Para Entender Direito Sumário Prefácio ...................................................................................................... 7 Introdução - Como ler uma norma .................................................................. 9 Capítulo 1 - Organização do poder público brasileiro ...................................... 14 1.1 - Poderes e esferas de poder .......................................................................................................... 14 1.2 – O poder Judiciário ......................................................................................................................... 16 1.2.1 – Siglas e funções do poder Judiciário ..................................................................................... 16 a) STF ........................................................................................................................................... 17 b) Justiça comum e justiça especializada ..................................................................................... 18 c) Tribunais superiores e tribunais inferiores ................................................................................ 19 1.2.2 – Organização do poder Judiciário ........................................................................................... 20 1.2.3 – Juizados especiais criminais, cíveis e da fazenda pública..................................................... 21 1.2.4 – Tribunais do júri ..................................................................................................................... 22 1.2.5 – Tribunais de justiça ................................................................................................................ 22 1.2.6 – Cargos do poder Judiciário .................................................................................................... 23 1.2.7 – Preenchimento dos cargos nos tribunais superiores e inferiores .......................................... 25 1.2.8 – Divisões da justiça: regiões, comarcas, varas, câmaras e turmas......................................... 29 1.2.9 – Instância e entrância .............................................................................................................. 32 1.2.10 – Tribunais administrativos e tribunais arbitrais (e a justiça desportiva) ................................. 33 1.2.11 – Escrivão e oficial de justiça .................................................................................................. 35 1.2.12 – Conselho Nacional de Justiça .............................................................................................. 35 1.2.13 – Foro privilegiado ou especial ............................................................................................... 36 1.3 - O poder Executivo ......................................................................................................................... 38 1.3.1 – Impedimento do presidente e vacância da presidência ......................................................... 40 1.3.2 – Órgãos da presidência, administrações pública direta e indireta ........................................... 41 a) Fundações públicas .................................................................................................................. 45 b) Empresas públicas ................................................................................................................... 45 c) Empresas de economia mista .................................................................................................. 45 d) Autarquias ................................................................................................................................ 46 1.3.3 – Ministério Público ................................................................................................................... 47 1.3.4 – Advocacia-geral da União, defensoria pública, procuradoria-geral da Fazenda e procuradorias estaduais .................................................................................................................... 51 1.3.5 – Polícias ................................................................................................................................... 54 1.3.6 – Forças armadas ..................................................................................................................... 55 1.3.7 - Corregedorias ........................................................................................................................ 57 1.3.8 – Concurso, nomeação e exoneração de servidor público ....................................................... 58 1.4 – Poder Legislativo ........................................................................................................................... 60 1.4.1 – O problema da representação na Câmara e no Senado ....................................................... 64 1.4.2 – Legislatura, sessão legislativa, sessão preparatória, sessões ordinárias e sessões extraordinárias .................................................................................................................................. 66 1.4.3 – Composição das mesas da Câmara, Senado e Congresso .................................................. 66 1.4.4 – Comissões parlamentares ..................................................................................................... 68 a) Conselho de Ética .................................................................................................................... 70 1.4.5 - Líderes ................................................................................................................................... 73 a) Líder de bloco parlamentar ....................................................................................................... 73 b) Líder da maioria e da minoria ................................................................................................... 73 c) Líder do governo ....................................................................................................................... 73 d) Voto simbólico e voto das lideranças ....................................................................................... 73 1.4.6 – Tribunais de contas ................................................................................................................ 74 1.5 – Controle mútuo entre os poderes .................................................................................................. 75 1.6 – Intervenções, estados de defesa e de sítio, situação de emergência e estado de calamidade pública ................................................................................................................................................... 76 1.6.1 – Intervenção ............................................................................................................................ 77 1.6.2 – Estado de defesa ................................................................................................................... 77 1.6.3 – Estado de sítio........................................................................................................................ 78 1.6.4 - Situação de emergência e estado de calamidade pública ..................................................... 79 Capítulo 2 – Processo legislativo ................................................................... 83 2.1. - Hierarquia de normas ................................................................................................................... 83 É terminantemente proibida a reprodução, impressão, cópia ou qualquer outra forma de utilização ou distribuição deste material, total ou parcialmente, por qualquer meio, mídia, formato ou forma, e para qualquer propósito, ainda que sem finalidade de lucro, sem prévia e expressa autorização escrita do autor.
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2.1.1 - Constituição ........................................................................................................................... 83 2.1.2 – Emendas constitucionais ....................................................................................................... 84 a) Cláusula pétrea explícita .......................................................................................................... 85 b) Cláusulas pétreas implícitas ..................................................................................................... 85 2.1.3 - Leis complementares ............................................................................................................. 86 2.1.4 – Leis ordinárias ........................................................................................................................ 87 2.1.5 – Lei delegada .......................................................................................................................... 87 2.1.6 – Medidas provisórias e decretos-leis ....................................................................................... 88 2.1.7 – Decretos e resoluções do legislativo...................................................................................... 90 2.1.8 – Tratados e convenções internacionais................................................................................... 90 2.1.9 – Portarias, decretos, circulares, resoluções, atos e instruções normativas etc. ...................... 90 2.1.10 - Constituições estaduais e leis orgânicas ............................................................................. 91 2.2 – Quorum ......................................................................................................................................... 91 2.2.1 – Hierarquia de leis: lei complementar vs lei ordinária; lei estadual/municipal vs lei federal/estadual ................................................................................................................................ 93 2.2.2 - O que é maioria? ................................................................................................................... 94 2.3 – Processo legislativo das emendas constitucionais ....................................................................... 94 2.4 – Processo legislativo das leis ......................................................................................................... 96 2.5 – Vacatio legis .................................................................................................................................. 98 2.6 – Revogação de normas .................................................................................................................. 99 Capítulo 3 - Sistema processual ................................................................. 101 3.1 – Tipos de processo ....................................................................................................................... 101 3.2 – Processo de conhecimento ......................................................................................................... 102 3.3 – Processo de execução ................................................................................................................ 109 3.4 – Despachos, sentenças e decisões interlocutórias ...................................................................... 112 3.5 – Recursos ..................................................................................................................................... 112 3.6 – Sentença transitada em julgado e ação rescisória ...................................................................... 115 3.7 – Liminares ..................................................................................................................................... 116 3.8 – Sentenças de tribunais arbitrais .................................................................................................. 116 3.9 – Direito adquirido .......................................................................................................................... 117 3.10 – Súmula vinculante ..................................................................................................................... 117 3.11 – Habeas-corpus, habeas-data e mandado de segurança .......................................................... 118 Capítulo 4 – Direito Penal ........................................................................... 121 4.1 – Tipo penal, delito, crime e contravenção penal ........................................................................... 122 4.2 – Dolo e culpa ................................................................................................................................ 123 4.2.1 – Autoria, co-autoria e participação ........................................................................................ 124 4.3 – Consumação, tentativa, arrependimento eficaz e arrependimento posterior .............................. 125 4.4 – Excludentes de ilicitude ............................................................................................................... 126 4.4.1 – Estado de necessidade ........................................................................................................ 126 4.4.2 – Legítima defesa .................................................................................................................... 126 4.4.3 – Exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal ....................................... 126 4.5 – Principais crimes relacionados à morte ....................................................................................... 127 4.5.1 – Homicídio ............................................................................................................................. 127 4.5.2 – Infanticídio ............................................................................................................................ 129 4.5.3 – Aborto .................................................................................................................................. 130 4.5.4 - Instigação, indução ou auxilio ao suicídio ............................................................................ 131 4.5.5 – Lesão corporal e lesão corporal seguida de morte .............................................................. 132 4.5.6 – Latrocínio ............................................................................................................................. 134 4.6 – Principais crimes relacionados ao patrimônio ............................................................................. 135 4.6.1 – Furto ..................................................................................................................................... 135 4.6.2 – Roubo .................................................................................................................................. 136 4.6.3 – Extorsão ............................................................................................................................... 137 4.6.4 – Extorsão mediante sequestro .............................................................................................. 138 4.6.5 – Dano .................................................................................................................................... 140 4.6.6 – Apropriação indébita ............................................................................................................ 140 4.6.7 – Estelionato ........................................................................................................................... 141 4.6.8 – Receptação .......................................................................................................................... 142 4.7 – Crimes relacionados à honra, preconceito (racismo) e denunciação caluniosa ......................... 143
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4.7.1 – Calúnia ................................................................................................................................. 143 4.7.2 – Difamação ............................................................................................................................ 144 4.7.3 – Injúria ................................................................................................................................... 144 4.7.4 – Preconceito (racismo ou discriminação) .............................................................................. 146 4.7.5 – Denunciação caluniosa ........................................................................................................ 147 4.7.6 - Exceção da verdade ............................................................................................................ 147 4.8 – Principais crimes contra a dignidade sexual ............................................................................... 148 4.8.1 – Estupro e estupro de vulnerável .......................................................................................... 148 4.8.2 – Violação sexual mediante fraude ......................................................................................... 149 4.8.3 – Assédio sexual ..................................................................................................................... 150 4.8.4 – Corrupção de menores ........................................................................................................ 150 4.8.6 – Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente ................................ 151 4.8.7 – Ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor .................................................................. 152 4.9 – Crimes relacionados à prostituição ............................................................................................. 153 4.9.1 – Mediação para servir a lascívia de outrem ........................................................................... 153 4.9.2 – Favorecimento à prostituição e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulneravel ....................................................................................................................... 153 4.9.3 – Casa de prostituição ............................................................................................................ 154 4.9.4 – Rufianismo e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável ........................................................................................................................................ 155 4.9.5 – Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual .......................................... 155 4.9.6 – Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual .................................................... 156 4.10 – Bigamia (e adultério) ................................................................................................................. 156 4.11 – Crimes contra a administração pública ..................................................................................... 157 4.11.1 – Peculato ............................................................................................................................. 157 4.11.2 – Concussão ......................................................................................................................... 158 4.11.3 – Corrupção passiva ............................................................................................................. 158 4.11.4 – Corrupção ativa .................................................................................................................. 159 4.11.5 – Prevaricação ...................................................................................................................... 160 4.11.6 – Resistência ........................................................................................................................ 160 4.11.7 – Desobediência ................................................................................................................... 160 4.11.8 – Desacato ............................................................................................................................ 161 4.11.9 – Tráfico de influência ........................................................................................................... 161 4.11.10 – Abuso de autoridade ........................................................................................................ 162 4.11.11 – Contrabando e descaminho ............................................................................................. 163 4.11.12 – Facilitação de contrabando e descaminho ....................................................................... 164 4.12 – Tráfico de entorpecentes ........................................................................................................... 164 4.13 – Crimes de trânsito ..................................................................................................................... 167 4.14 – Crimes hediondos ..................................................................................................................... 169 4.15 – Lavagem de dinheiro ................................................................................................................. 171 4.16 – Crimes contra a paz pública ...................................................................................................... 171 4.17 – Hackers e afins .......................................................................................................................... 174 Capítulo 5 – Processo penal ....................................................................... 177 5.1 – Inquérito policial .......................................................................................................................... 177 5.2 – Tipos de ação penal .................................................................................................................... 179 5.3 – Denúncia, queixa-crime e representação .................................................................................... 180 5.4 – O andamento de um processo penal .......................................................................................... 180 5.4.1 – Procedimento comum ordinário ........................................................................................... 181 5.4.2 – Tribunal do júri - Crimes dolosos contra a vida .................................................................... 184 a) Sentença de pronúncia ........................................................................................................... 186 b) Impronúncia. ........................................................................................................................... 189 c) Absolvição sumária................................................................................................................. 190 d) Desclassificação ..................................................................................................................... 190 5.5 – Recursos em um processo penal ................................................................................................ 191 5.6 – Determinação da pena ................................................................................................................ 192 5.6.1 – Bons antecedentes e reincidência (primariedade) ............................................................... 195 5.6.2 – Tipos de pena ...................................................................................................................... 196 5.7 – Penas privativas de liberdade ..................................................................................................... 196
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5.7.1 – Tipos de regime ................................................................................................................... 197 5.7.2 – Estabelecimento do regime.................................................................................................. 198 5.7.3 – Progressão e regressão de regime ...................................................................................... 199 5.7.4 – Detração e remição .............................................................................................................. 200 5.7.5 – Saída temporária e permissão de saída ............................................................................... 200 5.8 – Medidas alternativas à pena privativa de liberdade .................................................................... 201 5.8.1 – Penas restritivas de direito ................................................................................................... 202 a) Perda de bens e valores ......................................................................................................... 203 b) Prestação de serviço à comunidade....................................................................................... 203 c) Limitação de fins-de-semana .................................................................................................. 203 d) Interdição temporária de direitos ............................................................................................ 203 e) Prestação pecuniária .............................................................................................................. 204 5.8.2 – Multa .................................................................................................................................... 204 5.8.3 – Sursis ................................................................................................................................... 205 5.8.4 – Sursis processual ................................................................................................................. 206 5.8.5 – Transação penal .................................................................................................................. 207 5.9 – Livramento condicional................................................................................................................ 207 5.10 – Somatório de penas .................................................................................................................. 209 5.11 – Liberdade provisória .................................................................................................................. 209 5.11.1 – Liberdade provisória sem pagamento de fiança e sem outras medidas cautelares .......... 209 5.11.2 – Liberdade provisória sem pagamento de fiança mas com a imposição de outras medidas cautelares ....................................................................................................................................... 210 5.11.3 – Liberdade provisória com pagamento de fiança (com ou sem outras medidas cautelares). ........................................................................................................................................................ 210 5.12 – Prisão em flagrante, preventiva, temporária, domiciliar e especial ........................................... 211 5.12.1 – Prisão em flagrante ............................................................................................................ 212 5.12.2 – Prisão preventiva ............................................................................................................... 212 5.12.3 – Prisão temporária ............................................................................................................... 214 5.12.4 – Prisão domiciliar ................................................................................................................. 214 5.12.5 – Prisão especial ................................................................................................................... 215 5.13 – Anistia, indulto e graça .............................................................................................................. 216 5.14 – Prescrição ................................................................................................................................. 218 5.15 – Regime disciplinar diferenciado ................................................................................................ 220 5.16 – Prisão civil ................................................................................................................................. 220 5.17 – Pena de morte e pena de prisão perpétua ................................................................................ 221 Capítulo 6 – Direito de família e sucessório .................................................. 224 6.1 - Personalidade, capacidade, cidadania e nacionalidade ............................................................. 224 6.1.1 - Personalidade ...................................................................................................................... 224 a) Pessoa física .......................................................................................................................... 224 b) Pessoa jurídica ....................................................................................................................... 225 6.1.2 – Capacidade .......................................................................................................................... 225 6.1.3 – Cidadania ............................................................................................................................. 227 6.1.4 - Nacionalidade ...................................................................................................................... 227 6.2 – Posse, propriedade e detenção................................................................................................... 228 6.3 – Residência e domicílio ................................................................................................................. 228 6.2 – Casamento .................................................................................................................................. 229 6.2.1 – Sociedade matrimonial ........................................................................................................ 230 6.2.2 – Regimes de casamento ....................................................................................................... 231 a) Comunhão universal............................................................................................................... 231 b) Comunhão parcial .................................................................................................................. 232 c) Separação de bens ................................................................................................................. 233 d) Participação final nos aquestos .............................................................................................. 234 e) Doação ................................................................................................................................... 235 6.2.3 – Separação de fato, separação de corpos, separação judicial, divórcio e desquite.............. 235 6.2.4 – União estável e concubinato ................................................................................................ 237 6.3 – Parentesco .................................................................................................................................. 237 6.3.1 - Parentesco em linha reta e colateral ................................................................................... 238 6.3.2 - Graus de parentesco ........................................................................................................... 238
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6.3.3 - Cônjuge................................................................................................................................ 239 6.3.4 - Parentesco consanguíneo e por afinidade ........................................................................... 240 6.3.5 - Parentesco civil: adoção ...................................................................................................... 240 6.3.6 - Irmãos germanos e unilaterais ............................................................................................. 241 6.4 – Sucessões ................................................................................................................................... 241 6.4.1 - Herdeiros legítimos e herdeiros testamentários ................................................................... 242 6.4.2 – Ordem hereditária ................................................................................................................ 243 6.4.3 - Proporções........................................................................................................................... 245 a) Descendentes ......................................................................................................................... 245 b) Ascendentes ........................................................................................................................... 247 c) Cônjuge .................................................................................................................................. 248 d) Irmãos, sobrinhos, tios e outros parentes............................................................................... 248 6.4.4 – Herdeiros necessários ......................................................................................................... 249 6.4.5 – Herança e legado ................................................................................................................. 250 6.4.6 – União estável ....................................................................................................................... 251 6.4.7 – Homossexuais ..................................................................................................................... 251 Capítulo 7 – Direito tributário ...................................................................... 254 7.1 – Tipos de tributos .......................................................................................................................... 254 7.1.1 – Tributos ................................................................................................................................ 254 7.1.2 – Impostos .............................................................................................................................. 255 7.1.3 – Taxas ................................................................................................................................... 255 7.1.4 – Contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, de interesse de categoria profissional e de custeio de iluminação pública .............................................................................. 256 7.1.5 – Contribuições de melhoria ................................................................................................... 257 7.1.6 – Empréstimos compulsórios .................................................................................................. 258 7.2 – Fato gerador e base de cálculo ................................................................................................... 259 7.3 – Incidência, não-incidência, imunidade, isenção, alíquota zero e redução da base de cálculo .... 259 7.4 – Impostos ...................................................................................................................................... 261 7.4.1 – Impostos da União ............................................................................................................... 261 a) Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza .................................................. 262 b) Imposto de Importação ........................................................................................................... 262 c) Imposto de Exportação ........................................................................................................... 262 d) Imposto Territorial Rural ......................................................................................................... 263 e) Imposto sobre Produtos Industrializados ............................................................................... 263 f) Imposto sobre Operações Financeiras .................................................................................... 264 g) Imposto sobre Grandes Fortunas ........................................................................................... 264 h) Impostos de guerra ................................................................................................................. 265 i) Outros impostos ....................................................................................................................... 265 7.4.2 – Impostos estaduais .............................................................................................................. 265 a) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação ...................................................................... 265 b) Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores ........................................................... 269 c) Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações ........................................................... 269 7.4.3 – Impostos municipais ............................................................................................................ 269 a) Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana ..................................................... 269 b) Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza ...................................................................... 270 c) Imposto sobre Transmissão de Bens Inter Vivos ................................................................... 270 7.4.4 – Impostos do Distrito Federal ................................................................................................ 271 7.4.5 – Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições) ......................... 271 7.4.6 – Imposto com alíquotas progressivas e seletivas .................................................................. 273 7.4.7 – Imposto direto e imposto indireto ......................................................................................... 273 7.4.8 – Imposto pessoal e imposto real ........................................................................................... 273 7.5 – Substituição tributária e fato gerador presumido ......................................................................... 276 7.6 – Tributo em cascata e por valor agregado (não-cumulativo) ........................................................ 277 7.7 – Distribuição das receitas tributárias ............................................................................................ 278 Capítulo 8 - Direito eleitoral ....................................................................... 282 8.1 - Plebiscito, referendo, iniciativa popular e voto ............................................................................ 282 8.2 - Quem pode e quem deve votar ................................................................................................... 285
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8.2.1 – Voto no exterior .................................................................................................................... 285 8.3 – Quem pode se candidatar ........................................................................................................... 286 8.3.1 – Partidos políticos .................................................................................................................. 287 8.4 – Reeleição e renúncia para candidatura ....................................................................................... 288 8.5 – Registro de candidatos ................................................................................................................ 289 8.6 – Eleição majoritária e eleição proporcional ................................................................................... 290 8.7 – Distribuição de cadeiras no sistema proporcional: quocientes eleitoral e partidário ................... 291 8.7.1 – Efeitos do sistema proporcional ........................................................................................... 294 8.7.2 - Suplentes ............................................................................................................................. 296 8.8 – Voto proporcional e voto distrital ................................................................................................. 296 8.9 – Propaganda partidária ................................................................................................................. 299 8.9.1 – Primeiro turno ...................................................................................................................... 303 8.9.2 – Segundo turno...................................................................................................................... 305 8.9.3 – Inserções diárias .................................................................................................................. 305 8.9.4 – Ordem das propagandas ..................................................................................................... 306 8.10 – Suspensão e perda de direitos políticos e cassação de mandato ............................................. 306 8.11 – Consulta .................................................................................................................................... 308 Conclusão ................................................................................................ 310
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Para Entender Direito Prefácio Esse é um livro de direito para quem quer entender o Brasil e suas leis, mas não teve a oportunidade de frequentar uma faculdade de direito. No início de 2000, montei um curso de direito para os trainees do jornal Folha de S.Paulo. Até onde sei, foi o primeiro do gênero no Brasil e, possivelmente até hoje, o único ministrado de forma contínua nas redações do país. O curso fez tanto sucesso que dois anos depois montei um outro curso de direito para os jornalistas e colunistas mais experientes do jornal e esses cursos fizeram igualmente sucesso. Nos últimos 10 anos, o curso preparou mais de 600 profissionais da Folha, muitos hoje trabalhando em outros veículos de imprensa. Em abril de 2010, lancei um projeto chamado Para Entender Direito, na internet. A idéia era ensinar conceitos práticos de direito para o público leigo usando exemplos cotidianos em uma linguagem super fácil. Confesso que não sabia como o projeto seria recebido, já que direito, convenhamos, é sempre um assunto que as pessoas ficam com um pé atrás. Advogados tendem a ‘falar enrolado’, usar termos rebuscados em latim e outras línguas, e nem sempre é fácil entender o que querem dizer. A idéia era desfazer esse mito e mostrar às pessoas que direito é algo fácil de entender e até divertido. Para minha total surpresa, sem nunca ter feito qualquer divulgação do projeto, ele começou a fazer mais sucesso do que eu poderia imaginar e em poucos meses recebeu mais de 150 mil visitas. Sempre durante os cursos e no site os alunos e leitores me perguntavam qual livro indicava para quem não é jurista mas tem interesse em entender como as coisas funcionam no universo jurídico e político. Infelizmente, nunca consegui indicar um, pois os livros na área de direito acabam sendo escritos em uma linguagem inacessível e confusa para o leigo. Além disso, poucas vezes vão direto ao assunto. Prolongam-se em debates filosóficos e nos detalhes. Coisas que não são relevantes para quem não pretende advogar. O resultado é que raramente cobrem as áreas que realmente interessam ao grande público. E, pior, aos poucos fui descobrindo que os juristas capacitados a escreverem um livro relevante e em uma linguagem acessível ao público leigo carecem de tempo ou ficam – quase sempre com razão – receosos de se exporem desnecessariamente às críticas de seus colegas de profissão por se dedicarem a uma obra de alcance comum, algo que no Brasil ainda é um obstáculo cultural. Pela ausência de outra obra voltada ao grande público, e pela crença de que é essencial simplificar o conhecimento para fazê-lo útil e compreensível para aqueles que sofrem seus efeitos, é que surgiu este livro. Seus objetivos – assim como o objetivo daquelas aulas e do site – são muito simples: ele pretende explicar de forma simples, acessível, numa linguagem corrente, como as instituições brasileiras funcionam e o que significam as principais expressões utilizadas no dia-a-dia do direito e na estrutura do Estado. Qualquer jurista lendo o livro achará estranho a forma como resolvi colocar os temas juntos. A maior parte dos livros jurídicos serguem a estrutura dos códigos e leis do qual tratam, ou fazem um apanhado histórico ou doutrinário a respeito do tema do qual falam. Esse livro, ao contrário, segue um caminho inusitado: ao longo dos anos percebi que as perguntas de meus alunos seguiam um certo
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Para Entender Direito roteiro. Assim que eu explicava algo, eles perguntavam quase sempre a mesma coisa. Esse livro ‘responde’ as perguntas na ordem natural que o leitor perguntaria faria a próxima pergunta. Além disso, o livro não entra em debates filosóficos e tampouco ressalta as centenas de exceções para cada regra do direito. Ao longo dos anos percebi que o apego aos detalhes e ao debate filosófico apenas complica o entendimento daqueles que não tem cinco anos para se dedicar a um curso de direito, e acabam servindo de cortinas de fumaça, confundindo-os. O livro mostra o caminho da regra geral e apenas aponta as exceções quando elas se tornam realmente importantes. Ele tampouco deve ser confundido com um dicionário de termos jurídicos porque cada uma de suas partes se encaixa na parte subsequente e deriva de algum ponto anterior, objetivando a assimilação gradual de uma estrutura que é naturalmente complexa. Os capítulos podem ser lidos separadamente mas, se lidos em ordem, o leitor provavelmente vai ter a sensação de ‘Ah! Agora eu sei como as coisas se encaixam!’. Por fim, esse livro não pretende formar novos bacharéis em direito, mas pessoas melhor informadas, capazes de entenderem o que acontece ao seu redor. O livro está dividido em duas partes: a primeira, que é uma introdução ao sistema político, legislativo e jurisdicional brasileiro, é composta pelos três primeiros capítulos. Eles explicam o funcionamento das instituições brasileiras. Já a segunda parte cobre áreas específicas que têm impacto em nosso dia-a-dia como o direito penal, civil (família, herança casamento etc), tributário e eleitoral. Boa leitura!
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Para Entender Direito Introdução - Como ler uma norma Ninguém aprende a ler música sem primeiro compreender os sinais que existem em uma partitura. O mesmo acontece em qualquer linguagem, e não é diferente no direito: antes de começarmos a estudar um mundo estruturado e rodeado por normas, devemos aprender a sua grafia básica. Toda norma possui um número único que a diferencia de todas as demais. Esse número é sempre precedido de um nome que classifica que tipo de norma ela é. Assim, a norma que trata do processo penal é conhecida como “decreto-lei 3.689/41”. A palavra “decreto-lei” é importante para diferenciar esta norma da “lei 3.689/59”, que autorizou o Ministério da Educação a abrir crédito especial para satisfazer despesas de promoção dos Campeonatos Pan-Americano de Boxe e Mundial de Judô, e do “decreto 3.689/00”, que alterou o PDG (Programa de Dispêndios Globais) de 2000. Por isso, quando falamos de uma norma não basta dizer o seu número, mas é necessário também o tipo de norma (lei, decreto, decreto-lei, lei delegada etc). Além disso, depois do número da norma, segue-se uma barra ou um hífen e dois ou quatro dígitos. Estes dígitos representam o ano em que aquela norma foi promulgada (mais adiante, no Capítulo 2, vamos ver o que significa ‘promulgar’. Por enquanto, vamos dizer que ‘promulgar’ é o mesmo que ‘nascer’. Logo, o ano de promulgação de uma norma é o ano de seu nascimento). Esse número, embora não seja parte do número da norma e possa ser suprimido, é sempre um grande auxílio para se encontrar uma norma e para situar o leitor sobre quando ela foi promulgada. As únicas exceções a esta regra são as constituições. Elas são citadas apenas pelo nome ‘Constituição’ e o ano em que foi promulgada. Por exemplo, nossa atual constituição é conhecida como Constituição Federal de 1988 (seu nome oficial é Constituição da República Federativa do Brasil). O adjetivo “federal” é normalmente citado porque temos também as constituições estaduais. Quando lemos uma norma, geralmente ela está redigida com a seguinte estrutura:
Como se pode ver, ela começa com a epígrafe, que é o tipo de norma seguida pelo número e É terminantemente proibida a reprodução, impressão, cópia ou qualquer outra forma de utilização ou distribuição deste material, total ou parcialmente, por qualquer meio, mídia, formato ou forma, e para qualquer propósito, ainda que sem finalidade de lucro, sem prévia e expressa autorização escrita do autor.
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Para Entender Direito data da publicação. Em seguida, à direita, vem a ementa, que é o resumo sobre o assunto sobre o qual a norma trata. E logo abaixo vem o preâmbulo, que é a identificação do cargo da autoridade que promulga a lei. Estes três elementos formam a parte preliminar da norma. Logo em seguida vem a parte normativa, que são as regras que a norma estabelece. Normalmente, no art. 1º da norma, ela diz do que trata e qual é seu âmbito de aplicação. Por isso ele é geralmente chamado de âmbito de aplicação. Os últimos artigos usam tratar sobre revogações de normas anteriores e sobre quando a norma entrará em vigor. Veremos esses dois pontos com mais detalhe no Capítulo 2, quando estudarmos vacatio legis e revogação. Terminada a parte normativa, vem a parte final. Ela é composta de três elementos: do fecho, da assinatura e, muitas vezes, da referenda. O fecho é o local e data na qual a norma é sancionada e/ou promulgada. É costume também o fecho conter o número de anos passados desde a independência e desde a proclamação da República. A assinatura é a assinatura e nome de quem promulgou a norma. A referenda são as assinaturas de outras pessoas que não têm a autoridade para promulgar a norma, mas que normalmente estiveram intimamente envolvidas com sua elaboração, como um ministro ou secretário. Dentro da parte normativa, ela é dividida em várias partes para facilitar sua leitura, manuseio e citação, além de ordenar os assuntos. Sua unidade básica são os artigos. Números ordinais (1º, 2º, 3º etc) são usados até o artigo 9º. A partir daí, usam-se números cardinais (10, 11, 12 etc). Art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira; II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos 10
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Para Entender Direito nesta Constituição. § 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. § 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos: I - de Presidente e Vice-Presidente da República; II - de Presidente da Câmara dos Deputados; III - de Presidente do Senado Federal; IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - da carreira diplomática; VI - de oficial das Forças Armadas. VII - de Ministro de Estado da Defesa § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. Aquilo que se segue ao lado direito de um artigo é conhecido como caput (‘cabeça’, em latim). Isso porque ele é a cabeça do artigo. Dentro de uma norma, há apenas um artigo com cada número. Por exemplo, não há dois “artigo 29” dentro da Constituição Federal de 1988. Mas, algumas vezes, por causa de emendas e normas subsequentes, o legislador acaba criando um artigo com o mesmo número, seguido de uma letra. Por exemplo, a Constituição possui os artigos 29 e 29-A. O artigo 29-A é um artigo completamente distinto do 29, mas que fica logo depois dele. O artigo 29-A não existia em 1988, quando a Constituição foi promulgada. Ele foi criado em 2000, pela Emenda Constitucional 25. Porque ambos os artigos tratam de assuntos similares, o legislador resolveu colocar o novo artigo próximo do antigo, chamando-o de ‘29-A’. Ele poderia tê-lo colocado no final, mas isso apenas complicaria a vida do leitor da lei, que teria de ficar saltando entre o meio e o fim da Constituição sempre que estivesse estudando o assunto tratado por aqueles dois artigos. Um artigo é sempre precedido da palavra artigo ou da abreviação “art.”. Outras vezes, também por conta de sucessivas reformas, artigos são revogados. Olhando a nossa atual Constituição percebemos, por exemplo, que não há mais o art 117. Quando a Constituição foi promulgada, em 1988, existia um artigo 117, que tratava do mandato dos hoje já extintos juízes classistas, que ocorreu em 1999. Como o legislador não tinha nada para colocar naquele espaço depois que o artigo 117 original foi revogado, a Constituição ficou sem artigo 117. Nem sempre é possível dizer tudo o que se quer dentro de uma única sentença ou parágrafo. Às 11
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Para Entender Direito vezes, colocar muita informação em uma mesma sentença torna-a confusa. Por isso há subdivisões dentro dos artigos. Elas são chamadas de incisos, parágrafos, alíneas e números. Os incisos são os algarismos romanos (I, II, III etc) que aparecem debaixo do caput ou de um parágrafo. Eles servem para enumerar coisas. Por exemplo, o art. 12 da Constituição de 1988, que vimos acima, diz em seu caput “são brasileiros:”. Reparem que a sentença não foi finalizada. Ela é finalizada nos dois incisos logo a seguir: “I – Natos; II – Naturalizados”. Em outras palavras, o art. 12 estabeleceu que há dois tipos de pessoas com a nacionalidade brasileira: os natos e os naturalizados. Mais abaixo no §3º, ela faz a mesma coisa: “são privativos de brasileiro nato os cargos:” e usa os incisos para dizer quais são os cargos que não podem ser ocupados pelos brasileiros naturalizados. Quando se precisa enumerar alguma coisa dentro de um inciso, usam-se as alíneas, que são as letras minúsculas, como o “a” e “b” que aparecem abaixo do inciso II do §4º abaixo no artigo 12 de nossa Constituição. Se for preciso enumerar alguma coisa dentro de uma alínea, usam-se números (1, 2, 3, 4 etc) ou letras (A, B, C, D) Outro elemento comum dentro de um artigo são os parágrafos. Os parágrafos seguem a mesma regra dos artigos: até o ‘9º’, usam-se os números ordinais, e depois os números cardinais. Os parágrafos são notados pelo símbolo §. Por exemplo, no artigo 12 acima temos o §1º, §2º, §3º e §4º. Muitas vezes encontra-se a notação §§, que significa parágrafos. Por exemplo, se um jurista quiser se referir aos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º do artigo 12, ele escreverá “art. 12, §§1º a 4º”. Já quando o artigo possui apenas um único parágrafo, em vez de usar o símbolo §, escreve-se “parágrafo único”, por extenso. Ao contrário dos incisos, alíneas e números, os parágrafos são usados para abrir um assunto diferente do assunto tratado no caput, mas intimamente relacionado a ele. Normalmente, uma exceção, um adendo ou uma característica especial. Por exemplo, no art. 12, acima, o caput trata de quem é brasileiro. O §3º trata dos cargos privativos dos brasileiros natos e o §4º trata da perda da nacionalidade brasileira. São todos assuntos intimamente relacionados, mas que não poderiam ser tratados de uma única vez. Quando uma norma é muito grande, com muitos artigos, eles podem ser divididos em partes, as partes em livros, os livros em títulos, os títulos em capítulos, os capítulos em seções e as seções em
subseções. Por exemplo, nosso Código Civil (lei 10.406/02), que é atualmente nossa norma mais extensa, possui duas partes, nove livros, 40 títulos, 168 capítulos, oito subtítulos, 145 seções, 15 subseções e 2.046 artigos. Ainda bem que não vamos precisar ler todos eles. Mas falaremos de vários deles no Capítulo 6.
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Para Entender Direito
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Para Entender Direito Capítulo 1 - Organização do poder público brasileiro 1.1 - Poderes e esferas de poder O Brasil tem três poderes – Judiciário, Executivo e Legislativo – e três esferas de poder – federal, estadual e municipal. A função mais importante do poder Legislativo, o nome já diz, é legislar, isto é, formular as normas que irão reger o funcionamento do país. A função mais importante do poder Executivo é administrar. Cabe a ele gerir o país através das normas emanadas pelo poder Legislativo. E a função precípua do poder Judiciário é julgar as controvérsias surgidas entre as pessoas (físicas ou jurídicas, privadas ou públicas), com base nas normas existentes.
O topo do poder Executivo federal cabe à presidência da República. A presidência, como veremos adiante, é exercida pelo presidente da República e, no seu impedimento, por seu vicepresidente, e pelos presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do STF, nesta ordem. Já o topo do poder Legislativo federal é ocupado pelo Congresso Nacional que, por sua vez, é estruturado no que é conhecido como sistema bicameral, ou seja, há duas casas (câmaras): a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. A Câmara dos Deputados é composta de deputados federais que representam os eleitores (veremos mais adiante que essa representação não é muito perfeita). Os deputados federais são eleitos de quatro em quatro anos, para mandatos de quatro anos. As eleições para a Câmara coincidem com as eleições para o Senado, para a presidência da República, para governador e para as assembléias estaduais. Qualquer brasileiro – nato ou naturalizado – com mais de 21 anos, que saiba ler e escrever (ainda que de forma rudimentar), e no exercício de seus direitos políticos (não estar cumprindo pena, não estar com seus direitos políticos suspensos, estar com o serviço militar e suas obrigações com a justiça em dia) pode candidatar-se ao cargo de deputado federal. Não há uma idade máxima para a
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Para Entender Direito candidatura. Para se candidatar, a pessoa deverá se filiar a um partido político e ser escolhido como candidato por tal partido. Veremos mais a esse respeito no Capítulo 8, quando falarmos de direito eleitoral. Atualmente são eleitos 513 deputados federais no Brasil. Esse número pode variar e atualmente é regulado pela Lei Complementar 78/93. Já o Senado Federal representa as unidades federativas. Cada unidade federativa tem três senadores. No Brasil temos 27 unidades federativas: 26 Estados além do Distrito Federal. Isso quer dizer que temos 81 senadores (27 x 3 = 81). Há eleições a cada quatro anos para o Senado Federal, mas, ao contrário de todos os outros cargos eletivos, seus mandatos são de 8 anos, e não de 4 anos. Isso não quer dizer que o senador eleito hoje terá de ser reeleito daqui a quatro anos para ficar com a vaga por 8 anos. O que ocorre é que apenas parte do Senado é eleita a cada quatro anos. Vamos imaginar que um Estado qualquer tinha, em 1989, três senadores: Huguinho, Zezinho e Duduzinho. Em 1990 o mandato de um deles – o de Huguinho, por exemplo – terminou, e outro senador – Joãozinho – foi eleitos para seu lugar, com mandato de oito anos. Isso quer dizer que o mandato de Joãozinho irá até 1998. Em 1994 os mandatos de Zezinho e Duduzinho (que haviam sido eleitos em 1986) terminaram e dois novos senadores – Mauricinho e Pedrinho – foram eleitos para mandatos de 8 anos. Em 1998 o mandato de 8 anos de Joãozinho terminou e outro senador – Dr. Fulano – foi eleito para sua vaga (seu mandato só terminará em 2006), enquanto Mauricinho e Pedrinho ainda permaneceram com suas cadeiras até 2002, quando dois novos senadores (Seu Beltrano e Cicrano) foram então eleitos para seus lugares. Assim, embora a cada 4 anos um ou dois senadores seja(m) eleito(s), há sempre 3 senadores representando cada unidade federativa, conforme a tabela abaixo. 1989
1990
1994
1998
2002
Huguinho
Huguinho
Zezinho
Joãzinho
Mauricinho
Zezinho
Zezinho
Duduzinho
Mauricinho
Pedrinho
Duduzinho
Duduzinho
Joãozinho
Pedrinho
Dr. Fulano
Joãozinho
Mauricinho
Fulano
Seu Beltrano
Pedrinho
Cicrano
A Constituição de 1988 estabeleceu que a cada 4 anos seriam eleitos o seguinte número de senadores: Número de senadores Ano
eleitos por cada unidade federativa
1990
1
1994
2
1998
1
2002
2
2006
1 15
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Para Entender Direito 2010
2
2014
1
2018
2
2022
1
Já a cúpula do Judiciário federal é ocupada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Falaremos dele com mais detalhe mais adiante neste mesmo capítulo. Na esfera estadual, a cúpula do poder Executivo é ocupada pelo governador de Estado, eleito a cada quatro anos para mandatos de quatro anos. No seu impedimento, assume o vice-governador, e no impedimento deste, o presidente da assembléia legislativa e o presidente do tribunal de justiça, sucessivamente. O órgão máximo do legislativo estadual é a Assembléia Legislativa (ou Câmara Legislativa, no caso do Distrito Federal) que, ao contrário do Congresso Nacional, é unicameral. Não há ‘senadores estaduais’ (ao contrário do que acontece nos EUA, por exemplo, onde há senados estaduais em todos os estados, exceto Nebraska). Nos estados e no Distrito Federal há apenas deputados estaduais (ou distritais, no caso do Distrito Federal), eleitos a cada quatro anos para mandatos de quatro anos. Cabe aos deputados estaduais legislar em nome dos eleitores nos estados nos quais são eleitos. A cúpula do poder judiciário estadual é ocupada pelo tribunal de justiça, e veremos sua composição mais adiante, depois de vermos o judiciário federal. No âmbito municipal, a cúpula do Executivo é ocupada pelas prefeituras municipais, chefiadas pelos prefeitos. No seu impedimento, assume o vice-prefeito, e no impedimento deste, o presidente da câmara de vereadores. Os prefeitos (e seu vices) são eleitos a cada quatro anos, para mandatos de quatro anos. Já a cúpula do poder Legislativo municipal é ocupada pela câmara de vereadores. Os vereadores, que representam os cidadãos dos municípios, são eleitos a cada quatro anos para mandatos de quatro anos. As eleições para vereadores e prefeitos coincidem, e por sua vez ocorrem sempre dois anos após as eleições para os executivos e legislativos federais e estaduais. Por fim, não há ‘Judiciário municipal’. Os litígios a respeito de assuntos de interesse do município são, via de regra, julgados pela justiça estadual e, excepcionalmente, pela justiça federal. 1.2 – O poder Judiciário Antes de estudarmos os órgãos do poder Judiciário, vale a pena darmos uma olhada nas siglas pelas quais eles são normalmente conhecidos.
1.2.1 – Siglas e funções do poder Judiciário Sigla
Significado 16
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Para Entender Direito STF
Supremo Tribunal Federal (existe 1)
STJ
Superior Tribunal de Justiça (existe 1)
TST
Tribunal Superior do Trabalho (existe 1)
STM
Superior Tribunal Militar (existe 1)
TSE
Tribunal Superior Eleitoral (existe 1)
TRF
Tribunal Regional Federal (existem 5)
TRT
Tribunal Regional do Trabalho (existem 24)
TRE
Tribunal Regional Eleitoral (existem 27)
CJM
Conselho de Justiça Militar (existem 12)
TJ
Tribunal de Justiça (existem 27)
a) STF O órgão máximo do Judiciário, como já vimos, é o STF (Supremo Tribunal Federal). O STF é o que se chama de tribunal constitucional, ou seja, sua principal função é proteger a Constituição Federal, garantindo que suas normas sejam respeitadas. Apenas quando há uma afronta à Constituição é que a questão poderá ser levada ao STF. Embora seja comum ouvirmos jornalistas dizerem que o STF é um tribunal político (baseado no fato de que seus membros não são necessarimente magistrados de carreira, mas nomeados pelo Presidente da República), essa é uma definição errônea. Para compreender a distinção, é necessário entendermos primeiro o que é a Constituição. A Constituição é a pedra fundamental de nossa sociedade. Nela escrevemos tudo aquilo que julgamos ser fundamental em nossa sociedade. É importante garantir a liberdade de ir e vir das pessoas? Pois então coloquemos na Constituição. É importante o respeito à vida e à igualdade entre as pessoas? Pois então coloquemos lá. É importante a separação entre os poderes e a manutenção da paz com os outros países? Mais uma vez é colocado no texto da Constituição. Uma sociedade não muda seus valores fundamentais como quem muda de camisa. Pelo contrário: nossos valores fundamentais são as coisas menos mutáveis em nossa sociedade. As leis que ficam abaixo dela é que devem adaptar-se às pequenas mudanças. A Constituição e os nossos valores fundamentais nela escritos não devem ser transitórios. Por exemplo, na Constituição está garantido o direito de ir e vir. Ela não fala que é direito de todos usar um carro ou quais os veículos de transporte podem levar ou trazer as pessoas e nem regulamenta o lado da rua em que os motoristas devem dirigir. Ela deixa para as normas inferiores essas questões menos importantes, pois ela sabe que esses detalhes mudam com o tempo, mas o direito fundamental de ir e vir, não. O mesmo ocorre com o sigilo das comunicações. Em 1988, quando ela foi escrita, a troca de mensagens eletrônicas era praticamente desconhecida. Ninguém falava de email. Logo, ela não podia dizer como o sigilo dos e-mails seria garantido. Mas ela já garantia, desde seu início, que qualquer comunicação (mesmo aquelas que não existiam quando ela foi escrita) seria garantida pelo sigilo. Ficou a cargo das normas inferiores regulamentarem como essa garantia será dada nos casos de e-mails. Pois bem, um tribunal constitucional, então, deve garantir a proteção dos valores fundamentais 17
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Para Entender Direito (aqueles que não mudam ou mudam muito raramente) de uma sociedade. E um tribunal político? Ora, ele julga justamente com base no princípio oposto: baseado nas paixões, nas influências políticas. A forma mais fácil de se perceber a diferença é olhar os crimes de grave repercussão. No artigo 5º da Constituição, a sociedade brasileira fez uma opção muito clara: não haverá pena de prisão perpétua. Mas quando uma pessoa famosa é morta, é natural que as pessoas se revoltem e tendam a aceitar mais facilmente a idéia da pena de prisão perpétua. Enquanto um tribunal político tenderia a julgar influenciado pela dor daquele momento de perda e adotar uma punição mais drástica, o tribunal constitucional fará justamente o contrário: buscará nos nossos valores fundamentais o respeito à vida e impedirá qualquer extrapolação induzida pela emoção. É por isso que às vezes o STF toma decisões que são tão controversas: ele não está preocupado com a repercussão imediata na opinião pública, mas com a repercussão de longo prazo. Ele sabe que um pequeno desvio de interpretação hoje para apaziguar a opinião pública poderá ter graves consequências para nossa democracia no futuro. No Brasil não temos um tribunal político permanente. Há, sim, os esporádicos. O exemplo clássico que tivemos na história recente foi aquele que levou à cassação do mandato do então presidente Fernando Collor, em 1992, pelo Senado Federal. No julgamento do impeachment, o Senado julga como um tribunal político. Collor foi condenado no processo que tramitou no Senado, mas foi absolvido no processo que tramitou no STF.
b) Justiça comum e justiça especializada Abaixo do STF temos dois grandes tipos de divisões da justiça: de um lado, entre a justiça comum e a justiça especializada; do outro, entre os tribunais superiores e os tribunais inferiores. Comecemos pela distinção entre as justiças comum e especializada. O direito brasileiro é extremamente complexo. Milhões de ações sobre os mais diferentes aspectos são propostas todos os anos (o CNJ estima que mais de 25 milhões de novas ações sejam propostas por ano no Brasil, mesmo excluindo as justiças eleitoral e militar). Elas vão de disputas para saber de quem é a galinha que fugiu até para saber se fulano matou cicrano, se tal empresa pode comprar sua concorrente, se o patrão deve indenizar o empregado que pisou no prego, ou se o empregado foi demitido por justa causa porque estava tirando uma pestana no horário de trabalho, ou para decidir se fulano de tal pode candidatar-se a presidente da República. E devemos sempre lembrar 1
que o juiz é um ser humano. Não se pode esperar que ele domine todas as áreas do conhecimento jurídico com a profundidade necessária para julgar todos esses casos com o mesmo grau de precisão. Da mesma forma como há especializações na medicina, há especializações dentro do Judiciário. Para evitar que se exija de um juiz um conhecimento que ele não pode assimilar, e para tentar evitar uma estrutura burocrática que se torne um monstro, a Constituição estabeleceu algumas divisões. A primeira delas foi a criação de três justiças especializadas: a trabalhista, a eleitoral e a militar. Como seus nomes dizem, elas são especializadas nestas causas. A justiça do trabalho julga apenas as causas
1
Além disso, há ainda relativamente poucos magistrados no Brasil. São pouco mais de 15 mil, para uma população de mais de 190 milhões de pessoas, o que faz com que esses poucos magistrados sejam obrigados a julgar muitas causas ao mesmo tempo para suprir a demanda de toda a população. 18
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Para Entender Direito trabalhistas. A eleitoral, apenas as causas eleitorais. E a militar, apenas as causas militares (ou seja, aqueles assuntos referentes aos militares no exercício de sua função ou de civis contra militares ou 2
instituições militares ). Tudo aquilo que não for causa eleitoral, trabalhista ou militar, será julgado pela justiça comum. E nisso se incluem as questões tributárias, internacionais, penais, de família, de sucessão (heranças), corporativas etc etc etc. Em outras palavras, embora existam as justiças especializadas, a maior parte das causas ainda vai parar nas mãos da justiça comum (algo como 21 milhões de novos processos por ano, segundo dados do CNJ).
superiores inferiores
Tribunais
Tribunais
Justiça comum
Justiça especializada TST
STJ
TSE STM TRT's
TRF's
TRE's CJM's
c) Tribunais superiores e tribunais inferiores A Constituição também faz uma separação entre tribunais superiores e tribunais inferiores. Eles seguem uma hierarquia. As causas, normalmente, primeiro passam pelos tribunais inferiores para, só excepcionalmente, chegarem aos tribunais superiores. Os tribunais inferiores são, via de regra, chamados de segunda instância. Isso porque as causas, quase sempre, começam em um nível ainda abaixo, chamado primeira instância, que veremos mais adiante neste capítulo. Por enquanto é importante apenas que saibamos que os tribunais inferiores são a segunda instância e que os tribunais superiores são o que se chama usualmente de instâncias especiais. O próprio nome mostra como as causas, para chegarem até lá devem ser (ao menos em teoria) “especiais”. O sistema funciona como um funil, tentando evitar que uma ação vá subindo de instância em instância. Existem, por exemplo, 5 TRF’s no Brasil, mas apenas um STJ. Existem 24 TRT’s no Brasil, mas apenas um TST. O Superior Tribunal de Justiça é o órgão máximo na justiça comum. Acima dele, apenas o STF, 2
Os crimes dolosos contra a vida, quando praticados por um militar contra um civil – ainda que em serviço –, são julgados pela justiça comum. Por isso, se um soldado matar um banhista na praia, ele será julgado pela justiça comum. Veremos o que é um crime doloso contra a vida no Capítulo 4. Às vezes ouvimos falar de crimes militares ‘próprios’ (ou ‘tipicamente militares’) e ‘impróprios’. Ambos são julgados pela justiça militar. A diferença entre crimes militares próprios e impróprios é que o primeiro (próprio) só está previsto no Código Penal Militar e só pode ser cometido por um militar. Por exemplo, o motim e a deserção só podem ser cometidos por militares (se um civil fugir do trabalho não estará cometendo um crime). Já o crime militar impróprio é aquele que está previsto tanto na lei militar quanto na civil. Por exemplo, o homicídio, o estupro e o roubo, quando cometidos por militares no exercício de suas funções mulitares, são chamados de ‘impróprios’ pois eles só serão julgados de acordo com as normas militares porque são militares. Se fossem civis, suas condutas continuariam a ser consideradas criminosas, mas seriam julgadas de acordo com outra lei. 19
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Para Entender Direito que é o órgão máximo do Judiciário (o que inclui as justiças comum e as especializadas). Cabe ao STJ julgar, entre outras coisas, mas principalmente, os conflitos de interpretação das leis federais e as decisões dos tribunais inferiores que contrariem tais leis ou as diferentes interpretações dadas a uma lei federal por tribunais distintos. Assim como o STJ é a instância máxima para resolver conflitos na justiça comum, o TST, o STM e o TSE são os órgãos máximos nas justiças especializadas. Se o caso não tiver um elemento constitucional, a última instância na qual ele poderá ser, (quase sempre) julgado será por um dos quatro 3
tribunais superiores. Mas é bom frisar que o legislador e os tribunais estão tentando fazer com que o recurso aos tribunais superiores fiquem mais difíceis. A idéia é que as decisões tomadas na primeira e segunda instâncias realmente valham e não sejam apenas meros passos antes de chegarmos aos tribunais superiores. Existe ainda uma terceira divisão, que já mencionamos: entre a justiça federal e a justiça estadual. A justiça federal comum trata dos assuntos de alçada da federação, como as causas de direito internacional, as causas envolvendo tributos da União, as causas envolvendo o patrimônio histórico nacional, as jazidas minerais, os direito índígenas e suas reservas, as autarquias, fundações públicas, empresas públicas e de economia mista federais, as causas envolvendo os parques nacionais etc. Já as demais causas cabem à justiça estadual. Como as causas de alçada estadual envolvendo pessoas físicas e jurídicas privadas, municípios e estados compõem a maior parte das causas, a justiça estadual acaba sendo a destinatária da maioria dos processos.
