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Terça-feira 1 de julho de 2014
Jornal do Comércio - Porto Alegre
Emoção até o último instante no Beira-Rio Fábio Utz Iasnogrodski
fabioutz@jornaldocomercio.com.br
Eram exatamente 19h32min quando o árbitro brasileiro Sandro Meira Ricci trilou pela última vez o apito. Com o frio, a chuva e o vento característicos do inverno gaúcho, mas que ainda não haviam aparecido com tanta intensidade em um dia de jogo, chegava ao fim a Copa do Mundo em Porto Alegre. E com festa da galera do chopp depois de mais um capítulo especial dessa história chamada futebol. No único duelo eliminatório que a Capital gaúcha recebeu, a emoção foi tanta que chegou até a prorrogação. Depois de um empate sem gols no tempo normal, a Alemanha fez 2 a 1 na surpreendente Argélia e, assim, avançou para as quartas de final para pegar a França. Tudo começou diferente de como se podia esperar. Até então sem grandes problemas, a segurança precisou conter a invasão de um torcedor argelino ao gramado do Beira-Rio faltando pouco mais de 20 minutos para o confronto. E com a bola rolando, quem diria, o time considerado “zebra” não quis nem saber, tal-
vez até inspirado pela presença no estádio do presidente da Fifa, Joseph Blatter. Encontrou espaços, foi para cima e, em apenas 18 minutos, esteve em três oportunidades cara a cara com o goleiro Neuer, que em muitos momentos precisou abandonar a área para aliviar o perigo, e acabou pecando na hora da definição. Sem contar quando Slimani conseguiu balançar a rede, mas em posição de impedimento. Os alemães, que falavam em controlar as ações, se viram sem saída até para atacar, tal era a força de marcação do ferrolho defensivo adversário. Assim, a melhor oportunidade só surgiu aos 40 minutos, quando Lahm arriscou de longe e Mbolhi deu rebote, mas se recuperou interceptando conclusão de Götze. Com o segundo tempo, apareceu também o jogo mais intenso tão falado por parte dos comandados de Joachim Löw. Mesmo cedendo alguns espaços, se fizeram mais presentes no campo ofensivo e, com isso, logo de cara, em arremate potente de Lahm, obrigaram Mbolhi a salvar com a ponta dos dedos. Se os africanos não deixaram de assustar, e muito, acabaram
CHRISTOPHE SIMON/AFP/JC
Depois de um empate sem gols no tempo normal, seleção da Alemanha eliminou a Argélia na prorrogação
No jogo que marcou a despedida de Porto Alegre do Mundial, Özil fez um dos gols da classificação alemã
sendo salvos novamente por seu goleiro, que, no reflexo, impediu o gol de cabeça de Müller aos 34 minutos. Na sequência, o próprio camisa 13 teve outra oportunidade. Chegou a fintar o marcador, mas chutou para fora.
No tempo extra, a definição da vaga Se o jogo já era emocionante, ganhou contornos ainda mais tensos na prorrogação. Só que desta vez o favoritismo alemão não demorou para aparecer. Foram necessários apenas dois minutos para que Müller cruzasse e Schürrle, de letra, abrisse o placar e trouxesse a tranquilidade que seu time necessitava. Valente, a Argélia não se entregou. No entanto, depois de muito titubear no tempo normal, a defesa adversária se mostrou consistente e segurou a vitória. No final, para carimbar a vaga,
Özil ainda fez o seu. A tricampeã mundial, assim, seguia na busca por mais um título, sem antes ainda ver Djabou, justamente, descontar e provocar emoção em seus torcedores, já que a campanha africana também foi digna de muitos aplausos. ALEMANHA
Neuer; Mustafi (Khedira), Mertesacker, Boateng e Höwedes; Schweinsteiger (Kramer), Lahm e Kroos; Özil, Götze (Schürrle) e Müller. Técnico: Joachim Löw.
ARGÉLIA
Mbolhi; Mandi, Mostefa, Belkalem, Halliche (Bouguerra) e Ghoulam; Lacen, Taider (Brahimi), Feghouli e Soudani (Djabou); Slimani. Técnico: Vahid Halilhodzic. Árbitro: Sandro Meira Ricci (Brasil).
Alemanha
Argélia
X Estádio Beira-Rio (Porto Alegre)
Partidas desse tipo sempre vão existir, afirma Löw O técnico da Alemanha, Joachim Löw, admitiu que seu time não teve um bom desempenho no primeiro tempo diante da Argélia. Segundo ele, muitas bolas foram perdidas, o que possibilitou o contra-ataque e gerou dificuldades de organização. Porém, conforme o treinador, “partidas desse tipo sempre vão existir”. “Tivemos um empate e três vitórias. Nem todas as seleções apresentarão um futebol de espetáculo em cada jogo. Haverá sempre dificuldades. É normal”, salientou, lembrando que até mesmo o Brasil precisou dos pênaltis para eliminar o Chile. “O importante é se classificar”, concluiu. Pelo lado da Argélia, os jogadores se mostra-
ram decepcionados com a eliminação. Segundo eles, havia a possibilidade de bater a potente Alemanha em função do que a partida apresentou. Porém, fizeram questão de exaltar o feito obtido pelo país africano de chegar às oitavas de final e lutar de igual para igual. “Escrevemos a história do futebol argelino, e isso é muito bom. Vimos que somos capazes de jogar em alto nível, e vamos tomar essa Copa do Mundo como exemplo para continuarmos”, disse o goleiro Mbolhi. “Essa equipe é maravilhosa porque joga com o coração”, completou o zagueiro Bouguerra. O técnico Vahid Halilhodzic não apareceu para conceder a sua entrevista coletiva.
A lógica prevaleceu ALEMANHA X ARGÉLIA, PORTO ALEGRE Ana Fristch, editora de Cadernos Especiais anafritsch@jornaldocomercio.com.br
Nunca imaginei que um dia fosse escrever sobre futebol, mas é natural que, quando esse momento chegasse, fosse em uma Copa do Mundo. É muito mais do que um jogo. A Copa mobiliza a todos, seja pelos investimentos feitos na véspera, pelo sorteio dos grupos, pela escalação do time, pelas apostas no bolão, pela escolha da camiseta que se vai vestir no estádio. Torcer na Copa do Mundo é fazer parte de uma nação, compartilhar sentimentos, expectativas e frustrações, com o desejo de ver o Brasil campeão. Eu, ainda sob o efeito da partida de sábado contra o Chile, embarquei ontem no Caminho do Gol, com o coração verde e amarelo. Mesmo sabendo que a Argélia teria poucas chances de ganhar da potência Alemanha, fui torcendo pelo time africano. Nada contra os alemães, afinal de contas, meu sobrenome é Fritsch. Mas minha torcida era por um time que vem de um país pobre, sofrido, e que teria, naqueles 90 minutos, a oportunidade de se superar. E em toda minha volta, ouvia “Deutschland, Deutschland”. Maioria absoluta de alemães na torcida. E eles gritavam “schnell”, “schnell”. Estavam com pressa. Faltando poucos minutos para o final, estádio em êxtase. Vaias, assobios, tensão. Os torcedores alemães estavam nervosos. E os jogadores também. Aos 87 minutos, o gol parecia estar chegando, mas a Alemanha literalmente tropeçou na vitória ao bater uma falta. Nem sempre a lógica prevalece. Nos quatro minutos de acréscimos, o estádio virou argelino. Mais 30 minutos de prorrogação. E foi ali que a Alemanha fez dois gols. A Argélia ainda descontou. A lógica prevaleceu.