FILOSOFIA ONTOPSICOLÓGICA
Antonio Meneghetti
FILOSOFIA ONTOPSICOLÓGICA 5a edição Revisada e atualizada.
Ontopsicológica Editora Universitária
Recanto Maestro 2015
Título do original italiano: Filosofia Ontopsicologica. 5. ed. Roma: Psicologica Ed., 2002.
M541f
Meneghetti, Antonio, 1936-2013. Filosofia Ontopsicológica / Antonio Meneghetti; traduzido, revisado e atualizado por Ontopsicológica Editora Universitária. – 5. ed. rev. atual. – Recanto Maestro, São João do Polêsine, RS: Ontopsicológica Editora Universitária, 2015. 296 p. ; 21 cm. Título original italiano: Filosofia Ontopsicologica ISBN 978-85-64631-24-3 1. Ontopsicologia. 2. Ontologia. 3. Metafísica. 4. Intencionalidade ôntica. 5. Ser. I. Título. CDU (1997): 111
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SUMÁRIO
PRIMEIRA PARTE ONTOPSICOLOGIA Primeiro Capítulo INTRODUÇÃO........................................................................13 1.9 Em síntese ...........................................................................19 1.10 Ontopsicologia...................................................................20 1.11. Personalidade autêntica.....................................................25 1.14 Identificação e neurose ontológica.....................................28 Segundo Capítulo O SIGNIFICADO DA ONTOPSICOLOGIA........................31 Terceiro Capítulo A CONSCIÊNCIA ÔNTICA ..................................................55 Quarto Capítulo PROCESSO ONTOTERÁPICO............................................65 4.2 O esquema lógico ................................................................66 4.4 Fé e psicoterapia .................................................................79 4.5 Conclusão.............................................................................80 SEGUNDA PARTE O EVANGELHO DE CRISTO COMO ONTOPSICOLOGIA DO HOMEM
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Primeiro Capítulo O EVANGELHO DE CRISTO COMO ONTOPSICOLOGIA DO HOMEM........................85 Segundo Capítulo A PERSPECTIVA METAFÍSICA..........................................91 Terceiro Capítulo A PREDISPOSIÇÃO AMBIENTAL ...................................101 3.1 Jesus na psicologia social do seu tempo............................101 3.2 Jesus na psicologia social do nosso tempo .......................105 Quarto Capítulo O RENASCIMENTO ÔNTICO...........................................109 Quinto Capítulo O CAMINHO ALÉM DO PASSADO..................................119 Sexto Capítulo O DISCURSO SOCIAL NA MONTANHA.........................131 Sétimo Capítulo A VIDA COMO INDIVIDUAÇÃO E SELEÇÃO TEMÁTICA PARA A CRIATIVIDADE..........................163 7.8 Escólio ...............................................................................189 Oitavo Capítulo O EXISTIR METAFÍSICO..................................................195 Nono Capítulo O SER ÉTICO........................................................................205
Sumário ♦ 7
Décimo Capítulo O SER VERDADEIRO.........................................................215 Décimo Primeiro Capítulo ELUCIDAÇÃO SOBRE A INTENCIONALIDADE ÔNTICA.......................................229 11.3 A existência é a encarnação de Deus................................238 Décimo Segundo Capítulo UMA HISTÓRIA SEMPRE ATUAL...................................253 12.2 O Livro dos livros: uma história sufista que educa..........253 Décimo Terceiro Capítulo O SACRO NA DIMENSÃO DO ISOMASTER..................259 13.1 A sabedoria do Em Si ôntico em A Bíblia: “Hoje é dia”........................................................259 13.2 A dimensão do sacro........................................................266 13.3 A religião e o sacro...........................................................267 13.4 Cinelogia sobre o filme “Os jardins do Éden” ................269 13.5 A experiência da morte.....................................................275 BIBLIOGRAFIA ...................................................................277 BIBLIOGRAFIA DO AUTOR ...........................................281
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PREFÁCIO
