se estivéssemos noticiando a invasão de Porto Alegre pelos farroupilhas? Como seria um editorial de moda daquela época? Como foram, afinal, os primeiros dias da Revolução Farroupilha? Foi pensando nessas possibilidades que nasceu este projeto. O que queremos é que você, leitor, faça o mesmo exercício que fizemos e leia estas 12 páginas como se vivesse naquele ano. São reportagens e colunas que falam de acontecimentos reais – incluCorreio Official sive as respostas de Bento Gonçalves da Silva, Jornal legalista comandante dos farroupilhas, e Antônio Rodripo rto-alegrense gues Fernandes Braga, presidente deposto da redigido por Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Pedro Rodrigues nas entrevistas publicadas na página 5, foram Fe rnandes Chaves retiradas de documentos da época. E as ilustrações, assinadas por Luciano Barbosa, tentam reproduzir o cenário daquele tempo. A ideia é que este caderno traga fatos reais, que poderiam estar nas páginas de um jornal nos últimos dias de setembro de 1835. As colunas Informe Especial, de Túlio Milman, Página 10, de Rosane de O Oliveira, e Informe EcoNoticiador nômico, de Maria Isabel Periódico Hammes, fazem análises liberal de Rio Grande sob diferentes pontos de editado vista – você as encontras por nas páginas 3, 8 e 9. Na Francisco página 10, a editoria de Xavier Mundo traz notícias soFerreira bre os principais acontecimentos além de nossas fronteiras, como por exemplo a unificação da Itália, intimamente ligada à chegada de Giuseppe Garibaldi ao Rio Grande do Sul para chefiar a marinha farrapa, e curiosidades como as preparações para a passagem do cometa Halley e a presença do pesquisador Charles Darwin nas Ilhas Galápagos. Na página 11, a editoria de Geral divide o espaço com a editoria de Polícia – é nesta página que você lerá as regras para prender pessoas pelas ruas de Porto Alegre adotadas pela polícia. Na contracapa, uma fonte de lazer: os jogos de azar. Estas páginas são uma homenagem à história do Rio Grande do Sul e de todos nós. Esperamos que você possa entrar nesse túnel do tempo e compartilhar conosco os detalhes daquele início da Revolução Farroupilha. André Mags e Tatiana Tavares
O Mestre Barbeiro Jornal antifarroupilha de Antonio José da Silva Monteiro, o Prosódia
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Zero Hora - Nº 2
oPiNiÃo
“A inquietação e o rumor surdo, que de ordinário precede as tempestades, ouviase distantemente por toda a Província. Parece que poderia terminar aqui a tarefa que me foi imposta de escrever as causas e os acontecimentos mais imediatos e intimamente ligados com a sedição de 20 de setembro. O crime estava consumado.” Rodrigo de Souza da Silva Pontes, magistrado e político conservador baiano, juiz em Rio Pardo e redator do jornal Correio Official da Província de São Pedro
A moderação presidiu os acontecimentos de 20 de setembro, ela os tem acompanhado e os há de coroar de mãos dadas com a honra e o generoso patriotismo de tantos beneméritos rio-grandenses, que têm tomado a peito defender de qualquer nódoa a glória desse dia o mais famoso do Continente. Marciano Pereira Ribeiro,
Cidadão Comandante da Força Armada! Francisco Xavier Ferreira* A gloriosa Revolução de 20 de Setembro, consequência infalível da de 24 de Outubro do ano de 1833, pela qual expondes vossas caras Vidas e fortunas para salvar a Pátria do despotismo de uma ambiciosa facção, à testa da qual se achava um estúpido, fraco e ingrato filho desta Província, será um daqueles acontecimentos memoráveis, que terão distinto lugar nas páginas da História! Porém, Cidadão Comandante! Esta interessante tarefa não se acha concluída. O intruso, depois que vergonhosamente fugiu da Capital, veio com a sua clientela acoitar-se nesta Cidade onde, encontrando alguns de seu infame partido, pôde fazer-se forte por alguns dias! Cidadão Comandante e Briosos Defensores da Liberdade! Apressai-Vos a concluir a Vossa Obra. O Tirano e seus sequazes emigrados ainda nos ameaçam. Cidadão Comandante! Compatriotas e Amigos! Aceitai as felicitações que Vos dirigem pela minha débil Voz os Rio-Grandenses livres, que reconhecem e são gratos as Vossas fadigas, a tantos sacrifícios!
O Tirano e seus sequazes emigrados ainda nos ameaçam
*Deputado da Província e proprietário do jornal O Noticiador, de Rio Grande, sobre a tomada da Capital por tropas de Bento Gonçalves e a deposição do presidente da Província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga
vice-presidente da Província empossado no lugar do presidente deposto
“Camaradas e amigos. Hoje, mais que nunca, sua e a nossa cara Província, o coronel Bento Gonçalves faz baquear o ex-presidente Braga, e colocarão em seu lugar o Doutor Marciano. Assim como em outro tempo cobrimos de louros a nossa pátria, fazendo correr o sangue inimigo, assim agora poupemos o sangue de nossos compatriotas, e conto certo que vossas excelências virão coadjuvar-me em tão importante tarefa.” Bento Manoel Ribeiro,
líder farroupilha
expediente
Edição: Tatiana Tavares (Especial) Reportagem: André Mags Projeto gráfico e diagramação: Luís Gustavo Van Ondheusden (Especial) Ilustrações: Luciano R. Barbosa (Especial) Telefone: (51) 3218-4728 não pode ser vendido separadamente
Protestos contra quaisquer ilegalidades praticadas Câmara Municipal de Pelotas* A Câmara Municipal, sobremaneira magoada pelos acontecimentos sediciosos na capital da Província, e sabendo que V. Exª. Antônio Rodrigues Fernandes Braga se acha a salvo, fez hoje os seus protestos contra quaisquer ilegalidades praticadas e que se hajam de praticar por indivíduos que, apesar de seu pouco número, querem nodoar a probidade e a firmeza dos honrados habitantes desta Província. E protesta igualmente a Câmara a V.Exª. a segurança e obediência a que cumpre prestar a V. Exª. como primeira autoridade da Província legalmente constituída. E apesar de reinar até agora neste município perfeita tranquilidade e obediência à lei, é contudo urgente que V. Exª. providencie medidas enérgicas para a conservação deste bem, sem o qual não pode haver prosperidade.