1.2.2 – Organização do poder Judiciário Quando uma pessoa tem um problema e propõe uma ação na justiça, essa ação, muito provavelmente, começará não em um tribunal (seja inferior ou superior), mas na primeira instância. A primeira instância é a base do poder Judiciário. Ela é composta, via de regra, pelos juízes singulares. O termo “singular” é usado porque, enquanto nos tribunais as ações são julgadas por um colegiado, isto é, por vários magistrados ao mesmo tempo, na primeira instância ela é julgada por uma única pessoa (singular). Existem duas exceções – os tribunais do júri e as auditorias militares – que serão vistas mais adiante. Na justiça do trabalho, a base do sistema é composta pelos juízes do trabalho. Na justiça militar, pelas auditorias militares, que por sua vez são compostas pelos conselhos de justiça militar permanentes 4
e especiais. Na justiça eleitoral, a base é composta pelos juízes eleitorais. Na justiça comum federal, pelos juízes federais. Já na esfera estadual, a base da estrutura é composta pelos juízes de direito. Na maior parte das vezes, são esses juízes de primeira instância que julgam as ações. Apenas depois de eles proferirem suas sentenças é que, se uma das partes não estiver contente, a ação será 3
A Emenda Constitucional 45, de 2004, tentou restringir o número de recursos ao STF estabelecendo que, para haver um recurso extraordinário ao STF, o recorrente deverá demonstrar que a forma como seu caso será decidido terá repercussões gerais, i.e., que vão além do caso em questão. 4 Os conselhos permanentes julgam os não-oficiais, enquanto os especiais julgam os oficiais (exceto os oficiaisgenerais, que são julgados no STM) 20
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Para Entender Direito julgada em segunda instância, pelos tribunais (TRF, TJ etc). É o que os juristas chamam de duplo grau
de jurisdição, ou seja, uma pessoa tem o direito de apelar da decisão tomada em uma instância se acreditar que ela esteja errada e houver fundamento jurídico para isso.
1.2.3 – Juizados especiais criminais, cíveis e da fazenda pública Existe também algo chamado “juizados especiais”. Esta é a nova denominação do que antes era chamado de juizado de pequenas causas. Como o antigo nome faz compreender, eles julgam as causas menores. Aquelas causas que podem ser mais facilmente resolvidas e que, por sua própria insignificância, não devem tomar tempo dos outros órgãos do Judiciário encarregados de julgarem questões mais complexas, sobrecarregando-os ainda mais de trabalho, e causando ainda maior morosidade no sistema. Os juizados especiais existem tanto na justiça federal quanto na estadual, e podem ser de dois tipos: cíveis e criminais. Os juizados especiais cíveis julgam, via de regra, causas de valor inferior a 40 5
salários mínimos (no caso de juizados especiais federais, o valor é de 60 salários mínimos), enquanto os juizados especiais criminais julgam as contravenções penais e os crimes cujas penas máximas não exceda a dois anos. Já os juizados da fazenda pública só existem nos âmbitos estaduais e do Distrito Feneral, e servem para julgar causas em que a fazenda pública dos municípios e estados (ambos no âmbito dos juizados especial da fazenda pública estaduais) e distrito federal e territórios estejam envolvidas como rés (inclusive autarquias, fundações públicas e empresas públicas) e cujo valor não
5
Nem toda causa abaixo de 40 salários mínimos pode ser julgada por um juizado especial cível, contudo, e algumas que excedem podem ser julgadas lá. Mas não vale a pena entrar nesses detalhes aqui. Mais importante, contudo, é saber que apenas as pessoas físicas, microempresas, organizações da sociedade civil de interesse público e as sociedades de crédito a microempresas podem propor ação nesses juizados. 21
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Para Entender Direito exceda 60 salários mínimos.
6
Existem também juizados especiais itinerantes, que são os juizados especiais explicados acima. Só que em vez de as partes irem fisicamente até as comarcas onde eles estão instalados, os juízes é que vão às partes. Eles seguem um roteiro físico no qual vão parando em determinados locais ao longo de um determinado período de tempo. Em vez de dezenas de pessoas terem de se deslocar até uma cidade distante, um único magistrado (e seus auxiliares) vai até essas pessoas. Essa é uma solução prárica para áreas rurais, regiões isoladas onde não há demanda da presença permanente de um magistrado, ou regiões pobres nas quais seria muito caro para as partes irem até a Justiça. Esses juizados especiais são compostos de juízes togados (juízes de carreira, isto é, que prestaram concurso público) e juízes leigos (aqueles que não são juízes de carreira, mas que têm conhecimento jurídico suficiente para poder auxiliar na resolução do problema. Na prática, são muitas vezes bacharéis ou bacharelandos de direito). O principal objetivo dos juizados especiais é atingir um acordo que solucione o problema o mais rápido possível, sem ferir a lei e sem alongar o processo. Na maior parte das vezes as causas são resolvidas através da conciliação (acordo entre as partes). Normalmente aquele que perde concorda com a reparação financeira ou com a prestação de serviço comunitário (na justiça especial criminal).
1.2.4 – Tribunais do júri Os tribunais do júri, embora sejam chamados de “tribunais”, são órgãos de primeira instância. São compostos por um juiz togado (aquele juiz de carreira) e juízes leigos (os jurados). Veremos com mais detalhe como ele funciona no Capítulo 5. Por enquanto basta sabermos que eles são responsáveis por julgar quatro – e somente quatro – crimes e, mesmo assim, apenas quando eles são intencionais: homicídio, infanticídio, aborto, e auxílio, indução ou instigação ao suicídio. O resto, só em filme americano.
1.2.5 – Tribunais de justiça Assim como os TRFs funcionam como segunda instância na justiça federal, na justiça estadual os tribunais de justiça (TJ’s) são os responsáveis por julgar em segunda instância aquilo que não foi decidido a contento pelos juízes de direito.
7
A Constituição Federal também diz que os estados poderão criar justiças militares estaduais, para julgar os membros das polícias militares. Se ela for criada, será constituída, em primeiro grau, pelos 8
juízes de direito e pelos conselhos de justiça. 6
Além disso, apenas as pessoas físicas, micro empresas e empresas de pequeno porte podem utilizar-se deles como autoras. 7 Até 2004, existia um segundo tribunal de segunda instância na justiça estadual. Eram os chamados tribunais de alçada. Eles eram órgãos de segunda instância da justiça estadual que, quase sempre, lidava com as causas mais simples. Hoje eles já desapareceram e os juízes daqueles tribunais foram integrados aos tribunais de justiça. 8 Se ela for criada, o TJ funciona como a segunda instância, exceto nos estados em que o efetivo militar é superior a 20 mil integrantes. Neste caso, haverá um Tribunal de Justiça Militar. A Justiça Militar estadual é responsável por julgar os militares dos Estados nos crimes militares e as ações contra atos disciplinares militares, exceto nos casos em que a vítima é civil e o crime deva ser julgado por um tribunal do júri. Os juízes de direito da justiça militar estadual julgam os crimes militares cometidos contra civis e as ações 22
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Para Entender Direito Enfim, se contarmos todos os tribunais do Judiciário (excluindo os do júri, que, como vimos, são de primeira instância), chegarmos a 91. Estadual Tribunais superiores Tribunais inferiores
Federal STF
1
Comum
STJ
1
Especializada
STM, TSE, TST
3
TRFs
5
TREs
27
TRTs
24
asas
61
Comum
TJs
Especializada
TJMEs
27 9
Total
3 30
1.2.6 – Cargos do poder Judiciário Os magistrados que ocupam cargos no STF ou em qualquer dos tribunais superiores (STJ, STM, TST e TSE) são chamados de ministros. Mas é bom lembrar que a palavra ‘ministro’ não é reservada apenas a eles. Os chefes dos ministérios – que são membros do Executivo – também são chamados de ministros (nesse caso, o nome completo do cargo é ministro de estado). Aqueles que ocupam a posição mais alta no Tribunal de Contas da União (que é um órgão do poder Legislativo, embora seja chamado de tribunal) também são chamados de ministros. Na justiça do trabalho, tanto os magistrados do TRT quanto da primeira instância são chamados de juízes do trabalho. O mesmo ocorre na justiça eleitoral: juízes eleitorais. Na justiça militar existem os juízes militares (que são militares de carreira) e os juízes-auditores (que são aqueles que prestaram concurso para essa função específica). Na justiça federal comum, tanto na primeira quanto na segunda instâncias (TRFs), atuam os
juízes federais. Nos TJs atuam os desembargadores. Este é o único órgão no qual existe o cargo de desembargador; Na primeira instância da justiça estadual atuam os juízes de direito, mais comumente chamados simplesmente de juízes. Muitas vezes os jornais usam o termo “desembargador federal” para se referir ao juiz federal que atua no TRF. Na verdade, esse cargo não existe. É uma criação dos próprios “desembargadores federais”. Mais recentemente começamos a ver também “desembargadores do trabalho”, outro cargo que não existe. E por que alguém mudaria o nome do próprio cargo? A razão tem pouco a ver com o mundo jurídico e mais a ver com o mundo das vaidades. Alguém recém aprovado em um concurso para juiz federal é denominado juiz federal. O mesma denominação usada para quem atua no TRF. Só que, para chegar ao TRF, um juiz federal normalmente tem de trabalhar duro por um par de décadas. “Ora”,
judiciais contra atos disciplinares, enquanto o conselho de justiça militar (que é presidido pelo juiz de direito) julga os demais crimes militares. 9 Apenas 3 estados possuem tribunais de justiça militar: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul 23
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Para Entender Direito pensaram os juízes federais que atuam no TRF, “como é que nós, com 30 anos de trabalho nas costas, podemos ser chamados pelo mesmo nome que alguém que ingressou há apenas 3 anos?” Decidiram, assim, que devem ser chamados de desembargadores federais. Só que a Constituição Federal, que é soberana a qualquer outra vontade (ou vaidade) é muito clara: os ocupantes dos cargos do TRF são chamados de juízes federais. Quando ela quer que alguém tenha um cargo chamado de “desembargador” ela diz expressamente. Apenas nos TJ’s há desembargadores. Para quem duvida, basta comparar os termos usados nos arts. 104, parágrfo único, I e 107 da Constituição Federal:
10
Art. 104, parágrafo único “Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República (...) sendo: I - um terço dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre
desembargadores dos Tribunais de Justiça , indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal;” “Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete
juízes ” Se a moda pega, daqui a pouco teremos papas no Congresso e aiatolás nos ministérios. Até que a Constituição modifique o nome do cargo, o mais seguro é usar o termo correto e nos referirmos ao cargo como juiz federal. Ao longo do livro veremos alguns outros casos em que egos e normas colidem, gerando resultados ora cômicos, ora trágicos.
10
Outro argumento nesse sentido é que, com tantas modificações na Constituição por meio de emendas constitucionais, se o legislador quisesse criar o cargo de “desembargador federal”, ele já o teria feito há muito tempo. Se ainda não o fez, é porque não o quer. 24
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Para Entender Direito
Mudando de assunto: não existe concurso para juiz eleitoral. Isto porque a justiça eleitoral tem seus magistrados tomados emprestado das justiças comuns federal e estadual. Por que isso? Basicamente porque seria ilógico manter juízes apenas por conta de questões eleitorais se há eleições apenas de dois em dois anos. Por isso, os magistrados eleitorais são emprestados pelas outras justiças e servem por dois anos. Isso não quer dizer que eles deixem de atuar como juízes na justiça comum durante os dois anos em que estão atuando também como juízes eleitorais. Eles acumulam as duas funções. O juiz eleitoral de primeira instância é um juiz da justiça estadual comum. Quando ele está exercendo as funções eleitorais, ele é chamado de (e assina como) juiz eleitoral. Quando está exercendo as funções normais, é chamado de juiz de direito. Já o TRE é composto de magistrados provenientes da 11
justiça estadual e da justiça federal, como veremos a seguir.
Na dúvida, refira-se à pessoa que julga como magistrado, que é o termo genérico para todos eles.
1.2.7 – Preenchimento dos cargos nos tribunais superiores e inferiores Os tribunais superiores têm suas vagas preenchidas conforme as regras abaixo, que são determinadas pela Constituição Federal.
11
As juntas eleitorais são responsáveis pela apuração das eleições realizadas nas zonas eleitorais sob a sua jurisdição, por resolver eventuais impugnações e demais incidentes verificados durante os trabalhos da contagem e da apuração, expedir boletins de apuração e expedir diplomas aos eleitos para cargos municipais. Elas são compostas por um juiz e por 2 a 4 cidadãos nomeados pelo presidente do TRE 60 dias antes das eleições. Mas atenção: não confunda os membros da junta eleitoral com os mesários que controlam o acesso à urna no dia da eleição. 25
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Para Entender Direito Órgão
Quantidade
STF
11
Composição •
Todos de livre escolha do presidente da República
•
1/3 dentre juízes dos TRFs, indicados pelo STJ;
•
1/3 dentre desembargadores dos TJs, indicados em lista tríplice elaborada pelo STJ;
• STJ
1/3, em partes iguais, dentre advogados e membros do MPF, MPE, e do MP do DF e dos Territórios,
Mínimo 33
alternadamente, com mais de 10 anos de experiência. Cada instituição indica 6 candidatos às vagas a que tem direito. O STJ, por sua vez, seleciona 3 desses candidatos e envia seus nomes ao presidente da República para que ele selecione um.
TSE
•
3 ministros do STF, eleitos por seus pares;
7
•
2 ministros do STJ, eleitos por seus pares;
(2 anos)
•
2 advogados de livre nomeação do presidente da República, dentre 6 advogados indicados pelo STF
TST
27
•
4/5 juízes dos TRTs, indicados pelo próprio TST;
•
1/5 de advogados e membros do MPT com mais de 10 anos de experiência;
STM
15
•
4 oficiais-generais do Exército;
•
3 oficiais-generais da Marinha;
•
3 oficiais-generais da Aeronáutica;
•
1 membro do ministério público militar;
•
3 advogados;
•
1 juiz-auditor
Em todos os casos, exceto na justiça eleitoral, os indicados devem ter mais de 35 anos e menos de 65 anos. Além disso, em todos os tribunais superiores – com exceção do TSE – as nomeações são feitas pelo presidente da República e os nomes indicados devem ser previamente aprovados pelo Senado Federal. E por que no TSE é diferente? No caso da idade, porque ele só servirá por 2 anos. No caso de quem nomeia, essa diferença serve para evitar a nomeação política de magistrados próximos às pessoas que estarão concorrendo no pleito eleitoral. Mas, na verdade a sistemática não é tão diferente como parece. Se observarmos bem, todos os membros dos tribunais superiores – que são eleitos para trabalhar no TSE por seus próprios pares, foram anteriormente nomeados pelo presidente da República para chegarem a seus tribunais de origem (STF, STJ). Embora o presidente da República não possa escolher quais os membros do STF e do STJ irão para o TSE, foi ele (ou algum outro presidente) quem escolheu quem foi para o STF e para o STJ. Assim, indiretamente, o Executivo também acaba interferindo em 26
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Para Entender Direito quem irá para o TSE. Além disso, como visto na tabela acima, o presidente irá nomear dois advogados para o TSE. Embora a Constituição fale em “eleito entre seus pares”, o que impera na grande maioria dos casos é um acordo de cavalheiros (e damas): são “eleitos” aqueles com mais tempo naquele tribunal e que ainda não tenham ocupado aquela posição. Aliás, quase sempre emprega-se o mesmo pacto na eleição para a presidência dos próprios tribunais. Mais um detalhe sobre o TSE: sua presidência e sua vice-presidência, necessariamente, são ocupadas por dois dos três ministros emprestados pelo STF; e sua corregedoria é, necessariamente, ocupada por um dos dois ministros emprestados pelo STJ. 4
1
Já nos tribunais inferiores, a regra é que /5 vêm da primeira instância e /5 é composto por advogados e membros do Ministério Público. Órgão TRFs
Quantidade
Composição
Mínimo 7
•
4/5 dentre juízes federais com mais de 5 anos de experiência;*
•
1/5 dentre membros do MPF e advogados, ambos com mais de 10 anos de experiência.*
TREs
7
•
2 desembargadores eleitos por seus pares;
•
2 juízes de direito eleitos pelo TJ;
•
1 juiz federal apontado pelo TRF, que preferencialmente seja
(2 anos)
juiz do próprio TRF 2 advogados escolhido pelo presidente da República, de lista
•
sêxtupla indicada pelo TJ do Estado (ou DF)* TRTs
•
Variável
4/5 dentre juízes do trabalho;* •
CJMs
TJs
5
Variável
•
1 Juíz-auditor*
•
4 juízes militares (oficiais da ativa)*
•
4/5 dentre juízes de direito;** •
4
1/5 dentre membros do MPT e advogados.*
1/5 dentre membros do MP estadual e advogados.**
1
A mesma regra de /5 x /5 vale para os tribunais na justiça estadual, só que, nesse caso, quem escolhe é o governador. 1
Essa repetição do /5 não é coincidência. Ela se chama quinto constitucional e serve para balancear os tribunais. Como para um magistrado de carreira chegar a um tribunal demora muito tempo (décadas normalmente), a Constituição Federal criou o quinto constitucional, que é uma forma de trazer novos ares e uma melhor representação da sociedade nos tribunais, que são responsáveis por julgar as causas quando as partes não ficaram satisfeitas com o julgamento feito em primeira instância. As duas classes escolhidas são os advogados e os membros do Ministério Público. Em outras palavras, aqueles 27
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Para Entender Direito que estavam quase sempre em lados opostos em um processo. E como funciona a nomeação dos outros 4/5? A primeira coisa que devemos saber é que eles só são promovidos quando eles querem. Óbvio que não é comum ver alguém se recusando a ser promovido, mas pode acontecer. Se a aceitação da promoção fosse obrigatória seria um fardo e não uma promoção. Eles são promovidos por merecimento ou por antiguidade. Por merecimento é a promoção que decorre do talento e desempenho de uma pessoa. Por antiguidade é a promoção que decorre do tempo que aquela pessoa tem em seu cargo atual (normalmente conhecida como ‘entrância’). Os critérios para a promoção por merecimento são decorrentes de critérios que – ao menos em teoria – são objetivos, como por exemplo a conduta do magistrado, sua eficiência (‘operosidade’) no exercício do cargo, o número de vezes em que figurou em outras listas por merecimento, além de notas nos cursos internos. Mas, ainda que seja por merecimento, o magistrado tem que ter ficado um tempo mínimo no cargo do qual está querendo sair (normalmente, 2 anos). Já a promoção por antiguidade é um pouco diferente. O magistrado mais antigo naquela posição normalmente é o escolhido. Somente quando a maioria absoluta dos magistrados responsáveis pela formulação da indicação votam contra ele é que ele não será escolhido. Em outras palavras, na indicação por merecimento, os magistrados precisam escolher os nomes que vão constar nela, enquanto na por antiguidade eles precisam dizer se não querem que o candidato mais antigo não seja o indicado. Cada nova vaga aberta é preenchida por antiguidade e por merecimento, sucessivamente. Quando uma nova vaga é aberta, o tribunal responsável por aquela vaga faz publicar no diário oficial (do estado ou da União, dependendo se for justiça estadual ou federal) qual a vaga está aberta e se ela deverá ser preenchida por antiguidade ou por merecimento. Se a vaga a ser preenchida for por merecimento, o tribunal prepara uma lista com dois nomes a mais do que o número de vagas a ser preenchidas (como normalmente é apenas uma vaga, ele prepara uma lista com três nomes, por isso é conhecida como lista tríplice). Essa lista é enviada ao presidente da República (ou governador, se for justiça estadual). Se a vaga a ser preenchida for por antiguidade, o tribunal envia um único nome. Em qualquer caso, a palavra final na nomeação é sempre do chefe do Executivo (presidente da República ou governador, dependendo do esfera de poder) Depois de nomeada para o tribunal (seja ele inferior ou superior), a pessoa se torna um magistrado assim como qualquer outro. Um advogado nomeado para desembargador no TJ se tornará um desembargador assim como qualquer outro membro daquele órgão, com os mesmos direitos, prerrogativas e obrigações. Ele, inclusive, poderá ser nomeado para o STJ numa das vagas reservadas aos membros oriundos do TJ. 1
Novamente a justiça eleitoral tem algumas características únicas: a lei não diz /5 no caso da justiça eleitoral. Mas se fizermos as contas, veremos que os 2 advogados, em um total de 7 juízes eleitorais no TRE, correspondem a aproximadamente 28%, o que é bem próximo dos 20% do quinto constitucional usado nos outros tribunais inferiores. Só que nos TREs esse número não inclui membros 28
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Para Entender Direito do Ministério Público, mas apenas advogados. Além disso, os advogados servem apenas por 2 anos. Um último lembrete: não falamos dos juízes classistas. Isso porque eles já não existem. Até 1999, na primeira instância da justiça do trabalho, havia juízes do trabalho (bacharéis de direito aprovados em concurso público para a carreira de juiz do trabalho) e os juízes classistas, que não precisavam ter formação jurídica, não eram concursados e representavam os empregados e os empregadores. Quando alguém chegava à primeira instância da justiça do trabalho se deparava com três juízes: um togado, um classista representando o trabalhador e outro classista representando o empregador. Ora, a representação das partes em um processo cabe não a um juiz mas aos advogados, Ministério Público, advocacia pública etc. Os juízes classistas acabavam fazendo o papel dos o
advogados. Em 1999, a Emenda Constitucional n 24 acabou com o cargo de juiz classista. Hoje, há apenas juizes do trabalho togados na justiça do trabalho.
1.2.8 – Divisões da justiça: regiões, comarcas, varas, câmaras e turmas Bem, a esta altura a estrutura do Judiciário brasileiro deve estar começando a ficar menos nebulosa. Mas existem mais algumas divisões a serem consideradas. Geograficamente, a justiça federal comum é dividida em regiões. São cinco no Brasil, e cada uma delas tem um TRF e um número variável de juízes federais de primeira instância. O local onde fica o TRF é chamado de sede da região. Isto não quer dizer que só naquela cidade há juízes federais.
12
Não.
É naquela cidade que fica a sede do TRF, que é o órgão de segunda instância, mas há juízes federais de primeira instância espalhados pelas cidades mais importantes de cada região. A primeira região, com sede no DF, abrange, além do próprio Distrito Federal, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Mato Grosso, Piauí, Maranhão e todos os estados da região Norte. A segunda região, com sede no Rio de Janeiro, abrange também o Espírito Santo. A terceira região, com sede em São Paulo, abrange também Mato Grosso do Sul. A quarta região, com sede em Porto Alegre, abrange todos os estados da região Sul. E a quinta região, com sede em Recife, abrange todos os estados da região Nordeste, exceto Bahia, Piauí e Maranhão. Olhando no mapa, parece que há uma discrepância muito grande entre as regiões. É porque elas não foram criadas pensando-se apenas na cobertura geográfica, mas principalmente no volume de trabalho. E o volume de trabalho é determinado prioritariamente pelo número de pessoas físicas e jurídicas localizadas em cada região.
12
A bem da verdade, depois da Emenda Constitucional 45, os próprios TRFs poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais em várias cidades dentro de sua jurisdição, evitando que as pessoas tenham que viajar centenas ou milhares de quilômetros para recorrer à segunda instância. 29
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Para Entender Direito
Se observarmos as divisões das demais justiças federais, perceberemos que elas seguem padrões distintos. A justiça militar, por exemplo, possui 12 circunscrições judiciárias militares (CJMs).
Já a justiça eleitoral tem um tribunal regional eleitoral (TRE) em cada Estado da federação, além de um outro no Distrito Federal. Como vimos, os juízes dos TREs estão acumulando funções. Logo, não poderíamos esperar que os desembargadores e demais juízes situados em um Estado consigam responder não só pelas questões eleitorais de seus estados e de suas instituições de origem, mas 30
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Para Entender Direito também pelas questões eleitorais dos estados vizinhos. Não daria certo. Por isso cada Estado tem um TRE, cuja sede fica na capital. A justiça do trabalho também segue uma divisão baseada no número de processos gerados. Por isso o Estado de São Paulo, por exemplo, tem dois TRTs. Um, com sede na capital, se dedica apenas a julgar as causas da própria capital. Outro, em Campinas, julga as causas oriundas do restante do Estado. As sedes (com exceção do caso de Campinas), ficam sempre nas capitais dos estados. Mas percebam que quatro estados ainda estão sob a jurisdição de um TRT cuja sede está em algum Estado vizinho.
Também na justiça estadual há divisões geográficas. Mas aqui, ao invés de serem chamadas de regiões, são chamadas de comarcas. O número de comarcas varia de acordo com o tamanho geográfico e da demanda de casos em cada Estado, e é determinado pela lei de organização do judiciário estadual. Estados como Minas e São Paulo possuem, naturalmente, muito mais comarcas que estados como Sergipe e Alagoas, que são menores e possuem menos habitantes. Via-de-regra (e há dezenas de exceções), a área de uma comarca corresponde ao território do município. Mas como muitos municípios são muito pequenos, é relativamente fácil encontrar uma comarca abrangendo mais de um município. Mas as divisões não são apenas geográficas. Nós já vimos que a justiça comum, tanto federal quanto estadual, julga desde briga de vizinhos até fusões de empresas, passando por separações, causas tributárias e homicídios e quase tudo mais que você possa imaginar. Não seria prático pedir para um juiz que acabou de julgar uma ação sobre herança, que duas horas depois julgue o débito tributário que uma montadora tem com o governo e no fim da tarde julgue um estuprador. Para se evitar que o juiz tenha que fazer malabarismo com casos tão distintos é que existem as varas. As varas são tipos de divisões administrativas que tentam facilitar a vida de todo mundo. O juiz da vara de família julga apenas 31
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Para Entender Direito as causas de família. E as partes envolvidas na ação, por saberem que aquele juiz está julgando apenas causas de família, têm o conforto de saber que ele provavelmente entende do assunto. O juiz da vara criminal mexe apenas com os casos criminais, o de falências, apenas com ações de falência etc. Seria simples assim, não fosse o fato de que algumas capitais chegam a ter dezenas de varas do mesmo assunto, tamanho o número de processos. Não é raro ver nas grandes capitais dezenas de varas de família, por exemplo. Quando há mais de uma vara sobre o mesmo tema em um mesmo fórum, os processos passam por uma distribuição, que é uma espécie de sorteio no qual um computador decide em qual vara um processo será julgado (assim, um advogado não pode escolher se seu caso será a
a
julgado pelo magistrado Huguinho, da 1 Vara, ou Zezinho, da 2 Vara). Um juiz na justiça comum não presta concurso para uma vara específica. Depois de concursado ele é designado para esta ou aquela comarca, para esta ou aquela vara. No futuro, um juiz que estava na vara criminal pode muito bem passar a atuar numa outra vara qualquer, como de execuções penais ou da fazenda ou de família. Além disso, nas comarcas menores, onde há pouca demanda de trabalho, não há porque existir várias varas. Um único juiz dá conta de todo o trabalho. Nesses casos, existe o que chamamos de vara única, ou seja, o mesmo juiz que de manhã julga uma ação de divórcio, julga um homicídio na hora do almoço e uma dívida da padaria à tarde. Já nos tribunais, as divisões dos trabalhos acontecem por câmara e turmas, que são mais ou menos o equivalente nos tribunais das varas da primeira instância. Como há bem menos magistrados nos tribunais que nas primeiras instâncias, o número de divisões possíveis também é menor. Normalmente existem câmaras cíveis e criminais. Cada câmara (ou turma) é composta de um número determinado de magistrados que julgam as causas em conjunto, ou seja, nos tribunais o julgamento é feito por colegiado de magistrados, o que difere dos julgamentos feitos em primeira instância, onde apenas um juiz julga. É por isso também que não há sentença nos tribunais, e sim acórdãos. Os magistrados, julgando em conjunto, “acórdão” qual deve ser a decisão a ser tomada.
1.2.9 – Instância e entrância Mas as divisões não param aí. Até agora falamos das divisões da justiça, mas não falamos na carreira do juiz. Um processo, normalmente, começa com um juiz de direito ou federal de primeira
instância. Se houver recurso, ele vai à segunda instância (no TJ ou TRF). Se houver recurso da decisão da segunda instância, ele pode ir ao STJ, chamado de instância especial, ou STF, chamado de instância
extraordinária. ‘Especial’ porque o caso só deveria chegar ao STJ em casos especiais. E ‘extraordinário’ porque um caso só deve chegar ao STF em circunstâncias extraordinárias. Um termo muito parecido e que quase sempre gera confusão é a entrância. Depois de prestar concurso e ser nomeado, o juiz passa algum tempo como juiz substituto, trabalhando como “reserva” de um juiz mais experiente (que é o titular). Depois desse período de “treinamento”, ele se torna titular de sua primeira vara. Mas ele não começa sua carreira em uma comarca como São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte. Seria dar muita responsabilidade para alguém que está ainda relativamente verde tanto técnica quanto emocionalmente. Por isso ele começa 32
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Para Entender Direito em comarcas bem menores, onde existe menor possibilidade de ele encontrar causas demasiadamente complexas – com as quais ele teria pouca experiência para lidar – e onde ele terá a oportunidade de ver uma miríade de problemas, e descobrir em que áreas está melhor preparado e quais áreas ele precisa estudar mais. Essas pequenas comarcas são chamadas de primeira entrância ou entrância inicial. Depois de alguns anos, a seu requerimento – e baseado em seu mérito ou antiguidade (anos de carreira) – ele é transferido para uma comarca maior, onde provavelmente há mais de uma vara e, portanto, já lhe possibilita começar a aprofundar-se em uma ou mais área(s). São chamadas de comarcas de segunda
entrância, e o juiz para trabalhar lá precisa ter mais experiência. Depois de mais alguns anos, e baseado nos mesmo critério de antiguidade ou merecimento, o juiz chega a uma comarca bem maior. São as maiores cidade do Estado, fora a capital. É a chamada terceira entrância. Por fim, ele chega à capital, que é uma entrância final. Antes de mudarmos de assunto, vale lembrar que os magistrados são vitalícios. Ou seja, só saem da profissão quando cometem faltas muito graves, quando querem ou quando são aposentados compulsoriamente, aos 70 anos. Vitaliciedade no Brasil, ao contrário de outros países (como nos EUA), não é até a morte, mas até os 70 anos.
1.2.10 – Tribunais administrativos e tribunais arbitrais (e a justiça desportiva) E a justiça desportiva, onde entra? Os órgãos da justiça desportiva, como o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e os tribunais de justiça desportiva (TJDs) fazem parte daquilo que chamamos tribunais arbitrais. Você já parou para pensar de onde vem o nome da pessoa vestida de preto no meio do campo para quem ninguém passa a bola? A lei não permite que cada pessoa decida fazer justiça com as próprias mãos. Nós – indivíduos, empresas e demais instituições –, quando temos nossos direitos ofendidos ou contestados, temos que buscar a solução através do Judiciário. O entendimento de cada um de nós sobre o que é justo é distinto, e é por isso que temos que recorrer ao Estado como um órgão independente. Se não houvesse o Judiciário, viveríamos em um estado de constante medo pois, da mesma forma como poderíamos fazer qualquer coisa com qualquer pessoa sob a alegação de estarmos fazendo justiça, poderíamos também ser vítimas da “justiça” de outras pessoas. Por isso o Estado impede que apliquemos a justiça de forma particular. É o que os filósofos às vezes chamam de contrato social. Sem esse pacto implícito, seria uma guerra de todos contra todos o tempo todo. Mas o próprio Estado, através da lei, nos permite resolver alguns assuntos sem a interferência do aparelho estatal, isto é, sem que o Judiciário seja acionado. Isso ocorre nos chamados tribunais arbitrais. Duas partes que estão disputando um direito concordam que, em vez de buscarem a solução através de um poder estatal, vão buscar a solução em um tribunal igualmente independente, mas particular. Digamos, por exemplo, que a empresa Jornal Jornalístico tenha comprado bobinas de papel da empresa Papel Enrolado. A Jornal Jornalístico diz que recebeu um produto de menor qualidade do que aquele pelo qual pagou. A Papel Enrolado diz que o papel que entregou é o da qualidade acertada. Em 33
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Para Entender Direito vez de essas duas empresas levarem o caso à justiça comum, onde ele demorará anos para ser decidido, onde dados que as empresas não desejam divulgar se tornarão de conhecimento público, onde quem julgará – o juiz togado – é um bacharel em direito que não entende nada de papel, jornal, celulose ou árvore, elas podem resolver, em mútuo acordo, levar a disputa a um árbitro, que é uma espécie de justiça privada. E a decisão daquele árbitro tem o mesmo valor da decisão de um magistrado na justiça estatal. Não é qualquer caso que pode ser resolvido em um tribunal arbitral. Apenas as causas de caráter patrimonial (quantificável financeiramente). E não é qualquer causa patrimonial: é essencial que seja um direito patrimonial disponível, ou seja, um direito do qual a pessoa possa abdicar. E mais um detalhe: ambas as partes têm de estar acordar no uso da justiça arbitral, pois elas abdicam do direito de levar a causa à justiça estatal. Se apenas uma das partes quiser a justiça particular, a outra parte não pode ser obrigada a aceitá-lo. Nesse caso, o processo será julgado pelo Estado. A justiça arbitral é, via de regra, onerosa, ou seja, paga-se para que ela funcione. Isso porque ela é particular. Enquanto no Estado a justiça é gratuita (as partes não pagam o salário do magistrado, mas apenas as custas do processo), na arbitral as partes pagam o árbitro e todas as demais despesas envolvidas. Mas, como vimos, ela apresenta algumas vantagens: sigilo dos dados apresentados pelas partes, maior rapidez, e o árbitro encarregado de julgar a disputa é um técnico na área a ser julgada. A justiça desportiva não é mais do que uma das espécies de juízo arbitral. Ela é especial, porque ela se reveste do que a Constituição chama de “interesse público”, ainda que seja uma entidade de direito privado. Como outros tipos de tribunal arbitral, a justiça desportiva não faz parte do poder Judiciário. Estabelecidas as regras do jogo (literalmente), as agremiações desportivas e os atletas devem respeitá-las. Se não respeitarem, serão julgados pelas comissões disciplinares (primeira instância) e, em instância recursal, pelo tribunal de justiça desportiva responsável por aquele desporto naquela região (TJD), podendo eventualmente apelar ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
13
Mas se as partes acharem que aquele julgamento foi proferido sem respeito às normas legais, podem contestá-lo no Judiciário (como por exemplo, se os árbitros não eram independentes ou se uma das partes não pode se expressar). A decisão do Judiciário sempre se impõe à do tribunal arbitral, mas quase nunca é possível se apelar à justiça estatal depois de se escolher julgar uma causa em um tribunal arbitral. Os tribunais de entidades como a FIA (a entidade que regula a Fórmula 1) e a Fifa (entidade que regula a Copa do Mundo de Futebol) não são mais do que tribunais arbitrais. Só que na esfera internacional. Já os tribunais administrativos são tribunais que integram a estrutura estatal. Eles não fazem parte do poder Judiciário, mas têm competência para julgar as questões disciplinares e administrativas. Como em qualquer julgamento, eles têm a obrigação de assegurar a ampla defesa das partes. Sua 13
O STJD e os TJDs são compostos por nove membros, cada. Dois dos membros são indicados pela entidade de administração do desporto; dois pelas entidades desportivas que participam de competições oficiais da divisão principal; dois advogados indicados pela OAB; um representante dos árbitros, indicados pelos próprios árbitros; e dois representantes dos atletas, indicados por estes próprios atletas. 34
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Para Entender Direito finalidade, usualmente, é solucionar o problema antes que eles precisem chegar ao Judiciário, onde o processo, via de regra, é mais lento, ou julgar faltas funcionais ou administrativas que não gerem a necessidade de acionar o Judiciário. Suas decisões podem ser contestadas junto ao Judiciário. E, ao contrário dos tribunais arbitrais, muitas vezes a parte que se sente prejudicada pode postular diretamente ao Judiciário, evitando passar pelo processo administrativo. Uma decisão do Judiciário sempre se sobrepõe a uma decisão administrativa. Alguns dos tribunais administrativos comumente citados são os Conselhos de Contribuintes, ligados ao Ministério da Fazenda, responsável por julgar administrativamente questões tributárias, e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que é uma autarquia ligada ao Ministério da Justiça, responsável por zelar pela livre concorrência de mercado. É também comum que um servidor que seja acusado de ter agido irregularmente seja processado administrativamente pela corregedoria do órgão ao qual pertence.
1.2.11 – Escrivão e oficial de justiça Além dos magistrados (juízes de direito, militares, do trabalho, eleitorais e federais, ministros dos tribunais superiores e desembargadores dos TJs), existem ainda dois servidores do poder judiciário que são muito lembrados: o escrivão
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e o oficial de justiça. Eles são os “braços” e as “pernas” do judiciário,
respectivamente. Enquanto o escrivão é responsável por auxiliar o magistrado dentro dos fóruns fazendo coisas como arquivar peças processuais, dar certidões judiciais, transcrever depoimentos etc, o oficial de justiça é responsável por auxiliar o magistrado fora dos fóruns. É ele, por exemplo, o responsável por entregar citações e intimações, por arrecadar bens quando alguém não paga os valores determinados por uma sentença, ou por executar a ordem de despejo por falta de pagamento. Escrivães e oficiais de justiça não decidem, apenas cumprem decisões e executam atos administrativos (despachos) do juiz.
1.2.12 – Conselho Nacional de Justiça A emenda constitucional 45 criou o Conselho Nacional de Justiça, o órgão responsável pelo controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados. Como tal, ele pode, entre outros poderes, receber reclamações contra membros ou órgãos do poder Judiciário, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados (como os cartórios, por exemplo), bem como rever os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano. Ele possui, na prática, poderes normalmente associado a agências reguladoras, corregedorias e ouvidoria, pois pode estabelecer metas e regras internas para o Judiciário bem como julgar seus membros por suas faltas funcionais e coletar reclamações contra pessoas ou órgãos do Judiciário. 14
Cuidado para não confundir o escrivão do poder Judiciário com o escrivão de polícia. Os dois fazem basicamente coisas similares e é comum vermos ambos aparecendo nas reportagens de TVs e jornais, mas o primeiro é membro do poder Judiciário e trabalha nos fóruns e tribunais, já o segundo é um servidor da polícia (poder Executivo) e trabalha nas delegacias. 35
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Para Entender Direito Ele é constituído por um representante de cada um dos principais órgãos das justiças, do Ministério Público, OAB e sociedade civil, em um total de 15 membros.
Judiciário
•
Presidente do STF
•
1 ministro do STJ (indicado pelo STJ)
•
1 ministro do TST (indicado pelo TST)
•
1 desembargador de um TJ (indicado pelo STF)
•
1 juiz estadual (indicado pelo STF)
•
1 juiz federal de um TRF (indicado pelo STJ)
•
1 juiz federal de primeira instância (indicado pelo STJ)
•
1 juiz de um TRT (indicado pelo TST)
•
1 juiz do trabalho de primeira instância (indicado pelo TST)
•
1 membro do Ministério Público da União (indicado pelo Procurador-geral da
Ministério Público
República) •
1 membro do Ministério Público Estadual (indicado pelo Procurador-geral da República de lista tríplice das procuradorias de justiça estaduais)
OAB
•
2 advogados (indicados pela OAB)
•
2 cidadãos de notável saber jurídico (indicados pelo Senado e pela Câmara)
Sociedade civil
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Todos, com exceção do presidente do STF (que também preside o CNJ ), são nomeados pelo presidente da República depois de aprovados pela maioria absoluta do Senado Federal, e têm mandatos de dois anos, e podem ser reconduzidos para outro período de dois anos.
1.2.13 – Foro privilegiado ou especial Outro assunto que vemos sempre mencionado é o chamado foro privilegiado ou especial. Ele, basicamente, significa que ocupantes de determinados cargos são julgados não por um juiz de direito (primeira instância da Justiça estadual), mas por outras instâncias e, às vezes, pelo poder Legislativo. A ideia por trás do foro privilegiado é que a dignidade e exposição de alguns cargos públicos precisam ser especialmente protegidas, e por isso seus ocupantes devem ser julgados não por um único magistrado, mas por um grupo de magistrados mais experientes e em conjunto. Mas existe uma outra razão: o custo. Como essas figuras públicas poderiam ser processadas em cada uma das milhares de comarcas do país, elas passariam mais tempo viajando – e gastariam todo seu patrimônio contratando advogados – do que efetivamente trabalhando. A ideia de que alguém que tem foro privilegiado será automaticamente beneficiado também não é necessariamente correta. Se o ministro de Estado é julgado no STF, ao ser condenado e recorrer,
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Interessante notar que o presidente do STF é substituído pelo vice-presidente do STF, que não faz parte do CNJ. 36
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Para Entender Direito como não há nenhum tribunal acima do STF, seu recurso será julgado pelos mesmos magistrados que o condenaram. Logo, sua chance de vencer o recurso é muito menor do que se seu recurso fosse julgado por magistrados diferentes, como acontece com alguém que é julgado inicialmente por um juiz de direito. A tabela abaixo mostra os foros privilegiados determinados pela Constituição Federal:
Infrações penais comuns
Crimes de responsabilidade
Presidente da República Vice-presidente da República Procurador-geral da República
STF
Senado Federal
Advogado-geral da União Ministros do STF Membros do CNJ e do CNMP
Depende
Senadores Deputados Ministros de Estado (exceto quando
o
crime
é
cometido
conexo
pelo
com
crime
presidente
da
República ou seu vice) Comandantes
das
três
forças
STF
armadas (exceto quando o crime é
conexo com crime cometido pelo presidente da República ou seu vice) Ministros do STJ, TST, TSE STM Ministros do TCU Chefes
de
missões
diplomáticas
permanentes Governadores
STJ
Assembleias legislativas
Desembargadores Membros dos TCEs e TCDF Juízes dos TRFs, TREs e TSTs STJ
Membros do TCMs Membros
do
MPU
que
oficiem
perante os tribunais cujos membros são julgados pelo STJ Juízes federais de primeira instância Juízes militares de primeira instância Juízes
trabalhistas
de
TRFs
primeira 37
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Para Entender Direito instância Membros do MPU Prefeitos Juízes de direito Membros
do
Ministério
Público
TJs
Estadual Há alguns detalhes importantes aqui. Primeiro, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, quando cometem infrações penais comuns, não têm direito a foro especial. Mas como o CNJ e o CNMP são compostos de pessoas vindas de várias instituições distintas, eles são julgados conforme seu cargo de origem. Por exemplo, o presidente do CNJ é o presidente do STF. Logo, ele será julgado pelo STF, não porque ele é um membro do CNJ, mas porque ele é um ministro do STF. As disposições acima são feitas pela Constituição Federal. Mas as constituições estaduais também podem estabelecer foros especiais para outros cargos, como deputados estaduais ou vereadores. Obviamente uma constituição estadual não pode estabelecer um foro especial na Justiça Federal, mas apenas na Justiça estadual daquele Estado. Por exemplo, se ela decide conceder foro especial para vereadores, o foro será, necessariamente, o TJ, e nunca um TRF, o STJ ou STF, já que esses são órgãos federais. 1.3 - O poder Executivo O poder Executivo é exercido pelo presidente da República, auxiliado por seus ministros e demais órgãos auxiliares. O presidente da República (junto com seu vice) é eleito de quatro em quatro anos, e seu mandato começa no dia primeiro de janeiro do ano seguinte ao de sua eleição. Já os ministros são de livre nomeação (e exoneração) pelo presidente da República. O presidente irá escolher entre os brasileiros aqueles que ele julgar mais capacitado a auxiliá-lo a governar o país. Essas pessoas podem ser ou não servidores públicos. Basta que tenham mais de 21 anos e estejam no exercício de seus direito políticos (isto é, possam votar e ser votados). Na prática, como vários desses cargos possuem muito poder e controlam vastos orçamentos, acaba havendo muita pressão – especialmente dos partidos políticos – para que o presidente escolha pessoas vinculadas a um outro partido. As principais obrigações do presidente podem ser encontradas no art. 84 da Constituição Federal. Diz ela: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: I - nomear e exonerar os Ministros de Estado; II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal; 38
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Para Entender Direito III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição; IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente; VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio; X - decretar e executar a intervenção federal; XI - remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias; XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei; XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos;" XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do Banco Central e outros servidores, quando determinado em lei; XV - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União; XVI - nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da União; XVII - nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII; XVIII - convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional; XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional; 39
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Para Entender Direito XXI - conferir condecorações e distinções honoríficas; XXII - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente; XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes
orçamentárias
e
as
propostas
de
orçamento
previstos
nesta
Constituição; XXIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior; XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei; XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62; XXVII - exercer outras atribuições previstas nesta Constituição”. Como se pode ver, essa é uma lista enorme. E ela não é exaustiva, ou seja, um presidente da República tem de fazer muito mais do que está enumerado acima. Para o bem e para o mal, essa é uma das consequências do regime presidencialistas, que adotamos no Brasil. No regime presidencialista (que é o utilizado em quase todos os países das Américas), o poder executivo fica concentrado nas mãos do presidente da República, e cabe a ele gerenciar o governo no dia-a-dia. No seu oposto – o regime parlamentarista, adotado em quase todos os países da Europa ocidental – existe a figura do primeiro ministro. Cabe ao primeiro ministro – que é um membro do poder Legislativo – gerenciar o país no dia-a-dia. Dessa forma, no sistema parlamentarista, o poder de comando fica dividido entre um primeiro ministro e um presidente (como em Portugal, Itália, França e Alemanha) ou rei/rainha (como no caso do Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Espanha ou Noruega).
1.3.1 – Impedimento do presidente e vacância da presidência Um presidente da República às vezes não consegue, ainda que queira, estar dedicando-se ao trabalho todo o tempo durante seu mandato. Ele pode, por exemplo, precisar ser submetido a uma cirurgia ou ausentar-se do país para negociar um tratado internacional ou mesmo estar desaparecido ou sob poder de forças estrangeiras ou terroristas, ou simplesmente ir passear fora do país para relaxar. Isso não quer dizer que ele tenha deixado de ser presidente, mas apenas que ele está temporariamente
impedido de exercer todas as funções de um presidente. Nesses casos, ele será substituído pelo vicepresidente da República, pelo presidente da Câmara dos Deputados, pelo presidente do Senado Federal ou, por fim, pelo presidente do STF, nesta ordem. Tão logo o presidente volte ao país ou se recupere de sua cirurgia, ele voltará a poder exercer todos os atos de um presidente. Já quando o presidente da República morre, renuncia, se torna incapaz de exercer o mandato ou tem seu mandato cassado por qualquer outro motivo, o vice-presidente assume definitivamente. É a chamada sucessão. Foi o que aconteceu com Tancredo Neves (que morreu e foi substituído definitivamente por seu vice, José Sarney) e Fernando Collor (que teve seu mandato cassado e foi substituído definitivamente por seu vice, Itamar Franco). Nesses casos, se o vice-presidente também vier a morrer, renunciar ou tiver seu mandato cassado, o cargo será declarado vago. É a chamada vacância. Se a vacância ocorrer nos dois primeiros anos do mandato do presidente, uma nova eleição será feita 40
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Para Entender Direito em 90 dias depois que for declarada a vacância. Todos os cidadãos votarão para escolher um novo presidente e vice, que ocuparão o cargo apenas pelo tempo que restava do mandato anterior (também conhecido como mandato tampão) Já se a vacância ocorrer nos últimos dois anos do mandato, o Congresso Nacional é que elegerá um novo presidente da República e seu respectivo vice, em 30 dias depois de declarada a vacância. Ou seja, ainda existe, sim, eleição indireta para presidente da República no Brasil. Basta, por exemplo, que o presidente e seu vice morram depois do segundo ano de iniciados seus mandatos. Como temos uma longa história de presidentes não sendo capazes de terminarem seus mandatos (desde a redemocratização apenas dois titulares conseguiram terminar seus mandatos), não podemos desdenhar a hipótese. Nesse caso, assim como no anterior, os eleitos ficarão no cargo apenas pelo que restava do mandato original. Vale ainda um lembrete: nem o presidente da República nem seu vice podem se ausentar do país por mais de 15 dias consecutivos sem a licença do Congresso Nacional, sob pena de perderem seus cargos. É por isso que algumas vezes vemos o presidente voltar ao Brasil depois de duas semanas fora e viajar já no dia seguinte.
1.3.2 – Órgãos da presidência, administrações pública direta e indireta Como já vimos, o presidente da República é responsável pelo exercício do poder Executivo. Mas, obviamente, ele não pode exercer a administração do país sozinho. Para isso ele conta com os órgãos da administração pública direta e indireta. A administração pública direta é aquela que está diretamente subordinada ao presidente. Ela é composta pelos ministérios, secretarias e órgãos de assessoramento diretos do chefe do Executivo ou de seus subordinados. Assim, uma secretaria dentro de um ministério é parte da administração direta. Todos eles são órgãos da administração direta, e estruturas mais ou menos semelhantes são encontradas nas esferas estaduais e municipais. Na esfera federal, além dos ministérios e secretarias, alguns outros órgãos (também da administração direta) mantêm uma relação muito próxima com o presidente, prestando-lhe assessoramento em assuntos específicos ou gerais, aconselhando-o ou o ajudando de alguma outra forma. Esses órgãos integram ou funcionam junto à presidência da República, e podem ser divididos em quatro grandes grupos: os essenciais à presidência, os de assessoramento imediato, os consultivos e a Controladoria-Geral da União.
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Para Entender Direito Os órgãos essenciais da presidência são esses, segundo a lei:
Já os órgãos de assessoramento são:
E, por fim, os órgãos consultivos são dois: o Conselho de Defesa Nacional e o Conselho da República:
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Para Entender Direito
Abaixo está um resumo das principais responsabilidades de alguns desses órgãos: Órgãos
Principais responsabilidades Coordena e integra as ações do Governo, verifica a constitucionalidade e legalidade dos atos presidenciais antes de eles serem levados adiante, analisa o mérito, a oportunidade e a
Casa Civil
compatibilidade das propostas, inclusive das matérias em tramitação no Congresso Nacional, com as diretrizes governamentais, avalia e monitora a ação governamental e a gestão dos órgãos e entidades da administração pública federal.
Secretaria de Relações Institucionais Órgão
Funciona como órgão de intermediação e coordenação política entre a presidência e o Congresso, partidos políticos, unidades federativas e municípios. Em essência, ela cuida de todos os demais
essenciais
assuntos que não são alocados aos outros órgãos, entre eles do relacionamento com a sociedade civil, da agenda do presidente, análise, formulação supervisão, coordenação, Secretaria-geral da
integração e promoção de políticas públicas, a
presidência
preparação dos pronunciamentos do presidente da República, a supervisão e execução das atividades administrativas da Presidência da República, e avaliação da ação governamental e do resultado da gestão dos administradores ligados à presidência e à vice-presidência.
Secretaria de assuntos estratégicos
Assessora o presidente na elaboração de políticas de desenvolvimento de longo prazo.
43
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Para Entender Direito Cuida de toda a parte de comunicação da presidência da República, incluside das políticas Secretaria de
de divulgação social, programas informativos,
comunicação social
declarações em nome do presidente, pesquisas de opinião pública, convocação de redes obrigatórias de rádio e TV . É responsável pela segurança do presidente e do vide-presidente da República (além dos palácios presidenciais e outras autoridades da
Gabinete de
presidência), além de ser responsável pela
segurança
prevenção e gerenciamento de crises, pelo
institucional
assessoramento pessoal em assuntos militares e de segurança, pela coordenação das atividades de inteligência. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) faz parte dele.