Na edição atual, o autor, embora respeitando o posicionamento fundamental e a profunda inspiração dos dois textos “Ontopsicologia do Homem” e o “Evangelho de Cristo como Ontopsicologia do Homem”, efetuou uma “laicização” ulterior dos conteúdos, derivada também da aplicação concreta dos critérios ontopsicológicos, por um período superior a 15 anos, desde a casuística clínica à consultoria liderística. Não é necessário ser perfeito, ou seja, exato e conforme ao Ser que único É. Talvez seja importante, se um homem quiser viver a dimensão agradável da existência. Quanto mais paraíso alguém deseja, tanto mais deve construir cada dia a própria resposta ao projeto ôntico do qual é fenomenologia e execução, se lhe agrada fazê-lo, se escolhe aquela ordem que dá prazer hoje e no hoje eterno. Portanto, para compreender isso, este livro é demasiadamente longo para indicar o que é; e é minúsculo para colher as infinitas variáveis das estações do homem como história e como pessoa. Todo aquele que compreender a simplicidade deste livro considerará abertos e familiares todos os escritos de hermenêutica da sabedoria de todo e qualquer tempo. Os verdadeiros grandes, os grandes sábios, todos aprenderam a partir desse “lugar”. Esclarecimento geral. Neste texto, interesso-me pelo mundo interior, por aquele foro interno em que cada sujeito é senhor exclusivo. É o mundo moral das escolhas de fundo e determinantes da existência individual. O homem procede através de duas leis: a consciência e o estado jurídico. Cada uma delas tem as próprias prerrogativas,
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exigências e leis. A consciência vive de verdade, alegria, realização da busca, satisfação plena em virtude e graça. Tem por escopo o conhecimento e a ação moral conforme a tensão metafísica. O Estado tem por escopo a funcionalidade de todos, a ordem das relações externas, a unidade de sistema, a garantia da comunidade, depois, do indivíduo. Tem regras de dialética democrática, penaliza em todos os interesses externos e é sempre local. De fato, o estado de direito é sempre e somente local: por tempo, lugar e modo. Todo aquele que, com as exigências de Deus, quisesse enfurecer-se contra o Estado é simplesmente um violento contra os outros; e quem com “Cesar” quisesse variar o interior moral, é um deslocamento compensatório que reforça alienação e depravação. O mundo interior que entendo é antecedente a qualquer consideração “religiosa”. Sobre essa, não tenho interesse algum. Como homem, busco o nexo ontológico com o original metafísico. Como cidadão, observo as leis do Estado local. E se essas leis não me agradassem, primeiro eu decidiria entrar em dialética com aquela democracia ou Estado e, depois, com aquelas regras intrínsecas e linguagem, procuraria forçar a mudança. As notas são luzes de emergência.
PRIMEIRA PARTE
ONTOPSICOLOGIA Orientações para uma psicologia do ser para além dos significados mais recentes de psicologia contemporânea.
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Primeiro Capítulo
INTRODUÇÃO
1.1 O homem é um problemático aberto cuja solução fica em dependência de um valor a realizar. É próprio do homem perguntar-se o que é o homem. O homem interroga sobre tudo para compreender a si mesmo; não pode identificar-se com seu corpo que com frequência tem um peso estranho, não pode colher-se absorvido pelo mundo, nem se definir fora do mundo. À medida que descobre as várias dependências e condicionamentos biopsíquicos e sociais, intui a interioridade da própria consciência como algo de unitário, independente. Mas essa sua consciência tem sempre algo de provisório, de retificável, como um desejo jamais satisfeito que se alimenta de si mesmo e voltado sempre ao futuro. O homem, nesse caso, nunca é fator definido; mesmo com toda a viscosidade de seu passado, está sempre centrado sobre a instabilidade do futuro. O homem é infinitamente mais do que seu ato e é uma subsistência consciente de poder ser. Nele, tudo é problemático e existencial, porque pode dirigir-se ou não ao bem, e porque tende ao bem supremo que jamais se deixa determinar: depois de cada escolha, o bem se coloca ainda mais além. Ele tem uma consciência que deveria ser fórmula que sempre se renova na ordem, mas, muitas vezes, ele se coloca em revolta, retornando à natureza animal para criar um mundo sem alma e para fazer de si mesmo um inimigo do humano até a estéril luta contra a criação.