É urgente a tomada de medidas enérgicas para a conservação do bem
*Vereadores repudiam a deposição do presidente da Província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, e falam sobre sua fuga para o sul do Estado após a tomada de Porto Alegre
Porto Alegre, setembro de 1835
Diego Vara
O fugictivo Ah, os politicos d`hoje em dia! Em fuga, o presidente da Província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, teria levado consigo todo o recheio do cofre da Capital. Enphatico, o próprio coronel Bento Gonçalves endossou a denúncia. Os cálculos dos farroupilhas apontam que Braga embarcou para Rio Grande com: ▶ Vinte contos em moeda corrente ▶ Duzentos e tantos em cédulas não firmadas ▶ Oitenta e tantos em letras a vencer ▶ Sessenta contos e mais gastos em assalariar marujos portugueses que havia armado
INFORME EspEcIal tulIO MIlMaN
M NAS SOMBRAS - Boa parte das estratégias militares dos farroupilhas veio à luz na casa de Gomes Jardim, em Pedras Brancas. Apesar do avanço célere das practicas bélicas modernas, foi decisiva uma arma assaz antiga, mas ainda eficaz: a espionagem. O médico cirurgião Manuel Antônio de Magalhães Calvet aproveitou seus deslocamentos pela Capital para observar os preparativos para o enfrentamento contra os rebeldes farrapos. Contou tudo o que viu a Gomes Jardim, um dos líderes do ataque a Pôrto Alegre. Merece aplauso a astúcia do senhor Calvet. Mas, se um dia, tal practica for usada contra nós, reagiremos com nossa habitual bravura. Isso é certo.
Diários d’O balde A presença de escravos entre as tropas farrapas gerou mais uma daquelas celeumas tão típicas entre nós. Mesmo alguns dos apoiadores da revolução se assustam com a ideia. E estamos, mais uma vez, a puxar uns aos outros para baixo. Já que lutamos por igualdade, não seria o caso de unir forças?
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e ponho, às vezes, a conjecturar: o que pensarão nossos netos e bisnetos dessa revolução que ora iniciamos? A dúvida é o palco de um sonho: que no futuro vindouro, dessa mesma terra onde o sangue de irmãos será derramado, colhamos os frutos da igualdade. Que a opressão que nos amassa hoje se transforme em justiça e serenidade. E que as fronteiras traçadas pelo homem se redesenhem em linhas curvas e suaves. Hoje, são retas e agudas, como as pontas das lanças arremessadas ao peito do inimigo. Nossos pais, filhos e irmãos recorrem às armas. À vitória! Esse é o nosso desejo. Ela virá, mais cedo ou mais tarde. E quando ela chegar, que possamos todos, farroupilhas e imperiais, construir um novo futuro. Já na antiga Roma, nos ensinou Salústio: “A paz faz crescerem as coisas pequenas. A guerra destrói as grandes”.
Atraso Uma dor de cabeça que não se cura na pharmacia. A neblina intensa neste mês de septembro pegou imperiais e farroupilhas de surpresa. A falta de visibilidade prejudicou o tráfego de carroças nos arrabaldes da Capital. Um absurdo, ora! Em pleno século 19, um fenômeno meteorológico tão banal atrapalhar a vida de uma cidade que já conta com 14 mil almas.
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Zero Hora - Porto A ale
ESPECIAL
Porto Alegre é tomAd
A noite era fria, havia alguma névoa nos morros vizinhos e os incursores estavam sob tensão ao alcançarem a Ponte da Azenha, por volta da meia-noite de 19 de setembro. Os soldados temiam que os boatos estivessem certos e o coronel Bento Gonçalves da Silva aparecesse na ponta-de-lança rebelde. Com a aproximação dos legalistas enviados pelo presidente provincial, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, os rivais perceberam sombras no local. – Quem vem lá? – bradou uma sentinela farroupilha. Em contrapartida, houve um disparo de tercerola (espécie de carabina), feito a esmo, seguido por outros tiros. A resposta dos rebeldes foi imediata, projetando-se sobre os inimigos com suas lanças. Líder da expedição legalista contra os farrapos acampados nos morros ao sul da Várzea, José Egídio Gordilho de Barbuda Filho, o Segundo Visconde de Camamu, foi atingido por um lançaço no ombro, deu meia-volta e correu em fuga, atropelando os companheiros. Houve nova instrução da sentinela: – Carrega! Foi então que a patrulha debandou de vez em direção à cidade. Na confusão, o tenentequartel mestre Antonio José da Silva Monteiro, o Prosódia, redator do jornal Mestre Barbeiro, odiado pelos farroupilhas e famoso pelas críticas aos liberais, comparadas a “bem afiada navalha para barbear adversários”, recebeu uma estocada no peito e caiu morto na beira do riacho. O brigadeiro Alves Leite foi prensado na ponte por dois soldados a cavalo e se jogou no arroio – mais tarde, seria encontrado morto dentro da água. Além dos dois mortos, foram feridos quatro legalistas, incluindo Camamu. Na fuga, o visconde perdeu a barretina (chapéu militar alto) e a espada. Apavorado, meteu-se no meio de espinheiros de maricá, que rasgaram a farda. Entrou em Porto Alegre ensanguentado. Na corrida para avisar da derrota, chegou à entrada do solar presidencial. Surpreendido, um guarda deixou cair a carabina, alarmando a cidade com um tiro. Portas e janelas foram fechadas. Comerciantes portugueses
e imigrantes alemães ficaram em polvorosa. Soldados correram de um lado para outro para defender a Capital, mas a força se reduzia. Nas suas explicações sobre a derrota, Camamu alarmou ainda mais os legalistas ao dizer que havia “mais de mil” revolucionários. Em pânico, boa parte dos defensores deixou a Capital. A força de 200 homens foi reduzida à metade.
Presidente Braga abandonou a Capital No ensolarado dia 20, proclamações de Bento Gonçalves amanheceram afixadas nas esquinas. O boato da vez era de que Bento tinha 600 homens a sua disposição. Braga admitiu que sua força decrescia e convo-
cou seus oficiais. Era preciso deixar o palácio e rumar ao Trem de Guerra (arsenal) até a chegada de reforços, previstos para dali a dois dias. Acompanharamno 50 cidadãos armados. À tarde, o clima era de derrota. Braga deixou sua família em segurança no brigue americano (barco) Trafalgar. Houve uma última tentativa de mobilização: Braga foi ao arsenal na expectativa de que populares o apoiassem. Ao anoitecer, entretanto, havia nove oficiais com ele. – Foi forçoso abandonar a cidade – lamentou o presidente. Antes de fugir, Braga ordenou ao brigadeiro reformado Gaspar Francisco Mena Barreto, chefe da tropa de defesa, que inutilizasse as armas do Trem, mas a ordem não foi cumprida. Assim, o presidente da província par-
tiu para Rio Grande a bordo da escuna Rio-grandense, acompanhado da escuna 19 de Outubro. Naquele momento, o coronel Onofre Pires da Silveira Canto e o capitão José Gomes Jardim já se encaminhavam para a Capital com quase 300 homens, com adesões de desertores e peões.
