Espaço Intra Urbano na Cidade de Sorocaba

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Transformações Numa Cidade de Médio Porte espaço intra-urbano na cidade de Sorocaba

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Trabalho Final de Graduação Autor: Gustavo Soares Pires de Campos Orientador: João Sette Whitaker Ferreira Coorientadora: Karina Oliveira Leitão


Sumário Agradecimentos

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Breves palavras

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Introdução

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Geografia da cidade

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História de Sorocaba e morfologia urbana

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O Espaço intra-urbano

114

Os itinerários tropeiros e o desenho da região central

138

Análise do espaço intra-urbano

148

Principais avenidas

192

Evolução da mancha urbana

194

Situação dos setores censitários

196

Divisão da cidade por regiões

198

Demografia (habitantes por quilometro quadrado)

200

Demografia (eixos de maior densidade)

202

Habitantes por domicílio

204

Renda média por região

212

Renda média por zona de tráfego

214

Quantidade de emrpego por região

224


Densidade de emprego por região

226

Padrão de viagens internas

228

Divisão modal

230

Matrículas escolares

246

Localização dos postos de pronto atendimento

248

Abastecimento de água

250

Domicílios com disposição final de esgoto em rio, lago ou outro escoadouro

252

Coleta do lixo pelos serviços de limpeza pública

254

Domicílios com infraestrutura internada adequada

256

Conclusão

268

Anexo

272

João Marcelo

274

Gabriela Campos

278

Cyndi Omoto

288

Marco Aurélio

292

Filipe Galhardo

294

Fernanda Dalben

298

Rafael Barbi

302

Bibliografia

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Agradecimentos Injustiça com o autor a seção de agradecimentos. Uma nova obra surgiria apenas destas palavras. A qual, necessariamente, precisaria começar com mais agradecimentos. Mas é necessário agradecer (e muito) diante de tanta ajuda e compreensão que recebi nestes anos de faculdade, especialmente nos últimos meses. Os amigos e amigas são muitos para citar. Nomeio aqui apenas os que tiveram participação direta nas palavras escritas neste trabalho, porém, cada um de vocês sabe o valor que teve me apoiando, seja com um bater de copos de cerveja ou o rodopiar de cabeças num show que por vezes precisei como um náufrago precisa de terra firme. Agradeço do fundo do meu coração a Fernanda Dalben, Cindy Lara, Filipe Galhardo, Gabriela Campos, Marco Aurélio, Rafael Barbi e João Marcelo. Agradeço pela amizade, pelo apoio e pelos textos cedidos a este trabalho. Ao amigos do Longuiça, Jean, Julio, Lucas, Piraju, Kenji e Hugo por sempre estarem prontos para me fazer relaxar com boas piadas e para ajudar com informações valiosas sobre arquitetura e urbanismo. São muitos e muitas também os amigos e amigas que fizeram parte da caminhada dentro da própria FAUUSP. Vocês também sabem quem são e o quanto estimo suas amizades. Sou especialmente grato à Bia Figueiredo, Isabela Scarpelli e Samara Falcão pelos passeios e hospedagens em terras além-mar, trabalhos exaustivos em grupo e pelas conversas tidas sob os domos de Artigas.

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Quatro caval(h)eiros também precisam ser nomeados. Agradeço aos grandes amigos Daniel, Guerrero, Rafael e Pedro pela amizade, cervejas, risadas e sempre prestativas ajudas nas horas mais escuras das disciplinas da POLI. Meu agradecimento a todos os professores da FAUUSP que fizeram parte de minha formação e me instigaram a saber mais. Meus mais sinceros agradecimentos a todos e todas do Departamento de Parques e Áreas Verdes, especialmente a Arthur Simões e Fabíola Trindade, por terem compreendido meus horários imprevisíveis e minhas constantes olheiras por conta de noites viradas ao fazer este trabalho. Também a Claudio pelas dicas na diagramação deste trabalho. Faz-se necessário também dois agradecimentos um pouco mais detidos. Agradeço à Estela Rodrigues, tanto por ter, repetidas vezes, insistido que eu a deixasse de lado e fosse trabalhar quanto pela compreensão digna de um monge tibetano em meus momentos de ausência e exaustão. Tornou meu estressante semestre mais leve quando pôde e quando isto não era possível assim mesmo o fez. Paradoxo que apenas ela soube desemaranhar. Agradeço ao grande e inseparável arquiteto e urbanista, amigo e irmão Júlio César Alves Ferreira pelas andanças no centro de Sorocaba em nossos eternos cafés aos sábados de manhã. Mais do que um companheiro de arquiteturas e urbanismos, alguém ora nivelador, ora incentivador das minhas ideias que a princípio podiam soar radicais, bem como uma mão em meu ombro enquanto eu escrevia este trabalho. Ao amigo, mestre e orientador deste trabalho Professor Doutor João Sette Whitaker Ferreira. Sem sua orientação sábia e as nossas risadas nos momentos de cansaço este

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trabalho não teria sido possível. Agradeço-lhe pela inspiração profissional que é para este aspirante a urbanista. À amiga, coorientadora e erudita do urbanismo Professora Doutora Karina Leitão pelas indicações de leitura, disposição de me ajudar, perpétuo incentivo e discussões de ideias que tão importantes foram para este trabalho. À amiga e responsável por primeiro me mostrar as possibilidades sociais da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo, Professora Doutora Catharina Pinheiro Cordeiro Lima. Obrigado por ter me mostrado que o ofício que escolhi não deveria ficar confinado nos condomínios, mas sim, mesmo que não no papel de messias salvador, se abrir aos que mais necessitam de ajuda. Agradeço a toda minha família. Sem restrições. Porém, agradeço especialmente à minha tia Têre e à vó Marta, que guardaram para mim os jornais de domingo, fizeram paçoca de carne com farinha e café forte. Cresci sob suas asas e volto para elas sempre que posso. Aos meus tios Chico e Alberta, os quais me deram mais que um teto para viver na selva de pedra de São Paulo. Deramme também afeto ímpar, como a um filho. Um lar que sempre amarei e um gesto que jamais poderei retribuir. À minha irmã Gabriela pelas risadas, shows e brigas caseiras. Ela é parte de minha esperança num futuro melhor. Ao meu pai Luís Antônio. Primeira e ainda presente influência intelectual, me ensinou a sempre buscar informação e aprendizado onde quer que fosse e não fazer julgamentos apressados, sempre me ensinando a honradez e o carinho mais acolhedor que pode existir. À minha mãe Maria Soares. Mais profunda conhecedora das ruas do centro sorocabano, dona do afeto mais puro que alguém poderia me dar, seja cuidando de mim em minhas eternas gripes ou ainda hoje pedindo um beijo de bom dia. Sem os chás vespertinos dela este trabalho definitivamente não teria sido possível.

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Aos meus pais, enfim, agradeço pelo amor incondicional e inenarrável, que vai muito além do sangue. Por proporcionarem todas as condições para que eu chegasse até aqui e serem a base, fundamento e princípio de tudo que sou ou almejo ser. Agradeço por aguentarem minhas caras de mau-humor, meu isolamento, a música alta que não os deixava dormir e meus surtos livrescos que por vezes me deixaram sem dinheiro. Este trabalho tem mais mérito de vocês do que meu. Por fim, agradeço ao meu avô Carlos, que, não podendo mais viver ao meu lado, ainda vive em mim. Responsável direto por este trabalho levava-me ver o trem no centro de Sorocaba e me ensinou a mais importante de todas as lições: o saber não ocupa espaço. Conseguimos, pessoal.

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Breves palavras O presente trabalho não nasceu com o formato no qual agora se concretiza. Diversas mudanças ocorreram desde o primeiro momento em que pensei num tema para o Trabalho Final de Graduação. Desde o escopo, dimensões e o próprio objeto de estudo: tudo se transformou. A única constante foi o desejo de trabalhar a análise urbana na cidade de Sorocaba procurando tangenciar, ainda que não houvesse foco em uma delas especificamente, as áreas de história, habitação, transporte e economia. Esse desejo surgiu a partir da constatação de que a bibliografia sobre a cidade de Sorocaba é ainda escassa, principalmente quando comparada a sua importância regional e o ritmo com que cresce populacional, econômica e territorialmente. Luís Castanho, padre e historiador natural de Guareí e ordenado na catedral de Sorocaba em 1927, escreveu cerca de dez livros sobre a cidade de Sorocaba, sua história e cultura sob o pseudônimo Aluísio de Almeida, incluindo dois volumes voltados para o público infantil. Fora alguns trabalhos do também historiador Antônio Francisco Gaspar, escritos principalmente entre 1950 e 1970, e outros trabalhos muito pontuais, os estudos acadêmicos sobre a cidade de Sorocaba só foram retomados com algumas teses e dissertações no fim do século passado. A tese de doutoramento da arquiteta Lucinda Ferreira Prestes, Sorocaba, o Tempo e o Espaço nos Séculos XVIII-XX (2001), é um marco na pesquisa sobre a o espaço urbano da cidade e como ele se modificou através dos séculos. Dificilmente um trabalho acadêmico sobre a cidade consegue seguir sem ao menos uma citação de Prestes. A excelente dissertação de mestrado feita na Unicamp no ano de 2000 por Paulo Sérgio Barbaro Del Negro, O Mosteiro de São Bento de Sorocaba, recupera com minúcias a vinda dos Fernandes para as terras do encontro entre o Rio Sorocaba e o caminho

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do Peabirú a partir de documentos históricos e outros relatos capazes de reconstruir a história do Mosteiro de São Bento, a qual se confunde com a história da própria cidade. Hoje professora de Planejamento Urbano da Uniso (Universidade de Sorocaba), Sandra Lanças concluiu em 2007 sua dissertação de mestrado na FAUUSP, a única até o momento a abordar os espaços livres da cidade como principal objeto de estudo. Mais recentemente algumas pesquisas começaram a aparecer sobre a cidade voltadas à história de seu espaço urbano e da cidade contemporânea. O mestrado, pela FAUUSP, da arquiteta e urbanista Andressa Celli (2012), no âmbito da evolução urbana da cidade através da transformação de seus modelos de transporte e agentes transformadores do espaço (bandeirantismo, tropeirismo, ferrovia e rodovia) e o também mestrado, dessa vez pela PUCCamp, do arquiteto e urbanista Fabrício de Francisco Linardi (2012), o qual atua como professor de Arquitetura e Urbanismo na Uniso, abordando a questão da revitalização urbana da cidade, são exemplos bem acabados de um interesse de pesquisa que começa a surgir pela cidade. O arquiteto urbanista João Luís Bengla Mestre, professor da UNISO, assim como Linardi e Lanças, desenvolveu uma pesquisa sobre a arquitetura moderna da cidade entre as décadas de 1950 e 1970. Seu trabalho de mestrado, finalizado em 2014 na FAUUSP, parece revelar edifícios até então deixados de lado na cidade apesar de seu alto valor arquitetônico. O patrimônio cultural e arquitetônico sorocabano, principalmente nos bairros de caráter industrial, também passou a ser alvo de estudo, resultando nos mestrados de Claudia Cunha (O Patrimônio Cultura da Cidade de Sorocaba: análise de uma trajetória; 2005, FAUUSP), Emerson Ribeiro (Caminhos e Descaminhos: a ferrovia e a rodovia no Bairro Barcelona em Sorocaba/SP; 2006, FFLCH), Michel Rodrigues da Silva (Éden: Paraíso industrial em Sorocaba ou Purgatório Social?; 2010, FFLCH), Marco Massari (Arquitetura Industrial em Sorocaba: o caso das fábricas têxteis; 2011, FAUUSP), etc.

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O grupo QUAPÁ (Quadro do Paisagismo no Brasil), da FAUUSP, publicou ensaios e atualmente desenvolve pesquisa sobre a região, tendo inclusive realizado um sobrevoo na cidade no segundo semestre do ano de 2014 para registrar em fotos aéreas a paisagem sorocabana (algumas delas estão presentes neste trabalho). O Instituto Polis também desenvolveu estudos sobre a cidade, desta vez versando sobre o Plano Diretor de 2004, assim como coletivos e outras instituições tem voltado suas atenções para a cidade e seus dúbios planos urbanísticos. As principais universidades da região começam a contar com número cada vez maior de estudiosos que se debruçam sobre Sorocaba como seu objeto de estudo. Em um rápido levantamento observa-se que o número de teses e dissertações sobre o contexto urbano-histórico, urbano-morfológico, urbano-ambiental e urbano-cultural da cidade vem aumentando conforme avança o novo milênio. Desde o começo do século XXI foram desenvolvidos 23 estudos desse tipo por alunos e alunas da USP, 9 na Unicamp, 2 pela PUCCamp, 3 da Unesp e 4 na Ufscar (lembrando que estas duas últimas possuem campus na cidade). Aqui não foram incluídos os trabalhos de conclusão de curso ou trabalhos de iniciação científica de nenhuma universidade, o que certamente elevaria o número de pesquisas visto que as faculdades de arquitetura ganham cada vez mais espaço na região. O Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP), na cidade de Salto, iniciou seu curso de arquitetura e urbanismo em 1999; a Unip Sorocaba em 2002; e a Uniso em 2010. O crescimento e acelerado desenvolvimento urbano criam esta demanda que, embora ainda incipiente frente ao perfil industrial-automobilístico da cidade, continua a aumentar em ritmo constante. É nesse cenário que este trabalho começou a ser pensado.

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No início pretendia-se abordar um conjunto de edifícios habitacionais na região oeste da cidade, abandonados há quase vinte anos próximos a um manancial em constante perigo de soterramento e tamponamento. Estes objetos de estudo forneceriam material para abordar os aspectos ambientais e habitacionais da cidade, concentrando os esforços naquela área específica e prevendo até mesmo um projeto de requalificação urbana e habitacional. Entretanto, após observar a falta de bibliografia versando sobre o espaço intra-urbano da cidade, a mudança foi necessária e assim o escopo alterado. Num primeiro momento a intenção era abordar apenas a região central, mas, com o desenrolar da pesquisa, percebeu-se a necessidade de tangenciar as outras regiões da cidade, fazendo com que o estudo acabasse por englobar a cidade como um todo. A cidade dispersa, presente no título, tendo como base o livro Notas Sobre Urbanização Dispersa, de Nestor Goulart, também teve papel importante no desenvolvimento do raciocínio das análises aqui presentes, embora tenha perdido espaço para as teorias de Flávio Villaça para a questão do espaço intra-urbano a medida que este foi se impondo como questão mais evidente e mais premente de ser tratada. De maneira alguma desejo esgotar os assuntos aqui tangenciados. Sinto muito pesar em não poder aprofundar mais as questões que abordei ainda neste trabalho, elas de fato mereciam um estudo mais detido e de maior fôlego. Porém, acredito que este é um primeiro passo dentro de um território quase inexplorado no âmbito dos estudos sobre a cidade de Sorocaba, motivo pelo qual tantas informações foram retiradas de jornais (principalmente o Jornal Cruzeiro do Sul, maior e mais antigo jornal impresso da cidade) e da própria experiência que vivi (e ainda vivo) desde meu nascimento nesta cidade. Foi também a oportunidade de associar os estudos urbanísticos a uma antiga paixão, as fotografias antigas. Talvez tenham sido colocadas até

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em excesso neste trabalho, mas, sem saber quando teria a oportunidade de utilizá-las tão intensamente novamente, procurei conciliar o rigor da pesquisa com o hobbie pessoal. Hobbie este que parece ter desenvolvido um novo: fotografar a vida urbana. Correlatos, porém diferentes. Consolidação de uma paixão e desenvolvimento de outra, ainda que falte técnica e habilidade no manejo da câmera. Não pretendo colocar isto como desculpa, mas se em algum momento o toque acadêmico faltou foi por razões que nem a razão pode explicar. Apesar das falhas que esta pesquisa com certeza apresenta e do aprofundamento limitado, resultado da escala abrangente de uma cidade de porte médio como Sorocaba, creio que estes últimos dois semestres fizeram com que eu redescobrisse a cidade na qual cresci e agora me impulsiona a continuar os estudos sobre ela. Não me vejo mais desvencilhado de seus estudos e assim projeto meus planos para o futuro, o qual, pretendo, mescla-se com o de Sorocaba.

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“You don’t make up for your sins in church. You do it in the streets.” – Martin Scorcese no filme Mean Streets, 1973


Imagem nas páginas 2 e 3: Praça Coronel Fernando Prestes. Foto do autor, 2015. Imagem na página 4: trabalhador construíndo edifício com o Ginásio Municipal de Esportes ao fundo e, em último plano, a igreja de Santo Antônio. Foto do autor, 2015 Imagem nas páginas 8 e 9: banco e entrada do Conjunto Santa Clara. Foto do autor, 2015 Imagem ao lado: elementos vazados no edifício Santa Clara visto a partir da passagem interna de seu conjunto. Foto do autor, 2015. Imagem da página 26: adoro da igreja de Santa Ana no Mosteiro de São Bento. Foto do autor, 2015. Imagem da página 28: silhueta da fábrica de tecidos São Paulo vista do cruzamento da Rua XV de Novembro com a Avenida Dom Aguirre. Foto do autor, 2015.



Introdução O trabalho aqui presente é resultado, soma e síntese não apenas de um esforço acadêmico (complexo por si só) na direção de entender o espaço urbano, mais especificamente a região central da cidade de Sorocaba. É também a tentativa de reunião, condensamento e expressão de uma memória afetiva que teve (e ainda tem) na própria área estudada uma paixão pelos lugares, formas, cheiros, cores, sons e, mais do que tudo, pessoas que a frequentam diariamente, advindo disto os arroubos literários, fruto do afeto, e dos posicionamentos políticos, fruto da não conformidade, ora presentes. A temática inicial, retrofit de um conjunto habitacional abandonado na região sudeste de Sorocaba e suas manchas verdes, foi deixada de lado diante da impossibilidade de se trabalhar com todas as características que a região central apresenta e com os interesses que ela suscita. Olhando para o centro é possível localizar os fluxos de transporte que todos os dias o perpassam, as redes de infraestrutura viária, de saneamento, de áreas verdes e etc., que dela se irradiam ou não para os outros bairros da cidade, participando de suas constituições morfológicas e sociais num processo dialético que necessariamente, direta ou indiretamente, estabelece relações onipresentes com o centro, verdadeira dinâmica urbana. As visitas ao Centro, sempre a pretexto de um café com diversos amigos e amigas, se prolongavam com caminhadas pelas praças, largos, igrejas, edifícios habitacionais, comércios, escolas, ruas (campos?), construções. Funcionaram sempre, invariavelmente, como rememoração das idas àquela região da cidade torcendo para os sinais de

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pedestres estarem abertos quando o atraso para a aula de guitarra se fazia premente; para os cafés (fortes, sem açúcar) no Mercado Municipal com o avô, ouvindo histórias trocadas entre ele e os antigos donos dos estabelecimentos internos (“aqui, antigamente, era tudo pasto!”); para comprar o material escolar com os pais ou mesmo nos recorrentes sonhos que tinha onde, indo para o a região central com minha mãe, me perdia dela e acordava desesperado no meio da noite sem saber o que estava acontecendo. Não só estas memórias antigas eram trazidas a tona como um soco na boca do estômago acadêmico, mas as recentes também. Os próprios cafés, sucos e pães de queijo de semanas a pouco vividas enquanto fazíamos planos para o futuro e nos atualizávamos da vida uns dos outros, que insiste em querer nos afastar perante as obrigações do dia-a-dia; o desfile de Carnaval sob uma tempestade de verão que saiu da Praça Frei Baraúna e terminou na Praça do Canhão, dois dos limites físicos do Centro estabelecidos neste trabalho. Como se não bastasse, os descobrimentos agora feitos sob o olhar já mais treinado, depois de quase seis anos estudando a vida urbana, desvelam que por trás do âmbito afetivo também se escondia (e ainda se esconde) uma realidade social e política que não só emoldura tal região, mas que é ela, que a ponteia de contornos e arabescos culturais os mais diversos, escondendo e revelando o caráter da poesia que nem sempre somos capazes de ver, admirar e de se revoltar na pressa instituída pelo ritmo frenético com que por vezes atravessamos este rico lugar de concretude e imaginação. Ismael Xavier, em seu livro Alegorias do Subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal (2012), assim descreve o cineasta como um retratista e conjurador da vida cotidiana:

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O documentário, às vezes na fronteira do filme-ensaio, tem se afirmado com um polo de criação cuja pesquisa de métodos impulsiona a reflexão crítica mais adensada em torno de novas formas de representação ou de questionamento da imagem como representação. [...] A contaminação recíproca de espontaneidade e mise-em-scène, traço inelutável da interação social, acentua seu investimento performático quando enfrenta o olhar da câmera. Esses são alguns traços de uma nova partilha de experiência trazida pela postura do cineasta que assume a posição de olhar e escuta que não é fácil de equacionar, mas que é sensível a permanência da assimetria de poder a separar o homem com a câmera de seu interlocutor-personagem. Ao se confrontar com o teatro do cotidiano administrado pela mídia, algo que em ponto menor espelha o jogo maior da vida política, o documentarista compõe uma experiência de oposição e resistência, busca alternativas que definem um reencontro não exatamente com o real isento de qualquer teatralidade, mas com a própria teatralidade, trabalhada em outras bases.

Assim age essa pesquisa, no movimento de tentar compreender as dinâmicas criadas na cidade em seus mais diversos níveis. A infraestrutura urbana, seu sistema de espaços livres, as vias que começam a enfrentar quilométricos engarrafamentos, o rio ainda não totalmente despo-

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luído, as ciclovias que impressionam em relação ao resto do país, mas ainda deficientes, a produção habitacional irresponsável nas franjas da cidade. Tudo a partir do centro, voltando a ele e tendo-o como objeto de estudo. A cidade em questão como herdeira dos caminhos indígenas num primeiro momento, conectada a uma já quase esquecida ligação com os outros povos latino-americanos; seu desenvolvimento sob os auspícios da tradição portuguesa; as feiras de muares; o desenvolvimento industrial até a alcunha de Manchester Paulista. O arquiteto urbanista, verdadeiro documentarista e produtor dos espaços urbanos por onde a vida cotidiana acontece como o fluir do sangue em ebulição pelas veias abertas de uma América Latina que explode em sentidos e racionalizações, tem aqui seu objeto de pesquisa: uma Sorocaba que em seu centro, microcosmos das cidades brasileiras de médio porte, explode em sentimentos e pensamentos. A rua do seminário onde minha mãe trabalhava enquanto eu destruía copos de plástico, margeia o lado oeste; a linha de trem da infância define os limites norte; a rua com a (segunda, vovó faz a primeira) melhor coxinha da cidade margeia o lado sudoeste; a via da rodoviária, responsável pelas infinitas idas e voltas entre São Paulo e Sorocaba, contem o centro em seu lado sul; o Rio Sorocaba, por fim, atingido pelo antigo caminho dos índios que corta o Centro, é a barreira geográfica que contém o centro em seu leste geográfico. É o Centro rodeado por lembranças e analisado através do método, da rigidez e da poética.

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capoeira que é bom, não cai / mas, quando cai, cai bem



GEOGRAFIA DA CIDADE


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Localização do município de Sorocaba (sob o círculo vermelho) no estado de São Paulo e as principais manchas urbanas ao seu redor. Fonte: autor sobre Google Earth.

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Sorocaba, considerando como ano de sua fundação, ainda com o status de vila, o ano de 1654, já contando com a Igreja de Sant’Ana e a instalação do bandeirante Baltazar Fernandes para estas terras, foi elevada à categoria de cidade em 1661. Dos meados do século XVII até o presente ano de 2015, a cidade expandiu suas fronteiras, seus interesses, sua população, sua economia. No entanto, ainda conserva os traços primeiros de sua feição original. Identidade esta anterior mesmo aos bandeirantes. O caminho usado pelos índios na primeira metade do milênio passado, o Peabiru, deu lugar a passagem dos bandeirantes, dos tropeiros, dos comerciantes do século XIX e, mais atualmente, aos bancos, igrejas e lojas populares que dominam a Rua São Bento. Sorocaba se desenvolveu em grande parte graças à sua localização geográfica privilegiada entre o litoral, faixa priorizada pela colonização portuguesa até meados do século XVII, e o interior do país que nesse momento começa a ser explorado em busca de minérios, índios e controle territorial por temer a invasão de outras nações. A região, compreendendo a Serra de Araçoiaba e o Morro do Ipanema, importante ponto de referência na paisagem para índios, bandeirantes e tropeiros, foi retratada por diversos naturalistas do século XIX, como o botânico francês Augustin de Saint-Hilaire, tendo vindo “para o Brasil em 1816, acompanhando a missão extraordinária do duque de Luxemburgo, cujo objetivo era resolver o conflito que opunha Portugal e França quanto à posse da Guiana, passado o período napoleônico”1; o naturalista alemão Johann Baptist von Spix, vindo na Missão Artística Austro-Alemã que acompanhava a princesa Maria Leopoldina da Austria, futura imperatriz do Brasil (tais missões de reconhecimento da natureza tinham tamanha importância a ponto da es1 KURY, Lorelai. Auguste de Saint-Hilaire, viajante exemplar. Rio de Janeiro, 2001.

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pécie Acanthochelys spixii, o cágado preto, encontrada na bacia do médio Tietê e agora em risco de extinção, ter seu nome científico como homenagem ao naturalista alemão); e Karl Friedrich Philipp von Martius, médico, biólogo e antropólogo vindo na mesma missão artística que Spinx, cuja obra Flora Brasiliensis foi um marco em seu campo de pesquisa, bem como outras serias contribuições a importantes porém ainda incipientes, na época, campos de estudo, sendo “impossível não consultar suas obras hoje quando se está fazendo pesquisa sobre organização da flora do Brasil, metodologia histórica corrente no século XIX, etnografia e folclore brasileiros, estudos das línguas indígenas, ou mesmo em se tratando de questões atuais como a miscigenação das raças [sic] ou o papel da mulher na sociedade do século XIX.”2 O relevo de Sorocaba, observado e estudado por estes naturalistas

é formado basicamente por colinas médias, morros e morrotes alargados, provenientes de duas províncias geomorfológicas, Depressão Periférica e Planalto Atlântico, sobre os quais o município está implantado. As altitudes variam entre 600 e 650 metros. O solo da região é predominantemente arenoso e com baixo teor de argila, com boa capacidade de infiltração, porém com alta vulnerabilidade de processos erosivos. O município encontra-se integralmente em área de Mata-Atlântica. 2 ROSENTHAL, Erwin Theodor. Carl Friedrich Philipp von Martius, médico, naturalista e grande escritor, 1995. In: ARRUDA, Maria Izabel Moreira. Cartas Inéditas Friedrich Von Martius. São Paulo: XI Congresso da Associação Latino-americana de Estudos Germanísticos – Universidade de São Paulo (USP), 2003.

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A rede hidrográfica do município é bastante extensa, sendo formada pelo Rio Sorocaba e seus tributários. A bacia do rio Rio Sorocaba é o mais importante manancial da região. Quadro dos Sistemas de Espaços Livres nas Cidades Brasileiras: Sistemas de Espaços Livres Urbanos de Sorocaba – SP, 2010, p. 317 e 318.

A mata-atlântica, vegetação predominante da região e, como em tantas outras regiões do Brasil, muito mais vistosa e densa nos tempos de outrora, foi retratada e catalogada em grande parte pelo impulso científico que as missões estrangeiras, associadas ao Império, deram para essas pesquisas. Esta região, ponto estratégico da ligação entre o litoral e o interior do país, se localiza “na faixa de transição do Planalto Atlântico para a Depressão Periférica, onde muda sua composição geomorfológica de base cristalina para metassedimentar [...].”3 Sendo um município pelo qual passa o Trópico de Capricornio, foi convencionado que o clima muda de temperado para tropical, zona de transição que se encontrar na Latitude -23° 30’ 06S; Longitude -47° 27’ 29W, possuindo altitude média de 636 metros acima do nível do mar. Segundo Lanças (2007), os tipos de solo encontrados na região que abrange o município de Sorocaba aqueles do Carbonífero Superior, do Grupo Tubarão (orenito, filitos, varitos e conglomerados); do Pré-Cambriano Superior, do Grupo São-Roque (calcário e dolimitas); Intrusivas Ácidas, do Grupo São-Roque (granitos); e Inclusivas Ácidas, também do Grupo São Roque (granitos e granitos gnaissificados). 3 LANÇAS, Sandra Y. S. Espaços Públicos Abertos e Infra-Estrutura Verde para Sorocaba, SP. São Paulo, 2007.

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Este solo típico resulta no fenômeno das voçorocas, “processo erosivo semisuperficial de massa, face ao fenômeno global da erosão superficial e ao desmonte de maciços de solo dos taludes, ao longo dos fundos de vale ou de sulcos realizados no terreno” (Mendes, 1984).4 Esse fenômeno, comum nas imediações do município, inspirou também o nome de um bairro que se encontra na divisa entre Sorocaba e Votorantim, margeado em parte pelo Rio Sorocaba, em uma região particularmente acidentada, muito em parte pelo fenômeno que agora nomeia tal bairro. Este bairro se encontra próximo, até mesmo por questões geológicas inerentes a constituição do fenômeno da voçoroca e a formação do corpo d’água, a um não retificado trecho do Rio Sorocaba, o qual ainda mantém suas características, mesmo que por breve espaço, de meandros e várzeas alagáveis típicas dos rios de planície. O rio em questão, junto com outros afluentes, conformou a situação ideal para os viajantes que ali, aos poucos, foram se estabelecendo ao redor de suas várzeas.

O município de Sorocaba se encontra inserido na Bacia Hidrográfica do Rio Sorocaba – Médio Tiete com área de 5.269 km2 (CBH-SMT, 2007). A rede hidrográfica da bacia dos rios Sorocaba e Médio Tiete é composta por seis sub-bacias: Médio Tiete Inferior, Médio Tiete Médio, Médio Tiete Superior, Baixo Sorocaba, Médio Sorocaba e Alto Sorocaba. O Rio Sorocaba é formado pelos rios Sorocabuçu e Sorocamirim. Suas cabeceiras estão localizadas nos municípios de Ibiúna, Cotia, Vargem Grande Paulista e São Roque, percorrendo 227 km até desembocar 4 Apus in http://ambientes.ambientebrasil.com.br/educacao/glossario_ambiental/glossario_ambiental_-_v.html

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no rio Tietê, no município de Laranjal Paulista. Sendo o maior e o principal afluente da margem esquerda do Rio Tietê, o Rio Sorocaba atravessa a área do Município de Sorocaba no sentido sul para o norte em grande parte acompanhado por parques lineares e vias marginais. São afluentes mais importantes pela margem direita os rios Água Podre, Tavacahi, Taquaravaí e Pirajibu, que é o maior deles; pela margem esquerda os afluentes são o Córrego Supiriri, Córrego Fundo, Caguaçú, Olaria, Itanguá, Ipanema, Sarapuí, Pirapora e Tatuí. Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata-Atlântica - Sorocaba, 2014 – Secretaria do Meio Ambiente do Municipio de Sorocaba

O Rio Pirajibu, maior afluente do Rio Sorocaba, contribui pela margem direita e é formado pelos ribeirões Piraju-Mirim e Pirajibu, córregos que se localizam a leste do município. Vindo ao sentido sudoeste-nordeste, descendo da Serra do São Francisco, passa a Rodovia Raposo Tavares (importante via de ligação com a capital paulista e outras cidades como São Roque, Alumínio, Mairinque e Cotia) e pelo Casarão de Brigadeiro Tobias. Daí então o Ribeirão Pirajibu atravessa uma região de morrotes e morros de substrato gramítico, que determinam outros mananciais, os quais então contribuem, a extremo leste do município, para a formação da planície aluvial do inicio da micro-bacia do Pirajibu que, represando a direção sudeste-nordeste de seu irmão mirim à esquerda, atravessam vertentes de cotas a aproximadamente 650 a 600 metros, quando, após receber a contribuição dos outro mananciais da região norte do município, metassedimentar, ainda esparsamente ocupada pela urbanidade, deságua na margem direita do Rio Sorocaba (LANÇAS, 2007).

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Este, por sua vez, o Rio Sorocaba, entra na cidade pelo centro da zona sul, divisa com Votorantim, passando também por debaixo da Rodovia Raposo Tavares. Continua avançando em direção ao norte do município e, desta maneira, recebe águas em sua margem esquerda do Córrego da Água Vermelha e do Supiriri; em sua margem direta os afluentes são o Córrego Lavapés, o Piratininga e o Matilde. Passando o Centro do município ele recebe, pela esquerda, as águas dos córregos Tico-Tico, Curtume, Presídio, Formosa, Matadouro; através da margem direita recebe o Rio Pirajibu. Continuando seu trajeto, o Rio Sorocaba, “a cerca de cinco quilômetros da Rodovia Castelo Branco [outra importante ligação com a capital do estado, sendo dessa vez mais direta e sem a mudança de cotas que a Rodovia Raposo Tavares por vezes demanda], toma a direção oeste e recebe as águas do córrego Itanguá, na área oeste da cidade” (LANÇAS, 2007, p. 66). O Rio Sorocaba chega a sua cota mais baixa (dentro do município de Sorocaba), 550 metros, na divisa com Iperó e depois segue até Porto Feliz, no extremo noroeste de Sorocaba. Há anos a proposta de uma “Região Metropolitana de Sorocaba” paira nos ambientes acadêmico e político da região. Neste ano de 2015 foi oficialmente determinada a criação desta região metropolitana que terá Sorocaba como referência, agregando diversas cidades da região. Voltaremos a esse assunto em outro tópico. São as cidades que fazem fronteira com o município de Sorocaba: Porto Feliz ao norte; Votorantim ao sul; Mairinque ao leste; Itu ao nordeste; Araçoiaba da Serra ao oeste; Salto de Pirapora ao sudoeste; e Iperó ao noroeste. Em constante troca econômica e cultura com estas cidades, Sorocaba se conurba com algumas delas em alguns pontos. Votorantim é o exemplo mais claro desse processo e a criação da RMS não poderia mais ser adiada diante da abrangência e peso que estes elementos colocam sobre a região e suas trocas.

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Hist贸ria de Sorocaba e Morfologia Urbana

Ettore Maringoni, Desmembramento - 1960


Os primeiros povoamentos e o Mosteiro de São Bento Após a conquista e ocupação parcial da costa brasileira, a Coroa Portuguesa possuía ainda uma considerável ameaça em relação à posse de seu ainda não tão bem definido território colonial: o estabelecimento de povoados provenientes de outras nações europeias, como França, Holanda e Espanha. O território ainda indefinido que Espanha e Portugal ocupavam no mesmo continente era ainda ameaçado pelos franceses, os quais não reconheciam os já estabelecidos tratados de partilha do mundo (como o Tratado de Tordesilhas), apenas sustentando o princípio do uti possidetis, segundo o qual o território pertence aos que de fato o ocupam (BOSSI, 2014). Sendo assim, era melhor que o território estivesse ocupado e de preferência, sendo dele extraído rendimento. Este contexto político foi a principal força motriz para que a terra das Índias Orientais que os portugueses clamavam possuir fosse de fato ocupata, efetivamente colonizada.