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1.2 O homem é um ente histórico que deveria por-se como progressiva adequação ao ser, ou seja, traduzindo em real ação a íntima virtualidade da própria racionalidade ou orientação ao ser. Como ente, é posto; como ente histórico, é autóctise: no primeiro momento, recebe o impulso para uma missão de ser, no segundo historiciza sua missão de ser. Para ser plenamente si mesmo, o homem deve ser disponibilidade histórica. A história é a medida sensivelmente verificada do tender ou não do homem em direção ao Ser ou de como o homem recebeu Deus. A dúvida é com frequência o duro cotidiano para o homem de boa vontade, porque a verdade do Ser se vela em demasiados contrapostos e urgências do sensível. 1.3 Todo e qualquer estudo do homem jamais pode prescindir do seu aspecto mundano: ser aqui e agora. Infelizmente, nós, da cultura ocidental, sentimos demasiadamente o efeito do cosmocentrismo grego e nos encontramos em uma posição de conhecimento dualista: uma situação que parece afirmar uma excessiva distinção entre o que é sujeito – a coisa sujeito que sou – e, depois, a realidade objeto que está fora de mim. Com base nessa concepção, nasce o problema lógico e ontológico da verdade. Porém, o homem, no seu pensamento, já colhe o real, porque se nós colocamos o pensamento fora do real, qualquer mediação de colher a verdade é absurda. O homem move-se já na trajetória do real, caso contrário, qualquer aprofundamento, qualquer conquista da coisa em si é impossível, visto que se colocarmos o pensamento fora do real, o pensamento é nada. O pensamento fora do Ser é nada. Não se quer, com isso, cair na concepção idealista para a qual é o Eu que põe o real, mas esclarecer que são
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dois os momentos que se movem no idêntico ser: eu que percebo e uma realidade distinta por mim. Dois momentos dialéticos que caracterizam o homem no mundo. 1.4 O Ser revela-se em uma compreensão antropocêntrica. Em tal compreensão, podem-se distinguir momentos diversos e interdependentes: a) um tipo de reflexão transcendental do ser, b) um tipo de percepção existencial do ser como real existência. A consciência insere-se de modo transcendental no Ser, como subjetividade (redditio completa ad se, per se, in se) insuperável por qualquer objetivação total do concreto. A consciência vive na transcendentalidade como manifestação de uma essência originária jamais totalmente objetivável. Com o termo consciência, aqui se entende globalmente o todo do profundo humano determinável como pensamento ou conhecimento, intuição, moral, pessoa. Esse Eu consciente do homem contrapõe-se ontologicamente (mas não onticamente) a qualquer objetivação total do conceito. A consciência transcende-se até no próprio ato, rompe sempre uma abertura para o infinito. Essa não definitiva objetivabilidade do Eu é a mais alta participação como criatura do Ser. “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”. Característica específica do Ser é que nada pode subtraí-lo a si mesmo, e que se evidencia somente em si mesmo. O homem colhe-se e transcende-se, opõe-se em si mesmo sem jamais se objetivar totalmente. Toda objetivação é estranheza, o que significa não consciência. No coração do homem, adensa-se o mistério do Ser. 1.5 Partindo da subjetividade do próprio ser ou ilimitada autorreflexão, o homem descobre-se indivíduo intangível ou livre.
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O homem, sendo negado para um endereço objetivístico, afirmase por uma própria integridade conceitual de auto-ser e, por isso, nem mesmo por parte de Deus pode acontecer uma verdadeira coação. Toda determinação divina no homem é também sempre um modo profundo de autodeterminação do homem. A intangível subjetividade do ser do homem é também a raiz da sua profunda e grande solidão, motivo pelo qual é posto em uma tal responsabilidade da qual ninguém pode absolvê-lo. Disso, deriva que o verdadeiro conceito de substância não poderá ser, para o homem, uma objetividade coisa-espacial, mas uma livre intencionalidade que, historicamente, alcançará a autodeterminação definitiva ou decisão irreversível do sujeito ratificada pela morte. O homem, embora sendo também uma consistência naturo-coisal, até mesmo física (o corpo), é um modo de ser que se torna permanente depois da consideração histórico-temporal. O devir do homem não é um acréscimo a algo de estático; mas, pelo fato de que parte da autodeterminação, é o próprio devir que leva o ser à sua realidade permanente. Com a sua livre autodeterminação, o homem busca para si aquela natureza ou substância na qual permanece estável e irreversível. Será uma natureza obstinada (hostilis actio in esse) ou amor comunicante (cum uno esse). A eternidade do homem é o modo definitivo da própria subjetividade. Nessa evolução, tem a sua equívoca incidência o nosso corpo em toda a sua amplitude histórica e mundana, ele é o momento temporal e espacial da autorrealização do espírito. 1.6 Cada estrutura é sempre um momento mediano daquilo que nunca é estruturável. O homem é, ao contrário, sujeito e, portanto, tem uma criatividade ou missão intemporal e revela nisso um lugar originário sempre transcendente.