Entrada de Bento na cidade foi triunfal Antes de chegar à Praça do Portão, uma das principais entradas da cidade, os farroupilhas teriam de passar pelo quartel do 8º Batalhão de Caçadores. Havia soldados e canhões imperiais nas trincheiras. No entanto, a força que ainda poderia defender a cidade estava sob o comando do major farroupilha
João Manoel de Lima e Silva. Quando os revolucionários se aproximaram, os soldados do 8º Batalhão deixaram suas posições e se juntaram aos farroupilhas, gritando “Viva Bento Gonçalves!” – o líder da revolução ainda estava em Pedras Brancas. A entrada de Bento Gonçalves na cidade, às 10h do dia 21, teve desfile de cavalos enfeitados e cavaleiros com blusas amarelas, barretinas vermelhas e bandeirolas cor de fogo, em clima de festa. Mas muitos habitantes haviam fugido para ilhas do Guaíba, com medo de violência. – Não se via entusiasmo, mas o pálido, posto que assustador, aspecto das sedições militares – disse um morador receoso. O triunfo estava completo. A capital da Província caía sob o domínio dos liberais.
egre, setembro de
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dA Pelos fArrouPilhAs DIAS DE SETEMBRO Início de setembro
Os três portões da capital da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul foram trancados e havia guardas nas principais avenidas. O motivo: o presidente provincial, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, acreditava que a ofensiva dos liberais ocorreria no dia 7 de setembro, mas nada houve porque na data ocorreu um forte temporal
9 de setembro
Foi espalhada a notícia de que um grupo armado a cavalo se movia na estrada da Capela de Viamão. Entre 20h e 23h, manteve-se o alarme. Ouviu-se um disparo de artilharia para os lados do Arsenal. Homens a cavalo andavam para todo lado. Cinco ou seis estranhos foram confundidos com saqueadores, mas não passavam de transeuntes. De novo, não era a vez de pegar em armas
10 de setembro
O coronel Bento Gonçalves da Silva deixou sua estância em Cristal rumo a Pedras Brancas. De lá, organizou uma ofensiva simultânea em todo o território
18 de setembro
Ao anoitecer, o capitão José Gomes Jardim cruzou o Guaíba a partir de Pedras Brancas em uma lancha com cem homens
19 de setembro
O primo de Bento Gonçalves, Onofre Pires da Silveira Canto, uniu-se à tropa, somando 200 soldados em um acampamento nos morros ao sul da Várzea. A boataria dizia que havia revolucionários nas proximidades da Capital. De outro lado, o presidente Braga conseguiu reunir 200 homens, sem contar outros 70 da Guarda Municipal Permanente e do Piquete de Cavalaria. Sob o comando do brigadeiro reformado Gaspar Francisco Mena Barreto, a força se dividia em três pontos: Quartel da Guarda Municipal Permanente, Palácio do Governo e Trem de Guerra (arsenal). O governo enviou um grupo para checar as posições dos inimigos
19 de setembro, à noite
Dezeseis legalistas partiram a cavalo para sondar a área. Em resposta, Gomes Jardim enviou um grupo de 30 soldados, que ficou de prontidão nas proximidades da Ponte da Azenha, sob a liderança de Onofre Pires. Em cima da ponte, quatro sentinelas se postaram na escuridão, chefiados por Antonio Vieira da Rocha, o cabo Rocha
19 de setembro, 23h
Os enviados do presidente Braga galoparam em seus cavalos pela várzea, em direção à ponte
Entrevista Bento Gonçalves da Silva, comandante dos farroupilhas*
Entrevista Antônio Rodrigues Fernandes Braga, presidente deposto da província de São Pedro do Rio Grande do Sul*
Zero Hora - Havia boatos desde o início de setembro de que os farroupilhas atacariam. Antônio Rodrigues Fernandes Braga - A notícia, que por vezes grassara, de uma próxima sedição tornou a circular no dia 19, e então se propagou acompanhada de circunstâncias e indícios que a tornavam digna da mais séria atenção. Convinha, portanto, lançar mão de todos esses poucos e fracos meios de que os governos provinciais do Brasil podem usar em crises de semelhante natureza. E assim o fiz. ZH - A tentativa de interceptação dos farrapos na Ponte da Azenha não funcionou. Por quê? Braga - A força foi acome-
tida por uma emboscada dos rebeldes. Esses primeiros reveses, posto que não fossem devidos à fraqueza, mas antes à inexperiência e pouca disciplina de nossas guardas nacionais em geral, e a notícia de que o coronel Bento Gonçalves da Silva se achava à frente dos sediciosos, semearam e fizeram lavrar o desânimo e o desalento. ZH - A força farroupilha era muito superior, certo? Braga - Correu de plano que Bento Gonçalves já tinha a sua disposição uma força de 600 homens. Cheguei a juntar 200 homens, fora a Guarda Municipal Permanente e o Piquete de Cavalaria, que faziam, ao todo, 70 praças. ZH - E então o senhor fugiu... Braga - Foi forçoso abando-
nar a cidade de Porto Alegre. Observando eu, pois, na manhã do dia 20 que a força que defendia a lei e o governo legítimo descrescia consideravelmente, convoquei os oficiais que se achavam ao meu lado e, expondo-lhes o estado do negócio, assentaram todos que devíamos deixar o palácio.