Convicções políticas levaram a Coroa portuguesa à convicção de que era necessário colonizar a nova terra. A expedição de Martin Afonso de Sousa (1530-1533) representou um momento de transição entre o velho e o novo período. Tinha por objetivo patrulhar a costa, estabelecer uma colônia através da concessão não-hereditária de terras ao povoadores que trazia (são Vicente, 1532) e explorar a terra tendo em vista a necessidade de sua efetiva ocupação.1

1 BOSSI, Fausto. História Concisa do Brasil. Edusp: São Paulo, 2014.

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Ainda no século XVI, Dom João III cria as capitanias hereditárias. O Brasil assim foi dividido em quinze diferentes faixas de terra, as quais iam do litoral atlântico até a linha que estabelecia o Tratado de Tordesilhas. As capitanias hereditárias foram entregues aos capitães-donatários. Estes “constituíam um grupo diversificado onde havia gente da pequena nobreza, burocratas e comerciantes, tendo em comum suas ligações com a Coroa” (BOSSI, 2014, página 18). Devido a ainda deficiente comunicação entre metrópole e colônia e em razão do vasto território conquistado, foi concedido aos donatários grandes poderes de autoridade em suas capitanias. Eles possuíam o direito de formas milícias, defender suas capitanias da maneira que melhor lhes conviesse, o controle da justiça interna aos seus territórios que lhe cabiam e o poder de fundar vilas. Entretanto, muitos destes donatários possuíam limitados recursos e poucos foram efetivos na ocupação dos territórios, com a exceção das capitanias de São Vicente e Pernambuco, que conseguiram obter relativo progresso. Desta maneira, o território permanecia com vastas terras ausentes de presença portuguesa. Unindo este problema territorial às informações sobre as descobertas de grandes jazidas de ouro e prata pela Coroa Espanhola em suas colônias, os bandeirantes, sertanistas de primeira e segunda geração dos portugueses que se estabeleceram em terras brasileiras, foram incentivados a explorar as terras do interior do continente, de modo que pudessem, prioritariamente, encontrar jazidas de ricos minerais e, a depender da região propícia a isto, fundar pequenas vilas, poder que lhes foi instituído diretamente pela Coroa. Mesmo com a definição dos limites geográficos que as nações latino-americanas tomaram ao longo dos séculos, o processo de ocupação do interior do Brasil, especialmente o meio-oeste, só foi se dar de fato no século XX com a incursão dos Irmãos Vilas Boas e a fundação de Brasília, ainda assim deixando rincões vazios no vasto território brasileiro.

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Entretanto, já em meados do século XVI havia a penetração de portugueses na Capitania de São Vicente. Eles se empenhavam nestas jornadas exploratórias em busca de metais preciosos. Neste contexto da busca de afirmação de um território colonial português, as vilas surgem como uma política e não fatos isolados e espontâneos. O contexto das colônias hispânicas era de suma importância e a corrida pelo domínio de regiões ainda não bem definidas ou de fronteiras pouco respeitadas, bem como do desenvolvimento do comércio intra-colonial.

Acontecimento importante ocorre em 1622 quando a Coroa Espanhola suspende o comércio entre o Brasil e Região do Prata, ameaçando estabelecer uma rota terrestre continental com o Vice-Reinado do Peru, delimitando um caminho por Guairá, Paraná e Paraguai. As grandes investidas bandeiristas no sul são dessa época e justificadas pelas novas posses para a Coroa.

De maneira que facilitasse as incursões das bandeiras, elas se utilizavam dos caminhos já estabelecidos pelos índios, os quais, em algumas ocasiões, se encontravam estruturados quase que como uma rede de conexões. Na verdade, acontecia exatamente isto com o Peabiru, um caminho trans-sulamericano que conectava os oceanos Atlântico e Pacífico. Os seus ramais

eram também conhecidos como ‘caminhos do sol’, o tronco principal corresponderia à trilha que passava por São Vicente, Piratinin-

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ga [São Paulo], Sorocaba, Itapetininga, Itapeva e Itacaré, com um importante ramal que ia de Sorocaba a Botucatu, de onde descia ao Paranapanema. [...] A partir de Itacaré, ele seguia [...] pelos rios Tibagi, Ivaí e Piqueri, até o salto do rio Paraná e atravessava o Paraguai e Bolívia até atingir o Peru.2

Em 1589, Afonso Sardinha, português versado no ofício da mineração, faz sua primeira tentativa de produção de ferro, resultando no primeiro povoado na região do Rio Sorocaba, chamado Mont Serrat. Ele já havia descoberto ouro de aluvião na Serra da Mantiqueira, Guarulhos,no Jaraguá e em São Roque. Suas investidas pareciam prósperas e o estabelecimento de uma indústria de fundição e produção de ferro parecia propícia. Todavia, seu empreendimento acaba não prosperando e o povoado se extingue. Desta maneira, os resquícios desse povoado são transferidos para a beira do Rio Sorocaba em 1611, passando agora a se chamar São Felipe3, mais tarde também conhecido como Itavuvu, hoje em dia nome de uma importante avenida da zona norte de Sorocaba, vetor de maior expansão imobiliária da cidade nos últimos anos. Ironicamente o município se desenvolve tendo como principal eixo de expansão uma avenida cujo nome representa os primórdios de seu estabeleciemento. w Este povoado, entretanto, não conheceria sucesso e acabaria por se extinguir, passando a encontrar povoamento próspero na região somente a partir das bandeiras empreendidas no interior paulista a partir de meados do século XVII. Sobre elas nos diz Bossi: 2 CELLI, Andressa. Evolução Urbana de Sorocaba. Dissertação de Mestrado. FAUUSP: São Paulo, 2012. 3 Idem.

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A grande marca deixada pelos paulistas na vida colonial do século XVII foram as bandeiras. Expedições reunindo às vezes milhares de índios lançaram-se pelo sertão, aí passando meses e às vezes anos, em busca de indígenas a serem escravizados e metais preciosos. Não é difícil entender que os índios já cativos participassem dessas expedições, pois a guerra – ao contrário da agricultura – era uma atividade própria do homem nas sociedades indígenas. O número de mamelucos e índios sempre superou o de brancos. Por exemplo, a grande bandeira de Manuel Preto e Raposo Tavares, que atacou a região de Guaíra em 1629, era composta de 69 brancos, 900 mamelucos e 2 mil indígenas. As bandeiras tomaram uma série de direções: Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e as regiões onde se localizavam as aldeias de índios guaranis organizadas pelos jesuítas espanhóis. [...] As relações entre os interesses da Coroa e o bandeirismo foram complexas. Houve bandeiras que contaram com o direto incentivo da administração portuguesa, e outras não. De um modo geral, a busca de metais preciosos, o apresamento de índios em determinados períodos e a expansão territorial eram compatíveis com os objetivos da Metrópole.4

Localizada na região de posse da família dos Fernandes e de suas sesmarias, Sorocaba “foi fundada na mesma época que outras vilas, como Itu e Santana do Parnaíba” (CELLI, 2012, página 26). A importância destas 4 BOSSI, Fausto. História Concisa do Brasil. Edusp: São Paulo, 2014.

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municipalidades estabelecidas residia tanto na ocupação do território com o objetivo de demarcação do território conquistado como local de troca e infraestrutura para o emergente mercado que surgia no jovem país. Os senhores de terras, os donatários, tinham importante papel nestas questões. A eles era investido o poder de fundar vilas e de mantê-las sob seu jugo. Se entrelaçava assim uma política de dominação territorial, expansão da malha viária entre cidades e, a partir de meados do século XVIII, a criação da infraestrutura necessária aos mercados que se formavam sob o auspícios da Metrópole e, mais tarde, do Império.

A organização municipal é importante no Brasil Colonial, sendo esse o local onde se efetiva de fato, a colonização. Ela é complexa, à medida que depende de uma economia mercantil internacional que extrapola as questões municipais. Será regida pelas Ordenações do Reino, as leis portuguesas transferidas para a Colônia, constituídas por raízes romanas e com funções político-administrativas e judiciárias. As ordenações, Manuelinas e depois Filipinas, fortalecem o poder municipal que terá o mesmo “status” de uma cidade portuguesa, regido pelas mesmas leis. Foi constituído pela Alcaidaria e pelo Conselho que dispunham da renda dos forais, atribuídas como privilégio aos donatários. Surgiram os capitães das vilas, subordinados ao capitão-mor que constituíram no seu conjunto, o esquema de controle e direção dos donatários.5 5 PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba, o Tempo e o Espaço nos Séculos XVIII -XX. Tese de doutorado, FAUUSP: Sâo Paulo, 2001.

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Carta Topographica de Parte da Diocese Paulistana, apresentando a Vila de Nossa Senhora de Sorocaba na Estrada Sul


Século XVIII (extrema esquerda na linha do Trópico de Capr. Fonte: Biblioteca Municipal. Mário de Andrade, São Paulo


É neste contexto da organização e ocupação do território colonial que a Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba é fundada. Relata-nos Prestes:

A enorme comitiva que chega à Sorocaba, chefiada por Baltazar Fernandes e seus familiares, em meados do século XVII, conforme testamento de Isabel Proença, segunda esposa do fundador, em 1654, já tinha a posse da sesmaria. Itu foi elevada à vila em 1653. O ano de 1654 é o da chegada do poderoso clã na Vila de Nossa Senhora da Ponte: o chefe da família, sua segunda esposa, filhos, genros e netos, seus pertences e nada menos que um plantel de 370 escravos índios. Isso demonstra a grandiosidade do acontecimento, o tamanho da empreitada e comprova a intenção de permanência dos pioneiros na tomada efetiva da posse da terra.6

O primeiro povoado começa às margens do rio que corta a região, o Rio Sorocaba, o qual é atravessado pelo Peabiru em um trecho que facilitava sua transposição. O caminho do Peabiru guarda ainda em Sorocaba forte memória do traçado que um dia teve pelas mãos (e pés) dos índios.

A paisagem do tecido urbano da cidade de Sorocaba guarda os resquícios dos caminhos dos índios, como pode ser conferida pelo traçado das ruas São Bento e XV de Novembro, que fazem uma curva 6 Idem.

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Ettore Maringoni Fundação de Sorocaba, 1950

Imagem nas páginas 44 e 45: Capitania de São VIcente. Fonte: desconhecida. Imagem nas páginas 48 e 49: Carta Topographica dae parte da Diocese Paulopolitana, apresentando a localização da Vila de Sorocaba na Estrado Sul, século XVIII. Fonte: acerto da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, São Paulo.


para acabar na cabeceira da Ponte XV de Novembro, dali seguindo para a Avenida São Paulo, onde por muitos anos a Árvore Grande foi referência na paisagem local, para o ciclo tropeiro, para várias gerações posteriores se referirem a velha e enorme paineira pelo apelido que nomeou o bairro em que ela se encontra, moribunda, até agora.7

Baltazar Fernandes, como uma de suas primeiras ações enquanto fundador da vila e detentor da posse da sesmaria, ordena a construção de uma igreja em elevado ponto topográfico, numa colina onde a visão da construção dominaria o povoado estabelecido mais abaixo e teria excelente visão do acidente geográfico mais destaca da região, o vale do Rio Sorocaba. Segundo Negro, a citação mais antiga da Igreja de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba aparece no Auto de Inventário da câmara da Vila de Santana de Parnaíba, em abril de 1655, por motivo do falecimento de Izabel de Proença, primeira esposa de Baltasar. Em passant: dentre as posses que Izabel de Proença deixava para o marido após sua morte estava “a sesmaria de uma légua em quadra na paragem de Sorocaba, recebida de seu irmão, André Fernandes, o fundador de Santana do Parnaíba” (NEGRO, 2000). Estas informações nos levam a duas suposições. A primeira decorre da citação da “paragem de Sorocaba”, indicando que a extinta Vila de São Filipe/Itavuvu, ou mesmo o mal sucedido povoado de Mont Serrat, decorrente dos empreendimentos de Afonso Sardinha na região, estabeleceram na região um ponto conhecido de repouso, ou ao menos passagem, para o ainda incipiente transporte de gado que por ali passava. A outra suposição é a de que uma das primeiras 7 LANÇAS, Sandra Y. S. Espaços Públicos Abertos e Infra-Estrutura Verde para Sorocaba, SP. Dissertação de Mestrado. FAUUSP: São Paulo, 2007.

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medidas tomadas por Baltazar Fernandes ao chegar nas terras da futura cidade de Sorocaba foi a de construir uma igreja, tamanha era a importância do estabelecimento de uma autoridade religiosa nas terras recém ocupadas. Almeida destaca o fato de que “não só no inventário de Isabel Proença (1655) mas nos assentos de óbitos de 1681 em diante aparece o templo com o nome de igreja e não capela” (ALMEIDA, 1969). Esta distinção é de suma importância para o desenvolvimento urbano posterior da cidade da Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba, pois a diferença reside no caráter administrativo, sendo a capela “o templo que não é sede de paróquia e por isso mesmo desprovido de padre com assistência permanente”8. Portanto, o estabelecimento de uma paróquia na emergente vila poderia atrair nova população e impulsionar o desenvolvimento de seu quadro urbano e econômico. Fernandes, no entanto, compreendia que a falta de recursos para tanto poderia não levar para frente a empreitada religiosa e, numa atitude puramente política, doa a igreja de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba para os Beneditinos, como relata Negro. Esta igreja foi [...] doada por Baltazar Fernandes ao mosteiro beneditino de Santana de Parnaíba. Essa atitude, inspirada naquela adotada anteriormente por seu irmão André em relação aos beneditinos de São Paulo, e que resultou na fundação do mosteiro de Parnaíba, buscava atrair, segundo Aloísio de Almeida, os monges para a região de Sorocaba. A construção de um mosteiro e, por sua vez, pelos seus benefícios espirituais, atrairia outros moradores. 8 CORONA & LEMOS. Dicionário da Arquitetura Brasileira. Edart: São Paulo, 1972. Páginas 106 – 107.

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Negro ainda transcreve o “público instrumento de escriptura de doação”, de 21 de abril de 1660, ano da doação do mosteiro: “[...] elle [Baltazar Fernandes] ora em virtude d’este instrumento dava e doava d’este dia para todo o sempre aos reverendos padres do Patriarcha S. Bento do mosteiro de Parnahyba a igreja de Nossa Senhora da Ponte com toda a sua fábrica sita na paragem chamada Sorocava, com obrigação d’elles ditos padres lhe fabricarem um dormitório com quatro cella, sua despensa, cozinha e refeitório, [...]

Esta configuração dos cômodos do mosteiro remete a divisão tripartida dos claustros medievais em forma de letra U. Esta configuração se mantém até os dias atuais no mosteiro, apesar das mudanças de uso e da construção de anexos. Os mosteiros beneditinos, enquanto um lugar não apenas dedicado ao culto do sagrado, mas também a formação de monges e abades, produção de gêneros alimentícios, construções e vida comunitária de maneira geral, necessitava de infraestrutura e mão de obra para tanto. Desta maneira, também lhes foram doadas, constituindo assim parte do patrimônio do mosteiro. No documento de doação já referido, lê-se também:

[...] e assim mais [Baltazar Fernandes] lhes dava e doava toda a sua terça, que diretamente lhe couber por sua morte, assim de bens moveis como de raiz e peças do gentio da terra, e que lhes dava logo à conta da dita terça doze serviços de peças do gentio da terra para o

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serviço da igreja. E assim mais lhes dava logo um moço também do gentio da terra para o serviço de sacristia, e assim, uma moça cozinheira para o serviço dos reverendos padres que na dita igreja assistirem. E outrossim lhes dava doze vacas e um touro.

Essa informação do documento ainda é corroborada pelo monge beneditino José Carlos Camorin Gatti em entrevista por decorrência dos 350 anos do mosteiro de São Bento no ano de 20109. Fato é que apenas quase sete anos após o inicio da construção do mosteiro o Abade Provincial Fr. Francisco da Visitação toma posse da igreja e da paróquia que agora ali formava. Entretanto, esta igreja era na verdade parte de um mosteiro e não a matriz da cidade, função cujo papel cumpriu até o início da construção da nova matriz.

Com a construção da definitiva, iniciada logo após a elevação da povoação de Sorocaba à condição de vila em 1661 e concluída em 1667 o orago [padroeiro, o santo ou anjo ao qual é dedicada uma localidade sagrada] de N. Senhora da Ponte transfere-se para a nova matriz, e a igreja beneditina, daí em diante, muda sua invocação para N. Senhora da Visitação [...]

Logo após a elevação de Sorocaba ao nível de Vila, é iniciada a construção da casa de Câmara. Sua localização se encontrava na outra extremidade da Rua São Bento, orientado segundo a disposição da nave da igreja do mos9 https://www.youtube.com/watch?v=Fn6in0chPsc [acesso em 25/10/2015]

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teiro. Duas importantes ruas, a Rua Direita (atual Rua Doutor Braguinha) e a Rua do Comércio (atual Rua Rio Branco), bem como a própria implantação da matriz e de sua praça, seguem a perpendicular da orientação do eixo da nave do mosteiro, mostrando a sua importância na conformação do traçado urbano, o qual permanece, ao menos nestes logradouros citados, com a mesma disposição. O mosteiro, tombado em 1976 pelo CONDEPHAAT, viria a ter importante papel na formação intelectual da cidade, dele saindo muitos professores de educação básica nos primeiros momentos da educação de Sorocaba. Junto ao comércio que se desenvolveria em meados do século XVIII, o mosteiro foi um agregador de população e desenvolvimento urbano para a cidade de Sorocaba desde seus primórdios. O Tropeirismo Enquanto da costa da Bahia até a cidade de Santo predominavam as plantações de cana, algodão e cacau e no Alto Maciço Cristalino entrecortado pelas serras se localizavam as Minas Gerais e rica extração de suas pedras preciosas, nas terras do sul do país não havia grande produção ou mesmo o estabelecimento de quantidade considerável de povoamentos. Os platôs tabulares encontrados ao sul do Estado de São Paulo adquirem total amplitude no Rio Grande do Sul e na região do Rio Prata, sendo abundantes em zonas de relvas e campos. A necessidade da criação de mulas no país, devido aos altos custos que adquiriam quando transportadas da Europa e ao crescimento da troca de elementos entre as províncias da colônia que se fazia premente, encontrou terreno fértil nessa região sem uso e sem habitantes depois da devastação quando da passagem das bandeiras que ali procuravam ouro e escravos. (PRESTES, 2001).

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Detalhe da Planta da Cidade de Sorocaba, 1901 1 - Igreja de Nossa Senhora da Ponte (Mosteiro de São Bento 2 - Igreja Matriz 3 - Localização Primitiva da Casa de Câmara Fonte: Autor sobre Arquivo do Estado de São Paulo apud del Negro, 2001






Imagem das página 58 e 59: Rua de São Bento (prédio da Câmara Municipal, Mosteiro de Santa Clara e Mosteiro de São Bento). Fotógrafo desconhecido, cerca de 1903. Fonte: Coleção Adolfo Frioli

Imagem das páginas 60 e 61: Rua da Ponte (atual XV de Novembro). Foto de Julio W. Durski, 1886. Fonte: Acervo do Museu Histórico Sorocabano


Imagem da página 64 e 65: Largo da Matriz com chafariz (atual Praça Coronel Fernando Prestes). Foto de Julio W. Durski, 1886. Fonte: Acervo do Museu Histórico Sorocabano

Imagem das páginas 66 e 67: Vista geral do Largo da Matriz (atual Praça Coronel Fernando Prestes). Foto de Francisco Scardigno, 1916. Fonte: Coleção Jair Almeida Branco






Longe de ser uma atividade exclusivamente brasileira ou portuguesa, os muares eram amplamente utilizados na América Hispânica para vencer as grandes distâncias e relevos acidentados. Vale a longa citação de Prestes para este entendimento.

No Peru em 1776 eram utilizadas 500 mil mulas no tráfico dos Andes, nas costas ou em Lima, importadas dos Pampas Argentinos onde cresciam em estado selvagem e depois os peones as levam para as províncias do norte, até Tucuman e o Salta onde eram domadas e finalmente chegavam no Peru. Elas também vinham de lá para a enorme feira de animais de Sorocaba. Argentinos foram encontrados residindo em Sorocaba, sem noticias específicas sobre a condução de tropas e participação no comércio de gado. Contabilizou-se nos países americanos uma média de 5 a 10 habitantes por animal, a mula (Peru, Brasil, Venezuela, Colombia e América Central), representando isso, uma enorme força de motorização se considerarmos que a Espanha possuía apenas 250 mil mulas, 40 habitantes por animal. Foram considerados animais de carga e sela. A desproporção de 4x1, na pior das hipóteses é muito grande, mesmo se considerarmos que as distâncias a serem percorridas eram maiores em terras americanas. A região do Prata logo se transformou e passou a desempenhar a função de zona criatória de gado: inúmeras tropas de cavalos e muares foram ali formadas e reservadas para o abastecimento do Brasil florestal e tropical também, do lado espanhol.

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Assim, fica claro o caráter complementar de duas zonas: uma, mais ao norte, ocupada pela plantação e mineração, relativamente povoada; outra, ao sul, inabitada e usada quase unicamente para criação, mais especificamente criação de mulas, direcionada, basicamente, à exportação.10

No final do século XVII, Sorocaba ainda se constituía como uma importante paragem de bandeiras que por ali passavam seguindo o Peabiru. No entanto, quando jazidas minerais foram descobertas no interior da província, a Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba passou por uma grande transformação econômica. O tropeirismo, tropas ou comitivas de cavalos e muares que transitavam entre os centros produtores e consumidores do Brasil colonial, ganha força na região a partir do desenvolvimento da mineração e o comércio associado a ela, tendo sido “incentivado diretamente pelo Estado. Esse transporte teve grande importância nacional à medida que tinha, como função principal, subsidiar a economia mercantilista da Coroa, seu real interesse” (CELLI, 2012, página 29). O comércio de muares, levando ouro para o porto e trazendo bens essenciais para a população de mineiros, se tornou uma das principais fontes de renda da capitania e da província, bem como estimulou o contato entre regiões distantes do país. Este comércio era feito, em grande parte, nas feiras voltadas para este propósito. Sorocaba se situava em localização privilegiada e se inseriu nesta lógica econômica subsidiária da grande economia mercantilista e predatória de exportação da Colônia.

10 PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba, o Tempo e o Espaço nos Séculos XVIII-XX. Tese de doutorado, FAUUSP: Sâo Paulo, 2001.

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Do ponto de vista econômico, o Tropeirismo marcou o desenvolvimento do mercantilismo no país e, aliado a isso, uma nova forma de se produzir o espaço. O comércio exigia, dessa forma, a ampliação do mercado consumidor e, com isso, maior facilidade de comunicação com a nova rede de cidades. As rotas de muares fariam esse papel de ligação entre as cidades. Elas seriam responsáveis pela interligação da rede urbana que se formava, tornando-se assim essenciais para o desenvolvimento do Tropeirismo.11

A ação do bandeirante explorador é substituída pelo tropeiro como agente de transformação do espaço urbano, dessa forma “não podemos considerar o tropeiro apenas um condutor de mercadoria. Mais do que isso, ele era o responsável pelo funcionamento de toda a estrutura do comércio de muares” e sua consequente lógica de desenvolvimento da morfologia urbana (CELLI, 2012, página 29). Sorocaba se torna um importante eixo entre Minas Gerais, Centro-Oeste e o Sul do país e passaram a cada vez mais se beneficiar dessa localização privilegiada. Esta efervescência comercial, nas primeiras décadas do século XIX, com certeza seria aproveitada tendo em vista que, não só o minério, mas também “a cultura cafeeira e o seu comércio adquirem importância, abrangendo as províncias do Rio de Janeiro, Minas (centro-sul) e São Paulo, tornando-se o setor mais dinâmico da economia brasileira” (PRESTES, 2001, página 34).

Além de percorrerem os trajetos 11 CELLI, Andressa. Evolução Urbana de Sorocaba. Dissertação de Mestrado. FAUUSP: São Paulo, 2012.

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antigos, já formados pelos índios, criaram novos trajetos a partir dos eixos de ligação. Esses novos trajetos interligavam a nova rede de cidades que se formava no sul e sudeste do Brasil. E é nesse contexto que Sorocaba estava inserida. 12

Os sorocabanos compravam muares xucros no sul e os vendiam, já treinados, aos tropeiros que faziam a conexão com as minas gerais. A necessidade do transporte dos muares de uma região a outra acaba por criar os caminhos ligando sul e sudeste. Deve-se levar em conta também a produção de culturas agrícolas, as quais mais tarde tiveram importante papel “para a formação das bases da indústria paulista” (CELLI, 2012, página 35). A economia do país e a maneira como se dava ao longo do território estabeleceu uma dinâmica que não só levava gado, muares e elementos de primeira necessidade de um ponto ao outro. Criava também toda uma rede comercial capaz de transformar um lugar geograficamente privilegiado nesta lógica.

Foi durante o início do século XVIII, porém, que os reflexos da descoberta do ouro, em Minas, repercutem na Vila de Sorocaba e irão definir o papel preponderante desempenhado, durante esse século, na economia regional. É que a demanda por animais de transporte, assim como por gado ‘vacum’ para consumo, cresce vertiginosamente, à proporção em que a leva de mineradores se avoluma. Apesar da existência anterior de um afluxo irregular de gado vindo 12 Idem.

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do sul, foi exatamente em 1732 que, sob o comando de Cristovão Pereira de Abreu, chegou em Sorocaba a primeira tropa vinda de Curitiba. E, desde pelo menos meados do século (em 1750 é estabelecido o Registro para a cobrança dos direitos de passagem), Sorocaba passa a desempenhar o papel de grande centro comercializador por intermédio das grandes feiras anuais de gado. Esse papel é, mais uma vez, fortalecido, pelo deslocamento da capital da colônia para o Rio de Janeiro e o consequente incremento da lavoura canavieira. 13

Em sua obra “Sorocaba, o Tempo e o Espaço nos Séculos XVIII-XX”, cita um texto da pesquisadora Rosely Roderjan que é muito esclarecedor quanto ao papel da Estrada de Sorocaba e a conexão com as regiões ao sul. Reproduzimos aqui parte dele.

A Estrada de Sorocaba, também chamada de Estrada das Tropas, Estrada do Sertão, Estrada do Sul, Estrada Real ou Estrada do Viamão, era o caminho oficial que ligava o Brasil Meridional a São Paulo, cuja existência possibilitou o desenvolvimento do tropeirismo sulino e o povoamento do interior da Região Sul. Por essa entrada, também seguiam rumo ao Continente de São Pedro (RS) as tropas militares que lutava nas Guerras do Sul ou do Sacramento no século XVIII. 13 NEGRO, Paulo Sérgio Barbaro Del. O Mosteiro de São Bento de Sorocaba e a Arquitetura Beneditina do Litoral Brasileiro e do Planalto Paulista nos Séculos XVII, XVIII e XIX. Dissertação de Mestrado, Unicamp: Campinas, 2000.

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Ettore Marangoni Encontro de Tropeiros no Caiminho Para as Minas, sem ano de produção


Os caminhos mais antigos que atravessaram os planaltos paranaenses, teriam sido originados do caminho indígena do Peabirú e das suas variantes. Por eles andaram bandeirantes paulistas e os primeiros mineradores que alcançaram os Campos de Curitiba, durante o século XVII. Depois de passar pelo Campo da Faxina (Itapeva) e do Apiaí, em território paulista, antigo ramo do caminho do Peabirú, ingressa no primeiro planalto paranaense, atingindo o vale do Açunguí. Para essa região partiam pelo norte de Curitiba caminhos que, transpondo o rio Ribeira, seguiam rumo a Apiaí e Itapeva, a fim de alcançarem a Estrada de Sorocaba [...]14

Continua Prestes mais a frente:

Na passagem do séculoa XVIII para o XIX, Sorocaba teve sua população bruscamente ampliada muito provavelmente como reflexo do empuxo econômico do comércio das tropas e nas mesmas condições que passava a região do oeste paulista, graças à lavoura da cana-de-açucar.15

14 RODERJAN apud PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba, o Tempo e o Espaço nos Séculos XVIII-XX. Tese de doutorado, FAUUSP: Sâo Paulo, 2001. 15 PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba, o Tempo e o Espaço nos Séculos XVIII-XX. Tese de doutorado, FAUUSP: Sâo Paulo, 2001.

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O volume de animais que passava pelas feiras era alto e isso se comprova pela instalação do Registro de Animais em 1750. Os impostos eram por vezes altos e a Metrópole impôs alguns particularmente elevados como maneira de coletar fundos para a destruição de Lisboa por um terremoto em 1755. Estes deveriam ser cobrados destas maneira por um período de 10 anos. O dinheiro ia para os cofres portugueses, mas os “registros funcionaram de 1750 a 1825 sob o sistema de arrendamento de particulares, passando depois para a Junta da Fazenda de São Paulo” (PRESTES, 2001, página 76). Em meados da década de 1750, o arrematador era o homem com maiores posses na vila, Salvador de Oliveira Leme, o Sarutaiá. Todas as famílias ricas da futura cidade, as quais eram pouquíssimas e concentravam o capital da vila, eram constituídas de herdeiros e herdeiras daqueles que participavam das atividades bandeiristas, tendo se beneficiado pelo apresamento indígena e da descoberta de ouro em Cuiabá, cidade esta que, segundo o avô do autor deste Trabalho Final de Graduação, foi fundada por um antepassado deste que escreve. Sarutaiá, cujo nome mais tarde foi dado a uma rua próxima ao centro sorocabano, amealhou dezenas de escravos (Prestes afirma que chegaram a ser 163 os seus escravos), propriedades e investiu na produção de lavouras de milho e feijão, além da criação de gado. Foi responsável por boa parte de domínios assegurados nas franjas da então vila e chegou a emprestar dinheiro a comerciantes e tropas, alimentando assim a dinâmica da cidade e sua vocação econômica (Prestes, 2001). Um de seus genros, o coronel Antônio Francisco de Aguiar, cujo filho, o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar que viria a ser patrono da Polícia Militar do Estado de São Paulo e da ROTA (Rodas Ostensivas Tobias Aguiar), continuou os negócios do pai de sua esposa e acumulou considerável fortuna com os impostos e as negociações de gado. Uma de suas filhas, Leonarda, em casamento arranjado com a família Paes de Barros, natural

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As feiras de muares atraíram para Sorocaba o famoso desenhista francês radicado no Brasil Hérculo Florence. Ele registrou algumas cenas da vila e do curioso processo de compra e venda dos muares. Segundo Adolfo Frioli “os animais bons e ruins eram misturados num verdadeiro redemoinho, que depois era desfeito em forma de espiral. Então, o cliente interessado na compra fazia um snal e o movimento era interrompido, ficando o comprador com os animais que haviam passado até o seu sinal.

Redemoinho e corte da tropa de muares na feira de Sorocaba. Desenhor de Hércules Florence, 1831. Fonte: acervo do Museu Paulitas da Universidade de São Paulo


de Itu, se casaria com Bento Paes de Barros, o Barão de Itu, dando nome à rua Baronesa de Itu, que se encontra próxima ao centro paulistano. Estes casamentos eram comuns à época. A partir de 1790 as famílias sorocabanas abastadas buscaram casamentos deste tipo com famílias ricas do oeste paulista, donas de grandes extensões de terra e aproximando os negociadores sorocabanos da produção de gêneros agrícolas de larga envergadura, uma vez que em Sorocaba ainda era um tanto quanto incipiente esta produção tendo em vista a economia largamente baseada no tropeirismo. Estes casamentos permitiam grande acumulação de capital, expansão e transformação da produção e preservação do status quo na junção das fortunas, dando origem ao que Fernand Braudel chamou, segundo Prestes, de capitalismo precoce das América (PRESTES, 2001). Como foi comentado em relação à Sarutaiá, havia também produção agrícola no município apesar da predominância econômica do tropeirismo. Entretanto, esta produção tinham como grande expressão a produção em pequena escala, a lavoura familiar onde predominava a produção de gêneros alimentícios de mprimeira necessidade, como feijão, arroz e milho. Prestes estima que a maioria da população de Sorocaba

vivia da produção de gêneros alimentícios de primeira necessidade com mão-de-obra familiar, auxiliada por agregados ou poucos e raros escravos. Eram pequenos lavradores, sitiantes e roceiros. Em 1772, 568 domicílios, representando 66,7% da população, possuía 478 escravos. O restante, 440 domicílios, ou 77,5% dos habitantes, não tinham nenhum e apenas 10 famílias ultrapassavam plantéis de

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10 cativos [...] O grande contingente de pequenos proprietários, lavradores e também posseiros normalmente não tinham acesso à mão-de-obra escrava. Na realidade a mão-de-obra era exercida pelos familiares, sendo o recrutamento militar causa de reclamações e pânico, nas correspondência da época.16

Ainda no século XVIII os lavradores não se limitariam a produção dos gêneros alimentícios de primeira necessidade anteriormente citados, também iniciariam a produção de algodão, o qual, em decorrência do desenvolvimento de uma economia baseada na sua produção, substituiria o ciclo tropeiro e lançaria as bases para o capital industrial urbano da cidade no século XX. O tropeirismo teve grande papel no estabelecimento de um mercado interno para o Brasil, o qual, apesar dos entraves que a Coroa portuguesa colocava para o surgimento de bens de produção como a tecelagem e a metalurgia, deu início ao capitalismo no Brasil. A última feira tropeira na cidade de Sorocaba se deu somente em 1897. Até este período a economia sorocabana não continuou concentrada nas trocas proporcionadas pelo tropeirismo. Uma eficiente indústria se instalou na cidade e moldou-a nas bases econômicas que conhecemos hoje. Mais a frente falaremos sobre isto. Entretanto, antes de uma análise mais detida na morfologia da cidade durante o ciclo torpeiro, vale nos atentarmos para a crítica à historiografia brasileira que Prado Bacellar faz. 16 PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba, o Tempo e o Espaço nos Séculos XVIII-XX. Tese de doutorado, FAUUSP: Sâo Paulo, 2001.

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A presença de Sorocaba em nossa historiografia tem sido tênue, um fenômeno de esquecimento, diríamos quase que notável. Afinal, não se trata de uma localidade qualquer, mas de um núcleo, que durante os séculos XVII e XIX, ocupou posição de grande proeminência regional, atuando seja enquanto posto avançado do movimento de desbravamento do sertão e do aprisionamento do índio, seja enquanto sítio preferencial para a comercialização maciça do gado originário do Continente do Sul. De uma maneira geral, muitas das referências a Sorocaba são exíguas[...] Deixa-se de lado todo o processo de transporte e comercialização do muar, que formou extensa re de comunicação e povoamento, desde o Sul até Sorocaba, e desta para as mais diversas partes do Brasil, pois era uma atividade econômica fundamentalmente interna. Em que pesem as contínuas preocupações da Coroa, durante todo o período, no sentido a legislar e controlar o negócio de muares, nossa historiografia, ao não enquadrá-lo nas atividades exportadoras, simplesmente menosprezou sua importância como objeto de estudo [...] Sorocaba ficou, portanto, à margem de nossa historiografia por não haver tido presença significativa na economia visível, de exportação, que era o alvo de análises para as tentativas de compreensão das relações Colônia-Metrópole.17 17 BACELLAR, Prado apud PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba, o Tempo e o

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A indústria sorocabana Olhando para a Sorocaba contemporânea, podemos notar a força que a indústria tem, principalmente a indústria automobilística, bem como os edifícios de antigas industrias que ainda se encontram no espaço intra-urbano, agora transformadas segundo os interesses do capital da cidade. Para o surgimento destas industrias foi necessário um processo de acumulação de capital que envolveu o tropeirismo e outras atividades econômicas que também tiveram sua importância. Com a proibição de instalações industriais na colônia, imposta no final do século XVII pela Coroa com o objetivo de não colocar em risco os produtos que a Metrópole vendia para o Brasil, fechou as manufaturas que começavam a se consolidar no território. Foram permitidas a produção apenas de panos grosseiros, para ensacamento e para a vestimenta dos escravos. Sorocaba já as produzia e não se viu prejudicada pela limitação das atividades mais finas. Já a metalurgia sofre maior impacto. A recém inaugurada companhia de Ipanema é vorazmente perseguida. Isto duraria até a visita a Sorocaba do governador-geral, Antônio Manoel de Mello, acompanhado pelo químico João Manso. Eles vinha para criar a Fábrica de Ferro São João d’Ypanema sob os auspícios do Príncipe Regente, Dom João. De modo a estabelecer melhor infraestrutura para a indústria que ali despontava, no ano de 1811

comparece à cidade outra importante comitiva, formada por engenheiros e técnicos uecos e da qual também fazia parte o alemão Friedrich Varnhagen e o Barão Flemming. A estrada entre São Paulo e Sorocaba, passando por São Roque, recebe melhorias e por ela seEspaço nos Séculos XVIII-XX. Tese de doutorado, FAUUSP: Sâo Paulo, 2001.

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Compreendida então como os primeiros dois séculos da Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba tiveram uma importância para a constituição da malha regional de transportes e a relação de suas famílias ricas com outras do estado ajudou a estabelecer o capitalismo precoce a revelia da Coroa, bem como a importância estratégica da do povoamento no comércio e funcionamento da economia colonial, podemos passar agora a tentativa de entender de que maneira o tropeirismo afetou não só a economia do espaço urbano, mas a própria morfologia urbana da cidade, ou, como prefere Villaça para distinguir este espaço do espaço regional, a morfologia do espaço intra-urbano.