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Quando, por fim, o estruturalismo pretende a busca das estruturas, quase como uma fórmula matemática do todo ou do Ser, nesse caso a última etapa será o próprio insucesso. Todo o estruturado ou estruturável é um limitado. O ser revela-se ao homem como ausência geradora, como significante que transcende todo o significado, como uma palavra que fala em nós de si, mas que nós não falamos. O ser é uma estrutura ausente que estrutura tudo; e, quando o homem quer colher a estrutura fundamental, ela sempre se põe além e se apresenta como vazio, como silêncio, como ausência. Aqui, portanto, está o insucesso do estruturalismo filosófico. Dessa forma, é mais oportuno retornar à pura ontologia. 1.7 Transcendência e autopresença constituem a unitária subjetividade do homem. O homem, permanecendo na própria subjetividade, dá-se conta que o ser o implica e transcende. Mas esse estado de conhecimento atinge uma capacidade de autorrealização tensional ao infinito, de cuja vontade é o momento mais vistoso. O homem não tem sossego em si, é sempre impulsionado para além de si mesmo. Freme em si a urgência do absoluto indeterminável. Inquietude metafísica que parece condenar o homem à fadiga de Sísifo. Porém, de um Sísifo que alcançada o ápice de um monte, descobre um outro cume que implacavelmente o absorve, e assim por diante, até a consumação de si mesmo. Esse Sísifo deve subir para encontrar o “centro visado” por Quem pôs o seu ser em tensão. O homem é necessariamente interessado pela transcendência. Termo último onicompreensivo da transcendência é Deus, aquele que, sem nome, chama cada um de nós por nome. O homem, no seu transcender intrínseco, encontra-se, de fato, na presença de Deus. Por isso, ele jamais pertence a si mesmo em uma subjetividade fechada; mas, ao contrário, à medida que o seu auto-ser abre-se
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a ele, é subtraído a si mesmo e levado, para além de si mesmo, à presença de Deus. Ele jamais tem a posse permanente e total do seu auto-ser em e a partir de si mesmo, mas o tem a partir de Deus. É em Deus e por Deus – na sua presença, Ser Absoluto, ele se encontra quando retorna, verdadeiramente, a si mesmo – que o homem possui toda a profundidade da sua autopresença, a subjetividade da sua subjetividade, por isso se pode também dizer: à medida que se torna disponível à exigência absoluta dessa transcendência, o homem, por si mesmo, alcança o seu auto-ser; e à medida em que tenta se fechar a essa transcendência, acaba em ruína de si mesmo. Protologia à qualquer solução da problemática humana permanece a afirmativa que o homem é si mesmo à medida em que se torna disponível ao Ser. A autenticidade de si mesmo é disponibilidade ao Ser. O homem é continuamente existente em uma potencialidade obediencial ao Ser que pode ser atuada ou não atuada. O Ser é o fim soberano que abraça qualquer outro fim, é a sede de todo fim. A vontade na qual se exprime a unitariedade da subjetividade humana é expressão ontológica de autoatuação humana (a intensidade do ser humano mede-se de fato pela pureza do ato de vontade), é o apelo dominante do homem em que o Eu profundo ou subjetividade subjetiva do homem revela-se e exaltase. Mediante a vontade, o homem concentra si mesmo no fim último, autenticando-se no próprio auto-ser. A proporção objetivo-subjetiva dessa tensão conhecida e querida é o Em Si ôntico individual. 1.8 O homem realiza-se somente adquirindo o hábito de uma liberdade de libertação. Ele adverte em si uma certa estranheza, um peso acrescido que age quase se identificando com o Ser. Um princípio anti-humano deposita-se no coração do homem, um mecanismo obscuro que absorve em próprio a vida do homem. Um “iatus” que sabe confundir os meios como fim para realizar
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o homem contra si mesmo. Por isso, a vontade torna-se vetor de distorção do próprio ser e põe-se em contraste com a própria verdade. O homem, portanto, pode também não decidir por si mesmo e progressivamente autonegar-se. A história do homem deve ser uma antropologia funcional, uma humanidade, ou seja, disponível à urgência do absoluto. Só assim é possível uma liberdade de libertação de qualquer sedimentação distorsiva do ser. Jamais se terá uma antropologia funcional, se o homem não se torna primeiro pessoa autêntica. Autenticidade é relação incondicionada ao ser. Todo e qualquer pecado é inautenticidade, porque falsifica a relação de consciência ao ser. E um falso relacionamento com o ser é uma constatação de não ser, diminuição de ser. Quando o homem decide rejeitando o ser, aguça-se a culpa, a inautenticidade e experimenta