Zero Hora - Qual o alcance do seu movimento? Há apoio popular? Bento Gonçalves da Silva Fique na certeza de que o movimento é geral e simultâneo em toda a província. E o resultado feliz é certo. De todas as partes, moços e velhos, pobres e ricos abandonaram suas casas para engrossar as fileiras dos patriotas. Até agora, a nossa revolução é sem mancha e temos que levála a fim do mesmo modo. ZH - O que acontecerá agora? Haverá guerra? Bento - Guerra à morte aos chefes da facção aborrecida e inimiga das nossas liberdades. Porém, poupamos os iludidos. ZH - Como foi a entrada na Capital? Legalistas foram molestados? Bento - Com a maior ordem, nos assenhoreamos dos pontos militares, e o sossego público não foi perturbado por um só momento. ZH - Não é o que dizem alguns relatos. Alemães e portugueses temiam muito a tomada de Porto Alegre. Braga chegou a negociar armamento para os alemães defenderem-no. E um companheiro seu, Pedro Boticário, dissera que jogariam peteca com as cabeças dos
portugueses. Bento - Quem creria que esse malvado ousasse mandar armamento para a colônia dos alemães, autorizando braços estrangeiros a verter sangue brasileiro. Minhas deliberações fizeram abortar tão nefando plano, e o armamento já se acha em meu poder. Presentemente, os alemães já se acham tranquilos, e os poucos que tinham se reunido em suas casas, desenganados de que não havia insurreição de negros, como se lhe havia feito crer. E os mesmos portugueses que se tinham alarmado pelas proclamações do ex-presidente, e que temiam roubos e mortes, voltam já a suas casas. *Frases extraídas de documentos oficiais
Nº 6
estilo
Zero Hora - Porto A ale le
Adamoda revolução Os hábitos europeus movem a sociedade de Porto Alegre e embalam a moda da nossa época. Lojas parisienses enviam seus catálogos para a província, e as moças ricas encomendam seus modelos. Jornais publicam anúncios de casas de comércio francesas, e muitas mulheres se inspiram nos moldes franceses para pedir cópias às costureiras locais. Mas os modelitos são para datas especiais. No dia a dia, a vestimenta é sempre mais simples. De qualquer forma, o que não muda nunca é a aparência das brasileiras, que, segundo relatos de estrangeiros, transmite uma imagem maliciosa e faceira.
Vestimentas mais sóbrias são usadas pelas moças para os eventos do dia a dia. Entre os acessórios, o chapéu está na preferências das pessoas elegantes
Fonte: Imagens de catálogos franceses reproduzidos pelas publicações Fashion Mode 1500-1954 e Arquivo Ilustrado de Trajes Históricos do Antigo Egito ao Século 19 (Rachel Mandel)
Nos ambientes fechados, como nos saraus íntimos, é comum deixar cólo e ombros à mostra
Tanto as cores claras quanto as cores escuras estão nos catálogos de vestimentas francesas. Moças de fino trato aprendem francês, inglês, alemão, religião, gramática e aritmética. Prendadas, sabem costurar, bordar e pregar botão
egre, setembro de
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O colo é uma parte do corpo bastante valorizada, e as roupas nobres o deixam à mostra. Ao sair de casa, no entanto, a moral determina a proteção do colo com xales ou mantas, as mãos, com luvas e a cabeça, com chapéus
Os trajes masculinos para a noite contam com colete e calças afinadas no tornozelo. E as moças usam vestidos primorosos com a cintura marcada
Nº 8 Porto Alegre, setembro de 1835
PÁGINA 10 rosANe de olIveIrA
A Capital nas mãos dos farroupilhas: e agora? O coronel Bento Gonçalves da Silva cruzou os portões de Porto Alegre em 21 de setembro incensado como o homem mais importante da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Estancieiro rico, de estatura mediana, mantém-se esbelto e atlético aos 47 anos, com cabelos castanhos e crespos tornando-se grisalhos. Mas, qual será, afinal, o destino político dos rio-grandenses a partir de agora? Desde o início, os farrapos
insistem na integridade do Império, defendem a união brasileira e saúdam o herdeiro Dom Pedro II – aos nove anos, terá a maioridade declarada daqui a muito tempo. Existe proximidade com um dos três regentes permanentes do Império: o major João Manoel de Lima e Silva, líder Farrapo, é irmão do general Francisco Lima e Silva. No entanto, correntes conservadoras alertam que até o separatismo é pretendido.
Cedo para Cantar vitória
E
mpolgados com a tomada de Porto Alegre e com a fuga do presidente deposto da província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, o coronel Bento Gonçalves da Silva e seus comandados estão comemorando cedo demais a vitória. É indiscutível que os farroupilhas ganharam uma luta importante e deram uma demonstraAos poucos está ficando claro quem são os líderes que surgem co- ção de força. A facilidade com mo expoentes entre os farroupilhas. São eles, por ordem de mando: que seus soldados cruzaram os Bento Gonçalves Domingos José de Almeida
Quem está no comando da Revolução
Líder militar e político
portões de Porto Alegre deu a Bento Gonçalves a ilusão de que o Império rendeu-se à supremacia das tropas farroupilhas, mais numerosas e mais aguerridas. São consistentes as informações de que o Império mandará reforços para retomar as posições perdidas, a começar pela Capital. Com mais soldados, armas, munição e apoio na retaguarda, as tropas imperiais (na imagem, um ca-
Organizador da conspiração
João Manoel de Lima e Silva
presidente do Partido Farroupilha
Líder militar Marciano Pereira Ribeiro
José Mariano de Mattos
Antonio Vicente da Fontoura
Líder militar
Idealista da Revolução
Radicais querem expulsar portugueses Não é gratuito o medo que os comerciantes portugueses sentem dos farroupilhas que tomaram Porto Alegre. Desde a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, os portugueses têm tentado se manter no poder com artimanhas como a criação de filiais da Sociedade Militar nas províncias, uma organização secreta que condena o regime de regência e o liberalismo. No Rio Grande do Sul, porém, outra sociedade secreta, o Gabinete de Leitura Continentino, formado por liberais, impediu sua instalação. Portanto, na Província os lusos
estavam mais vulneráveis. O grupo mais radical dos farroupilhas, no qual se encontra o jornalista e farmacêutico Pedro José de Almeida, o Pedro Boticário, propõe que os comerciantes portugueses Os jornais rio-grandenses acompanham a contasejam expulsos do Rio Gran- gem dos votos para regente do Brasil. Confira os últide do Sul. A opinião é apoia- mos números da votação no país e na Província: da por muitos rio-grandenses que consideram o comerciante uma profissão representante da usura, quase um ladrão. Foi preciso que Bento Gonçalves se posicionasse contra qualquer medida mais radical para tranquilizar os portugueses.
valeiro do Império) podem impor baixas ao exército de Bento e ensanguentar os verdes campos da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Os farroupilhas têm a vantagem de conhecer o território melhor do que o inimigo, mas seus recursos são limitados. A se confirmarem as informações sobre a chegada de reforços para as tropas imperiais, o vento pode mudar de direção. Bento Gonçalves terá de conter os mais exaltados em suas hostes. Os farroupilhas não precisam apenas de uma vitória militar. Para ganhar a guerra, precisam conquistar a confiança da população e provar que este não é apenas um movimento de estancieiros preocupados em defender seus interesses econômicos. Seja qual for o desfecho, o certo é que Bento Gonçalves e os comandantes do movimento já têm espaço garantido no panteão dos heróis farroupilhas. E que o 20 de Setembro será para sempre lembrado como o dia em que as tropas farroupilhas impuseram uma derrota ao Império.