Corso carnavalesco na Rua da Ponte (atual Rua XV de Novembro). Foto de Florentino Hansted, 1903. Fonte: Coleção Jurema Leão Sonetti

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Jean Batist Debret Vista da Cidade de Sorocaba, 1827


Imagem das p谩ginas 88 e 89: Ponte sobre o Rio Sorocaba. Foto de Julio W. Durski, 1886. Fonte: Acervo do Museu Hist贸rico de Sorocaba


Imagem das páginas 90 e 91: Rio Sorocaba em seu nível normal. Foto de Pedro Hoffmann, 1929. Fonte: Coelação Adolfo Frioli






gue para Ipanema uma centena de escravos. Na construção da fábrica foi empregada não só a mão-de -obra escrava, mas também serviços especializados em trabalhos de cantaria. Muitos vinham de outras cidades paulistas, principalmente de Santos, acostumados a trabalhar com pedras no litoral. O ferro fundido no alto-forno da fábrica de Ipanema deslizou incandescente, pela primeira vez, em 1818.18

A consolidação dessa indústria ao longo do século XIX é confirmada pela visita de Dom Pedro II e a Imperatriz a agora chamada Real Fábrica de Ipanema em 1875, recebendo uma coroa imperial fundida em ferro. Entretanto, a metalurgia nessa região surgiu como fato espontâneo, como uma iniciativa fora de um contexto propício. A instalação desta indústria, a qual teria íntima relação com a cidade de Sorocaba, só foi possível devido as condições que a cidade já proporcionava para tais investimentos. Andressa Celli nos dirá:

[...] o cultivo, o transporte e a comercialização do café e do algodão, assim como o beneficiamento do algodão, gerou significativo desenvolvimento socioeconômico e espacial em algumas cidades paulistas ligadas a essas culturas. Significa dizer que o processo de produção do café e do algodão gerou o desenvolvimento de atividades urbanas próprias desse processo. Esse fato favoreceu, posteriormente, a formação das bases industriais.19 18 PRESTES, Lucinda Ferreira. Sorocaba, o Tempo e o Espaço nos Séculos XVIII-XX. Tese de doutorado, FAUUSP: Sâo Paulo, 2001 19 CELLI, Andressa. Evolução Urbana de Sorocaba. Dissertação de Mestrado.

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A cidade de Sorocaba se encaixava principalmente na questão da produção de algodão, tendo ficado famosa mais tarde como a “Manchester Paulista”, devido às numerosas fábricas de tecido instaladas na cidade com construção em estilo inglês. Com o crescimento da produção de algodão e de seus produtos, os empresários enxergaram a necessidade de um meio eficiente de transporte em grandes quantidades. Desta maneira, com o intuito de não depender do governo para o deslocamento de suas mercadorias, os empresários sorocabanos, com Luís Mateus Laylasky à frente, criaram a Companhia Sorocabana e a sua Estrada de Ferro. Esta estrada de ferro visava abastecer o mercado inglês chegando até Santo, pois este mercado estava ressentido da falta de algodão em decorrência da guerra civil estadunidense, grandes produtores deste produto. A produção de algodão herbáceo ganha força na cidade e a produção tanto dos manufaturados derivados (como as advindas fábrica de tecidos de Francisco Paulo de Oliveira na década de 1850) como de sementes e a própria divulgação da cultura chega a influenciar as regiões próximas, principalmente durante a década de 1870, quando a produção estava a todo vapor. Grandes fábricas de tecido se desenvolvem entre o fim do século XIX e inicio do XX em Sorocaba, as quais só se equiparavam em produtividade quando comparadas às de São Paulo. As maiores destas foram a Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte20 (1882), Santa Rosália21 (1890), FAUUSP: São Paulo, 2012. 20 Situada ao redor do Terminal de Transporte Urbano Santo Antônio, está fábrica foi convertida em um shopping. Apesar dos protestos de pequena parcela da população exigindo a conservação das estruturas principais e a transformação em uma instituição ligada a cultura, funciona como shopping popular desde 2013. Durante sua construção, devido a falta de escoramento apropriado e a uma forte chuva, grande parte um de seus muros desabou sobre carros que aguardavam a abertura do sinal entre as ruas Comendador Oeterer e Álvaro Soares, matando sete pessoas. O processo dos familiares das vítimas ainda corre na justiça. 21 Esta fábrica emprestou seu nome ao bairro que se formou ao seu redor a partir de sua vila operária. No ano de 2000 ela foi transformada no Hipermer-

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Santa Maria22 (1886), São Paulo23 (1909), Santo Antônio24 (1913) e Votorantim25 (1893). O protagonismo da feira de muares é, por fim, substituído pela nova atividade econômica, o algodão e toda a economia que ele movimenta. O transporte por muares, apesar de ter sido suplantado pelo ferroviário, ainda era necessário para o transporte de mercadorias a nível local. Enquanto a ferrovia transportava as mercadorias produzidas pelas fábricas de tecido, a nível regional (o transporte da cidade até o porto de Santos), os muares eram responsáveis pelo transporte de outras mercadorias produzidas em Sorocaba e região até a estação ferroviária.26 cado Extra, tendo o projeto arquitetônico e a manutenção e restauração de suas fachadas sido supervisionada pelo CMDP (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico, Turístico e Paisagístico de Sorocaba). 22 Localizada no bairro Vila Hortência, ainda se encontra de pé em estado de conservação relativamente bom e, desde 2012, na gestão do Prefeito Vitor Lippi (PSDB), existe um projeto para transformá-la em complexo cultura-histórico, o qual foi posteriormente especificado como “Museu dos Trabalhadores e das Máquinas da Fábrica Santa Maria”, mesmo com o anúncio de um condomínio habitacional feito para o local neste meio tempo. Em 2014, após uma forte chuva, o antigo muro que delimitava uma das faces do terrona, a que se volta a Rua Manoel Lopes, caiu sobre a calçada. O estado de conservação continua precário e não há previsão para retomada de qualquer um dos projetos. 23 Ela se encontra localizada próxima a antiga Ponte do Registro, no começo do além linha, e ainda funciona prestando pequenos serviços para outras empresas. Chegou a empregar, em seu auge, 11 mil funcionários, mas hoje emprega apenas 370. Após a morte de seu último dono, em 2010, foi vendida para o grupo Splice por conta de diversas dividas bancárias. Sua silhueta pode ser apreciada ainda como um pequeno marco no skyline a partir do fim da Rua XV de Novembro. 24 Fábrica contígua a sua irmã Fábrica Nossa Senhora da Ponte, foi desativada completamente no início da década de 1990 e teve diversos edifícios de seu conjunto demolidos para a instalação do Terminal Santo Antônio em 1992, incluindo uma parte de seu conjunto para a construção de uma via que pudesse ligar o centro ao terminal de ônibus. 25 A Fábrica de Tecidos Votorantim foi inaugurada distante do centro da cidade, deu origem ao grupo Votorantim e hoje se encontra no município de mesmo nome. Antes um bairro de Sorocaba, a cidade de Votorantim se emancipou em 1965. 26 CELLI, Andressa. Evolução Urbana de Sorocaba. Dissertação de Mestrado.

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Luiz Matheus Maylasky, fundador da Estrada de Ferro Sorocabana. Fot贸grafo desconhecido, 1875. Fonte: Gabinete de Leitura Sorocabano

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Acima: Ação da Companhia Sorocabana, Estrada de Ferro de Ipanema a São Paulo (depois Estrada de Ferro Sorocabana), assinada por Luiz Matheus Maylasky, Francisco Ferreira Leão e Vicente Eufrásio da Silva e Abreu, 1970. Fonte: Coleção Adolfo Frioli Imagem das páginas 98 e 99: Estação da Estrada de Ferro Sorocabana reformada, com carros de alguel à frente. Fotógrafo desconhecido, 1949. Fonte: Acervo do Museu Histórico Sorocabano

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Sobre a decadência das feiras, diz Prestes:

A feira de animais em 1862 apresentava grande decréscimo no comércio das tropas. Apenas 20.000 animais haviam passado pelo registro de Sorocaba naquele ano quando o suprimento normal se avaliava entre 40 a 50.000 cabeças de gado.

Neste novo ciclo econômico, Sorocaba passa a receber maior número de estrangeiros, em sua maioria espanhóis e italianos, os quais acabam constituindo uma grande classe operária. Desta maneira, Sorocaba passa a apresentar as características que favorecem a formação das bases para a implantação do processo industrial como um todo em sua completa constituição. No fim do século XIX e começo do XX, as fábricas se localizavam ao redor e nas proximidades da linha e da estação ferroviária. Assim sendo, loteamentos e vilas operárias se formam nesse entorno, a norte e noroeste. Ocupações começam a surgir nas imediações das fábricas de tecido, sendo particularmente proeminentes no entorno da linha férrea e da estação ferroviária central. Estas ocupações caracterizaram, no inicio do século XX, a formação dos bairros do Além Ponte e do Além Linha. Este inicio de industrialização proporcionou a Sorocaba um grande impulso de expansão urbana. A estrutura urbana, cada vez mais complexos, se espraiava por bairros nascidos a partir de vilas operárias e outros assentamentos onde o proletariado se instalava. Já em 1925 é possível notar o crescimento e consolidação de diversos desses bairros: Vila Carvalho, Vila Angélica, Vila Santana, Vila Rosália, ao norte e a o noroeste; Vila Hortência, Vila Santa Maria, a FAUUSP: São Paulo, 2012.

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sudeste; e Vila Independência e Vila Fonseca, a oeste (CELLI, 2012). Sorocaba, na década de 1920, ficava apenas atrás de São Paulo em termos de desenvolvimento econômico, sendo ultrapassada por Campinas na década de 1940 e, na década seguinte, pelas surpreendentes economias industriais de Ribeirão Preto e Vale do Paraíba. Entretanto, mesmo com esta pujança econômica, Sorocaba ainda não havia adquirido o aspecto de cidade densamente urbanizada, ainda que repleta de ocupações horizontais, como ocorre nos dias atuais.

Pelo desenho [do casario e das vias] percebe-se no inicio do século [XX] uma cidade ainda interiorana, com muitos largos e quintais arborizados embora já se note a construção de pequenos palacetes, sobrados e estabelecimentos comerciais; o fator religioso até então predominante com suas igrejas no alto das colinas começa a se mesclar ao comércio e a pequena burguesia já se faz notar, bem como o poder público: Câmara, Intendência, Fórum, Cadeia Pública; [...]27

Desde sua constituição, quando os bandeirantes e, mais tarde, os tropeiros saiam para suas empreitadas Brasil adentro, as mulheres cuidavam da casa, da alimentação, do vestuário e dos demais afazeres domésticos. Neste contexto, o espaço privado passa a ser muito mais valorizado do que o espaço público, resultando numa na valorização da esfera do primeiro e decadência e não proliferação da esfera do segundo. Entretanto, esse caráter mudaria com a mudança do espaço intra-urbano que precedeu a chegada da industrialização do século XX. 27 LANÇAS, Sandra Y. S. Espaços Públicos Abertos e Infra-Estrutura Verde para Sorocaba, SP. Dissertação de Mestrado. FAUUSP: São Paulo, 2007.

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Já preparada infraestruturalmente para receber o capital industrial, Sorocaba inicia intensa extração do solo rico em calcário da região, pela fábrica Votorantim em 1936. Na verdade, desde o final do século XIX já haviam muitas caieiras nos arredores da cidade e em seus morros. As caieiras se espalhavam pela região dos “morros”, nos arredores da cidade, e representaram importante segmento da economia sorocabana no final do século XIX,conforme relatório oficial do presidente da Província, Elias Pacheco Chaves, em 1888. No século XX, Sorocaba se tornou o maior produtor do estado.28

A importância e a escala da extração de calcário cresce tanto na região que, 1937 é criada uma hidroelétrica na fazenda de Santa Ana e, três anos mais tarde, uma em Piedade, para que o crescimento da indústria de cimento pudesse ser subsidiado. Nesta década a cidade mantém seu ritmo de crescimento, se expandindo principalmente na região noroeste (a qual teve seu crescimento vertiginosamente retomado na últimas duas décadas) e sul (a qual viria a se estabelecer como a mais valorizada da cidade meio século depois), sentido Votorantim.

A proximidade dessa área com o centro de Sorocaba, aliada a um eixo de ligação estabelecido desde os tropeiros, fortalecido agora por uma ramal ferroviário que se ligava à estação central de Sorocaba, foram fatores que contribuíram para o crescimento da mancha urbana 28 CELLI, Andressa. Evolução Urbana de Sorocaba. Dissertação de Mestrado. FAUUSP: São Paulo, 2012.

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Imagem à esquerda: Trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana sobre o Rio Sorocaba sendo usada como atalho para o bairro Além-Linha por conta da falta de acesso para o pedestro a este local, 2015. Foto do autor. Fonte: Arquivo do Autor

Imagem nas páginas 104 e 105: Fábrica de Tecidos Santa Rosália. Foto de Pedro Neves dos Santos, 1924. Fonte: Coleção Adolfi Frioli

Imagem nas páginas 106 e 107: Fábrica de Tecidos Votorantim. Foto de Pedro Neves dos Santos, 1924. Fonte: Coleção Adolfo Frioli

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de Votorantim, na direção norte, e a do centro de Sorocaba, na direção sul.29

A ferrovia ainda possuía papel predominante na cidade até meados da década de 1940 quando, paulatinamente começa a ser substituída por um outro modelo de transportes. Esta política de cunho nacional transforma a cidade mais uma vez e resulta na atração de muitas das indústrias que podemos encontrar hoje em dia, como o parque industrial que contém a montadora da Toyota. Na década de 1950, a grande indústria de bens duráveis se instala no país como um todo e, juntamente com ela é introduzida uma política de transporte sobre pneus que afeta todas as regiões do país. O Plano de Meta do Governo Federal, âmbito do país, e a consolidação da Rodovia Raposo Tavares (1954) e da Rodovia Castelo Branco (1967), como conexões eficientes com a capital do estado, demonstra a escala dessa transformação e sugere a proporção que tomou a cultura do transporte individual que a partir daquele momento aderia às entranhas da sociedade urbana sorocabana. Este

novo padrão de mobilidade espacial decorrente da difusão no uso do automóvel, com as novas frentes de acessibilidade que ele criou e com o novo espaço urbano que foi para ele produzido pelas e para as camadas de mais alta renda. Essa nova mobilidade territorial, justamente com o empenho do capital imobiliário em tornar obsoletos os centros existentes e promover novos centros e novas frentes 29 Idem.

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imobiliárias, fez com que um novo padrão de deslocamento se estabelecesse em nossas metrópoles.30

Esta nova maneira de organização do espaço e, principalmente, de deslocamento de suas massas populacional e carga de produtos, resultou em proeminente crescimento industrial em Sorocaba e região na área automobilística e nos serviços que lhe são necessários. Tal desenvolvimento industrial estimulou o crescimento urbano sorocabano e o desenvolvimento socioeconômico espacial na criação de uma série de leis municipais com o objetivo de adequar a cidade e seus habitantes aos novos tempos.

Em função disso [do desenvolvimento urbano e socioeconômico], em 1961 (Lei n°837) o município promulgou uma lei que dispunha sobre a instituição de uma comissão para a criação de uma plano diretor de Sorocaba – embora já houvesse uma regulação do crescimento urbano da cidade datada de 1949 (Lei n°129). Em seguida, em 1962 (Lei n°907), criou-se um escritório técnico para a comissão do plano diretor com o intuito de desenvolver o primeiro plano diretor da cidade. Essa comissão tinha por objetivo coordenar o planejamento territorial do município.31

30 VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. Estúdio Nobel: São Paulo, 2001. 31 Idem

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Deste período em diante, a cidade se volta completamente para o transporte individual e a posse de um carro vira modelo de uma vida feliz e bem-sucedida. Santoro, Cymbalista e Nakashima, em análise do plano diretor de 2001, analisam resumidamente as principais leis urbanísticas e tentativas de planos diretores até a década de 1980.

Em 1964 [a cidade] elaborou um Plano Diretor, aprovado em 1966 (Lei Municipal no 1.438/66), complementado pelo Código de Obras (Lei Municipal no 1437/66), e Código de Zoneamento (Lei Municipal no 1541/68), com a delimitação de zonas de uso, cada uma delas acompanhada de uma lista de atividades permitidas e com uma considerável Zona de Expansão Urbana. Em 1971, foi aprovado o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado. Tratou-se de um plano principalmente de diretrizes: para compatibilizar o adensamento e disponibilidade de serviços públicos e equipamentos sociais; estímulo a concentração de atividades comerciais, de prestação, estímulos às atividades as atividades industriais, propostas de acessibilidade, melhoria do acesso ferroviário e rodoviário. Do ponto de vista dos instrumentos urbanísticos, o Plano reitera a validade das leis urbanísticas aprovadas até então. Em 1978, foi elaborado um novo Plano Diretor, que não foi aprovado. Sobre o Plano de 1978, Lucinda Prestes coloca que o Plano, elaborado pela equipe do escritório Jorge Wilheim, afirma a estrutura industrial, delimita áreas

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estritamente industriais e residenciais e reestrutura a malha viária, implantando vias marginais ao longo do rio (Prestes, 2001, p. 263). De acordo com os técnicos da Secretaria de Habitação, Urbanismo e do Meio Ambiente (SEHAU), em 1982 foi iniciado ainda um novo plano, que não foi apresentado à Câmara de Vereadores.32

Dentre as mudanças no centro da cidade influenciadas pelos planos diretores (neste caso o plano diretor de 1966) está o anel viário que o circunda, composto pelas avenidas Juscelino Kubistchek, Dr. Eugênio Salerno Afonso Vergueiro e Dom Aguirre. O comércio acaba se apropriando destes limites e, nas décadas seguintes, se expande para além dele. Ainda em decorrência dos planos diretores, no de 1978 a cidade incorpora as zonas industriais ao perímetro urbano. Estas zonas viriam a constituir grandes bairros habitacionais e muitas delas decorreram da influencia que a Rodovia Castelo Branco exercia na conexão com a capital do estado (os bairros Aparecidinha e Edén se enquadram neste contexto), bem como a Rodovia Raposo Tavares estimulou o crescimento de Votorantim, antigo bairro de Sorocaba e emancipada em 1965. As industrias, antes localizadas mais próximas ao centro de Sorocaba, nas proximidades da estação central ferroviária e também do leito do trem, no período após a década de 1970, mudam de lugar, passam a localizar-se próximas aos acessos às rodovias e não mais no entorno da ferrovia.33 32 CYMBALISTA, Renato, NAKASHIMA, Rosemeire & SANTORO, Paula Freire. Plano Diretor de Sorocaba: um olhar sobre os atores e a auto aplicabilidade dos instrumentos urbanísticos. Instituto Polis: São Paulo, 2005. 33 CELLI, Andressa. Evolução Urbana de Sorocaba. Dissertação de Mestrado. FAUUSP: São Paulo, 2012.

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Apesar do novo alinhamento das industrias frente as rodovias, industrias de pequeno porte se instalam na região noroeste, principalmente ao longo da Avenida Itavuvu, resultando no surgimento de diversos conjuntos habitacionais e posterior formação de bairros, como o Parque São Bento, Jardim São Guilherme e Jardim Santa Maria. Os bairros Habiteto (já instalado) e Jardim Carandá (ainda em construção) geraram discussão desde o momento de sua proposição. O primeiro resultou num desastre urbanístico e o segundo, ainda em fase consolidação, sofre as mais severas críticas de arquitetos e urbanistas da região. Voltaremos a questão habitacional na cidade mais a frente.

Após vinte anos sem revisões no Plano Diretor, e com a Constituição de 1988 se impondo, o município refaz sua Lei Orgânica em 1990 e entrega à Câmara Municipal um novo Plano Diretor no ano de 1991. Após o candidato do PSDB, Renato Amary, vencer as eleições municipais em 1996, ele dá início à elaboração de um novo Plano Diretor, o Plano Diretor Físico Territorial Municipal de Sorocaba (Lei n°7122/2004) (CYMBALISTA et al, 2005).

De uma forma geral, o Plano Diretor aponta a necessidade de delimitação de perímetros e de elaboração de novos planos setoriais, sobre os temas: Habitação de Interesse Social, estabelece um prazo de 24 meses para a elaboração de um Plano de Habitação e delimitação de ZEIS (segundo a consultoria, não havia informações suficientes para o desenvolvimento desse tema no Plano, apesar de ter havido pressões a respeito); Patrimônio Cultural Edificado e Áreas de Interesse Paisagístico e Ambiental, remete à delimitação de

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perímetros para o futuro, embora delimite e detalhe 01 perímetro (!), o Jardim Bandeirantes, objeto de emenda; Sistema Viário e de Transporte Coletivo, estabelece um prazo de 24 meses para a elaboração dos seguintes planos: Plano Integrado de Transporte Urbano, Plano Funcional dos Corredores de Tráfego e Transporte Coletivo, Plano Geral de Sinalização, Plano de Orientação de Tráfego; Saneamento e Drenagem, remete à revisão e complementação do Plano Diretor de Macrodrenagem vigente, sem prazo estabelecido em lei.34

Este Plano Diretor versa muito mais sobre a relação física e territorial do a propriedade e suas atividades do que as temáticas de inclusão social ou, minimamente que seja, sobre a democratização dos espaços públicos e incentivo ao desenvolvimento sustentável. O Plano Diretor de 2004 foi revisado no ano de 2014 e aprovado na Câmara Municipal em novembro do mesmo ano por 14 votos a favor e 6 contra. De maneira geral, a revisão não trás nada de novo para o antigo plano que já nasceu atrasado e sem as características necessárias para que este instrumento, de eficiência social intrinsicamente duvidosa, possa modificar a cidade de maneira a democratizar seus espaços, seus deslocamentos e o acesso a suas benesses. O direito a cidade mais uma vez foi colocado em segundo, ofuscado pela pressão de uma elite econômica de grande poder, a qual a ideia de cidade enquanto segregação espacial lhe é muito cara. Estes serão os motes dos próximos capítulos.

34 CYMBALISTA, Renato, NAKASHIMA, Rosemeire & SANTORO, PaulaFreire. Plano Diretor de Sorocaba: um olhar sobre os atores e a auto aplicabilidade dos instrumentos urbanísticos. Instituto Polis: São Paulo, 2005.

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O Espaรงo Intra-Urbanao

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O objeto de estudo deste trabalho é, num primeiro momento, muito claro: a cidade de Sorocaba, mais especificamente o seu espaço intra-urbano. Flávio Villaça, em sua importantíssima obra Espaço Intra-Urbano no Brasil aponta logo no começo o porquê da escolha deste termo e a escassa bibliografia que versa sobre ele. Villaça distingue espaço intra-urbano de espaço urbano por ser comum na literatura urbanística o emprego deste último termo em teses que discutem as dinâmicas e relações urbanas de uma área mais abrangente do que a contida dentro dos limites de uma cidade. É muito comum ler expressões como “o espaço urbano no Estado de São Paulo” da mesma maneira que é possível encontrar outras como “o espaço urbano na cidade de Porto Alegre”. Este dito “espaço urbano” seria então o que exatamente? Seria ele passível dos mesmos critérios de análise quando a Região Metropolitana do Rio de Janeiro é analisada dentro das trocas que a capital estabelece com cidades como Belford Roxo, Niterói e Duque de Caxias; a própria cidade do Rio de Janeira com suas trocas internas; o estado do Amazonas com sua dinâmica própria entre as cidades ribeirinhas e, por vezes, de difícil acesso? Seria Sorocaba, dentro dos limites de seu município, passível do mesmo tipo de análise desses grandes centros metropolitanos e áreas que compreendem um considerável número de cidades com diferentes tamanhos, populações e economias? Pensamos que não e Villaça parece corroborar esse pensamento. A diferença entre as dinâmicas que uma cidade gera internamente e os laços que mantem com municípios próximos, principalmente no caso de uma cidade como Sorocaba que acaba de ser transformada em polo central de um região metropolitana1 (discussão que fugi1 Rápida nota sobre a RMS. É formada por 26 municípios: Alambari, Alumínio, Araçariguama, Araçoiaba da Serra, Boituva, Capela do Alto, Cerquilho, Cesário Lange, Ibiúna, Iperó, Itu, Jumirim, Mairinque, Piedade, Pilar do Sul, Porto Feliz, Salto, Salto de Pirapora, São Miguel Arcanjo, São Roque, Sarapuí, Sorocaba, Tapiraí, Tatuí, Tietê, Votorantim. Segundo dados do IBGE 2010, ela

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ria do escopo deste trabalho), não podem e não devem ser ignorados em qualquer análise urbana, mas aqui elas ficarão apenas no horizonte, interessando-nos as relações econômicas e espaciais que acontecem dentro da cidade, naquilo que estamos denominando espaço intra-urbano. É importante que fique clara a vinculação das transformações sociais e econômicas ao espaço e as dinâmicas deste, pois não pretendemos separá-las como se o estudo da urbanização pudesse, de algum modo, ser considerado um assunto secundário ou produto secundário passivo em relação a mudanças sociais mais importantes e fundamentais (Harvey, 2001). Entretanto, o fazemos com a consciência de que o espaço urbano material não deve ser tomado como ente independente da conjuntura social na qual se encontra e da maneira como foi produzido, como nos adverte David Harvey.

[...]a reificação das cidades em combinação com a linguagem que considera processo urbano aspecto ativo em vez de passivo do desenvolvimento político -econômico impõe grandes riscos. Faz parecer como se as “cidades” pudessem ser agentes ativos quando são simples coisas. De modo mais apropriado, dever-se-ia considerar a urbanização um processo social espacialmente fundamentado, no qual um amplo leque de atores, com objetivos e compromissos diversos, interagem por meio de uma configuração específica de práticas espaciais entrelaçadas. Em uma sociedade vinculada por classes, como a sociedade capitalista, essas práticas espaciais adquirem um conteúdo de classe definido[...]2 possui 1.724.502 habitantes e Sorocaba é o município mais populoso, com 34% da população da RMS. Em 2011 seu PIB foi de 46,7 bilhões de reais, sendo que Sorocaba, maior PIB da região, contribuiu com 38%. 2 HARVEY, David. Do Administrativismo ao Empreededorismo: a transforma-

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A maneira como esses diversos atores atuam no espaço urbano (intra-urbano especificamente) transforma e provê as estruturas da cidade e a disputa de classe é tanto resultado como agente destas mudanças. O espaço intra-urbano, entendido enquanto produto da disputa de classes, enquanto produto socialmente produzido, emerge também, em momento concomitante, como fator de disputa pela hegemonia política da cidade. É o espaço intra-urbano não apenas como cenário, mas como fluxo de capital e objeto determinante da espacialização da sociedade e suas classes. A análise de suas infraestruturas e das trocas que nele acontecem pautam este capítulo.

[...] a estruturação do espaço intra -urbano é dominada pelo deslocamento do ser humano, enquanto portador da mercadoria força de trabalho ou enquanto consumidor (mais do que pelo deslocamento das mercadorias em geral ou do capital constante). [...] em qualquer ponto do espaço intra-urbano ou intrametropolitano, os custos da energia e das comunicações são iguais (ou apresentam diferenças desprezíveis, quando as têm), tornando esses espaços uniformes ou homogêneos do ponto de vista da disponibilidade de energia e das comunicações. Com os transportes, especialmente o de seres humanos, a questão é totalmente distinta. No tocante a eles, o espaço intra-urbano é altamente heterogêneo.3 ção da governança urbana no capitalismo tardio in A Produção Capitalista do Espaço. Annablume: São Paulo, 2005. Páginas 167 e 168. 3 VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. Studio Nobel: São Paulo, 1998. Página 21.

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São essas dinâmicas que permitem a diferenciação entre espaço intra-urbano e espaço regional, por exemplo. A maneira como as comunicações, o transporte e o fluxo de mercadorias acontecem nestes dois espaços correlatos, porém distintos, se dão de maneiras diferentes. Os deslocamentos de mercadorias e pessoas não são antagônicos. Eles se dão, entretanto, em dinâmicas complementares. Assim não excluindo um ao outro, mas, claramente, ocorrendo de forma particular em cada um desses espaços. O transporte, público ou privado-individual, é um exemplo de como o espaço intra-urbano e o espaço regional se diferenciam quanto às dinâmicas que apresentam. Um membro do proletariado em migração faz esta viagem, do Nordeste para o Sudeste ou do Norte do país para Brasília, por exemplo, uma única vez na vida (maioria dos casos), sempre a procura de melhores condições de vida, de um emprego com melhor pagamento. O proletário, nesse caso, se desloca seguindo o fluxo do capital. Se este se concentra na indústria automobilística do ABC paulista nas décadas de 1960 e 1970, então é natural que o trabalhador pobre do nordeste se desloque para sul em busca deste emprego ofertado, da mesma maneira que durante a construção de Brasília os vultuosos investimentos, ou seja, concentração de capital fluindo para o então novo Distrito Federal, atraiu diversos trabalhadores e trabalhadoras das regiões norte e nordeste do país, as quais possuíam naquela época uma economia muito menos vistosa do que a encontrada hoje. O diferencial de volume de capital em fluxo em São Paulo e Brasília contrastava fortemente com o volume de capital de estados como Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Amazonas e Pará, resultando em uma grande onda migratória4. Esta mesma onda diminui de maneira drástica quando esses estados citados passam se desenvolver de maneira intensa a partir dos anos 20005. Quando cidades 4 BONFIM, Maria G. et al. Século XX: 70 anos de migração interna no Brasil in Revista UFRR Textos & Debates n°07. UFRR: Roraima, 2004. 5 http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/08/numero-de-migrantes-cai-em14-anos-aponta-estudo-do-ipea.html [último acesso em 15/11/2015]

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como Recife, Pernambuco e Maceió passam a apresentar maior concentração de capital e, consequentemente, maio número de empregos, a migração se torna desnecessária. Uma vez estabelecido em um emprego, sem a necessidade de realizar migração, a luta do proletariado passa a ser outra, bem como suas exigências em relação ao espaço que habita.

No espaço urbano, para “seguir o capital”, o trabalhador exige transporte urbano de passageiros, ao mesmo tempo que é esmagado pela concorrência entre classes que disputam a melhor localização intra-urbana. [...] Em busca de um emprego, o trabalhador se move no espaço regional; ele muda, por exemplo, do Nordeste para São Paulo. Uma vez em São Paulo, ele luta não mais pela cidade do emprego – pois para isso ele veio para São Paulo -; luta por proximidade ao emprego, por redução do tempo e custo do deslocamento na viagem da residência ao trabalho. O primeiro caso – a busca da cidade do emprego - envolve movimentos espaciais que são feitos uma ou poucas vezes na vida. O segundo caso – a viagem da residência ao trabalho – envolve movimentos que se repetem diariamente, por anos e décadas, e que se ligam à reprodução do trabalhador.6

Quando na “cidade do emprego”, como denominou Villaça, o transporte assume um papel importantíssimo na vida dos trabalhadores e trabalhadoras. O deslocamento 6 Idem. Página 43 e 44.

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de passageiros e mercadorias no espaço intra-urbano cria localidades, segrega populações e estabelece padrões de viagem, tudo isto a partir da maneira como o capital, dentro dos limites da própria cidade, se concentra em certas localidades, resultando em segregação e diferentes níveis de qualidade das infraestruturas urbanas. São os fluxos de capital regendo a materialização ou a expressão física dos diferentes níveis de renda e resultando no deslocamento humano como forma estruturante da cidade David Harvey, lendo Marx, parte da proposição de que circulação de capital resulta em valor, enquanto trabalho de subsistência cria valor (Harvey, 2005). Essa proposição nos é muito cara ao tratar do espaço intra-urbano. O transporte é capaz de ser o responsável pela verdadeira ocupação de uma área. Enquanto não existem meios de se chegar até ela, a área irá permanecer no ostracismo. A região sul de Sorocaba é um excelente exemplo deste processo. Até o fim da década de 1980 ela se desenvolvia timidamente às margens do Centro. Entretanto, no ano de 1990 a rede de hipermercados Carrefour abre sua primeira filia na cidade no extremo da zona sul e, no ano seguinte, o Esplanada Shopping é construído associado fisicamente ao hipermercado, ambos na divisa entre Sorocaba e Votorantim (o pagamento de seus impostos foi por muito tempo disputado pelas duas municipalidades, sendo por fim acordado que o Carrefour pertence a Sorocaba e o Shopping a Votorantim). Havia então um espaço com pouquíssima ocupação entre a nascente região sul ainda ligada ao Centro e os dois grandes empreendimentos no extremo sul. Se a situação tivesse sido assim mantida, sem efetivo transporte até o hipermercado e o shopping, dificilmente a região teria atingido o nível de desenvolvimento e renda que hoje tem. Em meados da década de 1990, a área compreendida entre a primeira ocupação do que hoje é conhecido como Barrio Campolim e os dois empreendimentos já havia se tornado o metro quadrado mais caro da cidade, pois a

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força de atração do Esplanada Shopping e do Carrefour levou o poder público, pressionado, a criar, quase em caráter de urgência, linhas de ônibus e vias para automóveis individuais ligando o nascente bairro àquilo que foi seu maior chamariz de investimentos até o fim da década de 1990, contando hoje também com o hipermercado Extra, lojas de carros importados, diversas agências de bancos, restaurantes de alto padrão e lojas de decoração fina. Estes estabelecimentos de grande porte não poderiam sequer receber suas mercadorias de maneira eficiente se não houvesse infraestrutura de transporte que os ligassem aos grandes centros de distribuição (“A circulação possui dois aspectos: o movimento físico real de mercadorias do lugar de produção ao lugar de consumo, e o custo real ou implícito ligado ao tempo consumido e às mediações sociais [a cadeia de atacadistas, varejistas, operações bancárias, etc] necessárias para que a mercadoria produzida encontre seu usuário final.”7) Sem o transporte para conectar as duas regiões isoladas teria sido impossível o desenvolvimento daquele que é hoje o bairro mais rico da cidade. Ou seja, o transporte resultou em valor dentro do espaço intra-urbano ao desencadear uma de série transformações possibilitadas pelo seu próprio desenvolvimento enquanto infraestrutura intra-urbana.

O transporte de passageiros, entretanto, apresenta peculiaridades que não podem ser colocadas na mesma explicação do transporte de cargas e mercadorias.

[...] a estruturação do espaço intra -urbano é dominada pelo deslocamento do ser humano, enquanto portador da mercadoria força de trabalho ou enquanto consumidor (mais do que pelo deslocamento 7 HARVEY, David. A Geografia da Acumulação Capitalista in A Produção Capitalista do Espaço. Annablume: São Paulo, 2005. Página 47.

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das mercadorias em geral ou do capital constante). [...] em qualquer ponto do espaço intra-urbano ou intrametropolitano, os custos da energia e das comunicações são iguais (ou apresentam diferenças desprezíveis, quando as têm), tornando esses espaços uniformes ou homogêneos do ponto de vista da disponibilidade de energia e das comunicações. Com os transportes, especialmente o de seres humanos, a questão é totalmente distinta. No tocante a eles, o espaço intra-urbano é altamente heterogêneo.8

Continua Villaça mais a frente:

[...] devem ser destacados os deslocamentos espaciais de pessoas, já que são eles que caracterizam o espaço intra-urbano em oposição ao deslocamento de cargas. Por outro lado, dentre os deslocamentos de pessoas devem ser destacados os deslocamentos rotineiros, sistemáticos, diários ou quase diários, como aqueles entre residência e escola. [...] Considerados de forma relativa – nunca absoluta – esses fluxos permitem isolar as vinculações tipicamente intra-urbanas das demais.