Gabinete pessoal do presidente da República Conselho da República
Coordena a agenda particular do presidente, além de ser responsável pelo cerimonial, ajudância de ordens e pela organização dos documentos privado do presidente. Opina na intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio e nas questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas Opinar nos casos de declaração de guerra e de
Órgãos de consulta
celebração da paz, na decretação do estado de Conselho de Defesa Nacional
defesa, do estado de sítio e da intervenção federal, nas questões referentes às áreas de segurança nacional e outras iniciativas necessárias a garantir a independência nacional e a defesa do Estado democrático. Ele é composto pelos ministros de Estado
Assessoramento imediato
Conselho de
(incluindo o chefe da Casa Civil) e pelo chefe do
Governo
Gabinete Pessoal, e é responsável pela formulação as diretrizes de ação do governo
Há ainda um outro órgão importante ligado à presidência: a Controladoria-geral da União, que, no âmbito do poder Executivo federal, é responsável pela defesa do patrimônio público, pela auditoria pública, pela prevenção e combate à corrupção, pela ouvidoria e por qualquer outra atividade destinada ao incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal. Como vimos, todos esses órgãos, além dos ministérios e secretarias, são órgãos da 44
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Para Entender Direito administração pública direta na esfera federal. Já a administração pública indireta, embora faça parte do Executivo, tem um grau de autonomia (administrativa e financeira) bem maior (ainda que as instituições tenham de prestar contas, como qualquer outro órgão do Estado). As instituições da administração indireta são divididas em quatro grupos: fundações públicas, empresas públicas, empresas de economia mista e autarquias.
a) Fundações públicas As fundações públicas, assim como as privadas, visam objetivos não-econômicos, ou seja, elas não visam lucro. São constituídas visando algo diferente do mero retorno financeiro direto, como a educação, a saúde, o amparo ao trabalhador etc. Assim, a Fundacentro (ligado ao Ministério do Trabalho) visa o desenvolvimento de políticas de amparo ao trabalhador; o IBGE (cujo nome completo é
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) visa compreender e apoiar o desenvolvimento do Brasil através da coleta de informações estatísticas; a Funai (Fundação Nacional do Índio) visa o amparo das populações indígenas etc. Nenhuma delas objetiva dar lucro. Seus empregados são regidos pelo regimes dos servidores públicos e gozam de estabilidade.
b) Empresas públicas As empresas – ao contrário das fundações – têm o lucro como objetivo. Uma empresa que não dá lucro não está atingindo seu objetivo. As empresas públicas, como não poderiam deixar de ser, têm objetivos econômicos. O que as diferencia de outras empresas é que seu único dono é o Estado. Todo o lucro gerado é revertido ao Erário (e os prejuízos também). São exemplos de empresas públicas a Caixa Econômica Federal, a Embrapa, a Emater, a ECT (Empresa de Correios e Telégrafos) etc. Seus empregados, embora concursados, são regidos pela CLT e não gozam da estabilidade constitucional que os servidores públicos possuem.
c) Empresas de economia mista Enquanto o único dono das empresas públicas é o governo, nas empresas de economia mista a maioria do capital votante – mais da metade das ações com direito a voto – pertence ao governo. Isso significa que pessoas físicas e jurídicas de direito privado (isto é, nós e nossas empresas) podem se tornar acionistas das empresas de economia mista. Nós não conseguimos assumir o comando das empresas de economia mista pois o governo mantém a maior parte das ações com direito a voto (o governo será sempre o responsável pelo controle da empresa e daqueles que ocuparão seus cargos chaves). Este é o caso, por exemplo, da Petrobras, do Banco do Brasil e da Sabesp. Uma regra útil para distinguir se uma empresa controlada pelo governo é pública ou de economia mista é verificar se ela é uma sociedade anônima (S.A.) com ações negociadas na Bolsa de Valores. Se for, ela será uma empresa de economia mista, pois todas elas devem ser sociedades anônimas (e como tais, devem ser registradas junto à CVM – Comissão de Valores Mobiliários). Por outro lado, você certamente nunca ouviu falar de ‘ações da Caixa Econômica Federal’. Seus empregados, embora 45
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Para Entender Direito concursados, são regidos pela CLT e não gozam da estabilidade constitucional que os servidores públicos possuem.
d) Autarquias As autarquias são as instituições de definição muito mais difícil. Elas, ao contrário das empresas (públicas e de economia mista) não exercem atividades industriais ou comerciais. Elas exercem atividades relacionadas ao interesse da sociedade. Tradicionalmente os juristas as definem mais ou menos como entidades criadas por leis específicas para a realização de atividades especializadas de forma descentralizada. O problema é que essa é uma definição muito vaga. Elas, basicamente, visam atender objetivos que não podem ser melhor alcançados pela administração direta ou por qualquer das outras três formas de administração indireta. Mas que objetivos são esses e como elas são organizadas varia muito. O INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), o DAC (Departamento de Aviação Civil) e a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) são todos exemplos de autarquias. Mas é difícil definir qual é o traço comum entre instituições tão distintas exceto o objetivo de atender um interesse coletivo. Seus empregados gozam da estabilidade constitucional garantida aos servidores públicos e são regidos pelo regime único dos servidores públicos. As autarquias são mais facilmente identificadas por exclusão: se a entidade da administração indireta não é fundação ou empresa pública ou de economia mista, ela será uma autarquia. O Decreto-lei 200/67 faz essa distinção entre os quatro tipos: Autarquia
Fundação pública
“Serviço autônomo, criado por lei, com
“Entidade dotada de personalidade jurídica de
personalidade jurídica, patrimônio e receita
direito privado, sem fins lucrativos, criada em
próprios, para executar atividades típicas da
virtude de autorização legislativa, para o
Administração Pública, que requeiram, para
desenvolvimento de atividades que não exijam
seu melhor funcionamento, gestão administrativa e
execução por órgãos ou entidades de direito
financeira descentralizada”.
público, com autonomia administrativa, patrimônio
Exemplos: Agências governamentais, Anvisa,
próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção,
Banco Central, Cade, Embratur, Incra, Inmetro,
e funcionamento custeado por recursos da União e
Inpi, Iphan, INSS, Sudam, universiddes federais
de outras fontes”.
etc
Exemplos: Capes, CNPq, Funarte, Fundacentro, Funai, IBGE, Ipea etc
Empresa pública
Empresa de economia mista
“Entidade dotada de personalidade jurídica de
“Entidade dotada de personalidade jurídica de
direito privado, com patrimônio próprio e
direito privado, criada por lei para a exploração
capital exclusivo da União, criado por lei para
de atividade econômica, sob a forma de 46
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Para Entender Direito a exploração de atividade econômica que o
sociedade anônima, cujas ações com direito a
Govêrno seja levado a exercer por fôrça de
voto pertençam em sua maioria à União ou a
contingência ou de conveniência administrativa
entidade da Administração Indireta”
podendo revestir-se de qualquer das formas
Exemplos: Banco do Brasil, CBTU, companhias
admitidas em direito”
docas dos estados, Eletrobrás, IRB-Brasil,
Exemplos: BNDES, Caixa Econômica Federal,
Petrobrás, Telebrás etc
Casa da Moeda, Conab, Correios, Dataprev, Infraero, Embrapa, Hemobrás etc. Em 2011 havia, vinculadas aos ministérios e à presidência, nada menos que 128 autarquias, 20 fundações públicas, 23 empresas públicas e 26 empresas de economia mista. Isso apenas na esfera federal. Há também milhares de organizações de administração indireta nas esferas estadual e municipal.
1.3.3 – Ministério Público O Ministério Público é órgão apêndice do poder Executivo. Isso quer dizer que ele faz parte do Executivo, mas possui algumas características especiais para torná-lo funcionalmente independente o suficiente para poder agir contra o próprio poder Executivo quando for necessário. Ao contrário do que às vezes ouvimos na TV, a função do Ministério Público não é defender o governo e tampouco processar as pessoas. Sua função é defender a lei. Por isso age sempre que a lei for ferida, seja por um indivíduo, como no caso do homicídio, seja por uma empresa, como no caso do dano a um parque ambiental, ou seja contra o próprio governo quando este agir ilegalmente, como quando ele contrata um serviço sem licitação. O Ministério Público, entre outras obrigações, é responsável por defender os chamados direitos
coletivos e difusos. Direitos coletivos são aqueles que dizem respeito a uma comunidade – de qualquer tamanho – que seja determinada ou determinável. É o caso de poluição de uma lagoa em uma cidade: todas as pessoas daquela cidade serão afetadas. Já os direitos difusos são aqueles que dizem respeito a pessoas que não podem ser determinadas com razoável precisão. Por exemplo, quando um monumento histórico é destruído ou uma queimada consome um parque nacional, é toda sociedade brasileira que sofre a perda. Não importa se é um direito difuso ou coletivo: se houver dano ou risco de danos a esse direito, o Ministério Público deverá agir. O Ministério Público atua como acusação (“autor”) na maior parte das ações criminais. Isso porque a maior parte das ações criminais tem um componente de forte interesse da sociedade, pois é importante punir o delinquente antes que ele tenha a oportunidade de agir novamente e prejudicar outra pessoa. Esses processos criminais são chamados de ação penal pública, pois o interesse em punir o criminoso é de toda a sociedade. Veremos mais a respeito no capítulo 5. Mas mesmo quando o Ministério Público não atua como parte em um processo, ele atua como fiscal da lei, isto é, ele participa do processo averiguando se a lei está sendo respeitada naquele 47
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Para Entender Direito processo. Isso não significa que o Ministério Público tem o poder de decidir a causa. A decisão é do magistrado. O Ministério Público, como fiscal da lei, apenas verifica se o processo se conduziu conforme os requisitos legais. Os direitos de um membro do Ministério Público são iguais aos de um magistrado. Isto porque estas duas categorias possuem o que se chama de isonomia. Assim, da mesma forma que há entrâncias na carreira de um juiz, o mesmo ocorre no Ministério Público. As remunerações e subsídios também são parecidos para as duas categorias. Como no Judiciário, os membros do Ministério Público em diferentes órgãos possuem diferentes nomenclaturas. O chefe do Ministério Público federal chama-se procurador-geral da República. Ao contrário dos 11 ministros do STF, há apenas um procurador-geral da República. Por isso, embora teoricamente apenas o cargo máximo do Ministério Público devesse atuar nos processos que correm junto ao STF, os subprocuradores-gerais da República também podem, por delegação do procurador-geral, atuar nos processos no STF. O procurador-geral da República e os subprocuradores-gerais da República fazem parte do Ministério Público federal, e começaram suas carreiras como procuradores da República, atuando junto à primeira instância da justiça federal.
No âmbito estadual, os promotores de justiça (ou simplesmente “promotores”) formam o primeiro degrau do Ministério Público. Por merecimento ou por antiguidade, eles chegam ao cargo de
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Para Entender Direito procuradores de justiça.
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O topo do Ministério Público estadual é ocupado pelo procurador-geral de
justiça. Nós vimos anteriormente que existe a justiça eleitoral, mas que não há concurso para a magistratura eleitoral, pois seus cargos são ocupados por membros da justiça comum estadual e federal. Mas, no caso do Ministério Público, não há uma instituição chamada Ministério Público Eleitoral. O que existe é uma subdivisão interna dentro dos Ministérios Públicos federal e estaduais para atuarem junto à justiça eleitoral (também pelo período de 2 anos). A função de atuar junto ao TSE cabe ao procurador-geral da República, mas ela é normalmente delegada a um dos subprocuradores-gerais da República (chamado, quando atuando na função eleitoral, de vice-procurador-geral eleitoral). Nos TREs, atuam os procuradores da República (chamados de procuradores regionais eleitorais), e junto aos juizados e juntas eleitorais, atuam os membros do Ministério Público estadual, sejam eles procuradores de justiça ou promotores (chamados de procuradores eleitorais). Como se vê, embora o Ministério Público federal seja o responsável pela área eleitoral, a primeira instância é preenchida por membros emprestados não do Ministério Público federal, mas do Ministério Público estadual. O procurador-geral da República é nomeado pelo presidente da República dentre membros do Ministério Público federal maiores de 35 anos, após aprovação por maioria absoluta do Senado Federal. Seu mandato é de dois anos, e o presidente da República pode reconduzi-lo ao cargo quantas vezes quiser. Como cabe a ele processar a União sempre que ela agir contra a lei, e como a União tende a ser quem mais fere a lei, o procurador-geral da República ficaria em uma situação muito desconfortável se não tivesse a estabilidade no cargo garantida de alguma forma. É por isso que o presidente da República somente pode destituí-lo do cargo antes do término dos dois anos se ele (o presidente) for previamente autorizado a fazê-lo pela maioria absoluta do Senado. A mesma regra se aplica aos ministérios públicos estaduais. Só que, nesse caso, quem deve destituí-lo é quem o nomeou, ou seja, o governador (depois de obter a autorização da maioria absoluta da Assembléia Legislativa do estado em questão).
Cargo Procurador-geral da República
Mandato
Presidente da República
2 anos
Indefinidamente
2 anos
Uma única vez
2 anos
Uma única vez
2 anos
Uma única vez
Procurador-geral do
Procurador-geral da
Trabalho
República
Procurador-geral Militar Procurador-geral de justiça do Distrito Federal
Quantas vezes pode ser
Quem nomeia
Procurador-geral da República Presidente da República
reconduzido ao cargo?
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É sempre essencial definir que tipo de procurador se está falando, pois existem vários cargos com o nome “procurador”, não só no ministério público, mas também na administração direta, como os procuradores da Fazenda. 49
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Para Entender Direito e Territórios Procuradores-gerais de justiça dos estados
Governador do estado
2 anos
Uma única vez
Os ministérios públicos federal (MPF), do DF e territórios (MPDFT), militar (MPM) e do trabalho (MPT) fazem parte do que chamamos de Ministério Público da União (MPU). É interessante observar que o Ministério Público do Distrito Federal e territórios (que é um único órgão) está no âmbito da União, e não no mesmo âmbito dos ministérios públicos estaduais. Saber se um órgão faz parte do Ministério Público da União ou dos estados é importante por diversos motivos. Por exemplo, se alguém trabalha no Ministério Público do Trabalho, ele será um servidor federal, logo seu salário será pago pela União. Já um servidor de um Ministério Público de um dos estados – digamos, Paraná – será um servidor estadual e terá seu salario pago pelo governo do Paraná, no caso.
Vale lembrar que, assim como a Emenda Constitucional 45 criou o Conselho Nacional de Justiça, ela também criou o Conselho Nacional do Ministério Público, que tem funções similares aos do Conselho Nacional de Justiça, só que no que se refere aos ministérios públicos da União e dos Estados. Ele é composto por 14 membros, sendo um de cada órgão do Ministério Público da União (i.e., um do MPF, um do MPDFT, um do MPM e um do MPT), três dos ministérios públicos estaduais, dois membros da OAB, dois magistrados indicados pelo STF e outro indicado pelo STJ, além de um cidadão indicado pelo 50
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Para Entender Direito Senado e outro pela Câmara. Seus mandatos são de dois anos e pode haver uma recondução. Há também um Ministério Público especial que atua exclusivamente junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) e juntos aos tribunais de contas estaduais (TCEs). Embora eles sejam instituições federais e estaduais, respectivamente, eles não pertencem nem ao Ministério Público Federal nem aos estaduais. A tabela abaixo mostra a moneclatura dos cargos dentro do Ministério Público, de acordo com o órgão e órgão junto ao qual a pessoa atua.
1.3.4 – Advocacia-geral da União, defensoria pública, procuradoria-geral da Fazenda e procuradorias estaduais Até 1988, o Ministério Público tinha, ao mesmo tempo, o dever de defender a lei e defender os interesses do Estado. Mas o Estado é quem mais infringe a lei no Brasil. O mesmo órgão era obrigado a acusar e defender ao mesmo tempo. Para evitar esse conflito interno de funções, foi criada a advocacia-
geral da União (AGU) na Constituição de 1988. Hoje, enquanto cabe ao Ministério Público defender e fiscalizar a lei, cabe à AGU defender os interesses da União sempre que eles estiverem envolvidos, esteja a União certa ou errada. Por isso é comum ver um caso em que o Ministério Público acusa e a AGU defende o governo. O chefe da AGU é o advogado-geral da União, que é escolhido livremente pelo presidente da República dentre os brasileiros com mais de 35 anos e de notável saber jurídico. Ele é ligado à presidência da República, responsável pelo seu assessoramente, como vimos acima (1.3.2) 51
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Para Entender Direito A AGU é composta de três grandes áreas: a Advocacia da União (responsável pela defesa dos interesses da União em processos por meio das Procuradorias da União), a Procuradoria da Fazenda Nacional (responsável por executar a dívida ativa – os tributos – devidos à União pelos contribuintes) e a Consultoria da União (responsável pelo assessoramento jurídico do governo). Assim, por exemplo, se a questão é fazendária/tributária, os interesses da União serão defendidos não por um advogado da União, mas pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Além dos procuradores da Fazenda Nacional, dentro da AGU encontramos tanto os advogados da União (que servem os órgãos da administração pública direta) quanto os procuradores federais (que servem as autarquias e fundações públicas). As empresas públicas e de economia mista possuem seus próprios advogados. Já na esfera estadual, são as procuradorias estaduais (através dos procuradores estaduais) que cuidam da defesa dos interesses dos estados e lhes prestam consultoria. O mesmo acontece na esfera municipal com as procuradorias municipais. Outra instituição criada em 1988 foi a defensoria pública. Ela não serve nem para defender os interesses do Estado (função da AGU, da procuradoria-geral da fazenda nacional e das procuradorias estaduais, dependendo do caso), e nem a lei (função do Ministério Público). Sua função é defender as pessoas que não possuem recursos financeiros suficientes para defenderem seus próprios interesses em um processo. Em outras palavras, ela defende os interesses dos chamados legalmente pobres. Legalmente pobre não é apenas aquele está passando fome, mas qualquer um que, se gastar seus recursos com um advogado, se privará ou privará sua família dos meios necessários à sua subsistência. Todas essas instituições – AGU, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e das procuradorias estaduais e defensoria pública – são órgão vinculados ao poder Executivo. Sempre que não houver defensor público disponível para auxiliar aquele que for pobre no sentido legal, o juiz poderá nomear um advogado dativo, que é um advogado membro dos quadros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), designado para defender alguém sem recursos financeiros. Ele não faz parte do poder público. É um profissional da iniciativa privada que é incumbido de assistir quem não tem como pagar por sua representação legal. Antes de mudarmos de assunto, vale a pena fazer um parêntese para falar do termo “procurador”. Como vimos até agora, há vários cargos públicos que começam com o termo ‘procurador’, mas isso não quer dizer que eles sejam sinônimos. Quer dizer apenas que aquele cargo representa o Estado, o governo ou uma entidade do governo. Mas sem especificar a qual procurador nos referimos, não dá para saber por qual tipo de representação aquela pessoa é responsável. A tabela abaixo faz um resumo dos principais cargos com o termo ‘procurador’: Aqueles que defendem o interesse da sociedade (vinculados aos Ministérios Públicos da União, dos Estados ou dos tribunais de contas) Procuradores de Justiça são aqueles membros dos Ministérios Públicos Procuradores de
estaduais trabalhando perante os tribunais de justiça, órgãos de segunda
justiça
instância das justiças estaduais. Quem atua diante do juiz estadual, a primeira instância, é o promotor de justiça 52
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Para Entender Direito Os procuradores da República são os membros do Ministério Público Federal que atuam na primeira instância da Justiça Federal. Equivalem, no âmbito federal, ao promotor de justiça. No Ministério Público Federal, quem atua Procuradores da República
no
segundo
grau
(nos
Tribunais
Regionais
Federais)
são
os procuradores regionais da República, cargo equivalente ao dos procuradores de justiça no MP Estadual. Há também uma subdivisão dentro do MPF de procuradores eleitorais, nomeados para atuarem por 2 anos nas causas eleitorais. O procurador-geral eleitoral é o procurador-geral da República, mas quem de fato gerencia o dia-a-dia dessa subdivisão é o viceprocurador-geral-eleitoral,
que
é
nomeado
pelo
procurador-geral
da
República. Procuradores
da
Justiça
Militar, procuradores
do
Trabalho,
e promotores do MP do Distrito Federal e Territórios: Os outros Procuradores da justiça militar, procuradores do trabalho, e procuradores do MP do Distrito Federal e Territórios
órgãos do Ministério Público da União (MP Militar, do Trabalho e do DF e Territórios)
também
têm
procuradores.
Os
cargos
equivalentes
aos
procuradores da República nos outros órgãos do MP da União são os promotores da Justiça Militar, no MP Militar; os procuradores do Trabalho, no MP do Trabalho; e os promotores de justiça e promotores de justiça adjuntos, no MP do Distrito Federal. Os procuradores de Justiça no MP do Distrito Federal, os Procuradores da Justiça Militar, são o equivalente aos procuradores regionais do trabalho no MP Federal o Procurador Regional da República. Todos eles, assim como o Procurador de Justiça do MP estadual, atuam diante dos respectivos tribunais. Os procuradores do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas
Procuradores do
são membros de um Ministério Público Especial, previsto no art. 130 da
Tribunal de Contas da
Constituição, que atua diante dos Tribunais de Contas da União e dos
União e dos Estados
estados, mas que não fazem parte do Ministério Público da União ou dos Estados.
Defendendo os interesses da União e suas instituições (vinculados à Advocacia Geral da União) Procuradores federais são
aquelas
pessoas
que
representam
os
interesses jurídicos das autarquias federais. Seriam o equivalente dos advogados naqueles órgãos (procuradores do INSS, do Banco Central etc). Eles fazem parte da AGU, mas não se confundem com os advogados Procuradores federais
da União porque estes defendem os interesses da União (administração pública direta: presidência etc) e aqueles defendem os interesses dos órgãos da administração pública indireta. As empresas públicas e as empresas de economia mista (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil etc), por sua vez têm seus próprios advogados, os 53
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Para Entender Direito quais não fazem parte da AGU (são funcionários concursados daquelas empresas). Os procuradores da Procuradores da fazenda
Fazenda também
fazem
parte
da
AGU
(são
subordinados, técnica e juridicamente à AGU), e cuidam principalmente das causas referentes à dívida ativa da União (ou seja, nas causas em que a União tem a receber. Por exemplo, quando a União tem a receber um crédito tributário que o contribuinte deixou de pagar).
Defendendo os interesses das unidades federativas e dos municípios (vinculados à procuradorias estaduais ou municipais) Procuradores estaduais e municipais: O equivalente à AGU nas esferas estaduais e municipais é chamado de procuradorias estaduais e municipais, e
Procuradores estaduais e municipais
seus membros (responsáveis pela defesa dos interesses jurídicos das entidades ligadas aos governos estaduais e municipais) são chamados de procuradores estaduais e procuradores municipais, respectivamente.
1.3.5 – Polícias As polícias – que também fazem parte da administração pública direta – têm dois objetivos básicos: evitar que o delito aconteça e apurá-lo se ele vier a acontecer. A primeira função é chamada de policiamento ostensivo. Ostensivo porque, sendo visível, ele pretende coibir a prática de crime. Ele tenta diminuir o número de delitos mostrando aos potenciais delinquentes que o Estado está presente e que as chances de ele (delinquente) conseguir escapar é muito pequena. Já a segunda função (investigar o delito que já aconteceu) se chama polícia investigativa ou judiciária, pois seu trabalho de investigação dá base para a atuação do Judiciário. Esse é um dos motivos pelos quais a PM – cuja função é tipicamente o policiamento ostensivo – possui, normalmente, um contingente muito maior que a polícia civil – cuja a função é tipicamente judiciária. No Brasil possuímos as seguintes polícias: Esfera
Instituição Polícia federal
Federal
Polícia rodoviária federal Polícia ferroviária Polícia civil
Estadual
Polícia militar e corpo de bombeiros (Polícia rodoviária estadual)
Municipal
Guardas municipais
Cabe à polícia federal apurar as infrações penais cuja prática tenha repercussão interestadual ou 54
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Para Entender Direito internacional ou contra interesses da União; prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes, o contrabando e o descaminho; exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; e exercer as funções de polícia judiciária da União, ou seja, investigar as causas que envolvam a Justiça Federal. Como se percebe, embora a função principal da polícia federal seja a de uma polícia judiciária (apuração), ela também possui elementos de polícia ostensiva (patrulhamento marítimo, aeroportuário e de fronteiras, prevenção ao tráfico de drogas etc). É por isso que quando você está entrando ou saindo do país você tem de apresentar seu passaporte a um agente da polícia federal. O ‘agente de imigração’, como muitos de nós se referem a eles, são servidores da polícia federal (ou, o que vem ocorrendo com mais frequência, servidores privados de uma empresa terceirizada trabalhando para a polícia federal). A polícia federal é dirigida por delegados da polícia federal, auxiliados por agentes da polícia federal. A polícia rodoviária federal destina-se ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais, enquanto a polícia ferroviária federal destina-se ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. Já as polícias civis são encarregadas com as funções típicas da polícia judiciária: apurar delitos e auxiliar o Judiciário a investigar as infrações penais (exceto as militares e aquelas que são de competência da polícia federal). As polícias civis são dirigidas por delegados de polícia, que são auxiliados por detetives
17
e escrivães de polícia.
As polícias militares são tipicamente ostensivas, e visam a preservação da ordem pública, evitando que a lei seja desrespeitada. O corpo de bombeiros, que também é uma instituição militar, é responsável pela execução de atividades de defesa civil. As polícias militares e corpos de bombeiros – por serem instituições militares – são forças auxiliares e reserva do Exército. Os municípios, por sua vez, podem criar guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações. Isso quer dizer que as guardas municipais não são obrigatórias. Além disso, sua função é restrita: a proteção dos bens públicos municipais. Isso porque o policiamento ostensivo já é provido pela PM e a polícia judiciária pela polícia civil. Durante muito tempo houve a dúvida se os guardas municipais podiam portar armas, mas desde 2003 a lei (10.826/03) deixou claro que em municípios com mais de 50 mil habitantes os guardas municipais podem portar arma de fogo quando estiverem em serviço. E elas podem prender? Claro. Na verdade, qualquer pessoa pode prender outra pessoa no Brasil. Desde que a pessoa presa esteja praticando um delito. É o que chamamos de prisão em flagrante. O que ela não pode fazer é mantê-la presa, pois isso seria cárcere privado, o que é um crime em si. Tão logo presa em flagrante, a pessoa deve ser entregue a uma autoridade policial.
1.3.6 – Forças armadas As forças armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, tendo a PM e
17
O cargo de perito é o posto mais avançado na carreira de detetive. Em alguns estados o IML – Instituto Médico Legal – bem como o Instituto de Criminalística (ambos responsáveis por análises técnico-científicas dos eventos de um delito) estão subordinados à polícia civil. 55
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Para Entender Direito o corpo de bombeiros como forças auxiliares. Elas respondem diretamente ao presidente da República e visam a defesa do país, a garantia dos poderes constitucionais, e da ordem. A função militar possui peculiaridades que tornam os membros das forças armadas singulares. Um militar não se aposenta. Ele é apenas transferido para a reserva (inatividade sujeita a períodos de atividade) ou é reformado (inatividade definitiva). Da mesma maneira, ele não recebe salário ou subsídio, mas “soldo”. Devido à sua condição especial, o militar não pode ser filiado a partido político, a sindicato e não lhe é dado o direito de greve. Se ele vier a tomar posse em cargo ou emprego público civil de caráter permanente, ele é transferido para a reserva. A estrutura militar é altamente hierarquizada, com uma rígida cadeia de comando, e cada patente está subordinada a todas as patentes superiores. As patentes – que seguem com os militares depois que são transferidos para a reserva – são conferidas pelo presidente da República (ou governador de Estado, no caso das PMs e corpo de bombeiros) e só são perdidas se o oficial for julgado indigno por decisão de tribunal militar. O serviço militar em tempo de paz é obrigatório para os homens brasileiros considerados capazes, quando completam 18 anos. Para isso, são obrigados a alistarem-se no ano em que completam 18 anos, e a passarem em seguida pela seleção militar, que é quando as forças armadas selecionam aqueles que a interessam, já que ela não consegue absorver todos. Aqueles que, em tempo de paz e depois de alistados, alegarem “imperativo de consciência” para não servirem (decorrente de crença religiosa ou de convicção política ou filosófica, inclusive opção sexual), poderão ser obrigado a cumprir serviço alternativo. Mas para alegar o imperativo de consciência, a pessoa precisa antes alistar-se. As mulheres e os ministros reliogiosos são isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei por ventura decida atribuir-lhes. Aqueles que estão cumprindo o serviço militar obrigatório são chamados de conscritos.
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Para Entender Direito
(Fonte: Manual de Redação da Folha de S.Paulo, 2009)
1.3.7 - Corregedorias Outro termo que é constantemente citado na mídia é a corregedoria. Corregedoria nada mais é do que órgão de fiscalização interno de cada instituição. É o órgão responsável pela averiguação das faltas funcionais e do cumprimento dos procedimentos internos. Por exemplo, se um promotor falta sistematicamente ao trabalho, ou é visto se conduzindo de forma não condizente com seu cargo, ou deixa de cumprir com suas obrigações como promotor, essas faltas serão analisadas pela corregedoria do Ministério Público estadual. Se a corregedoria também julgar o funcionário, este será um julgamento administrativo e poderá ser revertido pelo poder Judiciário. Como são instituições meramente administrativas, qualquer órgão pode criá-las e estabelecer seu funcionamento e estrutura, seja ele do poder Executivo, Legislativo ou Judiciário. São comuns, por exemplo, as corregedorias de polícia (que é algumas vezes conhecida como “polícia da polícia”), as corregedorias de justiça, as corregedorias do Ministério Público etc. Elas são quase sempre ocupadas 57
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Para Entender Direito por pessoas no último ou penúltimo cargo da carreira. Por exemplo, a corregedoria de justiça de um Estado será, provavelmente, ocupada por um desembargador, e a do Ministério Público estadual, por um procurador de justiça. Mas isso dependerá da norma que a criar.
1.3.8 – Concurso, nomeação e exoneração de servidor público A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público do que a lei chama de “provas ou de provas e títulos”. Provas são exames intelectuais e/ou físicos e/ou médicos. Títulos são conquistas que as pessoas alcançam durante suas vidas, como um diploma de graduação ou pós-graduação, aprovação em outros concursos públicos etc. Se o concurso será baseado apenas em provas ou será baseado em provas e títulos dependerá da natureza e da complexidade do cargo. Os únicos casos em que alguém pode ocupar um cargo público sem concurso são aqueles cargos declarados pela lei como sendo “cargos em comissão de livre nomeação e exoneração”. Em geral, esses cargos existem para que o candidato eleito possa trazer para sua equipe aquelas pessoas de sua confiança que estão na iniciativa privada e são essenciais para concretizar as propostas sobre as quais ele foi eleito. Bem, isso em teoria. Na prática, nem sempre é assim que ocorre e muitos dos cargos em comissão acabam sendo usados como contrapartida a apoios políticos recebidos antes e depois da eleição no que é conhecido pela mídia como “loteamento de cargos”. O candidato de um concurso que é aprovado não se torna servidor público imediatamente (aliás, desde 1988 a Constituição não se refere mais a ele como funcionário público, mas servidor). Ele apenas se torna servidor se vier a ser convocado e investido no cargo. Depois de aprovado, o candidato selecionado pode esperar por até dois anos (ou quatro, já que o prazo é prorrogável por igual período) até ser convocado. Mas a convocação não é obrigatória. Ela depende da necessidade do órgão. Se o candidato aprovado não vier a ser convocado e investido no cargo nesse período, o concurso perde sua validade e se aquele candidato aprovado ainda quiser assumir aquele cargo público, terá que prestar novo concurso. Esse, aliás, é um mecanismo às vezes usado por políticos para ajudarem seus apadrinhados. Há o concurso, mas seu afilhado político não é classificado. Em vez de convocarem os classificados, o político deixa o prazo de dois anos se esgotar e um novo concurso é realizado, no qual seu afilhado pode concorrer novamente. Durante este prazo de dois (ou quatro) anos, os candidatos selecionados serão convocados pela ordem de classificação. Se 20 candidatos foram aprovados mas apenas dez forem convocados, estes dez deverão ser os dez melhores classificados. E se um segundo concurso for realizado dentro daquele período de validade do concurso anterior, os classificados no novo concurso entrarão na lista depois do último selecionado do primeiro concurso, ainda que suas notas tenham sido maiores. Tecnicamente, servidores públicos não recebem salário. Recebem remuneração e subsídios, mas não salários. Salários são reservados aos da iniciativa privada. O maior subsídio – incluindo-se as vantagens pessoais – de um ocupante de cargo público, seja 58
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Para Entender Direito da administração pública direta ou indireta, concursado, eleito ou em cargo em comissão, não pode ultrapassar o subsídio recebido por um ministro do STF. Nas esferas estadual e municipal, esse teto é ainda mais reduzido. Por exemplo, no poder judiciário estadual, o teto é o subsídio do desembargador do TJ. Como o subsídio do desembargador do TJ não pode ultrapassar a 90,25% do subsídio do ministro do STF, nenhum servidor público do Judiciário estadual pode receber mais que 90,25% do subsídio de um ministro do STF. Já um deputado estadual recebe, no máximo, 75% do subsídio de um deputado federal. Como ninguém no poder Legislativo estadual pode receber mais que um deputado estadual, o teto máximo que alguém no poder Legislativo estadual pode receber é de 75% do subsídio do deputado federal, que por sua vez não pode ultrapassar o subsídio do ministro do STF. A tabela abaixo mostra o teto máximo do subsídio de cada poder. Isso é o que a lei permite que seja o máximo, mas o subsídio pode ser abaixo do máximo. O que não pode é ser acima. Legislativo Federal
Subsídio dos
Subsídio dos ministros
ministros do STF
do STF
Subsídio dos deputados estaduais Estadual/DF
Judiciário
(ou distritais)
(máximo: 75% do subsídio dos ministros do STF)
Executivo Subsídio dos ministros do STF
Subsídio dos
Subsídio do governador
desembargadores to TJ
(exceto MP, procuradores
(máximo: 90.25% do
estaduais e defensores
subsídio dos ministros
públicos, cujo teto é o subsídio
do STF)
dos desembargadores)
Subsídio dos Municipal
deputados estaduais
Subsídio do prefeito
18
18
O subidio dos vereadores é determinado pelo número de habitantes e limitado pelo percentual da receita do município no ano anterior que pode ser gasto com o poder Legislativo. Impera o menor valor (e.g., em um município de 5 mil habitantes, se 7% da receita for suficiente para pagar apenas 15% do valor do subídio de um deputado estadual, será esse o valor que o vereador receberá, ainda que a Constituição tenha dito que o máximo é de 20%) Máximo de despesas do Subsídio máximo de Legislativo em relação ao total Número de Habitantes um vereador de receitas do município no vereadores ano anterior 20% do subsídio dos <10 mil deputados estaduais 9 10 - 15 mil 30% do subsídio dos 15 - 30 mil 11 7% deputados estaduais 30 – 50 mil 13 50 – 80 mil 15 40% do subsídio dos deputados estaduais 80 – 100 mil 17 100 – 120 mil 17 50% do subsídio dos 120 – 160 mil 6% 19 deputados estaduais 160 – 300 mil 21 300 – 450 mil 23 60% do subsídio dos 5% deputados estaduais 450 – 500 mil 25 500 – 600 mil 25 75% do subsídio dos 600 – 750 mil 4,5% 27 deputados estaduais 750 – 900 mil 29 59
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Para Entender Direito Assim como um ocupante de cargo público civil não é contratado (ele é investido ou nomeado), ele não pode ser demitido. Ele é exonerado. Nos casos dos cargos de livre nomeação (isto é, que não há necessidade de concurso público), a exoneração também é livre. Em outras palavras, aquela pessoa foi convidada a assumir uma posição pública porque foi considerada capacitada ou adequada para ocupá-la por quem a convidou, ainda que não fosse servidor concursado; tão logo esta percepção quanto à sua qualificação mude, ela poderá ser exonerada. Já os servidores concursados, após o estágio probatório (que dura 3 anos), só podem ser exonerados (a) em virtude de sentença judicial transitada em julgado, (b) mediante processo administrativo ou (c) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho que o julgue inepto (despreparado para exercer o cargo que exerce). 1.4 – Poder Legislativo Até agora falamos dos poderes Judiciário e Executivo. Falta falar do poder Legislativo. As duas principais funções do Legislativo são legislar e fiscalizar os outros poderes. No próximo capítulo veremos como ele legisla (como as normas são elaboradas). Por enquanto analisaremos apenas sua estrutura. Como já vimos, o Legislativo federal é bem diferente dos estaduais e municipais porque é o único bicameral. Enquanto no Congresso Nacional existem tanto senadores quanto deputados, nas assembléias legislativas e nas câmaras de vereadores existe apenas uma casa. Também como já vimos, enquanto os deputados federais, teoricamente, representam os cidadãos, os senadores representam os Estados e o Distrito Federal. O Congresso Nacional existe por si mesmo como instituição, assim como a Câmara e o Senado. Isso quer dizer que quando um deputado ou senador é eleito, ele se torna congressista (membro do Congresso) e membro da casa para a qual foi eleito. Como instituições individualizadas, cada um desses três entes – Congresso, Câmara e Senado – possui suas atribuições específicas.
900 – 1.050 mil 1.050 – 1.200 mil 1,2 – 1,35 milhão 1,35 – 1,5 milhão 1,5 – 1,8 milhão 1,8 – 2,4 milhões 2,4 – 3 milhões 3 – 4 milhões 4 – 5 milhões 5 – 6 milhões 6 – 7 milhões 7 – 8 milhões >8 milhões
31 33 35 37 39 41 43
4% 3,5%
45 47 49 51 53 55 60
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Para Entender Direito O artigo 49 da Constituição Federal define quais são as competências exclusivas do Congresso, isto é, que não pode ser exercida por qualquer outra instituição (inclusive Câmara ou Senado): “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar; III - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; IV - aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas; V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; VI - mudar temporariamente sua sede; VII - fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores (…); VIII – fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado (…); IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; XII - apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão; XIII - escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; XIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; XV - autorizar referendo e convocar plebiscito; XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; XVII - aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares. As votações do Congresso Nacional são tomadas entre todos seus membros, isto é, são computados os votos dos senadores e deputados federais. Já o artigo 51 da Constituição determina as competências exclusivas da Câmara dos Deputados:
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Para Entender Direito “Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; II - proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa; III - elaborar seu regimento interno; IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;" V - eleger membros do Conselho da República (…)” Obviamente, nas votações referente à Câmara, apenas os deputados federais podem votar. Por fim, o art. 52 da Constituição estabelece as competências privativas do Senado Federal. “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; III - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de: a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição; b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República; c) Governador de Território; d) Presidente e diretores do Banco Central; e) Procurador-Geral da República; f) titulares de outros cargos que a lei determinar; IV - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente; V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; VI - fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas 62
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Para Entender Direito autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal; VIII - dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno; IX - estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; XI - aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato; XII - elaborar seu regimento interno; XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; XIV - eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII. XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.” Comparando os artigos 51 e 52 fica evidente que existe uma discrepância grande entre o número de atribuições exclusivas da Câmara e do Senado. Das cinco competências exclusivas da Câmara, duas se referem à sua própria organização e funcionamento, uma se refere à autorização para o julgamento de impeachment do presidente da República (que será feito pelo Senado) e outra se refere à eleição de conselheiros da República, função esta que é compartilhada com o Senado (cada casa elege dois dos seis representantes da sociedade. Os dois restantes são nomeados pelo presidente da República). Entre as competências exclusivas da Câmara, a única realmente que se ressalta é a tomada de contas do presidente da República. Mas ela só ocorrerá se não for apresenta até o 60º dia depois da abertura da sessão legislativa. Em outras palavras, em termos jurídicos, a Câmara não tem nenhuma competência exclusiva que realmente se sobressaia. Mas isso apenas do ponto de vista jurídico, pois do ponto de vista político, a câmara possui um papel extremamente importante. Porque existem muito mais deputados do que senadores (513 e 81, respectivamente), os deputados normalmente estão melhor conectados com as comunidades locais, seus prefeitos e vereadores, do que os senadores. O poder de influência dos deputados federais nas comunidades locais e de manifestação dos interesses específicos dessas comunidades junto ao Legislativo, e mesmo junto ao Executivo, tende a ser maior. Além disso, como veremos no próximo capítulo, os projetos de lei propostos por entes externos ao Legislativo (como o presidente da República ou o STF), quando chegam ao Congresso, começam sua tramitação pela Câmara, que pode muito bem “engavetá-los” ou mantê-los dando voltas por suas comissões indefinidamente, sem que eles cheguem ao Senado. 63
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Para Entender Direito
1.4.1 – O problema da representação na Câmara e no Senado Na primeira parte deste Capítulo, foi dito que os deputados federais “teoricamente” representam seus eleitores. Isso por dois motivos: primeiro, porque o art. 45 §1º da Constituição Federal diz “população” e não “eleitores”. Essa diferença, como veremos no capítulo 8, é importante já que nem todos os que habitam um determinado local podem votar (por exemplo, os menores de 16 anos não podem votar). Em 2010, por exemplo, apenas 2 em cada 3 habitantes no Brasil podiam votar. Em outras palavras, toda a população brasileira é representada pelos deputados federais, mas apenas dois terços dessa mesma população pode escolher seu representante. Segundo, a própria Constituição Federal que criou a Câmara dos Deputados, também criou limitações a essa representação. Ela diz que os eleitores de cada uma das unidades federativas – isto é, os 26 Estados além do Distrito Federal – elegerão deputados federais representando-os. Os eleitores de São Paulo elegerão deputados federais representando-os, bem como os de Minas Gerais elegerão seus deputados federais, e assim por diante. Só que a Constituição diz que cada unidade federativa terá um mínimo de 8 e um máximo de 70 deputados federais, de acordo com o tamanho de suas respectivas populações, e essas limitações têm uma consequência importante. Como o povoamento no Brasil não é homogêneo – os três Estados mais populosos encontra-se no Sudeste, e possuem uma população equivalente à dos 20 Estados menos populosos – ocorre um desequilíbrio na proporção de deputados por eleitores em diferentes Estados. Estados densamente povoados que atingem o teto máximo de 70 deputados Federais (São Paulo), acabam tendo seus eleitores sub-representados quando comparados com Estados com menos eleitores, como Roraima ou Amapá. Em outras palavras, o número de votos necessários para eleger um deputado federal por São Paulo acaba sendo – em média – muito maior do que em Estados menos povoados. 19
Vejamos o exemplo das eleições para a Câmara em 2010:
AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT
Número real de deputados 8 9 8 8 39 22 8 10 17 18 53 8 8
Eleitores 470,231 2,028,960 2,029,455 420,392 9,533,121 5,870,027 1,834,803 2,518,968 4,052,923 4,319,817 14,489,211 1,697,245 2,092,076
População 732,793 3,120,922 3,480,937 668,689 14,021,432 8,448,055 2,562,963 3,512,672 6,004,045 6,569,683 19,595,309 2,449,341 3,033,991
Discrepância Em relação Em relação ao à eleitorado população 6 6 1 1 -1 0 6 6 1 3 -1 0 1 1 1 0 1 2 0 2 0 -2 1 2 0 0
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Os números acima já descontam os 200 mil eleitores residentes no exterior. Eleitores residentes no exterior votam apenas para presidente da República. 64
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Para Entender Direito PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO
17 12 25 10 30 46 8 8 8 31 16 8 70 8 513
4,764,548 2,733,711 6,247,783 2,260,267 7,589,086 11,551,369 2,241,916 1,077,680 271,532 8,092,030 4,529,644 1,422,940 30,257,659 947,559 135,344,953
7,588,078 3,766,834 8,796,032 3,119,015 10,439,601 15,993,583 3,168,133 1,560,501 451,227 10,695,532 6,249,682 2,068,031 41,252,160 1,383,453 190,732,694
-3 2 1 2 2 3 -1 4 7 2 -1 2 -41 4
-1 2 1 1 1 2 0 4 7 0 -1 3 -45 4
Como vemos na tabela acima, enquanto Roraima elegeu um deputado federal para cada 56 mil habitantes, em São Paulo a relação foi de um para cada 589 mil habitantes. É por isso que às vezes lemos na imprensa que o voto de um eleitor de Roraima vale 10 vezes mais que o de um eleitor em São Paulo. Na verdade, o voto vale o mesmo, o problema é que a representatividade dos eleitores de unidades federativas densamente povoadas acaba sendo diluída. O problema persiste quando se faz o mesmo cálculo baseado nas regiões:
Centro oeste Norte Nordeste Sul Sudeste
Número real de deputados 41 65 151 77 179 513
Eleitores
População
9,677,047 9,981,397 36,658,542 20,210,760 58,817,207 135,344,953
14,050,340 15,865,678 53,078,137 27,384,815 80,353,724 190,732,694
Discrepância Em relação Em relação à ao eleitorado população 4 3 27 22 12 8 0 3 -44 -37
Um problema similar ocorre no Senado. Cada unidade federativa elege 3 senadores. Como a função dos senadores é representar as unidades federativas e não as populações (ou eleitores), aparentemente não há problema. Mas quando fazemos a mesma analise levando em conta as regiões, vemos que algumas regiões são super-representadas, já que o número de unidades federativas por região não é sempre o mesmo.
Centro oeste Norte Nordeste Sul Sudeste
Número real de deputados 12 21 27 9 12 81
Eleitores
População
9,677,047 9,981,397 36,658,542 20,210,760 58,817,207 135,344,953
14,050,340 15,865,678 53,078,137 27,384,815 80,353,724 190,732,694
Discrepância Em relação Em relação à ao eleitorado população 6 6 15 14 5 4 -3 -3 -23 -22
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Para Entender Direito Essas discrepâncias, contudo, podem ser igualmente vistas de uma forma positiva: via-de-regra as regiões e as unidades federativas super-representadas são as do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que são as regiões menos desenvolvidas do país e que, portanto, podem se beneficiar de uma maior força política junto ao governo central, se essa força se basear não apenas na quantidade, mas sobretudo na qualidade da representação.
1.4.2 – Legislatura, sessão legislativa, sessão preparatória, sessões ordinárias e sessões extraordinárias O trabalho dos legisladores é dividido em legislaturas. A legislatura é o período de quatro anos que existe entre cada eleição. Um senador é eleito para duas legislaturas, um deputado, para uma. Já sessão legislativa é o período anual no qual o Congresso está em funcionamento. Ela vai de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto até 22 de dezembro. Assim, cada legislatura possui quatro sessões legislativas. Eventualmente, durante os recessos parlamentares, os congressistas podem ser convocados para sessões extraordinárias para discutirem assuntos relevantes (essa também é uma boa maneira de embolsarem subsídios extras por não terem conseguido terminar seus trabalhos durante as sessões ordinárias). Chamam-se extraordinárias porque, durante a sessão legislativa normal, ocorrem as sessões
ordinárias. Apenas os presidentes do Senado, da Câmara ou da República, ou a maioria dos membros de ambas as casas, podem convocar extraordinariamente. Além disso, a convocação precisa ser aprovada pela maioria absoluta da casa convocada. Durante a convocação extraordinária, os parlamentares apenas discutem a matéria que gerou a convocação e eventuais medidas provisórias que 20
estejam pendentes.
Mas é possível encontrar um congressista trabalhando em uma sessão ordinária nos períodos que deveriam ser de recesso parlamentar. Isso ocorre quando o Congresso não vota a LDO (lei de diretrizes orçamentárias). O Congresso só pode entrar em recesso depois de votá-la. Além disso, a partir do dia 1º de fevereiro do primeiro ano de cada legislatura, cada uma das casas se reúne nas chamadas sessões preparatórias, para a posse de seus membros e eleição das 21
respectivas mesas.
1.4.3 – Composição das mesas da Câmara, Senado e Congresso As mesas da Câmara e do Senado são eleitas para mandatos de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. As mesas da Câmara e do Senado, via de regra, são normalmente eleitas através de acordo de cavalheiros, cabendo ao partido com a maior bancada em cada casa (maior número de senadores ou deputados) eleger o presidente entre os membros do partido, ao de segunda maior bancada cabe a 1ª vice-presidência, e assim sucessivamente. Mas nem sempre isso acontece. A história recente tem
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Desde 260 os parlamentares não recebem indenização se forem convocados a trabalharem extraordinariamente. Embora não esteja previsto na Constituição, os regimentos internos das casas estabelecem que, no terceiro ano de cada legislatura, haverá reuniões preparatórias para que a nova mesa seja eleita. 21
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Para Entender Direito mostrado que às vezes o partido de maior bancada pode acabar ficando completamente fora da mesa, se não conseguir atingir um acordo prévio à votação. Cada uma das duas casas possui, em sua mesa, um presidente, um primeiro vice-presidente, um segundo vice-presidente, bem como um primeiro, um segundo, um terceiro e um quarto secretários, além de um suplente para cada secretário. Já a mesa do Congresso Nacional é formada automaticamente pelos membros das mesas do Senado e da Câmara. O preenchimento é feito de forma intercalada, começando pelo presidente do Senado. Assim, o presidente do Senado é também o presidente do Congresso Nacional; o primeiro vicepresidente da Câmara, é o primeiro vice-presidente do Congresso; o segundo vice-presidente do Senado é o segundo vice-presidente do Congresso; e assim por diante.
Embora possa parecer estranho uma mesma pessoa ser uma hora chamada de presidente do Senado e no momento seguinte de presidente do Congresso, essa diferenciação é importante. Isso porque, como já vimos, há atos que são privativos do Congresso. Nos atos privativos do Congresso, se seu presidente não estiver presente, quem comanda os trabalhos é o 1º vice-presidente do Congresso, que não é um senador, e sim um deputado (aquele que foi eleito para ser 1º vice-presidente da Câmara). E por que o presidente do Congresso é o do Senado e não o da Câmara? O Senado é a casa composta por membros eleitos por um número maior de pessoas (enquanto cada Estado elege apenas três senadores, um Estado pode eleger até 70 deputados federais). Segundo, porque do ponto de vista democrático, é mais seguro. Quando presidente e vice-presidente da República estão temporariamente impedidos, assume a presidência o presidente da Câmara. Como essa situação não é rara, haveria um sério risco de constante concentração de dois poderes (Executivo e Legislativo) nas mãos da mesma pessoa. Mas, no fim das contas alguém precisava ser presidente do Congresso, e havia presidente de duas casas e apenas um poderia ser o indicado. Uma pergunta muito mais importante, contudo, é por que o presidente da Câmara não é o vice 67
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Para Entender Direito do Congresso? A razão é simples: se ele fosse, ele estaria abaixo do presidente do Senado. E, aí sim, teríamos um problema sério, pois as duas casas estão, ao menos em teoria, no mesmo nível.
1.4.4 – Comissões parlamentares As leis, teoricamente, são votadas no plenário (isto é, na assembléia onde se sentam todos os membros da casa). Seja da Câmara, seja do Senado. Mas isso não quer dizer que todo o trabalho das casas se resuma aos trabalhos do plenário. Uma boa parte dos trabalhos dos parlamentares é feita nas chamadas comissões, que são grupos menores formados por eles para discutirem assuntos correlatos. A função principal das comissões é se especializarem em determinados assuntos para conseguirem estudá-los e analisá-los a fundo, auxiliando as casas a desempenharem melhor suas funções. Para isso, elas podem realizar audiências públicas, convocar ministros, solicitar depoimentos etc. De acordo com a Constituição, as comissões podem até mesmo discutir e votar projeto de lei que dispensar a competência do Plenário.