a angústia, a neurose, a cisão. O orgulho humano pode não perceber esse corte, mas o coração inconsciente de todo o seu ser chora a própria agonia. A culpa estrutura sempre algo que fere o humano na raiz e que, psicologicamente, se revela a seguir como angústia, medo de si mesmo, alienação, drama desesperador, inutilidade do viver, revolta suicida. A psicoterapia mais eficaz nunca será aquela que dará o “placet” ou aceitação de uma liberdade de arbítrio, mas somente aquela que saberá revelar a distorção feita no próprio ser e reafirmar a vontade ao critério do ser. 1.9 Em síntese: a) O homem age para o próprio fim e é princípio livre dos próprios atos. Age segundo uma ordem de per si transcendente que é ele próprio. Não age ao acaso; mas, mediante uma organização autônoma de fins particulares satisfeitos, tende a um
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autoaperfeiçoamento tão perfeito a ponto de não haver nenhum desejo que o coloque fora ou contra si mesmo. Pela intrínseca transcendência do próprio ser, o homem põe-se transcendente diante de toda situação política, religiosa, psicológica. b) Para que tudo o que foi dito se verifique, necessita a moral do ato totalmente humano, ou seja, liberdade de todas as partes à inteira pessoa (que é o fim-causa unitária das partes dinâmicas). De fato, a moral que é garantia única do homem concretiza-se assim: ser, em cada momento da história, uma determinação rigorosa do possível a partir das contradições presentes. O possível categoriza-se pela prioridade do sujeito em evolução. Compreender o possível que mais identifica e agir para realizá-lo. 1.10 Ontopsicologia Se retomarmos a concepção junguiana referente à psique, darnos-emos conta que “em muitos casos, as neuroses psíquicas têm como causa profunda um sofrimento da alma que não encontrou a sua razão de ser”1. Se reestudamos C. Rogers, ele nos lembrará que o homem não é uma máquina comportamentista e nem mesmo um irracional preso a um seu passado inconsciente, mas um ser “que na vida interior transcende o universo material e vive em dimensões não compreensíveis para um esquema descritivo baseado no condicionamento ou no inconsciente”2. A. Maslow acusa a psicologia corrente de ser inadequada a formar homens que se autorrealizam porque, em vez de ser Ontopsicologia, é somente ‘psicopatologia do nível médio’ e, portanto, distorcida da inseidade autêntica, cujo sentido de culpa quem testemunha é a existência, e pressagia-se o pleno desenvolvimento da ‘terceira força’ da psico JUNG, C.G. L´âme et la vie. Paris: Buchet-Chaster, 1963. p. 330.
1
ROGERS, C.R. La Terapia Centrada sul cliente. Florença: G. Martinelli, 1970. p. 338. 2
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logia que coloque em primeiro plano o interior essencial finalístico do homem3. V. Frankl, na sua logoterapia, lembra-nos que toda vida individual é partícipe de uma realidade suprema jamais definível e que, no entanto, a nossa realização depende das respostas que damos a tal transcendência na nossa existência4. 1.10.1 Se por científico se exigem paralelos confrontáveis como requisito, então se podem também aceitar restrições convencionadas, mas, se por científico se entende o real experimentável, nesse caso o discurso epistemológico alarga-se a tudo o que do real é perceptível de algum modo. O exemplo das peak experiences ensina-nos continuamente que, onde a experiência é mais perspicaz, a investigação científica não tem sentido, o que equivale a dizer que justamente onde a realidade se impõe com mais verismo, a ciência é ausente. Dicotomias e postulados restritivos jamais ajudarão o homem que é um todo posto no todo. Rollo May diz que a psicologia corrente é um bloqueio ao sentido do ser, do significado ontológico do homem; para ele, o ser do homem é a estrutura única das potencialidades de um indivíduo. Mecanismos de defesa, dinamismo, processos não são mais do que expressões de tal estrutura única. O inconsciente não é mais que o conjunto de potencialidades que o indivíduo não pode ou não quer externar. R. May ainda estabelece seis características específicas do ser humano que define ontológicas e define as neuroses como um modo de aceitar o não ser5. MASLOW, A.H. Verso una Psicologia dell´essere. Roma: Ubaldini, 1971. p. 190-191, 194. 3
Conforme FRANKL, V. The Doctor and the Soul. Nova York: Bantam Books, 1967. 4
Além de nas suas obras em geral, cfr. as declarações de R. May em Psychologie existentielle. Ed. EPI, 1971. p. 19, 21, 22, 78. 5