8 VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. Studio Nobel: São Paulo, 1998. Página 15.

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Uma localidade não vale de nada se não houver acesso do público a ela, mesmo com completo abastecimento de mercadorias e cargas. Uma vez que um não é sinônimo do outro9 é necessário o provimento de ambos para que um lugar como os empreendimentos na região sul de Sorocaba obtenha sucesso. A acessibilidade é o valor de uso mais importante para a terra urbana e, considerando que cada diferente ponto da cidade possui diferente acessibilidade a outras partes da cidade (bem como a partir de outras partes), elas adquirem distintos valores de uso. Quanto maior for o tempo de trabalho social incorporado a um espaço maior será o seu valor de uso e, por consequência a sua centralidade, não necessariamente geográfica, mas relativa à sua importância econômica e social. Quando as centralidades da cidade de São Paulo começam seu deslocamento para a Avenida Paulista e, em seguida, para o eixo Avenida Berrini/Faria Lima, o Centro, antes centro geográfico, comercial e financeiro, passa a se desvalorizar, não por deficiência na acessibilidade, mas por ter sua importância econômica e social deslocada junto ao deslocamento das elites que antes nele viviam. Na cidade de Sorocaba, guardada as devidas e evidentes proporções, o processo de deslocamento das elites do Centro para a região sul resulta também no deslocamento dos investimentos e consequente abandono do Centro, o qual volta a ser valorizado nas últimas décadas, assim como o de São Paulo, com o retorno de algumas instituições que antes o haviam deixado e a valorização de suas habitações. No últimos anos um hipermercado Extra, um shopping de grandes proporções e a Quitanda Ikeda (uma quitanda de alta renda que antes existia apenas no bairro do Campolim, assim como o shopping e o hipermercado) se instalaram no 9 Uma linda ferroviária apenas de transporte mercantil pode, por exemplo, abastecer um centro de distribuição e se este não permitir a chegada do público até ele ou não tiver a possibilidade de escoar sua mercadoria para regiões de consumo então estará isolado geograficamente do mercado que pretende atender, resultando em insucesso comercial e completa desvalorização de sua localidade.

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Centro seguindo o fluxo de capital que volta a encontrar espaço nessa região. Em meados dos anos 1990 essas iniciativas não teriam acontecido e teria seguido o fluxo do capital para onde ele anteriormente apontava, assim como de fato. Um exemplo dos investimentos que deixaram a região central de Sorocaba na última década do século XX são os grandes empreendimentos no bairro do Campolim já citados anteriormente. Desta maneira podemos entender como o capital não é um objeto ou sequer é estagnado no tempo e no espaço, o capital

Marx nunca cansa de enfatizar – não é uma coisa ou um conjunto de instituições; o capital é um processo de circulação entre produção e realização. Esse processo deve expandir, acumular, reformar constantemente o processo de trabalho e os relacionamentos sociais na produção, assim como mudar constantemente as dimensões e as formas de circulação. 10

O estabelecimento dos empreendimentos da região sul de Sorocaba em tal localidade não foi, no entanto, um movimento arriscado e inseguro quanto ao provimento de infraestrutura viária para o devido funcionamento, o impulso que leva à produção de shoppings centers, hipermercados e cidades novas é a tentativa do capital de produzir e transformar as localizações em mercadorias (VILLAÇA, 2001). Se o espaço é um produto produzido pelo trabalho humano, pergunta-se: qual o produto desse trabalho? Essa é a pergunta colocada por Villaça quando do começo da 10 HARVEY, David. A Geografia da Acumulação Capitalista in A Produção Capitalista do Espaço. Annablume: São Paulo, 2005. Página 71.

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discussão do que ele chamará de terra-localização (Villaça, 2012). Ele mesmo responde: a resposta comum seria dizer que o produto deste trabalho são os edifícios, ruas, praças e etc., entretanto, a verdadeira resposta é a terra-localização.

Há consenso atualmente de que o espaço urbano é produzido – todo espaço social o é, mas vamos nos limitar ao espalho urbano. É produzido pelo trabalho social dispendido na produção de algo socialmente útil. Logo, esse trabalho produz um valor. Uma pergunta fundamental que poucos se fazem: qual é o produto desse trabalho? Há aí dois valores a considerar. O primeiro é o dos produtos em si – os edifícios, as ruas, as praças as infra-estruturas. O outro é o valor produzido pela aglomeração. Esse valor é dado pela localização dos edifícios, ruas e praças, pois é essa localização que os insere na aglomeração. A localização se apresenta assim como um valor de uso da terra – dos lotes, das ruas, das praças, das praias – valor que, no mercado, se traduz em preço da terra. Tal como qualquer valor, o da localização também é dado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, para produzir a cidade inteira da qual a localização é parte.11

11 VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. Studio Nobel: São Paulo, 1998. Página 72.

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Harvey desenvolve um conceito próximo com a renda monopolista, a qual se baseia no poder monopolista dos proprietários privados de uma certa porção de terra. Ele usa o exemplo contido em uma citação paradigmática de Marx onde o alemão expõe como um vinhedo capaz de produzir uvas, e consequentemente vinho, de alta qualidade terá elevado preço de aquisição por conta de sua característica única, a qual não pode ser encontrada em outro lugar. O geógrafo inglês também usa como exemplos uma cadeia hoteleira que procura se instalar próxima a um centro financeiro que irá oferecer o tipo de cliente que ela procura ou um capitalista comercial que procura o local ideal para se estabelecer, um local que possa prover infraestrutura de transportes, comunicação e etc. O capitalista comercial se o hoteleiro se disporiam a pagar um ágio pelo terreno, por causa de sua acessibilidade (Harvey, 2005). Quanto a eles Harvey comenta: Esses são casos indiretos de renda monopolista. Não se comercializa a terra, o recurso natural ou o local de qualidade singular, mas a mercadoria ou serviço produzido por meio do seu uso. No segundo caso, [a cadeia hoteleira] tira-se proveito diretamente da terra ou do recurso ( como quando as vinhas ou os terrenos imobiliários de primeira qualidade são vendidos para capitalistas e financistas multinacionais com fins especulativos). A escassez se cria pela retenção da terra ou do recurso para uso presente, especulando-se sobre valores futuros. A renda monopolista desse tipo pode ser estendida à propriedade de obras de arte (como um Rodin ou um Picasso), que podem ser, e são cada vez mais, compradas e vendidas como investimentos. É a singularidade do Picasso e do terreno que, nesse caso, formam a vase para o preço monopolista. 12 12 HARVEY, David. A Arte da Renda in A Produção Capitalista do Espaço.

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As grandes diferenças entre a renda monopolista de Harvey e a terra-localização de Villaça são duas. A primeira é como o valor é agregado à terra, ou melhor, à localização. Enquanto a vinha de Marx tem seu valor determinado por suas propriedades naturais, pela riqueza e complexidade de sabor que as características particulares do solo naquela porção de terra conferem às uvas ali produzidas e consequentemente ao vinho processado a partir delas, o quadro ou painel de Picasso (pensemos por exemplo no Guernica) possui valor artístico e histórico por uma série de elementos e conjunturas que podem envolver o gosto artístico de uma época, a representação de um evento marcante na história de uma nação, etc. Esse valores tornam a terra do vinhedo e o Guernica únicos no mundo, não podendo ser substituídos sem perder capital simbólico ou cultural e assim continuarão enquanto a terra da vinha não for exaurida e o painel permanecer conservado pelo Museu Reina Sofia e em suas viagens ao mundo. Já em um lote em meio urbano (e aqui a diferença entre terra urbana e rural é essencial pelo fato da terra-localização possui um aspecto de maior importância na primeira do que na última) o trabalho socialmente produzido é agregado através das infraestruturas que o atendem, da acessibilidade de sua localização para com os outros pontos da cidade (e vice-versa), a centralidade que gera e a centralidade que tudo construído através do trabalho socialmente produzido ao seu redor gera. Se olharmos novamente para o bairro do Campolim em Sorocaba podemos encontrar um exemplo disto. O proprietário de um terreno na parte mais valorizada do bairro pode tê-lo adquirido por um preço extremamente baixo no inicio da década de 1980, quem sabe o tenha feito para usar como pastagem para animais (até a década de 1970 haviam apenas chácaras e fazendas naquela região)ou outro propósito onde baixo investimento poderia ser aplicado. Se esse proprietário hipotético tivesse mantido a posse do terreno sem investimento algum e Annablume: São Paulo, 2005. Página 220.

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conseguido resistir à pressão da voraz indústria imobiliária, seu terreno teria passado a valer na década de 1990, após a construção do hipermercado e do shopping, dezenas de vezes o valor pelo qual ele o adquiriu. Nos dias atuais esse valor estaria ainda maior. Isto se deve não ao investimento do proprietário em acessibilidade, na construção de um edifício luxuoso ou mesmo de um planejamento financeiro cuidadoso, mas sim da infraestrutura de transportes, água, esgoto, eletricidade e etc. atraída para a localidade por grandes empreendimentos, redes famosas de fastfood, casas luxuosas ao redor e o deslocamento do centro financeiro da cidade para a região. O lote, ainda que vazio, absorve este trabalho socialmente produzido ao redor e eleva seu valor de uso e valor de troca. A segunda grande diferença é a maneira como o valor é extraído, como a terra-localização é utilizada para gerar renda. Voltando ao exemplo da vinha, o valor de uso é extraído através das uvas e do vinho que nela são produzidos. O Muscadet, um vinho branco leve, pertence a uma antiga casta de vinho da Borgonha, teve sua introdução feita pelos holandeses no vale de Loire na França e resultou em uma variação mais frutada e ligeiramente carbonatada pelas propriedades particulares que o solo francês daquela região oferece. Esta casta é cultivada em apenas 11.000ha, entre as extensões inferiores do rio e a costa atlântica, tornando únicos seus produtos finais13. Se um desastre ambiental eliminar as propriedades do solo a terra deixará de ter o valor anterior. Se sua localização for afastada de importantes localidades e infraestrutura ela provavelmente terá uma queda monumental em seu valor de uso. Já a obra de arte se destaca por ser única, por não haver um exemplar que a ela se igual. Uma cópia pode até ser feita com exatidão de detalhes, mas existe um capital simbólico na original que não pode ser substituído e é desse capital simbólico que o valor de troca é extraído 13 DOMINÉ, André. Vinhos. Tandem Verlag GmbH: Potsdam, 2008.

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por colecionadores de arte e investidores. O valor de uso e troca extraídos de um lote “comum” na cidade, entretanto, se constitui a partir de sua terra-localização assim como na agregação do valor já discutida anteriormente, a extração é feita a partir da centralidade, das infraestruturas que ela congrega e tem acesso. Uma filial do Carrefour no início da região norte de Sorocaba (como o Carrefour Chácara Sônia Maria, próximo a Avenida Ipanema), uma localidade em pleno crescimento e dotada de sólida rede de transportes, tem resultado diferente do que uma instalada no bairro Habiteto, localizado no extremo norte sorocabano com uma das piores médias de renda e infraestrutura da cidade toda. A renda extraída da localização dependerá de uma série de fatores externos ao próprio lote, ou seja, a terra-localização. Enquanto a infraestrutura urbana de transportes e demais serviços básicos não for melhorada em bairros como o Habiteto, eles continuarão segregados da malha urbana e, ainda que Sorocaba seja considerada livre de favelas, estes guetos permanecerão como não-cidade. A segregação, derivada da luta de classes, é uma característica extremamente marcante das cidades brasileiras, onde classes sociais distintas sãos segregadas em verdadeiros sítios sociais. A segregação é a espacialização definitiva do conflito de classes.

Tal como aqui entendida, a segregação é um processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros da metrópole.[...] O mais conhecido padrão de segregação da metrópole brasileira é o do centro x periferia. O primeiro, dotado da

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maioria dos serviços urbanos, públicos e privados, é ocupado pelas classes de mais alta renda. A segunda, subequipada e longínqua, é ocupada predominantemente pelos excluídos. O espaço atua como um mecanismo de exclusão.14

O que interessa de fato como dominação a partir da segregação é a hegemonia política da classe dominante. Uma vez que controlem o poder político a cidade está a sua mercê. Esta hegemonia se dá através da imposição de uma cultura um cultura, a qual vem de cima e é colocada pela classe política dominante aos dominados, os quais já se encontram e posição alienada. Marilena Chauí assim:

Um dos traços fundamentais da ideologia consiste, justamente, em tomar as ideias como independentes da realidade histórica e social, de modo a fazer com que tais ideias expliquem aquela realidade, quando na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as ideias elaboradas.15

A hegemonia político e ideológica permite que as elites mantenham as classes dominadas naquilo que consideram seu devido lugar. A sociedade é, assim, alheada do controle sobre seu espaço, ficando este reservado a elite dominante. Alienando os trabalhadores e trabalhadoras do produto de seu trabalho (lembrar: a terra-localização é o produto produzido pelo trabalho humano) as grandes 14 VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. Studio Nobel: São Paulo, 1998. Página 142 e 143. 15 CHAUÍ, Marilena. O Que é Ideologia. Editora Brasiliense: São Paulo, 2002.

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massas são segregadas com a conivência de um Estado que se diz não intervencionista. Este mesmo Estado, dominado pela elite e por seus interesses, age no sentido de reafirmar sua ideologia.16 O laissez-faire do tão enaltecido é também uma forma de regulação estatal introduzida e mantida por meios legislativos coercivos (Mori, 1999). O Estado de Elite não responde aos anseios coletivos da classe dominante, mas sim ao interesse individual de membros e grupos. Fazendo a diferenciação entre sociedade de elite e sociedade burguesa Clara Mori diz:

[...] uma das diferenças marcantes do Estado de elite, à diferença de um Estado burguês, é que suas ações não correspondem aos interesses coletivos da classe dominante: resultam de suas manipulações pelos membros individuais, ou pelos grupos de interesse diversos, integrantes daquela classe.17 16 “Originalmente, o Estado surgiu como estrutura necessária para evitar que as classes se devorassem entre si e devorassem a sociedade numa luta estéril, ou seja, como uma estrutura de contenção e de conservação dos limites da ordem. Sua eficiência em moderar o conflito de classes ocorreu justamente na legalização do domínio de uma delas sobre as outras através da organização da força, do uso da violência para reprimir as classes dominadas e exploradas. Simultaneamente, o Estado se transformou em uma estrutura que retirou dos setores dominados os meios para derrubar seus opressores e que garantiu a acumulação do s setores dominantes e os meios para manter o controle do poder. Lenin encontra em Engels a essência da avaliação que o pensamento marxista elabora até então a respeito do papel histórico do Estado, realizando a grande síntese: O Estado é o produto e a manifestação do caráter irreconciliável das contradições de classe. O Estado surge precisamente onde, quando e na medida em que as contradições de classe objetivamente não podem conciliadas. E inversamente: a existência do Estado prova que as contradições de classe são irreconciliáveis”. FICO, Carlos et al (org.). Repressão e Violência: segurança nacional e terror de Estado nas ditaduras latino-americanas in Ditadura e Democracia na América Latina: balanço histórico e perspectivas. FGV Editora: São Paulo, 2008. Páginas 151 e 152. 17 MORI, Klára K. in DEÁK, Csaba & SCHIFFER Sueli R. (org.) A Ideiologia na Constituição do Espaço Brasileiro in O Processo de Urbanização no Brasil.

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Villaça destaca que a questão da ideologia é mais impactante no espaço intra-urbano do que no espaço regional. Isto se deve ao poder de atuação concentrado que existe dentro dos limites do município. O espaço intra-urbano está sujeito aos planos diretores e zoneamentos desenvolvidos por seus governos de elite, os quais, desde a década de 1930

vem desenvolvendo no Brasil uma visão de mundo urbano segundo a qual os problemas que crescentemente se manifestam nas cidades são causados pelo seu crescimento caótico – sem planejamento - , e que um planejamento “integrado” ou “de conjunto”, segundo écnicas e métodos bem definidos, seria indispensável para solucioná-los. Essa é a essência da ideologia do planejamento que ainda perdura. [...] Tais ideias visam ocultar as verdadeiras origens daqueles problemas, assim como o fracasso daquelas classes e do Estado em resolvê-los. Com isso a dominação é facilitada.18 [grifo nosso]

A ideologia neoliberal e meritocrática com a qual convivemos, nos induzem a aceitar a ideia de que o as oportunidades são iguais parada todos, bastando o esforço individual para superar as adversidades, bem como o atual subdesenvolvimento seria uma etapa que antecederia o desenvolvimento de fato. Thoma Piketty já provou, em obra recente, EDUSP: São Paulo, 1999. Página 248. 18 VILLAÇA, Flávio in DEÁK, Csaba & SCHIFFER Sueli R. (org.) Uma Contribuição Para a História do Planejamento Urbano no Brasil in O Processo de Urbanização no Brasil. EDUSP: São Paulo, 1999. Página 183.

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que as grandes fortunas são, em sua esmagadora maioria, derivadas de heranças e não da construção de impérios a partir do esforço isolado de alguém notoriamente esforçado, fazendo cair por terra a ideia de que a empresa individual e o desenvolvimento econômica de cada núcleo familiar ou mesmo áreas inteiras compostas por habitantes de baixa renda depende exclusivamente de iniciativa particular frente às supostas oportunidades que são dadas.19 A falácia do determinismo econômico sobre a distribuição de renda é visível nas populações que habitam bairros precários. Empurrados para a periferia em oposição ao centro pela ideologia dominante, o valor de uso e de troca de suas terras são exíguos e a terra-localização um conceito que só pode denegri-las. As terras de um bairro como o extenso Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutério, o popular Habiteto, por exemplo, podem ser adquiridas por preços muito baixos quando comparadas aos poucos lotes vagos da região sul ou central de Sorocaba. Isto se dá devido ao Habiteto ser um bairro desvalorizado, dotado de precária infraestrutura e, quando da época de sua construção, longe das duas regiões sorocabanas que possuíam alta importância econômica, a região sul e a região central Hoje as conexões com essas áreas encontram melhores condições, mas ainda são prejudicadas pelas poucas linhas de transporte coletivo que atendem o bairro, bem como o precário sistema de transporte urbano coletivo saturado como um todo. 19 “A primeira [conclusão] é que se deve sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econômico quando o assunto é a distribuição de riqueza e da renda. A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos[...] A segunda conclusão, que constitui o cerne deste livro, é que a dinâmica da distribuição da riqueza revela uma engrenagem poderosa que ora tende para a convergência, ora para a divergência, e não há qualquer processo natural ou espontâneo para impedir que prevaleçam as forças desestabilizadoras, aquelas que promovem a desigualdade[...] Podemos também afirmar que, tal qual acontecia no passado, a desigualdade da riqueza ocorre, sobretudo, dentro de cada faixa etária, e veremos que a riqueza herdada é quase tão decisiva para o padrão de vida de uma pessoa no século XXI quanto era na época em que Balzac escreveu O pai Goriot.” PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Intrínseca: Rio de Janeiro, 2014.

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A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, a extensão do assalariamento, o acesso por ônibus à terra distante e barata da periferia, a industrialização dos materiais básicos de construção, somados à crise do aluguel e às frágeis políticas habitacionais do Estado, tornaram o trinômio loteamento popular/casa própria/autoconstrução a forma predominante de assentamento residencial da classe trabalhadora.20

Na verdade, Sorocaba apresenta pouquíssimas moradias autoconstruídas e foi considerada livre de favelas pelo IBGE 2010. Isso resultou da parceria da Prefeitura Municipal com a Caixa Federal por meio do Programa de Arrendamento Residencial em 1997, resultando no Projeto de Desfavelamento Municipal de Sorocaba.

O Projeto de Desfavelamento de Sorocaba, realizado pela prefeitura municipal no não de 1997, criado com o objetivo de retirar a população das favelas, áreas de risco e de inundações e remanejá-las para outro lugar. O deslocamento dessa população se dava para áreas distantes da região central, ou seja, na periferia da cidade que é a Zona Norte [sic]. Este Projeto resultou na construção do Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutério, mais conhecido como Habiteto, que se transformou num bairro popular com mais de 6.000 moradores.21 20 MAUTNER, Yvonne in DEÁK, Csaba & SCHIFFER Sueli R. (org.) A Periferia Como Fronteira de Expansão do Capital in O Processo de Urbanização no Brasil. EDUSP: São Paulo, 1999. Página 248. 21 BARROSO, Letícia & REZENDE, Vera Lucia F. Desenvolvimento e Segregação Socioespacial em Sorocaba. 3° Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono, 2015.

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O Habiteto é apenas um exemplo em uma cidade onde o déficit habitacional, segundo dados do IBGE 2000, é de 11.151 unidades, representando 8,25% do total de domicílios do município. A periferia da cidade não é esquecida e muito menos um acidente urbano. É sim uma parte integrante da cidade em enquanto mecanismo, mas não da cidade enquanto locus de sociabilidade, convivência, cultura e desenvolvimento da sociedade como um todo, privilegiando aqueles que fazem parte das camadas médias e altas.

[...] o Estado, com rara exceções, vê o crescimento periférico como um fenômeno “residual” do processo de industrialização e urbanização, sem jamais considera-lo como parte de um processo de produção de espaço, isentando-se assim de apresentar propostas de intervenção para incorporar a “cidade real” na “cidade legal”.22

O espaço intra-urbano, como vimos, é extremamente complexo e muitas análises e estudos ainda necessitam ser feitos para a total compreensão de sua dimensão, precariedade e virtudes na cidade de Sorocaba. A seguir analisaremos infraestruturas urbanas como rede de água, esgotos, coleta de livro e outros dados importantes, como renda média, densidade populacional e porcentagem de empregos presente em cada região da cidade. Pretendemos, assim, jogar uma mínima luz sobre um assunto ainda não estudado com a atenção que merece na cidade de Sorocaba. 22 MAUTNER, Yvonne in DEÁK, Csaba & SCHIFFER Sueli R. (org.) A Periferia Como Fronteira de Expansão do Capital in O Processo de Urbanização no Brasil. EDUSP: São Paulo, 1999. Página 253.

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Porém, antes faremos uma breve análise do centro da cidade de Sorocaba olhando para os caminhos que os tropeiros seguiam através dele durante o seculo XIX. Analisaremos seis dos principais caminhos que as tropas de muares percorriam, procurando, ao mesmo tempo, compreender as razões pelas quais os caminhos se modificaram ao longo do tempo e os reflexos desses itinerários e transformações que podemos enxergar na região central da cidade ainda nos dias de hoje.

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Carro de bois na Rua Doutor Álvaro Soares, antiga Rua do Hospital. Fotógrafo desconhecido, 1915. Acervo do Museu Histórico Sorocabano.

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Os itinerĂĄrios tropeiros e o desenho da regiĂŁo central

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A Coroa, vendo a maneira com a qual Sorocaba e seu comércio se desenvolviam, institui junto a Ponto do Rio Sorocaba algo como um pedágio, onde as tropas de muares, após a venda e compra dos animais, partiam rumo ao norte (em grande parte para Minas Gerais) pelo antigo caminho do Povoado de São Filipe e da Árvore Grande, pagando uma taxa neste local conhecido como Registro. A justificativa era a de que esta arrecadação serviria para a manutenção da infraestrutura das feiras, como reparos na ponte e melhorias no arruamento, mas, como já comentado no capítulo História de Sorocaba e Morfologia Urbana, parte do imposto era destinado ao Império e a reconstrução de Lisboa após o terremoto de 1755. Ao efetuarem as vendas, os vendedores das feiras de muares atravessavam o núcleo urbano da cidade de Sorocaba com seus animais e artigos trazidos para as transações comerciais. Este contingente de mercadorias, vivas ou não, exigia espaço para deslocamento e o traçado desta movimentação era feito mediante a avaliação de quais vias eram apropriadas para tal fluxo, não tanto em função de sua infraestrutura, mas muito em sobreaviso do obstáculo que os muitos comerciantes ambulantes da cidade representavam (Straforini, 2001). A câmara da cidade, concomitante às feiras de muares e com o objetivo de controlar de maneira mais rígida os impostos pagos pelos comerciantes, criou uma série de módulos comerciais nos quais os vendedores podiam se instalar, garantindo um mais fácil recolhimento de impostos. A Rua Maylasky, antiga Rua da Quitanda, via perpendicular à Rua São Bento e um dos limites da Praça Coronel Fernando Prestes, ainda preserva a tipologia de alguns desses pequenos edifícios. Desta maneira, o caminho que os tropeiros executavam, e principalmente as mudanças que faziam eu suas rotas em função do desenvolvimento do núcleo urbano e o deslocamento de suas áreas comerciais, são uma excelente maneira de apreender as mudanças na configuração da cidade e a progressiva consolidação das principais vias de seu centro.

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Nos mapas dos itinerários dos tropeiros, trazidos por Frioli (1983) através de Celli (2012), os quais representam os caminhos, e as mudanças nos mesmos, feitos pelos tropeiros ao longo do século XIX, é possível observar com nitidez a necessidade de deslocar as tropas sem passar por determinadas vias à medida que estas iam se estabelecendo como pontos de comércio não próprios para o trânsito de animais. Ruas como a Rua Barão do Rio Branco, antiga Rua do Comércio, eram famosas por concentrarem diversos tipos de vendas de primeira necessidade e artigos comerciais diversos. As ruas Francisco Scarpa e Padre Luís, ambas com uso comercial predominante e margeando o Mercadão, aparentemente apresentaram casas comerciais desde sua origem, tornando impossível a passagem das tropas por seu leito. Com certeza a presença de comércio não é o único fator a decidir o caminho dos muares, mas com certeza foram determinantes no direcionamento de seus fluxos. Os mapas de Frioli, devido à falta de definição com que foram reproduzidos na obra de Celli, foram refeitos sob os mesmos traçados dos originais e, logo em seguida a cada um destes mapas, uma base abarcando parte da região central de Sorocaba (este sem escala) marcada com os caminhos tropeiros indicados por Fiori aparece para auxiliar na leitura Os anos não são precisados por Celli ou mesmo por Friolli, mas os itinerários são apresentados neste trabalho em ordem cronológica e, ao lado dos mapas com o percurso executado pelos tropeiros, há um pequeno texto de análise, ressaltando suas principais mudanças em relação ao mapa anterior. Entretanto, no primeiro e no último itinerários mostrados um texto mais longo se presta a ressaltar, respectivamente, o caráter que o Centro atualmente assume e a maneira como a mudança de rumos das tropas ao longo do século XIX moldou-o como conhecemos hoje. O fluxo dos caminhos se dava, invariavelmente, de oeste para leste.

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1° Itinerário • Rua da Penha • Rua Professor Toledo • Rua Treze de Maio • Rua Miranda de Azevedo (Praça Carlos de Campos) • Rua São Bento • Rua XV de Novembro • Ponte do Rio Sorocaba • Avenida São Paulo

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Partindo da Praça Nove de Julho (conhecida até meados da década de 1850 como Largo do Portão de Ferro e por Largo da Independência após 1878), ponto tradicional de realização das feiras de muares, os feirantes atravessavam curto trecho da atual Avenida Moreira César para chegar até a Rua da Penha. A Praça Nove de Julho, hoje não mais um espaço unificado como outrora, pois cortada duas vezes pelos braços da Avenida General Carneiro (antigo caminho Peabirú e tradicional rota de passagem dos muares que vinham do sul, especialmente de Curitiba) vinda da zona sudoeste da cidade, um dando acesso à Avenida Eugênio Salerno e o outro à Avenida Moreira César, se estabelece como uma praça partida em três. Tomando o mesmo sentido das tropas, que dali, ponto de parada para os animais mais cansados repousarem após longas jornadas vindas dos caminhos do sudoeste e do sul do país, bem como para a realização de comércio, rumavam para o centro da cidade e para o Registro, observamos a porção esquerda da praça Esta forma uma espécie de micro-largo de passagem. Aos que sobem a Avenida Eugênio Salerno e pretendem seguir a pé pela Avenida General Carneiro, essa pequena área serve como maneira de evitar o ponto de ônibus por vezes completamente lotado (principalmente nos horários de pico) que se encontra na outra extremidade desta porção da Praça Nove de Julho. Um bar de esquina movimenta o pequeno largo, seja servindo os estudantes que frequentam a Escola Dr. Júlio Prestes de Albuquerque (localizada a 200 metros dali, na Avenida Eugênio Salerno) com salgadinhos e outras guloseimas à sombra das duas grandes falsa-seringueiras (Ficus elástica) que ali se encontram a dezenas de anos; seja servindo como posto de alimentação e encontro das prostitutas e travestis que adotaram o lugar como ponto de trabalho, se estendendo, a partir dali, por toda a Avenida General Carneiro.

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A porção central da Praça Nove de Julho é normalmente a mais deserta das três. Ali nada acontece na clareira pavimentada com bloco intertravados. Serve apenas como passagem entre a porção esquerda e a porção direita da praça. A construção que existe nela é um antigo ponto de bonde, datado de 1920. Desativado ainda no início da segundo metade do século passado, servia como abrigo a moradores e moradoras de rua até ser completamente fechado na gestão Renato Amary (1997-2004), aguardando um papel a desempenhar naquele espaço quase morto. Assim como a porção à esquerda, vida acontece também na porção à direita. O ponto de ônibus ali instalado, o qual recebe os passageiros vindos das regiões sudoeste e oestes em direção ao centro, faz frente a um pequeno estacionamento de bicicletas públicas (programa Integra Bike) e costas a um ponto de táxi. Não formando um pequeno largo como a porção esquerda, pois cercado por vias em todo seu perímetro, ainda assim oferece sombra e espaço a mais um bar de esquina (o qual exerce caráter semelhante ao da porção esquerda, mas não tão prático e íntimo, devido à separação da praça por uma pequena via). Ao lado do bar, frequentado pela “raia miúda” que ali desce e caminha em direção ao centro para usufruir de suas facilidades e pelas profissionais da noite, um condomínio de caráter neoclássico se impõe destoando de seu entorno. No cateto oposto à fachada deste edifício, a Casa das Mães e das Crianças de Sorocaba, importante instituição de proteção aos direitos maternais e infantis, ainda mantém o caráter da arquitetura da primeira metade do século anterior. A liberdade da balaustrada que corre o baixo muro da fachada e a vista que adentra seguindo o gramado do jardim frontal, sempre verdes sob os olhares dos taxistas do ponto logo em frente, contrasta com as grades de ferro colocadas em seus arcos avarandados. Os beirais de seus telhados ainda remetem ao das antigas casas coloniais.

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Tomando a rua à direita da praça, atravessamos um pequeno trecho da Avenida Moreira César e, com um movimento à esquerda, encontramos a Rua da Penha ao seguir um dos primeiros caminhos dos tropeiros no centro de Sorocaba, o qual permaneceria inalterado por anos até comerciantes ambulantes e movimentadas casas de comércio mudarem suas rotas devido ao grande fluxo de pedestres presentes nestas vias, o que poderia atrapalhar o fluxo dos muares. A Rua da Penha recebe grande fluxo de pedestres e suas calçadas bem pavimentadas correspondem a tal demanda. Todos os estabelecimentos comerciais, com pouquíssimas exceções, como o Hotel Ipanema (localizado no cruzamento com a Rua Professor Toledo) e os estacionamentos ali estabelecidos, possuem a fachada de seus edifícios em contato direto com a calçada. Esta proximidade com o transeunte resulta numa rua animada com lanchonetes, lojas de moda feminina, de moda alternativa, docerias e restaurantes. A fachada ativa coloca a transição entre espaço público e coletivo em cheque e torna a via propícia para a proliferação da vida urbana. A vegetação da rua é um tanto quanto escassa, sendo composta de arvoretas em decorrência da largura limitada das calçadas. Em seu lado esquerdo, em alguns trechos, é possível ver renques de palmeiras muito bem adaptadas às dimensões do lugar. Na gestão do prefeito Renato Amary, canteiros elevados foram colocados no lugar das antigas faixas brancas que proibiam os carros de serem ali estacionados. Devido à insistência dos motoristas em infringir esta regra, os canteiros foram colocados nessas áreas e nas quatro esquinas formadas pelo cruzamento com a Rua Dr. Arthur Gomes. A Rua da Penha é pontuada por alguns edifícios residenciais de elevada altura e outros menores com a mesma ocupação. Entre estes últimos é possível notar em alguns os resquícios da arquitetura feita na cidade nos anos 1930 e 1940, como pelas de vedação vasadas e colunas esbeltas.

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Acima: porção esquerda da Praça Nove de Julho. Fonte: foto do autor, 2015. Abaixo: porção central da Praça Nove de Julho. Fonte: foto do autor, 2015.

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Acima: porção direta da Praça Nove de Julho. Fonte: foto do autor, 2015. Abaixo: Rua da Penha. Fonte: foto do autor, 2015.

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Ao virar à direita na Rua Professor Toledo, notamos a mudança de caráter. Esta rua se inicia no lote ocupado pela Escola Estadual Antônio Padilha, a qual, depois de ocupar um edifício localizado entre as ruas do Theatro (atual Rua Brigadeiro Tobias) e das Flores (atual Rua Monsenhor João Soares) entre os anos de 1896 e 1905. Somente em 1910, após o antigo prédio apresentar problemas e a mudança para outro, próximo ao antigo, não ter sido bem sucedida a escola encontra o lugar que ocupa até hoje, o qual foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT) no ano de 1996.

Foi somente em 1910 que o Estado iniciou a construção do terceiro e definitivo prédio ocupado pela Antônio Padilha na Rua Cesário Motta. Sua entusiasmada inauguração foi feita com discursos, bandas, passeatas, fogos de artifícios e muito elogio. Ela foi recebida como a solução para todos os problemas e diziam que elas haveriam de “fazer da pátria brasileira a nação mais culta, mais admirada e invejada de todo mundo”. Agora em um prédio apropriado, o Grupo Escolar Antonio Padilha contava com o que era de mais rico e inovador no que diz respeito à estrutura, mobiliário e materiais para o ensino.1

Entretanto, o caminho das tropas não seguia adiante nesta rua. Virava à esquerda, pegando a Rua Treze de Maio, uma via estreita que se inicia numa bela casa de es1 SILVA, Leandro Nunes da. Grupo Escola Antônio Padilha: sua historiografia através de seus arquivo. Revista HISTEDBR On-line, n°23, 2006.

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quina com cobogós e azulejos antigos e segue repleta de edifícios de dois pavimentos até encontrar um estacionamento, o qual antecede a chegada à Praça Carlos de Campos, um ponto de antiga parada das tropas. Localizada na Rua Miranda de Azevedo (rua que já atendeu pelos nomes de Rua São Bento, Rua do “Z” e Rua de Santa Gertrudes em meados do século XIX) esta praça apresenta atualmente pouca arborização, sete bancos públicos e um cavalete do programa Integra Bike. Um grande quiosque aguarda o interesse de algum comerciante que queira tirar proveito de sua localização, mas permanece abandonado há alguns anos. Em termos gerais a praça é pouco convidativa, pois não oferece sombra à maioria dos bancos e os poucos usuários que a frequentam, na maioria das vezes trabalhadores e trabalhadoras das redondezas em seus horários de descanso, procuram as pequenas sombras oferecidas pelo quiosque desativado, se espremendo para nelas permanecerem enquanto o sol muda de posição. Esta árida praça não é mais do que um espaço de passagem entre o Banco Bradesco, que fica em um de seus limites, e o Largo do Mosteiro de São Bento, separado da praça pela nascente da Rua Cesário Mota, a qual proporciona suas únicas e pequenas aglomerações enquanto pessoas esperam para utilizar a faixa de pedestres e realizar a travessia. Seguindo em frente, as tropas passavam ao largo do Mosteiro de São Bento e da Igreja de Santa Ana, os mais antigos edifícios da cidade. O largo é hoje um lugar de passagem de pedestres sem muitos atrativos para permanência, principalmente com a igreja, o mosteiro e o museu (antigo edifício do sétimo batalhão da Polícia Militar do Interior), que fazem parte do complexo de edifícios, fechados para visitação em consequência da atual restauração. Em seguida entrava-se na Rua São Bento, a antiga Rua da Ponte. Esta rua, por muito tempo a principal e mais movimentada rua da cidade, leva direto para a ponte do Rio

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Sorocaba, onde antes se instalara o registro dos animais, passagem certa para aqueles que conduziam as tropas. Também conhecida por alguns sorocabanos como “Rua dos Bancos”, devido as nove agências bancárias que existem desde seu começo até o fim da Rua XV de Novembro (a mudança de nome ocorre na curva poeticamente acentuada que a rua apresenta aproximadamente na metade de seu percurso, seguindo o traçado original do caminho dos índios, o Peabirú), esta rua merece atenção especial e análise mais detida devido a importância de seus edifícios e do vibrante espaço urbano que é. Em 30 de setembro de 1961 é aprovada a Lei 837/612, a qual dispõe sobre a instituição da comissão do plano diretor do município, a qual deveria contar de 11 a 15 membros nomeados pelo prefeito e indicados pelas entidades de classe e associações cívicas. No ano seguinte

o governo municipal contrata a empresa técnica multidisciplinar Sagmacs (composta por economistas, geógrafos e outros profissionais) para a execução de um levantamento sobre as condições urbanas da época, que serviria de ferramenta para a criação de um Plano Piloto de Desenvolvimento do Município. Para sua elaboração contratou-se o escritório do arquiteto Milton Carlos Ghiraldini (19241976), de ampla experiência em questões urbanísticas [...]3 2 http://camara-municipal-da-sorocaba.jusbrasil.com.br/legislacao/548457/ lei-837-61 [útlimo acesso em 12/11/2015] 3 MESTRE, João L. B. Arquitetura Moderna em Sorocaba: décadas de 50, 60 e 70. Dissertação de mestrado, FAUUSP: São Paulo, 2014. Página 74.