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Existem comissões da câmara (composta apenas por deputados federais), do Senado (compostas apenas por senadores) e mistas (compostas por senadores e deputados). Além disso, elas podem ser permanentes ou temporárias. As permanentes, o nome já diz, são aqueles que se estendem ao longo do tempo. São elas: Comissão Diretora (os 7 membros da mesa) CMO - Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (31 Congresso
deputados + 11 senadores) Além dessas duas comissões, até que haja uma eleição direta, uma comissão do Congresso representará os eleitores no Parlasul, o parlamento do Mercosul Comissão Diretora (os 7 membros da mesa) CAE – Comissão de Assuntos Econômicos (27 senadores); CAS – Comissão de Assuntos Sociais (21 senadores); CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (23 senadores); CE – Comissão de Educação, Cultura e Esporte (27 senadores); CMA – Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e
Senado
Controle (17 senadores); CDH – Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (19 senadores); CRE – Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (19 senadores); CI – Comissão de Serviços de Infra-Estrutura (23 senadores); CDR – Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (17 senadores); CRA – Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (17 senadores);
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Se, no mínimo, um décimo dos membros da casa requisitar que a matéria seja discutida e votada no plenário, a comissão não poderá votar em seu lugar. 68
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Para Entender Direito CCT – Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (17 senadores). Comissão Diretora (os 7 membros da mesa) CAPADR
–
Comissão
de
Agricultura,
Pecuária,
Abastecimento
e
Desenvolvimento Rural (40 deputados); CAINDR – Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional (20 deputados); CCTCI – Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (40 deputados); CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (61 deputados); CDC – Comissão de Defesa do Consumidor (21 deputados); CDEIC – Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (18 deputados); CDU – Comissão de Desenvolvimento Urbano (18 deputados); CDHM – Comissão de Direitos Humanos e Minorias (18 deputados); CEC – Comissão de Educação e Cultura (32 deputados); Câmara
CFT – Comissão de Finanças e Tributação (33 deputados); CFFC – Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (20 deputados); CLP – Comissão de Legislação Participativa (18 deputados); CMADS – Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (18 deputados); CME – Comissão de Minas e Energia (30 deputados); CREDN – Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (30 deputados); CSPCCO – Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (18 deputados); CSSF – Comissão de Seguridade Social e Família (33 deputados); CTASP – Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (25 deputados); CTD – Comissão de Turismo e Desporto (19 deputados); CVT – Comissão de Viação e Transportes (30 deputados).
Já as comissões temporárias são aquelas criadas para existirem por um período determinado, no qual devem resolver uma questão específica. Elas se dividem em três tipos: internas, externas e parlamentares de inquérito (as CPIs). As comissões temporárias internas são previstas nos regimentos internos. Já as comissões temporárias externas são destinadas a representar a casa em congressos, solenidades e outros atos públicos. As CPIs são comissões temporárias com características singulares: elas têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Elas podem ser criadas pela Câmara ou pelo Senado, 69
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Para Entender Direito separadamente ou em conjunto (também chamadas de CPMIs, o “M” significando “mista”, ou seja, composta por senadores e deputados), mediante requerimento de um terço de seus membros. Elas servem para apurar um fato determinado e têm prazo certo para concluir seus trabalhos, não podendo se alongar indefinidamente no tempo. Por fato determinado se entende a investigação de um fato que seja específico, ainda que seja longo ou abrangente, ou seja um conjunto de fatos específicos relacionados uns aos outros. Apenas quando esses fatos ou seus indícios existirem é que cabe a criação da CPI. O relatório final de uma CPI é encaminhado ao Ministério Público, para que ele promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores, se houver ou for o caso. Assim como no caso das mesas, tenta-se compor uma comissão com representantes na proporção da participação de cada partido na casa à qual ela pertence.
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Os membros das comissões
são designados pelo presidente da mesa, por indicação escrita dos líderes de cada partido. O lugar na comissão pertence ao partido (ou bloco parlamentar), competindo ao seu líder pedir a substituição de um membro (titular ou suplente) por ele indicado, sempre que ele achar necessário ou desejável.
a) Conselho de Ética Os conselhos de ética das duas casas não são comissões, mas funcionam de uma forma mais ou menos parecida, mas com a responsabilida de investigar o comportamento dos membros da respectiva casa. Ou seja, são esses conselhos que investigam se o parlamentar agiu com ‘decoro’. Vamos falar do Conselho de Ética do Senado, mas o funcionamento do Conselho de Ética da Câmara é muito parecido. O Conselho é composto por 15 senadores titulares (além de 15 suplentes), cada um com mandato de 2 anos e indicados por seus partidos, na proporção da representação dos partidos no Senado. A quebra do decoro parlamentar pode levar a 5 penas distintas: a advertência, a censura verbal ou escrita, a perda temporária do exercício do mandato a perda permanente do mandato. A lista do que consiste quebra de decoro parlamentar é longa: 1. Assinar ou manter contrato com o governo, autarquias, empresas públicas, de economia mista ou concessionárias de serviço público a partir da expedição do diploma de parlamentar, exceto quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes, ou aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado nessas entidades (o mesmo vale para seu cônjuge/companheiro e pessoas jurídicas que ele controle direta ou indiretamente); 2. Ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com o governo, autarquias, empresas públicas, de economia mista ou nela exercer função remunerada, nela ocupar cargo ou função, ou patrocinar causas nas quais essas entidades
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Cada senador pode integrar, no máximo, três comissões como titular e três como suplente (exceto os membros da mesa, que não podem participar de outra comissão), enquanto cada deputado pode integrar apenas uma comissão e ser suplente em outra. 70
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Para Entender Direito tenham interesses, a partir do dia de sua posse (o mesmo vale para seu cônjuge/companheiro e pessoas jurídicas que ele controle direta ou indiretamente); 3. Ser titular de mais de um cargo ou mandato público eletivo; 4. Celebrar contrato com instituição financeira controlada pelo poder público (o mesmo vale para seu cônjuge/companheiro e pessoas jurídicas que ele controle direta ou indiretamente); 5. Dirigir ou gerir empresas, órgãos e meios de comunicação (exceto jornais, editoras de livros e similares); 6. Praticar abuso do poder econômico no processo eleitoral; 7. Abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (como o abuso da inviolabilidade civil e penal por suas opiniões); 8. O recebimento de vantagens indevidas (como doações); 9. Praticar irregularidades graves (como a atribuição de dotação orçamentária a entidades ou instituições das quais ele, seu cônjuge/companheiro ou parente até terceiro grau, ou empresas que controle direta ou indiretamente, participe; ou a criação ou autorização de encargos em termos que possam resultar em aplicação indevida de recursos públicos). 10. Deixar de comparecer a um terço das sessões ordinárias (exceto se em licença ou missão por esta autorizada); 11. Perder ou tiver suspensos os direitos políticos; 12. Sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado; 13. Perder o mandato por decisão da Justiça Eleitoral. As duas punições mais graves são a suspensão temporária do mandato e sua perda. A perda temporária do exercício do mandato é decidida em plenário, em votação secreta e por maioria simples. Já a perda do mandato é decidida também em votação secreta no plenário, mas por maioria absoluta de votos. Isso significa, na prática, que um senador pode ter o mandato suspenso com apenas 21 votos (número mínimo para a aprovação por maioria simples), mas a perda depende de, no mínimo, 41 votos (número mínimo para a aprovação por maioria absoluta). O gráfico abaixo faz um resumo de como corre o processo:
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Para Entender Direito
Alguns detalhes importantes: Iniciado o processo disciplinar, o Conselho pode proceder às diligências e à instrução probatória que entender necessárias, assim como as requeridas pelo suspeito, pelo representado ou denunciado e pelo relator e pelos demais membros do Conselho. Nesse sentido, ele é muito parecido com um processo judicial. O Conselho também pode convocar o suspeito para prestar depoimento pessoal. Quando se ouvem testemunhas, as testemunhas arroladas por quem representou contra o suspeito são ouvidas primeiro, seguidas pelas convocadas por iniciativa do Conselho e, por último, as arroladas pelo suspeito. Ao contrário do suspeito (que não tem obrigação de produzir provas contra si mesmo), as testemunhas prestam compromisso de dizer a verdade e falam somente sobre o que lhe for perguntado (ou seja, elas não podem trazer discursos já redigidos. Cada testemunha é ouvida primeiro pelo relator (se ele quiser, claro) e depois pelo suspeito ou seu advogado. Em seguida, cada senador, de acordo com a lista de inscrição, tem direito a fazer perguntas por 10 minutos. Um detalhe importante aqui: senadores que não fazem parte do Conselho de Ética também podem fazer perguntas. A única diferença é que eles fazem suas perguntas depois dos senadores que fazem parte do Conselho.
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Para Entender Direito O relator pode voltar a ouvir a testemunha a qualquer momento durante o depoimento, e durante o depoimento, apenas o relator e o presidente da Comissão podem interromper a testemunha. Além disso, seu advogado (se houver), não pode auxilia-la em seu depoimento. Repare, por fim, que a votação na Comissão é nominal (aberta), enquanto a votação no plenário (onde a perda do mandato é de fato decidida) é secreta. 1.4.5 - Líderes Além dos líderes dos partidos
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e das próprias casas (os presidentes da Câmara, Senado e
Congresso), existem outros tipos de liderança dentro das casas.
a) Líder de bloco parlamentar Se vários partidos resolverem formar um bloco para atuarem conjuntamente, é eleito um líder do bloco parlamentar dentre os líderes dos partidos que o compõe.
b) Líder da maioria e da minoria Existem também os líderes da maioria e da minoria. A maioria é integrada pelo bloco parlamentar ou representação partidária que represente o grupo majoritário da casa. Uma vez formada a maioria, a minoria passa a ser aquela integrada pelo maior bloco parlamentar ou representação partidária que se opõe à maioria. A constituição da maioria e da minoria é comunicada à mesa pelos líderes dos blocos parlamentares ou das representações partidárias que as compõem. Os líderes da maioria e da minoria serão os líderes dos blocos parlamentares ou das representações partidárias que as compõem.
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c) Líder do governo O presidente da República pode indicar em cada uma das casas um parlamentar para exercer a função de líder do governo. Em outras palavras, ele expressa na casa os interesses do governo. O líder do governo poderá indicar vice-líderes dentre os integrantes das representações partidárias que apóiam o governo.
d) Voto simbólico e voto das lideranças Assim como as comissões podem votar e aprovar uma lei, existem outros dois casos em que uma lei pode ser votada e aprovada sem a participação ativa do plenário. No caso do voto simbólico, os membros que quiserem aprovar a matéria permanecem sentados, sem fazer nada. Apenas aqueles que querem rejeitá-la é que precisam tomar uma atitude: levantam-se. Uma espécie de “quem cala consente”. 24
A indicação dos líderes partidários é feita no início da primeira e da terceira sessões legislativas de cada legislatura, e comunicada à Mesa em documento subscrito pela maioria dos membros da respectiva bancada, podendo a mesma maioria substituí-los em qualquer oportunidade. 25 Na hipótese de nenhum bloco parlamentar alcançar maioria absoluta, assume as funções constitucionais e regimentais da maioria o líder do bloco parlamentar ou representação partidária que tiver o maior número de integrantes, e da minoria, o líder do bloco parlamentar ou representação partidária que se lhe seguir em número de integrantes e que se lhe opuser. 73
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Para Entender Direito Os líderes partidários (ou de bloco parlamentar) também podem votar em nome dos membros de seus partidos.
1.4.6 – Tribunais de contas Assim como existe um órgão apêndice no Executivo – o Ministério Público – existe também um órgão apêndice no Legislativo: o tribunal de contas. Na esfera federal, há o Tribunal de Contas da União (TCU). Na esfera estadual, os tribunais de contas dos estados. Já na esfera municipal, a história é mais delicada: a Constituição, em seu artigo 31, §4º, diz que “é vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais”. O que ela proíbe é a criação. Mas ela não manda desfazer os tribunais de contas municipais que já existiam, em 1988. E eles já existiam nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Por isso essas duas cidades puderam manter seus tribunais de contas municipais, enquanto os outros municípios não puderam (e não podem) criá-los. O TCU tem como função principal auxiliar o Congresso Nacional na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta (ou ente privado que utilize, arrecade, guarde ou administre dinheiros, bens ou valores públicos ou pelos quais a União responda). Suas duas principais funções são julgar as contas apresentadas pelos administradores das entidades mencionadas acima, e emitir parecer sobre as contas apresentadas pelo presidente da República. Quem julga as contas apresentadas pelo presidente da República é o Congresso Nacional, por isso não cabe ao TCU efetivamente aprová-las ou desaprová-las, mas apenas orientar o Congresso. O cargo máximo do TCU é ocupado pelos ministros do tribunal de contas. Eles são auxiliados por auditores do tribunal de contas. Os auditores são servidores concursados, enquanto os nove 26
ministros são nomeados da seguinte forma :
•
aprovação pelo Senado;
Presidente da Republica
1 dentre auditores do TCU indicados em lista tríplice elaborado pelo TCU, apos
•
1 dentre membros do MPF com atuação junto ao TCU indicados em lista tríplice elaborada pelo TCU, apos aprovação pelo Senado
•
1 de livre nomeação do Presidente da Republica, apos aprovação pelo Senado
•
6 de livre nomeação pelo Congresso Nacional
Congresso Nacional
Assim como os membros dos tribunais superiores do Judiciário, os ministros do TCU, depois de nomeados, adquirem o que se chama de “vitaliciedade”, ou seja, permanecem no cargo até se
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Existem alguns requisitos para que alguém possa ser nomeado para o cargo de ministro do TCU: os nomeados devem ter entre 35 e 65 anos, serem brasileiros e devem possuir notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública e devem ter mais de dez anos de exercício da atividade profissional que exija estes conhecimentos. 74
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Para Entender Direito aposentarem ou até pedirem sua própria saída, não podendo ser exonerados. Isto porque, embora o presidente possa nomear, ele não pode exonerar. Já os tribunais de contas estaduais são compostos por sete conselheiros. Cabe a eles julgar as contas daqueles que administram dinheiro público do Estado e emitir parecer a respeito das contas apresentadas pelo governador. Os TCEs também são responsáveis por julgar as contas dos municípios situados em seus respectivos estados, (a exceção fica por conta dos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro, onde os tribunais de contas municipais julgam as contas municipais e emitem parecer a respeito das contas apresentadas pelo prefeito, que são julgadas pela Câmara de Vereadores). 1.5 – Controle mútuo entre os poderes Embora os três poderes sejam independentes, eles não podem fazer o que bem entenderem. Eles estão sempre sendo observados pelos outros dois poderes. Vimos, por exemplo, que os poderes estão sempre julgando, nomeando membros, emitindo pareceres e executando dezenas de outras atividades que de uma forma ou de outra afeta diretamente os demais poderes. Isso não é uma coincidência. Existe para impedir que um poder se imponha aos demais e acabe resultado em uma ditadura. Se nos lembrarmos de nossa história, veremos que todas as vezes que tivemos uma ditadura, ela foi marcada pela imposição de um dos poderes – normalmente o Executivo – sobre os demais. Para evitar isso, as democracias desenvolveram o que é comumente conhecido como “sistema de freios e contrapesos” e juridicamente conhecido como sistema de controle mútuo entre os poderes. A tabela abaixo mostra algumas das diversas formas como esse processo ocorre no Brasil: Poder Executivo
Poder Legislativo •
Aprovação do orçamento e das
Poder Judiciário •
constitucionalidad
contas anuais; •
e das lei e
Aprovação do
normas por meio
presidente do
de Adin’s e
Bacen e
Poder Executivo
embaixadores; •
Aprovar a
ADC’s •
e autorizar o
Executivo •
Poder Legislativo •
Sanção e veto
Anulação de atos do Exec
estado de sítio •
Julgamento de membros do
intervenção e o estado de defesa,
Controle de
•
Controle de
das leis;
constitucionalidad
Iniciar o processo
e de lei (Adin e
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Para Entender Direito de leis sobre
ADC);
vários assuntos; •
•
•
Julgamento de
Propor emenda
membros do
constitucional
Legislativo
Nomear ministros do TCU •
•
• Poder Judiciário
•
Aprovar ministros
Nomeação de
do STF e
ministros do STF
tribunais
e tribunais
superiores;
superiores •
do STF;
Concessão de graça e indulto;
Julgar membros
•
contas
Nomear juízes dos TREs
Fiscalização das
•
Concessão de anistia
O grande desafio de todas as democracias é fazer com que, ao mesmo tempo em que os poderes consigam controlar uns aos outros de forma apropriada, o Estado consiga ser eficiente e atingir seus objetivos, sem gastar a maior parte de seus recursos e tempo no controle interno entre os poderes, e ao mesmo tempo manter a independência necessária de cada poder e cada instituição dentro de cada poder.
27
1.6 – Intervenções, estados de defesa e de sítio, situação de emergência e estado de calamidade pública Além da autonomia entre os poderes, existe também a autonomia entre as esferas de poder. Cada uma das três esferas – federal, estadual/distrital e municipal – tem suas funções determinadas e não deve interferir na esfera de atuação da outra, respeitando-se, assim, o princípio do federalismo, que significa justamente essa separação das esferas de poder. Mas, da mesma forma que há exceções à regra de autonomia entre os poderes, também existem exceções à regra de autonomia entre as esferas de poder. Além da aprovação das contas das prefeituras pelos tribunais de contas estaduais, que vimos acima, e da repartição das receitas tributárias (que veremos no capítulo 7) existem três outras hipóteses importantes em que a União (e às vezes o Estado) vai além de seus direitos ordinários: as intervenções (federais e estaduais), o estado de sítio e o estado de defesa. Embora a situação de emergência e o estado de calamidade pública não sejam formas de 27
Termos como anistia, graça e indulto, que ainda não foram vistos, serão estudados mais adiante. 76
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Para Entender Direito interferência nessas autonomias, nós também os veremos nesta seção porque são comumente confundidos com essas três formas de interferência.
1.6.1 – Intervenção Na intervenção federal, a União intervém no Estado para reparar uma ameaça contra sua estrutura. Essa ameaça, via de regra, é causada pelo próprio Estado ou alguma de suas instituições, ou por outro Estado ou país. Os casos de intervenção são, todos, estabelecidos na própria Constituição. São eles: •
Manter a integridade nacional (impedindo, por exemplo, que um Estado declare sua independência);
•
Repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da federação em outra;
•
Pôr fim a um grave comprometimento da ordem pública (por exemplo, se a PM resolve se revoltar contra o governador);
•
Garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da federação (por exemplo, quando um governador fecha a assembléia legislativa);
•
Reorganizar as finanças da unidade da federação que suspende o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, ou deixa de entregar aos municípios receitas tributárias fixadas a Constituição;
•
Prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; e
•
Assegurar a observância da forma republicana, sistema representativo e regime democrático, dos direitos da pessoa humana, da autonomia municipal, da prestação de contas da administração pública, direta e indireta, e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
A intervenção deve ser requisita ao presidente da República que, depois de declará-la, tem um prazo de 24 horas para submeter o decreto ao Congresso Nacional, que pode aceitá-lo ou não. A intervenção só abrange as áreas afetadas ou as necessárias para que a ordem seja restaurada. Se, por exemplo, o problema está sendo causado pela secretaria da fazenda do Estado, que não repassa os recursos para os municípios, não há porque o presidente da República fazer com que a intervenção abranja as secretarias de educação, saúde ou segurança. A intervenção dura o tempo necessário para que a ordem seja restaurada. As mesmas regras valem para intervenção estadual no município. O que difere são as hipóteses. Um município só pode sofrer intervenção quando deixar de pagar, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; não efetuar a prestação de contas; não tiver aplicado o mínimo exigido da receita municipal em educação e saúde; e se o tribunal de justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na constituição estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
1.6.2 – Estado de defesa 77
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Para Entender Direito Já a decretação de estado de defesa – que só pode ser feita pelo presidente da República – ocorre quando há a necessidade de preservar ou restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza, em locais restritos e determinados. É importante notar estes dois últimos requisitos: locais restritos e determinados. Em outras palavras, não pode ser um problema que cubra uma vasta área geográfica, e esta área restrita ser determinada. Durante o estado de defesa, o presidente pode restringir os direitos de reunião entre indivíduos, o direito ao sigilo de correspondência, de comunicação telegráfica ou telefônica. Além disso, pode haver a ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos pela União. O decreto que estabelecer o estado de defesa deve ser submetido pelo presidente ao Congresso Nacional em até 24 horas depois que for decretado. Aprovada a decretação, o estado de defesa só pode durar 30 dias, prorrogável por mais 30. Se, transcorridos estes 60 dias o problema não for resolvido, o presidente deverá decretar o estado de sítio.
1.6.3 – Estado de sítio O Estado de sítio é a forma mais grave de reação do poder central. Ele só pode ser decretado em três hipóteses: quando o estado de defesa não funcionar, quando houver comoção grave de repercussão nacional, e quando o país entrar em estado de guerra ou sofrer agressão estrangeira. A última hipótese é auto-explicativa, e a primeira é a conversão do estado de defesa em estado de sítio. Já a segunda é uma ampliação do conceito usado para definir o estado de defesa: enquanto o estado de defesa é para uma área restrita e determinada, o estado de sítio é para uma comoção de repercussão nacional, afetando todo o país. O decreto que autorizar a decretação do estado de sitio poderá obrigar as pessoas a permanecerem em localidade determinada, ou detidas em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns, autorizar a quebra do sigilo de correspondência, das comunicações, restringir a prestação de informações, a liberdade de imprensa, de radiodifusão e de televisão, suspender a liberdade de reunião, autorizar a busca e apreensão em domicílio, autorizar a intervenção nas empresas de serviços públicos e a requisição de bens. Nos casos de estado de sítio decretado por causa de guerra, outros direitos poderão ser atingidos. Diferentemente do estado de defesa e da intervenção, onde o presidente primeiro decreta e depois submete o decreto ao Congresso Nacional, no estado de sítio, por envolver maiores restrições de direitos e um grau maior de interferência nas instituições democráticas, o presidente só pode decretá-lo
depois que o Congresso Nacional autorizar. O estado de sítio, com exceção de quando declarado por causa de guerra, só pode durar 30 dias (prorrogáveis por outros 30). Já no caso de guerra, ele poderá perdurar enquanto houver a guerra ou seu risco iminente. Por fim, é interessante notar que, enquanto na intervenção as interferências ocorrem nas demais esferas de poder, no estado de defesa e de sitio a interferência abrange especialmente os direitos dos 78
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Para Entender Direito indivíduos e da sociedade. Intervenção
Estado de defesa
Estado de sítio
1. Manter a integridade nacional e repelir invasão estrangeira ou de uma UF por outra; 2. Pôr termo a comprometimento da ordem pública; 3. Garantir o exercício dos Em
Poderes;
quais
4. Reorganizar as finanças da
casos?
UF; 5. Prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; 6. Assegurar a observância dos principais princípios
1. Comoção grave de Preservar ou restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza
constitucionais
repercussão nacional 2. Ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa 3. Declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira
7. Assegurar os direitos humanos
Quem?
Presidente da República ou o
Presidente da
governador, a pedido, devendo
República, devendo
Presidente da
submeter justificativa ao CN ou
submeter justificativa
República após a
à Assembléia Legislativa até
ao CN até 24h após a
autorização do
24h após a decretação da
decretação do Estado
Congresso Nacional
intervenção
de defesa Nos casos 1 e 2, por
Quanto
Enquanto perdurar a anomalia
tempo?
institucional
30 dias + 30 dias 30 dias + 30 dias
No terceiro caso, pelo tempo que durar a agressão
1.6.4 - Situação de emergência e estado de calamidade pública Já a situação de emergência e o estado de calamidade pública são decretados pelos Estados e municípios quando há situações anormais causadas por desastres. São considerados desastres os eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre 79
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Para Entender Direito um ecossistema, causando danos humanos, materiais ou ambientais, e consequentes prejuízos econômicos e sociais. Eles se diferem porque, enquanto a situação de emergência é decretada quando os danos são menores, o estado de calamidade pública é mais grave. Na situação de emergência, há uma situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido. Já no estado de calamidade pública, há uma situação anormal que causam danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido. Os critérios específicos para a decretação são estabelecidos pelo Conpdec – Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil. A definição se será um estado de calamidade pública, uma situação de emergência ou apenas uma situação anormal dependerá, portanto, de uma avaliação se o governo da área afetada (município ou estado) está apenas parcial ou substancialmente incapacitado de enfrentar aquele desastre, e essa avaliação é feita pelo governo afetado. Eles podem ser decretados pelo governador ou prefeito (lembrando: se a tragédia é tão grave e vasta que é preciso a interferência do presidente da República, ele ele decreta o estado de defesa ou mesmo de sítio). Se a decretação for feita pelo prefeito, ela deverá ser homologada pelo governador do Estado em que estiver localizado o município. Em qualquer caso, o decreto permanece válido até que cesse a emergência ou calamidade que o ocasionou. Vale também lembrar que, via de regra, esses decretos são decorrentes de situações súbitas. Raramente são aplicáveis a casos em que a situação vai se agravando aos poucos. Quando a decretação da situação de emergência ou estado de calamidade pública é aceita pelo governo federal, o Ministério da Integração Nacional repassa verbas de um fundo chamado Funcap (Fundo Especial para Calamidades Públicas) ao governo do estado ou cidade afetada. E o que é esse Fundo? Ele é um fundo utilizado apenas para estas situações extraordinárias e ao qual só tem direito quem para com ele contribuiu. Ou seja, os estados e municípios só terão direito a verbas desse fundo se, primeiro, fizeram contribuições para com ele. E eles terão direito ao valor proporcional à sua contribuição. Mas então qual é a vantagem? Por que o governador ou prefeito simplementes não mantem esse montante em alguma conta bancária própria do município e o gere como bem quiser, sem precisar pedir autorização do governo federal? A razão é que a União também contribui para com esse Fundo, na razão de três para um. Para cada um real depositado por uma cidade ou estado no Fundo, a União deposita outros três reais em nome daquela cidade ou estado. Assim, quando um prefeito declarar uma situação de emergência, ele terá direito a retirar não só o dinheiro depositado por sua cidade, mas também a contribuição da União feita em nome daquele município. Se a prefeitura depositou R$10, ela terá direito a uma quota de R$40 (seus R$10 mais os R$30 da União depositados em seu nome). Durante esses períodos, o governo também pode doar alimentos (in natura ou industrializados) às populações afetadas. E se, depois de repassado o dinheiro, a União descobrir que não se tratava de uma situação de emergência ou estado de calamidade? Nesse caso quem recebeu deverá restitutir o dinheiro ao Fundo 80
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Para Entender Direito (além de ter de responder civil e criminalmente pela mentira, se for o caso). Situação de emergência
Em que casos?
Quem? Quanto tempo?
Estado de calamidade pública
Situação anormal, provocada por
Situação anormal, provocada por desastres,
desastres, causando danos e prejuízos
causando danos e prejuízos que impliquem o
que impliquem o comprometimento
comprometimento substancial da
parcial da capacidade de resposta do
capacidade de resposta do poder público do
poder público do ente atingido.
ente atingido.
Governador ou prefeito.
Governador ou prefeito.
No caso de ser decretada por prefeito,
No caso de ser decretado por prefeito,
deverá ser homologada pelo governador
deverá ser homologado pelo governador
Enquanto perdurar a emergência
Enquanto perdurar a calamidade
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Para Entender Direito
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Para Entender Direito Capítulo 2 – Processo legislativo Até agora vimos como o Estado está estruturado. Neste capítulo veremos como as normas que o regem, assim como nos regem, são elaboradas. 2.1. - Hierarquia de normas
2.1.1 - Constituição A norma máxima, no Brasil, é a Constituição Federal. Acima dela, não existe mais nada. Ao lado dela, não existe mais nada. Todos são obrigados a respeitá-la. Seja o Estado, seja o indivíduo, seja o estrangeiro visitando ou morando no Brasil, sejam as empresas, sejam as cortes de outros países que precisem aplicar suas decisões envolvendo pessoas ou empresas que estejam no Brasil. A Constituição brasileira é soberana no território brasileiro. A história constitucional brasileira é cheia de solavancos, para dizer o mínimo. Como vimos no capítulo 1, o propósito de uma constituição é agrupar os valores essenciais de uma sociedade. Aqueles valores que tendem a permanecer ao longo das décadas e mesmo séculos. Mas não é bem assim que acontece no Brasil. Desde nossa independência, já tivemos oito constituições, sendo que apenas a metade delas foi democrática (elaboradas por constituintes escolhidos pelos cidadãos).
28
Dos 180 anos
de história constitucional brasileira, 97 foram regidos por constituições outorgadas (não democráticas; feitas sem a consulta à sociedade). 29
1824
Outorgada
1891
Promulgada
1934
Promulgada
1937
Outorgada
1946
Promulgada
1967
Outorgada
(1969
Outorgada)
1988
Promulgada
30
Mais ou menos nesse mesmo período, o Código Comercial não mudou (o atual Código Comercial brasileiro é de 1850) e o Código Civil mudou duas vezes (1916 e 2003). É bom lembrar que o 28
Estou incluindo a constituição de 1891 como democrática. Vale lembrar que foi essa constituição que acabou com o voto censitário (aquele em que apenas os indivíduos que possuem renda acima de determinado valor podem votar), mas segmentos importantes como mulheres, religiosos, analfabetos e soldados ainda não podiam votar. Além disso, o voto não era secreto. O eleitor tinha que declarar publicamente seu voto. Com tantas restrições, estima-se que menos de 1% da população podia votar. 29 Uma constituição outorgada significa uma constituição imposta (“dada pelo governante ao povo”), enquanto uma constituição promulgada significa uma constituição democrática, feita por uma assembléia constituinte democraticamente eleita. Em outras palavras, “ordenada pelo povo”. 30 o Em 1969 não houve propriamente uma nova Constituição, mas o AI-5 (Ato Institucional n 5) mudou de tal forma a constituição anterior – de 1967 – que a maioria da doutrina brasileira considera como se houvesse sido outorgada uma nova constituição. 83
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Para Entender Direito Código Comercial foi elaborado em uma época pré-internet, pré-aviação, pré-automóvel, pré-rádio, prételefone, pré-eletricidade pública e o telégrafo tinha apenas 13 anos, enquanto o selo postal tinha sido inventado havia meros 10 anos! Quando foi elaborado, o Brasil ainda possuía um regime escravista e um imperador. E o Código Civil de 1916, que valeu até janeiro de 2003, foi elaborado em uma época em que ainda era aceitável o regime de casamento dotal, não havia divórcio, e o marido podia pedir a anulação 31
do casamento se descobrisse que a mulher não era virgem quando casou.
Em outras palavras, leis que
deveriam ir se adaptando com frequência, não o fazem, enquanto a Constituição, que deveria ser um ancoradouro estável, é refeita, em média, a cada vinte e dois anos. A atual, de 1988, embora seja contada ainda como uma única, já sofreu – até o momento – 66 emendas. Uma média de três modificações por ano, quase sempre em áreas cruciais como nacionalidade, tributos, previdência, relações de família, estrutura dos poderes e normas eleitorais.
2.1.2 – Emendas constitucionais As emendas constitucionais são modificações feitas no próprio texto da Constituição. Como a modificação ocorre no texto, a emenda passa, automaticamente, a fazer parte da Constituição. Em outras palavras, ela passa a ser parte da Constituição, e não guarda qualquer diferença. Isso ocorre porque o constituinte originário, ou seja, aquele que escreveu o texto originário em 1988, sabia que alguns aspectos de seu texto poderiam precisar ser modificados ao longo dos anos. Para evitar que a sociedade tivesse que convocar uma nova assembléia constituinte todas as vezes que uma modificação fosse feita, ou simplesmente que o país parasse porque não era possível modificar a lei 31
Por mais incrível que pareça, é isso mesmo. É o que dizia o art 178, §1º do Código Civil de 1916: “Art. 178. Prescreve: § 1º Em dez dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o matrimônio contraído com mulher já deflorada “ 84
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Para Entender Direito máxima, ele decidiu colocar a possibilidade da modificação e o processo pelo qual essa modificação acontece. O que não se poderia esperar é que ela fosse modificada tantas vezes em tão pouco tempo.
a) Cláusula pétrea explícita Mas não é qualquer modificação que pode ser feita. Existem as chamadas cláusulas pétreas. Essas são cláusulas que não podem ser modificadas. Em outras palavras, são partes da Constituição que não podem ser alteradas, ainda que se cumpram todos os requisitos necessários para se elaborar uma emenda. Existem dois tipos de cláusula pétrea: as explicitas e as implícitas. As explícitas são aquelas que estão expressas no próprio corpo da Constituição. Elas se encontram no art. 60, § 4º: “§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.” Assim, se um político resolve dizer que irá propor uma emenda constitucional que institua a prisão perpétua no Brasil, ele estará falando uma tremenda bobagem. Isso porque entre os direito e garantias individuais estabelecidos pela Constituição, existe um no art. 5º, XLVII, que diz que não é possível a prisão perpétua. Como tudo que está no art. 5º é um direito e garantia individual, é impossível emendar a Constituição para que tenhamos pena de prisão perpétua.
b) Cláusulas pétreas implícitas Mas existem outras cláusulas pétreas: as implícitas. Vamos supor que nosso político seja um rapaz esperto e resolva modificar o próprio art. 60, §4º que, como vimos, é onde a Constituição estabelece as cláusulas pétreas explícitas. Ele pensa: “ora, se eu modificar o artigo que proíbe as modificações, eu vou poder modificar a Constituição como bem entender”. Para evitar esse tipo de espertinho, a doutrina reconhece as cláusulas pétreas implícitas, que são aquelas cláusulas da Constituição que não podem ser alteradas, embora não haja nenhuma regra falando isso claramente. O §4º do art. 60 – que acabamos de ver – é o exemplo clássico. Embora ele não proíba a sua própria modificação, se ela fosse permitida, poderiam ocorrer modificações em outras partes que o constituinte originário não quis que fossem modificáveis. Tão logo as emendas constitucionais são promulgadas, elas passam a fazer parte do texto da própria Constituição. Abaixo da Constituição (e suas emendas) ficam as chamadas normas infraconstitucionais. As normas infraconstitucionais existem porque o constituinte sabia que na constituição devem ficar apenas as regras gerais das questões fundamentais. A Constituição, por exemplo, diz quais são os impostos que 85
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Para Entender Direito a União pode cobrar, mas não se perde em detalhes dizendo quando e como essa cobrança ocorrerá. Da mesma forma, ela diz que pode ocorrer a desapropriação por reforma agrária, mas ela não diz como e quando essa desapropriação ocorrerá. Essas regras ficam para as normas abaixo da Constituição, por isso chamadas de infraconstitucionais. Como a existência dessas normas, em última instância, depende da autorização da Constituição para que existam, elas não podem ir contra aquilo que a Constituição estabelece. Assim, voltando ao exemplo da prisão perpétua, nosso político espertinho não pode, em vez de propor uma emenda constitucional, propor um projeto de lei que estabeleça penas de prisão perpétua porque o texto infraconstitucional não pode ferir (ir contra) o texto que autoriza sua própria existência. Se ele o fizer, esse projeto será inconstitucional, que veremos a seguir. Para encerrar a parte de emendas constitucionais: o §3º do art. 5º da Constituição Federal, acrescentado em 2004 pela Emenda Constitucional 45, trouxe uma grande inovação. Diz ele que “os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Em outras palavras, a Constituição elevou ao nível de norma constitucional tratados e convenções internacionais que porventura obtenham o quorum necessário para aprovar uma emenda constitucional.
2.1.3 - Leis complementares As leis complementares, como o nome diz, complementam alguma coisa que ficou “faltando” na Constituição. O constituinte decidiu deixar para uma norma infraconstitucional as regras específicas sobre um tema que a Constituição começou a tratar, mas que não quis entrar em mais detalhes. Como o constituinte originário achou que esse era um tema mais delicado, estabeleceu um quorum mais alto para a votação das leis complementares do que para as leis ordinárias (veremos os quoruns na próxima seção deste capítulo). É muito fácil saber quando um assunto deverá ser objeto de lei complementar: a própria Constituição diz explicitamente. Vejamos alguns exemplos: “Art. 14, § 9º - Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação (...)” “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura” “Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.” Art. 142, § 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.”
86
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Para Entender Direito
2.1.4 – Leis ordinárias Já as leis ordinárias constituem a vasta maioria das leis. O próprio nome já diz tudo: são as leis comuns, que não possuem qualquer requisito ou característica especial. Sempre que a Constituição fala apenas em “lei”, ela está se referindo às leis ordinárias. Por exemplo: “Art. 5º, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;” “Art. 5º, XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;” “Art. 33, § 4º - Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar.” “Art. 37, IX - A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”
2.1.5 – Lei delegada Como vimos no capítulo 1, apenas o Legislativo pode elaborar leis. Mas a Constituição prevê uma situação especial na qual o presidente da República pode elaborar uma lei, e depois o Legislativo pode, se for o caso, apenas aprová-la por inteiro ou rejeitá-la por inteiro, mas não pode modificá-la. São as chamadas leis delegadas. Funciona assim: o presidente da República encaminha ao Congresso a solicitação de autorização para elaborar uma lei delegada. O Congresso Nacional, por meio de uma resolução, delega (por isso do nome) ao presidente o direito de elaborar a lei que ele pediu para elaborar. A resolução estabelece o conteúdo, isto é, sobre o que deve ser a lei, e os termos do exercício da delegação dada ao presidente. Essa mesma resolução poderá (ou não) estabelecer que, depois de elaborada a lei, o presidente deve submetê-la ao Congresso para sua aprovação ou rejeição. Essa apreciação acontece em uma votação única, e a lei não pode ser modificada. Se o Congresso não concordar com o que o presidente escreveu, ele rejeita todo o conteúdo e não apenas parte dele. Mas o presidente não pode pedir para elaborar lei delegada sobre qualquer tema. Aquilo que a Constituição estabelece como sendo objeto de lei complementar não pode ser objeto de lei delegada, bem como não podem os temas que forem objetos de resolução ou decreto do Congresso ou de suas casas. Em outras palavras, apenas aquilo que é objeto de lei ordinária pode ser objeto de lei delegada. 87
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Para Entender Direito Além disso, mesmo entre as matérias que são temas de leis ordinárias, não é qualquer matéria que pode ser delegada ao presidente da República. Não podem ser delegadas aquelas que são competência exclusiva do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, nem matéria sobre a organização do poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros, a nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais, ou relativas ao orçamento. Mesmo com todas essas restrições, ainda sobram muitas matérias que podem se objeto de lei delegada, pois, como vimos, a grande maioria das normas podem ser objeto de leis ordinárias. Então, por que não vemos leis delegadas sendo promulgadas? Apenas duas foram promulgadas desde 1988! A resposta é simples: por causa das medidas provisórias.
2.1.6 – Medidas provisórias e decretos-leis Antes de 1988, havia no Brasil um instrumento chamado decreto-lei. Funcionava basicamente assim: o presidente editava um decreto que, se não fosse rejeitado em 60 dias pelo Congresso Nacional, se convertia automaticamente em lei. Em um período em que o Congresso era constantemente fechado ou, mesmo quando aberto, a maioria dos representantes era aliada do Executivo e os que se aventuravam a uma oposição muitas vezes sofriam coações, não é difícil imaginar quantas das leis surgiram por meio dos decretos-leis. E para complicar a situação, o Congresso Nacional podia apenas rejeitar o decreto-lei ou aceitá-lo, mas não podia modificá-lo. Para não precisar ir muito longe, várias das principais normas que ainda regem o Brasil são decretos-leis, como o Código Penal, a Lei de Contravenções Penais e o Código de Processo Penal. Pois bem, em 1988, com a primeira Constituição democrática depois de várias décadas sob a força dos decretos-leis, os constituintes – dentre os quais muitos dos opositores do regime anterior – decidiram acabar com aquele instrumento. Mas, ao mesmo tempo, reconheceram que, mesmo em uma democracia, algumas vezes é necessário dar ao presidente da República o poder de editar uma medida para apenas depois debatê-la, devido à urgência e a relevância do problema. Acabaram indo buscar na Itália uma “solução” (a tradição jurídica brasileira é muito influenciada pela tradição italiana, não necessariamente pela qualidade, mas pela facilidade linguística e pelas influências acadêmica e cultural): a medida provisória. Ela funciona mais ou menos como o decreto-lei: quando há um assunto que seja, ao mesmo tempo, relevante (muito importante) e urgente (tem que ser resolvido imediatamente), o presidente da República tem o direito de editar uma medida que terá força de lei (mas que não é lei), e só então o Legislativo irá analisá-la. A diferença para o decreto-lei era que, transcorrido os trinta dias, se o Legislativo não a votasse, ela seria considerada rejeitada (enquanto no decreto-lei, ele seria considerado aprovado). Além disso, o Legislativo poderia modificá-la parcialmente. O que os constituintes não atentaram é para o fato de que, na Itália, o sistema é parlamentarista. Se um primeiro-ministro italiano não consegue fazer com que sua base política apóie uma medida que ele julga tão relevante e urgente que foi obrigado a ele mesmo editá-la, sua sustentação política se torna questionável, o que pode levar até a uma eventual queda do gabinete. Por isso, para evitar o risco político implícito, ele edita medidas provisórias com parcimônia, evitando se expor desnecessariamente. Já no Brasil, como o regime é presidencialista (e nossas instituições democráticas menos maduras), o 88
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Para Entender Direito presidente pouco ou nada sofre em termos de desgaste político se uma medida provisória não é apreciada a tempo. Baseado nisso, e na morosidade típica de nosso Legislativo, os presidentes pós1988 abusaram. Entre 1988 (ainda no governo Sarney) e 2001 (governo Fernando Henrique), ou seja, em menos de 14 anos, houve 6.667 medidas provisórias, entre edições e reedições. Eventos importantes na vida do país, como os planos Real e Collor, vieram à tona por meio de medidas provisórias. Como o Legislativo não votava em 30 dias, e como depois de uma norma com grande impacto (como um plano econômico que muda todo o sistema monetário) não dá para voltar à situação anterior sem um risco de colapso social, o Legislativo e o Judiciário, através de interpretações muito flexíveis, foram permitindo a reedição das medidas provisórias. Para se ter uma idéia, o Plano Real, que entrou na vida do país através de uma medida provisória, em junho de 1994, foi convertido em lei apenas um ano depois, em junho de 1995. Para voltar a ter as rédeas nas mãos e tentar acabar com o uso indiscriminado das medidas provisórias, em 2001 o Congresso Nacional modificou a Constituição, tentando estabelecer regras mais claras para sua reedição. As novas regras (válidas até hoje) estabeleceram que:
•
O prazo de validade de uma medida provisória foi aumentado de 30 para 60 dias, extensível por outros 60 dias.
32
•
É permitida uma única reedição da medida provisória (a extensão mencionada acima).
•
Se a medida provisória não for apreciada em até 45 dias depois de sua publicação, ela entra automaticamente em regime de urgência em cada uma das Casas do Congresso Nacional. Nestes casos, as casas não podem votar outras matérias até que a MP seja votada. É o que se chama normalmente de “trancamento da pauta”.
•
Não pode haver medidas provisórias que versem sobre nacionalidade, cidadania, direitos e partidos políticos, direito eleitoral, penal, processual penal e civil, organização do poder Judiciário e do Ministério Público (e a carreira e a garantia dos membros desses dois órgãos), questões orçamentárias, que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro, sobre assunto reservado a lei complementar, e sobre assunto já disciplinado em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do presidente da República.
Para concluir: medida provisória, por não ser oriunda do Legislativo, não é uma lei, e sim uma “medida com força de lei”. Da mesma forma, o termo correto para designar como ela é feita é “editar”. O presidente da República edita uma medida provisória. Ela só se torna lei quando, apreciada pelas casas do Congresso Nacional, ela é aprovada pela maioria simples em cada uma das duas casas.
32
Como se excluem desta contagem os períodos em que o Congresso Nacional está em recesso, normalmente uma MP fica em vigor mais de 120 dias corridos, ainda que não sejam convertidas. Isso porque entre 15 de fevereiro e 30 de junho e entre 1º de agosto e 15 de dezembro – que são os períodos em que o Congresso está ordinariamente em funcionamento – há apenas 136 dias. Em outras palavras, se uma MP é editada depois dos dias 02 de março ou 17 de agosto, e não for votada antes de o Congresso entrar em recesso, ela ficará em vigor por mais de 120 dias (exceto se houver convocação extraordinária). 89
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Para Entender Direito
2.1.7 – Decretos e resoluções do legislativo Existem ainda assuntos reservados ao Legislativo, seja ao Congresso Nacional, seja a uma de suas casas. Esses assuntos – assim como uma emenda constitucional – não passam pelo crivo da sanção do presidente da República. Isso pode ocorrer por duas razões: ou porque o assunto diz respeito apenas ao Legislativo, ou porque ele, de alguma forma, já interveio no assunto anteriormente. No primeiro caso, por exemplo, estão os regimentos internos da Câmara, do Senado e do Congresso. No segundo caso estão a resolução do Congresso que concede ao presidente o direito de elaborar lei delegada, a resolução do Senado que estabelece alíquotas máxima e mínima para o ICMS, o decreto do Congresso que regula as relações existentes durante a vigência de uma medida provisória que venha a ser rejeitada, e o decreto que incorpora acordos e tratados internacionais em nosso direito.
2.1.8 – Tratados e convenções internacionais Os tratados e convenções internacionais são compromissos assumidos pelo Brasil perante outros Estados ou instituições internacionais (ONU, FMI, OMC etc). O termo “convenção”, normalmente, é reservado para os compromissos feitos por mais de dois Estados, enquanto o termo “tratado” é normalmente usado para compromissos firmados entre dois Estados. Mas esse é o costume e não uma regra legal. De qualquer forma, ambos são firmados por membros do Executivo, como o próprio presidente, um embaixador, diplomata, ministro, secretário etc. Como já vimos, o Executivo não tem o poder de fazer leis. Este poder é inerente ao Legislativo. Então, como um tratado ou uma convenção internacional pode ser usado como lei no Brasil se ele não é lei? Basicamente, no Brasil o processo tem duas etapas: a primeira, executada por um membro do Executivo, compromete o país internacionalmente. A segunda, executada pelo Legislativo, incorpora aquele ato internacional em nosso direito interno e obriga a todos nos Brasil a respeitarem aquela norma. Se apenas a primeira etapa for cumprida – e isso ocorre vez por outra – o Brasil se obriga a cumprir aquele acordo, mas não disponibiliza os instrumentos jurídicos necessários para que aquele direito seja feito valer internamente. Isso gera algum embaraço internacional, pois fica evidente para os demais países que o presidente da República não consegue ter a força interna necessária para fazer serem aceitos internamente os acordos que ele ou seus agentes firmam internacionalmente, ou – o que é pior – ele assinou um tratado ou convenção apenas para fazer figura, mas não está disposto a pôr seu peso político para fazê-los valer internamente.
2.1.9 – Portarias, decretos, circulares, resoluções, atos e instruções normativas etc. Assim como a Constituição não perde seu tempo com detalhes, e deixa isso para as normas infraconstitucionais como as leis ordinárias e complementares, essas mesmas leis também deixam para
atos administrativos abaixo delas o ajuste fino dos detalhes. Por exemplo, a constituição diz que os Estados podem criar ICMS. As leis estabelecerão como o ICMS será cobrado, de quem etc. Mas é uma instrução normativa do Ministério da Fazenda que estabelece como as informações a respeito do ICMS incidente sobre produtos exportados devem ser apresentada à União. Normalmente é a própria lei (e não a Constituição) que estabelece que algum assunto será tratado por portaria, circular, instrução normativa, 90
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Para Entender Direito decreto presidencial etc. Não são leis e não passam por votações (mesmo porque a maioria delas é editada por órgãos do Executivo). Os dois tipos mais usuais são as portarias e decretos. Os decretos são feitos apenas pelos chefes do Executivo (presidente da República, governador e prefeito) e servem para regulamentar ou tratar de situações previstas em uma lei.
33
Já as portarias são editadas por ministros, secretários e
demais autoridades públicas para regulamentarem a estrutura e funcionamento de um órgão, ou para exercer as atribuições de seus cargos.
2.1.10 - Constituições estaduais e leis orgânicas Até agora, para simplificar a compreensão de tanta informação, vimos apenas a legislação na esfera federal. Nas esferas estadual e municipal ocorre a mesma coisa. Apenas com o detalhe que na esfera municipal não existe constituição municipal. O que existe em seu lugar são as leis orgânicas. Vale também lembrar que uma norma estadual (incluindo a constituição estadual) não pode contrariar a Constituição Federal. E uma norma municipal (incluindo a lei orgânica) não pode contrariar nem a Constituição Federal nem a constituição do Estado no qual se encontra. 2.2 – Quorum Quorum é o número de votos necessários para se aprovar uma norma. Existem, no Brasil, basicamente três tipos de quorum: maioria simples, maioria absoluta, e quorum (ou maioria) qualificado (ou especial). A maioria qualificada é estabelecida em termos percentuais. Normalmente, dois terços ou três quintos do total de votos possíveis. Por exemplo, são necessários dois terços dos votos dos deputados federais para que se inicie o processo de impeachment do presidente da República, e dois terços dos votos dos vereadores para que a lei orgânica municipal seja aprovada. Para a aprovação de uma emenda constitucional, é necessária a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) por três quintos dos deputados federais e três quintos dos senadores. Como atualmente há 513 deputados federais e 81 senadores, três quintos significa 308 votos na Câmara e 49 no Senado. A maioria absoluta consiste em mais da metade do total de membros aptos a votarem. Ou seja, 257 deputados federais e 41 senadores. Não interessa quantos dos aptos a votarem estejam presentes na votação: mais da metade dos que podem votar devem ser a favor do projeto. Não importa, por exemplo, se no dia da votação há apenas 260 deputados federais presentes em plenário: dos 260, 257 (que é mais da metade dos 513 aptos a votarem) terão que votar a favor do projeto. Obviamente, não há como aprovar o projeto se houver menos de 257 deputados (ou 41 senadores) presentes em plenário. A 33
o
A Emenda Constitucional n 32 de 2001 criou o chamado decreto autônomo. Ele é chamado de autônomo porque deriva da Constituição e não de uma norma infraconstitucional, como os demais atos administrativos. Ele é editado pelo presidente da República, mas, segundo o art. 84, VI, alíneas “a” e “b”, da Constituição, só pode versar sobre a “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, e de extinção de funções ou cargos públicos, quando vago”. 91
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Para Entender Direito maioria absoluta dos votos é necessária, por exemplo, para a aprovação de lei complementar, a exoneração do procurador-geral da República ou derrubar o veto presidencial. Por fim, a maioria simples – que é a mais usual – consiste em mais da metade dos votos daqueles presentes à votação. Ela é necessária, por exemplo, para aprovar uma lei ordinária. Em outras palavras, se houver 300 deputados presentes em plenário, 151 terão que votar a favor para aprovar o projeto de lei ordinária. Contudo, isto não quer dizer que se houver três deputados federais em plenário na hora da votação e dois votarem a favor de uma lei, ela será considerada aprovada. Não, pois para que uma votação seja iniciada, ou seja, o quorum mínimo para o início de uma votação, é necessário que mais da metade dos membros daquela casa (maioria absoluta) esteja presente. Desta forma, o quorum necessário para que um projeto de lei ordinária comece a ser votado na Câmara é de 257 deputados federais presentes em plenário, e no Senado, de 41 senadores presentes no plenário. Fazendo as contas, percebemos que não há como uma lei ordinária ser aprovada em plenário no Congresso 34
brasileiro com menos de 128 votos dos deputados federais e 21 dos senadores.