Como andam as eleições para regente do Brasil
AlIÁs Os rebeldes rio-grandenses seguem o liberalismo de John Locke (sem propriedade não há liberdade), Jean-Jacques Rousseau (liberdade individual) e Montesquieu (separação dos três poderes para evitar o absolutismo), e admiram o exemplo da independência dos Estados Unidos. Bento Gonçalves não frequentou a escola, mas teve professores particulares e lê os clássicos. Sobre a situação política, Bento garante que entregará o poder a quem for delegado pelo governo central – desde que, e aí vem o detalhe, o novo presidente seja “de confiança” e “amigo da província”. Será?
Onda de revoluções no Império Não é só no Rio Grande do Sul que há turbulência. Existe uma grande frustração com os rumos tomados pelo país após a Independência. Havia algum consenso de que a Independência deveria ser republicana, até porque não existe uma dinastia brasileira enraizada no país, como há na Europa. O modelo de nação independente são os Es-
tados Unidos. Isso explica, em parte, por que surgiram alguns movimentos regionais por mudanças mais profundas no país. Além da Revolução Farroupilha, este ano estouraram outras rebeliões no Império. Em janeiro, a Bahia foi palco da Revolta dos Malês, iniciada por negros muçulmanos escravos que sabem ler e escrever, e
a Cabanagem estourou no Pará, movida pela população pobre que vive em cabanas à beira dos rios. Além destas, desde 1832 se prolongava a Guerra dos Cabanos, ou Cabanada, em Pernambuco e Alagoas, um levante popular contra o governo. Mas há insatisfação em diversos pontos do Império, o que certamente resultará em novas revoltas.
Com André Mags
Porto Alegre, setembro de 1835 Nº 9
INFORME ECONÔMICO MARIA ISABEL HAMMES
A estalagem imperial
O mOtivO da guerra
A
economia, sempre ela, no centro de tudo. E, neste caso, bem exemplificada por alguns produtos – carne, charque e couro. Se fosse preciso delimitar uma causa para a Revolução, apesar de seus outros motivos meritórios como o desejo de mais liberdade, a questão econômica ocuparia o topo do ranking. E o charque (carne salgada) dos grandes estancieiros gaúchos tem seu lugar de destaque na guerra contra o império. Ao lado da pecuária e do couro, o charque é a riqueza do Estado, destinado, prioritariamente, a abastecer os grandes centros do Brasil. Mas, aos poucos, começa a sofrer o que os gaúchos classificam como concorrência desleal dos vizinhos uruguaios e argentinos. O Estado reclama do governo central contra o baixo impos-
to de importação, o que facilita a entrada e venda do charque dos vizinhos a preços mais baixos do que o produto nacional. Com os prejuízos se acumulando, o estopim para a crescente indignação da classe dominante do Rio Grande do Sul, insatisfeita também com os altos impostos cobrados em geral, é questão de pouco tempo. Até porque a resposta do governo brasileiro é de que os preços cobrados pelos produtos do Sul são abusivos. Alijados do mercado, sofrendo com o câmbio valorizado, sem ter mais para quem vender seus produtos, bem mais caros do que os importados, os gaúchos veem sua economia arruinada pela concorrência. Precisava melhor gota d’água, aliada a um novo aumento de impostos à vista, do que essa para deflagrar a guerra? Fernando Gomes
Além do motivo econômico, os ideais em voga desde a Revolução Francesa influenciam o embate entre liberais e conservadores no país. Os liberais querem o fim do poder moderador do monarca e uma nova Constituição. No campo econômico, a reclamação dos rio-grandenses é de que somente 1/3 dos impostos fica na Província. O restante vai para o Rio de Janeiro para ser gasto em “obras inúteis”. Todos os produtos são altamente taxados, não somente gado, charque, couro e sebo. No entanto, são estes que mexem com a classe dominante da Província. O Rio Grande do Sul tem sido chamado de “estalagem imperial” ou “província-boi”.
O resultado das altas taxações é que produtos estrangeiros são mais baratos. No charque, confirmou-se que os rio-grandenses pagavam 25% a mais do que o valor original por causa dos impostos, enquanto a concorrência uruguaia e argentina era cobrada em somente 4%.
O gado de corte pagava de imposto
960 réis
por cabeça, enquanto o animal dos países vizinhos ficava por
400 réis
O que pensa o presidente da província O presidente da província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, discorda de que tenhamos problemas de tributação. Ele acha injusto que grandes proprietários sejam onerados somente quando vendem o gado (recaindo sobre o produto, e não sobre o capital), enquanto o dono de uma casinha urbana paga décimas à Câmara Municipal. Foi com crença igual à de Braga que este ano a Assembleia Provincial decretou mais impostos a serem cobrados, co-
mo os 10 réis sobre cada légua quadrada de pastagem. Em junho, emergencialmente, o Império aboliu o imposto de 15% sobre o gado. O objetivo é manter o controle sobre a fronteira com o Uruguai, onde os bois passam de um lado para outro, em uma região sob tensão. Tarde demais. As charqueadas já estavam em decadência, e os efeitos psicológicos da economia naufragando fustigam a população. A confiança no governo central desabou.
Estamos agora todos contra o prEsidEntE. dEpois dE nos sacrificarmos para satisfazEr o tEsouro da província E apoiarmos guErras fraudulEntas contra nossos vizinhos, somos assim rEcompEnsados.
sE Em uma próxima sEssão lEgislativa EssEs impostos não forEm rEvogados, a dEsordEm na província sErá inEvitávEl.
Falsificação de moedas foge ao controle O derrame de moedas falsas na Província fez com que a frustração se abatesse sobre a população. Entre os rio-grandenses, impera a desconfiança. O risco é de que todas as transações fiquem paralisadas ou se retorne ao escambo. A origem da maior parte das falsificações é conhecida: os Estados Unidos da América, nos arredores
de Nova York, perto das minas de cobre de New Jersey. Navios americanos estão sendo detidos na Província para vistorias. A situação incomoda os representantes diplomáticos dos Estados Unidos da América. Para o cônsul americano em Porto Alegre, Austin Haÿes, fazer essa acusação é “prostituir a bandeira” do seu país.