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Ghiraldini havia concorrido no concurso de Brasília (ficando em quinto lugar) e lecionado na Universidade Brás Cubas, FAUUSP e Mackenzie. Anos mais tarde viria a desenvolver o plano diretor da cidade de Votorantim quando esta se emancipou de Sorocaba. Uma de suas primeiras medidas na redação do Plano Diretor de Sorocaba foi o estabelecimento de um perímetro urbano de 4.170 hectares, visando densidade urbana de 95 habitantes por hectare no ano de 1990. Seu planejamento urbano era claramente influenciado pelo urbanismo moderno e a cidade foi dividida em zonas com diferentes funções. A própria região central sofreu influencia deste tipo de urbanismo ao ser contida por um sistema de anéis viários. Mestre ainda relata a preocupação com as barreiras urbanas, instalando uma via de circulação rápida na marginal do rio e prevendo o deslocamento da linha férrea para fora dos limites da cidade, medida esta que nunca foi executada. Seu plano também contemplaria a região central que, mesmo tendo mantido suas características originais de área predominantemente comercial e administrativa, rapidamente se transformava.

Passando inicialmente por construções de feições ecléticas e Art-Déco [...], o Centro adotará o moderno no processo de verticalização de sua segunda reconstrução, concentrando assim, quase que na totalidade, os grandes arranha-céus da cidade no período. Altos edifícios de concreto, comerciais ou residenciais – plenamente alinhados técnica e formalmente aos principais exemplares do movimento no país – agora conformando os largos e antigas paradas das tropas, e conferindo ao Centro um caráter visual modernista e representativo do progresso econômico da cidade na época.4 4 Idem. Página 78.

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Este crescimento acelerado da região central, bem como sua verticalização, foi alvo da atenção do Plano Ghiraldini. Duas leis, uma de 1963 e outra de 1964, foram importantes na constituição da feição atual dos edifícios que hoje podemos ver na Rua São Bento. A Lei 1147/63 estabelecia condições de utilização para lotes situados na zona comercial do Centro, estabelecendo assim coeficiente de aproveitamento 7 para as construções comerciais e 5 para as residenciais, bem como taxa de ocupação de 0.8 e 0.7, respectivamente. Resultado disto é a alta densidade da ocupação dos edifícios no Centro, mesmo com atual densidade populacional baixa. Já no ano de 1964 foi aprovada a lei 1213/64, a qual estabelecia a obrigatoriedade de galerias no pavimento térreo de diversas ruas. As novas construções nas ruas Monsenhor João Soares, Brigadeiro Tobias, Padre Luís, Penha, São Bento e XV de Novembro deveriam ter galerias com, no mínimo,s 5 metros de largura e 4 de altura. O segundo pavimento deveria avançar sobre a calçada, criando assim a galeria. O edifício do Banco Bradesco, antigo Banco Mercantil, na esquina pela Rua São Bento e a Rua Santa Clara, tendo os seus cálculos estruturais e coautoria dos projetos feitos por Eraldo Couto Campelo, engenheiro de Recife que trabalhou em diversas obras na cidade com o arquiteto Décio Tozzi, é um exemplo muito claro dos efeitos que está lei tiveram. Sua calçada se mescla com a generosa marquise criando um ambiente sombreando e protegido das intempéries, refugio de muitos transeuntes durante as chuvas de verão que deixam os lisos pisos do Centro de Sorocaba ainda mais escorregadios. Como dito anteriormente, não pretendemos focar este trabalho na análise dos planos diretores, mas este primeiro, de 1964, resultou em intensa transformação no espaço da região central da cidade, fazendo válida uma longa citação de Ghiradini em artigo publicado na Revista Acrópole n°312, de 1964. Ele fala sobre as leis 1147/63 e 1213/64 e a resistência de parte da Câmara em aprová-las.

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Acima: galeria do edifício Banco Bradesco na Rua São Bento. Fonte: foto do autor, 2015. Abaixo: galeria dos edifícios N. S. da Ponte e S. Clara. Fonte: foto do autor, 2015.

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O conteúdo das leis citadas evidencia o cuidado verificado quando da sua formulação, porém torna-se necessário estabelecer que a proposição foi oferecida em termos muito mais restritivos. A discussão em torno dos índices propostos (mais baixos do que os aprovados) assumiu caráter de verdadeira polêmica ficando na ordem do dia durante alguns meses. Houve mesmo quem afirmasse que nosso objetivo era impedir o desenvolvimento da cidade, refreando a livre iniciativa a ponto de provocar paralização total do mercado imobiliário. Haveria fuga dos investidores a procura de aplicações mais rendosas em outras cidades. Seria o caos. A responsabilidade do urbanista era muito grande, mormente quando certificou-se de que nas condições propostas o projeto não mereceria aprovação. Apesar dos conflitos de opiniões encarávamos de forma normal, porquanto não poderia ser diferente daquela verificada em São Paulo (guardadas as respectivas proporções) por ocasião da aprovação da lei 5261 [responsável por estabelecer coeficiente de aproveitamento de lotes, densidade demográfica, área mínima de lote por habitação e outras disposições]. Procedemos à revisão do conteúdo da proposta e (embora com relutância) elaboramos nova redação conservando o mesmo espírito original. Fomos vencidos na batalha das ideias, porém, à vista da materialização pela primeira vez, dos princípios contidos na lei 1147/63, não nos abatemos em

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vão, pois o ocorrido ensejou conclusões, hoje amplamente apoiada por parte daqueles que contrariavam nosso pensamento. [...] Contrariando o pensamento dos céticos que combatiam toda e qualquer legislação que viesse impor maior disciplina às construções na zona central da cidade, com as costumeiras alegações de que as mesmas se constituiriam numa barreira ao progresso, constata-se hoje em dia um grande número de lançamentos. Convém frisar que todos os novos empreendimentos, sob o aspecto comercial, representam autentico sucesso de vendagem5

Vemos assim que não era o desejo primeiro de Ghiraldini que o centro possuísse taxa de ocupação e coeficiente de aproveitamento tão alto, tendo sido vencido por aqueles que temiam fuga do comércio e dos investimentos mediante menor densidade. Porém, a questão das galerias colocada por Ghiraldini e sua equipe vingou e os projetos foram aprovados, como atesta o já citado edifício do Banco Bradesco. De frente para o edifício do Banco Bradesco nasce a Rua Padre Luís. Esta forma duas esquinas com a Rua São Bento e em cada uma delas apresenta edifícios de especial interesse. Um deles é o Edifício dos Correios. Construído em 1938, ele possui caracterização no estilo Art Déco e elementos náuticos em sua fachada, lembrando a estrutura de grandes barcos e cargueiros. Na outra esquina se encontram os edifícios Nossa Senhora da Ponte e o Conjunto Santa Clara, construídos sobre o terreno antes ocupado pelo Convento Santa Clara, agora demolido. O primeiro foi construído em 1965 e se eleva 13 pavimentos acima de seu pavimento térreo. Uma rígida malha de co5 GHIRALDINI, Milton C. Urbanismo em Sorocaba in Revista Acrópole n°312. FAUUSP: São Paulo, 1964.

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lunas determina o formato quadrado de cada um dos andares, os quais abrigam 5 lojas e 104 salas para escritórios. Sua projeção sobre a frente do salão cumpre a risca a lei das galerias, recuando sua testada orientada para a Rua Padre Luís, criando uma galeria coberta de cinco metros de largura no passeio público, marcado pela sequência de cinco pilares retangulares revestidos de granito preto, além de um pergolado metálico marcando o acesso à torre6. Ao seu lado é executado, no ano de 1963, com projeto feito também por José Ruy Ribeiro, o Conjunto Santa Clara. Este icônico edifício da cidade de Sorocaba já estava sendo concebido durante a discussão do primeiro Plano Diretor e das galerias, sendo que, mesmo sem a lei de 1964 ter sido ainda aprovada, estas diretrizes foram levadas a cabo em sua construção. O conjunto é um empreendimento misto, possuindo uma galeria comercial estabelecida em platos que atravessa todo o quarteirão através do pavimento térreo (fruto da disposição longitudinal do terreno no qual está implantado), lojas no segundo pavimento (somando assim 45 módulos comerciais), que podem ser acessadas por dentro da passagem, e pavimentos residenciais acima. Sua fachada principal se encontra na Rua Padre Luís, entretanto, a conexão feita pela galeria interna (não confundir com a galeria que o segundo pavimento forma sobre a calçada) liga esta última à Rua Saker Neto, a qual é uma rua planejada fruto do Plano Ghiraldini como se verá na imagem da página 160. Milton Ghiraldini, em seu artigo publicado na Revista Acrópole n°312, critica a aglomeração dos edifícios Nossa Senhora da Ponte (em fase final de implantação na época em que o artigo foi escrito), Conjunto Santa Clara e São Bento (construído em 1964 e localizado na esquina formada pelas ruas São Bento e Saker Neto). Ghiraldini aponta a falta de unidade aparente, falta de integração 6 MESTRE, João L. B. Arquitetura Moderna em Sorocaba: décadas de 50, 60 e 70. Dissertação de mestrado, FAUUSP: São Paulo, 2014. Página 153.

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Acima: Galeria Santa Clara vista da Rua Saker Neto. Fonte: foto do autor, 2015. Abaixo: sequĂŞncia da galeria dos edifĂ­cios N. S. da Ponte e S. Clara. Fonte: fotos do autor, 2015.

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Acima: planta sem escala do conjunto de edifícios formados na esquina das ruas Padre Luís e São Bento. Fonte: Revista Acrópole, 1964. Sob esta legenda: maquete do conjunto de edifícios formados na esquina das ruas Padre Luís e São Bento. Fonte: Revista Acrópole, 1964.

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entre os blocos e consequências para a paisagem urbana frutos de três encomendas diferentes em épocas distintas sem real planejamento. De maneira geral ele temia que a profusão de grandes empreendimentos na região central pudesse fazer com os mesmos fossem deficientes em insolação e ventilação natural, acarretando também problemas de insuficiência de infraestrutura para atender uma região com tão alta densidade populacional. Esta última observação nos chama atenção, pois, como veremos na análise dos mapas de infraestrutura da cidade de Sorocaba mais a frente, a região central é a região com mais baixa densidade populacional atualmente, ilustrando assim o processo de esvaziamento habitacional pelo qual o Centro passa desde meados da década de 1960 quando da crítica de Ghiraldini para com os três edifícios. A nosso ver a falta de unidade visual comentada pelo autor talvez exista de fato, mas apenas quando as torres são detidamente observadas. As lojas que se iniciam na mesma calçada do Edifício São Bento, se juntam aos estabelecimentos comerciais pertencentes ao Edifício Nossa Senhora da Ponte e continuam no Conjunto Santa Clara ao virar a esquina formam uma unidade compacta e de qualidade urbanística ainda rara na cidade, atraindo grande movimento por conta de seu comércio e pelas suas características de inserção urbana. Mestre parece corroborar nossa opinião.

Ghiraldini temia que a ampla repetição de empreendimentos dessa natureza fatalmente resultasse em uma concentração maciça de construções no centro [...] De fato, muitos outros empreendimentos como esses surgiram – muitos dos quais de grande importância para o desenvolvimento da arquitetura moderna em Sorocaba – criando trechos não contínuos de alta densidade construtiva, mas não ge-

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rando, felizmente, o cenário mais pessimista que viria da aplicação generalizada de tal lógica projetual. Tais trechos, entretanto, apesar do atual estado de degradação física, representam hoje verdadeiros depositários da arquitetura moderna de Sorocaba, conformando espaços de notável beleza, pela justaposição de altos edifícios que balizam importantes vias comerciais e largos de valor histórico.7

Continuando o antigo caminho das tropas, a Praça da Matriz, atualmente conhecida como Praça Coronel Fernando Prestes, surge como um quadrilátero irregular cercada por edifícios em três de suas faces, com vias de escoamento em cada uma delas e completamente aberta em sua face da Rua São Bento. O destaque da catedral é absoluto por sua beleza e imponência, edifício já tratado em capítulo anterior, mas outros interessantes prédios também compõem a paisagem, como a Caixa Econômica do Estado, o Circolo Italiano, o Edifício Paula Simone e o Sophia Cheda. Este último, localizado entre a praça e o início da Rua Dr. Braguinha, segue rigidamente a lei das galerias de Ghiraldini, liberando grande espaço para a calçada que se integra à rua exclusiva para pedestres, uma da mais movimentadas de Sorocaba em termos de comércio, principalmente de roupas e calçados. A Praça Coronel Fernando Prestes e as ruas de pedestre diretamente ligadas a ela estão sempre ocupadas, seja por pessoas usufruindo do comércio da região, seja por pessoas sentadas nos inúmeros bancos, pelas prostitutas que ali fazem ponto, artistas em performance, clientes de jogo do bicho, pregadores da Bíblia ou barracas com pequenas feiras pontuais. 7 Idem. Página 82.

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Acima: Praça Coronel Fernando Prestes e intenso movimento. Fonte: foto do autor, 2015. Abaixo: sequência da Rua Dr. Braguinha. Fonte: fotos do autor, 2015.

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Acima: Rua Barão do Rio Branco. Fotógrafo desconhecido, cerca de 1930. Fonte: coleção Adolfo Frioli Abaixo: Rua São Bento vista do ponto onde se torna XV de Novembro. Fonte: fotos do autor, 2015.

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Ao descer a Rua São Bento, encontramos na sua inflexão, onde se torna XV de Novembro, a Rua Barão do Rio Branco. Rua tipicamente comercial, sempre possuiu boa largura e tratamento viário, mas nunca foi caminho das tropas (assim como as ruas Padre Luís e Francisco Scarpa), provando que o comércio representava uma forte barreira para a passagem dos muares. Ao adentrarmos a Rua XV de Novembro, notamos seis agências bancárias muito próximas e uma série de edifícios que alternam entre aqueles que foram construídos segundo a lei de galerias e outros, anteriores ao seu estabelecimento ou posteriores a sua invalidação, de fachada rente à calçada, criando assim galerias completamente descontínuas e segmentadas, incapazes de criar um fluxo contínuo ao longo da passagem de pedestres ou mesmo contribuir para a qualidade urbana da via. Mais abaixo, à esquerda, antes de atingir a marginal e, consequentemente, a ponte sobre o Rio Sorocaba, observa-se a Praça Dr. Arthur Fajardo, popularmente conhecida como Praça do Canhão devido aos dois antigos e desativados canhões presentes nela, os quais foram fundidos na Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema. A praça era, durante o período em que o tropeirismo vigorou, utilizada pelas tropas como última parada para organização antes da travessia da ponte. Depois de atravessa-la e pagar o “pedágio” existente no Registro de Animais os muares seguiam pelo antigo caminho do Peabirú (antiga Rua de São Paulo e atual Avenida São Paulo), passando pelo atual bairro da Árvore Grande e rumando a São Paulo e para as Minas Gerais.

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Acima: Praรงa Arthur Fajardo (Praรงa do Canhรฃo). Fonte: foto do autor, 2015.

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Acima: Praรงa Arthur Fajardo (Praรงa do Canhรฃo). Fonte: foto do autor, 2015.

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2° Itinerário • Rua da Penha • Rua Monsenhor João Soares (Praça Dr. Frei Baraúna) • Rua Souza Pereira (Praça Dr. Arthur Fajardo) • Ponte do Rio Sorocaba (antiga Ponte do Registro) • Avenida São Paulo

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Este segundo itinerário inicia-se da mesma maneira que o primeiro, na Praça Nove de Julho, e segue pela Rua da Penha. Entretanto, ao invés de virar à direita nesta última rua citada e rumar para a Rua São Bento, passando pela Praça Carlos de Campos, os tropeiros passaram a seguir reto na Rua da Penha quase até o fim do seu desenho atual. Esta mudança provavelmente se deu em razão da evolução do comércio na Rua São Bento, o qual atraia cada vez mais pessoas para seu leito, atrapalhando assim o fluxo dos muares que ali passavam. A parte baixa da Rua da Penha não apresenta nos dias atuais um comércio tão vigoroso quando a Alta Penha, próxima da Praça Coronel Fernando Prestes e à Avenida Moreira César. A qualidade das calçadas e mesmo das mercadorias cai conforme a cota de nível também cai. O número de moradias, principalmente de edifícios habitacionais é exponencialmente menor. As moradias presentes na Alta Penha possuem, em sua maioria, elevado nível de renda (como é o perfil geral dos habitantes do Centro). Desta maneira, quando não existem moradores para exigir melhorias a infraestrutura urbana, a qualidade dos serviços oferecidos também cai e um processo costumeiramente chamado de “degradação da área central” tem início. A habitação é presente e em alta densidade é fator essencial para a manutenção da vida de um centro urbano. Ao descer pela Rua da Penha, com comércio ainda incipiente, as tropas viravam à direita na antiga Rua das Flores (atual Rua Monsenhor João Soares). Ao fim dela encontra-se o Largo do Rosário, atualmente conhecida como Praça Dr. Ferreira Braga, nome dado em homenagem ao advogado também conhecido como Dr. Braguinha. Passando pela via mais larga das que são perímetro da praça, a Rua Souza Pereira, uma rua com algumas casas de comércio e serviço e um grande estacionamento particular, chega-se por fim ao final da Rua VX de Novembro e, consequentemente, à ponte do Registro.

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3° Itinerário • Rua da Penha • Rua Coronel Benedito Pire • Rua Doutor Álvaro Soares • Rua Dom Antônio de Alvarenga • Rua Monsenhor João Soares • Rua Souza Pereira • Rua XV de Novembro • Ponte do Rio Sorocaba • Avenida São Paulo

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Todos os itinerários aqui apresentados começam e terminam no mesmo lugar: as tropas vêm pela atual Avenida General Carneiro, um antigo caminha indígena, fazem sua primeira parada na Praça Nove de Julho e, ao fim da jornada, chegam até a parte final da Rua XV de Novembro para ter acesso à ponte do Rio Sorocaba e ao Registro de Animais, obrigatório para as tropas de muares. As mudanças ocorridas entre um itinerário e outro foram dentro do espaço que hoje conhecemos como Centro. As alterações entre este itinerário e o último ocorrem apenas em dada altura da Rua da Penha. Ao invés de continuar até seu fim, eles tomava a esquerda na Rua Coronel Benedito Pires, atualmente uma rua exclusiva para pedestres com vigoroso comércio popular. Virando logo em seguida à direita, na Rua Dr. Álvaro Soares, antiga Rua do Hospital, hoje em dia dotada de grandes lojas de venda de mobília e aparelhos eletrodomésticos, seguiam por duas quadras até fazer mais uma curva à direita para pegar a Rua Dom Antônio Alvarenga e em segunda a Monsenhor João Soares, realizando daí em diante o mesmo caminho do itinerário dois. Podemos notar que o desvio de rota tem como único objetivo evitar um trecho de duas quadras da Rua da Penha. Não foi possível localizar nenhuma informação se nesse período houve algum fator particular que levasse a esta atitude. Podemos especular, entretanto, que o comércio tenha se tornado especialmente fecundo nesse trecho. A casa do Brigadeiro Tobias de Aguiar, importante personagem da Revolução Liberal de 1842, se encontrava próxima, sugerindo que os habitantes da região poderiam também ser abastados como a família do Brigadeiro, o que talvez levasse ao desenvolvimento de serviços e atividades comerciais finas nos arredores. Fato é que este trecho não seria mais trilhado pelas tropas, assim como toda a Rua da Penha futuramente.

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4° Itinerário • Rua da Penha • Rua Coronel Benedito Pires • Rua Dr. Álvaro Soares • Rua Souza Pereira • Rua XV de Novembro • Ponte do Rio Sorocaba • Avenida São Paulo

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O itinerário 4 aconteceu exatamente como o terceiro itinerário, mudando apenas na Rua Dr. Álvaro Sores, onde, dessa vez, segue até o seu fim e atinge a Rua Souza Pereira em seu inicio. Descendo-a, os muares passavam pela Praça Dr. Ferreira Braga e, logo em seguida, pela Praça Dr. Arthur Fajardo, popularmente conhecida como Praça do Canhão. Os dois canhões presentes na praça foram colocados ali por ordem do Brigadeiro Tobias de Aguiar durante a Revolução Liberal de 1842, possuindo atualmente um monumento ao Brigadeiro e à Revolução. A residência do Brigadeiro ficava em uma rua próxima, uma travessa da Rua São Bento que hoje leva seu nome e onde, até 1981, funcionou a Prefeitura Municipal antes de ser transferida para o Palácio dos Tropeiros, na região norte da cidade. Na época de sua transferência ainda uma região pouco habitada, a região começou a apresentar significativa densidade apenas nos últimos quinze anos. Se compararmos ao itinerário anterior, observamos que a Rua da Penha foi novamente evitada em seu trecho final, até mesmo um cruzamento com ela. Isto reforça ainda mais nossa tese de que o comércio que ela apresentava nessa época já era muito consistente. Seu nome possui duas histórias distintas de como recebeu tal alcunha. Uma diz que existia uma capela dedicada a Nossa Senhora da Penha nas proximidades. A outra conta que uma pessoa de sobrenome De La Penha vivia na rua e, devido a seu prestígio, a própria rua acabou por adotar este nome. O possível prestígio de alguém vivendo nesta rua é mais um indício de que ela passava por transformações e não mais permitia a passagem das tropas. Os muares não passavam em ruas nobres como a Brigadeiro Tobias, onde morava o próprio Brigadeiro, e a Rua São Bento, em crescente desenvolvimento e atração de habitantes de poder econômico e político, seguia o mesmo caminho.

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5°Itinerário • Rua Sete de Setembro • Rua Dr. Álvaro Soares • Rua Dr. Paula Souza • Ponte do Rio Sorocaba • Avenida São Paulo

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A importância da Rua da Penha parece ter continuado a crescer em nível exponencial, seja pelo ser comércio ou por seus habitantes. O quinto itinerário, ao contrário de todos os outros apresentados até o presente momento, não tem sequer um único trecho da Rua da Penha. Ao sair da Praça Nove de Julho, as tropas não andavam pela Avenida Moreira César, elas apenas a cruzavam de modo a chegar à atual Rua Sete de Setembro. Hoje em dia ela é conhecida pelas numerosas concessionárias automobilísticas que ali existem, principalmente após a depressão inicial que enfrenta. Lucinda Ferreira Prestes, em sua tese de doutorado Sorocaba, o Tempo e o Espaço nos Séculos XVIII-XIX (2001), relata que no ano de 1852 essa rua era conhecida como Rua do Gado e, a partir de 1878, já se chamava Rua das Tropas. Isso nos indica que este quinto itinerário durou muito tempo, ao menos a ponto de uma das vias mais utilizadas pelas tropas ter sido assim batizada. Outra mudança ocorrida em relação ao quarto itinerário é o abandono da utilização da Rua Souza Pereira, seguindo em frente na Dr. Álvaro Soares até o inicio da Rua Paula Souza, paralela às margens do Rio Sorocaba. Esta rua distava dezenas de metros das margens do rio, deixando espaço suficiente para a as enchentes inundarem a várzea sem prejuízo algum à via ou ao casario. Com exceção de uma grande enchente ocorrida em 1929, nenhuma outra causou grandes prejuízos ao seu entorno. Entretanto, isso muda em 1964 com o Plano Ghiraldini e o começo da construção da Avenida Dom Aguirre, a Marginal do Rio Sorocaba. A partir de então diversas enchentes assolaram a área, principalmente após a retificação patrocinada pelo Governo Federal, em 1950, na gestão do prefeito Gualberto Moreira. Desde então as águas chegam mais frequentemente à Rua Paula Souza, última via utilizada pelos tropeiros antes de encontrar o Registro neste quinto itinerário.

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6°Itinerário • Avenida Moreira César •R ua Capitão Nascimento Filho • Rua Senador Vergueiro • Avenida Juscelino Kubitschek • Rua Salvador Corrêa (Praça Marcelino Rusalen Neto) • Rua Dr. Nogueira Martins • Rua Santa Cruz • Avenida Dom Aguirre • Ponte do Rio Sorocaba

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A última das rotas dos tropeiros, provavelmente usada nas últimas décadas do século XIX até a última feira de muares em 1897, difere fortemente de todas as outras. Ela não passa pelos caminhos internos do Centro. O sexto itinerário margeia a região central e, quando o adentra, o faz timidamente, partindo logo que pode para a margem do Rio Sorocaba e em seguida para a ponte e o Registro. Começa, como de costume, na Praça 9 de Julho vindo da Avenida General Carneiro e segue pela Avenida Moreira César. Entretanto, percorre um trecho mais longo que os outros roteiros, rumando para sudeste e fazendo um pequeno desvio quando encontra a atual Avenida Barão de Tatuí. Desta maneira contorna o quarteirão da intersecção pelas ruas Capitão Nascimento Filho e Senador Vergueiro, até que percorre pequeno trecho da Avenida Juscelino Kubitschek, atualmente uma importante via de acesso da população vinda das regiões oeste e sudestes à Avenida Dom Aguirre, a qual margeia o rio. O trecho percorrido nesta avenida é curto e logo as tropas subiam a íngreme Rua Salvador Corrêa. Nesta rua existe atualmente uma bem cuidada praça chamada Marcelino Rusalen Neto. Nesta praça um monumento ao espiritista Alan Kardec faz companhia a uma grande placa com o relevo de um bandeirante e uma canoa de pedra que remete a suas viagens. Após atravessar o perímetro da praça, o itinerário cruza pequeno trecho da Rua Dr. Nogueira Martins e logo chega à Rua Santa Cruz. Descendo esta rua os muares chegavam ao leito do rio, atualmente Avenida Dom Aguirre. Antes da retificação, datada de 1950, o rio possuía muitos meandros férteis, os quais provavelmente eram usados como última paragem e pasto para as tropas antes de atingirem a ponte e, por fim, o Registro. O desvio para fora do Centro que este itinerário traz, revela o quão denso e movimentado este havia se tornando, não sendo mais ideal para a passagem das tropas de muares, já em seus últimos anos de atividade.

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Esquerda: mapa da cidade de Sorocaba no ano de 1941. Sem escala Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo Direita: Imagem de satélite atual da cidade de Sorocaba. Sem escala Fonte: Google Earth.

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Acima: Praça Frei Baraúna. Fonte: foto do autor, 2015.

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Anรกlise do espaรงo intraurbano

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Principais Avenidas da cidade de Sorocaba Fonte: autor sobre Google Earth.

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O espaço intra-urbano da cidade de Sorocaba, assim como de outras grandes e médias cidades brasileiras, é complexo e diversificado, fazendo conviver diferentes classes sociais e econômicas em uma mesma região e dotando cada uma delas de diferentes caráteres, seja esse caráter relativo à quantidade de empregos, atração de viagens, densidade populacional, abastecimento de água e esgoto, renda média, etc. Neste capítulo analisaremos o espaço intra-urbano da cidade de Sorocaba com base no levantamento por setores censitários feito pelo IBGE no ano de 2000 através da análise da qualidade e da quantidade de infraestrutura urbana básica oferecida às diversas regiões. Ao contrário de uma cidade como São Paulo e Rio de Janeiro, que podem contar, ainda que de forma limitada, com o transporte sobre trilhos (trem e metrô), Sorocaba é completamente estruturada pelo transporte sobre pneus, seja o transporte individual ou coletivo. Esta cultura, derivada, assim como no Brasil em geral, da política rodoviarista empregada de maneira intensa a partir da década de 1950, é reforçada a cada ano pelo parque industrial ligado ao ramo automobilístico que se fortalece cada vez mais na cidade. Os ônibus, único modal coletivo que a cidade possui, operado pela Urbes (Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba) não atende às demandas da população e tem sérias dificuldade em acompanhar o ritmo no qual a cidade cresce, assunto que será tratado mais a frente. Sendo assim, se faz necessário, como primeira apresentação de suas infraestruturas, a indicação de suas principais avenidas, bem como das principais rodovias que se conectam a cidade. Algumas delas já foram citadas e serão novamente ao longo deste capítulo. Para não poluir visualmente os mapas seguintes, optei por separar estas informações num único mapa, o qual pode ser consultado mediante a citação e a necessidade de conferir a extensão ou as regiões que uma dada avenida abrange ou a direção do estado a que uma dada rodovia leva. No mapa ao lado, sob a mesma base dos mapas seguintes, todas elas estão destacadas para melhor visualização.

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Evolução da mancha urbana na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes.

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O mapa da evolução da mancha urbana de Sorocaba coloca em uma clara representação a história da fundação e crescimento da cidade que relatamos em capítulo anterior. O tímido crescimento obtido desde a fundação em meados do século XVII até o alvorecer do século XIX, onde se dariam as décadas de ouro do tropeirismo, é representado pela mancha amarela, a qual cresce a partir do centro da cidade e permanece restrita às suas proximidades. Com exceção da produção agrícola e de algumas outras poucas atividades, a vida urbana se desenrolava nesse meio e não havia ainda a necessidade de expansão. Isto muda com o substancial crescimento e acúmulo de capital que a cidade apresenta até o final do século XIX, com sua economia crescendo exponencialmente e levando a uma expansão urbana cada vez mais rápida e intensa. A mancha em laranja claro representa onde a vida urbana encontrava seus limites na década de quarenta do século passado. A partir daqui o crescimento é surpreendente e, a cada década, prova-se mais consolidado e capaz de manter o ritmo. A partir da década de 1960 ela começa a se expandir formando vetores que apenas continuariam a se consolidar durantes as décadas seguintes, com exceção do quadrante sul, o qual só viria a conhecer urbanização na década de 1980. E é nessa década que o Campolim, bairro nobre da cidade nasce. Seu crescimento acompanharia também o aumento progressivo do número de condomínios fechados na cidade e a consolidaria a segregação urbana que apenas continuaria a se aprofundar até os anos presentes, como mostra a mancha urbana de 2006 e o impressionante crescimento do vetor de expansão em direção a zona norte, onde bairros segregados da malha urbana, como o já existente Habiteto e o ainda por inaugurar Jardim Carandá.

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Situação dos Seteros Censitários na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre IBGE.

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A área urbana da cidade continua a crescer de maneira acelerada, como mostrado no mapa anterior, muitas vezes ameaçando recursos naturais e áreas verdes quando seu desenvolvimento é irresponsável. O Plano Diretor de Desenvolvimento Físico Territorial de Sorocaba, aprovado no dia 13 de novembro de 2014, causa alterações substanciais nas áreas de ocupação urbana e rural do município. Em levantamento feito pelo jornal Cruzeiro do Sul, a cidade tem aumento (segundo o PDDFTS) de 26% em sua área urbana e redução de 45% de sua área de conservação ambiental. A zona industrial cresce 24% e a zona rural diminui em 19%. O jornal ainda aponta que o tamanho da expansão da área urbana da cidade, principalmente na região oeste e leste de Sorocaba, vem sendo criticada por entidades e por cidadãos nas discussões sobre o projeto de lei. As zonas residenciais que permitem maior adensamento, ou seja, maior concentração de lotes e de moradores, são as que mais vão aumentar, se o projeto for aprovado. Na zona residencial 2 - onde os lotes mínimos devem ser de 300 metros quadrados - o aumento é de 47,3 km2 para 83,3 km2; são 36 km2 a mais, ou 8% de todo o território da cidade . A zona residencial 3 - onde os lotes são de 200 m2 mínimos - terá um aumento de 67,5 km2 para 87,9 km2, aumento de 20 km 2. Já a zona residencial 1, com menor adensamento e lotes maiores, de 360 m2, haverá redução de 56%, passando de 15,1 km2 para 6,6 km2.1

A professora de planejamento urbano da Universidade de Sorocaba, e autora de parte da bibliografia deste trabalho, ainda chama atenção, na mesma reportagem, para os danos causados ao meio ambiente que podem vir desta expansão em grande escala, prejudicando nascentes e outros mananciais da região. 1 http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/580183/plano-diretor-aumenta -area-urbana-em-26 acesso em 04/11/2015.

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Divis찾o da cidade de Sorocaba por regi천es. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes.

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Zona Norte: seus maiores bairros são Vila Barão, Nova Sorocaba, Parque São Bento, Habiteto, Laranjeiras e o Além-Linha. Segundo o Plano de Mobilidade de 2014, a região abriga 289.592 habitantes, quase a metade da população sorocabana e equivalente a soma das populações de Itu (154 mil), Votorantim (108 mil) e Araçoiaba da Serra (27 mil). Região com a segunda maior densidade da cidade, com a existência de 4000 a 6999 habitantes por quilômetro quadrado e maior concentração de emprego, com 30% dos empregos concentrados. Zona Nordeste: concentra 7% da população (38.970 habitantes) e seus principais bairros são Zona Industrial, Ibiti do Paço, Éden e Cajuru. Bairro de vocação industrial, possui também elevada taxa de concentração de empregos. Zona Leste: concentra 14% da população (82.939 habitantes) e seus principais bairros são Além-Ponte, Vila Hortência, Vila Aro, Vila Barcelona, Árvore Grande e Aparecidinha. Zona Sudeste: concentra 3% da população (14.897 habitantes) e seus principais bairros são Brigadeiro Tobias, Bairro dos Morros e Caputera. Centro: concentra 2% da população (9.740 habitantes). Possui a maior média de renda da cidade, R$5.328,00. Zona Sul: concentra 7% da população (39.095 habitantes) e seus principais bairros são Campolim, Vergueiro, Vila Jardini, Jardim América e Jardim Europa. Zona Sudoeste: concentra 1% da população (4.825 habitantes) e seus principais bairros são Ipanema do Meio, Jardim Novo Mundo e Jardim Tatiana. Zona Oeste: concentra 18% da população (106.567 habitantes) e seus principais bairros são Cerrado, Jardim Simus, Júlio de Mesquita, Central Parque, Wanel Ville, Santa Bárbara e Jardim São Paulo. Possui a maior densidade da cidade devido aos inúmeros edifícios de apartamentos que existem em bairros como Júlio de Mesquita e Central Parque, apesar de ainda ser um processo em curso e a maioria das residências ainda serem térreas.

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Demografia (habitantes por quilometro quadrado) na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre IBGE.

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A primeira coisa que salta aos olhos ao analisarmos o mapa de densidade é sua concentração ema alguns eixos, sendo que sua área mais densa se concentra em poucos lugares, sugerindo que a cidade ainda mantém suas características de casario baixo. Ao compararmos este mapa com o mapa de zona urbana e zona rural, podemos notar que, apesar da zona urbana ser predominante, com grandes áreas rurais nos limites da cidade, a densidade permanece baixa. A região central, dotada de diversos edifícios de comércio e serviços, apresenta baixa densidade ao contrário de cidades europeias de tamanho populacional aproximado, como Dublin (aproximadamente 527.000 habitantes), República da Irlanda; ou Antuérpia (aproximadamente 500.000 habitantes), Bélgica. Nesse aspecto Sorocaba ainda corresponde à morfologia das pequenas cidades interioranas brasileiras, característica que contrasta com o crescimento e a densidade que apresenta em certos focos, os quais resultam muitas vezes de conjuntos de torres de condomínios de classe média baixa, frequentemente frutos do Programa Minha Casa Minha Vida, não surpreendentemente, muitas das vezes, afastadas dos principais centros de comércio e serviços, bem como longe das linhas de transporte público. O aspecto horizontal da urbanização é alvo nos dias atuais da força do mercado imobiliário, não apenas nos bairros mais velhos da cidade e com casario antigo, os quais enfrentam uma onda de transformação devido a pressão dos investidores. Bairros de maior renda, como o Campolim e a Vila Jardini, também sofrem pressões do mercado imobiliário para transformar as residências térreas em altos edifícios. Os primeiros, entretanto, tem menos força de resistência devido a seu poder político reduzido, sendo alvos mais fáceis de um sistema predatório que visa a expansão a qualquer custo numa cidade que, lentamente, perde suas características interioranas.