Quando ouvimos na
TV que “não houve quorum para a votação de tal projeto de lei” significa a falta do número mínimo de parlamentares no momento da votação para que o projeto da norma fosse votado. Outras vezes ouvimos dizer que o “governo (ou a oposição) esvaziou o plenário”. Isso acontece quando, embora haja o quorum para votação, o governo (ou a oposição) não está seguro que haja o número necessário de parlamentares para que seu ponto de vista prevaleça. Para evitar qualquer risco, o governo (ou a oposição) pede que seus aliados saiam do plenário, fazendo assim com que não haja quorum suficiente para a abertura da votação, dando mais tempo para negociações políticas. Norma
Quorum
Característica Tão logo é aprovada, integra-se à
Emenda à constituição
Duas votações em cada casa com aprovação de, pelo menos, 3/5 em cada votação
Constituição. Não passa pela sanção presidencial. É promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Em sentido stricto, não é lei.
Lei complementar
A Constituição é sempre explícita Aprovação por maioria absoluta
quando alguma matéria deva ser objeto de lei complementar. Constitui a maior parte das leis.
Lei ordinária
Aprovação por maioria simples
Sempre que a Constituição disser apenas “lei”, estará se referindo à lei ordinária.
Lei delegada
Aprovação da autorização p/ se
Somente algumas matérias próprias
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É necessário mais da metade dos votos daqueles presentes, mas a votação só começa com mais da metade do total de deputados. Como mais da metade do total de deputados é 257, e mais da metade de 257 é 128, não há como uma lei ordinária ser aprovada em plenário por menos de 128 votos. No Senado, este número é de 21 votos. 92
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Para Entender Direito elaborar a lei delegada, e da
de leis ordinárias podem ser objeto de
própria lei delegada (qdo
lei delegada
necessário), é conseguida por
O Congresso Nacional autoriza o
maioria simples
presidente da república a elaborar uma lei.
Editada pelo presidente da Medida provisória
República. Cabe apenas em alguns assuntos relevantes e
urgentes e que sejam objeto de lei ordinária.
Não é lei. É ato com força de lei. Deve ser aprovado pelo Congresso Nacional em até 60 dias, prorrogável por igual período.
As leis delegadas, como tratam apenas de matérias que possam ser objeto de lei ordinária, funcionam através da maioria simples (tanto a sua autorização quanto a sua aceitação, se for requerida). Por fim, as medidas provisórias – que também só podem ter como objeto aquilo que pode ser objeto de lei ordinária – são convertidas em lei por meio de maioria simples de votos.
2.2.1 – Hierarquia de leis: lei complementar vs lei ordinária; lei estadual/municipal vs lei federal/estadual Aqui cabem duas ressalvas importantes. A primeira diz respeito à relação entre leis ordinárias e complementares. As leis complementares requerem um número maior de votos para serem aprovadas do que as leis ordinárias. Mas isso não quer dizer que elas sejam hierarquicamente superiores às leis ordinárias. Elas tratam de matérias diferentes. Só isso. Da mesma forma como em uma redação de jornal um fotógrafo não é mais importante que um redator (eles têm funções diferentes e por isso recebem salários diferentes), ou que um policial civil não é mais importante que um policial militar, uma lei complementar trata de coisas distintas do que é tratado em uma lei ordinária. E a Constituição é muito clara a esse respeito, como já vimos: o que ela quer que seja de competência de lei complementar, ela diz com todas as letras. O mesmo ocorre na relação entre as leis estaduais, municipais e distritais e as leis federais. Embora as leis máximas dos Estados e do município (i.e., constituições estaduais e leis orgânicas) não possam desrespeitar a Constituição Federal (assim como a lei federal também não pode), elas não estão situadas hierarquicamente abaixo das leis federais. Estão situadas abaixo apenas da Constituição Federal. Leis federais, estaduais e municipais tratam de assuntos distintos. Têm competências distintas. Uma lei federal não pode tratar de matéria que seja reservada a uma lei estadual nem municipal. Por exemplo, a legislação sobre o IPTU é reservada aos municípios, por isso não pode haver lei federal isentando os habitantes de um município de pagarem o IPTU. Se fizesse isso, a lei federal seria inconstitucional pois estaria tratando de um tema reservado à lei municipal. Esse é um erro comum e muitas vezes cometidos (às vezes intencionalmente, diga-se) até mesmo por advogados. 93
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Para Entender Direito
2.2.2 - O que é maioria? Um outro erro muito comum cometido por muitos juristas e veículos de imprensa é dizer que maioria é “a metade mais um” ou “cinquenta por cento mais um” dos votos. Na verdade, maioria é mais
da metade dos votos. Parece que não há diferença, mas há, e com consequências sérias. Imagine, por exemplo, que um projeto de lei muito importante está para ser votado e todos os deputados federais estão presentes no plenário da Câmara. Vamos imaginar que há 512 deputados federais no Brasil. Neste caso, teríamos a seguinte situação, dependendo se usarmos a expressão “mais da metade” ou “metade mais um”: 50% + 1 (ou metade mais um)
Mais da metade
Se forem 512 deputados, 50% são 256.
Se forem 512 deputados, metade são 256.
256 + 1 = 257
O primeiro número inteiro acima de 256 é 257
Logo, a metade mais um seria atingida com 257
Logo, mais da metade seria atingida com 257 votos
votos No caso acima não há diferença, certo? Não é bem assim. Não houve diferença porque, propositalmente, usamos um número par. Só que no Brasil há 513 deputados federais e 81 senadores. Ambos são números ímpares. Vejamos como fica a mesma conta agora: 50% + 1 (ou metade mais um)
Mais da metade
Se forem 513 deputados, 50% são 256,5.
Se forem 513 deputados, metade são 256,5.
256,5 + 1 = 257,5
O primeiro número inteiro acima de 256,5 é 257
Como não há ‘meio’ deputado, a maioria seria
Logo, mais da metade seria atingida com 257 votos
atingida com 258 votos. Como fica claro, o uso das duas expressões causa uma diferença. Mais da metade e metade
mais um (ou cinquenta por cento mais um) não são termos sinônimos. A expressão correta é mais da metade. O mesmo é válido para a votação nas eleições no segundo turno para presidente da República, governadores e prefeitos ou para saber quem controla uma empresa. Ganha quem tiver “mais da metade” dos votos válidos e não quem tiver “metade mais um dos votos”, e controla a empresa quem tiver mais da metade das ações com poder de voto, e não metade mais uma. 2.3 – Processo legislativo das emendas constitucionais Como funciona o processo através do qual a Constituição Federal é emendada? Tudo começa através da apresentação de uma proposta de emenda constitucional (PEC). E quem pode propô-la? O presidente da República, o conjunto de, no mínimo, um terço dos deputados federais ou senadores, e 94
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Para Entender Direito mais da metade das assembléias legislativas das unidades federativas (i.e., 14 ou mais assembléias legislativas, cada uma votando através da maioria simples, apresentam, em conjunto, a proposta). Se a PEC for proposta pelo presidente ou por deputados federais, ela começará a ser votada pela Câmara, nos outros casos, pelo Senado. A PEC será, então, analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (conhecida como CCJ) da casa na qual se iniciou. A CCJ tem 30 dias para emitir parecer sobre sua constitucionalidade. A PEC pode ser emendada, desde que esta emenda seja assinada por no mínimo um terço dos membros da casa na qual ela está sendo analisada. Ela será então votada no plenário da casa na qual começou. Ela deverá ser aprovada em plenário duas vezes por três quintos dos membros daquela casa, com um intervalo mínimo de cinco dias entre a primeira e a segunda votação. É óbvio que se ocorrer qualquer modificação na proposta inicial entre a primeira e a segunda votação, ela deverá ser votada novamente. Se ela for rejeitada em qualquer uma das duas votações, será arquivada e aquela proposta não poderá ser novamente objeto de discussão durante aquela sessão legislativa (como vimos, as sessões legislativas terminam no dia 15 de dezembro de cada ano). Se for aprovada em ambas as votações, seguirá para a chamada casa revisora. Ou seja, se ela começou seu trâmite no Senado, a casa revisora é a Câmara. Se ela começou seu trâmite na Câmara, a casa revisora será o Senado. Chegando à casa revisora, ela será novamente submetida à CCJ daquela casa, que emitirá seu parecer. Ela deverá ser aprovada, então, duas vezes, por três quintos dos membros da casa revisora. Se ela for rejeitada em qualquer uma dessas duas votações, ela será arquivada e não poderá ser apresentada novamente durante aquela sessão legislativa. Se for aprovada sem modificação em ambas as votações na casa revisora, ela será promulgada pelas mesas do Senado e da Câmara. Mas se ela for modificada na casa revisora, a casa revisora passa a ser a casa originária, e a casa originária será a casa revisora da nova redação da PEC. Em outras palavras, se ela for modificada, ela deverá ser aprovada novamente por três quintos da casa da qual ela veio. Para uma PEC ser aprovada, a mesma proposta deve ser aprovada por três quintos, em quatro votações (duas no Senado e duas na Câmara), sem modificações.
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Para Entender Direito
Vamos ver um exemplo: digamos que o presidente da República inicie uma PEC. Ela entrará através da Câmara. A CCJ da Câmara irá emitir seu parecer em até 30 dias. Ela será então votada no plenário da Câmara duas vezes. Se ela não alcançar 309 votos favoráveis em qualquer das duas votações, será arquivada. Mas digamos que alcance. Neste caso, será remetida ao Senado. A CCJ do Senado irá emitir seu parecer e a PEC será votada pelo plenário do Senado. Se ela alcançar 49 votos nas duas votações no Senado, será considerada aprovada e será promulgada pelas mesas da Câmara e do Senado. Se não alcançar os 49 votos em qualquer das duas votações, será arquivada. E se for emendada, deverá ser aprovada duas vezes por 49 votos dos senadores, e remetida à Câmara, que deverá aprovar a nova redação da PEC por 309 votos novamente. E se ela sofrer qualquer modificação na Câmara, seguirá neste ciclo até que seja arquivada ou seja aprovada em quatro votações (duas em cada casa) com três quintos de aprovação em cada uma delas. 2.4 – Processo legislativo das leis Já o processo de aprovação de uma lei ordinária ou complementar é um pouco mais complexo porque envolve o Executivo em sua fase final, e as comissões possuem um papel mais importante podendo, inclusive, votar em lugar do plenário. Um projeto de lei pode ser proposto pelos membros ou comissões das casas do Congresso Nacional, pelo presidente da República e pelos cidadãos. Pode também, dependendo da matéria, ser proposto pelo STF, tribunais superiores e pelo procurador-geral da República. Os cidadãos, para proporem um projeto de lei, precisam fazê-lo em conjunto. No mínimo 1% do eleitorado nacional, distribuído em no mínimo cinco unidades federativas (e, no mínimo, 0,3% dos eleitores de cada uma dessas unidades federativas) devem assinar o projeto. Se for proposto por qualquer agente externo ao Legislativo ou por um deputado federal, sua tramitação começará pela Câmara. Ele será então analisado pelas comissões pertinentes, dependendo da matéria, sendo que a 96
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Para Entender Direito análise da CCJ é sempre exigida.
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Dependendo da matéria e da autorização, a própria comissão pode
votar em lugar do plenário. Se for a plenário, precisará da maioria simples se for um projeto de lei ordinária, e da maioria absoluta se for um projeto de lei complementar. Em qualquer caso, haverá apenas uma rodada de votação em cada casa. Se o projeto for rejeitado, será arquivado e seu conteúdo não pode ser debatido na mesma sessão legislativa (exceto se a maioria absoluta de uma das casas propô-lo novamente). Se for aprovado, seguirá para a casa revisora, onde será submetido às comissões pertinentes, incluindo sempre a CCJ. Na casa revisora ele poderá ser rejeitado e, neste caso, será arquivado. Se for alterado, voltará para a casa originária, que agora exercerá a função de casa revisora. Ele ficará neste ciclo até que seja rejeitado por uma das casas, ou seja aprovado, sem modificações, tanto no Senado quanto na Câmara. Depois de aprovado pelas duas casas sem modificações, ele é remetido ao presidente da República, que poderá vetá-lo, sancioná-lo ou calar-se. Se ele sancionar (ou seja, der seu aval ao projeto), a lei é considerada sancionada e será promulgada (incluída no sistema jurídico nacional) e
publicada (será impressa no diário oficial para que todos tomem conhecimento de sua existência e possam passar a cumpri-la). Se em 15 dias o presidente da República não tomar qualquer atitude, a lei será considerada
sancionada tacitamente. Isto porque quem cala consente. O presidente tinha o poder de vetar o projeto de lei. Como não o fez em 15 dias, aceitou-o. Isto ocorre, normalmente, quando o projeto de lei é importante para o país, mas impopular (a criação ou aumento de um tributo, por exemplo). Silenciar-se é uma forma de o presidente evitar o seu próprio desgaste político. Mas o presidente também pode vetar o projeto. O presidente veta um projeto de lei quando o considera inconstitucional ou contrário ao interesse público. “Interesse público” é um termo muito amplo e subjetivo, e acaba sendo um coringa que o presidente pode usar quando achar que um projeto é contrário a sua visão de como o país deve ser governado. Mas o poder do presidente não é absoluto: seu veto pode ser rejeitado pela maioria absoluta do Congresso. Essas, como já tínhamos visto no capítulo 1, são formas de controle mútuo entre os poderes: o Executivo pode controlar o Legislativo através do veto, mas o Legislativo também pode controlar o Executivo através da rejeição de seu veto. Tanto no caso do silêncio do presidente da República quanto no caso da rejeição de seu veto, ele terá 48 horas para mandar promulgar e publicar a lei. Se não o fizer, o presidente do Senado (ou seus substitutos) o fará. Até que haja a sanção (ou que o veto do presidente da República seja rejeitado), não se pode falar em lei, e sim em “projeto de lei”.
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Quando a comissão emite parecer pela inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma proposição, ela é considerada rejeitada e arquivada, salvo (não sendo unânime o parecer) recurso interposto por um décimo dos membros da casa. 97
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2.5 – Vacatio legis
Vacatio legis (o termo é usado em latim e significa ausência de lei) é o tempo em que uma norma, depois de publicada, leva para passar a vigorar. É o tempo que todos nós, que ficaremos submetidos a ela, temos para conhecê-la e nos adaptarmos. Normalmente o vacatio legis é estabelecido no último ou penúltimo parágrafo da norma. Abrindo qualquer norma, normalmente encontraremos algo como “essa lei entrará em vigor no dia 13 de janeiro de 2003”, “essa lei entrará em vigor em 10 dias”, “essa lei entrará em vigor na data de sua publicação” etc. Esse é o vacatio legis. Se a lei não dispuser em contrário (isto é, for muda a respeito de quanto entrará em vigor), o
vacatio legis será de 45 dias. Não há vacatio legis para emendas constitucionais. Para algumas matérias, especialmente as tributárias, a própria Constituição Federal determina a
vacatio legis. Por exemplo, as contribuições estão sujeitas ao princípio da noventena: não podem entrar em vigor em menos de 90 dias depois de sua publicação.
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Para Entender Direito
2.6 – Revogação de normas Assim como pode ser criada, uma norma pode ser revogada. Essa revogação pode ser total ou parcial. Quando é total, chama-se ab-rogação (para não esquecer, basta
associar com a palavra
“absoluta”). Quando ela é revogada parcialmente, diz-se que ela foi derrogada. A revogação, seja uma derrogação ou uma ab-rogação, pode ser expressa ou tácita. É expressa quando a nova norma diz expressamente “fica revogada lei numero tal”. É tácita quando a lei anterior se torna incompatível com a norma mais nova e/ou mais específica e/ou superior. Boa parte dos processos existentes são focados justamente nisso. Com tanta norma sendo publicada e revogada, às vezes é difícil descobrir qual norma é válida para regular um determinado caso. Digamos, por exemplo, que uma lei de 2000 diga que todas as pessoas devem usar calças azuis. Em 2001 surge uma lei que diz que todas as pessoas devem usar calças brancas. Será um caso de abrogação por uma lei mais nova (o que chamamos de “superveniente”). Mas pode acontecer que a lei mais nova diga que os homens devem usar calças brancas. Ela não disse nada a respeito das mulheres. Logo, continua valendo a norma anterior para as mulheres e a mais nova para os homens. Mulheres vestirão azul e homens branco. Esse é um caso de derrogação por norma mais especifica. Já quando uma norma deixa de ser válida devido a uma nova norma constitucional (seja uma emenda constitucional ou uma nova Constituição), não se fala em revogação, e sim em recepção. Dizemos que a norma anterior “não foi recepcionada” pela nova constituição.
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Para Entender Direito Capítulo 3 - Sistema processual Até agora vimos como o Estado é estruturado e como uma norma nasce. Resta ainda um último ponto essencial para compreendermos o funcionamento básico do direito: como o Judiciário exerce sua função quando uma norma é desrespeitada ou questionada. Em outras palavras, como funciona um processo. 3.1 – Tipos de processo Existem três tipos de processo no Brasil: de conhecimento (ou cognição), de execução e
cautelar. O processo de conhecimento visa criar, declarar, modificar, extinguir ou decidir a existência de um direito. Quando falamos em processo, é quase sempre a imagem do processo de conhecimento que temos em mente: o juiz vai decidir quem tem direito a alguma coisa. Por exemplo, quando Zezinho briga com Huguinho para saber se um pode construir um muro em frente à janela do outro, eles estão querendo que o juiz decida sobre o direito de construir. Quando Zezinho Júnior pede o reconhecimento da paternidade, ele não está pedindo para se tornar filho de Zezinho, seu pai, pois ele é filho de Zezinho desde que nasceu. O que ele está pedindo é que a Justiça declare esse direito. Quando o Ministério Público pede que a casa comprada por Zezinho com dinheiro do narcotráfico passe para o patrimônio do Estado, ele está pedindo a extinção do direito de propriedade de Zezinho sobre a casa. Quando Rosinha resolve se separar de Zezinho, ela está pedindo para que sua situação jurídica seja modificada de casados para divorciados. Mas não adianta nada o Judiciário declarar, extinguir, modificar ou decidir um direito se a parte que perdeu a causa não respeitar a decisão. Se o Judiciário não dispusesse de mecanismos para impor sua decisão, acabaria perdendo sua respeitabilidade, o que faria com que as pessoas decidissem seus problemas por conta própria, o que vai contra a razão de ser de um Estado. É para evitar essa situação que existem os processos de execução. Enquanto o processo de conhecimento decide o direito, o de execução o faz valer se as partes não o respeitarem. Por fim, sobra o processo cautelar. Ele é diferente: os dois processos anteriores servem para defender os interesses das partes. Já o processo cautelar existe para defender os outros processos. É por isso que ele só pode ser proposto durante ou imediatamente antes (até 30 dias antes) do processo que ela visa proteger (chamado de principal). E por que se deve defender um processo? Alguns processos demoram muito tempo. Anos, muitas vezes. Imagine se Zezinho Júnior precisar esperar dois ou três anos para começar a receber a pensão alimentícia do pai (ou mãe), a ser decidida no processo principal? Provavelmente já terá passado muita fome até lá. Ou imagine se Zezinho e Rosinha, durante a separação, começam a disputar a guarda do filho e um deles, estrangeiro, sai do Brasil com a criança antes de o processo principal ser decidido. Se não for concedida a guarda provisória da criança e ela sair do país com o pai estrangeiro, provavelmente não voltará mais, ainda que mais tarde a justiça brasileira decida que o pai que ficou aqui 101
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Para Entender Direito no Brasil é quem deveria ter a guarda. Ou imagine que Huguinho comece a vender seus bens enquanto as dívidas das quais é devedor são cobradas em um processo principal. Se o arresto dos bens não for feito agora, provavelmente não restarão bens a serem usados para pagar a dívida daqui a dois anos, quando a causa principal for decidida. Para evitar que a decisão final (sentença) do processo principal caia no vazio porque já ocorreu um fato que impede sua eficácia (o pai saiu do Brasil com seu filho, a criança já morreu de fome ou o devedor já vendeu tudo e se mudou para outro país, nos exemplos acima), a parte que temer que o processo seja prejudicado propõe a ação cautelar. Quando o juiz concede uma cautelar ele não está decidindo uma causa. Ele não está dizendo quem tem razão. Ele está apenas tomando as medidas necessárias para se evitar que, quando o processo principal for decidido, já seja tarde demais. A decisão da cautelar pode, inclusive, ser revertida. Por exemplo, no caso do pai estrangeiro que perdeu a guarda provisória de seu filho através de uma cautelar, ele pode receber a guarda permanente na sentença do processo principal. É por isso que existe o processo cautelar. Ele tenta evitar que o processo principal seja inútil.
3.2 – Processo de conhecimento Vamos imaginar dois irmãos: Joãozinho e Mariazinha. Vamos imaginar que uma certa manhã Joãozinho descobre que seu sorvete não está na geladeira e acusa Mariazinha de tê-lo tomado. Embora seu impulso natural seja tirar satisfação diretamente com Mariazinha, ele sabe que essas não são as regras da casa. Se ele bater em sua irmã, ele vai acabar levando umas palmadas dos pais. Logo, ele deve pedir que a autoridade da casa – por exemplo, sua mãe – tome as atitudes cabíveis. Seu pedido, obviamente, deve incluir um relato do ocorrido e o que ele quer. Algo do tipo “Comprei o sorvete ontem (olha a nota fiscal), guardei na geladeira (pergunte para a empregada) e Mariazinha o tomou esta manhã. Embora ninguém a tenha visto tomando o sorvete, seu colchão está cheio de manchas de sorvete de chocolate. Quero que a Mariazinha reponha meu sorvete ou me pague em dinheiro”. 102
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Para Entender Direito Obviamente, a mãe dos meninos não irá obrigar Mariazinha a comprar outro sorvete ou pagar por ele sem antes ouvir a sua versão da história. Seria injusto. Ela dará a sua filha um determinado tempo para se defender das acusações feitas, e só então começará a analisar as provas apresentadas por cada parte e decidir quem tem razão. A mesma coisa acontece no Judiciário. Quando alguém tem ou supõe ter seu direito ferido ou questionado, ele não pode decidir a questão por conta própria. Ele deve pedir ao Judiciário para decidir a disputa. O instrumento que esta pessoa – chamada de autora – usa para comunicar os fatos e seu pedido ao magistrado chama-se petição inicial. Essa petição deve conter a qualificação das partes (ou seja, nomes, endereços e qualquer outro elemento que ajude a identificá-las), o relato dos fatos relevantes para se resolver a questão, a base jurídica sobre a qual a questão deve ser decidida, os pedidos, e uma cópia extra da petição para que seja encaminhada à outra parte (normalmente chamada de ré), para que ela se defenda em determinado prazo. O juiz analisará essa petição inicial para ver se ela contém todos os dados essenciais, se ela é sobre matéria passível de julgamento por ele (vimos no capítulo que diferentes magistrados e tribunais têm jurisdições sobre questões e regiões diferentes), e se o pedido é possível (afinal, o juiz não vai perder o tempo do Judiciário julgando a posse de um terreno em Marte) e legal (o Judiciário, por exemplo, não vai julgar as desavenças sobre a posse de drogas entre dois traficantes). Se ela preencher esses requisitos básicos, ele deferirá seu prosseguimento. Se ele detectar um erro corrigível, ele mandará emendá-la (corrigi-la). A mera aceitação (deferimento) de uma petição inicial não significa nada. Ou melhor: significa que as partes estão corretamente descritas, que a causa possui os requisitos básicos para ser julgada, e que o pedido feito é licito e possível (se o autor vier a ganhar a causa). Estando a petição inicial de acordo com os requerimentos mínimos, o juiz manda citar o réu. A
citação contém uma cópia da petição inicial e o aviso de que o réu tem determinado prazo (normalmente quinze dias) para apresentar sua defesa. Esse aviso para se defender em um processo pode ser feito via correio, pessoalmente por um oficial de justiça, ou através de um comunicado impresso em jornais, dependendo do caso. Apenas assim se formará aquilo que se chama triângulo processual, e o processo começará a ser julgado pelo juiz. Qualquer pessoa pode propor uma ação. Mas entre propor uma ação e vencer o processo existe um longo caminho. Ser réu não significa estar condenado. Significa apenas que existe uma ação contra essa pessoa. O resultado do processo pode, inclusive, ser uma condenação contra o autor e em favor do réu, como veremos mais adiante.
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Para Entender Direito
Voltando ao nosso exemplo: depois de citada, Mariazinha irá reagir. Ela pode apresentar várias formas de reação: ela pode dizer que não sabe sobre o que seu irmão está falando, ou que o sorvete era dela e seu irmão está se confundindo ou que não foi ela quem tomou o sorvete (contestação). Pode dizer que de fato tomou o sorvete e está arrependida (confissão). Pode calar-se e recusar a defender-se ou fugir para a casa da vizinha (revelia). Pode contra-atacar a acusação de seu irmão dizendo que não só o sorvete era dela, mas que ele tomou a metade e agora deve meio sorvete a ela (reconvenção). Pode dizer que de fato tomou o sorvete e que deseja entrar em um acordo, pagando em dinheiro, picolés e balas (transação). Ou pode simplesmente dizer que a mãe deles não é a autoridade competente para julgar a questão pois ela é mais amiga do Joãozinho e não julgará a causa com imparcialidade 36
(exceção ). A mesma coisa ocorre no Judiciário. Os nomes é que mudam.
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Existem três tipos de exceção: o impedimento, a suspeição e a incompetência. O impedimento decorre de qualidades objetivas, como relação de parentesco ou conjugal. A verificação de parentesco entre um pai juiz e um filho réu é muito fácil de ser feita: ou é ou não é. Não existe “mais ou menos pai”. Se for, está impedido. Já as suspeições decorrem de relações mais subjetivas. Por exemplo, amizade. Se um juiz morou por meia década com um réu, ele provavelmente é amigo dele, e é suspeito de julgar uma causa, pois sua imparcialidade é questionável. Já a competência se refere ao fato de aquele magistrado não ser o magistrado adequado para julgar aquela causa. Por exemplo, uma causa eleitoral não pode ser julgada por um magistrado trabalhista, e uma causa federal não pode ser julgada por um magistrado estadual. Eles são incompetentes para julgar causas fora de sua jurisdição. 104
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Para Entender Direito
Apresentada a defesa, e se a causa disser respeito a direitos patrimoniais disponíveis (ou seja, direitos aos quais as partes têm direito de renunciar) ou forem referentes à família, o juiz fará uma reunião (audiência) de conciliação entre as partes, para tentar resolver o problema o mais rápido possível. Se as partes concordarem com uma solução, o assunto estará encerrado e os termos acordados terão a validade de uma sentença. Em outras palavras, as partes deverão cumprir com o acordo que fizeram. Mas se a tentativa de conciliar as partes for frustrada ou se a causa for referente a outros assuntos, haverá uma série de atos que servem para o juiz compreender os fatos e tentar verificar quem tem razão. Um desses atos é a intimação e oitiva de testemunhas. Repare que enquanto o termo para chamar o réu a se defender é citação, o termo usado para chamar a testemunha a comparecer para prestar depoimento é intimação. Existe um ponto importante relacionado a isso: o réu, se quiser, pode calar-se e não se defender, sendo julgado a revelia. Ele também não presta compromisso de dizer a verdade (em outras palavras, não poderá ser punido se faltar com a verdade, já que em nenhum momento ele prometeu dizer a verdade). Já a testemunha não tem esses direitos. Uma vez intimada, ela é obrigada a comparecer para prestar o depoimento, presta compromisso de dizer a verdade e toda a verdade, e se mentir, poderá responder pelo crime de falso testemunho (que prevê uma pena de até três anos de detenção e multa). Se ela se recusar a comparecer, ela será conduzida debaixo de vara (o termo é estranho, mas é este mesmo), ou seja, será conduzida por um oficial de justiça (acompanhado de policiais, se for preciso) até onde tiver que prestar o depoimento. Há, contudo, dois motivos que permitem à testemunha que comparece a recusar-se de dizer o que sabe: quando os fatos que depuser puderem gerar a ela, seu cônjuge e parentes, algum dano grave, ou quando ela tiver por dever profissional guardar sigilo (como um padre, um médico, um advogado ou um psicólogo). Algumas pessoas, como o réu e o autor, seus parentes, os que já foram condenados por falso testemunho e o financeiramente interessado na causa, não devem ser testemunhas, pois por sua relação com as partes, com a causa, ou por seu passado, não ensejam confiança (haveria sempre uma dúvida se disseram de fato a verdade). Mas se for essencial ouvi-los (por exemplo, quando eles são as únicas pessoas que presenciaram os fatos), o juiz poderá ouvir o que têm a dizer, mas sem que eles prestem o compromisso de dizer a verdade (e o juiz tomará isso em conta). Por não prestarem o compromisso de 105
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Para Entender Direito dizer a verdade, não podem ser condenados por falsos testemunho, se vierem a mentir. Embora as partes, já na petição inicial e na defesa, digam quais provas pretendem utilizar (não existe “prova surpresa” nem “testemunha surpresa” no Brasil) e incluam algumas dessas provas nas primeiras peças processuais (petição inicial e defesa), elas podem também ser produzidas nesta segunda etapa do processo. “Produzir”, neste caso, não significa “criar”, e sim “apresentar”.
Provas são documentos, evidências físicas, fotografias, gravações ou qualquer outro objeto que seja relevante à causa e possa levar ao esclarecimento do juiz. Em sentido amplo, o depoimento também é uma espécie de prova (prova testemunhal). O laudo do exame, vistoria ou avaliação pericial também constitui um tipo de prova. Aliás, o perito é um especialista nomeado pelo juiz – e que recebe por isso – 37
para avaliar algo na área na qual é especialista . O juiz pode também querer verificar pessoalmente os fatos alegados. É a chamada inspeção
judicial. Como vimos no capítulo 1, um magistrado é um especialista em direito, e não em construção civil, medicina, economia ou mesmo em determinadas áreas do direito. Só que ele é responsável por julgar as causas envolvendo todas as questões, e não só as relativas às áreas que domina. Se aparecer uma causa a respeito de contaminação do mar, ele não pode se recusar a julgá-la só porque nunca estudou oceanografia. Logo, às vezes ele precisa compreender a parte técnica antes de julgá-la. Para influenciar esta compreensão, as partes podem apresentar pareceres. Um parecer nada mais é do que a opinião de um especialista em um determinado campo, que é contratado por uma das partes para escrevê-lo. Como contratado, a parte que o contrata normalmente paga por seu parecer. Se, por exemplo, um juiz precisar julgar se houve erro médico durante uma operação, o réu poderá contratar um médico de renome para escrever um parecer dizendo que as técnicas usadas na operação são as melhores que há, e que o problema ocorrido não é detectável nos exames pré-operatórios. A vítima poderá também contratar um outro médico de renome para escrever um parecer dizendo que um médico que esquece lavar as mãos antes da operação agiu fora das práticas médicas. Obviamente, os pareceristas estarão usando suas reputações para dar validade aos seus pareceres e por isso evitarão, por exemplo, apresentar pareceres apoiando um ponto de vista do qual discordam. (Mas, como em qualquer área, há sempre especialistas de renome que estão dispostos a colocar seu peso profissional para defender um ponto de vista do qual discordam, dependendo das compensações oferecidas) Um parecer nada mais é do que uma opinião. Quando uma das partes apresenta um parecer que lhe é favorável, isso não quer dizer nada. O juiz pode simplesmente achar que o parecer está errado, infundado ou discordar do ponto de vista de seu autor. Ele em momento algum está obrigado a aceitar o que está escrito ali. Sua única obrigação é lê-lo e anexá-lo ao processo, se for apresentado conforme os requisitos legais. O magistrado, então, realiza uma nova reunião, chamada de audiência de julgamento, na qual tenta, novamente, conciliar as partes e fazer com que cheguem a um acordo, se isso for permitido pela
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Se as partes quiserem, podem nomear assistentes técnicos, que são especialistas de sua confiança, para acompanhar os trabalhos do(s) perito(s) nomeado(s) pelo juiz. Os assistentes técnicos não apresentam laudos, mas pareceres. 106
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Para Entender Direito lei. Se não houver acordo, ele irá proferir uma sentença. A sentença possui três partes. Na primeira, o magistrado descreve o que aconteceu segundo as alegações das partes (relatório). Na segunda, ele fala qual é a lei aplicável ao caso (fundamentação). E na terceira, ele estabelece o que as partes devem fazer (condenação). A sentença não pode condenar uma das partes a mais do que foi pedido, não pode deixar de responder qualquer dos pedidos feitos,
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e não pode condenar a parte perdedora com algo diferente
daquilo que foi pedido. Em outras palavras, se Zezinho pediu que Pedrinho fosse condenado a pagar pelo conserto de seu carro e sua moto, o juiz não pode condenar Pedrinho a consertar o carro, a moto e a bicicleta, não pode deixar de analisar o pedido de conserto da moto ou do carro (ainda que não os conceda), e não pode condenar Pedrinho a consertar a casa de Zezinho. Quando o juiz termina o processo decidindo sobre os pedidos feitos pelas partes, ele julga o
mérito da questão e a sentença é chamada sentença de mérito. Mas existem alguns casos em que há uma sentença sem julgamento do mérito, ou seja, que o juiz põe fim ao processo, mas não analisa a pertinência do pedido feito pelas partes. Por exemplo, se as partes deixam o processo parado por mais de um ano, ou se a mesma causa já houver sido julgada, ou se as partes houverem decidido usar um tribunal arbitral, o juiz não vai deixar o processo prosseguir. Ele, nestes casos, profere uma sentença sem julgamento de mérito, pois ele não julgou qual das partes tem razão nos pedidos feitos.
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Isso não quer dizer que o juiz precise aceitar o pedido. Isso quer dizer apenas que o juiz é obrigado a discuti-lo na sentença e dizer por que o concederá ou por que não o concederá. 107
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Para Entender Direito Proferida a sentença, a parte que perdeu a causa, teoricamente, concorda com a decisão e cumpre o que foi decidido. Isso poria fim à participação do Judiciário na relação entre essas duas partes. Mas entre o juiz proferir uma sentença e a parte que perder o processo cumprir com a decisão pode haver uma certa distância. Primeiro a parte que perdeu pode simplesmente não cumprir o que o juiz decidiu. Nesses casos, inicia-se o processo de execução, que veremos na próxima seção. E, segundo, a parte que perdeu pode achar que o juiz não analisou o problema corretamente, ou que não usou a lei adequada para julgar a causa, ou que usou a lei adequada, mas a usou incorretamente ou desproporcionalmente, ou que simplesmente deixou de seguir a lei processual (aquela 39
que regula os processos). Nesses casos, o descontente pode recorrer à segunda instância.
Na segunda instância os magistrados, em conjunto, analisarão se o juiz da primeira instância aplicou corretamente a lei. Normalmente a segunda instância só analisa as questões já levantadas na primeira instância, ou seja, as partes não podem trazer novos fatos, alegações e pedidos, exceto se não foram apresentados por motivo de força maior. A função da segunda instância é revisar e não julgar partindo do zero.
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Na apelação, aquele que iniciou o recurso (que é aquele que ficou descontente com a sentença) é chamado de apelante (o apelante pode ser aquele que foi autor ou réu no processo na primeira instância. Basta que seja ele quem tenha ficado descontente). Aquele que ficou satisfeito com a sentença é chamado apelado. O acórdão, que é a decisão proferida pelo tribunal, pode manter, modificar ou reverter a sentença da primeira instância. Se o acórdão for favorável ao apelado, ou seja, se o acórdão confirmar a sentença de primeira instância, o apelante pode tomar duas atitudes: ele pode acatar a decisão e cumprir a determinação do tribunal, e neste caso o processo chega a seu fim, ou ele pode simplesmente não cumprir a decisão. Nesse caso, o vencedor da disputa deve iniciar o processo de execução para forçar o cumprimento da decisão judicial. Mas o acórdão também pode reverter a sentença, ou seja, pode ser favorável ao apelante. Neste caso, se ele condenar o apelado a alguma coisa, este poderá tomar duas atitudes: concordar e cumprir com a determinação do acórdão, e aí o processo termina. Ou pode simplesmente não concordar e não cumprir com o que for determinado. Neste caso o apelante deverá iniciar o processo de execução. Como se pode ver no gráfico acima, não é sempre que o processo termina satisfatoriamente. Mesmo depois da apelação, a parte perdedora pode simplesmente não cumprir a eventual condenação. Uma coisa é a sentença dizer que Mariazinha deve pagar mil reais a Joãozinho. Outra coisa é ela de fato pagar. Se ela não pagar por vontade própria, Joãozinho não pode tomar os mil reais dela. Ele deve pedir ao Estado para executar sua sentença. É o chamado processo de execução.
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Existem até mesmo causas nas quais o recurso é automático e a sentença não tem valor até que ela seja confirmada na segunda instância, como as sentenças proferidas contra a União, unidades federativas e municípios (e suas autarquias e fundações). 40 Uma exceção a esta regra são os recursos interpostos nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, ou seja, quando a parte recorre à segunda instância porque o juiz da primeira instância não julgou o pedido. Nestes casos, o processo pode ser julgado diretamente pelo tribunal. 108
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Para Entender Direito 3.3 – Processo de execução O objetivo da execução não é verificar se alguém tem ou não direito. Isso já foi feito pelo processo de conhecimento. Agora é hora de fazer valer aquela determinação se ela não foi cumprida espontaneamente e se o credor não desistiu de cobrar seu direito. Na execução, o credor se chama executante (ou exequente ou exequendo), e o devedor se chama executado. Como às vezes a sentença no processo de conhecimento condena mas não estabelece o valor da condenação, e outras, mesmo estabelecendo o valor, o valor se torna defasado por conta da inflação, juros ou algum outro motivo, ou o objeto da condenação não está definido (por exemplo, a sentença pode dizer “condeno o réu a pagar 200 sacas de café”, sem dizer o tipo de café), é preciso liquidar a sentença. Liquidar, neste caso, significa estabelecer o valor ou o objeto exato que deve ser pago ou entregue. Em outras palavras, tornar o objeto da execução líquido. O executado tem 15 dias para pagar o que houver sido determinado na sentença do processo de conhecimento. Transcorridos estes 15 dias sem o pagamento, o juiz aplica uma multa de 10% sobre o valor da condenação e expede o mandato de penhora e avaliação, que é a determinação dos bens do executado que servirão de pagamento. Caso o credor tenha conhecimento dos bens do devedor, ele pode em seu requerimento indicar os bens a serem penhorados. O executado é então intimado (informado) da decisão do juiz. O executado pode impugnar a (reclamar da) decisão do juiz caso o executado já tenha pago, ou o devedor esteja cobrando mais do que tem direito, ou o valor esteja incorreto, ou uma das partes (executado ou exequente) envolvidas na execução não seja quem deveria estar envolvido, ou a cobrança esteja sendo feita com base em uma norma que tenha sido declarada inconstitucional pelo STF. A impugnação, via de regra, não para a execução, ou seja, o magistrado analisa a reclamação do executado enquanto dá prosseguimento nos atos da execução. Mas se por algum motivo o juiz decidir suspender a execução enquanto analisa a impugnação apresentada pelo executado, o exequente pode requerer seu prosseguimento oferecendo, em contrapartida, uma caução que garanta que o executado não será prejudicado caso o juiz julgue sua impugnação procedente.
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Para Entender Direito
Penhorado os bens, o juiz pode determinar que eles sejam adjudicados (entregues de forma definitiva) ao credor, ou que o credor os leiloe por sua conta, ou determinar que os bens sejam levados a leilão público conduzido pelo Judiciário (inclusive através da internet), ou que os bens sejam entregues em usufruto ao credor (ou seja, o credor pode utilizá-los por um determinado tempo, mas não se torna dono deles. Esses bens levados a leilão (se forem bens móveis) ou praça pública (se forem bens imóveis). Depois de arrematados, o dinheiro gerado será usado para quitar a dívida e a execução estará concluída. Se, por exemplo, a dívida era de R$ 1.000 e os bens vendidos geraram R$ 1.200, os R$ 200 extras serão devolvidos ao executado, pois a dívida dele era de apenas R$ 1.000. Se, ao contrário, os bens gerarem apenas R$ 800, realiza-se uma nova penhora, seguida de leilão (ou praça pública).
3.3.1 – Títulos executivos extrajudiciais Existe, contudo, um ponto que não foi mencionado a respeito da execução: ela pode ser feito baseado em outros documentos que não uma sentença judicial. Uma sentença judicial é conhecida como
título executivo judicial. É um “título” porque é um documento. É “executivo” porque pode ser executado no processo de execução. E é “judicial” porque foi proferida pelo Judiciário. Mas existem também os títulos executivos extrajudiciais, ou seja, títulos que são executáveis, mas que não são oriundos do próprio Judiciário. Eles podem ser executados diretamente, sem precisar passar pelo processo de conhecimento. Isso significa que se o devedor de um título executivo extrajudicial não cumprir com a obrigação, o credor irá saltar o processo de conhecimento e partirá diretamente para a execução. 110
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Para Entender Direito Os principais títulos executivos extrajudiciais são os cheques, as notas promissórias, as letras de câmbio, as duplicatas, as debêntures, as escrituras públicas, os documentos assinados pelo devedor e duas testemunhas, os aluguéis e condomínios, os contratos de hipoteca, o penhor, a caução, os seguros de vida e acidentes pessoais e as dívidas ativas da União, unidades federativas e municípios (divida ativa é aquela na qual o Estado é o credor). Em qualquer desses casos, a execução independe de um prévio processo de conhecimento. Assim como na execução de uma sentença, os títulos executivos extrajudiciais também precisam ser liquidados (determinar o valor correto) antes de serem executados. Uma vez que o valor seja conhecido, o executante irá apresentar a petição inicial baseada na sentença. Essa petição inicial é relativamente mais simples do que a de um processo de conhecimento, pois não se está tentando provar fatos e direitos. Apenas se pede que o pagamento seja efetuado. Por isso mesmo a lei permite que, assim que apresenta a petição inicial, o credor possa averbar os bens do devedor no cartório de registro de imóveis, no registro de veículos ou qualquer registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. Desta forma, o credor impede que o devedor venda ou disponha dos bens e acabe fraudando a execução. O juiz, depois de deferir a petição inicial, manda citar o executado, avisando a ele que ele tem 3 dias para pagar. Neste prazo de 3 dias o devedor pode pagar o que deve ou nomear bens a penhora, ou seja, apontar quais os bens pessoais dele que podem servir para pagar a dívida, se ele não tiver os recursos financeiros disponíveis para pagar a dívida em 3 dias. São exemplos de bens: dinheiro, pedras e metais preciosos, títulos (do governo, ações da bolsa etc.), móveis, veículos, animais, imóveis ou qualquer outra coisa que tenha valor financeiro. Como dito, se nesse prazo de 3 dias o devedor pagar, o processo de execução se extingue. Se nomear bens a penhora, esses bens serão levados a leilão (se forem bens móveis) ou
praça pública (se forem bens imóveis). Aqui também é possível ao credor indicar quais os bens do devedor que ele quer ver penhorado, caso ele saiba quais bens o devedor possui. Se o executado não nomear os bens a penhora ou pagar no prazo de 3 dias, o oficial de justiça penhora os bens que achar necessário para pagar a divida, começando sempre por aqueles mais líquidos (mais facilmente convertíveis em dinheiro). Feita a penhora, eles serão leiloados ou levados à praça, e o processo terá fim, como no caso acima. Na verdade, a única diferença é que quando o executado nomeia bens a penhora, ele tem a oportunidade de escolher quais os bens lhe farão menos falta, enquanto quando o oficial de justiça é quem os nomeia, ele nomeará baseado na facilidade de serem convertidos em dinheiro. Como no caso dos títulos executivos judiciais, o credor pode também ter os bens adjudicados a si (ou seja, ficar com os bens para si, pagando a diferença se os bens valerem mais do que o total da dívida), ou adquirir o seu usufruto. O devedor pode interpor embargos à execução. Os embargos à execução são o instrumento para questionar o direito de o exequente cobrar a dívida. Eles são interpostos principalmente quando o executado já pagou a dívida, quando o executado não é o devedor da dívida (ou o exequente não é o credor da dívida), quando o valor sendo executado está errado ou quando a dívida se tornou inexigível 111
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Para Entender Direito por alguma razão. Esses embargos, via de regra, não suspendem a execução, embora o juiz possa determinar a suspensão quando a continuação possa ocasionar dano relevante ao devedor. Se o juiz suspende o andamento do processo, o credor pode pedir seu prosseguimento dando, em contrapartida, uma caução que resguarde o devedor caso seu embargo seja julgado procedente. Uma vez interpostos os embargos, o exequente será intimado a defender-se. Se for necessário, haverá uma audiência de instrução e julgamento dos embargos. Se os embargos à execução forem julgados procedentes, o processo termina ali (ou o valor é revisado). Caso contrário, isto é, se o juiz decidir que o exequente está correto, ele ordenará o pagamento da dívida. Caso julgue que os embargos tinham intuito meramente protelatório (ou seja, tentavam apenas atrasar o processo), o juiz impoe uma multa de até 20% contra o devedor. Como se pode perceber, a relação não deveria estender-se além do processo de execução. 3.4 – Despachos, sentenças e decisões interlocutórias Um magistrado, quando está julgando um processo, pode tomar um desses três tipos de medida: despachos, decisões interlocutórias e sentenças.
Despachos são meras movimentações administrativas para que o processo seja encaminhado corretamente e atinja seu fim: decidir o problema. Por exemplo, quando um juiz determina que o escrivão numere as páginas de um processo, ele está despachando. Quando ele manda o oficial de justiça citar um réu, ele está despachando, afinal o processo não pode ir para frente se o réu não é citado. Como o despacho não é uma decisão, não cabem recursos contra ele. Já quando um juiz põe fim a um processo na primeira instância – com ou sem julgamento do mérito – ele está proferindo uma sentença. Se um tribunal põe fim ao processo, ele está proferindo um
acórdão. Em ambos os casos, é uma decisão final (ao menos naquela instância), e ela pode ser com ou sem julgamento do mérito. Mas quando um magistrado toma uma decisão que não põe fim ao processo, como a decisão de não intimar uma testemunha, de nomear fulano como perito, de não aceitar o parecer apresentado por Cicrano etc, ele está tomando uma decisão interlocutória. Decisões interlocutórias são todas aquelas decisões que não põem fim ao processo. Como são decisões, cabe recurso. 3.5 – Recursos Quando uma das partes não está satisfeita com alguma decisão – seja final, seja interlocutória – do magistrado, ela tem o direito de recorrer, desde que tenha um fundamento legal para esse recurso, ou seja, desde que seu recurso (a) esteja embasado em um direito ao menos aparentemente violado ou não analisado e (b) que seu recurso seja interposto no prazo devido pois, afinal, se transcorrer muito tempo significa que a pessoa não estava de fato contrariada com tal decisão. Os dois recursos mais conhecidos são o agravo de instrumento (também chamado apenas de 112
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Para Entender Direito agravo) e a apelação. O agravo é o recurso interposto contra uma decisão interlocutória no processo, ou seja, contra aquela decisão que não põe fim ao processo. Ele é um pedido para que a decisão seja analisada novamente antes que o processo que ele está conduzindo chegue ao fim. É uma tentativa de se evitar que pequenos erros possam levar a uma sentença injusta Uma derivação do agravo de instrumento é o agravo retido, que é um agravo de instrumento que não é analisado no meio do processo, mas apenas quando é oferecida a apelação. Ele fica retido no processo principal até que haja a sentença, e só será analisado se houver uma apelação. Caso não haja apelação, o agravo retido se torna inútil. É como se a parte dissesse “se houver apelação, quero que a primeira coisa que seja analisada seja esta questão aqui que eu acho importante. Mas como não quero ficar parando o processo, prefiro que ela só seja analisada se houver apelação”. Já a apelação é o recurso apresentado contra uma sentença da primeira instância. Um juiz pode errar em seu julgamento, especialmente porque julga sozinho. Por isso a lei concede ao perdedor da causa o direito a recorrer a uma segunda instância em vários casos. É o chamado duplo grau de
jurisdição, ou seja, uma causa pode passar pelo segundo grau para se ter certeza que a decisão não é injusta. A probabilidade de erro no segundo grau é bem menor pois os magistrados que julgarão a causa são mais experientes e a julgarão em conjunto, diminuindo a probabilidade de má interpretação da lei ou dos fatos. Na justiça comum, quando alguém quer recorrer contra um acórdão, i.e., a decisão definitiva proferida por um tribunal, esse recurso é dirigido ao STJ ou ao STF. O recurso feito ao STJ é chamado de recurso especial; e o recurso feito ao STF é chamado de recurso extraordinário. Depois da Emenda Constitucional 45 (de 2004), ficou mais difícil o uso do recurso extraordinário. Isso porque ele só será possível se a questão tiver impacto que vá além das partes envolvidas. Isso, porque, o recurso extraordinário só é possível se o recorrente conseguir demonstrar que seu recurso tem o que é chamado de repercussão geral, ou seja, que aquela causa é de interesse de toda a sociedade e não apenas das duas partes envolvidas. A idéia é que o STF, como tribunal constitucional, não deve perder tempo julgando causas que são de interesse de poucas pessoas quando há outras causas muito mais graves e que são de interesse de toda a sociedade. É através também da repercussão geral que o STF, quando percebe que há vários recursos sobre causas parecidas, pode escolher um deles, julgá-lo, e fazer com que sua decisão seja válida para todos os demais. Assim o STF decide de uma única vez milhares de casos semelhantes, evitando perder seu tempo julgando-os um a um. E mais, tão logo um recurso com repercussão geral entra na pauta do STF, todas as demais causas parecidas que estejam em tramitação nos outros tribunais ficam suspensas, esperando o julgamento pelo STF. Assim, evita-se que aqueles tribunais também percam seu tempo julgando uma causa que o STF escolheu decidir. E tão logo o STF decida, sua decisão é comunicada às demais cortes, que podem, inclusive, reverter sua própria decisão em casos semelhantes se ela era contrária à tomada pelo STF. Mais importante ainda é que não se pode recorrer nem da decisão que decide pela existência de repercussão geral (ou não) nem da decisão que decide sobre o mérito do recurso. Em outras palavras, se o STF decidir que não julgará o recurso porque a sociedade não tem interesse nesse julgamento, a parte que estava recorrendo não tem 113
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Para Entender Direito o direito de recorrer contra essa decisão. E se o STF decidir que irá julgar o recurso, depois que julgá-lo, a parte que sair perdendo também não poderá apresentar um novo recurso contra a decisão (exceto os embargos de declaração). Dois últimos detalhes importantes sobre a repercussão geral nos recursos extraordinários apresentados ao STF: primeiro, ela deve ter caráter constitucional, ou seja, o recurso extraordinário deve versar sobre algum assunto protegido pela Constituição pois o STF só julga causas constitucionais. Segundo, pela lei, apenas as causas que digam respeito a direitos econômicos, políticos, sociais ou jurídico podem ter caráter de interesse geral, ou seja, podem ser considerados de repercussão geral, mas nem todo assunto econômico, político, social ou jurídico será de interesse geral e, logo, não será necessariamente admitido como de repercussão geral. Além desses recusos, existem também outros, que começam com o termo embargo, mas que não são sinônimos entre si. Os embargos de declaração são muito simples: eles são um pedido para que um magistrado esclareça o que quis dizer em sua sentença ou acórdão, ou quando ele deixou de se pronunciar a respeito de algum ponto sobre o qual deveria ter se pronunciado. Em outras palavras, não é um recurso para pedir que o magistrado modifique ou re-analise sua posição, mas apenas que ele esclareça o que quis dizer, ou o que não disse. Os embargos à execução, como vimos quando estudamos os processos de execução, servem para o devedor executado discutir uma dívida que já tenha sido paga, ou cujo valor ou objeto esteja errado, ou que não pode mais ser cobrada. Já os embargos de terceiro são os instrumentos para que uma pessoa que não tem nenhuma relação com a disputa não tenha seus bens tomados ou perturbados. Por exemplo, se durante a disputa por um terreno entre Huguinho e Zezinho, Jujuzinho nota que eles estão brigando não só pelos terrenos deles, mas que parte de seu próprio terreno está sendo medida como se fosse de um dos litigantes, ele poderá entrar com embargos de terceiro para que seu bem não sofra qualquer dano. Os embargos infringentes são interpostos quando os acórdãos que houverem modificado uma sentença são alcançados de forma não unânime. Em outras palavras, como vimos, o propósito de um processo ser analisado por mais de uma instância superior é que, como ele será analisado por um colegiado de magistrados, a possibilidade de erro é menor. Mas se esse colegiado não consegue entrar em acordo, a parte contrariada pode propor os embargos infringentes, para que a questão seja analisada novamente. Muito parecido com os embargos infringentes são os embargos de divergência, que são usados, em recurso especial, quando a decisão de uma turma divergir da decisão de outra turma, da seção ou do plenário; e em recurso extraordinário, quando o julgamento de uma turma divergir do julgamento de outra turma ou do plenário. A tabela abaixo é um resumo dos principais recursos: Recurso Agravo
Objetivo Interposto contra decisões interlocutórias (que não põe fim a 114
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Para Entender Direito um processo) de um magistrado Apelação Embargo de declaração
Interposto contra a sentença (decisão que põe fim ao processo) proferida Para que o julgador esclareça ponto obscuro ou omisso da sentença Interposto pelo executado no processo de execução, sob a
Embargo à execução
alegação de já ter sido a dívida quitada ou de que seu valor é errôneo
Embargo infringentes
Interposto quando a decisão de um tribunal não tem caráter unânime Interposto por alguém não envolvido no processo para
Embargo de terceiros
proteger seus próprios bens/direitos contra a ameaça a sua posse. É o recurso apresentado ao STJ contra decisão de tribunal
Recurso especial
inferior, quando há interpretação contraditória/conflitante de lei federal
Recurso extraordinário
É o recurso apresentado ao STF contra decisão de qualquer outro tribunal, por haver questão constitucional envolvida.