Pedido do cônsul O cônsul americano em Porto Alegre, Austin Haÿes, informa que há tendência de queda do comércio marítimo entre os Estados Unidos e o Rio Grande do Sul. O consulado avisa que tem hospedado moradores da Capital com receio da presença dos farroupilhas nas ruas. Haÿes encaminhou pedido ao seu país para que envie navio de guerra à Província.
Luis Ribeiro Barreto, estancieiro
Andam falando que um quinto ou mesmo um quarto das divisas de
40 e 50 réis são falsas
Impostos da República Rio-grandense » Sisa dos bens de raiz: 10% do valor » Meia sisa dos escravos vendidos e doados: 5% » Meia sisa de embarcação vendida: 5% » Décima de casa de vilas e cidade sobre o valor do aluguel: 10% » Décima dos legados, heranças e bens de raiz: 10% » Por carruagem ou sege de quatro rodas: 12$800 » Por estabelecimento comercial e oficina: 12$800
Em queda
» Por animais, exceto cães: 10 réis » Por carreta de mascatear: 6$400 » Por libra de carne vendid a em talho público : 5 réis
Navios americanos que chegaram e partiram de Rio Grande:
» Por caixeiros estrangeiros que venderem por atacado: 200$000
ం 1833
Tonelagem:
ం1834
8.967
Navios americanos que chegaram e partiram de Rio Grande: Tonelagem:
ం1835
6.393
Navios americanos que chegaram e partiram de Rio Grande: * Tonelagem:
3.805
51 37 22
*Até junho
» Idem, por vender em a retalho , fazenda s e secos : 100$000 » Idem, nas taverna s, botequi ns ou confeit arias : 20$000 » Imposto sobre selos, contratos, recibos, arrendamentos, letras de câmbio, alvará: 10 a 20$000
Com André Mags
Nº 10 - Zero HorA | Porto Alegre, setembro de 1835
MUNDO
ItálIa luta pela unIfIcação A Itália ainda pena com a herança de Napoleão. Depois da derrota do imperador francês, em 1815, o antigo domínio napoleônico foi dividido no Congresso de Viena em pequenos ducados, reinos e principados, a maioria submetida aos vencedores da guerra – especialmente a Áustria. Aos poucos, o
nacionalismo renasceu e, desde 1831, os pequenos Estados italianos são sacudidos pelas revoltas de unificação, vistas como única forma de acabar com a dominação estrangeira. No centro do combate está a Jovem Itália, sociedade secreta que defende a união, fundada por Giuseppe Mazzini e que
tem agregado a juventude e a intelligentsia nacional, e o combustível é o Risorgimento, movimento que prega a “ressurreição” da Itália. No entanto, a briga é feroz, já que a unificação italiana é repudiada por Espanha, Áustria e França. Uma das principais figuras do movimento é o chamado
condottiero (líder) da unificação, Giuseppe Maria Garibaldi, nascido em Nice em 1807, afeito às navegações marítimas, aos acampamentos com seus companheiros camisas-vermelhas e defensor de um governo popular com tendências socialistas. Foi condenado à morte em 1834 por participação em
um levante em Gênova, mas não se tem notícias de que essa sentença tenha sido cumprida até o momento. Aliás, não se tem ideia de onde, exatamente, esconde-se o rebelde Giuseppe Garibaldi. Depois de fugir para Marselha, no sul da França, ele viajou para a Tunísia, no norte da África, em 1835.
Germânicos também tentam formar seu país Para os germânicos, o fim de Napoleão foi o melhor que poderia ocorrer. Ele havia pulverizado o Sacro Império Romano-Germânico – que reunia a maior parte dos 38 Estados alemães, governados pela Áustria –, formando a Confederação do Reno. Com o Congresso de Viena, emergiu a Confederação Germânica, com forte unidade étnica e cultural. Por meio do comércio, os ger-
Tensão entre Texas e México centrais. Só que os texanos não querem devolver. E isso é só um artifício para começar o que poderá ser uma guerra um tanto raivosa. Acontece que os texanos estão furiosos com a decisão, que partiu da classe média dedicada ao comércio e à indústria, de acabar com a escrava-
tura no México para ampliar o número de consumidores no país. O Texas pode almejar inclusive a separação do México. Este mês, o comandante das tropas mexicanas, coronel Domingo Ugartechea, enviou soldados a Gonzales para recuperar o canhão. O indicativo é de que haverá conflito.
Para ver o cometa é preciso mirar o telescópio para o poente
RepRodução
A posse de um canhão tem tensionado ainda mais as relações entre o México e um de seus Estados, o Texas. Dado pelo governo mexicano à população texana de Gonzales há cerca de quatro anos para enfrentar os índios comanches, o canhão agora é requerido pelas autoridades
RepRodução
Alerta para passagem do cometa Halley
Darwin chega às Ilhas Galápagos bro, ele anotou que “continua a bater o barlavento no alto da ilha” e se maravilhou com as “cachoeiras de água a mais verde”. No dia 21, o pesquisador escreveu que encontrou “duas imensas tartarugas” durante um passeio nas ilhas. Em seu caderno de notas, escreveu: “Uma delas foi comer um cacto e, em seguida, saiu andando devagar. A outra deu um profundo e alto assobio e, em seguida, jogou a cabeça para trás”.
RepRodução
O grande pesquisador britânico Charles Robert Darwin chegou em 15 de setembro às Ilhas Galápagos, no Oceano Pacífico, depois de partir do porto de Lima, no Peru. Darwin navega a bordo do HMS Beagle pela costa sul-americana desde 1832, em seus estudos sobre a natureza do continente, fazendo apontamentos em seus cadernos de notas (ao lado). Em 20 de setem-
mânicos dão sinais de que poderão unir o país de forma menos atribulada do que a Itália. A unificação aduaneira, a Zollverein, iniciada em 1834, reúne os Estados germânicos e estimula a sua industrialização. Com isso, os alemães parecem querer seguir o caminho da industrialização que tem percorrido a Inglaterra, a grande potência mundial. A livre circulação de mercadorias tem feito os ideais de unificação também se espalharem.
Leitor do jornal inglês Manchester Guardian, J. H. Stanway explica em carta publicada no periódico como observar o Halley e chega a apontar as posições pelas quais o cometa já passou, nas proximidades do nosso planeta
O cometa Halley, que passa pela Terra a cada 76 anos em média, já pode ser observado com instrumentos, conforme relatos que chegam da Europa. Naquele continente, o cometa poderá ser mais luminoso. No Brasil, a cauda do Halley deverá ficar menos visível por estar em oposição ao sol, tornandose um corpo opaco com possibilidade de avistamento entre o final de outubro e início de novembro. Mire seu telescópio ou olhe para o poente, entre o sudeste e o oeste, conforme ilustração acima.