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Demografia (habitantes por quilometro quadrado), com destaque aos eixos de maior densidade. Fonte: autor sobre IBGE.

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O mapa ao lado é o mesmo mapa anterior, porém, com o eixos norte e oeste em destaque, pois se sobressaem quanto a densidade apresentada, formando dois vetores distintos. O eixo norte tem a Avenida Itavuvu como principal condutor e vai em direção á cidade de Porto Feliz. Já o eixo leste segue em direção à Araçoiaba e se dá, em parte, nas imediações da Rodovia Raposo Tavares. Está observação é importante. Existe um crescimento de população nesse eixo devido a demanda que vem da capital do estado e de outras cidades do interior, buscando uma cidade com bom infraestrutura e livre de certas características que a cidade de São Paulo possui. No entanto, é necessário chamar a atenção para o fato de que este mapa de densidade registra apenas de maneira tímida um vetor de densidade que se direciona para nordeste em direção a bairros como Éden e Cajuru do Sul. Estes bairros, de antigo perfil industrial, vêm se consolidando como verdadeiros centros de comércio e serviços. Guardadas as devidas proporções, eles desempenham um papel semelhante a região de Perus em Sã Paulo no tocante à distância para com o centro da cidade, o transporte público sobrecarregado e as possibilidades de comércio e serviços apresentados. Este vetor nordeste de adensamento que começa a tomar forma cresce também em direção a Rodovia Senador José Ermírio de Moraes, importante ligação com as cidades de Itu e Salto. Mais a frente também se encontra a cidade de Campinas, indicando uma possível conurbação futura. Olhando de maneira ainda mais abrangente, a capital do estado, Campinas e Sorocaba formam um triângulo que merece atenção em futuras pesquisas devido a velocidade com que suas regiões metropolitanas se expandem.

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Habitantes por domicĂ­lio na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre IBGE.

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Neste mapa sobre a quantidade de moradores e moradoras em cada domicílio o centro chama a atenção logo de cara. Apresenta média de 2 a 3 habitantes por domicílio e se prova muito pouco densamente povoado. É de fato um lugar onde o comércio predomina e a habitação se dá, em sua grande maioria, através de edifícios habitacionais, com mais de 8 pavimentos em sua na maior parte das vezes. Esta região é também cercada por um cinturão de bairros que apresentam média de 3 a 4 habitantes por domicilio. O perfil desses bairros varia imensamente, indo desde áreas de elevada renda como Campolim e Vila Jardini, até bairros de classe média baixa, como o Júlio de Mesquita, e bairros antigos de casario baixo, como Vila Hortência e Santa Rosália. Já as mancha marrom-escuro, as quais representam as áreas com maior média de habitantes por domicilio (acima de 4 habitantes), aparecem espalhadas pela cidade sem um padrão claro de estabelecimento, aparecendo tanto na periferia quanto em bairros de classe média mais próximos ao centro da cidade. Entretanto, a maior das manchas marrom-escura se encontra na saída de Sorocaba através da Rodovia Senador Ermínio José Moraes, próximo a fábricas como Jaraguá e a Cooper Tools. Esta concentração se deve a diversos empreendimentos iniciados na região nos últimos dez anos. São diversos edifícios habitacionais, por vezes com mais de 12 pavimentos, distribuídos desigualmente na malha urbana. Esta distribuição desigual não permite que a área se torne densa, mas faz com que pontos específicos dela possam ter elevada quantidade de habitantes por domicilio, como demonstra a pesquisa realizada para a produção deste mapa.

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A dispersão urbana e o modelo de cidade atual A expansão das fronteiras urbanas e ocupação do território Sorocabano, por consequência do crescimento econômico e populacional, corroboram o modelo de crescimento das demais cidades médias brasileiras, estabelecendo o automóvel como única alternativa viável. A implantação de ciclovias que não formam um sistema coeso e os protestos violentos dos motoristas para com o único corredor de ônibus implantado na cidade até então, revelam o quão enraizada a cultura do automóvel se encontra na população e na economia, levando a um processo também já comum nas cidades brasileiras: a formação dos condomínios fechados. Faces de uma mesma moeda, são a expressão mais bem acabada até o momento da segregação urbana e da privatização do espaço comum vivida nas últimas décadas, da rejeição do público e culto ao privado (Dunker, 2015). Enclaves urbanos pelos quais transitam apenas os carros em suas vias capilares. Teresa Caldeira assim escreve:

Os condomínios residenciais são a versão residencial de uma categoria mais ampla de novos empreendimentos urbanos que chamo de enclaves fortificados. Eles estão mudando consideravelmente a maneira como as pessoas das classes média e alta vivem, consomem, trabalham e gastam seu tempo de

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lazer. Eles estão mudando o panorama da cidade, seu padrão de segregação espacial e o caráter do espaço público e das interações públicas entre as classes. [...] Todos os tipos de enclaves fortificados partilham algumas características básicas. São propriedade privada para o uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e restrito ao mesmo tempo que desvalorizam o que é público e aberto na cidade. São fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção à rua, cuja vida pública rejeitam explicitamente.1

O surgimento de condomínios fechados de média e alta renda nas franjas da cidade de Sorocaba, a partir da segunda metade do século XX, cria novas formas de habitar o espaço e de usufruir do tecido urbano. Tal dispersão urbana (Goulart, 2006) resulta em grandes porções de terras muradas acessíveis apenas via transporte motorizado individual. O transporte público, em grande parte das vezes, não atende estas áreas localizadas em meio a rodovias e estradas (como a Raposo Tavares e a já citada Rodovia Castelo Branco), tornando o uso do automóvel imprescindível para esta população em suas viagens aos centros urbanos próximos. 1 CALDEIRA, Teresa P. R. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. Editora 34: São Paulo, 2000.

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A partir de suas residências, com vagas para até seis carros muitas das vezes, estas famílias não mais estão ligadas apenas a um centro urbano. A equidistância ou proximidade entre centros permite a escolha de qual será utilizado em determinada situação. Esta condição diferencia estes condomínios dos modos habituais de enclausuramento intramuros aos quais as elites econômicas vêm se acostumando, ou mesmo dos tradicionais subúrbios estadunidenses. Não são mais estes bolsões habitacionais de alta classe meramente ligados a um único centro urbano através de longas vias para automóveis, mas sim as cidades que se oferecem como opções, ora mais favoráveis, ora menos favoráveis, para estes moradores e moradoras detentoras de grande capital aquisitivo. A metrópole policêntrica (Gottdiener, 1985) continua acontecendo em suas bases clássicas de desconcentração, mas a relação dialética entre padrões espaciais e processos sociais desta maneira dispersa de crescimento urbano torna tais condomínios, ao mesmo tempo, produto e processo de algo que poderíamos chamar de expansão da lógica policêntrica. Se Gottdiener dizia que na cidade estadunidense havia aumento absoluto da população e a densidade de atividades sociais em áreas fora das tradicionais regiões citadinas e dos centros populacionais2, a expansão urbana das cidades médias brasileiras, olhando com especial atenção neste momento à cidade de Sorocaba, estudo de caso deste trabalho, cresce, majoritariamente, através de ocupações de baixa renda (sejam elas áreas invadidas ou conjuntos do Programa Minha 2 GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. Edusp: São Paulo, 1997

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Casa Minha Vida desconectados da infraestrutura urbana essencial) e bolsões habitacionais de média-alta e alta renda. Os primeiros são relegados ao ostracismo e às grandes viagens pendulares entre trabalho e bairros-dormitório em meio ao deficiente transporte público que a cidade ainda apresenta. Já os últimos usufruem de sua posição conquistada em meio ao processo de dispersão urbana para se isolar do ambiente da cidade tradicional, porém, com meios de transporte de qualidade, acesso a infraestrutura urbana (incluindo a necessária para seu meio de transporte majoritário, o automóvel) e demais centros urbanos da região. A distância para o centro da cidade de Sorocaba não é grande através das vias expressas; o centro de Salto não está longe; Araçoiaba se encontra próxima; e o de outras cidades da região não demandariam mais do que alguns minutos a mais dentro do carro para serem atingidos. Ou seja, são comunidades sem “pátria municipal” no que se refere a sua vinculação e suprimento de necessidades. O centro, neste caso, não é onde estão as elites3, como a professora Suzana Pasternak uma vez afirmou e Flavio Villaça relatou em sua obra Reflexões Sobre as Cidades Brasileiras. Estas estabelecem um processo de isolamento da malha urbana tradicional. A diferença em relação a lugares como os subúrbios estadunidenses do segundo pós-guerra é que estes de agora, os brasileiros, se instalam nos vazios das regiões metropolitanas se servindo das condições de acesso e proximidade que vários centros urbanos passam a oferecer. Esta constatação é essencial para a compreensão

3 VILLAÇA, Flávio. Reflexões Sobre as Cidades Brasileiras. Nobel: São Paulo, 2012.

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total do fenômeno de enclausuramento no espaço intra -urbano e dispersão nas periferias da zona sul e oeste da cidade, ainda que como bolhas autocentradas. Seu isolamento do tecido urbano tradicional não permite ruas que as margeiem (com exceção da rodovia que lhe dá acesso ao mundo), produzindo um ambiente que renega as manchas de vegetação por vezes ao seu redor e recriam a imagem de cidade-jardim idílica em seu interior. Se os muros dentro da cidade não eram suficientes para a segregação, para a clivagem entre “os seus” e “os outros”, então os muros somados a distância devem bastar. Os seus corredores de locomoção, as estradas e rodovias, permitem o deslocamento dessas comunidades para onde seus interesses apontarem, estabelecendo assim uma condição que apenas os detentores de grande capital aquisitivo podem acessar. A cidade de centro urbano tradicional (normalmente este coincidindo também com seu centro geográfico), para onde a maioria dos fluxos convergem e onde as elites econômicas normalmente se encontram, tem suas características modificadas quando os detentores de capital se deslocam e levam consigo os investimentos em infraestrutura pública. Dá-se assim o vetor urbano onde alta renda, saneamento, esgoto, espaços livres, transporte e demais indicadores positivos de qualidade de vida convergem (Villaça, 1998), como já exposto anteriormente. Nestes espaços as elites se concentram enquanto o centro encara um processo de decadência pela falta de investimentos e manutenção. Desta maneira, o processo de deslocamento

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das elites dentro do espaço intra-urbano precede a dispersão do tecido nas franjas da cidade, consequência natural de um vetor que se afasta cada vez mais do antigo centro e procura negar as formas tradicionais de relação com o espaço público e o urbano em geral.

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Renda mĂŠdia por regiĂŁo na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes.

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A pequena mancha verde-escura, dentro dos limites da região central, mostra a maior média de renda da cidade, acima de R$5.000,00. A segunda maior média fica na Região Sul, onde bairros como Campolim e Jardim América apresentam construções com elevado padrão. Entretanto, ainda assim existem diferenças de renda entre seus moradores, suficientes para que a média da renda da região seja inferior a média de renda da Região Central, onde os moradores mantém rendas mais homogêneas e elevam a média. Enquanto a média do preço do metro quadrado na cidade de Sorocaba, em 2015, é de R$3.094,001, o preço médio do metro quadrado no bairro do Campolim é de R$4.763,002. Visto que a região central possui preço médio de R$3.350,003, o qual aumentou cerca de 10% desde o mesmo período do ano de 2014, notamos que a maior renda não necessariamente resulta em maior preço do metro quadrado. Podemos concluir que a notável menor densidade da Região Central contribui para sua renda média mais elevada, com sua população pertencente a uma classe econômica mais homogênea. A zona norte, grande vetor de expansão da cidade atualmente e a região sul da zona leste (principalmente ao sul da Rodovia Raposo Tavares), segundo maior vetor de expansão, apresentam a menor média de renda da cidade. Isto é notável e merece atenção em futuras pesquisas uma vez que o crescimento se dá de forma acelerada e a baixa renda pode indicar desenvolvimento precário e expansão feita sem as devidas cautelas urbanísticas.

1 http://www.agenteimovel.com.br/mercado-imobiliario/a-venda/sorocaba,sp/ 2 http://www.agenteimovel.com.br/mercado-imobiliario/a-venda/parquecampolim,sorocaba,sp/ 3 http://www.agenteimovel.com.br/mercado-imobiliario/a-venda/centro,sorocaba,sp/

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Renda mĂŠdia por zona de trĂĄfego na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes.

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Quando analisamos a renda média da população não mais pelas zonas da cidade, mas sim por áreas de tráfego, notamos algumas nuances extremamente importantes. As regiões definitivamente não são homogêneas. A região norte, juntamente com a região nordeste, formam os setores mais empobrecidos da cidade, ainda que a região sudeste também os iguale. Dado que já enfatizamos no mapa anterior como preocupantes no desenvolvimento da cidade. Já a região central, anteriormente a de maior renda média da cidade, cai um patamar ao ser aglutinada a bairros ao seu redor , fazendo com que a zona de tráfego correspondente a grande parte da região sul e arredores passe a ser a de maior renda média, inclusive apresentando valores maiores do que os constatados anteriormente por região: antes a região sul apresentava média entre R$4.000,00 e R$5.000,0; agora, sendo analisada por zona de tráfego, sua renda média sobre para acima de R$6.840,00. Uma diferença substancial e que revela que bairros adjacentes influenciam nessa nova avaliação. Interessante é também analisar a mudança de perfil que ocorre na região leste neste novo mapa. Seu extremo leste se torna uma das médias mais baixas do município, revelando que a média por região era elevada devido aos residenciais Granja Olga, condomínios de alto padrão localizados no começo das regiões leste e sudeste. Note-se também que, em meio a um leque de renda média baixa, que se estende do quadrante leste da região norte até o quadrante sul da região sudeste, surge um eixo de renda média. Ele aflora nos arredores da Avenida Independência e continua até atingir a Rodovia Castelo branco, passando por bairros afastados do centro tradicional e possuidores de caráter industrial, além de apresentarem expressivo crescimento populacional, como Éden e Cajuru do Sul.

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O acordo tácito Segundo a definição dada pelo dicionário Aurélio, tácito é “que não se exprime formalmente; implícito, subentendido”. É exatamente o que se observa no bairro Campolim, zona sul da cidade de Sorocaba, quando o assunto se refere ao uso do parque, que leva o mesmo nome do bairro, e as classes sociais que o frequentam. Antes da formação do bairro, havia no local uma chácara de propriedade do de Achilles Campolim, adquirida por ele em 1917. Segundo o relato de Almeida ao jornal Cruzeiro do Sul em 2002, o qual acompanhou a formação do bairro desde seu inicio como advogado da família Campolim, o patriarca da família utilizava a área para a criação de gado leiteiro e praticava ali o cultivo de gêneros agrícolas para o sustento de sua família. Na década de 1950, com a morte do patriarca, assume os negócios da família seu filho, João Campolim, que assim o faz até meados da década de 1970. Nesta mesma época, após vários contatos entre membros da família Campolim e proprietários da Construtora e Empreendedora Júlio e Júlio, tradicionais na cidade de Sorocaba, resolvem que o local será então dotado de toda infra-estrutura para posterior comercialização de seus terrenos. Isso acontece de fato no início de 1976. O loteamento foi liberado por fases, sendo que a primeira ficou pronta só em 1981, ano de início da comercialização dos lotes. O acordo dizia que ao final das obras, o loteamento seria dividido igualmente entre as duas partes interessadas. E assim aconteceu. Nesse primeiro momento, os terrenos menos valorizados eram os da avenida central, atual Carlos Cômitre, os mesmos que anos depois passariam a ser o metro quadrado mais valorizado da cidade. Após a colocação da infra-estrutura houve então um fracionamento dos terrenos que cabiam

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aos membros da família Campolim, ou seja, 50% do total. A maioria dos herdeiros diretos passaram os terrenos para o nome de suas empresas (ou abriram novas quando necessário) para, a partir delas, comercializarem os terrenos que tinham em mãos. Segundo Luis Antônio Pires de Campos, morador do bairro Jardim Paulistano, próximo as terras onde viria a se constituir o bairro do Campolim, nesse primeiro momento de comercialização, os terrenos eram extremamente baratos se comparados a outros em regiões próximas. Faziam-se os mais diferentes negócios, desde venda à vista até àquelas em que o comprador só empenhava a sua palavra e pagava com o tempo, conforme podia. A última fase do loteamento é concluída em 1985, ainda com a venda dos terrenos ocorrendo de maneira tímida. Ao contrário da década anterior, os anos de 1990 marcam a efetiva ocupação da área. A inauguração, ao sul do bairro, do Hipermercado Carrefour em agosto de 1990 e, anexado ao mesmo, do Esplanada Shopping Center, no ano seguinte, com certeza foram as grandes molas propulsoras deste “boom” inicial. Até então, a zona sul de Sorocaba tinha como um dos seus limites o Parque Campolim, mas não em sua totalidade. Acontece que a Rodovia Raposo Tavares corta o bairro em sua porção sul exatamente neste ponto. Na época, não havia nenhuma ponte de ligação entre as duas partes do bairro. Nas vésperas da inauguração do complexo comercial, é inaugurada a ponte de ligação, obviamente resultado da pressão já exercida pelo grande capital personificado nas empresas de considerável porte que ali se instalavam. Os primeiros edifícios nessa porção do bairro começam a surgir logo depois. Outro fator que merece destaque é a alternativa de ligação com a cidade de Votorantim proporcionada pela

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ponte, tendo em vista que o Parque Campolim, na época ainda um terreno baldio, e o próspero bairro que crescia ao seu redor estão muito próximos à referida cidade. Observando esta lógica, notamos também que a cidade de Votorantim vem presenciando o surgimento de diversos complexos habitacionais em suas áreas limites (especialmente nas bordas fazem fronteira com a cidade de Sorocaba, polo comercial e industrial da região) com destaque para o surgimento, mais recentemente, de vários condomínios horizontais, como o Tivoli, o Sunset e o Alphaville, que em território sorocabano, acabam por fomentar os negócios imobiliários daquela cidade. A Rodovia Raposo Tavares sempre foi um importante corredor viário para a cidade de Sorocaba. Pela mesma, pode se chegar à capital em mais ou menos uma hora, já que dista da mesma, por essa rodovia, 95 km. Também permite a ligação com o sul do país no sentido interior. A sua duplicação, em especial, no trecho entre o Sorocaba e São Paulo, ocorrida nos últimos 5 anos, acabou sendo mais um elemento a contribuir com o fomento imobiliário do bairro. Muitos moradores de bairros próximos à rodovia, em especial do Campolim, fazem o traslado diário em direção à capital paulista, por preferir morar em uma cidade teoricamente mais tranquila, ainda que dotada de toda a infraestrutura necessária para suprir as necessidades das camas de renda mais altas. O Parque Campolim está localizado na zona sul da cidade, no bairro de mesmo nome. O bairro ocupa uma área de 936.237.09 m². Possui em seu interior uma série de equipamentos urbanos que o torna praticamente autosuficiente em relação à área central. São agências bancárias, clínicas, padarias, fast-foods, bares, restaurantes, hipermercados, escolas, pista de caminhada, etc. Nos finais de semana é o “point” da cidade, em especial para a população jovem que ali vai à procura de diversão e lazer.

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Hoje, o bairro possui em seu interior grandes redes de escolas, como o Colégio, Anglo, o Colégio Objetivo, Colégio Ser!, além do Colégio e Faculdade Uirapuru. Os três maiores hipermercados da cidade também estão no Campolim: a rede francesa Carrefour, o Hipermercado Extra e o norte- americano Wal Mart. As agências bancárias se multiplicam num ritmo bem acelerado. Hoje o bairro possui agências da Caixa Econômica Federal, do Banespa, do Bradesco, do Itaú, do Bank of Boston e do City Bank. Entre a rede hoteleira, destaca-se o IBIS Hotel e o Transamérica Flat. Uma tendência recente, iniciativa do Departamento de Vendas da Casabranca Negócios Imobiliários, é a de instalação no bairro de escritórios de grandes empresas já fixadas na cidade e em fase de fixação. Muitas delas empresas multinacionais. Construções surgem a todo o momento no bairro, em especial na avenida Carlos Cômitre, principal corredor comercial do bairro; e na sua porção sul, sendo quase a totalidade de construções, nessa região, verticais. A distância até o centro da cidade, 1,5 km, é outro atrativo do bairro. Tem -se toda infra-estrutura no local, mas, na necessidade de se ir à zona central, se gasta pouco mais de 5 minutos de carro, meio de transporte majoritário da população residente do bairro. Investimentos e capital O Parque Campolim é hoje um intenso canteiro de obras, predominantemente verticais. Depois do arranque inicial promovido pela chegada do Hipermercado Carrefour e do Esplanada Shopping Center, os agentes imobiliários, em especial, as incorporadoras, começaram a ver a região com outros olhos e, a partir de então, promovido maciços investimentos na área. No caso específico do extremo sul do Parque Campolim, havia no início da década de 1990, pelo menos três elementos absolutamente convidativos no que tange a esses investimentos, a saber: o atrativo promovido

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pelo recém-chegado Centro Comercial aqui já destacado; a permissão da Lei de Zoneamento Urbano para construção de edifícios verticais de grande altura; e, por fim, uma área inteira disponível e pronta para receber tais construções. Na primeira metade da década de 1990, a região ao norte do bairro já apresenta uma boa ocupação, com predominância absoluta das construções horizontais, únicas permitidas nesta parte, com exceção do seu corredor central, a Avenida Carlos Cômitre, que, até então, apresentava crescimento insipiente. A partir da segunda metade da década de 1990, mais precisamente, 1996, começam a aparecer as primeiras construções verticais, entre elas, os edifícios Sorocaba Empresarial e o Residencial Campolim. A partir de então, o bairro começa a presenciar o seu primeiro momento de verticalização, caracterizado por construções de até 4 pavimentos e padrão médio de construção. Essa realidade se perdura até a virada do século onde uma nova realidade vertical impõe na área: a de construções de alto padrão e com número significativo de pavimentos. Dois elementos parecem ter sido essenciais para que isso acontecesse. O primeiro desses elementos foi a surpresa dos empreendedores que observaram surpresos o rápido esgotamento dos terrenos, indicando que existia já de fato uma elite financeira na cidade capaz não só de corresponder ao nível de poder aquisitivo que os empresários ali atuantes solicitavam, mas também de notar as facilidades que aquela região poderia oferecer a partir do lugar onde se localizava. As mais otimistas projeções dos empresários não correspondiam à velocidade que aquela elite consumia os espaços colocados a disposição de seu capital. A solução para a continuidade de tal expansão foi então maximizar o uso do solo e isso só poderia acontecer com o aumento do número de pavimentos. O segundo elemento foi o perfil dos consumidores, os quais, detentores de poder aquisitivo maior em relação ao restante da população sorocabana,

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começa a exigir um produto final não só mais elaborado, mas também de maior qualidade. Desde então o número de empreendimentos só vem aumentando e o caráter de bairro residencial que abriga equipamentos de educação e alimentação de alto padrão, como a escola Cultura Inglesa e a Padaria Real, só é afirmado e acentuado. O acordo A valorização do bairro, de seu metro quadrado e de suas instituições parece ser um processo em contínua e permanente expansão. Entretanto, ocorre um fenômeno interessante no que toca ao espaço público, em especial ao parque: parece haver um rodízio entre classes econômicas distintas durante dias distintos. Durante os dias úteis, de segunda a sexta (ao menos até o fim da tarde neste dia), os moradores do entorno do parque e até alguns de bairros vizinhos com poder aquisitivo elevado, utilizam a área para caminhadas e exercícios físicos nos aparelhos de que o parque dispõe. Como já foi dito antes, a quase auto-suficiência do bairro permite que essas atividades ao ar livre sejam feitas com a possibilidade de ter o almoço ou algum lanche intermediário nas lojas e restaurantes que se oferecem no entorno. Os alunos do colégio particular Anglo, o qual se localiza em um dos vértices do parque, também o utilizam para descanso e namoro, mas mesmo estes ainda são minoria se comparados ao aos moradores do entorno. Até aqui o comportamento descrito se encaixa no dia-a-dia da maioria dos bairros de alta renda país afora. O mais interessante e peculiar ocorre nas noite de sexta e aos fins de semana, principalmente aos sábados. A classe alta que costuma utilizar o lugar durante a semana praticamente desaparece (com exceção de alguns períodos das tardes de sábado e domingo) e dá lugar a uma quantidade massiva de jovens vindos da perife-

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ria da cidade. Nunca foi feita uma pesquisa de origemdestino quanto a estes jovens e a realização de uma transbordaria o escopo deste trabalho, mas pelas informações coletadas com moradores do entorno e pela própria experiência do autor deste texto estudando em uma escola pública próxima, frequentando a casa de amigos e parentes que moram no entorno do parque e estando presente nesses horários que as classes mais baixas usufruem do parque em algumas ocasiões, nota-se a origem mais financeiramente mais humilde dos que ali frequentam nesses horários e dias da semana. É importante perceber que muitas dessas pessoas se deslocam de áreas distantes da cidade, áreas localizadas nas periferias pobres se utilizando do transporte público, fazendo com que os ônibus destinados ao bairro Campolim nesses dias estejam constantemente lotados. As lojas do bairro, bem como seus restaurantes, não possuem preços acessíveis à faixa de rendas destes frequentadores. No entanto, o hiper-mercado Wal -Mart e as franquias de fast-food Habbib’s e McDonald’s apresentam preços mais amenos e alimentação rápida para satisfazer a fome dos frequentadores. O fato desses comércios ali estarem pode ser de extrema importância para a permanência dessa presença das classes mais baixas durante certos dias da semana no parque, o que não aconteceria com tanta facilidade se lhes fosse oferecida apenas comércios compatíveis com a faixa de renda dos moradores dos arredores. Outro fator interessante de observar é a presença constante da polícia no bairro. Durante a semana ela se fixa em pontos estratégicos e dificilmente se move dali. Porém, durante os dias em que a classe baixa frequenta o local as rondas são constantes e as abordagens mais ainda, sendo que muitas drogas e bebidas alcoólicas dadas a menores de idades já foram apreendidas no local.

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Fato curioso nessa dinâmica urbana é o aparente acordo tácito estabelecido entre as diferentes populações que usufruem do lugar. Uma espécie de rodízio acontece, no qual durantes os horários em que uma camada da sociedade usa a outra permanece sem interferir. Enquanto os moradores do entorno, em sua rotina, tomam café da manhã na Padaria Real discutindo a cotação do dólar e os revezes do assistencialismo federal nos últimos 12 anos, caminham na pista do parque local e deixam seus filhos e filhas nas escolas próximas, os moradores da periferia mantêm seus próprios rituais ao discutir o jogo de futebol da última rodada enquanto tomam um pingado açucarado na padaria da esquina, organizam o apertado orçamento do mês e reúnem coragem para pegar o já saturado transporte público municipal, muitos se dirigindo ao bairro do Campolim para suprirem a necessidade de porteiros, jardineiros, pedreiros, empregadas domésticas e motoristas particulares. Isso durante os dias de semana. Às sextas à noite e aos sábados os moradores do bairro nobre se refugiam nos restaurantes de elevado preço do entorno, nos bares e baladas alternativas próximas. Para os jovens da periferia, alguns filhos e filhas dos trabalhadores e trabalhadoras de baixa formação escolar à trabalhar no Campolim, é a oportunidade de usufruir de um espaço público estruturado e seguro, onde o silêncio guardado e atenciosamente velado nos dias anteriores dá lugar às batidas de funk, às bebidas alcóolicas compradas nos hiper-mercados e à agitação geral que só acaba (quando acaba) nos primeiros raios de sol da manhã de domingo. A carruagem volta a ser abóbora e o vestido vira novamente avental.

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Quantidade de emprego por regi達o na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes.

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As regiões norte e nordeste possuem a maior concentração de empregos da cidade (30% e 26%, respectivamente). Devido a este fato existe um movimento pendular muito grande, deslocando pessoas de toda a cidade até suas áreas. É necessário também enfatizar a diferença no tipo de emprego que as duas regiões apresentam entre si. Enquanto na região nordeste predominam os empregos ligados ao setor industrial, na região norte empregos diversos, não industriais, predominam. A região nordeste e a sudoeste são as únicas na cidade em que o emprego industrial supera os outro, mas é importante ressaltar também que a concentração de empregos na região sudoeste é muito baixa quando comparada com as outras, com exceção da região sudeste, a qual também apresenta baixíssima concentração de emprego devido a seu caráter predominantemente residencial. Vale ainda destacar que as duas regiões que apresentam concentração de emprego industrial superior aos outros tipos tem conexão com importantes rodovias, fato essencial para o estabelecimento de industrias de grande porte, principalmente relacionadas ao setor automobilístico. Na região norte, a montadora da Toyota começa a elevar a taxa de quantidade de emprego industrial em sua região ao se localizar no fim da Avenida Itavuvu, muito próxima a outra importante via de ligação com a capital, a Rodovia Castelo Branco. Diversas faculdades e universidades da cidade, como a Fatec, Facens e grande parte da grade da Anhanguera Educacional, voltam seus cursos para engenharias e áreas correlatas às áreas de automação e mecatrônica com o intuito de prover mão de obra especializada para as indústrias que aqui vem se instalar, constituindo um parque tecnológico importante no estado e grande polo de atração de tecnologia de ponta.

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Densidade de emprego por regi達o na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes.

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Se em números absolutos a região central e a região sul não podem competir com as regiões norte e nordeste, a situação se invente quando a densidade de empregos por região se torna o tema em questão. As duas primeiras regiões, apresentando caráter de empregos nada industriais, sendo o forte da região central o comércio e da região sul os serviços, possuem uma grande densidade de empregos e por isso também são fortes polos de atração de movimento pendula. Mesmo com a alega crise em que o país estaria passando durante o ano de 2015, a economia sorocabana não sofreu retração significativa e os empregos mantiveram certa estabilidade, como revela a grande oferta de vagas feitas por agências de emprego via Facebook1 e pela fábrica da Toyota, citada anteriormente neste trabalho. O jornal Cruzeiro do Sul traz matéria sobre as vagas abertas pela Toyota em Agosto de 2015: No momento em que a maioria das montadoras adota medidas para ajustar o excesso de mão de obra, a Toyota anunciou o processo de contratação de até 500 trabalhadores para as fábricas de Porto Feliz e Sorocaba, ambas no interior paulista. A maioria das vagas será destinada à planta de Sorocaba, para onde devem ser contratados até 320 novos funcionários [...] A montadora explicou que o aumento do efetivo em Sorocaba foi motivado pelo incremento de 50% da capacidade produtiva da planta, que passará das atuais 74 mil para 108 mil unidades por ano a partir de 2016 - produção extra que deverá ser destinada, em sua maior parte, para o mercado interno. O aumento foi anunciado em janeiro deste ano pela empresa e vai envolver investimentos de cerca de R$ 100 milhões para ampliação das instalações da fábrica. 2 1 http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/592344/oferta-de-270-vagas-de -emprego-atrai-10-mil acesso em 05/11/2015 2 http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/628228/toyota-abre-ate500-vagas-de-emprego acesso em 05/11/2015

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Padr達o de viagens internas da cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes.

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Comparando este mapa com os dois anteriores, notamos que a região norte e a região central novamente apresentam características peculiares. Apesar da grande quantidade de empregos e mesmo de densidade, a região norte é a única que produz mais viagens do que atrai dentre todas as regiões da cidade de Sorocaba. Isto pode ser devido a grande densidade e o permanente crescimento populacional que a cidade vem apresentando nos últimos anos, bem como pelo fato de ser uma região onde o acesso a rodovias que ligam a cidade de Sorocaba a outras, como Porto Feliz, Itu, Campinas e São Paulo é facilitado pela posição próxima a Rodovia Castelo Branco. Mesmo assim a sua atração de viagens é alta, tanto pelos fatores de concentração de emprego (industrial e de outros tipos) como pela questão inversa a que apresentamos: habitantes de cidades próximas podem também ser atraídos para a região em virtude de fábricas como a Toyota. Segundo o Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba, elaborado pela Urbes (Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba) e por Logit em 2014, existe um grande volume de fretados que se dirige a esta área, provando sua força como polo de atração. A região central de Sorocaba, por sua vez, Apresenta baixíssima produção de viagens e grande atração. Isto se deve ao grande número de comércios e serviços presentes e sua área, fazendo com que essas viagens não sejam geradas apenas por questões de emprego, mas também por consumo. Além disso, essa região também abriga os dois terminais de ônibus de Sorocaba, facilitando o deslocamento de todos os pontos da cidade até ela.

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Divis達o modal na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes. Ao lado: Divis達o modal. Fonte: Logit/Urbes

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Aproximadamente 68% das viagens realizadas na cidade de Sorocaba são feitas por meios motorizados (seja eles automóveis, taxis, motos, ou ônibus). Os 32% restantes são feitos através de meios não motorizados, como caminhadas e bicicletas. Dentro das viagens motorizadas 38% são feitas em modos coletivos (ônibus municipais, fretados e transporte rodoviário), enquanto 62% dessas viagens são feitas por meios individuais. A cultura do automóvel é fortemente enraizada na cidade e fica clara nos números apresentados no gráfico acima e no mapa ao lado, bem como nos protestos feitos pelos motoristas de carros para com o primeiro corredor de ônibus implantado na cidade nas ruas Hermelino Matarazzo e Comendador Oeterer em outubro de 2012.