Os recursos, quando aceitos, podem ser recebidos em efeito devolutivo e/ou suspensivo, dependendo do recurso e do caso. Devolutivo significa que ele é enviado à instância superior para o reexame da questão. Já o caráter suspensivo significa que o processo, esteja ele onde estiver, ficará parado até que o recurso seja julgado. Por exemplo, se um recurso especial é recebido em caráter apenas devolutivo, isso quer dizer que a execução da decisão tomada no acórdão pode prosseguir enquanto o recurso especial é analisado. Se um agravo de instrumento é recebido em caráter devolutivo e suspensivo, isso significa que o processo ficará parado até que o agravo seja julgado pelo tribunal. 3.6 – Sentença transitada em julgado e ação rescisória Como vimos, a parte descontente tem direito ao duplo grau de jurisdição, para que se evite condenações ou absolvições equivocadas. E em alguns casos, é possível até mesmo o recurso especial e/ou o recurso extraordinário. Mas o objetivo de um processo é chegar a uma decisão. Não se pode continuar recorrendo infinitamente. Caso contrário, as pessoas não teriam incentivo para levar o problema ao Judiciário (já que o processo jamais terminaria) e resolveriam suas disputas com as próprias mãos. Para evitar isso, existe algo chamado sentença transitada em julgado, que é a sentença contra a qual não cabe mais recurso. Depois que a sentença transita em julgado tem-se a certeza do status jurídico dos litigantes. Já se pode falar em um condenado ou em um absolvido. Até que a sentença transite em julgado, só se pode falar que “fulano foi condenado em tal instância, mas ele ainda pode
apresentar recurso a tal órgão do judiciário”. Mas depois que ela transita em julgado, pode-se falar que 115
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Para Entender Direito “fulano foi condenado” ou “Cicrano foi absolvido”, ou seja, já se tem a certeza da condenação (ou absolvição) porque não se vai poder recorrer dessa decisão. O trânsito em julgado ocorre quando o prazo para o recurso terminou, ou quando já não cabe mais recurso para o caso. No direito civil existe uma única forma de se modificar a sentença transitada em julgado: a ação
rescisória, que como o nome diz, é uma nova ação e não um recurso. E ela é muito rara, pois altera um dos objetivos fundamentais da justiça que é o de dar segurança sobre qual a situação jurídica que impera. A ação rescisória só cabe em pouquíssimos casos, como quando o juiz foi de alguma forma corrompido, estava impedido ou não era o juiz certo para aquele caso, quando o réu não foi citado para se defender (ou seja, quando ele não foi informado que havia um processo contra si), quando as provas apresentadas eram comprovadamente falsas, quando o juiz julgar em desacordo com o que estabelece a lei, quando o assunto já tiver sido resolvido por outra sentença transitada em julgado, ou quando as partes se unirem para fraudar a lei. 3.7 – Liminares A liminar é um dos tipos de decisão interlocutória. Ela antecipa em caráter temporário o pedido de uma das partes. Isso não significa que ela termina o processo ou que a parte que tem a liminar concedida a seu favor está certa. Isso significa apenas que a parte que a teve concedida a seu favor
parece estar certa. Tanto é assim que a liminar pode ser revertida no curso do próprio processo, por decisão de instância superior (decorrente de um agravo ou acórdão) ou na sentença pelo próprio juiz que a concedeu. Liminar e cautelar são coisas distintas. Enquanto a liminar visa atender um pedido da parte que parece estar certa, a cautelar visa proteger um processo. Enquanto uma liminar é uma decisão interlocutória (e por isso deve estar dentro de um processo), a cautelar é um processo em si. Uma liminar pode, inclusive, ser requerida e concedida em um processo cautelar. Para que uma liminar seja concedida são necessárias três coisas: a) Que uma parte a peça; e b) Que essa parte pareça ter o direito àquilo que pede ser concedido liminarmente, ou o que os advogados chamam de fumus boni iuris – fumaça do bom direito (literalmente uma referência ao ditado popular de que onde há fumaça há fogo. Ou seja, que há um direito verdadeiro onde parece havê-lo); e c) Que haja o risco um dano real e iminente se a liminar não for concedida, ou o que os advogados chamam de periculum in mora (perigo em caso de demora), ou seja, que pode haver um dano irreparável se a liminar não for concedida imediatamente. 3.8 – Sentenças de tribunais arbitrais
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Para Entender Direito As sentenças dos tribunais arbitrais, embora não sejam proferidas pelo poder Judiciário, são consideradas títulos executivos extrajudiciais. Ou seja, aquele que perdeu o processos arbitral é obrigado a cumprir a decisão. Se não cumpri-la, o vencedor do processo pode requerer ao Judiciário, por meio do processo de execução, que a solução seja cumprida, como se fosse uma sentença judicial. Afinal, se as partes concordaram que o problema seria decidido pelo tribunal arbitral, aquela que perdeu não pode mudar de idéia só porque perdeu. Vai ter de cumprir! E se não cumprir, a parte vencedora pode executar a sentença. Contudo, se o processo arbitral não respeitou as regras estipuladas ou se não houve um julgamento imparcial, esses fatos serão apurados em um processo de conhecimento pelo Judiciário, que poderá anular o processo arbitral. 3.9 – Direito adquirido Direito adquirido é aquele que não está sujeito a uma espera ou a uma condição que dependa da vontade de outra pessoa para começar a ser exercido. Em outras palavras, ele é um direito que a pessoa tem em seu patrimônio de direitos. Ele ainda não foi feito valer, mas já existe – porque nasceu no passado – e tem força para se impor. Não existe nenhuma condição que esteja ao arbítrio de alguém para que ele seja exercido. Por ele já ser um direito certo, ele não pode ser modificado pela lei que nasça depois que ele se estabeleceu, ainda que a lei nasça antes de ele começar a ser exercido ou de a pessoa que o possui reclamá-lo. 3.10 – Súmula vinculante O §2º do art. 102 e o art. 103-A da Constituição (modificado e introduzido, respectivamente, pela Emenda Constitucional 45), trouxeram uma das maiores modificações na história recente do Judiciário brasileiro: a chamada súmula vinculante. Dizem eles: Art. 102 §2º “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal” “Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 117
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Para Entender Direito § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.” Súmula vinculante significa que os magistrados nas instâncias inferiores devem seguir a orientação dos magistrados nas instâncias superiores. Em outras palavras, se o STF julgar que para os casos similares vale uma determinada regra, o juiz de direito na primeira instância não poderá dizer que a regra a ser aplicada é outra. Por exemplo, até 2004, se o governo modificasse as regras de um determinado tributo, milhões de pessoas poderiam iniciar ações contra essa mudança defendendo seus próprios interesses. Essas milhões de ações tomariam o tempo de milhares de magistrados e poderiam gerar milhões de decisões distintas. Huguinho e Zezinho, embora tivessem casos idênticos, poderiam ter sentenças distintas porque as ações foram julgadas por magistrados distintos, que deram interpretações distintas ao caso. Com a súmula vinculante, mesmo que as ações sejam julgadas por magistrados distintos, as decisões deverão ser similares pois os magistrados perderam a autonomia para decidirem como bem quisessem nos casos em que exista uma súmula. Apenas o STF pode aprovar uma súmula vinculante. E mais: para que ela seja aprovada, é 2
necessário que – no mínimo – /3 dos ministros do STF a aprovem. Além disso, é necessário que a matéria tenha cunho constitucional e que seja uma questão que tenha gerado diversas decisões do próprio STF no mesmo sentido. Obviamente muitos magistrados das instâncias inferiores não gostaram da idéia de perderem sua autonomia, e a sociedade corre o risco de, caso o STF aprove uma súmula que lhe seja prejudicial, ficar automática e perenemente à mercê do dano causado pelo STF (já que apenas o STF pode modificar sua própria súmula vinculante). Por outro lado, como agora há uma imposição sobre como os casos similares devem ser interpretados, a justiça se torna muito mais célere, já que todos os magistrados sabem como devem julgar aquele tipo de caso, e o governo sabe qual é a interpretação que será dada em todos os juízos do país. 3.11 – Habeas-corpus , habeas-data e mandado de segurança
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Para Entender Direito Quase todos os dias ouvimos na TV os termos habeas –corpus e mandado de segurança. Mas o que eles significam? Todos temos o direito de ir e vir, exceto quando a lei nos impede. Se alguém – ainda que seja uma autoridade do Estado – restringe ou ameaça restringir esse nosso direito sem um embasamento legal, cabe o habeas-corpus. Por exemplo, se o delegado de polícia resolve prender alguém sem ser em flagrante ou sem ter um mandado de prisão, ou se o condenado não é solto depois de ter cumprido sua pena, caberá o pedido de habeas-corpus, que independe da interferência de um advogado, ou seja, qualquer pessoa pode interpô-lo a seu favor ou a favor de terceiro. No habeas-corpus a pessoa que sofre a coação ilegal é chamada de paciente, e a pessoa que age ilegalmente é chamada de autoridade coatora. Um outro termo menos comum é o habeas-data. Se alguém quer saber o conteúdo das informações existentes a seu respeito em um arquivo governamental ou público, ou deseja ratificar essas informações, e quem gerencia esse arquivo lhe opõe resistência, essa pessoa poderá impetrar o habeas-
data. Por exemplo, se Zezinho quer saber quais informações existentes a seu respeito estão em alguma instituição que preste serviço de proteção ao crédito, e essa instituição lhe nega acesso a tais informações, ou se um ex-militante deseja saber quais as informações existentes a seu respeito nos arquivos do extinto SNI – Serviço Nacional de Informação, ele poderá impetrar um habeas-data. Já o mandado de segurança pode ser impetrado para proteger um direito que seja líquido (i.e., que não precisa esperar que uma condição ou prazo para que seja exercitável pois ele já é válido) e certo (i.e., que é um fato determinado, específico) que não esteja sendo respeitado por uma autoridade pública ou pelo agente de uma pessoa jurídica que esteja exercendo uma atribuição do poder público. Por exemplo, se funcionário do INSS se recusa a pagar a aposentadoria de alguém, ou se o diretor de uma faculdade se recusa a autorizar a inscrição de alguém aprovado no vestibular, caberá o mandado de segurança. O mandado de segurança só é possível quando não forem possíveis o habeas-corpus ou
habeas-data, pois estes dois são instrumentos mais especializados. Tanto o habeas-corpus quanto o habeas-data e o mandado de segurança são tipos de ações.
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Para Entender Direito
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Para Entender Direito Capítulo 4 – Direito Penal O direito penal – junto com o direito tributário e o previdenciário – é uma das áreas do direito que está mais presente em nosso imaginário quando falamos de direito. Isso porque essas três áreas nos remetem aos nossos instintos de auto-preservação, seja contra o outro, seja contra o Estado, e tendemos a relacionar o impacto dessas três áreas do direito mais diretamente no nosso cotidiano. Se alguém é eleito presidente, é difícil fazer uma conexão direta do impacto dessa eleição em nossas vidas pessoais (exceto se fazemos parte do partido adversário). Mas se o presidente aumenta um imposto ou se o Congresso diminui a pena de um crime, ou se a idade para nos aposentar aumenta, nos sentimos imediatamente mais expostos. Existem dois princípios no direito penal que são importantíssimos. O primeiro diz que não há delito sem lei anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal (ou nullum crimen sine
lege, nulla poena sine praevia lege, como dizem os juristas). Isso quer dizer que alguém só pode ser condenado por um delito se quando ele agiu aquele ato já era considerado um delito e a pena para aquele delito já estava estabelecida. Digamos, por exemplo, que Zezinho resolve entrar no fórum despenteado. Isso, hoje, não é um delito. Se algum congressista que não gosta de Zezinho decidir elaborar uma lei que diz que entrar despenteado nos fóruns será considerado um crime e a lei entrar em vigor amanhã, Zezinho não poderá ser considerado um criminoso por ter entrado no fórum despenteado hoje, já que hoje sua conduta não era definida como delito. E mais: a pena também tem de estar definida. Ainda que um ato seja definido como crime, uma pessoa não pode ser condenada se, quando ela agiu criminosamente, o crime não tinha a sua pena definida. Em outras palavras, a lei é obrigada a informar às pessoas quais as consequências para suas ações e omissões para que elas possam ponderar se vale ou não a pena agir ilicitamente. As leis penais deixam a cargo de cada pessoa decidirem como querem agir. O que ela faz é dizer “olha, se você agir de tal forma você será punido com tantos anos de prisão”. Por exemplo, se lermos com cuidado nossas leis, veremos que não existe lei no Brasil que proíba matar alguém. A lei apenas diz que a pessoa que matar estará sujeita a uma pena que varia entre 6 e 20 anos de reclusão. Fica a critério da pessoa decidir se quer assumir o risco de passar os próximos anos de sua vida presa. E para que ela possa fazer essa opção, é necessário que a pena esteja estabelecida para que a pessoa saiba ponderar se vale a pena agir ilegalmente. Algumas, infelizmente, decidirão que sim; e a grande maioria, que não. Enquanto o primeiro princípio – não há crime sem lei anterior que o defina – é algo que encontramos em todos os países democráticos, o segundo não é algo que se encontra em todas as democracias. Se olharmos as leis penais inglesas, por exemplo, veremos que existem crimes com penas por tempo indeterminado. Caberá ao juiz decidir quando e se libertará o condenado. O segundo princípio está relacionado com o anterior, e diz respeito à retroatividade da lei. Como vimos, alguém não pode ser condenado por uma conduta que não é considerada criminosa ao tempo da ação. 121
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Para Entender Direito Mas o contrário pode ocorrer: digamos que Joãozinho foi pego fumando um cigarro de maconha. Hoje o uso de maconha é considerado um delito no Brasil. Mas digamos que daqui a um mês seja promulgada uma lei que legalize o uso da maconha. Joãozinho, que estava cumprindo pena pelo uso, não mais precisará cumprí-la. A lógica é que não há razão para a sociedade manter alguém cumprindo uma pena se ela mesma já decidiu que aquela conduta não deve mais ser considerada delituosa. Ou seja, a lei retroagirá para beneficiar a pessoa, mas nunca para prejudicá-la. 4.1 – Tipo penal, delito, crime e contravenção penal Quando uma lei define uma ação (ou omissão) como um delito, ela está estabelecendo um tipo
penal. Essa expressão estranha significa a descrição de uma conduta considerada delituosa. Para que uma conduta seja definida como delito, é necessário que ela se ajuste perfeitamente a um tipo penal, ou seja, a uma conduta definida como criminosa pela lei. Por exemplo, o art. 121 do Código Penal diz que homicídio é “matar alguém”. Se Zezinho mata uma onça, não terá cometido um homicídio, pois uma onça não é ser humano, e apenas os seres humanos podem ser definidos como “alguém”. Em outras palavras, matar um animal não se ajusta ao tipo penal do homicídio. Mas se ajusta perfeitamente a um outro tipo penal: contra a fauna. É o que diz o art. 29 da lei 9.605/98: “Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória (...)”. Apenas quando a conduta se ajusta perfeitamente ao tipo penal descrito na lei é que há o delito. No exemplo do homicídio, é necessário que o ofendido (a) seja um ser humano, e (b) que a intenção seja matá-lo. Se a intenção do criminoso é apenas ferir a vítima, não será homicídio, mas sim lesão corporal, que é um outro tipo penal. Os delitos são divididos em dois grupos: crimes e contravenções. Crimes são os delitos mais graves, enquanto as contravenções são os delitos mais leves. Um homicídio, tráfico de drogas, furto, estupro e aborto são exemplos de crimes. Já o jogo-de-bicho, provocação de tumulto, vadiagem, exumação de cadáver e embriaguez são exemplos de contravenções. É a lei que define o que será considerado crime e o que será considerado contravenção. Se uma ação (ou omissão) não é definida como crime ou delito, ela será lícita. Quando um crime deixa de ser crime e passa a ser apenas uma contravenção, diz-se que houve a descriminação da conduta. Na descriminação, a conduta continua sendo um delito, passível de punição. Apenas o tipo de punição e sua forma de cumprimento é que se tornam mais amenos. Por exemplo, se Zezinho está com seu cigarro de maconha e o uso de maconha foi descriminado, ele continua suscetível às penas da lei se for pego. Mas se o uso da maconha for legalizado, já não haverá mais delito. Seu uso será lícito e Zezinho poderá, inclusive, pedir emprestado o isqueiro do policial para acender seu baseado.
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Para Entender Direito
4.2 – Dolo e culpa Quando alguém quer cometer um delito ou assume o risco de cometê-lo, ele estará agindo dolosamente. Mas se ele cometeu o crime apenas por negligência, imprudência ou imperícia, ele estará agindo culposamente. Assim, se Pedrinho dá um tiro em Zezinho, ele agiu dolosamente, pois quis matá-lo. Se pega um revólver, retira a metade dos projéteis, coloca-o contra a cabeça de Zezinho e diz que vai brincar de roleta-russa, aperta o gatilho e o mata, ele pode até não ter querido matá-lo, mas assumiu o risco de fazê-lo e, por isso, terá agido dolosamente, pois ninguém em sã consciência brinca de roleta russa sem saber que está assumindo o risco de fazer a arma disparar. Por outro lado, se Mariazinha deixa seu revólver cair da bolsa sem querer, e ao bater no chão ele dispara e mata Rosinha, ela não desejou e nem assumiu o risco de matar Rosinha, mas agiu com imprudência, pois ninguém deveria andar com uma arma destravada em uma bolsa. Imperícia é quando alguém que deveria dominar uma técnica não a domina. É o caso do médico que erra na hora de suturar um paciente. Depois de seis anos estudando medicina, ele deveria saber suturar. Se não sabe, é imperito. Negligência é quando aquele que deveria tomar conta para que uma situação não aconteça, não presta a devida atenção e a deixa acontecer. É o caso da mãe que deveria tomar conta do neném quando está dando banho nele, vai atender o telefone e o neném acaba se afogando. Ela não queria e nem assumiu o risco de matá-lo, mas não tomou conta o suficiente para evitar sua morte. Imprudente é a pessoa que não toma os cuidados que uma pessoa normal tomaria. É a pessoa que, ao dar marcha-ré com o carro, esquece de olhar para trás e acaba atropelando alguém. Como a separação entre imprudência, negligência e imperícia é, às vezes, muito tênue, a lei não faz diferenciação entre essas três formas de agir. Todas são consideradas formas culposas de agir. Quando estamos lendo uma lei penal, temos que tomar cuidado para diferenciar o dolo da culpa. Primeiro, porque as punições contra as modalidades dolosas são bem mais severas, pois o agente quis o resultado e, segundo, porque a regra é que todo delito é punido apenas na forma dolosa (eles não são punidos quando a pessoa o cometeu sem querer). Apenas quando a lei diz especificamente que aquele crime também é punido na modalidade culposa, é que ele poderá ser punido mesmo que o agente não o quis cometer. É o caso do homicídio, por exemplo. O art. 121 do Código Penal diz que quem matar
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Para Entender Direito alguém será sentenciado entre 6 e 20 anos de prisão. Como ela não falou nada, deduz-se que essa punição é para a modalidade dolosa. Mas no §3º do mesmo artigo ela diz: “se o homicídio é culposo – detenção de 1 a 3 anos”. Apenas porque ela disse que o homicídio também é punível na modalidade culposa é que existe o homicídio culposo. Já o art. 155, por exemplo, diz que quem furtar será apenado com 1 a 4 anos de reclusão. Como não há menção à modalidade culposa, ninguém pode ser condenado por furto se pegou um bem móvel sem querer e o levou para casa. Exemplos Dolo e culpa Tribunal do júri Culpa x dolo, e perdão judicial Dolo eventual Imperícia
4.2.1 – Autoria, co-autoria e participação Quem comete um delito é chamado de autor do delito. Não importa se a pessoa queria ou não cometê-lo: o delito só ocorreu porque aquela pessoa agiu (ou se omitiu). Em outras palavras, a autoria está ligada ao fato de a pessoa ter gerado o delito, e não à sua intenção. A intenção – se houve dolo ou apenas culpa – será apurada em seguida, quando o magistrado estiver julgando o autor. Mas, sem autor, não há sequer como apurar se houve ou não dolo, ou mesmo se foi apenas um acidente. Em outras palavras, não há como julgar um crime sem que alguém seja acusado de sua autoria. Além disso, via de regra, no Brasil, apenas pessoas físicas podem ser autoras de um delito. Uma empresa não pode cometer um crime, por exemplo. Quem trabalha para ela é quem comete o crime. Há uma exceção à essa regra, contudo: os crimes ambientais. Diz nossa lei de crimes ambientais que as empresas podem ser punidas criminalmente pelo dano que gerarem contra o meio ambiente. Esse é um assunto que ainda gera muita polêmica entre nossos juristas, pois uma boa parcela diz que (a) isso é apenas uma tentativa de nos ‘americanizarmos’ (já que nos EUA a personalidade jurídica das empresas é tratada cada vez mais como a personalidade física de um indivíduo), e (b) que isso foge de toda a doutrina jurídica brasileira. Não vale a pena aqui entrar no debate sobre quem está certo ou errado, mas vale lembrar, contudo, que embora não seja possível prender uma empresa, é possível, sim, multá-la, suspender seus direitos e até mesmo ‘matá-la’ (desconstituí-la). Mas, ao que importa: às vezes mais de uma pessoa participa de um delito. É o que chamamos de participação. Essa participação pode acontecer de duas formas distintas: a participação de todos os delinquentes tem mais ou menos o mesmo peso, ou alguns deles apenas auxiliam de maneira superficial. No primeiro caso, temos a co-autoria; no segundo caso, temos a participação. Os coautores não precisam necessariamente ter feito a mesma coisa. Dois homicidas que matam a vítima são coautores do crime de homicídio, mas alguém que planeja o roubo é tão autor quanto
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Para Entender Direito a pessoa que foi ao local e executou o plano. Sem um, o outro não teria conseguido cometer o delito. Nesse último exemplo, ambos são coautores, embora o primeiro seja normalmente chamado de ‘autor intelectual’, pois foi dele o plano (o ‘intelecto’). Em qualquer caso, o magistrado, quando for aplicar a pena, vai analisar o grau de participação de cada indivíduo para aplicar a pena. Cada pena pertence apenas a quem agiu, e na medida de sua ação ou omissão. Mas se a participação de uma pessoa é muito menor do que a dos demais, ele passa a ser tratado como partícipe, e sua pena pode ser reduzida de um sexto até um terço. É o caso, por exemplo, do criminoso que apenas se livra do carro usado por outros criminosos para cometer o roubo do exemplo acima, ou do criminoso que compra a arma para outra pessoa cometer o homicídio. Em ambos os casos os crimes teriam ocorrido sem a participação dessa pessoa, mas ela de alguma forma facilitou o cometimento daqueles crimes. 4.3 – Consumação, tentativa, arrependimento eficaz e arrependimento posterior Quando uma pessoa age exatamente conforme o tipo penal previsto
(ou seja, a descrição
teórica do crime que está na lei) e consegue seu intento, diz-se que o crime foi consumado. Por exemplo, se Zezinho compra uma espingarda, compra os cartuchos, entra na casa de Rosinha, dispara a arma e mata Rosinha, ele consumou o crime de homicídio. Mas se o autor não consegue atingir seu objetivo por um motivo alheio à sua vontade, diz-se que o crime foi tentado. Assim, se Zezinho entra na casa, dispara sua arma contra Rosinha, mas o tiro não a mata, diz-se que houve a tentativa de homicídio. A pena da tentativa é a mesma da consumação, reduzida de um a dois terços. Dois detalhes sobre a tentativa: primeiro, a lei diz que não há punição para as tentativas nas contravenções penais. É uma decisão de política criminal do legislador, para evitar que agentes que sequer chegaram a consumar delitos já considerados menores venham a ser punidos. Ninguém pode ser punido por “tentativa de jogo-de-bicho”, por exemplo. Segundo, como nos crimes culposos não há a vontade do autor (ele comete o crime por imprudência, negligencia ou imperícia, como vimos), não se pode dizer que ele tentou (ou seja, quis) algo mas não conseguiu por algum motivo alheio à sua vontade. Desta forma, não se pode falar em tentativa nos crimes culposos. Se o agente desiste voluntariamente de cometer o crime ou impede que seus resultados se produzam, ele só responde pelos atos que ele já tiver praticado, se estes atos forem considerados delitos. É o chamado arrependimento eficaz (ou desistência voluntária). Por exemplo, se Zezinho comprou a arma, os cartuchos, entrou na casa de Rosinha, mirou, mas antes de apertar o gatilho desistiu de matá-la, ele não responderá nem por homicídio consumado nem por tentativa de homicídio, pois desistiu de cometê-lo, mas responderá pelos atos já praticados, ou seja, responderá pelo crime de violação de domicílio (cuja pena é de 1 a 3 meses) e, talvez, pela exposição a perigo (cuja pena é de 3 meses a 1 ano). Por fim, se um crime é consumado, mas este crime não é cometido com violência ou grave ameaça e o agente repara o dano antes que o processo se inicie, a pena dele será reduzida de um a dois 125
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Para Entender Direito terços. É o chamado arrependimento posterior. Por exemplo, se alguém esconde um documento para obter algum proveito, ele está cometendo o crime de supressão de documento. Mas se depois de ocultar o documento e obter o proveito que desejava ele se arrepende e repõe o ganho que teve graças à ocultação do documento, ele terá sua pena reduzida de um a dois terços. 4.4 – Excludentes de ilicitude Às vezes, mesmo que as ações de um ato definido como tenham sido consumadas, a conduta do agente não será considerada criminosa. São as chamadas excludentes de ilicitude ou excludentes de
antijuridicidade. São quatro as excludentes de ilicitude: o estado de necessidade, a legitima defesa, o exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal. Vejamos cada um deles:
4.4.1 – Estado de necessidade O estado de necessidade ocorre quando uma pessoa fere um direito para salvar um outro direito maior ou do mesmo grau, seu ou de outra pessoa, de um perigo que não causou e não pode evitar. Por exemplo, se Zezinho está em um prédio pegando fogo e precisa salvar sua vida, ele pode quebrar uma vidraça para escapar. Embora quebrar uma vidraça seja normalmente considerado um crime de dano, a conduta de Zezinho não será considerada criminosa porque ele estava agindo para salvar um direito maior que o patrimônio do dono da vidraça: sua vida.
4.4.2 – Legítima defesa Já a legítima defesa acontece quando alguém repele uma agressão injusta contra si ou contra outra pessoa, usando dos meios razoáveis. Por exemplo, se Zezinho aponta uma arma e ameaça atirar contra Mariazinha, ela poderá atirar em Zezinho para defender sua vida. Novamente, deve haver proporcionalidade entre o direito ameaçado e o direito ferido para protegê-lo. Se Zezinho ameaça jogar um livro na cabeça de Mariazinha, ela não pode atirar contra ele, pois há uma clara desproporcionalidade entre a ameaça e a reação.
4.4.3 – Exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal O art. 129 do Código Penal diz que ofender a integridade física de alguém consiste em crime de lesão corporal, apenado entre três meses e um ano. Quando um cirurgião corta a pele de alguém com um bisturi, ele está inquestionavelmente ofendendo a integridade física de alguém. Então, por que ele não responde por este crime? Porque ele está exercendo seu direito regularmente. Da mesma forma, um soldado que mata o inimigo em uma guerra ou o oficial de justiça que arromba uma porta para executar uma sentença não responderão pelos crimes de homicídio e invasão de domicílio, respectivamente, porque estarão cumprindo estritamente os seus respectivos deveres legais. Como às vezes a diferença entre o exercício regular de direito e o estrito cumprimento do dever legal não é muito clara, eles acabam sendo tratados como se fosse um único grupo. 126
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Para Entender Direito
4.5 – Principais crimes relacionados à morte Os seis crimes mais usuais que têm relação com a morte são (a) o homicídio, (b) o infanticídio, (c) o aborto, (d) a indução, instigação ou auxílio ao suicídio, (e) a lesão corporal seguida de morte e (f) o latrocínio. Isso não quer dizer que esses sejam os únicos crimes em que a consequência seja a vítima morrer. Existem outros crimes cujo o resultado é a morte, como o abandono de incapaz seguido de morte, omissão de socorro em que a vítima morre, maus-tratos com resultado morte, extorsão mediante sequestro com morte do sequestrado, estupro e atentado violento ao pudor qualificados pela morte da vítima etc.
4.5.1 – Homicídio Diz o artigo 121 do Código Penal: “Art. 121 - Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 a 20 anos” Esse é o crime mais fácil de ser identificado pois seu tipo jurídico (descrição) é composto de duas meras palavras: matar e alguém. “Matar” é tirar a vida. “Alguém” é um ser humano. Portanto, se alguém tira a vida de alguém, trata-se de um homicídio. Se ele quis este resultado, trata-se de um crime doloso. Se ele não quis, mas sua imprudência, negligencia ou imperícia levou à morte de alguém, trata-se de homicídio culposo, que é definido pelo §3º do mesmo artigo: “3º - Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de 1 a 3 anos” Repare que a pena é muito diferente: ela cai de seis a vinte anos para um a três anos. Isso porque o agente, no primeiro caso (dolo) quis o resultado. No segundo caso (culpa) ele causou o resultado sem querer. Como nós vimos antes, via de regra a lei não pune a modalidade culposa dos crimes, mas no caso do homicídio, como o bem jurídico ofendido (a vida) é muito precioso, a lei resolveu punir o agente. É uma forma de a lei constranger a todos a agirmos com todo o cuidado para preservarmos a vida dos outros. E mais: se o homicídio culposo acontece porque o agente não observou as regras técnica de sua profissão, arte ou ofício (por exemplo, um médico deixou de tomar as precauções que todo médico toma e acaba causando a morte do paciente), ou se o agente não presta socorro imediato à vítima, ou não tenta diminuir as consequências de seu ato, ou se foge para evitar a prisão em flagrante, a pena é aumentada em um terço. É um caso de aumento de pena. No homicídio culposo, se as consequências da morte da vítima atingirem o agente de forma tão 127
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Para Entender Direito grave que a pena se torne desnecessária, o juiz pode deixar de aplicar a pena. Ou seja: o agente é condenado, mas na sentença que o condena o juiz deixa de aplicar-lhe uma pena. É o chamado perdão
judicial. Ele é usado principalmente nos casos de homicídio culposo que acontece no seio da própria família. Por exemplo, se uma mãe sem querer mata seu filho deixando-o cair da escada, ela terá praticado homicídio culposo. Teoricamente, ela seria punida com um a três anos de detenção. Mas seria ilógico o juiz aplicar uma pena em uma mãe que já se sentirá culpada até o fim de sua vida pela morte de seu filho. Neste caso, o juiz usará o perdão judicial. O perdão judicial não pode ser aplicado a qualquer crime. Apenas quando a lei expressamente autoriza, como no homicídio culposo, na injúria, no adultério, falso registro de nascimento, subtração de incapazes etc., e ainda assim, desde que atendidas todas as exigências da lei para a sua concessão. No caso de um homicídio culposo, o juiz concederá o perdão apenas se perceber que a mãe que matou o filho realmente se abalou. E mais um outro detalhe: o perdão deve ser concedido pelo juiz. Esse ponto será importante para diferenciarmos o perdão judicial da anistia, da graça e do indulto, no próximo capítulo. Voltando ao homicídio doloso: sempre que um homicídio se torna mais grave devido a alguma razão especial, ele é chamado de qualificado. Segundo o §2º do artigo 121, o homicídio é qualificado: “§ 2º - Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de 12 a 30 anos” Se o agente comete o crime incorrendo em duas das formas descritas acima – por exemplo, a pessoa mata por um motivo fútil usando explosivo – o homicídio diz-se duplamente qualificado, pois houve duas qualificadoras. Isso não quer dizer que o juiz imporá duas penas, mas apenas que, quando ele for decidir qual a pena aplicar (e ele aplicará uma pena entre 12 e 30 anos), ele levará em conta que houve duas qualificadoras e imporá uma pena mais severa (mais próxima de 30 anos). Por outro lado, se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. É o chamado homicídio privilegiado, previsto no §1º do art. 121: “§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço” 128
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Para Entender Direito
Como se pode ver, a lei tende a usar uma combinação de elementos subjetivos e objetivos. São elementos objetivos o uso de explosivo, fogo, veneno etc. São elementos subjetivos a violenta emoção, o relevante motivo moral ou social, o motivo fútil, a crueldade etc. Os elementos objetivos são fáceis de serem verificados: ou há ou não há. Mas os elementos subjetivos dependem do convencimento de quem tem a obrigação de julgar. Em outras palavras, não é uma mera equação matemática. O que é um motivo fútil para uma pessoa pode ser uma forte emoção para outra. O advogado de defesa de um marido traído que mata a esposa pode alegar que ele estava sob violenta emoção, e por isso deve ter sua pena reduzida, enquanto a acusação alegará que ele matou a esposa por um motivo fútil, já que qualquer ser humano deve estar preparado para suportar a rejeição, e que por isso ele deve ser condenado por homicídio qualificado. Qual das duas hipóteses será aceita – se alguma vier a ser aceita – vai depender do grau de convencimento que estes argumentos têm em quem tem a obrigação de julgar. Por fim, a pena do homicídio doloso é aumentada de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 anos ou se ele é praticado por milícias privadas prestando ‘serviços de segurança’ ou grupos de extermínio.
41
4.5.2 – Infanticídio O infanticídio é um crime que parece muito com o homicídio. Na verdade, ele é uma espécie de homicídio, só que o legislador resolveu tratá-lo como se fosse outro crime, por possuir uma circunstância muito especial: é o caso da mãe que mata o filho durante o estado puerperal. “Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de 2 a 6 anos” Se compararmos a descrição feita pelo artigo 123 com o artigo 121, que trata do homicídio, veremos que eles são muito parecidos: os dois tratam de matar alguém. O dolo (a vontade do agente), em ambos os casos, é tirar a vida de alguém. Só que no infanticídio, tanto o agente quanto a vítima têm características únicas – o vínculo mãe-filho – e o crime deve acontecer em um momento único: durante o estado puerperal. Estado puerperal é a alteração psíquica que algumas mulheres sofrem logo após o parto e que a levam a um estado alterado de comportamento. O estado puerperal, para as finalidades legais, não tem um tempo limite para terminar. Ele começa com o nascimento e termina quando a alteração psíquica causada pelo nascimento do filho na mãe cessa. Se ele durará alguns minutos ou alguns dias ou mesmo semanas, dependerá da parturiente e dos argumentos usados pelo advogado para convencer o julgador. Se a mãe matar o filho após o estado puerperal, responde por homicídio. Se a mãe matar outra pessoa que não o filho durante o estado puerperal, também responde por homicídio. 41
Não confunda qualificação com aumento de pena, e nem agravante. São coisas distintas que veremos com mais detalhes quanto estivermos vendo como o juiz calcula uma pena. 129
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Para Entender Direito Como a lei não prevê a modalidade culposa, não há infanticídio culposo.
4.5.3 – Aborto “Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de 1 a 3 anos” O aborto é outra figura também parecida com o infanticídio e o homicídio. Só que na descrição do crime de aborto não se fala em matar alguém, pois a lei brasileira não considera o feto (aquele que ainda não nasceu) como uma pessoa, ou seja, ele não é alguém. O feto, para nossa legislação, tem
expectativa de direito e não direitos. Se nascer com vida, adquire todos os direitos inerentes a qualquer um de nós. Mas se não nascer com vida é como se jamais houvera existido no mundo jurídico. O que a legislação penal visa proteger é justamente essa expectativa de direitos. Se a gestante provocar o aborto em si mesma ou pedir ou permitir que alguém o provoque, ela (a gestante) será condenada não por homicídio – pois não havia alguém para ser morto – mas por aborto, e a pena variará entre um e três anos. Já a pessoa que agiu de acordo com a vontade da gestante e a ajudou abortar será condenada a uma pena potencialmente maior: “Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 1 a 4 anos” Mas se alguém provocar o aborto em uma gestante sem seu consentimento, ou seja, ela queria ter aquele filho, esta pessoa responderá não de acordo com o artigo 126 acima, mas de acordo com o artigo 125, que prevê uma pena muito maior: “Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 3 a 10 anos” Essa pena maior é para punir a conduta que não só extinguiu a expectativa de direito do feto, mas também ofendeu a vontade da gestante. Existe, neste último caso, uma figura interessante e que voltaremos a ver novamente quando tratarmos do estupro e do atentado violento ao pudor: a violência presumida. A violência presumida, nesse caso, acontece quando a gestante não tem mais de 14 anos, é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Para a lei penal, a adolescente que não tem mais de 14 anos não tem discernimento suficiente para poder expressar uma vontade coerente, por isso, ainda que ela tenha pedido para alguém provocar-lhe o aborto, é como se ela não houvesse pedido. Da mesma forma, uma pessoa, ainda que tenha bem mais de 14 anos, mas que seja alienada ou débil mental ou que esteja sendo enganada mediante fraude, ou esteja submetida alguma forma de 130
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Para Entender Direito coação, não pode expressar sua vontade de forma coerente. Em qualquer desses casos, ainda que a gestante tenha pedido para que o aborto seja feito, a lei considera como se ela não houvesse pedido, ou seja, em vez de o agente responder pelo artigo 126 (aborto com consentimento da gestante), ele responde pelo artigo 125 (aborto sem consentimento da gestante), cuja pena é bem maior. Existe também a figura do aborto qualificado. As penas cominadas nos artigos 125 e 126 são aumentadas de um terço se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave (veremos na próxima seção o que é a lesão corporal). Já se o aborto levar a gestante à morte as penas dos artigos 125 e 126 são duplicadas. Mas não é sempre que o aborto doloso é punido. A lei penal abre duas exceções: o aborto de gestação resultante de estupro e o aborto necessário (quando praticar o aborto é a única forma de salvar a vida da gestante). Em ambos os casos o aborto deve ser praticado por médico. No primeiro caso (gravidez resultante de estupro), a vítima pode comparecer ao hospital e se submeter ao aborto feito pelo médico sem a necessidade de maiores formalidades. Ela apenas é obrigada a assinar um termo no qual afirma estar ciente das penalidades legais se ficar provado que sua gravidez não foi resultante de estupro. Não é necessária a apresentação do boletim de ocorrência policial (chamado normalmente de “BO”). Em 2012 o STF decidiu que nos casos de anencefalia (fetos sem cérebro) a mãe também pode optar pela remoção antes do nascimento. Mas a questão aqui é um pouco diferente. O STF não pode fazer lei. Leis penais só podem ser elaboradas e aprovadas pelo Congresso Nacional (Legislativo federal). Logo, o STF não pode criar mais uma possibilidade de aborto. O que ele decidiu, na verdade, é que não é aborto. O feto sem cérebro, segundo ele, não tem expectativa de vida, logo, não há o que ser protegido, já que o aborto visa proteger a expectativa de vida do feto. Segundo o STF, como não há expectativa de vida, e o trauma psíquico (e mesmo físico) causado na mãe, por ser obrigada a carregar durante meses um feto que sabe que não sobreviverá, é enorme, a gestante deve ser autorizada a remover o anencéfalo. Como a lei não fala em aborto culposo, ninguém é punido se o aborto ocorrer por acaso ou sem a intenção. Por exemplo, alguém que sem querer esbarre na gestante e ela role escada abaixo, causando-lhe o aborto, não será punido por crime de aborto, pois o provocou culposamente (mas poderá ser punido pelo crime de lesão corporal culposa). Da mesma forma, se a gestante tropeça e cai escada abaixo, causando o aborto, ela não pode ser punida, já que não quis cometer o aborto.
4.5.4 - Instigação, indução ou auxilio ao suicídio No Brasil, tentar ou conseguir cometer suicídio não é um crime. No segundo caso, pela óbvia razão de que não é possível punir alguém que já está morto. No primeiro caso, porque se alguém já se encontra em uma situação tal que resolve tirar sua própria vida, condená-lo a qualquer pena não irá ajudá-lo. Quando muito, será mais um incentivo a suicidar-se. Mas a lei pune aquelas pessoas que instigam, auxiliam ou levam alguém ao suicídio. “Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o 131
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Para Entender Direito faça: Pena - reclusão, de 2 a 6 anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 a 3 anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave” Por exemplo, aquelas pessoas que ficam embaixo do prédio gritando “Pula! Pula! Pula!” estarão cometendo o crime de instigação ao suicídio se o suicida realmente pular. A lei exige que o suicídio se consuma ou, no mínimo, que haja lesões corporais de natureza grave (veremos o que é isso no próximo tópico). Aqui cabe uma pequena menção à eutanásia. No Brasil, a eutanásia (auxiliar um doente terminal a extinguir sua própria vida) é proibida. Se Rosinha resolver auxiliar Zezinho a cometer eutanásia, comprando os medicamentos que o levarão à morte, ou conectando as agulhas a seu corpo, ela estará cometendo o crime descrito no art. 122, pois está auxiliando Zezinho a matar-se. Mas se Rosinha aplica as drogas que levarão Zezinho à morte, ela não o está auxiliando, mas sim o matando, e por isso responderá por homicídio. Em ambos os casos, não importa se o paciente queria morrer ou mesmo que o paciente tenha assinado uma declaração isentando o agente de qualquer coisa: houve o crime. O que caberá à defesa é a alegação de que o crime – seja o homicídio, seja o auxilio ao suicídio – foi cometido por relevante valor moral, o que poderá levar a uma diminuição da pena final. O crime do art. 122 tem sua pena duplicada quando é cometido por algum motivo egoístico (por exemplo, um irmão que convence o outro a matar-se para ficar com uma parte maior da herança) ou quando a vítima tem menos de 18 anos ou tem sua capacidade de resistência diminuída de alguma forma (como o uso de drogas, bebidas etc.). Aqui, novamente, não há a modalidade culposa. Para que o crime exista, o agente precisa querer ou assumir o risco de levar alguém ao suicídio. Se Zezinho é psicótico-maníaco-depressivo e Rosinha não sabendo disso comenta com ele que o mundo está à beira do fim, e Zezinho ouvindo isso resolve antecipar o fim e pula pela janela, Rosinha não pode ser considerada culpada pela instigação ao suicídio, pois em nenhum momento quis que Zezinho se matasse. Os quatro crimes que vimos até aqui são todos crimes contra a vida. Em todos eles a intenção do agente é retirar a vida (ou a expectativa de vida, no caso do aborto). Esses são os únicos quatro crimes contra a vida existentes no Brasil. Essa distinção será importante quando estudarmos o tribunal do júri, no próximo capítulo. Os crimes que veremos daqui para frente têm a morte como resultado, mas não são considerados crimes contra a vida.
4.5.5 – Lesão corporal e lesão corporal seguida de morte A lesão corporal existe quando a integridade física ou a saúde de alguém é de alguma forma atingida. Ela se subdivide em quatro tipos: lesão corporal, lesão corporal grave, lesão corporal 42
gravíssima e lesão corporal seguida de morte. 42
Além das lesões corporais (que são crimes), existe uma figura bem parecida chamada de vias de fato, que é uma contravenção penal, apenada com prisão simples de 15 dias a 3 meses ou multa. Enquanto na lesão corporal existe 132
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Para Entender Direito
Lesão
“Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
corporal
Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano”
Lesão
“§ 1º - Se resulta:
corporal
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias;
grave
II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de 1 a 5 anos”
Lesão
“§ 2º - Se resulta:
corporal
I - incapacidade permanente para o trabalho;
gravíssima
II - enfermidade incurável; III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV – deformidade permanente; V - aborto: Pena - reclusão, de 2 a 8 anos”
Lesão
“§3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o
corporal
resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
seguida de
Pena - reclusão, de 4 a 12 anos”
morte O §3º do art. 129 estabelece o crime de lesão corporal seguida de morte. Ao contrário dos crimes contra a vida, na lesão corporal a intenção é machucar alguém ou prejudicar a sua saúde. A morte é apenas uma consequência não desejada. Em outras palavras, o dolo (a vontade) é ferir a integridade física da vítima, a morte é oriunda de culpa (resultado não desejado). É o que os juristas chamam de preterdolo: o dolo existe apenas na primeira parte (machucar alguém). A segunda parte (matar) é culposa. Como é difícil verificar qual é o verdadeiro desejo de alguém (se apenas machucar ou matar machucando), há quase sempre espaço para discussão se se trata de um homicídio ou uma lesão corporal seguida de morte. Uma pessoa que põe fogo em outra está tentando matá-la ou apenas machucá-la, mas a acaba matando? Um lutador de artes marciais que entra em confronto com alguém em uma boate assume o risco de matá-la (que é um dolo) ou apenas quer feri-la e a acaba matando sem querer? A decisão se se trata de um homicídio ou uma lesão corporal seguida de morte, que cabe ao juiz,
uma lesão, na vias de fato existe apenas a briga, sem que essa briga cause lesões. Por exemplo, um tapa ou um puxão de cabelos são exemplos de vias de fato. Um dente quebrado, um corte na pele ou um hematoma são exemplos de lesão corporal. 133
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Para Entender Direito é importante por dois motivos: primeiro, um homicídio é apenado com reclusão de 6 a 20 anos, enquanto uma lesão corporal seguida de morte é apenada com 4 a 12 anos. Segundo, é importante para se saber se quem decidirá a questão será o tribunal do júri ou um juiz singular, já que um tribunal do júri julga apenas crimes dolosos contra a vida, e a lesão corporal – mesmo se seguida de morte – não é um crime contra a vida, como já vimos.
4.5.6 – Latrocínio Latrocínio é o roubo seguido ou precedido de morte. A intenção é atingir o patrimônio, ou seja, roubar o bem; mas para conseguí-lo, o agente mata a vítima. A morte da vítima é apenas um meio para se conseguir ou garantir o fim. Nós veremos na próxima seção o que é um roubo. Por enquanto basta saber que se a vítima é morta para assegurar a execução do roubo, trata-se de um latrocínio. É o que diz a segunda parte do §3º do artigo 157: “§ 3º - Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 5 a 15 anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 a 30 anos, sem prejuízo da
multa” Repare que, embora o latrocínio seja um crime contra o patrimônio e não contra a vida, sua pena é mais severa que a do homicídio qualificado (que é de 12 a 30 anos). Essa é uma decisão do legislador para tentar evitar que o agente mate a vítima do roubo. Se a vítima morrer, há o latrocínio mesmo que o agente não tenha conseguido fugir com a coisa. Repare também que a primeira parte desse parágrafo se refere a um crime com resultado em lesão corporal. Da mesma forma como na segunda parte do parágrafo o objetivo do agente não é matar, mas a morte é consequência ou meio pelo qual se atinge o objetivo (que é roubar), na primeira parte o objetivo do agente não é machucar a vítima, mas a lesão corporal é consequência ou meio pelo qual se atinge o objetivo (que é roubar). Em ambos os casos os crimes são contra o patrimônio. E, se compararmos as penas do roubo que resulta em lesão corporal com o crime de lesão corporal (grave e gravíssima), veremos que o legislador aumentou a do primeiro em comparação ao segundo. A lógica é a mesma: desestimular que o ladrão machuque a vítima. Voltando ao latrocínio: o que caracteriza o latrocínio não é se a morte ocorreu antes ou depois do roubo. O que o caracteriza é que a morte é o meio para que o criminoso alcance seu intento: o roubo. No latrocínio, a morte ocorre como meio para se conseguir um fim: subtrair com o patrimônio da pessoa, não importando se a morte aconteceu antes (como no caso do exemplo da matéria) ou depois (por exemplo, para evitar que a vítima chamasse a polícia ou reagisse). Para complicar as coisas, o latrocínio tem duas peculiaridades muito importantes: Primeiro, podemos, sim, ter um roubo e um homicídio ao mesmo tempo, em vez de um latrocínio. Tudo depende de qual era a intenção do criminoso. Se a intenção do criminoso era matar e roubar, há um homicídio e um roubo pois ele tinha dois objetivos diferentes. Se a intenção era matar para roubar, temos um latrocínio, pois ele tinha apenas um objetivo (roubar), e a morte da vítima foi o meio que ele 134
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Para Entender Direito usou para alcançar aquele objetivo. Segundo, embora a intenção seja roubar, o latrocínio é considerado consumado (concluído) se a vítima morre mas o criminoso não consegue subtrair o bem que pretendia roubar. O crime de latrocínio é a reunião de duas condutas que, por si só, seriam consideradas criminosas: o roubo e o homicídio. É o que os juristas chamam de crime complexo. Pela lógica, se um desses ‘crimes’ não se concretiza, não há consumação do crime complexo. Logo, seguindo essa lógica, se a vítima não morreu, trata-se de uma tentativa (que é o mesmo crime, mas com a pena reduzida entre um e dois terços), ainda que o criminoso tenha conseguido assegurar o bem. Mas, como vimos, o STF e a grande maioria dos juristas entendem que quando o criminoso mata mas não consegue fugir com o bem da vítima, trata de um crime consumado. Em outras palavras, segundo nossa doutrina: Subtração consumada +
Morte consumada
=
Latrocínio Consumado
Subtração consumada +
Morte tentada
=
Latrocínio tentado
Subtração tentada
+
Morte consumada
=
Latrocínio Consumado
Subtração tentada
+
Morte tentada
=
Latrocínio tentado
E qual é a lógica? Bem, esse é um daqueles pontos do direito em que os juristas sabem qual o resultado querem obter e depois tentam achar explicações lógicas para a obtenção daquele resultado. E há várias tentativas de explicações lógicas, nenhuma delas muito convincente, e que não vale a pena entrar em detalhes aqui. O ponto é que seria estranho condenar alguém por tentativa de latrocínio quando ele não só tirou a vida de alguém como também tentou subtrair seu patrimônio. E foi justamente por ser uma questão tão controvertida é que o STF decidiu formular uma súmula (610), dizendo qual era seu entendimento no caso de alguém matar mas não conseguir assegurar o bem 4.6 – Principais crimes relacionados ao patrimônio Existem muitos crimes relacionados ao patrimônio. Nesta seção veremos os mais usuais.