Porto Alegre, setembro de 1835 | Zero HorA Nº 11
GERAL/poLíciA
poucas escolas e baixos salários
A educação passa mal na província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Faltam escolas em todas as regiões, e os professores lutam bravamente por aumento na quantia que recebem. Eles ganham muito pouco, algo entre 20$000 e 150$000 por ano – para comparação, o aluguel anual de uma pequena casa chega a 120$000. Há uma contrapartida, porém: os professores são despreparados, principalmente aqueles que trabalham em pequenas cidades. Alguns sabem só desenhar as letras e apelam para a violência para fazer alunos aprende-
rem. Há relatos de que até criminosos ocupam o posto de educador, transmitindo vícios à mocidade. Porto Alegre, a capital provincial, conta somente com escolas primárias. Quem quer se formar advogado, médico ou exercer o sacerdócio tem de ir para São Paulo. Enquanto isso, crianças vagam pelas cidades e pelo campo bebendo aguardente, fumando cigarro ou charuto ou viciadas no jogo. O resultado de tudo isso é que é raro encontrar pessoas estudadas no Rio Grande do Sul, o que dificulta a ocupação de cargos públicos.
A penúria educacional da Província já havia sido referida por viajantes estrangeiros como o francês Arsène Isabelle. Em sua passagem pelo Rio Grande do Sul entre 1833 e 1834, ele comentou que a educação dos habitantes era “descurada”. O que resta são algumas escolas particulares e professores que atendem em casa, principalmente mulheres. Os educadores particulares estão entre as principais maneiras de ensinar os filhos dos ricos. Espera-se que essa situação de descaso com o ensino não se prolongue pelos séculos.
A AulA PúblicA de línguA FrAncesA mudou-se PArA A ruA dA grAçA no último sobrAdo quAse Ao sAir à
ruA dA cAridAde. PArA A mesmA cAsA se mudou A AulA PúblicA de FilosoFiA rAcionAl e morAl. tAmbém se AceitAm discíPulos PArticulAres de PrimeirAs letrAs, grAmáticA nAcionAl, grAmáticA lAtinA e geogrAFiA, e se recebem Alunos internos. nA mesmA cAsA se vende dois escrAvos. Anúncio publicado no jornal O Recopilador Liberal
público se diverte no cosmorama mesmo durante a guerra Para mostrar como a vida pode seguir uma espécie de ritmo normal até durante uma guerra, chama a atenção o sucesso do cosmorama em Porto Alegre. Muita gente acorre para observar as imagens da cidade do Porto, em Portugal. O público pode se divertir com o instrumento aos domingos, quintas-feiras e feriados santos. “O proprietário do Cosmorama, rua de Bragança, esquina do Paraíso, tem a honra de prevenir ao respeitável público que ele acaba de botar em vista a cidade do Porto. Esta vista é uma das mais pitorescas da Europa, a exatidão e a perfeição da pintura lhe faz esperar que mereça os elogios das pessoas que honrarão-lhe com sua presença”, divulgou, em anúncio no jornal O Recopilador Liberal. O Rio Grande do Sul em 1835 » População: 160 mil pessoas » Povoações: 14 » Principais cidades: Porto Alegre, Rio Pardo, Pelotas e Rio Grande » Demais povoações : Jaguarão, Piratini, São José do Norte, Alegrete, Caçapava, Cachoeira, Triunfo, Santo Antônio, Cruz Alta e São Borja
Porto Alegre » A capital foi elevada a cidade em 1822 » População do município de Porto Alegre, que envolve Viamão e segue até o Rio Camaquã: 14 mil
reprodução
O COSMORAMA O cosmorama é um entretenimento óptico que existe desde o século 18. A primeira apresentação ocorreu em Paris, em 1808. O maior sucesso é causado por pinturas de lugares famosos. Trata-se de um reprodutor de imagens. Desenhos em chapas de vidro são projetados e aumentados em uma superfície lisa, como uma parede. Em Porto Alegre, o evento ocorre nos fundos de um café.
SIGAM-SE AS REGRAS
Hordas causam desordem na capital
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Prender qualquer pessoa que estiver espancando, injuriando, ameaçando, furtando ou danificando Prender os reunidos de noite em número de três ou mais que derem indícios de estarem para cometer algum crime e levá-los a um juiz para serem interrogados Conservar a ordem quando houver uma reunião por causa de algum es-
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O desassossego aflige Porto Alegre desde o início despetáculo te ano. Nas trevas da noite, Prender os que estiverem fazendo tuhordas de vadios têm caumulto, motim ou assoada Prender o que estiver doido, furioso sado turbulência nas ruas ou embriagado da cidade, tornando-se nePrender os que trouxerem armas de cessário ampliar as rondas qualquer natureza, exceto os militares noturnas. O primeiro pediPrender os que estiverem cometendo alguma ação evidentemente ofensiva do por patrulhas a cavalo contra a moral pública e os bons costumes a partir da meia-noite foi Prender os que forem encontrados feito em janeiro, mas agocom instrumentos de furto Prender os que andarem com distinra, com os farroupilhas no tivos que não lhes competem controle da Capital, as arApalpar qualquer pessoa suspeita ruaças continuam. para ver se tem armas Não faz muito, barbadões Para prender criminosos se poderá entrar em casa alheia têm se lançado nus ao Guaíba para se banhar e fazer algazarra, impedindo que as famílias do Caminho Novo e do Riacho possam ir à janela. Foi preciso lançar mão de um documento em que estão as obrigações das rondas e patrulhas (ver quadro).
obras do Theatro São pedro são paralisadas Artistas, intelectuais, famílias apreciadoras da arte desta capital da província estão cabisbaixos. A construção do Theatro São Pedro se encontra paralisada na área entre a Rua do Cotovelo e a Rua do Ouvidor. O motivo? A guerra. Iniciadas há dois anos, as obras pouco passaram dos alicerces, para desespero dos 12 membros da associação que fez o investimento e que conta com o governo para ser reembolsada ao final dos trabalhos. Como se não bastasse a paralisação, o viajante francês Arsène Isabelle apareceu em 1834 para achincalhar a localização do futuro teatro: junto à Rua do Ouvidor, que vira uma cachoeira a cada chuvarada. Antes, o critiqueiro Isabelle já havia ridicularizado a Casa da Ópera, constru-
ída em 1794, fechada no mesmo ano, reformada e reaberta em 1804 para apresentações de artistas amadores e arruinada por uma enchente em 1833: – Não havia teatro em Porto Alegre porque não se pode, sem fazer corar Talia até as orelhas, dar esse nome a um armazém meio subterrâneo onde, de tempos em tempos, levam à cena comédias burguesas. Certo, a também chamada Casa da Comédia não passava de um barracão de madeira na Rua dos Ferreiros que, após a enchente, nem recebia mais apresentações. Com a eclosão da revolução, acabou transformada em uma cocheira. Não resta alternativa, agora, a não ser a demolição. De acordo, mas que as obras do São Pedro sejam retomadas.