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No inicio do século XXI, em sua primeira década, o Brasil se viu em meio a um processo de progresso social de primeira importância. Uma série de saltos quantitativos e/ou qualitativos se fez ver: diminuição das desigualdades sociais, mobilidade, distribuição de renda, aumento do consumo. A saída do Brasil do mapa da fome mundial, bem como a constatação da FAO1 (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) da redução em 75% da pobreza extrema em terras brasileiras, ilustram muito bem todos os “esforços realizados pelo Brasil [que] permitiram que a pobreza se reduzisse de 24,3% a 8,4% entre 2001 e 2012, enquanto a pobreza extrema também caiu de 14% a 3,5%”2. Isto revela o amplo crescimento econômico ocorrido em terras tupiniquins. Populações que vivam antes a margem da sociedade em diversos sentidos passam agora a consumir produtos de elevado preço, as favelas se transformaram num mercado importante e os bairros periféricos a receberem shoppings center e comércio de grande porte. Hoje em dia, entretanto, podemos observar as consequências da inclusão social das classes econômicas mais baixas através do consumo. A confusão entre desenvolvimento social e econômico parece começar a cobrar seu preço. O aumento geral da frota de automóveis individuais no Brasil não cresceu no mesmo ritmo das vias necessárias para suportar tal crescimento. Quando a necessidade da criação de novas vias em virtude do aumento da demanda se fazia absolutamente necessária, o modelo, prejudicial ao ecossistema e completamente ultrapassado do ponto de vista da eficiência, muitas vezes decisões equivocadas ou inerentemente paliativas eram tomadas. A duplicação 1 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/09/16/ brasil-reduz-a-pobreza-extrema-em-75-diz-fao.htm [último acesso] 14/11/2015 2 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/09/1516648-brasil-reduziu-em-50-o-numero-de-pessoas-que-sofrem-fome-diz-a-onu.shtml [último acesso] 14/11/2015

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da Marginal Tietê em São Paulo prometia a resolução dos imensos engarrafamentos que aconteciam na região. As novas obras, ao serem concluídas, aparentaram resolver o problema por algumas semanas e logo já estava fazendo partem também dos engarrafamentos. Mais espaço para mais carros engarrafarem, este foi o resultado, bem como elevação do número de acidentes. Quando uma política é desenvolvida indo no caminho oposto as ações que demanda o transporte individual, ela é recebida com hostilidade pela grande imprensa e pelos usuários de carro. O atual prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, enfrenta em sua gestão uma verdadeira batalha contra a cultura de transportes hegemônica. Nem o registro de semestre com menor número de acidentes no trânsito em uma década3 após as medidas tomadas na cidade foram capazes de aplacar os ataques ao prefeito que supostamente estaria implantando uma ditadura do transporte público e alternativo. A diminuição de 36% nos acidentes ocorridos na marginal4 nada significa diante de um trânsito com velocidade reduzida (o que, definitivamente, não é o mesmo que eficiência reduzida). As críticas ferozes ao governo municipal de São Paulo e a democratização do transporte e do espaço público de maneira geral não acontecem apenas na maior metrópole brasileira e isto é fruto de uma cultura muito bem enraizada, na qual não possuir uma carteira de motorista a partir de uma certa idade é encarada com estranhamento e sinônimo de falta de vontade para com a vida adulta que se inicia. As críticas ao transporte individual são costumeiramente rebatidas com críticas ao transporte coletivo e a 3 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/09/1688274-sp-tem-semestre-com-o-menor-numero-de-mortes-no-transito-em-uma-decada.shtml [último acesso] 14/11/2015 4 http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/09/acidentes-com-mortes-caem-36-com-velocidade-menor-nas-marginais.html [último acesso] 14/11/2015

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impossibilidade de usá-lo devido a baixa qualidade ofertada, não se discutindo os problemas do modal hegemônico e estabelecendo-o como única solução numa sociedade que, teoricamente, não oferece outros meios. Perde-se assim de vista a discussão de quais seriam as alternativas para escapar deste modelo que privatiza o espaço público, segrega populações e degrada o meio ambiente.A própria bicicleta, neste contexto de paranoia para com o governo e grupos, coletivos e demais atores que atuam no meio urbano com o intuito de democratiza-lo, é considerada um modelo alternativo sem possibilidade de duração, sem a perspectiva de continuidade uma vez que seria moda passageira entre quem não quer se esforçar para ter uma carteira de motorista ou batalhar para possuir um carro. Adjetivos como “comunista”, “bolivariano”, “esquerdista” e “marxista” abundam, mesmo sem o mínimo entendimento do que cada um deles de fato significa. O ataque dos defensores dos meios de transporte individuais e privados aos meios de transporte alternativos e coletivos na cidade de São Paulo é nacionalmente (e até internacionalmente5) conhecido, mas não é a única cidade a passar por isso no Brasil. O predomínio e crescimento do número de veículos tampouco é privilégio da capital do estado e neste ponto olhamos para Sorocaba. Tida como a cidade com maior extensão de ciclovias no estado de São Paulo6, a cidade ainda carece de planejamento no tocante a esta questão. A maior parte das ciclovias não possui conectividade com outras de mesmo porte e os investimentos pararam nos últimos anos. A própria cultura do automóvel ainda não permite que elas seja utilizadas em sua plenitude. O governo municipal tem usado as ciclovias 5 http://www.nytimes.com/2015/10/05/world/americas/mayor-fernando -haddad-of-sao-paolo-strives-to-ease-gridlock.html?_r=0 [último acesso em 14/11/2015] 6 http://www.archdaily.com.br/br/01-103903/sorocaba-possui-modelo-de -rede-de-ciclovias-no-estado-de-sao-paulo [último acesso em 14/11/2015]

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quase como um programa de marketing urbano durante a última década, aajudando a atrair grande número de pessoas à cidade (muitas delas vindas de São Paulo) e, consequentemente, empresas e industrias, ironicamente algumas do ramo automobilística. Desta maneira, enquanto a Prefeitura Municipal acena com uma mão para o mundo enaltecendo estas conquistas, esconde com a outra o modelo que incentiva paralelamente. Entretanto, é necessário reconhecer a mudança ocorrida na cidade e a progressiva transformação do pensamento de motoristas ao viver em uma cidade que hoje é referência nacional neste assunto. Como já dito, Sorocaba, com ciclovias ou sem ciclovias, é um grande reduto da cultura automobilística, sendo reforçada cada vez mais com a chegada de industrias do ramo, como a montadora da Toyota, ainda com planejamentos de expansão7 da produção em vista do retorno satisfatório que continuar a dar aos seus empresários. Sua própria vinda para a cidade é, na verdade, reflexo do crescimento da frota de veículos que o país, e Sorocaba por consequência, presenciou desde o começo dos anos 2000. Entre os anos de 2002 e 2013, a frota de carros aumentou em 157% na cidade segundo levantamento da Logit feito em 2014. Essa explosão aconteceu durante um período onde a renda média da população brasileira aumentou de maneira exponencial, permitindo que programas de crédito fossem abertos com relativa segurança, assegurando assim a possibilidade das classes econômicas baixas adquirirem um automóvel, algo impensável até o final do século XX. Em um grupo de 100 habitantes o número de possuidores de veículos motorizados passou de 30 para 64, um salto gigantesco que não poderia resultado senão em engarrafamentos e agravamento da poluição na cidade. O 7 http://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2015/01/toyotavai-investir-r-100-milhoes-na-ampliacao-da-fabrica-em-sorocaba.html [último acesso em 14/11/2015]

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Divisão Modal - Comparação com outras cidades. Fonte: Logit/Urbes. aumento exponencial da taxa de motorização faz com que os principais corredores de transporte da cidade passem a se tornar lugares de pura imobilidade durante horários de pico, prejudicando também o transporte público da cidade, uma vez que este acontece apenas sobre pneus. Como se por ver ao lado no gráfico de barras, Sorocaba possui uma taxa muito alta de utilização de transportes motorizados individuais, superando até mesmo cidades muito maiores como São Paulo, Belo Horizonte e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A diferença de utilização do modal motorizado individual entre Sorocaba e a cidade do Rio de Janeiro é surpreendente. Entretanto, é curioso que as duas únicas cidades a superarem Sorocaba na porcentagem do uso de transporte individual motorizado são Ribeirão Preto e São José dos Campos, cidades de porte semelhante ao de Sorocaba, bem como é interessante

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a comparação destas com as outras grandes cidades já citadas, indicando haver algum tipo de semelhança no modelo adotado pelas cidades médias brasileiras, onde a cultura do automóvel para ser ainda mais consolidada do que nas metrópoles. As viagens feitas a pé colocam Sorocaba como uma das três cidades com maior porcentagem no gráfico, juntamente com a cidade do Rio de Janeiro e a Região Metropolitana de Campinas. Ao mesmo tempo, Sorocaba aparece como uma das piores no uso da bicicleta, fato curioso em virtude de seu amplo sistema de ciclovias. Fora Belo Horizonte e São Paulo (esta última participando com dados de 2007, antes das transformações da gestão Haddad), todas as outras, incluindo Ribeirão Preto e São José dos Campos, possuem nível semelhante de uso de bicicletas, os quais são quase insignificantes se comparados aos outros modais. Da mesma maneira que Sorocaba, Ribeirão Preto e São José dos Campos se destacam quanto ao uso do automóvel, elas possuem as menores porcentagens de uso de transporte coletivo entre as cidades comparadas. Isto só consolida ainda mais a suposição de que as cidades médias brasileiras possuem fortes traços em comum no que se refere aos seus meios de transporte, merecendo urgentemente um estudo que trate sobre tal tema com a devida atenção, tarefa, infelizmente, impossível de ser realizada neste trabalho. Entretanto, qual é a condição atual do transporte público em Sorocaba? Esta é a questão que tentaremos responder de maneira breve nas páginas seguintes.

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Acima: Demanda mensal e anual hist贸rico. Fonte: Logit/Urbes. Abaixo: Frequ锚ncia x embarque Fonte: Logig/Urbes

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A distribuição das linhas segue basicamente os dados obtidos nos mapas de produção e atração de viagens e densidade urbana, mostrando que o sistema de transporte coletivo urbano de Sorocaba senão eficiente, ao menos tem por característica a democratização dos recursos disponíveis. A região da cidade que possui maior número de linhas é a região central. Isso não surpreende visto que os dois terminais de ônibus se encontram em seus domínios e a sua atração de viagens é considerável. A região norte e a região leste, com 47 e 38 linhas atendendo-as, respectivamente, fazem jus a esse número devido ao grande número de viagens que atraem e que produzem. Quanto ao tempo médio de viagem apena a região nordeste (a qual compreende a chamada Zona Industrial) se destaca negativamente, apresentando média de 43 minutos, contra as outras que apresentam número perto dos 30 minutos. Os intervalos de espera são relativamente parecidos e a frota de 888 ônibus (dados do ano de 2013) atendem as diferentes regiões conforme o tamanho de sua população. No gráfico ao lado é possível observar uma queda na demanda de transporte coletivo até o ano de 2005, talvez derivado do crescimento econômico do país e da facilitação do crédito para a compra de automóveis. A partir de 2006 a demanda começa aumentar de novo e continua em ritmo constante até o ano de 2012. A Urbes declara atender, em média, 210 mil passageiros por dia, 4,7 milhões ao mês e mais de 56 milhões ao ano. Os dados não revelam tanto em relação a eficiência, pois numa cidade de porte média brasileira os tempos de espera são relativamente comuns. Entretanto, a experiência do autor (e alguns relatos presentes no anexo deste trabalho) pode afirmar que

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Acima: Divis達o modal - compara巽達o com outras cidades. Fonte: Logit/Urbes. Abaixo: Dados operacionais por regi達o. Fonte: Logig/Urbes

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no horário de pico (6:30 às 8:30 e 5:00 às 7:00) os ônibus são absolutamente lotados; a falta da possibilidade de integração da passagem de um ônibus para o outro (como o sistema existente em São Paulo) faz falta, tornando as viagens mais longas do que deveriam; o sistema de dois terminais, fazendo com que todos os carros se dirijam até eles para que aí então os passageiros troquem de ônibus, é completamente ultrapassado para uma cidade do porte de Sorocaba (o sistema Inter Bairros tentar superar essa deficiência executando rotas circulares e apoiados e mini terminais urbanos, mas ainda assim as linhas poucas e a frequência menor do que a ideal). Na página seguinte o gráfico de divisão modal mostra a distribuição de viagens por modo e por faixa de renda nos dias úteis. Desta maneira, primeira diferenciação do perfil dos usuários do transporte público na cidade de Sorocaba pode ser feita através da renda. No mapa de divisão modal anteriormente mostrado, é possível notar, quando comparado ao de renda, que as regiões mais abastadas da cidade possuem menor porcentagem de uso do transporte coletivo. O Centro se faz exceção por conta de englobar os dois terminais de ônibus da cidade, elevando assim consideravelmente a quantidade de uso deste modal. O gráfico é explícito quanto à comparação entre renda e transporte utilizado. As viagens feitas a pé caem exponencialmente entre a primeira coluna (renda de até R$700,00) e a última coluna (renda acima de R$7.000). A primeira apresenta uma taxa de cerca de 46% do total de viagens, enquanto na última ela cai drasticamente para cerca de 11%. O uso do transporte coletivo cai entre essas duas faixas de maneira semelhante (cerca de 33% na primeira e 5% na última). A região central da cidade, abrigando os dois terminais de ônibus da cidade, e a região sul, as re-

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Acima e abaixo: Divisão modal - distribuição de viagens por modo e por faixa de renda. Fonte: Logit/Urbes.

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giões de mais alta renda do município, possuem grande número de linhas de ônibus, sendo que a região sul foi ainda mais integrada ao sistema de transporte público depois da implantação do sistema Inter-Bairros, o qual oferece transporte entres as diferentes regiões da cidade sem necessariamente passar por um dos dois terminais de transporte coletivo. Mesmo com a infraestrutura adequada, a região sul tem baixo índice de uso de transporte coletivo e alta índice de transporte automotivo. A escalada monumental do uso do automóvel entre a primeira e a última coluna (cerca de 11% na primeira e 55% na última) é proporcional a do uso do transporte coletivo entre as duas, indicando assim um perfil específico de usuário a partir de sua renda. Tudo isso sem esquecer que a classe média sorocabana é numerosa e se encontra nos valores intermediários também contemplados pelo gráfico.

Podemos concluir assim que uma nova concepção de transporte na cidade se faz urgente. Dois corredores de ônibus foram instalados em grandes avenidas, mas funcionam apenas como paliativos. O si stema BRT é promet ido há anos, entreta nto nunca aconteceu de fato. Já está na hora da cidade cogitar o desenvolvimento d e u m si stem a VLT ( veí c ul o leve sobre trilhos) enquanto a malha urbana permite que isso seja feito com mínimo de problemas administrativos e urbanos, pois, em alguns anos, a sua execução será tão complicada como numa cidade de grande porte.

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Nota de última hora: Apesar dos bons números apontados nos gráficos anteriores, o jornal Cruzeiro do Sul, em matéria do dia 08 de novembro do ano presente, registra a diminuição da frota de ônibus, a qual foi confirmada pela Urbes, alegando queda na demanda. Entretanto, os ônibus seguem agora ainda mais lotados e com intervalos de espera maiores.

O número de passageiros que utilizam o transporte coletivo em Sorocaba diminuiu mais de 9% desde outubro do ano passado. Apesar disso, as linhas com maior demanda continuam circulando com os ônibus lotados nos períodos de pico, já que a partir do último mês de setembro a Urbes -- Trânsito e Transporte começou a reduzir os horários de partidas de algumas linhas, alegando adequação à queda na quantidade de passageiros. Como consequência os intervalos nas partidas dos coletivos em parte das linhas aumentaram em até 13 minutos. A cada mês deste ano houve uma média de 4,8 milhões de utilizações (viagens) feitas pelos cerca dos 100 mil passageiros que a Urbes estima fazer uso do sistema do transporte coletivo em Sorocaba durante os dias úteis. Quando comparado setembro de 2014 com 2015, a redução de passageiros foi de 9,84%. Neste mesmo mês do ano passado os passageiros fizeram 5,4 milhões de viagens nos coletivos urbanos da cidade, enquanto no mesmo pe-

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ríodo deste ano foram 4,8 milhões, uma redução de 532.302 viagens em 30 dias, segundo divulgou a Urbes. A redução de ônibus partindo foi de 3,52%, já que a Urbes informa que em setembro do ano passado houve 277,8 mil partidas de ônibus contra 268 mil partidas no mesmo mês deste ano: foram 9.768 partidas a menos no mês.1

Estas informações foram encontradas no dia do fechamento deste TFG e foram incluídas aqui de maneira a mostrar a realidade de fato presente e não se contentar apenas com os dados apresentados, os quais datam do ano de 2013. O tempo impede a análise mais detalhada, mas ficam as informações de como o transporte público da cidade vem sendo sucateado aos poucos. Os promissores números do tempo de espera apresentados no gráfico e na tabela das páginas anteriores, portanto, devem ser atualizados. Os ônibus passam a apresentar condições piores do que as informações reunidas e apresentadas pela Urbes e pela Logit atestam em seu Plano Diretor de Transporte e Mobilidade, o qual pretende orientar as políticas urbanas pelos próximos anos. Um plano, portanto, já defasado que será inútil diante da redução de uma frota de transporte público também já defasada e agora ainda mais reduzida.

1 http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/653434/numero-de-passageiros-no-transporte-coletivo-de-sorocaba-tem-queda-de-9 [último acesso em 15/11/2015]

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MatrĂ­culas escolares por regiĂŁo na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes.

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No mapa ao lado temos a representação gráfica da quantidade de matrículas escolares feitas em cada região (representada pelos gráficos de barra) sobre a o número de população de cada uma delas (representada pela escala de cores nas regiões delimitadas). A região norte é a que apresenta maior número de matrículas de ensino fundamental e infantil, proporcional a sua população e revelando o perfil jovem de seus habitantes. As regiões sudeste, sudoeste, nordeste e centro apresentam baixo índice de matrículas de ensino fundamental, infantil e médio, ao mesmo tempo em que as matrículas para ensino superior são relativamente altas. Isto se dá por conta de faculdades universidades de grande porta instaladas nessas regiões, como a Universidade Paulista (região norte), a Universidade de Sorocaba (com campus na região central e na região sudeste) e a Anhanguera Educacional (instalada na região sudoeste e com previsão de nova unidade na região norte, na Avenida Itavuvu, fator que pode gerar novos fluxos para aquela região). A educação passou por uma longa discussão no mês de junho sobre o PME (Plano Municipal de Educação). As discussões foram marcadas por protestos e intervenções públicas na Câmara Municipal, principalmente por embates entre coletivos sociais feministas e de diversidade de gênero em oposição ao protesto de grupos cristãos. Os primeiros defendiam a discussão de gênero nas escolas e os últimos o ensino religioso e, mesmo fora de pauta, o conceito tradicional de família presente na Constituição. O arcebispo metropolitano de Sorocaba, Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, tomou a palavra durante uma das mesas de discussão na Câmara e citou a Lei de Diretrizes e Bases e Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que citam como parâmetros curriculares disciplinas que foquem as religiões cristãs. Das 53 emendas apresentadas, apenas 19 foram aprovadas, excluindo todas que versavam sobre a questão de gênero e o ensino religioso.

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Localização de Postos de Pronto Atendimento (PAs) na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre Plano Diretor de Mobilidade de Sorocaba - Logit/Urbes.

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A primeira coisa curiosa na figura ao lado que mapeia as unidades de Pronto Atendimento de Saúde Básica na cidade de Sorocaba é o fato de haver apenas uma num raio de cinco quilômetros a partir do ponto central da região central. A grande maioria se encontra nos eixos norte e leste, grandes vetores de expansão urbana da última década. Sorocaba recebeu, no mês de outubro de 2015, classificação abaixo da média do estado pelo Índice de Efetividade de Gestão Municipal (IEGM) em uma classificação de cinco pontuações (A, B+, B, C+ e C), recebendo nota C, ou seja, “baixo nível de adequação”. A saúde, especificamente, ficou com nota B. Apesar dessa classificação desfavorável, o Banco de Olhos de Sorocaba é referência nacional em tratamentos, cirurgias e transplantes oftalmológicos, ainda que venha enfrentando problemas de repasse de verba. Segundo o jornal Cruzeiro do Sul o hospital mantido pelo Banco de Olhos de Sorocaba (BOS) registrou nos últimos dois anos queda de 80% das cirurgias de catarata realizadas via Sistema Único de Saúde (SUS). O total de procedimentos executados que em 2013 foi de 6 mil (cerca de 500 ao mês), está hoje na casa de 1,2 mil (média mensal de 100). O problema, conforme o superintendente da instituição, Edil Vidal de Souza, é provocado pela redução dos repasses a cargo do governo federal.1

O BOS também administra a Unidade Pré-hospitalar da Zona Leste, localizada na Avenida Nogueira Padrilha, construído com o objetivo de aliviar a demanda existente na Santa Casa de Saúde. Em 2013 reportagens do portal G1 noticiavam pouco movimento na unidade, entretanto, em 2014 o jornal Cruzeiro do Sul afirmava que pacientes de todas as regiões da cidade se dirigiam até lá, bem como em 2015 é registrada saturação do mesmo local, mostrando a necessidade de novas unidades de saúde devido ao rápido crescimento da população e suas respectivas demandas. 1 http://www.jornalcruzeiro.com.br/tvcruzeiro/1015 acesso em 06/11/2015

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Do micĂ­lio particulares permanentes com abastecimento de ĂĄgua na rede geral na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre IBGE.

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De uma maneira geral a cidade de Sorocaba é bem servida quanto ao abastecimento de água. As regiões sul e central tem abastecimento virtualmente irrestrito. A maioria dos bairros das regiões oeste e sudoeste também apresentam bom abastecimento, bem como as áreas mais próximas ao centro das regiões norte, nordeste, leste e sudeste. Entretanto, as áreas mais periféricas das regiões norte e nordeste apresentam, respectivamente, porcentagem de 25% a 50% e de 0% a 25% de abastecimento, informação preocupante ao se tratar das duas zonas mais populosas da cidade, como vimos anteriormente. Atualmente Sorocaba possui 25 centros de distribuição e 51 reservatórios espalhados pela cidade. Segundo a Revisão do Plano Diretor do Sistema de Abastecimento de Água de Sorocaba, a cidade possui três ETAs (Estação de Tratamento de Água), sendo que a ETA I Cerrado, localizada na região sudoeste e principal ETA da cidade, possui capacidade de tratamento de 1400,00l/s e capacidade nominal de 1800,l/s; a ETA II – Éden, ligada à captação do rio Pirakibu-Mirim, possui capacidade de tratamento de 180l/s; e a ETA III – São Bento, ligada à captação do Rio Sorocaba (onde passa por pré-tratamento antes mesmo de chagar a ETA), possui capacidade de tratamento de 60l/s e atende basicamente os loteamentos do bairros que leva seu nome.Em depoimento ao jornal Cruzeiro do Sul, Wilson Unterkircher Filho, ex-diretor do SAAE (Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto), discorrendo sobre a crise hídrica municipal e estadual, declarou que hoje a ETA Cerrado tem mais capacidade para tratar do que infraestrutura para distribuir à população. Contudo considera “utópico” afirmar que Sorocaba deixará de ter problema com a falta da água.1 1 http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/528589/pannunzio-admiteque-abastecimento-de-agua-em-sorocaba-vive-momento-de-crise acesso em 06/11/2015

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Domicílios particulares permanetes com disposição final do esgoto em fossa em rio, lago ou outro escoadouro. Fonte: autor sobre IBGE.

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O mapa ao lado mostra que apenas nos extremos das regiões sudoeste e sudeste o sistema de esgoto canalizado não se apresenta de maneira mais intensa, fato que ocorre, de maneira geral, com o restante da cidade. A grande quantidade de sítios e chácaras próximas a essas regiões pode justificar essa baixa taxa. Algumas residências precárias também, principalmente no extremo da região sudeste, as quais não chegam a formar favelas segundo relatório do IBGE 2010, o qual atesta não haver esse tipo de aglomeração na cidade de Sorocaba. A Revisão do Plano Diretor do Sistema de Esgotos Sanitários de Sorocaba (feita no ano de 2000) destaca que existem em Sorocaba 950km de redes coletoras (com diâmetro variável de 150mm a 250mm, abrangendo as áreas urbanas em sua quase totalidade. Segundo o relatório, o atendimento é da ordem de 95%: 107.855 residenciais, 7.882 comerciais, e 472 industriais (conforme dados de Dezembro de 1994 fornecidos pelo SAAE). O sistema de esgotos sanitários de Sorocaba resume-se a coleta e transporte. Não há tratamento e os efluentes dos emissários são lançados “in natura” no Rio Sorocaba e seus afluentes, segundo informações do mesmo relatório. O website do SAAE informa também que, a partir do ano de 2000, o programa de despoluição do Rio Sorocaba passou a tratar 96% do esgoto da cidade após investimento de R$180 milhões do Governo Federal. Entretanto, matéria do jornal Cruzeiro do Sul, realizada em junho de 2014, contesta rais números: Sorocaba trata 81,8% do esgoto que gera, 14,2% a menos do que começou a divulgar há quase quatro anos, desde setembro de 2010, quando inaugurou a Estação de Tratamento de Esgoto S-2 (ETE S-2). De lá para cá, o município conquistou prêmios ambientais que também levaram em consideração o tratamento de esgoto. Agora o próprio Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) reconhece que trata 81% e não os 96% que divulgava até o ano passado.1 1 http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/550349/sorocaba-trata-menos -esgoto-do-que-o-divulgado acesso em 06/11/2015

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Domicílios com coleta de lixo pelo serviço de limpeza pública na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre IBGE.

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No mapa ao lado, sobre coleta de lixo e limpeza pública, um fenômeno semelhante aos mapas que versam sobre outros tipos de serviços e infraestrutura provida pelo poder público acontece. A região central é atendida em sua totalidade por tais serviços, bem como a região sul. Os extremos da cidade também são muito bem atendidos. A menor densidade habitacional vista nesses extremos e o grande número de fábricas e empresas pode contribuir para esta constatação. As regiões norte e nordeste, com extremos mais densos habitacionalmente que os outros extremos, sofrem mais com a falta de coleta e limpeza pública. O website da Prefeitura Municipal de Sorocaba exibe os dias da semana e períodos onde a coleta é feita nas diferentes regiões. Na região central a coleta é realizada diariamente após às 17h. Já os demais bairros da cidade possuem coleta feita nos períodos noturno e diurno, porém em diferentes dias da semana. As regiões norte, nordeste e leste recebem a coleta as segundas, quartas e sextas-feiras. Já as regiões sudeste, sul, sudoeste e oeste recebem a coleta as terças, quintas e sábados. Sorocaba passou por uma série de problemas quanto à coleta de lixo nos meses compreendidos entre o final de 2013 e junho de 2015. O rompimento com a empresa de prestação de serviços Gomes Lourenço em 2013 resultou em uma série de contratos emergenciais firmados com a empresa Consórcio Sorocaba Ambiental, o último deles feito em maio de 2015 no valor de R$ 20.551.053,60 (R$75 milhões foram gastos no total durante o período), o qual se encerrou em julho do mesmo após uma confusa e arrastada licitação envolvendo processos à Prefeitura Municipal por parte da empresa Ecopav Construções Urbana alegando irregularidade na anulação de seu orçamento licitatório e consequente desclassificação do certame. Ao final, a vencedora da licitação foi a própria Consórcio Sorocaba Ambiental com um contrato válido por um ano no valor de R$ 78.616.167,00.

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DomicĂ­lios com infraestrutura interna urbana adequada na cidade de Sorocaba. Fonte: autor sobre IBGE.

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Os números absolutos, ao contrário do que poderia acontecer se a porcentagem fosse utilizada como medida, podem enganar neste mapa. O baixo número de domicílios com infraestrutura urbana adequada (ou seja, eletricidade, ligação ao sistema de águas urbanas, etc.), presente na região central e em parte da zona sul não reflete a qualidade dos domicílios e muito menos a renda de seus habitantes, refletindo apenas a baixa densidade que existe nessas regiões, principalmente no Centro. Os eixos habitacionais que se formam ao longo da Avenida Itavuvu e da Avenida São Paulo também apresentam boa adequação infraestrutural dos domicílios. Já as periferias não se enquadram na mesma classificação. Essas regiões periféricas possuem dois diferentes caráteres. Um dele é o que pode ser encontrado nas periferias das regiões oeste e norte, por exemplo. São periferias de média a alta densidade e muitas de suas habitações carecem de ligações elétricas seguras e conexão com as águas urbanas. O bairro Habiteto, localizado na região norte, é um exemplo desse tipo de carência. O domínio do tráfico de drogas nestes lugares impedem ou dificulta a atuação do poder público, levando ao completo abandono de sua infraestrutura e dos programas de assistência. O citado bairro Habiteto já foi manchete nos jornais da cidade ao receber a Guarda Civil Metropolitana com arremessos de pedras e tijolos1 e por fazer o bairro “virar uma praça de guerra” com protestos após a morte de dois jovens que teriam sido mortos em troca de tiros com a Polícia Militar2. A troca de tiros é a versão oficial da PM, porém, moradores dizem que os jovens foram executados. Desta maneira, a infraestrutura oferecida pelo serviço público aos domicílios passa a diferenciar os bairros integrados à cidade, considerados parte da cidade, ainda que funcionem como bairros-dormitório (como o são, em grande parte, os loteamentos do bairro Wanel Ville, por exemplo), e os bairros rejeitos pelo poder público como fora de sua esfera de influência e jurisdição. Não são formalmente como as tradicionais favelas de São Paulo ou Rio de Janeiro, mas são tratados como tal. 1 http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/625785/gcm-e-recebida-comviolencia-durante-acao-no-bairro-habiteto [último acesso em 14/11/2015] 2 http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/536334/protesto-faz-bairro-habiteto-virar-uma-praca-de-guerra [último acesso em 14/11/2015]

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Lançamento de condomínios fechados na cidade de Sorocaba entre os anos de 2009 e 2012. Fonte: autor sobre IBGE e SECOVI-SP.

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A fragmentação do tecido intra-urbano A dispersão urbana leva para as franjas da cidade, e além delas, um modelo de ocupação fadado ao enclausuramento e negação de toda e qualquer possível vida em seu entorno. Mas e quando esse enclave já está inserido na malha urbana tradicional? Este é o caso dos condomínios fechados criados dentro da cidade de Sorocaba. As fortificações nas quais eles acabam por se constituir representam tamanha interrupção no tecido urbano que os fluxos são alterados e as dinâmicas transformadas. Esta fragmentação do espaço resulta em muito mais do que segregação social. Se nos condomínios frutos da dispersão urbana os muros que traçam seus limites divisam apenas com áreas baldias, regiões de mato e rodovias, os condomínios intra-urbanos voltam seus muros, grades, câmeras de vigilância e seguranças de prontidão para um entorno que, a priori, não se alinha a este caráter de urbanização. A rua, enquanto espaço, continua a existir como corredor de passagem de automóveis. A rua, enquanto conceito Lefebvriano, local de encontro e vivacidade urbana, morre frente a um muro branco. O “ballet da calçada”, para usar uma expressão de Jane Jacobs, definha antes mesmo do segundo ato. O crescimento destes empreendimentos na cidade de Sorocaba, nos últimos anos, mostra o avanço deste tipo de urbanização e apropriação do espaço. A Figura 1 mostra esse acelerado crescimento e sua concentração na

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região sul do município, com um eixo se dirigindo ao leste. A região sul possui a segunda maior concentração de renda da cidade, perdendo o primeiro posto para a região central apenas por uma questão de densidade populacional, a qual é muito mais baixa no centro. Esses enclaves urbanos também gravitam em torno da região sudoeste e um deles nos fornece um notável exemplo da maneira que muitos destes empreendimentos se relacionam com a rua e o espaço público de maneira geral. O Condomínio Villa dos Inglezes (grafado em vermelho na Figura 3), localizado na zona oeste do município de Sorocaba, possui uma área total de 729.734,18m² reservada para 1.070 unidades residenciais (toda já ocupadas com 10 delas doadas para a Associação de Amigos do Loteamento Parque Residencial Villa dos Inglezes)1. Esta área inclui uma considerável mancha de mata por onde passa o já esquálido córrego Itanguá. Não bastasse a tomada de exclusividade de bens naturais e a forma de bolha no tecido urbano na qual se apresenta numa malha intuitivamente permeável, sua relação com as ruas de seu entorno não são nada fluidas ou amistosas. Particularmente com relação à rua sem nome que separa o condomínio do córrego Itanguá. De um lado, um muro sem porosidade alguma por cerca de 300 metros. Do outro, um resquício de mata ciliar fechada com a mesma extensão a salvaguardar o corpo d’água. As calçadas de ambos os lados estão tomadas por mato, pois, de fato, ninguém as usa. Afinal, qual seria o motivo para sua 1 http://villadosinglezes.org.br/

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utilização uma vez que nada ali acontece? A rua termina m um muro cego, pertencente à Vila Íris (grafado em azul na Figura 3), uma chácara urbana de grandes proporções. Outro enclave urbano, mais uma interrupção bruta na fluidez do tecido e deslocamento tanto de pedestres quanto de automóveis.

Enclave urbano na zona sudoeste da cidade de Sorocaba (Chácaras Reunidas São Jorge) Fonte: autor sobre IBGE e SECOVI-SP.

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Na administração do prefeito Vitor Lippi (2005/2013 – PSDB) o programa Sorocaba Total, que visa à integração de todas as zonas da cidade através de grandes corredores viários e destes com as principais rodovias e estradas da região, como a Raposo Tavares e a Castelo Branco, começou a ser implantado. Um trecho de sua segunda fase, interligando a Zona Norte da cidade à Rodovia Raposo Tavares, tem previsão de passar em frente à portaria da Villa dos Inglezes. Os moradores se mobilizaram de maneira a impedir a concretização deste projeto, alegando ”os incalculáveis transtornos que uma avenida em nossa portaria poderia causar, como trânsito congestionado, dificuldade de acesso á Associação [de Amigos do Loteamento Parque Residencial Villa dos Inglezes], desvalorização dos imóveis e etc”2. As ruas do entorno da portaria, e principalmente a rua Dr. Luiz Mendes de Almeida, que dá acesso ao CEAGESP-Sorocaba (Cia de Armazéns e Entrepostos de São Paulo), tem total capacidade de atender a demanda que esse novo eixo de ligação traria, além da possibilidade de desenvolvimento de comércios e serviços através do novo público a ter fácil acesso a região, principalmente tendo em vista a proximidade com o grande centro de distribuição que é o CEAGESP. A avenida anta Cruz, aberta no início da zona sudoeste no primeiro mandato da gestão Vitor Lippi, estabele ligação direto dos bairros Ipiranga, Ouro Fino e Júlio de Mesquita Filho, barriso pertencentes à zona oeste e extrema zona oeste, com uma das principais avenidas da cidade, a Avenida General Carneiro/Armando Panunzzio. 2 Idem.

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No últimos anos, devido ao movimento que nela se estabeleceu, diversos empreendimentos comerciais começaram a surgir, dando vida nova ao lugar e revigorando os bairro do entorno. Fenômeno semelhante poderia ocorrer com a execução do programa Sorocaba Total e a não resistência dos moradores do condomínio Villa dos Inglezes para com a Prefeitura. Ironicamente, a implantação deste programa seria a corroboração do mesmo modelo de deslocamento usado pelos moradores do condomínio, mostrando que a segregação parte de um isolamento puramente espacial e não da defesa de um modelo de transporte. É um modelo de vida e não um modelo de cidade a prioridade destes moradores. A recusa de uma convivência mais próxima com qualquer tipo de urbanidade fica explícita nesta luta pelo condomínio enquanto um bastião de defesa e isolamento da vida que acontece na cidade e na própria expressão árida e desolada que a rua sem nome que o margeia apresenta, oprimida entre duas barreiras incomunicáveis.

O muro é uma estrutura de defesa contra a falta (pedido), uma mensagem de indiferença contra o outro (recusa), uma alegoria de felicidade interna (oferecimento) e uma negação indeterminada de reconhecimento (“não é isso”). O muro [...] diz invariavelmente “não

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é isso” para os que estão fora e, por consequência, “é isso” para o que estão dentro.3

A aversão ao outro parece derivar de uma mistura de identidade de classe com medo irracional da violência urbana, transformando a situação numa confortável desculpa para não apenas o isolamento do que antes era entendido como vida urbana, mas também para a evidente recusa de seu entorno e consequente prejuízo ao mesmo, público por excelência. A materialização da rejeição ao estrangeiro em muros é a materialização da inversão do medo daquilo que foge aos padrões, do que foge ao normal, ao seguro, ao estável. Se os hospícios continham “loucos”, agora os “loucos” são mantidos do lado de fora. Se as prisões falharam em manter os criminosos, agora os criminosos são mantidos atrás de um muro de indiferença. O precedente mais claro de nossos modernos condomínios administrados, conforme o uso higienista da razão, são, evidentemente, os grandes hospitais psiquiátricos reconstruídos e expandidos em meados do século XIX.4

Continua Duncker em referência ao ato de falar com as paredes, geralmente atribuído aos residentes dos hospitais psiquiátricos: 3 DUNCKER, Christian I. L. Mal-Estar, Sofrimento e Sintoma. Boitempo Editorial: São Paulo, 2015. 4 Idem.

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Falar com as paredes não é só falar para quem não vai nos escutar, mas reconhecer que nas paredes e nos muros há um mal-estar cujo nome não lembramos mais e um tipo de sofrimento que exprime uma aspiração de reconhecimento. Novamente, o muro aparece como figura da indiferença, da exclusão e da segregação [...].5

A chácara urbana antes mencionada, em seu lado oposto à Villa dos Inglezes, oferece um contínuo muro de concreto à Rua Comendador Vicente do Amaral, de um lado, enquanto os condomínios de classe média-baixa Jardim das Cerejeiras I e Jardim das Camélias (grafados em magenta na Figura 3) oferecem a mesma falta de diálogo do outro. Na Figura 3 é possível observar a maneira como esses nós no tecido pontuam essa região de maneira a quase se aglutinarem numa massa semi-compacta com pequenos e inertes vasos capilares de deslocamento em seu “interior”.

Grafado em amarelo na Figura 3, o Condomínio Residencial Villa do Bosque completa o triângulo de nós e termina por estabelecer um dos maiores enclaves urbanos da cidade de Sorocaba, o qual serve como exemplo para5 Idem.

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digmático dos movimentos de urbanização que a cidade vem sofrendo nas últimas décadas. A suposição de Netto et al Essa crescente rarefação urbana, suspeita-se, seria acompanhada de aumento das distâncias intraurbanas, diluição do movimento de pedestres e da vida microeconômica local, problemas de segurança pública e novas formas de segregação socioespacial – não se podia provar mais verdadeira, principalmente quando consideramos a barreira de deslocamentos que ela se torna e, para não cairmos no que Jan Gehl chamou de síndrome de Brasília, a aridez presenciada na escala do pedestre. Realizando este movimento de mudança de escala, observam-se as condições estéreis e intransitáveis nas quais as vias que circundam o triângulo estão, como mostrado nas Figuras 4, 5 e 6 (a localização de cada uma das imagens está indicada em números na Figura 3). O estabelecimento dos “nossos” e dos “outros”, num só movimento, é uma ação operada com perfeição pelo muro, pela barreira de distinção entre a utopia não esclarecida e a distopia esclarecida (Duncker, 2015). Mas não apenas isto. É

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Imagens abaixo: Ruas ao redor do enclave urbano da zona sudeste de Sorocaba. Fonte: autor sobre Google Street View


também ponto nevrálgico da luta de classes enquanto estruturação da sociedade e sua lógica de conformação espacial, bem como de seu simulacro idealizador que toma a forma do condomínio e rejeita tudo aquilo que lhe é estranho.