4.6.1 – Furto Diz o artigo 155 do Código Penal: “Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa”
43
Furto consiste em retirar alguma coisa de alguém. A coisa tem de ser móvel. Isso porque ela tem de ser subtraída (retirada), e ninguém pode retirar uma casa, um terreno ou um prédio. Logo, apenas objetos móveis podem ser furtados. A energia elétrica (ou qualquer outra que tenha valor econômico), 43
A pena aumenta em um terço se o furto for praticado durante o repouso noturno. 135
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Para Entender Direito para fins deste artigo, é considerada coisa móvel e, portanto, pode ser furtada. O agente pode ter subtraído a coisa para si mesmo ou para outra pessoa. Não importa. Em ambos os casos há o furto. O tipo penal não fala em violência. Isso porque o furto acontece necessariamente sem violência. Se a ação acontecer com violência, será um roubo, que veremos a seguir. No Brasil não se pune o chamado furto famélico, que é aquele cometido para suprir as necessidades básicas do indivíduo. O furto famélico é um estado de necessidade: o agente atinge um bem jurídico (a propriedade do bem furtado) para salvar outro (sua vida ou a daqueles que dependem dele). Embora a palavra famélico esteja relacionada à fome, ele inclui outros objetos básicos, como agasalhos, cobertores ou medicamentos. Obviamente a quantidade furtada deve ser mínima pois o furto é unicamente para suprir uma necessidade inadiável e fundamental. E mesmo que o furto não seja famélico, se o criminoso é primário, e a coisa furtada é de pequeno valor, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. A lei também prevê o furto qualificado. É o que diz o §4º do mesmo artigo 155: “§ 4º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas” Para os casos de furto de veículo que é levado para outro Estado ou para fora do país, a lei prevê uma punição maior que a imposta ao furto simples: “§ 5º - A pena é de reclusão de 3 a 8 anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior” Existe também algo chamado furto de uso. Furto de uso é quando alguém subtrai o bem, o utiliza e depois o devolve. A lei penal brasileira não pune esse tipo de ação. É um incentivo que o legislador dá para que aquele que furtou e se arrependeu devolva o bem. Obviamente, se o agente for preso enquanto ainda está com o bem, será muito pouco provável que ele consiga provar que tinha a intenção de devolver o bem.
4.6.2 – Roubo A diferença entre o furto e o roubo é que no furto não há nem violência nem grave ameaça contra a pessoa, enquanto no roubo há uma ou ambas. Diz o artigo 157 do Código Penal: “Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave 136
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Para Entender Direito ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de 4 a 10 anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro” O caput do artigo trata do chamado roubo direto, enquanto o §1º trata do roubo indireto. No primeiro caso, a violência acontece antes de o agente tomar a coisa para si. No segundo caso, a violência ocorre depois de tê-la tomado. Na prática, não há qualquer diferença entre eles. Repare que a lei também trata da impossibilidade de resistência. Essa impossibilidade não precisa ser necessariamente violenta. Se Zezinho põe um sonífero na bebida de Barbosinha para roubar seu relógio, estará cometendo um roubo, por exemplo. Assim como no furto, o objeto deve ser uma coisa móvel.
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O §2º do mesmo artigo 157 estabelece alguns casos em que a pena de roubo é aumentada: “§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade” Como já vimos na seção anterior, se o roubo é seguido ou precedido de lesão corporal grave (ou gravíssima), a pena aumenta para 5 a 15 anos de reclusão. E se o roubo é seguido ou precedido da morte da vítima, trata-se de latrocínio que, como vimos, tem pena prevista de 20 a 30 anos de reclusão.
4.6.3 – Extorsão “Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que
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Se for imóvel não se trata de roubo, mas de esbulho possessório, que é um outro crime, definido pelo artigo 161, II do Código Penal: “[Incorre na pena de detenção, de 1 a 6 meses, e multa, quem] II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório” A pena é muito menor porque uma propriedade imóvel não pode ser escondida. Logo, apenas a posse, e não a propriedade, é ameaçada. Veremos a diferença entre posse e propriedade quando estudarmos a parte de direito civil. 137
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Para Entender Direito se faça ou deixar fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de 4 a 10 anos, e multa” A extorsão está na mesma família do roubo. Na verdade, algumas vezes esses dois crimes chegam tão perto que quase se confundem. Essa é uma das razões pelas quais ambos são apenados da mesma forma: 4 a 10 anos. A diferença é que, na extorsão, em vez de o agente subtrair uma coisa, ele usa da violência ou da grave ameaça para conseguir (para si ou para outra pessoa) uma vantagem à qual não tem direito, ou obrigar que alguém faça ou tolere que ele ou outra pessoa faça algo. A vantagem deve ser econômica, ou seja, deve ser quantificável financeiramente (mesmo se o valor seja incerto). Enquanto no roubo o agente faz, na extorsão ele obriga a vítima a fazer ou a deixar de fazer. No roubo, não importa a vontade da vítima. Já na extorsão, a vítima, de forma constrangida, faz ou tolera que se faça algo. A diferença reside na necessidade ou não da ação da vítima. Em outras palavras, no roubo, não importa se a vítima dá ou não a coisa ao criminoso: ele vai conseguir obter a coisa. Já na extorsão, ele só consegue obtê-la se a vítima cooperar. Assim como no roubo, no crime de extorsão a pena aumenta para 7 a 15 anos de reclusão se há lesão corporal grave; e para 20 a 30 anos de reclusão se o agente mata a vítima. E se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até a metade. Não existe um crime chamado sequestro-relâmpago. O que chamamos normalmente de
sequestros-relâmpagos são, do ponto de vista jurídico, classificados como roubos qualificados (inciso V do §2º) ou extorsão, dependendo da interpretação do magistrado se havia ou não necessidade da cooperação da vítima. Isso quando não houver pedido de resgate. Se houver pedido de resgate, ele passa a ser extorsão mediante sequestro.
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4.6.4 – Extorsão mediante sequestro Existe no artigo 148 do Código Penal um artigo chamado sequestro e cárcere privado. Diz ele: “Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado: Pena - reclusão, de 1 a 3 anos” Sequestrar alguém é impedi-lo de ir e vir livremente. Cárcere privado significa manter a pessoa presa em um local fechado, mesmo que em sua própria residência. Nesse artigo a intenção da lei é impedir que alguém seja privado ilegalmente de exercer sua liberdade de ir e vir.
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Mas repare que o artigo não faz referência às razões de alguém ter sequestrado ou manter a 45
Uma corrente minoritária defende a idéia de que seja um crime de roubo acumulado com um crime de extorsão mediante sequestro, para que a prática se torne crime hediondo. 46 Não podemos confundir sequestro de bens com sequestro de pessoas. Sequestrar um bem significa que esse bem será apreendido e/ou ficará depositado até o fim de um processo no qual sua posse ou propriedade está sendo discutida. O bem é sequestrado para que quem o detinha não possa se desfazer dele (ou danificá-lo) antes que a justiça determine a quem ele pertence. 138
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Para Entender Direito vítima em cárcere privado. Quando ouvimos na televisão que alguém foi condenado por sequestro, quase sempre existe um erro: não se trata de um sequestro, mas de uma extorsão mediante sequestro, que é descrita no artigo 159 do Código Penal: “Art. 159 - Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Pena - reclusão, de 8 a 15 anos” Enquanto no crime de sequestro o objetivo é privar alguém de sua liberdade, na extorsão mediante sequestro o objetivo é ter acesso a uma vantagem. Na extorsão mediante sequestro a privação da liberdade pessoal de alguém é apenas o meio de se alcançar esta vantagem econômica. A extorsão mediante sequestro é a união dos crimes de extorsão e de sequestro. Priva-se alguém de seu direito de ir e vir para se obter um resgate. A vítima, tanto na extorsão quanto na extorsão mediante sequestro, é chamada de sequestrado, e o autor é chamado de sequestrador. Mas os nomes dos crimes são distintos. Comparando ambos os artigos, percebemos a enorme diferença entre eles. Primeiro, pelas penas: o sequestro tem pena de reclusão de 1 a 3 anos, enquanto a extorsão mediante sequestro tem pena de reclusão de 8 a 15 anos. Segundo, porque a extorsão mediante sequestro é um crime contra o patrimônio, enquanto o sequestro é crime contra a liberdade pessoal. E, terceiro, porque a extorsão mediante sequestro é um crime hediondo, e o sequestro não. Na extorsão mediante sequestro que dura mais de 24 horas, ou cuja vítima tem menos de 18 anos, ou se o crime é perpetrado por quatro ou mais pessoas, a pena cresce para reclusão de 12 a 20 anos. “§ 1º - Se o sequestro dura mais de 24 horas, se o sequestrado é menor de 18 anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha: Pena - reclusão, de 12 a 20 anos” E se o crime resultar em lesão corporal ou morte, as penas são ainda maiores: § 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 16 a 24 anos. § 3º - Se resulta a morte: Pena – reclusão, de 24 a 30 anos. Repare que, por uma questão de política criminal, o legislador resolveu punir a extorsão mediante sequestro seguida de morte com uma pena mínima maior que a do homicídio qualificado. Enquanto no homicídio qualificado a pena mínima é de 12 anos, na extorsão mediante sequestro seguida de morte: 24 anos. Não existe nenhum outro crime no Brasil com uma pena mínima tão alta. 139
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Para Entender Direito Também por uma questão de política criminal, o legislador decidiu conceder uma redução de pena àquele que denunciar seus próprios companheiros de crime: “§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”
4.6.5 – Dano Até agora falamos de crimes contra o patrimônio em que o objetivo do agente é obter para si algo de valor que pertence à vítima. No dano, o crime ocorre com a destruição ou inutilização da coisa: “Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena - detenção, de 1 a 6 meses, ou multa” O objetivo não é obter uma vantagem patrimonial, mas destruir o patrimônio de outra pessoa. Aqui, ao contrário do roubo ou furto, diz-se coisa e não coisa móvel. Ou seja, o dano pode ser contra uma casa ou um carro ou qualquer outra coisa. Além disso, a coisa não precisa necessariamente ser destruída. Basta que ela seja inutilizada ou apenas estragada parcialmente para que o crime seja consumado. Existe também o dano qualificado. Ele é caracterizado: “Parágrafo único - Se o crime é cometido: I - com violência à pessoa ou grave ameaça; II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave; III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima: Pena - detenção, de 6 meses a 3 anos, e multa, além da pena correspondente à violência”
4.6.6 – Apropriação indébita No roubo e no furto, o agente retira a coisa alheia de outra pessoa. Na extorsão e na extorsão mediante sequestro, o agente recebe a coisa através de uma ameaça. Mas se alguém recebe uma coisa e se recusa a devolvê-la, está praticando a apropriação indébita. “Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa”
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Para Entender Direito Observe que o artigo fala em posse e não em propriedade. No direito, propriedade, posse e
detenção de alguma coisa não são palavras sinônimas. Possuidor é aquele que tem o direito de estar com a coisa, e proprietário é o dono da coisa. Detentor é aquele que toma conta da coisa em nome do possuidor. Via de regra, a mesma pessoa é a proprietária, possuidora e detentora da coisa. Se você comprou este livro para você, você é o(a) proprietário(a), possuidor(a) e detentor(a) do livro. Mas em alguns casos, esses papéis são exercidos por pessoas distintas. Imaginemos um contrato de locação: o proprietário é o dono da casa. O possuidor e detentor do imóvel é o inquilino. Mas se o inquilino deixar sua irmã passar alguns dias na casa enquanto ele estiver viajando, sua irmã será a detentora. A apropriação indébita não fala em propriedade. Ela fala apenas em posse ou detenção. Isso quer dizer que a pessoa não é dona da coisa, mas que ela está com a coisa (ou está tomando conta da coisa para alguém) e se recusa a devolvê-la quando deveria, e passa a ter essa coisa como se fosse sua. Quando o agente recebe a coisa, não há qualquer ilegalidade. A ilegalidade acontece quando ele se apropria dela como se fosse sua e recusa-se a devolvê-la. Em nenhum momento ele recebeu a propriedade da coisa, por isso não se tornou dono, e por não se tornar dono ele não poderia, legalmente, agir como se o fosse. Se o amigo que cuida do dinheiro da amiga resolve usá-lo como se fosse seu, está praticando apropriação indébita. Ele não o tomou e nem forçou a amiga a dar-lhe o dinheiro, mas depois que ela deixou o dinheiro com ele para que ele cuidasse dele, ele passou a usá-lo, escondê-lo ou dá-lo. O §1º do mesmo artigo prevê os casos de aumento de pena: “§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa: I - em depósito necessário; II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; III - em razão de ofício, emprego ou profissão”
4.6.7 – Estelionato O estelionato, ou o famoso 171, é um outro crime contra o patrimônio interessante: ao contrário do roubo ou do furto, o agente não tira coisa da vítima. Ao contrário da extorsão e da extorsão mediante sequestro, ele não obriga a vítima a dar-lhe a coisa. E ao contrário da apropriação indébita, ele não se apropria de algo que não é seu mas que está com ele. No estelionato, o agente convence a vítima a darlhe a coisa! Ora, a princípio, se Zezinho convence Barbosa a dar-lhe sua TV, não há qualquer problema. O problema nasce quando Zezinho induz Barbosa a dar-lhe sua TV usando alguma forma de fraude ou ilusão. Em outras palavras, por meio de uma mentira. “Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de 1 a 5 anos, e multa” 141
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Para Entender Direito
Os contos do vigário, do bilhete premiado, da venda do Cristo Redentor e todas as outras formas de iludir a vítima são exemplos de estelionato. A vítima é enganada. Se ela soubesse da verdade, ela não teria dado a coisa ao agente. Alguém que assina uma folha de cheque que não tem fundo está praticando o estelionato, pois está utilizando-se de um ardil para obter uma vantagem patrimonial. Se o vendedor soubesse que o comprador não tem fundos em sua conta, ele não lhe venderia o produto. Ele apenas vendeu porque foi levado a crer ser verdadeira uma situação que não existia (que o cheque teria fundos). A vantagem obtida deve ser patrimonial (se a vantagem não for patrimonial mas de outro tipo, como sexual, poderá se tornar outro tipo de crime, como veremos nos crimes contra os costumes, mais adiante). Além disso, a vantagem tem que ser ilícita. Se ela for lícita, ou seja, se o agente tinha o direito de obter aquela vantagem e usou uma mentira para consegui-la, haverá o crime de exercício arbitrário das
próprias razões, que é previsto no artigo 345 do Código Penal: “Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de 15 dias a 1 mês, ou multa, além da pena correspondente à violência”
4.6.8 – Receptação Até agora falamos apenas de uma ponta do crime: aquele que fere o patrimônio do proprietário. Mas a lei também pune a outra ponta: aquele que recebe a coisa que é fruto de um crime (qualquer crime) ou ajuda a iludir uma terceira pessoa a receber a coisa que é fruto de um crime. É a chamada receptação. “Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa” Repare que a lei usa diversos verbos: adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar ou influir. Basta o agente agir conforme um destes verbos e terá cometido o crime. Se quem recepta os bens é um comerciante ou um industrial, ainda que clandestino ou irregular (como um camelô) e ele deveria saber que aquele bem é produto de um crime, existe a receptação
qualificada. “§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito 142
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Para Entender Direito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de 3 a 8 anos, e multa. § 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência” Também é considerada uma receptação qualificada quando é muito claro que existe uma desproporção entre o valor real do produto e o preço que está sendo cobrado (um relógio de ouro sendo vendido por algumas dezenas de reais, por exemplo), ou a forma como ele está sendo oferecido deixa claro que aquele é um produto roubado (o mesmo relógio sendo vendido sem caixa ou certificado de garantia, por exemplo). É o que diz o §3º do art. 180: “§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena - detenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa, ou ambas as penas” 4.7 – Crimes relacionados à honra, preconceito (racismo) e denunciação caluniosa Existem no Brasil três tipos de crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação. Contudo, existem dois outros crimes que comumente são confundidos com os crimes contra a honra: o crime de preconceito (ou racismo) e a denunciação caluniosa.
4.7.1 – Calúnia “Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. § 2º - É punível a calúnia contra os mortos” Caluniar alguém significa dizer que aquela pessoa cometeu um ato criminoso, sem que isso seja verdade. Existem três pontos muito importantes aqui: primeiro, a lei fala em crime, e não em delito. Logo, dizer que alguém cometeu uma contravenção não é calúnia. Por exemplo, se Zezinho disse que Barbosa estava fazendo apontamento de jogo-de-bicho (que não é crime, mas apenas contravenção) ontem à noite em tal lugar, ele não estará cometendo calúnia (e sim difamação, que veremos a seguir). Segundo, a lei fala em fato. Fato é algo concreto. Uma ação ou uma omissão específica no tempo e no espaço. Logo, chamar alguém de traficante não é uma calúnia, pois ser traficante não é uma 143
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Para Entender Direito ação ou omissão específica. Por outro lado, dizer que Barbosa estava vendendo crack ontem à noite na Praça do Bicho Pegou é apontar uma ação específica. E como vender drogas é um crime, trata-se de uma calúnia. Por fim, a lei fala em falsamente. Ou seja, se Zezinho disse que Barbosa estava vendendo crack ontem a noite na Praça do Bicho Pegou e ele de fato estava, não se trata de uma calúnia, pois a notícia não é falsa. Só existe calúnia se a notícia é falsa.
4.7.2 – Difamação “Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.” Na difamação a lei não fala em falsamente e nem em crime. Mas fala em fato e em ofensivo. Assim como na calúnia é preciso que a imputação seja de uma ação ou omissão específica no tempo e no espaço. Mas diferentemente da calúnia, não se trata de um fato criminoso, mas de qualquer outro fato (seja ele uma contravenção ou um fato lícito). Por exemplo, se Zezinho diz que Barbosa estava apostando em briga de galos ontem à noite, ele está cometendo uma difamação, pois rinha de galo é uma contravenção, e não um crime. Se rinha de galo fosse considerada um crime, a afirmação de Zezinho não seriam difamação, mas calúnia. Outro exemplo: se Zezinho diz que Barbosa estava fazendo ponto em uma zona de prostituição masculina na semana passada, trata-se de uma difamação, pois prostituição é legal no Brasil. Se prostituição fosse considera um crime, Zezinho teria cometido uma calúnia. E a lei também fala em ofensivo. Enquanto na calúnia existe uma relação objetiva (é perfeitamente possível saber se o que foi dito é um crime ou não), na difamação essa relação é subjetiva, pois o que para uma pessoa pode ser ofensivo, para outra pode ser normal, desejável ou mesmo engraçado. No exemplo acima, se Barbosa não se importa com o fato de alguém dizer que ele se prostitui ou que ele aposta em galos, não há crime. Recapitulando: se o fato é definido como crime, trata-se de calúnia. Se o fato é definido como contravenção ou é lícito, é difamação. Fato Crime Qualquer outra conduta
Calúnia Difamação
4.7.3 – Injúria “Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de 1 a 6 meses, ou multa.” Na injúria, ao contrário da calúnia e da difamação, a lei não fala em fato. A injúria consiste em 144
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Para Entender Direito atribuir uma pecha a alguém. Assim como a difamação, a injúria só acontece se a vítima se sentir ofendida. Chamar alguém de gordo pode ser altamente ofensivo para algumas pessoas, mas é quase uma marca registrada do Jô Soares e ele não se sente ofendido com isso. Se quem for chamado de gordo se sentir ofendido, será uma injúria. Ofensivo é algo subjetivo e que só a pessoa sobre quem se falou pode dizer o quanto (ou se) se sentiu ofendida. Fato Crime Qualquer outra conduta
Calúnia Difamação
Pecha Injúria
Enquanto na calúnia só há crime se de fato houver a imputação do fato definido como crime, na difamação e na injúria o crime acontece se a pessoa se sentir ofendida. Na calúnia a vítima não precisa se sentir ofendida: basta que a conduta definida como criminosa tenha-lhe sido imputada falsamente para que a calúnia aconteça. Isso quer dizer que se um jornalista diz que Zezinho é um escritor medíocre ou se um advogado diz que o estelionatário que enganou seu cliente é um cafajeste estarão cometendo injúria? Não. O artigo 142 do Código Penal abre algumas exceções para que, mesmo a pessoa tendo sido ofendida, não ocorra a difamação e a injúria: “Art. 142 – Não constituem injúria ou difamação punível: I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício. Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.” Além disso, no caso da injúria, a lei prevê dois casos em que pode haver o perdão judicial. A lógica, em ambas as circunstâncias, é a mesma: se a vítima foi provocada, não se pode puni-la se, em vez de ficar calada, ela retrucar na mesma moeda: “§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria” Nos casos da calúnia e da difamação, se em qualquer momento antes da sentença o agente se retrata, ou seja, pede desculpa, ele fica isento de pena. Como na calúnia e na difamação o crime existe 145
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Para Entender Direito porque o agente alegou que a vítima agiu de determinada maneira, é possível ele se retratar e dizer que aquele fato não existiu. Mas na injúria isso é impossível. Por outro lado se, na injúria, a ofensa se refere a elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, a pena aumenta para 1 a 3 anos.
4.7.4 – Preconceito (racismo ou discriminação) Até agora evitamos falar de menções à raça, nacionalidade, cor, religião etc. Os crimes de preconceito (também chamados de racismo e discriminação) consistem em impedir alguém de exercer seus direitos devido à sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
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Chamar
alguém de “japa”, “negão”, “branquelo”, “africano”, “polaco”, “judeu”, “mulçumano”, “turco”, “cearense”, “baiano”, “galego” e qualquer outra referência a raça, cor, religião, nacionalidade ou etnia não é crime de preconceito. Se a pessoa que foi chamada por qualquer destes nomes se sentir ofendida, será crime de
injúria. Por outro lado, impedir alguém de exercer seus direitos porque ele é japonês, negro, branco, africano, polonês, judeu, mulçumano, turco, cearense, baiano etc., consiste crime de racismo. Por exemplo, se um supermercado resolver não permitir que negros o frequentem, haverá o crime de preconceito. Mas se o dono do supermercado chamar um cliente de negro e o cliente se sentir ofendido (ainda que seja negro), haverá a injúria, com o aumento de pena de 1 a 3 anos que mencionamos na subseção acima. Outro exemplo: se um diretor de um colégio impedir que um aluno se matricule porque ele não é católico, haverá crime de preconceito. Mas se ele chamar o aluno de judeu, e o aluno se sentir ofendido (ainda que seja judeu), haverá crime de injúria. O crime de preconceito não é um crime contra a honra. Ele é uma espécie por si mesmo. O Estatuto do Idoso (lei 10.741/03) expandiu o conceito de preconceito para abranger também a idade: “Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade: Pena – reclusão de 6 meses a 1 ano e multa” O caput do artigo 96 refere-se ao crime de discriminação. Já o §1º do mesmo artigo fez referência à honra do idoso: “§1º Na mesma pena incorre quem desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo. § 2º A pena será aumentada de um terço se a vítima se encontrar sob os cuidados ou responsabilidade do agente”
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Os crimes de racismo são definidos pela lei 7716/89 e não pelo Código Penal. 146
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Para Entender Direito
4.7.5 – Denunciação caluniosa Já a denunciação caluniosa consiste em um crime contra a administração da justiça. “Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: Pena - reclusão, de 2 a 8 anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto. § 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção” Ao contrário da calúnia, em que se imputa falsamente um fato definido como crime à vítima, na denunciação caluniosa o agente faz com que a pessoa comece a ser investigada ou processada. Em outras palavras, é um largo passo além da calúnia: aqui não se protege a honra da pessoa (que pode até nem saber o que foi dito contra ela), mas a eficiência do aparelho estatal. O criminoso tornou a Justiça (ou polícia ou Ministério Público) menos eficientes ao gerar uma perda de tempo (e até colocar a liberdade de um inocente a perigo). Por isso a pena é significativamente maior. Obviamente que se o crime alegado de fato existiu, não há denunciação caluniosa. Ela só ocorre quando o agente sabe que aquela acusação é falsa.
4.7.6 - Exceção da verdade Exceção da verdade é a maneira complicada de a lei dizer que a pessoa que feriu a honra de alguém tem o direito de provar que o que disse é verdade. Se ela conseguir provar que o que disse é verdade, não será punida. Mas não é sempre que a pessoa tem esse direito. A regra geral é simples: na calúnia, por ser um fato objetivo, aquele que acusa tem sempre o direito de provar que o que disse é verdade e que por isso não houve calúnia. Esse direito só não existe quando a pessoa caluniada já foi absolvida pela justiça (ou seja, já se provou que não foi a culpada do crime do qual o caluniador a acusa) ou a vítima é o presidente da República ou chefe de governo estrangeiro ou, nos crimes de ação penal privada, a vítima da calúnia ainda não foi condenada de forma irrecorrível. Já na injúria, por ser a pecha algo completamente subjetivo, é impossível o agente provar que o que disse é verdade. Se Zezinho diz que Barbosa é gordo e Barbosa se sente ofendido, Zezinho terá cometido o crime ainda que prove que Barbosa pesa 300kg. Isso porque a injúria não tem a ver com o peso de Barbosa, mas com o fato de ele ter se sentido ofendido por ter sido chamado de gordo. A difamação, assim como a injúria, é subjetiva. Não há como alguém provar que o que disse não é ofensivo. Mas a lei abre uma pequena exceção quando a vítima é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. A idéia por trás desta exceção é impedir que o servidor público haja de forma reprovável. Desta forma, se Zezinho disser que Barbosa, que é funcionário público, chegou bêbado ontem ao trabalho, ainda que a princípio isso seja uma difamação se Barbosa sentir-se 147
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Para Entender Direito ofendido (não é uma calúnia, pois chegar bêbado ao trabalho não é um crime), se Zezinho provar que de fato Barbosa chegou bêbado, não haverá crime. Mas se Zezinho disser que Barbosa chegou em casa bêbado ontem, ele terá cometido a difamação e não estará livre da condenação ainda que prove que de fato Barbosa chegou bêbado em casa. Crime
Exceção da verdade O autor sempre tem direito a provar que disse a verdade, exceto quando: 1) a vítima da calúnia não foi condenada por sentença irrecorrível (se
Calúnia
o crime é de ação penal privada); 2) a vítima foi absolvida por sentença que não pode ser recorrida; 3) a vítima da calúnia é o presidente da República ou chefe de governo estrangeiro. O autor não tem direito de provar que o que disse é verdade, exceto
Difamação
quando a vítima é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
Injúria
O autor nunca tem direito de provar que o que disse é verdade.
4.8 – Principais crimes contra a dignidade sexual
4.8.1 – Estupro e estupro de vulnerável O estupro, definido no artigo 213 do Código Penal, acontece quando alguém força uma outra pessoa a fazer sexo. Qualquer tipo de sexo (ou o que em direito chamamos de atos libidinosos). “Art. 213 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 a 10 anos” Não importa qual tipo de ato sexual ou se a vitima é homem ou mulher. Um homem forçado a fazer sexo oral em uma mulher ou em outro homem, estará sendo estuprado.
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Até agosto de 2009, apenas uma mulher podia ser estuprada. Se a mesma mulher fosse forçada a fazer sexo anal, oral, masturbar-se ou masturbar o criminoso etc., não se tratava de estupro, mas de atentado violento ao pudor, que era definido pelo artigo 214. “Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de 6 a 10 anos.” Era esse o mesmo crime que vitimava o homem vítima da agressão sexual. Assim como a mulher, se o homem fosse obrigado a praticar ou deixar que com ele se praticasse sexo anal, oral ou qualquer outro, ele seria vítima de atentado violento ao pudor, não importando se o criminoso fosse homem ou mulher. Se ele fosse forçado por uma mulher a introduzir seu pênis na vagina dela, também seria atentado violento ao pudor, pois o estupro era quando a 148
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Para Entender Direito O estuprador pode ter sido até mesmo o cônjuge da vítima. Desde que tenha havido a violência ou grave ameaça, houve o estupro. Se Rosinha, esposa de Zezinho diz a ele que “hoje não, estou com dor de cabeça” e Zezinho não se importa e força a introdução de seu pênis na vagina de Rosinha, ele a estará estuprando. Se a vítima tem menos de 18 anos, mas mais que 14 anos, ou se a vítima sofre lesão corporal grave, a pena sobe para entre 8 e 12 anos. E se a vítima morre por causa do estupo, a pena sobe para entr 12 e 30 anos. Por outro lado, se a vitima tem menos de 14 anos, se trata de um outro crime, com a pena bem maior: estupro de vulnerável, que é definido pelo artigo 217-A: “Art. 217-A - Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 a 15 anos” E da mesma forma como ocorre com o estupro, o estupro de vulnerável também tem penas maiores se ocorre uma lesão corporal grave ou morte: entre 10 e 20 anos, e entre 12 e 30 anos de reclusão, respectivamente. Repare que, ao contrário do que ocorre com o estupro, no estupro de vulnerável não se fala de violência ou grave ameaça. Isso porque, segundo o Código Penal, o(a) adolescente e a criança com menos de 14 anos não tem capacidade de discernimento suficiente para distinguir o que quer e o que é melhor para si. Por isso, deduz-se que houve violência, mesmo que ele(a) tenha dado seu consentimento. Em outras palavras, há uma presunção de violência. A mesma lógica vale se a vítima, ainda que maior de idade, é débil mental (e o agente sabia disso) ou está, por alguma razão, impossibilitada de exprimir sua vontade real. Em teoria, se Zezinho, por exemplo, leva Rosinha, 25 anos, para um bar, ela se embebeda ao ponto de não conseguir oferecer resistência aos avanços sexuais dele, e acabam fazendo sexo, Zezinho terá cometido estupro (e/ou atentado violento ao pudor).
4.8.2 – Violação sexual mediante fraude Da mesma forma como no estelionato o agente não usa nem violência nem grave ameaça, mas apenas mentiras e ilusões para se apropriar dos bens da vítima, na violação sexual mediante não há violência ou grave ameaça, mas apenas mentiras ou ilusões ou artifícios para convencer a vítima a fazer sexo com o agente.
mulher sofre a agressão de ter sua vagina penetrada contra sua vontade. Por que o legislador resolveu tratar de violências tão parecidas de formas diferentes? Por duas razões: primeiro, porque se a mulher for obrigada a praticar sexo vaginal e qualquer outro, haverá dois crimes: estupro e atentado violento ao pudor. E, segundo, porque em 1940, quando o Código Penal foi elaborado, a distinção era socialmente esperada, uma vez que temas como virgindade e maternidade fora do casamento eram ainda bem delicados. A partir de agosto de 2009, o legislador decidiu consolidar ambos os crimes em um: estupro. Logo, tanto homem quanto mulher podem ser vítimas de estupro. (Exemplo: Concurso material e concurso formal de crimes) 149
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Para Entender Direito “Art. 215 – Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 a 6 anos” Por exemplo, se Zezinho, mentindo, diz para Rosinha que ele é diretor de novela e que se ela ceder a seus encantos ela a deixará participar de sua próxima produção, e ela consente em fazer sexo com ele por causa disso, Zezinho terá praticado violação sexual mediante fraude.
4.8.3 – Assédio sexual O assédio sexual é uma criação nova da lei. Ele ocorre quando o(a) chefe constrange sexualmente o(a) subordinado(a). Por exemplo, se Zezinho, chefe do departamento, diz a Mariazinha, sua secretária, que ela poderia ter uma carreira melhor se ela aceitasse seu convite para jantar, ele terá praticado o crime de assédio sexual. “Art. 216-A - Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 a 2 anos” O agente e a vítima podem ser de qualquer sexo e mesmo do mesmo sexo. Se a vítima é menor de 18 anos – não importando se ela é ou não virgem – a pena é aumentada em até um terço, a critério do juiz.
4.8.4 – Corrupção de menores “Art. 218 - Induzir alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de 2 a 5 anos” A vítima pode ser de qualquer sexo. O intuito do legislador foi proteger a inocência de uma faixa etária que, teoricamente, ainda é inocente. Em qualquer um desses crimes, as penas são aumentadas se a vítima fica grávida (em 50%) ou é contaminada por doença sexualmente transmissível (de um sexto até a 50%). Vale a pena notar que existe um outro crime – que não tem relação alguma com sexo – que também é usualmente chamado de corrupção de menores (embora ele não tenha um nome oficial). É o crime descrito pelo art 244-B do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), que pune quem leva um menor a cometer um delito. Diz ele:
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Para Entender Direito “Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão, de 1 a 4 anos”
4.8.6 – Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente Fazer sexo ou ter qualquer outro tipo de conduta sexual na frente de alguém menor de 14 anos para satisfazer uma fantasia sexual também é crime. “Art. 218-A - Praticar, na presença de alguém menor de 14 anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão, de 2 a 4 anos” Resumindo, temos as seguintes situações: Idade da vítima Sexo do
Sexo da
agente
vítima
Entre Ato
Menor de
14 e
Maior de
14 anos
18
18 anos
anos Qualquer forma de sexo Qualquer
Qualquer
que envolva violência ou grave ameaça
Estupro de
Estupro
vulnerável
Qualquer forma de sexo com uma pessoa débil Qualquer
Qualquer
mental ou que esteja
Estupro de vulnerável
impossibilitada de exercer sua vontade Qualquer forma de sexo Qualquer
Qualquer
decorrente de mentira,
Estupro de
Violação sexual
ilusão ou artifício para
vulnerável
mediante fraude
enganar a vítima Induzir um alguém a praticar, observar ou Qualquer
Qualquer
deixar com que com ele(a) se pratique ato de carater sexual, mas que
Pode ser Corrupção de menores
ato obsceno ou
Não é crime
corrupção
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Para Entender Direito não seja sexo em si (eg,
de
tirar fotos nuas)
menores Satisfação de lascívia
Qualquer
Qualquer
mediante
Fazer sexo na presença alguém
presença
Pode ser ato obsceno
de criança ou adolescente
Constranger Qualquer
Qualquer
sexualmente um(a)
Assédio sexual
subordinado(a)
4.8.7 – Ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor Por fim, cabe falar do ato obsceno, que é aquele que ofende os “bons costumes”. O exemplo clássico do ato obsceno é o homem de sobretudo que, encontrando sua vítima na rua, abre o casaco e se mostra completamente nu. “Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa” Outro delito parecido é a importunação ofensiva ao pudor, prevista na Lei de Contravenções Penais: “Art. 61 Importunar alguém, em lugar público, de modo ofensivo ao pudor: Pena - multa” O caso clássico é a moça passando ao lado do prédio em construção e ser chamada de “gostosa” ou qualquer outro termo que lhe seja ofensivo. Ou o rapaz que “se esfrega” na moça no ônibus: não chega a ser um atentado violento ao pudor, mas também não é uma conduta lícita. O problema, hoje, é definir o que é obsceno e o que é aceitável. O que é ofensivo e o que é comum. Um biquíni fio-dental na praia ofende o pudor? E o mesmo biquíni na Avenida Paulista? A prática do topless ofende os bons costumes? E o uso da mini-saia? E um beijo mais apaixonado é uma importunação a quem assiste? São todas definições subjetivas que variam de acordo com a formação moral de cada um. O fato é que, seja lá o que o magistrado julgue ser uma prática obscena ou uma importunação ao pudor, se for em um local público ou aberto ou exposto ao público (por exemplo, um casal fazendo sexo em um estacionamento de shopping), ele será considerado um crime de ato obsceno ou uma contravenção de importunação ofensiva ao pudor. 152
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Para Entender Direito
4.9 – Crimes relacionados à prostituição Juridicamente, os crimes relacionados à prostituição também fazem parte dos crimes contra a dignidade sexual. Eles estão separados aqui apenas para tornar seu estudo mais simples. A prostituição – masculina ou feminina – não é crime no Brasil. Quando a polícia prende prostitutas, prostitutos e travestis que se expõem na rua, ela não os/as prende por praticarem prostituição mas, quase sempre, por estarem praticando o crime de ato obsceno (devido à exposição do corpo) ou pela contravenção de vadiagem. Mas embora a prostituição em si não seja crime, existem vários crimes relacionados a ela:
4.9.1 – Mediação para servir a lascívia de outrem A mediação para servir a lascívia de outrem significa ser o intermediário daquele que procura sexo. “Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de 1 a 3 anos. § 1º - Se a vítima é maior de 14 e menor de 18 anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda: Pena - reclusão, de 2 a 5 anos. § 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena - reclusão, de 2 a 8 anos, além da pena correspondente à violência. § 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa” Por exemplo, se Zezinho é um taxista e “ajuda” seus clientes encontrando prostitutas(os) para eles(as), ele estará cometendo este crime. Repare que a lei não faz distinção de sexo, ou mesmo diz que seja necessário a vítima ser prostituto(a). Basta que o agente induza-o(a) a satisfazer os impulsos sexuais de outra pessoa para que o crime esteja configurado. Sequer o intuito de qualquer ganho é necessário.
4.9.2 – Favorecimento à prostituição e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulneravel O favorecimento à prostituição é muito próximo da mediação para servir a lascívia de outrem. A principal diferença é que no crime acima o(a) agente induz a pessoa a satisfazer uma terceira pessoa. No favorecimento, ele(a) induz a vítima a tornar-se ou manter-se prostituta. “Art. 228 - Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone: 153
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Para Entender Direito Pena - reclusão, de 2 a 5 anos. § 1
o
Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,
companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena - reclusão, de 3 a 8 anos. § 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena - reclusão, de 4 a 10 anos, além da pena correspondente à violência. § 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa” Por exemplo, se Zezinho põe um anúncio no jornal procurando “garotas de fino trato para acompanhar executivos”, ele estará cometendo o crime de favorecimento à prostituição. Novamente, não importa o sexo do agente ou da vítima, ou a finalidade ou não de lucro. O que importa é a ação do agente. Mas se a vitima é menor de 18 anos, débil mental ou é uma pessoa que não conseque exprimir sua vontade, trata-se de um outro crime: favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, e as penas são bem maiores “Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 a 10 anos. § 1
o
Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se
também multa. o
§ 2 Incorre nas mesmas penas: I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 e maior de 14 anos na situação descrita no caput deste artigo; II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.” Repare que não é apenas quem favorece, mas também quem se beneficia que comete o crime. Em outras palavras, fazer sexo com um(a) prostituto(a) menor de 18 anos é crime de exploração sexual de vulnerável. O inciso II, acima, limita a idade mínima a 14 anos, pois abaixo disso não se trata mais de favorecimento à prostituição, mas de estupro de vulnerável. Comete o mesmo crime o dono do local onde a prática ocorreu, se ele(a) tinha ciência do crime.
4.9.3 – Casa de prostituição Mas se Zezinho resolve montar uma casa na qual ocorra exploração sexual de alguém (com 154
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Para Entender Direito prostitutos(as) ou não) que não é menor, ele estará montando uma casa de prostituição, e isso é um outro crime. “Art. 229 – Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de 2 a 5 anos, e multa.” Novamente, a lei não exige a finalidade de lucro. Basta que o local seja usado para a exploração sexual de alguém. E tampouco é necessário que o dono ou o gerente do local agencie prostitutos(as). Na verdade, se agenciá-los(as), o agente estará cometendo um segundo crime (favorecimento à prostituição) e talvez até um terceiro (rufianismo).
4.9.4 – Rufianismo e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável Rufião é o cafetão ou cafetina. É aquele que participa do lucro da prostituição alheia. A prostituição em si não é crime, como vimos, mas ser cafetão ou cafetina é. “Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa. Se a vítima for menor de 18 anos, ou se o crime é cometido por um parente ou por quem tinha obrigação de cuidar do menor, a pena aumenta: “§ 1
o
Se a vítima é menor de 18 e maior de 14 anos ou se o crime é cometido por
ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena - reclusão, de 3 a 6 anos, e multa” Não importa o sexo da vítima ou do infrator. E mais: não importa que o infrator também seja prostituto(a). Se ele(a) for prostituto(a) e tirar proveito da prostituição de outra pessoa, responderá pelo delito da mesma forma.
4.9.5 – Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual O tráfico internacional acontece quando alguém – homem ou mulher – traz para o Brasil pessoas para serem exploradas sexualmente (eg, se tornarem prostitutas), ou envia ao estrangeiro pessoas com a mesma finalidade. Não importa se essas pessoas já eram prostitutas ou sexualmente exploradas de 155
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Para Entender Direito qualquer outra forma antes de serem traficadas. “Art. 231 - Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro: Pena - reclusão, de 3 a 8 anos e multa. § 1º - Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.”
4.9.6 – Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual Diz o artigo 231-A do Código Penal: “Art. 231-A – Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Pena – reclusão, de 2 a 6 anos. § 1
o
Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a
pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.” Como se percebe, o art 231-A, uma inovação de 2005, é uma adaptação do art. 231 (tráfico internacional) para as circunstâncias que envolvem o tráfico interno. Em outras palavras, se uma pessoa alicia um garoto de programa em Brasília para se prostituir na Argentina, está cometendo tráfico internacional de pessoas. Se o alicia para se prostituir no Rio Grande do Sul, está cometendo crime de tráfico interno de pessoas. Ambos os artigos falam em “pessoas”, logo, não importa o sexo da vítima ou do autor do crime, e tampouco dos eventuais clientes da vítima. Por definição, todos esses crimes contra a dignidade sexual correm em segredo de justiça, para preservar a identidade da vítima. 4.10 – Bigamia (e adultério) A bigamia também é um tipo de crime contra os costume. Mas um tipo especial, pois é contra a organização da família. Ela constitui na contração de novo matrimônio durante a existência do matrimônio anterior. “Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de 2 a 6 anos. 156
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Para Entender Direito § 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de 1 a 3 anos. § 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime” Se a relação é apenas de união estável, e não de casamento, não é possível haver o crime de bigamia. Além disso, como no Brasil há casamento apenas de pessoas de sexos opostos, a traição com outra pessoa do mesmo sexo não constitui crime de bigamia. Da mesma forma, se alguém que é casado resolve coabitar com outra pessoa (concubinato) não há bigamia. A bigamia só ocorre se há um novo casamento durante a vigência do anterior. O adultério deixou de ser crime no Brasil em 2005. Ele acontecia quando alguém casado – homem ou mulher - mantinha relação sexual com pessoa do sexo oposto. Hoje, esse ato, bem como beijos, carícias, prática de sexo entre pessoas do mesmo sexo etc. não constituem crime, mas apenas violação dos deveres do casamento, o que pode ensejar o pedido de separação judicial (que é matéria de direito civil), mas não a punição por um crime (que é matéria de direito penal). 4.11 – Crimes contra a administração pública Os crimes contra a administração pública se dividem em vários tipos: os praticados por funcionários públicos, os praticados por particulares, os praticados contra a justiça e os praticados contra as finanças públicas. Nesta seção veremos apenas os principais deles.
4.11.1 – Peculato O peculato se assemelha muito à apropriação indébita, que já vimos. A principal diferença é que aqui quem o pratica é o servidor público que tem a posse da coisa em razão de seu cargo. “Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de 2 a 12 anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.” Como na apropriação indébita, é necessário que a coisa seja móvel. Não importa se coisa apropriada é pública ou privada. O que importa é que ela esteja na posse do servidor público porque ele é servidor público. Em outras palavras, se um oficial de justiça se apropria de uma TV que apreendeu durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, ele terá praticado peculato. Mas se o 157
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Para Entender Direito mesmo oficial de justiça se apropria de uma TV que seu vizinho deixou com ele enquanto foi viajar, terá praticado apropriação indébita, já que ele não tinha a posse da TV por ser oficial de justiça, mas apenas porque era vizinho da vítima. O §1º vai além e diz que, mesmo que ele não tenha a posse da coisa, se ele se utiliza de seu cargo para subtraí-la (e não importa se é para si ou para outra pessoa), também terá praticado peculato. Por exemplo, se um fiscal do Banco Central se utiliza de sua senha para transferir dinheiro público para a conta de sua mulher, terá cometido peculato.
4.11.2 – Concussão Já na concussão o servidor exige uma vantagem da vítima, baseado em seu cargo. “Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de 2 a 8 anos, e multa” O servidor não pode ter direito àquela vantagem. Se tiver, não será concussão, mas apenas exercício arbitrário das próprias razões. Como o artigo 316 deixa claro, não é necessário que a vítima cumpra a exigência para que exista o crime. Basta que haja a exigência e o crime já estará consumado. Por exemplo, se Zezinho é servidor da Receita Federal e exige que Barbosa lhe pague uma cerveja para que ele libere as mercadorias importadas por sua empresa, trata-se de uma concussão. Se Joãozinho – carcereiro em um presídio – exige dinheiro dos presos para autorizá-los a encontros conjugais com suas esposas, também estará cometendo crime de concussão. Em ambos os casos, eles só se valem de seus cargos para fazer essas exigências.
4.11.3 – Corrupção passiva Se compararmos o caput do artigo 316 e o caput do artigo 317 veremos que a corrupção passiva é um crime muito próximo da concussão. A única diferença está no verbo. Na concussão, o agente exige; na corrupção passiva, ele pede, recebe ou aceita. “Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 a 12 anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa” 158
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Para Entender Direito
Da mesma forma que na concussão, na corrupção passiva não é necessário que o agente receba de fato a vantagem. Basta que ele a solicite. Mas, ainda que ele não a solicite, se ele receber ou aceitar tal vantagem, ele terá praticado o crime de corrupção passiva. E mais: se ele vier a deixar de praticar ou retardar algum ato que tinha obrigação de praticar, ou, ao contrário, pratica algum ato que não deveria praticar, a pena aumenta em um terço. Por exemplo, se Zezinho for um guarda de trânsito e no momento de aplicar uma multa, deixar de aplicá-la porque o motorista lhe ofereceu uma “ajuda para o leite das crianças”, ele terá praticado o crime de corrupção passiva. Mas se em vez de uma vantagem, o servidor apenas atende a um pedido que não deveria atender, ele estará sujeito a uma pena bem menor: de três meses a um ano. Por exemplo, se em vez de aceitar o suborno, Zezinho apenas aceita o pedido do motorista para que ele “alivie a caneta” e o deixe escapar sem a multa desta vez, ele estará sujeito à pena do §2º. A pena menor é porque o servidor não pediu e nem recebeu qualquer vantagem material.
4.11.4 – Corrupção ativa Por outro lado, pratica a corrupção ativa aquele que oferece ou promete uma vantagem ao servidor público para que ele deixe de praticar ou retarde um ato que deveria praticar, ou que pratique um ato que não deveria praticar. “Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 a 12 anos, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional” Para que haja o crime, não é necessário que o servidor público aceite o suborno ou que o suborno seja pago. Basta que ele seja oferecido ou prometido. Se, nos exemplos acima, o motorista oferece ou promete uma “ajudinha para o leite das crianças”, ele estará praticando corrupção ativa (enquanto Zezinho estará praticando corrupção passiva se aceitá-la). Se Zezinho pede uma “ajudinha para o leite das crianças” mas o motorista não a dá, apenas Zezinho estará praticando um crime (o de corrupção passiva). Por outro lado, se o motorista oferece o suborno mas Zezinho não o aceita, apenas o motorista terá cometido crime (o de corrupção ativa). Se o servidor público de fato deixa de praticar ou retarda o ato que deveria praticar, ou pratica um ato que não deveria praticar, a pena do corruptor é aumentada em um terço.
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Para Entender Direito
4.11.5 – Prevaricação A prevaricação também é um crime muito parecido com a concussão e com a corrupção passiva. A diferença é que naqueles dois crimes, o agente visa obter uma vantagem indevida. Já na prevaricação, o agente deixa de agir (ou age indevidamente) não para obter uma vantagem indevida, mas para satisfazer um interesse ou sentimento pessoal. “Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa” Digamos que um servidor simplesmente ache que a lei está errada e deixe de dar andamento nos papéis pelo qual é responsável. Estará praticando a prevaricação, pois está desobedecendo às disposições da lei. Outro exemplo: digamos que um servidor público, membro do Partido da Rua de Cima, não queira que um candidato do Partido da Rua de Baixo seja candidato nas próximas eleições e, para isso, retarde a liberação de algum documento que o membro do Partido da Rua de Baixo precise para se inscrever junto ao TRE. Terá praticado prevaricação.
4.11.6 – Resistência A resistência ocorre quando uma pessoa se opõe à execução de um ato legal usando de violência ou ameaça. “Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio: Pena - detenção, de 2 meses a 2 anos” A simples oposição pacífica não é crime de resistência, mas de desobediência. Por exemplo, se a polícia manda os manifestantes saírem do meio da rua e Zezinho atira pedras, ele estará praticando o crime de resistência. Mas se ele se deita no chão, é apenas desobediência.
4.11.7 – Desobediência Na desobediência uma pessoa (qualquer uma) desobedece uma ordem legal de um servidor público. “Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de 15 dias a 6 meses, e multa” Mas não é qualquer ordem de servidor público que, se desobedecida, constitui crime de desobediência. Ela precisa ser uma ordem legal. Se ela não for legal, aquele que a recebe não tem a 160
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Para Entender Direito obrigação de obedecê-la e, por isso, não pode ter praticado o crime de desobediência. Por exemplo, se Zezinho recebe uma ordem para apresentar seus documentos durante uma blitz e se recusa a fazê-lo, ele terá praticado o crime de desobediência. Mas se durante tal blitz o guarda manda Zezinho se despir para ser revistado, e ele se recusa a fazê-lo, não terá cometido o crime de desobediência, pois a ordem recebida não é lícita. Enquanto na resistência o servidor publico é quem tem que agir (e enfrenta a resistência da autor), na desobediência é o autor quem deve agir (obedecer a ordem que recebeu) e não age.
4.11.8 – Desacato Mas se em vez de desobedecer uma ordem de um servidor público, a pessoa a desacata, ou seja, a desrespeita, ele terá cometido o crime de desacato. “Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa” Não é o fato de uma pessoa ser servidora pública que faz com que qualquer coisa ofensiva que lhe seja dita possa ser tida como desacato. Apenas quando o servidor público está agindo como tal é que ele pode ser vítima de desacato. Por exemplo, se Zezinho, delegado de polícia, dá uma ordem de prisão a Mariazinha e ela o chama de cachaceiro, ela terá cometido o crime de desacato. Mas se Zezinho, delegado de polícia, está em um bar jogando truco e Mariazinha o chama de cachaceiro, não haverá desacato (mas injúria, se ele se sentir ofendido), pois jogar truco não é uma das funções do cargo de delegado de polícia.