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A. Maslow, em “Toward a Psychology of Being”, propõese expressamente uma psicologia do ser com termos puramente ontológicos e distingue entre uma psicologia do devir e a outra do ser. A verdadeira terapia é definida como busca de identidade e, portanto, busca de valores hierárquicos, intrínsecos e autênticos. O sentimento de culpa revela uma traição da própria natureza íntima. A autorrealização implica dor, motivo pelo qual diz Maslow, “mesmo quando se superou o problema do Devir, permanecem os problemas do Ser”. Fala de finalidade, missão, necessidade da essência do homem. É confortável um tal aprofundamento em perspectiva ontológica. Infelizmente, ponderando bem, falta consistência real. Explico-me. A tentativa desses psicólogos, mesmo que sejam um aprofundamento superior em relação à maioria, de fato não colhe a estabilidade ôntica do existencial humano. Ou seja, eles usam uma linguagem emprestada de Buber, Hartmann, Jaspers, Tillich, Heidegger, mas não aceitam a sua profundidade de significado. Todo discreto filósofo sabe o peso dos significados ontológicos; no entanto, os nossos melhores psicólogos usam expressões ontológicas sem capacidade de demonstração e estruturações lógicas e reversíveis. 1.10.2 O ponto que caracteriza a Ontopsicologia, conforme minha visão, é a premissa explícita do significado ôntico do homem como originário metafísico que se individua no existencial, e a única terapia possível é um estudo de coordenação do dado psicológico à intencionalidade ôntica do homem. A Ontopsicologia pressupõe o homem como um Eu a priori já dado ou apelado pelo Ser supremo. Esse Eu a priori ou consciência ôntica é a estrutura originária que, no devir da existência, deve ser verificada e merecida na escolha.
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O ser, para nós, é compreensível e perceptível somente enquanto antropocêntrico. Sobretudo enquanto pessoa, o homem constitui a estrutura conceitual que mede a compreensão do universo. O seu ser é o de ser a sua universalidade; e a sua universalidade, o seu ser. O homem é livre enquanto é intenção fundamental do todo. Infelizmente, a sua subjetiva universalidade é forçada pelo ser-aí situacional. O seu ser potencial é universal, mas o seu ser-aí espaçotemporal (ser como limite ou ser como datità6) fragmenta o seu ato como devir. Disso decorre que a sua autoconsciência realiza-se no âmbito do horizonte que lhe é imposto pelo objeto-situação com o qual o ato de autoconsciência está estreitamente unido. O eterno da pessoa é essencialmente transcendente à existência e, todavia, somente na atuação da existência humana. De fato, o homem não pode colher a própria originária subjetividade fora do próprio ato de existência. No entanto, mesmo se a situação é inevitável, é resolvida e consequentemente superada pela decisão que reata o homem à opção fundamental do inteiro: por isso, o homem com o seu ato extrapola sempre da área de toda espacialidade temporal, por isso o homem cria a relação do instante com a eternidade e toda a história torna-se momento metafísico do ser do homem. Em um instante de consciência suprema, o homem pode extrapor-se da própria situação e reunir em si o universal do remoto e futuro, quase intuindo o necessário que nos torna possíveis e nos faz ser. É o estado de graça pelo qual somos presenciados pelo absoluto. A Ontopsicologia é a ciência que estuda a estrutura base da psicologia do homem. É um estudo que não se preocupa em colher todas as flexões discursivas do homem, mas somente as relações fundamentais que definitivamente podem explicar as motivações psicológicas. Sem dúvida, a psicologia moderna Datità: o fato ou dado no momento em que acontece. Na linguagem filosófica, o quanto pode objetivamente constituir o suporte da atividade cognoscitiva. [N. d. T.] 6
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explicitou experimentalmente muitos particulares do profundo humano, particularidades que intimidaram as fáceis conclusões da psicologia clássica e suscitaram uma coragem humanista de massa que jamais foi possível no passado. O homem, no entanto, já se encontra além, como sempre. Quando uma parte de verdade é fixada pela ciência, o existente já está além, porque o homem se move na intenção do todo. Os próprios particulares individuados na unitariedade do homem são partes “gestálticas” organizadas no todo e, portanto, tendem ao todo. De qualquer parte que se estude, o homem sempre apresenta a parte que tende a reconstituir o todo ao qual pertence. A própria parte ou momento esgota o próprio significado, somente se compreendida em relação ao todo do qual é função. Cada sinal do devir significa o homem enquanto capaz de subjetividade universal. Ontopsicologia como psicologia do ser do homem, como psicologia em função do ser. O coração do homem tende ao próprio Deus: é um fato que implica uma missão não compensável com outra coisa. Esse fatomissão é o portador que motiva e conclui cada trecho existente. A Ontopsicologia propõe-se justamente a restabelecer a união dos diversos do particular psicológico ao todo do originário metafísico. Em síntese, a Ontopsicologia fornece critérios de consciência ôntica para amadurecer a consciência psicológica. 