É preciso lembrar que o conceito de condomínio toca de modo breve o universo invertido e periférico das favelas. A fusão sintética dos dois universos opostos é naturalmente a prisão. A lógica concentracionária reproduz o estado de exceção, alternando a face liberal da formação de muros, que trabalha pela instrumentalização dos dispositivos de regulação, e a face disciplinar dos muros, que opera relativamente pelo controle dos excessos. Entre uma e outra, há a face romântica do condomínio, pela qual a estrutura se mostra de modo mais visível como idealização. Ou seja, três formas complementares de autodeterminação, como bom uso da liberdade, como aperfeiçoamento da ordem e como idealização da experiência, concorrem na sustentação da fantasia narcísica dos muros. [...] A unidade estrutural que une condomínios de luxo, prisões e favelas aparece como ressentimento social.6

6 Idem.

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Conclus達o

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Tênis, calça jeans, camisa e sem identidade Eu continuo no rolé pelo centro da cidade Só tenho 10 conto pra tomar uma Skol Mas a vida inteira pra ver o raiar do sol

Isso é o Que Eu Tenho no Sangue – Planet Hemp

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O espaço intra-urbano da cidade de Sorocaba é complexo e diversificado, assim como o é o espaço intra-urbano das cidades brasileiras de porte semelhante. Podemos concluir ao final deste trabalho que a população de Sorocaba é extremamente heterogênea. As regiões centro e sul são as que dispõem de melhor infraestrutura e provimento de serviços públicos, apesar de suas densidades pouco elevadas. Seguem o padrão das metrópoles brasileiras apresentadas por Villaça: as áreas nobres recebem uma sobreposição de infraestruturas de qualidade muito maior do que as regiões com média de renda mais baixa. Apesar de não haver favelas (ou ao menos assentamos que são considerados como tais) as habitações presentes em alguns bairros da cidade, principalmente na periferia, apresentam considerável nível de carência. O bairro Habiteto foi aqui usado como exemplo de precariedade, mas definitivamente não é o único. Os bairros Cajuru, São Bento e outros também apresentam condições semelhantes em algumas de suas áreas. Como dito no início deste trabalho, os estudos sobre a cidade de Sorocaba ainda são poucos. Sobre o espaço intra-urbano da cidade, quase inexistentes. Uma cidade que irá receber um loteamento com 2590 unidades no extremo norte de seus domínios (o Jardim Carandá), o qual estará relativamente desconectado da infraestrutura de serviços, comércio e transporte que a crescente região norte consolida de forma intensa no eixo da Avenida Itavuvu, certamente apresenta problemas de gestão urbana que devem ser estudados e discutidos. O crescimento da cidade, a instituição da Região Metropolitana de Sorocaba, a profusão de grupos e coletivos sociais que surgem de suas universidades, os shows em praça pública feitos de maneira independente, a vinda do Sesc e tantas outras manifestações culturais urbanas são fatores de grande peso na transformação deste município de médio porte. Esta é a hora da cidade de Sorocaba receber a atenção acadêmica que merece e das lutas por uma cidade mais digna, justa e democrática se intensificarem.

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Anexo

Ainda vão me matar numa rua. Quando descobrirem, principalmente, que faço parte dessa gente que pensa que a rua é a parte principal da cidade. Paulo Leminski


Os textos a seguir são de moradores da cidade de Sorocaba, sejam eles e elas novos, vindos de outras cidades, estudantes vindos de fora ou nascidos em terras sorocabanas. Todos e todas são meus amigos e amigas. Durante a produção deste TFG estiveram em constante contato comigo, seja dando algumas risadas em momentos de relaxamento ou perguntando como estava indo o desenvolvimento deste trabalho. Quando estas perguntas surgiam, normalmente começávamos a conversar sobre o assunto e cada um deles contribuía, inadvertida, indireta e inocentemente, com os raciocínios que eu desenvolvi. Desta maneira, decidi pedir para que cada um escrevesse um texto contando sobre sua experiência na cidade, seja como profissionais dentro do âmbito de seus ofícios ou como simples cidadãos e cidadãs que caminham pela cidade, pedalam por suas ciclovias e enfrentam engarrafamentos confinados em carros ou apertos no transporte público. Estes textos estão presentes para ilustrar o cenário que tentei montar até aqui discorrendo sobre uma cidade ainda muito pouco estudada. Espero que eles possam contribuir para consolidar ainda mais o ambiente da cidade de Sorocaba na mente daqueles que lerem este trabalho. As opiniões a seguir nem sempre vão de encontro às minhas, mas essa diversidade é necessária e muito rica, além de quebrar o monopólio da opinião acadêmica contida desde o começo das linhas deste TFG. Sou extremamente grato a quem escreveu estes textos tão amorosamente após meu pedido e ressalto que as qualidades encontradas neles são de mérito único e exclusivo de seus autores e autoras, bem como suas faltas e possível não utilidade neste trabalho são de minha competência, risco que corro com a convicção de que diferentes vozes constroem uma cidade da mesma forma que podem contribuir para enriquecer um trabalho sobre a mesma.

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João Marcelo Chaves Marques tem 24 anos, é bacharel em Direito e meu primo.

Nasci e cresci em Sorocaba. Desde sempre, o que mais me marcou em minha terra natal foram os seus paradoxos: ao longo de sua história, assistimos a movimentos de vanguarda operando lado a lado com um reacionarismo latente. A mesma cidade que sediou a famosa “noite do beijo”, em claro desafio ao arbítrio ditatorial do início da década de 80 (evento imortalizado por Eduardo Galeano em uma de suas crônicas), mantém determinado grupo político no poder municipal há mais de um quarto de século; as mesmas terras que hoje pertencem “ao senhor Jesus”, como decreta um totem em uma de suas entradas, elegeram a primeira vereadora comunista do Brasil já na década de 1940. Sorocaba é, portanto, muitas cidades ao mesmo tempo. A franca expansão econômica experimentada em anos recentes ainda não se refletiu nas opções culturais da cidade – até ao contrário: o único cinema da cidade a oferecer obras do circuito de arte encerrou as atividades recentemente. O aumento no poder de consumo dos sorocabanos potencializou um modo provinciano de enxergar as possibilidades de lazer – daí o número hiperbólico de shopping centers inaugurados no último decênio, em contrapartida à escassez de opções ligadas à arte. Da mesma forma, o cuidado no trato com o meio ambiente ainda é exceção no que diz respeito ao comportamento dos cidadãos e às ações da Administração pública: é possível percorrer grandes distâncias em alguns bairros sem se deparar com uma única árvore em todo o trajeto. Evidentemente, a desigualdade social é um componente a ser levado em conta neste caso: o fato de as áreas mais abastadas da cidade serem também as mais bem cuidadas

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não pode ser considerado uma casualidade. Mas nem toda a perspectiva é funesta. A vida noturna da cidade vem oferecendo cada vez mais opções fora do eixo barzinho-balada de classe média; há um movimento nascente de valorização do patrimônio histórico sorocabano, a cuja riqueza nunca fizeram jus as autoridades competentes; diversos coletivos de defesa de causas progressistas como o feminismo e o combate ao racismo estão se formando, pelas mãos da população jovem, em colégios públicos e particulares; são grandes as possibilidades de sucesso em carreiras nos mais variados ramos profissionais – inclusive o jurídico, em que atuo. Em síntese, a realidade sorocabana se desenvolve dentro desse caráter dúplice, de progresso em uma via e conservação em outra, ainda que eventualmente ambas entrem em colisão. Esse caráter talvez diga respeito à realidade brasileira em geral, mas acredito que poucos lugares o expressem de maneira tão rica e evidente – e Sorocaba sem sombra de dúvida é um deles.

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Gabriela Gampos dos Santos tem 23 anos, é psicóloga e professora de inglês.

Quando fiquei sabendo que me mudaria para uma cidade grande, foi um misto de sensações: estava encantada pela possibilidade de estar em algum lugar que tivesse shopping, ao mesmo tempo triste por deixar o que havia construído em 6 anos em Laranjal Paulista. Porém, no auge de meus 11 anos, nenhum de meus questionamentos serviriam: meus pais precisavam sustentar a mim e a meu irmão, logo, Sorocaba poderia oferecer melhores opções. Sendo assim, nos mudamos de Laranjal Paulista para Sorocaba. Meus pais já tinham seus empregos arranjados, minha mãe aqui, no bairro Éden, e meu pai em uma cidade próxima, a qual não me lembro. Mas lembro que devido ao trabalho da minha mãe ser no Éden, meus pais estavam empenhados em encontrar uma casa por lá, ou pelo menos em algum local próximo aquela região, porém (ainda bem que) uma amiga de minha mãe que já morava aqui há muitos anos falou pra ela que talvez não fosse uma boa ideia uma casa no Éden, pois apesar de ser perto do trabalho, seria longe de tudo: do centro, dos shoppings, das escolas, etc. E com muito bom senso meus pais acataram tal ideia, e fomos morar em um pequeno apartamento próximo à Afonso Vergueiro e a Eugenio Salerno, região bastante central e, felizmente, perto de um shopping!

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Porque o shopping me importava tanto? Eu realmente não sei dizer ao certo. Mas, para uma criança nascida e criada no interior (da cidade natal, Capão Bonito, para Laranjal Paulista, onde estive por último, não havia muita diferença geográfica e demográfica – pelo menos não aos meus olhos infantis), shoppings eram coisas incríveis e maravilhosas. Tinham comidas diferentes, doces diferentes, parques de diversão, cinemas e, de quebra, ir ao shopping era sinônimo de ganhar coisas novas. Que criança de bom senso preservado não iria gostar disso? Era só uma pena que esses passeios não acontecessem sempre. Minha memória é vaga em relação à contagem de tempo, mas creio que nossas idas ao shopping eram trimestrais, porém com regras: presentes eram só uma ou duas vezes ao ano (que depois fui entender que esses presentes – roupas e calçados - na verdade eram uma troca anual/semestral de roupa porque éramos crianças e já havíamos destruído as roupas mais antigas). A percepção que ficava pra mim era essa, e mesmo que não houvesse presentes eu não me incomodava nem um pouco: poder passar o dia andando em um lugar diferente, comendo coisas diferentes e tendo direito a três brinquedos do parquinho já era sensacional. Então ir para Sorocaba, em minha mente, era ter isso pelo menos todo final de semana! – o que os meus pais, sabiamente, logo desmistificaram, explicando que morar numa cidade que tem shopping não significa ir até lá todo dia, pois isso custa dinheiro, e dinheiro só se conseguia trabalhando e ralando muito, que era o motivo principal pelo qual estávamos indo para a cidade grande.

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Creio ter entendido isso muito bem, pela minha idade, porém esse entendimento me fez querer ficar na cidade pequena. Naquele momento, pensando bem, a cidade grande parecia assustadora. Não teria mais brincadeira na rua, não teria mais quintal, tudo seria perigoso e grande, muito grande, fora de meu alcance e controle. Acontece que mudanças são difíceis pra todo mundo, mas acho que quanto menos se entende a respeito, mais dolorido se é. Mas sem escolhas, de repente aqui estava. E entrei em um processo que nunca imaginei ser tão intenso: as alegrias que ter um próprio quarto, pegar van para ir à escola e poder comer no Mc Donalds traziam se contrastavam com o horror de não ter quintal para brincar, o desespero de não saber onde se está a partir do momento em que pisa pra fora da escola ou de casa e começar a entender o valor do dinheiro, percebendo que tudo é muito, mas muito caro. E de repente, mesmo que de forma vaga, comecei a entender o perigo que era estar viva na cidade grande. Ainda não tinha consciência de gênero a ponto de entender que era pior pra mim do que para meu irmão (esse entendimento só surgiu na adolescência), porém via que alguma coisa desigual estava presente. Na escola, os meninos olhavam muito pras meninas e as meninas tinham que olhar de volta. De repente minha mãe disse que eu precisava usar sutiã. “Porque isso?!”, pensava indignada. Nem dava pra ver nada. Mas os meninos podiam ver, e meninos da cidade grande eram mais desenvolvidos, aliás, as

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meninas também, então era melhor tomar cuidado, já que eu era nova na escola e a escola era longe (na vila Santana, o suficiente para necessitar de um ônibus até minha casa caso eu perdesse a van). As informações chegavam confusas e estranhas como o discurso acima mesmo. Mas apesar de tais pesares, eu percebia que essa escola pública era melhor em conteúdo que a de Laranjal, mesmo que os adolescentes me apavorassem. Calhava de eu também ser uma, nas classificações universais, mas ninguém tinha me avisado disso ainda, nem a parte biológica, nem a psíquica. Passei a entender que podia ser difícil confiar em alguém ali. Afinal, eu era do interior, e mesmo que fosse perto, o sotaque, algumas expressões e a inocência geravam risos nos colegas. Eu pensava sempre no meu pior pesadelo: perder a van e não saber chegar em casa, perdida até a noite nessa cidade enorme. Esse era o pavor. A cidade realmente parecia me engolir. Então criei uma estratégia: decorar nomes de ruas. Passei a decorar o trajeto da van, tentando gravar o nome das ruas principais. Sempre comentava com minha mãe do prédio assim que tinha passado na frente, da construção assado, do semáforo x, do mercado y. E minha mãe sempre me mostrava no mapa onde estávamos comparadas com esses pontos que eu citava, e aquilo era ótimo. Quando descobri que a escola não era tão distante assim quanto eu

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pensava, que se eu andasse até minha casa era provável que em meia hora lá estivesse, o pavor foi diminuindo. A cidade não parecia mais que ia me engolir. Pelo menos não com facilidade. E com o passar dos anos, minha estratégia se tornou eficaz: sabia o nome dos bairros nos quais passava, as ruas principais e as escolas que a van parava. Até hoje me lembro da maioria destes pontos, porém sem seus nomes, já que hoje sei chegar só com um ponto de referência visual e o milagroso Google Maps. O transporte público foi outro monstro. Depois de alguns anos na cidade, o desemprego veio até a família, e achei de bom senso passar a usar o transporte público. Fiquei apenas um ano na escola pública, pois meus pais disseram que agora eu poderia estudar em uma escola que oferecesse mais, uma escola particular. Podia estar lá devido a um bom desconto, e os adolescentes eram ainda mais assustadores, porém tinha aulas como sempre sonhei, e podia voltar pra casa a pé, como nos velhos tempos na cidade pequena. A cidade grande não era mais assustadora – pelo menos não ali na zona sudoeste, região que morava há 3 anos. E então com o desemprego, optei pela mudança de escola, e com a mudança de escola, optei pelo transporte público. Grande parte de meus colegas não pegava van, e no primeiro mês que fiz isso me senti um peixe fora d’água. A adolescência já me abraçava, e me sentir assim

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não era mais possível. Então descobri, lá em 2007, o quão sucateado era o transporte público da cidade: apenas dois terminais de ônibus, e linhas que te obrigavam a saber pra que lado era o bairro e pra que lado era o centro, pois disso dependeria o seu destino. Em uma tentativa de poupar tempo, andava 15 minutos de ônibus e 20 minutos a pé para chegar em casa, o que era muito melhor que perder cerca de 1 hora e meia indo até o terminal para poder voltar para casa. Em 2015, 8 anos depois, caso eu precise fazer esse mesmo trajeto, absolutamente nada mudou. No âmbito geral do transporte público, algumas coisas mudaram em bairros que tinham um acesso extremamente precário ao transporte, e isso precisa ser reconhecido. Porém, no âmbito geral, a cidade tende a gerar a necessidade do carro. Ao menos na zona oeste, que é onde moro até hoje, bairros próximos não tem opção de transporte público: ou se opta por uma caminhada que varia de 15 a 45 minutos até o destino, ou se é necessário ir a pontos mais próximos do centro para poder voltar para onde se quer, perdendo mais de 1 hora de seu tempo para ir a um lugar que, de carro, demoraria entre 5 e 15 minutos. Se eu não fosse mulher, talvez não tivesse abraçado o privilégio de ter um carro que a vida classe média de meus pais me dá. Porém, sou mulher, e essas pequenas caminhadas para destinos próximos, quando começasse o anoitecer, seriam absolutamente inviáveis. A sensação de

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ter a cidade te engolindo, que eu senti ao chegar aqui e pude me aliviar ao começar a entender a cidade, sempre volta se não tenho um carro comigo ao anoitecer, justamente por agora entender a cidade. O medo da cidade não tem mais relação com o desconhecido, mas sim com o que é conhecido demais. O transporte público precário, os pontos de ônibus distantes, as ruas desertas cheias de condomínios com seus muros altos que afastam qualquer pedido de socorro, só se mantiveram ou aumentaram desde que estou aqui. Sorocaba não é reconhecida como violenta, nem como uma cidade suja, porém hoje sei que essa violência é delegada as periferias e que essa limpeza faz parte de uma higienização que coloca a população marginalizada escondida. É sim uma cidade com muitas oportunidades e com uma calmaria que não se encontra em grandes centros urbanos, porém depende muito de oportunidade pra quem – sendo psicóloga nesse grande polo tecnológico, realmente não é de mim que falam essas oportunidades; e nas oportunidades de lazer temos os shoppings, que hoje vejo que enquanto criança só achava incrível por ser novidade e por não entender o valor do dinheiro. Quanto à calmaria, não tenho o que negar: ainda há vizinhos sentados nas calçadas conversando sobre como foi o dia, e ainda é o lugar em que você encontra um conhecido e descobre que ele também é amigo do seu amigo. Acredito que isso ainda nos poupe do ritmo frenético individua-

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lista de cidades como São Paulo, mas também nos mantém num estado de conformação com muitos problemas, onde as panelinhas não conseguem ver o problema do outro como seu também. E no caso de Sorocaba, sabemos que há uma grande panela chamada classe média, que aos poucos e com muita relutância tem recebido alguns temperos como coletivos feministas, LGBTs, de artistas independentes, de jovens estudantes... porém, todos eles tem vindo em doses leves e vagarosas, já que sabemos que o tempero ainda é forte pra ser digerido. Afinal, não é a toa que somos conhecidos pela melhor coxinha.

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Cyndi Omoto tem 24 anos e é fotógrafa.

Sorocaba é a cidade na qual eu nasci, cresci e vivo até hoje. Já andei bastante a pé, decorei caminhos, descobri novas rotas, vi bairros se transformando, estudei, passeei e eu tenho um grande carinho por ela. Tenho até medo que alguns lugares tenham se tornado comuns demais, pois é um exercício maior ter que encontrar a beleza onde já se viu a normalidade. Para mim, que sou fotógrafa, é como se eu “perdesse um lugar”. Claro que isso não é possível, mas fotograficamente isso mata a minha criatividade e limita minha visão. Mas uma coisa que eu aprendi é que quando um lugar é especial para você, não importa tanto as técnicas, mas o peso emocional que aquela imagem terá sobre a sua vida. A fotografia tem o poder de transformar lugares, pois nos possibilita mostrar de várias formas um mesmo espaço, mas nunca irá superar a história que ela pode contar. Sempre que vejo as fotografias da minha infância, percebo como as ruas mudaram, as árvores cresceram ou foram cortadas, as fachadas das casas foram transformadas, vieram novos vizinhos, novos prédios, ruas de terras foram asfaltadas e isso tudo faz parte da minha história. Morei a maior parte da minha vida num bairro chamado Árvore Grande, que realmente condizia com uma árvore que nela havia. Eu conheci a referência que o nome do bairro levou, mas por uma doença ela morreu. Hoje em dia não faria mais sentido o bairro ter esse nome, mas são essas pequenas histórias que fazem parte da minha vida e da de Sorocaba. O que eu consigo comparar com outras cidades é por meio do meu trabalho. Lido diariamente com novidades da fotografia pelo mundo todo. Meu fotógrafo de casamento preferido se chama Fer Juaristi e ele é do México. E com isso percebo que a aceitação dos clientes que vem nos procurar para se fazer um trabalho criativo é boa, mas ainda sim predominam fortes tradi-

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ções que, para nós (eu e o meu sócio-namorado), já não fazem muito sentido. Muitos dos casais que fotografamos não são da cidade, mas de cidades vizinhas ou até mesmo de outros estados e países. Nós acreditamos que o casamento é a união de duas pessoas que estão em comum acordo e que desejam comemorar esse momento importante rodeado de familiares e amigos. Para isso, não há mais motivos para você fazer uma festa para os convidados, mas sim para satisfação pessoal. Ou seja, não há mais sentido a tradição de se cortar o bolo, passar de mesa em mesa e vários outros momentos que são perdidos por causa desses clichês. Porém, em Sorocaba, mantém-se muito forte o pensamento de obrigações que se tem para fazer um casamento. Culturalmente gostaria que Sorocaba tivesse mais opções e fosse mais viva em relação a isso, mas percebe-se que a maior parte da população não entra nesse engajamento. Talvez a postura da prefeitura pudesse mudar e melhorar a divulgação dos eventos que tem por aqui, mas isso não é da minha competência. Eu não penso em sair daqui, pois acredito que seja um lugar calmo, comparado a uma cidade grande, e ao mesmo tempo tem tudo o que eu necessito (burocraticamente e para lazer). Eu amo viajar e conhecer novos lugares, mas fico sempre feliz em voltar pra casa e saber que aqui é um lugar que me sinto à vontade. Algo engraçado é que conheci melhor a cidade na qual eu nasci pelos namorados que tive. Frequentei por um bom tempo bairros distantes do meu e sempre foi uma experiência interessante. Pude descobrir várias perspectivas fugindo dos pontos turísticos. Sinto falta desse tipo de vivencia quando vou viajar. Procuro encontrar lugares que são simples, mas que tem seu próprio modo de funcionar. A padaria do bairro, o carinha do bar que todos conhecem, aquela arte na parede que é um ponto de referencia e me sentir mais próxima de um morador local com

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os olhos de uma turista.

Aqui as casas são bem desiguais, mas se você der uma volta na Vila Hortênsia, Barcelona e Vila Haro vai perceber que lá o que predomina são casas mais antigas e ruas de paralelepípedo. Nessa região o que mais chama a atenção da população é o Zoológico. Se você andar pelas ruas do Campolim vai sentir um grande vazio, pois as ruas são sempre quietas e parecem sem vida. Você encontra grandes casas e muitos seguranças que cuidam das ruas. Pelo Central Parque se prepare porque tem muitos sobes e desces e pelo Wanel Ville você quase se sente em outra cidade. Na verdade, em vários bairros você se sente em outra cidade, pela distância e por encontrar tudo o que precisa nele mesmo como escolas, bancos, supermercados, etc. Passou da meia noite, Sorocaba fica deserta. Há alguns bares e casas noturnas que vão além desse horário, mas a movimentação de pessoas diminui drasticamente. O que aumentou muita foi a movimentação no horário de pico. Quando era mais nova, não via sentido nessa frase, pois o trânsito não era tão intenso quanto hoje. Quem mora aqui nota bastante diferença, mas que vem de São Paulo, por exemplo, diz que o trânsito aqui funciona muito melhor. Acho que no final das contas tudo é baseado na perspectiva mesmo. O modo como você enxerga a cidade é conforme as suas necessidades e o quanto ela te traz de conforto. É incrível como uma cidade pode ter uma personalidade, algo bem humano. E Sorocaba é como uma pessoa, com adjetivos e defeitos. Depende da forma que você olha Sorocaba e quanto de afinidade sente com ela para poder definir se ela é ideal pra viver ou não.

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Marco Aurélio tem 25 anos e é professor de história na rede pública.

Sorocaba de maneira geral é uma cidade tranquila e agradável para habitar. O clima é pacato, mas nem tanto, poderia dizer que temos um pouco do agito das metrópoles que nos avizinham (Campinas e São Paulo) e também a tranquilidade do Interior.mPorém a ofensiva do capital imobiliário tem transformado a cidade em um canteiro de obras, sendo a absoluta maioria delas compostas por shoppings e condomínios de luxo. A cidade que nos tempos da colônia caracterizavase pela feira de muares e pelo comércio, passou no século XX por um “boom” industrial, e agora volta a ter no setor terciário o cerne da expansão da economia. É o setor que mais cresceu nos últimos anos, e também o que mais tem gerado emprego.Embora do ponto de vista econômico, esse processo possa parecer positivo, do ponto de vista da qualidade isso não é nada bom. A proliferação de shoppings e condomínios fechados cerceia a liberdade e a vida em comunidade, tão típicas das cidades do interior. O projeto metropolitano das elites sorocabanas não contempla as populações mais pobres. Não é a toa que Sorocaba desde o primeiro mandato do prefeito Renato Amary passa por um processo de higienização social, que lançou as famílias mais pobres para longe do centro urbano, promovendo uma espécie de limpeza nas áreas centrais e/ou de grande valor especulativo. Qualquer visitante desavisado pode achar que Sorocaba é uma linda e bela cidade, sem contradições e nem conflitos de classe, porém um olhar mais atento pode revelar uma legião de espoliados, confinados sobretudo no eixo norte de expansão da cidade.Por isso precisamos de historiadores, geógrafos e arquitetos com olhar, que engajem-se na luta por uma Sorocaba de todos. Apesar de tudo isso, a Manchester Paulista ainda é um agradável lugar para viver.

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Filipe Galhardo tem 25 anos e é professor de inglês.

Quando se trata de escolas em Sorocaba, as linhas e os conceitos se misturam entre dois grupos bem distintos. Fundada tantos séculos atrás, a cidade é cortada pelo heteronomico Rio Sorocaba o qual cria mais que apenas uma barreira fisica. Ele também criou uma barreira cultural. No inicio da decada de 1920, iniciou-se um forte movimento migratório oriundo da Espanha, e inicialmente, os espanhóis se alocaram “do lado de lá do rio”. Até hoje, essa região é conhecida como “Alem Ponte”. A partir da decada de 1930, escolas viraram algo urgente, pois os imigrantes exigiam educação para seus filhos, e o governo local não estava disposto a instalar escolas naquela região. O grande impedimento para a instalação dessas escolas era que o idioma usado deveria ser o espanhol, já que naquelas bandas ninguem falava portugues. Os grupos escolares independentes foram nascendo, e com o tempo e o avanço dos alunos esse grupos também deixaram de ser suficiente. Os alunos mais velhos deveriam ir “pro lado de lá do rio” estudar. Novas barreiras foram implantadas, dessa vez pelos próprios espanhóis, que não queriam seus filhos se misturando com os brasileiros nativos, e com isso, perdendo suas origens. No entanto, isso foi inevitável, e o idioma espanhol deixou de ser utilizado na região. Mesmo tantos anos depois, é fácil identificar os descendentes dos espanhóis. Os traços e a forma de falar são bem caracteristicos. Mas, mais que isso, a forma que esses discentes se portam em sala de aula é indentificavel. As pressões que recebem de suas familias e a pressão auto-imposta. Atualmente, o governo municipal da cidade vem passando por dificuldades na gestão da educação. Exemplos são diversos, mas as duas maiores evidencias dessas dificuldades estão nas escolas de educação infantil (quem vem sendo

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mantidas refens do sindicato que representa as merendeiras, já que a empresa tercerizada vem mensalmente atrasando salários) e nas escolas de Fundamental I e II e Ensino Médio (as quais o governo municipal estuda fechar, devolvendo a gestão ao Estado por falta de verba própria) Em linhas gerais, a cidade é bem atendida. Obviamente, como em quase todas as cidades do pais, o atendimento poderia ser melhor. Alunos continuam se deslocando de diversos cantos da cidade em busca de educação de melhor qualidade, da mesma forma que os alunos do lado de lá do rio o faziam tantas decadas atrás. A cidade continua sendo um berço de novas tecnologias e em crescimento. Sorocaba continua linda.

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Fernanda Dalen tem 24 anos, é biomédica e estudante de Letras

Nasci e fui criada em Sorocaba. Sempre gostei da cidade. Quando adolescente pensava em estudar fora do município em uma faculdade pública que tivesse o curso que eu desejava. Apesar de Sorocaba ter várias instituições de ensino superior, e cada vez mais esse número aumentar, acabei por estudar na cidade vizinha Itu. Na mesma época, comecei a frequentar outra cidade vizinha chamada Araçoiaba da Serra. Com estas experiências, passei a observar mais a relação que eu tinha com Sorocaba. Minha opinião é que Sorocaba oferece muita coisa ao seu morador, tem uma estrutura que possibilita viver com certa qualidade de vida e, em alguns casos, conforto, por possibilitar a praticidade de encontrar farmácias e alguns outros ramos de comércio aberto durante a madrugada. Por outro lado, acredito que a parte cultural ainda precisa melhorar, no sentido de instigar a população a participar, ofertar as atividades culturais em espaços de fácil acesso e, até mesmo, divulgar de uma forma mais abrangente os eventos. Do ponto de vista estudantil, após terminar a faculdade em Itu, iniciei outro curso aqui em Sorocaba. Tenho contato com vários amigos que estão na fase de cursar alguma graduação, a maioria deles cursa aqui. Meu ponto de vista sobre isto é que a cidade tem uma oferta boa tanto de cursos como de instituições, entretanto são, em sua maioria, cursos particulares. Sorocaba tem apenas duas faculdades públicas, uma estadual (UNESP) e uma federal (UFSCAR), apesar de públicas, estas possuem poucos cursos ofertados nos campus sorocabanos.

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Mesmo tendo em sua maioria cursos particulares, há grande procura de estudantes da região pelos cursos ofertados aqui na cidade. Estudo na instituição de ensino superior mais antiga da cidade (UNISO) e, mesmo tratando-se de uma universidade particular, sua grade de cursos está sempre aumentando de forma a atender a demanda de estudantes da região. Seu campus conhecido como “Cidade Universitária” fica em local estratégico, beirando a rodovia Raposo Tavares, o que facilita o acesso para estudantes que vem de outras cidades. Já o seu outro campus encontra-se no centro de Sorocaba, mas também fica próximo às rotas de ônibus intermunicipais. Outras instituições como UFSCAR, UNIP e Anhanguera, também seguem o mesmo padrão de ter campus em locais estratégicos dentro de Sorocaba. Os campus ficam em saídas beirando rodovias, de forma a facilitar a chegada de alunos que são de fora da cidade, e possuem acesso tanto por ônibus intermunicipais, como por ônibus circulares, sendo estes disponibilizados através de novas linhas que incluem em sua rota os campus. Acho válido, também, comentar uma situação ocorrida relacionada à visão de estrangeiros tiveram ao conhecer Sorocaba: no começo de 2012 veio, para fazer shows na cidade, uma banda russa de músicas folclóricas. Os integrantes ficaram hospedados na casa de um colega meu, que levou os integrantes para fazer compras e conhecer alguns locais considerados turísticos e, ao conversar com eles, perguntou o que estavam achando da cidade, a resposta que ouviu de uma das integrantes foi que ela achou a cidade limpa, dizendo até que a cidade era cheirosa. Outro integrante falou que achou bem diferente as disposições das ruas e quarteirões da cidade, dando a entender que era uma forma organizada.

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Rafael Barbi tem 24 anos, é historiardor e trabalha no Museu da Cidade de Salto

Sou natural de Salto, cidade do interior de São Paulo, que está localizada a 45 km da cidade de Sorocaba. A minha relação com a cidade teve início em 2006, quando comecei meus estudos em uma das Etecs da cidade, encerrando o ensino médio em 2008. Em 2009, iniciei a graduação em História pela Universidade de Sorocaba (UNISO), onde conclui o curso em 2011. Graças ao curso tive contato, através do programa de extensão da universidade, com o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Sorocaba – Comendador Luís Almeida Marins, instituição em que fui bolsista durante todo o período da graduação. Além da relação profissional com a cidade, Sorocaba também é intimamente ligada a mim e minha família pelo fato de minha esposa ser natural desta cidade, e que ainda abriga toda sua família. Acho pertinente dividir essa breve análise em dois momentos: uma análise macro, dos problemas cotidianos enfrentados por qualquer cidadão da cidade; e uma análise micro, focada principalmente nos aspectos culturais da cidade e, principalmente, em seus aparelhos culturais dedicados à preservação e divulgação da memória local. Do ponto de vista macro, Sorocaba se mostra uma cidade em franca expansão, mas ao mesmo tempo em que se clama por essa expansão, as estruturas e o próprio poder público não sabem como suportar esse constante aumento populacional, o que gera cada vez mais demandas de necessidades básicas, como transporte, infraestrutura, saúde e educação. Atualmente, o que se apresenta de mais caótico é a questão da mobilidade urbana, pois em horários de pico diversas áreas da cidade param, tornando-se uma epopeia o simples deslocamento de uma região a outra.

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E a outra questão caótica são as políticas públicas de limpeza urbana, pois além de problemas relacionadas à empresa de coleta de lixo, a cidade não dispõem de políticas públicas afirmativas, tendo um plano de resíduos sólidos deficiente e que não comporta a sua produção de lixo, sendo grandes exemplos disso a ausência de coleta mecanizada em diversos pontos da cidade e a ineficiência dos ecopontos, que parecem mais mini depósitos de resíduos a céu aberto, sem muros, cercas ou um controle mais incisivo do poder público. Partindo para a análise micro, focando nos aspectos culturais do município, a cidade ainda apresenta pequenos progressos em direção de políticas públicas de qualidade e que de fato evoquem a pluralidade cultural sorocabana. Exemplo desse cenário é o fato de só terem começado nesse ano o processo de construção do Plano Municipal de Cultura e do Conselho de Políticas Culturais, elementos fundamentais para a construção de uma série de ferramentas para democratização de acesso à cultura, não só para usufruir, mas também para se pensar a cultura na cidade. Mais estritamente na minha área de atuação, os espaços de guarda e difusão da memória, Sorocaba possui um histórico preocupante em relação aos seus museus. O primeiro fator é a ausência de revisão das exposições de longa duração e das missões dos museus municipais, pois em ambos os espaços houveram mudanças pequenas em torno desses aspectos, ainda privilegiando um determinado discurso histórico e, em sua maior parte, é totalmente excluso, privilegiando grandes personagens, reafirmando os mitos de grandes heróis. Dentro desse discurso e dessa política voltada para a memória, a cidade também não costuma trabalhar com a possibilidade de itinerância dos museus ou políticas voltadas para a cidade se apropriar do rico acervo que pos-

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sui. Ações nesse sentido foram realizadas apenas nesse ano, por um breve período, através de uma exposição de objetos na praça principal da cidade, a Praça Coronel Fernando Prestes, mas mesmo assim, ainda com um discurso que prioriza o objeto, a curiosidade em torno do mesmo, evocando os tradicionais (e arcaicos) gabinetes de curiosidades, não realizando uma contextualização ou, em outras palavras, uma aproximação daquele objeto com os aspectos dinâmicos da cidade, associando-o diretamente com a realidade local. Para entender essa análise, se faz necessário uma pequena explicação dos conceitos defendidos por mim, enquanto profissional da área da cultura. Há uma linha teórico-metodológica que acredita que os Museus precisam ser espaços com uma forte participação social, reinventando-se em uma instituição que é sim responsável pela salvaguarda e difusão da memória do local em que está inserido, mas tem como missão fundamental a discussão dos assuntos contemporâneos que afetam a cidade e, consequentemente, torna-se um canal de representação social dos diversos grupos que compõem a cidade. Outro caso emblemático e preocupante é o caso do Museu Arquidiocesano, pois o mesmo encontra-se fechado, desde início dos anos 2000, e por um breve período de vitalidade, onde organizava-se diversas mostras temporárias e ações de divulgação da instituição, ela caiu novamente em um processo de esquecimento e deterioração de seu acervo. Houve diversas notícias em jornais da cidade em que o Museu estaria prestes a ter uma sede própria e que seria aberta ao público, algo que, infelizmente, ainda não foi concretizado. Chamo a atenção para esse museu, pois além do fato de eu ter trabalhado ali, essa instituição possui um acervo riquíssimo, sendo possível considera-lo um dos mais importantes do interior paulista, e deve ser preservado da forma correta e proporcionar o acesso da população a esses bens culturais tão importantes.

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