Nº 12 Zero Hora | Porto alegre, setembro de 1835
ESPORTE/LAZER
Jogo se infiltra nas entranhas da província
Campanha centraliza diversões violentas A vasta Campanha é o palco de boa parte das competições violentas que vigoram na Província. A população é rala e espalhada, faltam escolas, igrejas e autoridades que fiscalizem a região. As atividades dominantes são a doma e marcação de cavalos, a correria para pegar o gado xucro, o abate bovino, a corrida de cancha reta, a rinha de galo, o jogo de osso e de cartas. Especialistas comparam a região às áreas rurais do Paraguai e de Corrientes, onde, com escolas e igrejas, não há tanta violência como entre os rio-grandenses.
A paixão pelos jogos de azar chegou a tal monta na província de São Pedro do Rio Grande do Sul nestes tempos de guerra, que a dúvida nem é pela sua eliminação, e sim se será possível um mínimo controle pelas autoridades, já que estão intimamente ligados à violência. Mesmo no campo, basta estender no chão um chiripá para servir de carpete que receba as cartas, com a faca fincada perto da mão para resolver qualquer discussão que possa aparecer sobre trapaça. E as brigas estão sempre coladas aos jogos. O jogo do osso também se espraia.
É fácil escolher um pedaço de chão parelho, firme e macio para que o osso não salte nem se enterre. O coimeiro avalia quem vence, conforme o jeito que o osso cai, a parte lisa (suerte, vitória) ou com o garrão bovino para cima (culo, derrota). É simples demais. O problema é o costume de jogar ao lado do bolicho, com gente bebendo aguardente em meio às apostas – combustíveis propícios para confusões. E o jogo de bilhar? Enfurnados no fundo de tavernas mal-iluminadas, jovens disputam até altas horas da madrugada partidas regadas a muito vinho e aguardente. As tavernas também reúnem jogadores de cartas, entre eles gente de família, marinheiros, militares e até escravos, e no ambiente se desenvolve ainda a prostituição. Com as brigas frequentes que ocorrem nesses espaços, as tavernas acabam nas páginas dos jornais que tratam de assuntos de polícia. Já a víspora tem obtido grande preferência nessa época belicosa. Surgiu no meio familiar como uma alegre disputa de sorte pelos números que são cantados em voz alta, tirados de uma sacola. Hoje, pode-se ver o jogo arrebanhar interessados nas tavernas. O comportamento dos habitantes em seu lazer da província foi criticado pelo viajante francês Auguste de Saint-Hilaire, em suas observações durante sua passagem pela região no início da década de 1820. Ele escreveu que os rio-grandenses não conheciam nenhum divertimento honesto, dedicando-se a ao jogo e às pequenas intrigas.
Corrida de cavalo é mais civilizada Poucos tipos de lazer se comparam às corridas de cavalo nesta Província, a famosa carreira em cancha reta. É um vício, até o general farrapo Antônio de Souza Netto é amante das competições de cavalos. Nem agora, com as batalhas entre liberais e caramurus, se deixa de praticar a corrida equina. Mas trata-se de um acontecimento que normalmente é ordeiro, ao
contrário de outros jogos. Na cancha reta, quem aposta são os proprietários de terras, e os eventos são acompanhados por mulheres da sociedade e famílias, algumas vindas de outras províncias. Em uma corrida entre Pelotas e o canal de São Gonçalo, por exemplo, foi registrada a presença de 2 mil a 3 mil pessoas. As mulheres haviam chegado de cavalo
ou carreta e se reuniram em uma encosta, enquanto os escravos, mais distantes, armavam uma cozinha campestre. Havia ouro e prata para cumprir as altas somas das apostas, e nesse tipo de competição não costuma haver confusão. Para melhorar, só se alguma instituição organizasse essas corridas, com, quem sabe, periodicidade definida, por exemplo.
*Agradecimentos - Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Ana Maria Mainieri, Fabio Lazzari e Fatima Noronha Francisco (Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul), Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, Cesar A. B. Guazzelli, Elma Sant’Ana, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul, Moacyr Flores, Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, Nilson Mariano * Bibliografia - Acervo de Moacyr Flores, Fashion Mode 1500-1954, Arquivo Ilustrado de Trajes Históricos do Antigo Egito ao Século 19 (Rachel Mandel), Coletânea de Documentos de Bento Gonçalves da Silva, República Rio-Grandense - Realidade e Utopia (Moacyr Flores), A Revolução Farroupilha (Moacyr Flores), A Revolução Farroupilha (Walter Spalding), Revolução Farroupilha - Cronologia do Decênio Heróico 1835-1845 (Antonio Augusto Fagundes), O Exército Farrapo e os seus Chefes (Claudio Moreira Bento), História da Revolução Farroupilha (Morivalde Calvet Fagundes), Raízes Socioeconômicas da Guerra dos Farrapos (Spencer Leitman), Porto Alegre - Guia Histórico (Sérgio da Costa Franco), Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, As Moedas Contam a História do Brasil (Alfredo O. G. Gallas e Fernanda Disperati Gallas), Memória Histórica da Revolução Farroupilha (Arquivo Nacional, Arquivo Histórico do RS e Memorial do Judiciário do RS), Os Farrapos (Carlos Urbim), Historama - A Grande Aventura do Homem - A Formação da Europa Contemporânea (1830-1871), Barsa Temática - História, História Popular de Porto Alegre (Achylles Porto Alegre), Coleção Varela - Documentos sobre a Revolução Farroupilha (Arquivo Histórico do RS), O Noticiador (Instituto Histórico e Geográfico do RS), Despachos dos Cônsules dos Estados Unidos no RS 1829-1841 (Assembleia Legislativa do RS), Pesquisas de Conhecer - História Universal II, Porto Alegre Sitiada (Sérgio da Costa Franco), Apolinário Porto Alegre (Maria Eunice Moreira), arquivos digitais dos jornais The Guardian e Jornal do Brasil, Darwin Online