1.10.3 Antes de concluir, gostaria de destacar algumas considerações de Jung: “O verdadeiro psicólogo, quando quer ser psicoterapeuta, deve lembrar que em realidade deve ser não um mestre, mas um fiel servidor do em si profundo do paciente”7. Não pode propor arbitrariamente, mas humildemente desaparecer JUNG, C.O. Die Psychologie der Ubertrangung. Zuique: Rascher Verlag, 1946. 7
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onde é exigido o serviço. O psicoterapeuta não cura de per si, mas expõe a própria maturidade moral que se torna forte ocasião de integração para o paciente. O trabalho que se conduz sobre a alma é uma das tarefas mais árduas. Infelizmente, hoje em dia, demasiados incompetentes – não sem a culpa das faculdades de medicina – arrogam-se a pretensão de curar o homem sem conhecimento da alma que, no entanto, está entre os fatores etiológicos da patologia em geral e é o principal fator nas patologias noéticas. 1.11. Personalidade autêntica Pela estrutura, o homem pode desenvolver a consciência de grupo que se exprime na solidariedade como interdependência de um destino comum. É preciso estabelecer no plano social a submissão do fato ao homem e não vice-versa. Preeminente deve permanecer a tendência antropocêntrica e todo dado social deve revelar a pessoa. Há um tempo, o homem mudava a própria imagem com base em um modelo de valores estáticos e não devia fazer mais do que se adequar a isso. O homem de hoje adverte-se como um “fazerse”, uma busca pragmática do próprio ser: a sua essência já é dada, mas será somente o futuro a revelá-la. Enquanto a sociedade pré-industrial fundava a unidade em uma certa estabilidade e imutabilidade de tempo, a sociedade industrial de hoje funda o próprio progresso na mudança contínua das estruturas e dos valores. O que é característico é que a mudança não é um momento de transição, mas se torna uma situação fundamental: a transição está tornando-se um dado permanente8. De fato, o progresso pessoal do homem é continuamente condicionado pela velocidade de adaptação. A sociedade técnico Conforme ARON, R. Les Grandes doctrines de Sociologie historique. Paris: 1961. p. 7; MOLTAN, J. Rivoluzione e futuro. Queriniana, 1971. 8
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industrial moderna constitui um desafio para o homem, visto que o solicita a empenhos inesperados para os quais ele está despreparado. A falta de posicionamento crítico põe o homem ao léu da última informação ou a responder como coisa a critérios econômicos: em tal caso, o homem é orientado mais a consumir do que a crescer como pessoa. O problema existe também no fato que a civilização nada tem de automático, mas é o conjunto organizado de empresas humanas sempre expostas ao risco e nunca garantidas por um a priori aperfeiçoante. O homem contra o homem sempre é possível. O homem é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto da transformação social. Para não perecer, deve adquirir uma consciência madura das necessidades pessoais e uma capacidade de concorrer responsavelmente à formulação das escolhas de valor operativo e de autogeri-las. A consciência humana já possui em si o valor originário, quase potencialidade ao próprio fim, para coordenar o dispersivo contexto mundano ao próprio significado de pessoa, contanto que dissolva todos os condicionamentos sobrepostos à própria autenticidade. Para entender melhor a distinção entre personalidade-esquema e personalidade autêntica, quero precisar que quase todos somos personalidade-esquema. De fato, se observamos a cada instante a nossa vida, dar-nos-emos conta que somos tranquilos repetidores de detalhadas imposições sociais. Da manhã à noite, na maioria dos atos, somos seguidores conformistas. Se começássemos a nos perguntar o porquê de atar os cadarços dos sapatos, de fazer a barba daquele modo, de ter que nos vestir, de guiar o carro daquela maneira, de trabalhar assim, de falar em premissas etc., dar-nos-íamos conta que, mesmo onde e quando acreditamos ser pessoas, somos, em vez disso, codificados. Certamente, não seria oportuno ir nu ao escritório durante o verão, mas pelo menos nos darmos conta dos vários condicionamentos sociais e reconhecêlos como limite da própria utilidade pessoal. Não podemos fugir de uma margem de personalidade-
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esquema, mas devemos nos preocupar com a nossa autenticidade, defendendo-a com todos os meios, como um oásis que é preciso, com frequência, limpar da areia soprada pelos ventos periódicos da sociedade. 1.12 O critério de uma verdadeira personalidade autêntica revelase na capacidade de saber aceitar o outro enquanto outro. A maioria dos homens só sabem ver os outros como estranhos. Infelizmente, isso acontece em consequência da ignorância contra si mesmo. Quem sabe com amor a si mesmo, sempre sabe encontrar a possibilidade do outro. Aceitar o outro enquanto outro significa acolher com amor um outro-Eu, uma diversidade subjetiva que pode aprofundar o significado de existir. A pessoa que sabe colocar-se ao lado de uma outra não é, na maior parte das vezes, um integrado conservador, mas, com frequência, é o inquieto, o inovador, aquele que está disposto a perder tudo o que é história própria para se colocar como nova função no resolver a contradição. 1.13 Portanto, a antropologia funcional é humanidade que continuamente se renova para inventar valores de solução para os problemas que a existência apresenta. O valor não é uma ideia, mas uma voz do ser que urge como necessidade, é uma relação transcendente do ser que exige concretização no coração do homem, sob pena de uma progressiva autonegação. O valor é uma ideia-força que, por meio da autenticidade (ou consciência funcional) humana, torna-se ação especificada de oportuna solução e, por isso, comporta um mais ser qualitativo. Ou seja, tem-se necessidade daquele tipo de pessoa que depois de se ter
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oferecida totalmente à ideia-força – ideia-força que é o valor concretizado na consciência experimental – posiciona a ação em um novo modelo de cultura que seja adequada para resolver o problema intransferível do aqui e agora. O modelo de cultura é válido se conserva eficaz a funcionalidade do valor no devir quotidiano do homem. Quando uma estrutura social ou ação humana não leva a verificar um aumento de ser interior, é sinal que se tornou apenas forma de poder inibidor e perdeu toda relação com a vitalidade do ser e, por isso, enrijece o próprio significado de ser homem. 1.14 Identificação e neurose ontológica O processo de identificação é uma faca de dois gumes. Quando bem especificado e regulado, leva à maturidade o indivíduo, caso contrário, bloqueia e perturba a autenticidade. Todos nós nos encontramos na dinâmica de um processo de identificação; devese verificar se a nossa identificação é autêntica ou se faz parte de uma personalidade-esquema, ou melhor, se implica coincidência com o pessoal Em Si ôntico ou com um meme qualquer. Toda identificação tem o perigo de levar a uma alienação, a uma falsificação de si mesmo, “omnis homo mendax”, “inimici hominis, domestici eius” (Mt.10,36). A experiência mais próxima do homem oferece modelos de comportamento verdadeiramente ilusórios, exemplaridades dispersivas para a própria orientação interior. A sede da neurose ontológica é o inconsciente, entendido como originalidade primordial do homem. Nele, revela-se a urgência do ser como experiencialidade psicológica. O inconsciente é o portador da dinâmica da autenticidade; portanto, não é necessário bloqueá-lo, mas apenas coordená-lo. Ele é a instintividade primeira que, com a ajuda da razão e o impulso da vontade, pode amadurecer-se nas possibilidades intrínsecas.
Introdução ♦ 29
Quando a historicidade do nosso decidir não é correta, é no inconsciente que se adverte a contradição que, posteriormente, com dor, se externa na superfície do remorso, neurose, psicopatia. A contradição ontológica fenomeniza-se em contradição psicológica dolorosa. Enquanto todo o contorno social procura concluir, acomodar, enquadrar, militarizar, o inconsciente sempre se revela como diálogo ou como discussão que se contrapõe. A identidade é um processo válido quando coincide com a vitalidade que se renova da tensão ontológica ou descontentabilidade da existência alcançada. Tensão ontológica é fome inquieta do mais ser, jamais aquiescência ao existido. O homem deve sucessivamente se desprender de todo modelo cultural, psicológico, exemplar, comportamental, social etc. para inventar um outro que permita melhor a funcionalidade do ser no próprio existir. Tensão ontológica a fim de que o ser exista com autenticidade no homem. Primeiramente, afirmei que “omnis homo mendax”, todo homem torna-se mentiroso, sobretudo para o outro e, por isso, “inimici hominis, domestici eius”. E agora, prosseguindo, podese dizer que todo e qualquer “tu” do nosso conhecer é um perigo, visto que nos pode estabelecer em uma identificação que contrasta a nossa autenticidade.