4.11.9 – Tráfico de influência O tráfico de influência acontece quando uma pessoa pede, exige, cobra ou recebe uma vantagem ou uma promessa de vantagem para interferir com os atos praticados por um servidor público. A pessoa recebe ou pede uma vantagem para interceder junto a um servidor público sobre quem ela alega ter influência. “Art. 332 - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função: Pena - reclusão, de 2 a 5 anos, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário” Isso não quer dizer que ela precise de fato vir a interceder. Basta que ela solicite ou exija a vantagem para que o crime esteja consumado. Na verdade, não é necessário sequer que ela tenha, de fato, a capacidade de influência que ela alega possuir. Basta que a outra parte acredite que ela tenha 161
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Para Entender Direito essa capacidade. A vantagem a que se refere o caput do artigo 332 é para o próprio agente ou para outra pessoa, mas se esta pessoa é o servidor que ele alega conseguir influenciar, a pena aumenta pela metade, pois o que ela está fazendo é insinuar que o servidor é corrupto.
4.11.10 – Abuso de autoridade Já o abuso de autoridade
49
está estabelecido pela lei 4.898/65 e visa evitar que um servidor
público use seu cargo para praticar arbitrariedades. Em uma democracia, um indivíduo só pode ser obrigado a fazer aquilo que a norma ordena, e só é proibido de fazer aquilo que a norma veta. A norma, contudo, não se confunde com o agente que a impõe ou executa. Ele é apenas seu instrumento. Ele não está acima da norma. O servidor só pode agir dentro das regras legais. Se extrapolá-las, estará agindo com abuso da autoridade conferida pela lei a ele. Por exemplo, se um juiz manda expedir um mandado de prisão contra Zezinho só porque este alguém é seu desafeto, terá praticado o abuso de poder. Se um policial resolve prender o dono do bar ao lado de sua casa por ele estar fazendo barulho, terá praticado o abuso de poder. “Art. 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; f) à liberdade de associação; g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional Art. 4º - Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; 49
O Código Penal (art 350) dizia abuso de poder. Mas hoje entende-se que o termo deva ser abuso de autoridade, conforme determinado pela a lei 4.898/65. 162
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Para Entender Direito e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie, quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal. i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade Art. 5º - Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”.
4.11.11 – Contrabando e descaminho Contrabando e descaminho não são sinônimos. Contrabando significa entrar com produtos ilegais no território brasileiro ou remeter produtos ilegais para fora do país. Por exemplo, aquele que importa arma de fogo, material radioativo etc., estará praticando contrabando. Já descaminho significa burlar o pagamento de um tributo devido pela importação ou pela exportação de uma mercadoria. O produto é lícito, mas a forma como ele entra é que não é. É o caso dos sacoleiros, que voltam do Paraguai com TVs, vídeos, roupas etc. Esses produtos são todos lícitos. Ninguém está cometendo um crime quando vende uma TV, por exemplo. O crime existe quando a pessoa entra no Brasil trazendo uma TV sem pagar todos os tributos que sua importação acarreta. “Art. 334 - Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria: Pena - reclusão, de 1 a 4 anos. § 1º - Incorre na mesma pena quem: a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei; b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho; c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no país ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade 163
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Para Entender Direito comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. § 2º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. § 3º - A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo” O §1º, alínea “c” e o §2º do artigo acima dizem que pratica o crime não só aquele que trouxe a mercadoria, mas também quem a expõe ou vende. É o caso do camelô que, embora não tenha ido ao Paraguai para comprar a mercadoria, a adquire já nos grandes centros e a vende nas ruas. Veremos na próxima seção os casos de entrada de entorpecentes e outras drogas ilícitas no Brasil, que é tratada pela lei 6.368/76.
4.11.12 – Facilitação de contrabando e descaminho Da mesma forma que há a corrupção passiva e a ativa há o contrabando e descaminho e a
facilitação do contrabando e descaminho. A facilitação ocorre quando o servidor público, no exercício de suas funções, facilita a prática do contrabando ou do descaminho. “Art. 318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho: Pena - reclusão, de 3 a 8 anos, e multa.” 4.12 – Tráfico de entorpecentes A lei 11.343/06 é que cuida do tráfico ilícito de entorpecentes. A lei faz a distinção de grandes grupos relacionados ao tráfico: •
O consumidor – art. 28
•
O traficante e/ou produtor – art. 33
•
O fornecedor do equipamento de fabricação – art. 34
•
A associação para cometer os crimes dos artigos 33 e 34 – art. 35
•
O financiador - art. 36
•
O informante – art. 37
•
A falta do profissional de saúde – art. 38
•
A violação do segredo de justiça – art. 17
O artigo 33 talvez seja o artigo com o maior número de verbos da legislação brasileira. Apenas no caput ele possui 18 verbos. No total ele descreve mais de 35 condutas que configuram o crime de tráfico/produção ilícito de drogas, apenados com reclusão de 5 a 15 anos. O mesmo artigo também descreve a indução, instigação e auxílio ao uso de drogas, bem como oferecimento sem objetivo de 164
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Para Entender Direito lucro, como crimes com penas bem menores. Como dificilmente o tráfico é praticado por uma pessoa isoladamente, o agente normalmente também acaba condenado pela associação (art. 35), que prevê reclusão de 3 a 10 anos. E se o crime for cometido em qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 18 – como a venda para menores de 21 ou o tráfico internacional – as penas aumentam de um a dois terços. Ao contrário de uma lenda urbana que surgiu no Brasil nos últimos anos, o uso ainda é uma conduta criminosa. O titulo do Capítulo III da Lei 11.343/06, que é onde se encontra o art. 28 ,que trata do usuário, é bem claro: “Dos crimes e das penas”. O usuário possui uma pena diferente e é tratado muito mais como alguém que necessita de ajuda do que alguém que precisa ser afastado do convívio social. As penas variam entre a mera advertência e medidas educativas, até a prestação de serviço à comunidade, que pode chegar a até 5 meses (em caso de réu primário) ou 10 meses (em caso de reincidência). Para tentarem escapar do enquadramento no artigo 33, é comum vermos traficantes alegando que a droga que portavam consigo era para consumo próprio, ou seja, que não são traficantes (art. 33), mas usuários (art. 28). Também é comum ouvi-los dizer são dependentes e estavam drogados no momento do crime. Isso porque o artigo 45 diz que, se no momento do crime, o agente estava completamente drogado devido a um caso fortuito ou força maior, ou era dependente, ele será isento de pena. Mesmo que sua capacidade tenha sido apenas parcialmente reduzida pela droga, sua pena sofrerá uma redução de um a dois terços. De qualquer forma, tanto o art. 33 quanto o 28 (como todos os demais dessa lei) são crimes. Ou seja, são delitos considerados mais graves. O grande debate atual é se o uso (definido no artigo 28) deve ser descriminado (ou seja, se tornar uma contravenção), e não se ele deve ser legalizado (passar a ser algo lícito) “Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1
o
Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia,
cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. o
§ 2 Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. o
§ 3 As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo 165
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Para Entender Direito prazo máximo de 5 meses. o
§ 4 Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 meses. (…) Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa. o
§ 1 Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. o
§ 2 Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 a 3 anos, e multa de 100 a 300 dias-multa. § 3
o
Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu
relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 meses a 1 ano, e pagamento de 700 a 1.500 dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. § 4
o
o
Nos delitos definidos no caput e no § 1 deste artigo, as penas poderão ser
reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 a 10 anos, e pagamento de 1.200 a 2.000 dias-multa. 166
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Para Entender Direito Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente o
ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1 , e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 a 10 anos, e pagamento de 700 a 1.200 dias-multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei. Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, o
caput e § 1 , e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 8 a 20 anos, e pagamento de 1.500 a 4.000 dias-multa. Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação o
destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1 , e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 2 a 6 anos, e pagamento de 300 a 700 dias-multa. Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos, e pagamento de 50 a 200 dias-multa.” 4.13 – Crimes de trânsito O novo Código Nacional de Trânsito (lei 9.503/97) estabeleceu regras e penas específicas para os crimes que acontecem no trânsito. Várias delas não diferem muito das regras para os crimes já existentes e as penas apenas variam (para mais) pelo crime ter sido cometido por um motorista. Por exemplo, nós vimos que o artigo 121, §3º estabelece a pena de 1 a 3 anos para o homicídio culposo. Mas, de acordo com o artigo 302 do Código Nacional de Trânsito, se o homicídio culposo é cometido por uma pessoa dirigindo um carro, a pena sobe para 2 a 4 anos. A lesão corporal sobe de 3 meses a 1 ano para 6 meses a 2 anos. A omissão de socorro sobe de 1 a 6 meses para 6 meses a 1 ano. Essa foi uma das formas que o legislador encontrou para tentar desestimular a violência no trânsito. Como se pode ver da lista abaixo, o Código Nacional de Trânsito não fala sobre o homicídio doloso. Isso porque ele continua sendo punido de acordo com as normas do Código Penal, que já vimos no início deste capítulo. Se alguém usar um veículo para intencionalmente matar alguém, ele estará cometendo o homicídio doloso. Homicídio
“Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
culposo
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão
ou
a
habilitação
para
dirigir
veículo
automotor.
Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I - não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação; II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; 167
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Para Entender Direito III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros” Lesão
“Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:
corporal
Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter
a
permissão
ou
a
habilitação
para
dirigir
veículo
automotor.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior” Omissão
“Art. 304. Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar
de socorro
imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave. Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves”
Fuga
do
“Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à
local
do
responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuídas:
acidente
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa”
Dirigir
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou
bêbado
substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”
Dirigir
“Art. 307. Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a
quando
habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código:
impedido
Penas - detenção, de seis meses a um ano e multa, com nova imposição adicional de
idêntico
prazo
de
suspensão
ou
de
proibição.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o condenado que deixa de entregar, no prazo estabelecido no § 1º do art. 293 [48h], a permissão para dirigir ou a carteira de habilitação” Participar
“Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, 168
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Para Entender Direito de corrida
disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada: Penas - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”
Dirigir sem
“Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida permissão para
habilitação
dirigir ou habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa”
Entregar
“Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa
veículo
a
não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou,
pessoa
ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não
sem
esteja em condições de conduzi-lo com segurança:
habilitação
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa”
Dirigir
“Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades
em
alta
de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros,
velocidade
logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa”
Inovação
50
“Art. 312. Inovar artificiosamente, em caso de acidente automobilístico com vítima, na pendência do respectivo procedimento policial preparatório, inquérito policial ou processo penal, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito, ou juiz: Penas
-
detenção,
de
seis
meses
a
um
ano,
ou
multa.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo, ainda que não iniciados, quando da inovação, o procedimento preparatório, o inquérito ou o processo aos quais se refere” 4.14 – Crimes hediondos Hediondo é aquilo que é sórdido, pavoroso. Os crimes hediondos foram estabelecidos em 1990, pela lei 8.072. Essa lei não criou novos crimes, ela apenas estabeleceu que alguns crimes – aqueles que ela considerou hediondos – devem ser tratados de forma diferenciada, mais severa. 50
Inovar significa, neste caso, modificar o local do acidente de forma a impedir, desvirtuar ou atrapalhar as análises e conclusões do laudo pericial, inquérito policial ou processo penal. 169
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Para Entender Direito Os crimes hediondos estão definidos no artigo 1º daquela lei. São eles: Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, consumados ou tentados: I - homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado; II - latrocínio; III - extorsão qualificada pela morte; IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada; V - estupro; VI – estupro de vulnerável; VII - epidemia com resultado morte; VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais Parágrafo único - Considera-se também hediondo o crime de genocídio. Além dos crimes hediondos, existem aqueles que são assemelhados aos crimes hediondos. São eles:
•
Tortura;
•
Tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;
•
Terrorismo Eles não são considerados hediondos porque a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso
XLIII, estabeleceu – talvez por desatenção do constituinte – que eles não são hediondos, mas que são tratados como os crimes hediondos. Os crimes hediondos e os assemelhados aos hediondos possuem regras especiais sobre a forma de cumprimento das penas e dos benefícios que um condenado recebe à medida que a cumpre. “Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II – fiança; o
§ 1 A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. § 2
o
A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos
neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 da pena, se o apenado for primário, e de 3/5, se reincidente. o
§ 3 Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. 170
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Para Entender Direito § 4
o
A prisão temporária (...) terá o prazo de 30 dias, prorrogável por igual
período em caso de extrema e comprovada necessidade.” No próximo capítulo veremos como funcionam as penas e o processo penal e como essas regras para os crimes hediondos e a ele assemelhados se diferenciam de todos os demais.
4.15 – Lavagem de dinheiro
Uma boa parte dos crimes contra o patrimônio privado ou público acontencem não porque o criminoso deseja o bem do qual se apropria, mas porque ele consegue transformar aquele bem em dinheiro ou em um outro bem que lhe interessa, como uma casa ou um avião. Ou seja, esses crimes só acontecem porque o criminoso consegue de alguma forma transformar um bem em outro, ou reinserir o bem apropriado na economia legal. É justamente isso que a Lei 9.613/98 tenta impedir ao punir quem ajuda o criminoso a lavar o dinheiro. Se o criminoso não tem ajuda para reinserir o produto de seu crime na economia, ele terá menos incentivo para cometer um crime. E o mesmo ocorre se ealguém mesmo tenta esconder, dissimular, movimentar ou reinserir o produto de seu crime na economia formal, ou de alguma forma tenta transacioná-lo na economia formal. o
“Art. 1 Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. o
§ 1 Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal. §2º Incorre, ainda, na mesma pena quem (I) utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal” 4.16 – Crimes contra a paz pública Existe um outro grupo de crimes que é caracterizado não pelo dano que de fato as condutas causam à sociedade, mas o dano que elas podem vir a causar. Bacisamente, os crimes, nesses casos, existem não porque o criminoso – ou os criminosos – causaram um dano real, mas porque tinha ou tinham a intenção de cometer ou incitar alguém a cometer um crime, e isso, por si só, gera uma perturbação da paz pública. O primeiro deles é a incitação ao crime, definido no Código Penal
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Para Entender Direito “Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa” Nesse crime alguém – o criminoso – incita outra pessoa a cometer um crime (o que exclui as contravenções penais). Mas para que o crime esteja configurado, essa incitação deve ser pública. Se ele incita a pessoa a cometer o crime de forma privada (por exemplo, em um encontro escondido), ele pode até ter cometido outro delito (por exemplo, pode ter sido partícipe ou autor intelectual do crime), mas não terá cometido a incitação do art. 286. Outro crime parecido é o de apologia criminosa. Aqui o criminoso não está incitando alguém a cometer um delito, mas está fazendo apologia de uma conduta criminosa ou de um criminoso em si. “Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa” Apologia é o enaltecimento, o engrandecimento do fato ou da pessoa responsável pelo fato criminoso. Novamente, o que é dito (ou escrito, já que apologia não precisa ser apenas falada), precisa ser feito de forma pública. Nesses dois crimes, quem ouve a incitação ou apologia não está cometendo nenhum crime (ouvir não é crime). Já os crimes dos arts. 288 (associação criminosa) e 288-A (constituição de milícia privada) são caracterizados não pelo que é dito pelo criminoso, mas porque os criminosos de fato uniram-se para cometer crimes. Ainda que eles não tenham começado a cometer o delito que intencionavam cometer, o simples fato de se unirem para cometê-lo já é punido criminalmente. A associação criminosa (antigamente chamada de formação de quadrilha ou bando) acontece quando três ou mais pessoas se unem para cometer um crime. “Art. 288 - Associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente” Como se vê, não há quadrilha ou bando com menos de três pessoas. Mas nem todas as três precisam ser maiores de idade ou terem a intenção de cometerem o mesmo crime. Por exemplo, se duas são maiores (penalmente imputáveis) e uma é menor (penalmente inimputável), as duas pessoas adultas responderão pela associação crimnosa. E se três adultos se unirem para cometer crimes, sendo que dois têm a intenção de roubar e outro tem a intenção apenas de furtar, todos os três respondem pela associação criminosa. Já o art. 288-A (constituição de milícia privada) serve para punir os chamados exquadrões da morte, grupos de extermínio e outras organizações do gênero. 172
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Para Entender Direito
“Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos” Diferente do que acontece com a formação de quadrilha, aqui a lei não estabeleceu um número mínimo. O que ela exige é que haja a formação de uma milícia (que é uma ‘polícia particular’), organização paramilitar (algo nos molder das forças armadas, só que particular) e afins, ou seja, uma organização de alguma forma estruturada. Esse artigo é um pouco mais controverso porque a lei que o introduziu (ele não existia no Código Penal original: ele foi acrescentado em 2012, e daí a letra ‘A’ depois do número 288) tinha como objetivo combater grupos armados que atentam contra a vida ou integridade física das pessoas. Só que não é isso que o art. 288-A. Ele diz que basta eles se unirem em milícias, esquadrões etc para cometerem qualquer crime previsto no Código Penal. Daí surgem dois problemas debatidos pelos juristas: primeiro, nem todos os crimes estão nos Código Penal (por exemplo, genocídio e tortura não estão no Código Penal, mas em outras leis), e nem todos os crimes que estão no Código Penal estão relacionados ao extermínio de seres humanos (por exemplo, roubo, peculato, injúria etc, são todos crimes que estão no Código Penal, mas não têm nenhuma relação com o extermínio de seres humanos). E existe um outro detalhe nesse artigo que o faz objeto de controversas: ele prevê penas muito maiores do que a associação criminosa, ainda que uma quadrilha necessariamente tenha que ter três ou mais pessoas, enquanto a lei não estabelece um número mínimo de pessoas para que se configure uma milícia ou ‘grupo’. Ou seja, em teoria, duas pessoas são um grupo. Existe um outro crime muito mais grave chamado organização criminosa, criado pela Lei 12.850/13. A organização criminosa é uma espécie de associaçãoo criminosa, mas que por suas peculiaridades, merece uma punição muito maior. o
o
“Art. 1 , §1 - Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional” o
“Art. 2 Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. § 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. § 2o As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver 173
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Para Entender Direito emprego de arma de fogo. § 3o A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução. § 4o A pena é aumentada de 1/6 a 2/3: I - se há participação de criança ou adolescente; II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.” A lei traz os seguintes requisitos para que se configure a organização criminosa: •
Quatro ou mais pessoas; e
•
Os criminosos estão estruturalmente ordenados (sabe-se quem é chefe e quem é subordinado); e
•
Os criminosos têm tarefas distintas; e
•
Estão associados para obter vantagem através do cometimento de um delito; e
•
Tais delitos têm pena máxima acima de quatro anos ou acontecem ou têm efeitos em mais de um país.
Vale notar que a pena máxima do crime de associação criminosa é a pena mínima do crime de organização criminosa. Na prática, contudo, muitas vezes é difícil para a o polícia, Ministério Público e Justiça saberem se havia de fato uma estrutura e divisão de tarefas entre os criminosos. Afinal, criminoso normalmente não formaliza seus planos. Óbvio que em qualquer um desses cinco crimes (associação criminosa, organização criminosa, formação de milícia etc), se o criminoso ou os criminosos vierem a cometer um delito, ele ou eles respondem tanto pelo delito que cometeram quanto pela associação criminosa, formação de milícia etc.
4.17 – Hackers e afins
Os dois principais crimes relacionados a hackers são a invasão de dispositivo informático (art. 154-A do Código Penal) e a interrupção ou perturbação de serviço informático (art. 266 do Código Penal). “Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa. 174
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Para Entender Direito o
§ 1 Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. o
§ 2 Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. o
§ 3 Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. o
o
§ 4 Na hipótese do § 3 , aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. o
§ 5 Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: I - Presidente da República, governadores e prefeitos; II - Presidente do Supremo Tribunal Federal; III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal” Esse artigo tenta ser abrangente coibindo a invasões que ocorram via internet ou não (por exemplo, os chamados pen drives ou computadores que estejam em oficina sendo consertados), quem instala virus ou cavalos de tróia capazes de espionarem ou coletarem dados sore o uso do computador ou seu usuário, e pune também quem vende programas ou equipamento feitos para invadirem o computador alheio, capturarem tais informações etc. Mas existe uma brecha aqui: a lei diz que a pessoa precisa violar um dispositivo de segurança. Logo, se o computador (ou celular) não está protegido por nenhum dispositivo de segurança, ou se a vítima simplesmente esqueceu seu email logado em algum computador público, o caput do artigo acima não pode ser aplicado. Já a interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública, prevista no art. 266, visa combater os hackers que de alguma forma invadem páginas na internet ou tentam dificultar seu acesso por outros usuários. Um exemplo são os ataques DOS - sigla em inglês para ‘denial of service’ -, que ocorre quando o criminoso usa milhares (ou mesmo milhões) de computadores para acessar uma mesma página ao mesmo tempo, o que faz com que o provedor de serviço no qual a página está hospedada comece a falhar, impossibilitando que outros internautas acessem aquela página. o
“Art. 266 §1 Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de informação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o restabelecimento. ”
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Para Entender Direito
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Para Entender Direito Capítulo 5 – Processo penal Quando um delito é cometido, é preciso investigar-se por que e como foi cometido e quem o cometeu. Feito isso, é preciso processar quem cometeu o delito para que ele pague por seus atos. E, uma vez condenado, é preciso aplicar a pena sobre a pessoa. São esses três grupos que veremos neste capítulo. 5.1 – Inquérito policial O inquérito policial não é um processo criminal. Ele o antecede. O processo corre no Judiciário. O inquérito é feito pela polícia (Executivo). Ele serve para investigar os delitos e quem os cometeu e serve de base para o processo. Sua função é colher todos os dados para que o juiz consiga decidir com justiça quando for julgar o crime. O inquérito policial é presidido pelo delegado da polícia judiciária, seja ela a polícia civil ou a polícia federal. Ele é instaurado de ofício (isto é, por iniciativa do próprio delegado), através de uma requisição do Ministério Público ou do magistrado ou a pedido da própria vítima (ou seu representante). Neste último caso, a peça pela qual este pedido é feito chama-se notícia-crime. Em direito não existe o popular
dar queixa na polícia. O termo correto é apresentar notícia-crime. No caso da instauração de ofício, o delegado pode instaurar o inquérito porque suspeita de alguma coisa ou simplesmente porque alguém – qualquer pessoa – lhe informou a respeito da existência de um possível delito. Ao contrário do processo judicial, onde o despacho não é uma decisão, no inquérito ele pode ser uma decisão. É através de um despacho que o delegado aceita ou não instaurar (abrir) o inquérito. Aquele que está sendo investigado no inquérito é chamado indiciado. Se ele estiver preso, o delegado terá 10 dias para concluir o inquérito. Se estiver solto, terá 30 dias. Vamos imaginar, por exemplo, que o delegado Zezinho prendeu Barbosa em flagrante e começou as investigações. Transcorridos 10 dias, se o inquérito não estiver concluído, Barbosa será solto. Como agora Barbosa está solto, o delegado terá outros 20 dias (que são os 30 para a conclusão do processo com o indiciado solto menos os 10 já transcorridos) para investigar o caso. Se, ao contrário, o indiciado estiver livre e sua prisão preventiva for decretada, o delegado passará a ter 10 dias para concluir o processo a partir do dia da decretação da prisão. Mas nem sempre é possível terminar as investigações em um mês. Nesses casos, o delegado remete os autos ao magistrado e requisita sua devolução para novas diligências e investigações. O novo prazo para a conclusão do inquérito será determinado pelo magistrado. Se, por outro lado, o delegado perceber que não houve crime ou que não há suspeito ou que o suspeito não praticou o ato, ele não pode arquivar o processo. Ele deve remeter os autos ao magistrado e pedir o arquivamento. Será o magistrado, e não o delegado, quem terá poder de arquivar um inquérito policial. Isso ocorre não porque o magistrado esteja hierarquicamente acima do delegado, mas porque é o magistrado quem vai usar o inquérito para julgar. 177
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Para Entender Direito Para apurar o crime, o delegado poderá fazer a identificação do indiciado e ouvi-lo, ouvir a vítima e as testemunhas, colher provas, conduzir acareações (colocar pessoas que têm versões contraditórias frente a frente para relatarem suas versões), fazer a reconstituição do crime, ordenar o exame de corpo de delito etc. Os laudos de peritos e médicos legistas, que podem conter exames grafotécnicos, contábeis, de balística (identificação de armas através de suas balas), toxicológicos, papiloscópicos (identificação de uma pessoa através de suas impressões digitais), cadavérico etc., podem vir a fazer parte tanto do inquérito quanto do processo. Repetindo: um inquérito não é um processo. Ele não condena, não absolve e não julga ninguém. Ele apenas conclui baseado em fatos. Quem julga é o Judiciário. Por não ser um processo, um inquérito não tem orbigatoriamente o chamado contraditório, que é a oportunidade de o réu defender-se em um processo. O delegado ouvirá o indiciado se houver necessidade e interesse. Se não o ouvir e o juiz achar que era importante tê-lo feito, o juiz poderá ordenar que o delegado o faça ou pode ele mesmo ouvir o réu. Uma das consequências dessa separação entre inquérito e processo é que se o inquérito se tornar nulo (por exemplo, se, no inquérito, o indiciado confessou o crime sob tortura) o processo judicial correrá normalmente, apenas descartando-se o inquérito, mas mantendo-se todas as demais peças e atos do processo.
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Concluído o inquérito, o delegado o remete ao juiz que o remete ao Ministério Público, se o delito for de ação penal pública, ou o mantém arquivado à disposição da vítima ou seu representante, se o delito for de ação penal privada (veremos o que são ações penais pública e privada na próxima seção). Recebendo o inquérito policial, o Ministério Público poderá apresentar a denúncia ou pedir seu arquivamento ao juiz, se não ficar convencido de que houve crime ou de que o crime foi cometido por quem foi apontado pelo inquérito. Ele pode também pedir novas investigações se achar que as já feitas não são suficientes. O juiz, se não concordar com o pedido de arquivamento, enviará o pedido ao órgão máximo do Ministério Público (Procuradoria-Geral da República, no caso do Ministério Público Federal, ou procuradoria de justiça, no caso do Ministério Público Estadual). Se o procurador-geral da República ou o procurador-geral de justiça concordarem com o pedido de arquivamento, o juiz será obrigado arquivá-lo. Caso contrário, eles poderão designar um novo membro do Ministério Público para propor a denúncia. Dois últimos detalhes: primeiro, o inquérito só é instaurado para delitos com pena máxima superior a dois anos. Quando o delito tem pena inferior a isso, o delegado apenas lavra termo
circunstanciado, que é um resumo dos fatos com bem menos formalidade e elementos do que um inquérito policial. Segundo, o Ministério Público, já faz alguns anos, também tem conduzido inquéritos e eles têm sido considerados com o mesmo valor dos inquéritos policiais.
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No caso específico da tortura, o indiciado terá direito a indenização do Estado por ter sofrido tortura por um de seus agentes. Mas isso não isenta o indiciado de responder ao processo (e cumprir uma pena) se se descobrir que ele de fato é culpado pelo delito que era acusado de praticar. 178
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Para Entender Direito Por fim, vale lembrar que inquérito policial e instrução criminal são coisas diferentes. O primeiro, como acabamos de ver, é a investigação feita pela polícia. O segundo (a instrução criminal) é uma das fases de um processo criminal, ou seja, está dentro do processo que, normalmente, se inicia depois de terminado o inquérito e é de responsabilidade do Judiciário. A instrução criminal é a fase de um processo criminal na qual o magistrado angaria todas as provas possíveis para formar sua opinião sobre a culpa do réu.
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5.2 – Tipos de ação penal Na seção anterior mencionamos os termos ação penal pública e ação penal privada. Nesta seção veremos o que isso significa. Quase todos os crimes geram interesse social, mas o legislador fez uma classificação: ele separou os delitos que ele supõe serem de maior interesse da sociedade dos delitos que ele acha que são de maior interesse da vítima. Ao primeiro grupo – aquele no qual estão os delitos que interessam mais à sociedade – ele chamou de delitos de ação penal pública. “Pública” porque não interessa se a vítima ou seu representante perdoa ou não o agente. Ele responderá da mesma forma. Nesse primeiro grupo está a maioria dos delitos. Por exemplo, homicídio, infanticídio, aborto, furto, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, preconceito, tráfico de entorpecentes, concussão, corrupção ativa e passiva, lesão corporal etc. São tantos que a lei decidiu estabelecer que todos os delitos são de ação penal pública, exceto aqueles que ela diz expressamente que são de ação penal privada. Assim, se a lei não diz nada, o crime é de ação penal pública. Já os delitos de ação penal privada são aqueles que interessam mais à vítima. São, normalmente, aqueles que se referem à sua intimidade, como os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), a violação de direito autoral e o exercício arbitrário das próprias razões. Em todos esses casos, a lógica do legislador é sempre a mesma: são crimes em que se a vítima resolver voluntariamente se calar, o Estado não tem o direito de interferir. Nos casos dos crimes de ação penal pública, quem inicia o processo é o Ministério Público. Nos crimes de ação penal privada, quem inicia o processo é a vítima ou seu representante, através de seu advogado. Um advogado, contudo, é algo caro, e muitas vezes a vítima não encontra quem a represente gratuitamente. Quando o crime é de ação penal privada, mas a vítima e sua família não possuem os recursos para mover uma ação contra o agente, tem-se a ação penal pública condicionada. Como uma ação penal pública, quem irá movê-la será o Ministério Público. Mas ela é condicionada porque ele só irá movê-la se a vítima ou seu representante pedir. Em outras palavras, ele só irá mover a ação com uma condição: o pedido da vítima ou seu representante. Em alguns casos, como no caso do estupro a lei já estabelece que o crime é de ação penal pública condicionada, ou seja, será sempre o Ministério Público 52
Do ponto de vista puramente técnico, a maior parte dos juristas diz que ela se inicia, como veremos logo adiante, com o depoimento das testemunhas e termina logo antes das alegações finais das partes. 179
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Para Entender Direito que m moverá a ação penal, mas ele só fará isso depois que a vítima pedir. 5.3 – Denúncia, queixa-crime e representação Cada uma das ações acima será iniciada por meio de um instrumento diferente. A peça que inicia uma ação penal pública chama-se denúncia. Diz-se que o Ministério Público “apresentou denúncia”. Já no caso da ação penal privada, a peça inicial do processo chama-se queixa-crime. E no caso da ação penal pública condicionada, é um pouco mais complicado. Primeiro, a vítima faz uma
representação ao Ministério Público que, recebida a representação, oferece a denúncia. No caso da ação penal pública, aquele que acusa é chamado de autor, e aquele que se defende é chamado de réu. Já na ação penal privada, aquele que acusa é chamado de querelante, e aquele que se defende é chamado de querelado. No caso da ação penal pública condicionada, uma vez que o Ministério Público tenha apresentado a denúncia, a ação penal se torna pública, e a partir daí a vítima não pode mais desistir do processo.
Notícia crime Denúncia Queixa-crime
Peça pela qual se pede a instauração de inquérito policial. É dirigida ao delegado de polícia. Peça pela qual se inicia o processo penal nos crimes de ação penal pública incondicionada. É dirigida ao juiz. Peça pela qual se inicia o processo penal nos crimes de ação penal privada. É dirigida ao juiz. Peça pela qual se inicia o processo penal nos crimes de ação penal
Representação
pública condicionada. É dirigida ao ministério público, que apresenta em seguida a denúncia.
5.4 – O andamento de um processo penal A forma (“procedimento”) como um processo penal anda pode ser divida em comum (a maioria dos casos) e especial. O procedimento comum é a regra, enquanto o procedimento especial é utilizado apenas em determinados casos, quando a lei determina claramente que, para aquele tipo de delito, o processo seguirá um roteiro diferente. O procedimento comum, por sua vez, se divide em ordinário, sumario e sumaríssimo. Os nomes já indicam que o procedimento ordinário é o mais complexo deles, seguido pelo sumário, que é um pouco mais simples, e pelo sumaríssimo, que é o mais simples deles. O crime será julgado utilizando-se o procedimento ordinário quando a pena máxima possível for igual ou superior a 4 anos. Se ela for inferior a 4 anos, o procedimento comum será utilizado, exceto nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo (pena máxima possível igual ou inferior a 2 anos).
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Para Entender Direito Tipo de procedimento
Quando é utilizado?
Ordinário Comum
Crimes com pena máxima igual ou superior a 4 anos Crimes com pena maxima inferior a 4 anos mas superior
Sumário
a 2 anos Infrações penais de menor potencial ofensivo (ou seja,
Sumaríssimo
delitos com pena máxima possível inferior a 2 anos) Quando a lei estabelece um procedimento diferente para o julgamenta de um tipo determinado de delito. Por
Especial
exemplo, os crimes dolosos contra a vida (tribunal do júri), os crimes de injúria e difamação e os crimes de falência.
Vamos agora focar nas ações penais públicas que se utilizam do rito comum ordinário, e mais adiante veremos um dos procedimentos especiais, os crimes julgados pelo tribunal do júri.
5.4.1 – Procedimento comum ordinário O processo penal se inicia com a apresentação da denúncia pelo Ministério Público ao magistrado. Mas o magistrado pode rejeitá-la logo de início, se o fato narrado evidentemente não constituir crime, quando não houver os pressupostos básicos para um processo (por exemplo, quando não estiver claro qual é a acusação contra o acusado, ou quando não estiver claro quem é o acusado, ou quando quem propôs a ação não tinha competência (direito) para fazê-lo por qualquer motivo), ou quando não for justo ou racional levar o processo adiante (por exemplo, não se deve julgar uma pessoa que furtou um pedaço de pão para se alimentar, ainda que o que ela tenha feito seja, de fato, um crime: furto). Aceita a denúncia, o juiz mandará citar (e não intimar) o réu para que ele possa defender-se. Se o réu tentar se ocultar, o oficial de justiça irá fazer uma citação com hora marcada, que não é nada mais do que dizer que ele (oficial de justiça) retornará a tal lugar em um dia e hora determinados e que o réu deve estar lá esperando-o para ser citado, e que se o réu a ser citado não estiver lá esperando pelo oficial de justiça, a citação será feita de qualquer forma. Por outro lado, se for impossível achar o réu por qualquer outra razão, a citação será feita por edital, que é quando o magistrado manda publicar a citação no diário oficial. Uma vez citado, o acusado tem 10 dias para apresentar sua defesa. Na resposta, o acusado pode alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as 53
provas que pretende utilizar
e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação,
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A prova da alegação incumbe a quem alega, porém o juiz pode, por conta própria, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes. As provas ilícitas são inadmissíveis no processo. São ilíticas as provas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas (salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras, ou seja, aquelas que seriam produzidas normalmente se os trâmites próprios da investigação ou instrução criminal fossem seguidos normalmente). 181
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Para Entender Direito quando necessário. Não apresentada a resposta no prazo acima, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la. Depois que o juiz receber a defesa, ele absolverá sumariamente o acusado quando verificar a existência de uma excludente da ilicitude, ou a existência de excludente da culpabilidade do acusado
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(salvo a inimputabilidade), ou que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou que já não é mais possível punir o acusado (por exemplo, porque ocorreu a prescrição). Em sendo possível a concessão do sursis processual, o juiz será obrigado a concedê-lo (veremos mais adiante o que é o sursis processual). Não sendo possível a concessão do sursis processual, o processo seguirá adiante para que o juiz consiga apurar a verdade. Se o juiz decidir levar o processo adiante, ele marcará a audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 dias. Nesta audiência ele toma as declarações do ofendido, inquire as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa (máximo de 8 para cada lado), nesta ordem, ouve os esclarecimentos dos peritos (se requeridos por uma das partes), faz as acareações e permite que haja o reconhecimento de pessoas e coisas, se for necessário. Apenas então ele interroga o acusado. O acusado é deixado para o fim para que ele saiba – e possa se defender contra – tudo o que existe contra ele. Ao final da audiência, as partes podem requerer novas diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados durante a instrução. Neste caso, a audiência será concluída sem as alegações finais. Depois que as novas diligências forem concluídas, as partes apresentam, no prazo de 5 dias, suas alegações finais, por memorial. Depois que receber os memoriais, o juiz tem 10 dias para proferir a sentença. Não havendo requerimento de novas diligências, ou sendo indeferido, a acusação e a defesa, nesta ordem, oferecem suas alegações finais orais por 20 minutos (prorrogáveis por mais 10), proferindo o juiz, a seguir, sentença. Dependendo da complexidade do caso ou do número de acusados, o juiz pode conceder às partes o prazo de 5 dias sucessivamente para a apresentação de memoriais, que nada mais são do que um resumo de tudo o que foi alegado e as razões pelas quais a parte pede que o juiz sentencie de determinada forma. Nesse caso, o juiz tem o prazo de 10 dias para proferir a sentença.
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A lei define como excludentes de culpabilidade: o erro de proibição (quando o acusado não tinha como saber que aquela ação ou omissão era um delito), a coação moral irresistível (por exemplo, a pressão emocional de uma mãe sobre um filho), a obediência hierárquica, a inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, a inimputabilidade por menoridade penal, e a inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (ou seja, a pessoa se embiagou sem querer). 182
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Para Entender Direito
A sentença poderá tomar três direções: (I) A sentença pode ser uma sentença absolutória, que significa que o réu foi absolvido das acusações feitas. Se o MP concordar com essa decisão e não apelar, o processo será arquivado. Mas se ele não concordar, ele poderá apelar e o processo seguirá para o tribunal. 55
(II) A sentença pode ser condenatória.
Se nem o Ministério Público e nem o réu apelarem, a
sentença será executada. Se for uma sentença que condene o réu a uma pena privativa de liberdade, será expedida a guia de recolhimento, que é encaminhada à vara de execuções penais, que é o órgão responsável por prender e administrar a pena. Mas se o Ministério Público recorrer (por exemplo, porque o juiz absolveu o réu de um dos crimes do qual ele era acusado ou porque a condenação ficou aquém do que o Ministério Público acha justo) ou se o réu recorrer (por exemplo, porque a pena foi muito severa ou porque o réu alega que de fato era inocente), a apelação será julgada pelo tribunal. Um detalhe: se apenas o réu recorrer, a apelação não pode condenar o réu a uma pena mais severa do que aquela da qual ele apelou. Outro detalhe importante: o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia, pode atribuir ao crime uma definição jurídica diferente daquela pela qual o acusado estava sendo inicialmente processado. Ou seja, o juiz pode convencer-se que os fatos descritos na denúncia constituem um crime diverso daquele pelo qual o réu era acusado (por exemplo, que se trata de uma concussão em vez de 55
Nos crimes de ação pública, o juiz pode proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição. Ele também pode reconhecer agravantes ainda que elas não tenham sido alegadas pela acusação. 183
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Para Entender Direito corrupção passiva), ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. (III) O juiz pode proferir o que se chama de decisão absolutória imprópria. Muitas vezes um réu não pode ser condenado porque não tem discernimento suficiente para saber que aquilo que fez estava errado. É o caso do débil mental ou daquele acometido de loucura, ainda que temporária. Nesses casos, o juiz, em vez de condená-lo, submete-o a uma medida de segurança. Medida de segurança é o tratamento ou internação ambulatorial ao qual uma pessoa que não tem discernimento suficiente para ser condenada é submetida para que não venha a cometer o mesmo ato novamente. Essas duas medidas de segurança não são sinônimas. Na internação, o louco deve manter-se dentro do hospital psiquiátrico. Já no tratamento ambulatorial, ele apenas submete-se às medidas tópicas, devendo apresentar-se no local onde o tratamento é fornecido na frequência determinada pelo magistrado ou junta médica. Se o louco comete um crime apenado com reclusão, ele será submetido à internação ambulatorial. Se cometer um crime apenado com detenção, será submetido ao tratamento ambulatorial. Ao contrário do que se imagina, alegar insanidade não é necessariamente uma boa idéia. Ao menos não no Brasil. Primeiro, pelas próprias condições dos hospitais psiquiátricos, que em sua maioria são inadequados. E, segundo, porque embora as penas tenham limites máximos, a internação e o tratamento não têm. Essas duas medidas de segurança se estendem enquanto perdurar a necessidade. E mais: ainda que o agente tenha sido submetido ao tratamento, o juiz pode mandar interná-lo se ele notar que o mero tratamento não está surtindo efeitos. Tanto o Ministério Público quanto o réu podem recorrer da decisão absolutória imprópria. Se houver recurso, o tribunal é que irá decidir. Durante o processo o Ministério Público pode se convencer que, baseado nos fatos descritos no processo, houve um delito, mas não aquele do qual estava inicialmente acusando o réu. Neste caso ele deverá aditar a denúncia no prazo máximo de 5 dias. Ouvido o defensor no prazo de 5 dias e admitido o aditamento, o juiz designa novo dia para a continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. Neste caso, cada parte poderá arrolar até 3 testemunhas.
5.4.2 – Tribunal do júri - Crimes dolosos contra a vida Já vimos que há apenas quatro crimes que são julgados pelo tribunal do júri (quando cometidos
dolosamente): homicídio, infanticídio, aborto e instigação, auxílio ou indução ao suicídio. E como um processo corre no tribunal do júri?
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Para Entender Direito
Bem, ele começa como os demais processos: com a apresentação da denúncia pelo Ministério Público (promotor ou procurador da República, dependendo se for um processo estadual ou federal, respectivamente) ao juiz. Neste mesmo documento o Ministério Público deve arrolar suas testemunhas (no máximo 8). Se o juiz aceita a denúncia, ele ordena a citação do réu para apresentar a sua defesa. Assim como no procedimento comum que vimos acima, uma vez citado, o acusado tem 10 dias para apresentar sua defesa. Na resposta, o acusado pode alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende utilizar e arrolar testemunhas (até 8), qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. Não apresentada a resposta no prazo acima, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la. Apresentada a defesa, o juiz ouve a acusação sobre suas alegações preliminares e documentos, em 5 dias, bem como determina a inquirição das testemunhas e a realização das diligências requeridas pelas partes, no prazo máximo de 10 dias. Feito isso, o juiz presidirá a audiência de instrução, que é quando ele toma as declarações do ofendido (se possível, já que quase sempre o ofendido estará morto), inquire as testemunhas de
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Para Entender Direito acusação e defesa (nesta ordem), bem como aos esclarecimentos dos peritos (quando pedidos), às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate entre a acusação e a defesa. Encerrados os debates, o juiz tem até 10 dias para proferir sua decisão. A partir daqui é que as coisas realmente passam a diferir de um procedimento comum. O juiz irá tomar uma das seguintes decisões: a) Pronunciar o réu; b) Impronunciar o réu; c) Absolver o réu sumariamente, ou d) Desclassificar o delito.
a) Sentença de pronúncia A sentença de pronúncia significa que o juiz encontrou indícios de que houve um crime doloso contra a vida (e que por isso o processo é de competência do tribunal do júri) e que encontrou evidências suficientes de que o réu pode ser o autor (ou partícipe) do crime e que por isso deve ir a julgamento pelo tribunal do júri. Mas, embora ela seja chamada de sentença, ela não é uma decisão de caráter final, ou seja, ela não está dizendo que o réu é culpado. Ela só está dizendo que, por enquanto, ele não está absolvido e que deverá ser julgado pelo tribunal do júri. Umas das evidências de que a sentença de pronúncia não é uma sentença condenatória do réu é que o recurso contra ela não é uma apelação, mas um recurso em sentido estrito (veremos a diferença entre eles na próxima seção). Proferida a sentença de pronúncia, o presidente do tribunal do júri manda intimar o Ministério Público e a defesa, para, no prazo de 5 dias, apresentarem rol de testemunhas (até 5) que irão depor em 56
plenário. Ambas as partes podem, também apresentar novos documentos e requerer novas diligência. Obviamente, cabe ao juiz aceitar ou não os novos documentos e os pedidos de novas diligências. Terminadas as diligências, o juiz prepara um relatório sucinto do processo.
A primeira etapa para a formção do tribunal do júri em si é a formação do conselho de sentença, que nada mais é do que a escolha e orientação dos jurados. E como os jurados são escolhidos? Todos os anos o presidente do tribunal do júri alista centenas 57
de pessoas como potenciais jurados.
Em um dia predeterminado, o juiz sorteia publicamente 25 nomes
dentre os alistados. Essas 25 pessoas são, então, convocadas para comparecer ao fórum em determinado dia e hora. Pela lei brasileira, ser jurado é um dever público, na mesma categoria do serviço 56
O tribunal pode determinar que o julgamento seja feito em outra comarca se for importante para manter a ordem pública, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, ou se, devido ao excesso de serviço, o julgamento não puder ser realizado no prazo de até 6 meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. Esse procedimento é chamado de desaforamento. 57 O número mínimo de alistados depende do tamanho da comarca: Tamanho da comarca Número mínimo de alistados Mais de 1 milhão de habitantes Entre 800 e 1.500 Entre 100 mil e 1 milhão de habitantes Entre 300 e 700 Menos de 100 mil habitantes Entre 80 e 400 Sugestoões de potenciais alistados são requeridas pelo juiz às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários 186
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Para Entender Direito militar e trabalhar como mesário. Se o potencial jurado não comparecer no dia e hora indicados, o juiz imporá uma multa que varia entre 1 e 10 salários mínimos.
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Estas 25 pessoas são chamadas jurados.
Os jurados, juntamente com o juiz togado (o juiz de carreira) formam o tribunal do júri. No dia e hora marcados para o comparecimento, o juiz sorteia 7 pessoas dentre esses 25 jurados para comporem o conselho de sentença. À medida que eles vão sendo sorteados, a defesa e a acusação podem, nesta ordem, ir recusando (sem apresentar motivo). Cada parte pode recusar até três jurados. Se houver a recusa de um jurado, obviamente o juiz sorteia outro (dentre os 25) para ocupar seu lugar. Os sete sorteados formam o conselho de sentença e são eles que vemos normalmente nos julgamentos. Formado o conselho de sentença, passa-se ao julgamento propriamente dito. O julgamento pelo tribunal do júri não é adiado pelo não comparecimento do acusado solto que tiver sido regularmente intimado. Se a falta sem uma justificativa legítima for do advogado do acusado, o fato é imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com a data designada para a nova sessão. Neste caso, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado na nova data marcada pelo juiz. Para ter certeza que o réu não ficará sem defesa, o juiz manda intimar a defensoria pública para o novo julgamento. O julgamento também não é adiado se uma das testemunhas não comparecer, , salvo se uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua localização. Neste caso, se a testemunha não comparecer, o juiz presidente suspende os trabalhos e manda o oficial de justiça (e a polícia, se necessário) conduzi-la a força, ou adia o julgamento para o primeiro dia desimpedido, ordenando a sua condução pelo oficial de justiça. Se o julgamento for suspenso, na próxima vez ele ocorrerá ainda que a testemunha-chave não seja encontrada pelo oficial de justiça no local indicado. Vale a pena ressaltar que não cabe a testemunha querer ou deixar de querer comparecer. Uma vez intimada, ela tem de comparecer. Se não comparecer, fica sujeita a processo pelo crime de desobediência e multa de 1 a 10 salários mínimos. Depois de os jurados prometerem analisar os fatos de acordo com suas consciências, o juiz togado inicia os trabalhos no plenário do tribunal do júri. O juiz, a acusação e, por fim, a defesa (nesta ordem), tomam diretamente as declarações do ofendido (se ainda estiver vivo) e depois (também na mesma ordem), das testemunhas de acusação. Já as testemunhas de defesa são primeiro ouvidas pelo juiz, depois pela defesa e só então pela acusação. Os jurados podem formular perguntas ao ofendido e às testemunhas, por intermédio do juiz presidente. Tanto as partes quanto os jurados podem requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis. 58
Segundo o Código de Processo Penal, a recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importa no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto. Serviço alternativo, neste caso, significa o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no poder judiciário, na defensoria pública, no ministério público ou em entidade conveniada para esses fins. Cabe ao juiz decidir onde, quando e por quanto tempo a pessoa deve prestar o serviço alternativo. 187
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Para Entender Direito Ao contrário do que vemos em filmes americanos, no Brasil não temos provas ou testemunhas surpresas. Durante o julgamento não é permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado ao processo com a antecedência mínima de 3 dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Por fim, o acusado (se estiver presente) é interrogado pelo juiz, e depois, diretamente, a acusação e a defesa (nessa ordem) podem formular perguntas ao acusado. Se os jurados tiverem dúvidas, eles podem formular perguntas ao réu por intermédio do juiz presidente. Encerrada a instrução, o Ministério Público (e depois dele o assistente de acusação, se houver um), recebe a palavra para fazer a acusação durante, no máximo, uma hora e meia, e depois dele, a defesa recebe a palavra por igual período. A acusação poderá replicar os argumentos da defesa por mais uma hora e a defesa pode treplicar por igual período. Se for necessário, as testemunhas podem ser ouvidas novamente. Terminado o debate entre acusação e defesa, o juiz indaga aos jurados se estão habilitados a julgar ou se precisam de mais esclarecimentos. Se disserem que precisam de mais esclarecimentos, o juiz ou as partes os esclarecerão.
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Se disserem que já estão habilitados a julgar, o juiz presidente
informa quais são os quesitos que os jurados devem decidir. Os quesitos são as perguntas que os jurados devem responder com “sim” ou “não”. São perguntas simples a respeito dos fatos discutidos durante o julgamento. Os jurados responderão, por exemplo, se estão convencidos de que o réu cometeu o crime, se acham que o réu agiu em legítima defesa, em estado de necessidade, no estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito etc. Os jurados não decidem por quanto tempo ou se o réu ficará preso. Eles apenas dizem se estão convencidos pelos argumentos da defesa ou da acusação. Quem decide qual a pena a ser aplicada é o juiz togado. Em termos legais, os jurados decidem se houve os fatos alegados, e o juiz presidente decide qual a lei aplicável aos fatos que os jurados disseram estar convencidos de terem ocorrido. Por isso dizse que os jurados julgam os fatos, e o juiz julga o direito. Outro detalhe: em filmes americanos sempre vemos os jurados trancados em uma sala debatendo interminavelmente se o réu é culpado, até chegarem a um veredicto. No Brasil é diferente: a votação é secreta e por maioria (e não por unanimidade). Tão logo sorteados, os jurados passam a ficar isolados e não podem comunicar-se entre si. Sua única comunicação até o fim do processo é com o juiz. A votação ocorre em uma sala fechada (chamada sala especial) onde estão apenas os jurados, o juiz presidente, a defesa, a acusação, o oficial de justiça e o escrivão. O juiz manda distribuir cédulas com as palavras “sim” e “não” entre os jurados. O juiz, então, lê o quesito que deve ser respondido e um oficial de justiça recolhe as cédulas com os votos dos jurados, e outro, as cédulas não utilizadas. Após a votação de cada quesito, o juiz presidente manda que o escrivão escreva o resultado dos votos afirmativos e negativos. Se a resposta a qualquer dos quesitos estiver em contradição com outra (ou outras) já proferida(s), o juiz explica aos jurados em que consiste a contradição, e submete os quesitos à 59
Se a verificação de qualquer fato, reconhecida como essencial para o julgamento da causa, não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolve o conselho de sentença e ordena a realização das diligências necessárias. 188
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Para Entender Direito votação novamente. Se, pela resposta dada a qualquer dos quesitos, o juiz verificar que não tem lógica formular os quesitos seguintes, o juiz põe fim à votação. Por exemplo, se os jurados dizem que não estão convencidos de que o réu matou a vítima, não há por que perguntar se o réu cometeu o homicídio com alguma circunstância agravante. Terminada a votação, o juiz presidente então profere a sentença, baseada nas respostas dos jurados. Essa sentença poderá ser de quatro tipos: I) Condenatória. A condenação poderá ser com pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. II) Desclassificatória. Vimos que o tribunal do júri está julgando um crime doloso contra a vida. Logo, se durante a votação eles decidirem que houve um crime, mas que ele não foi doloso ou não foi contra a vida, o tribunal do júri não é o órgão competente para julgá-lo. Mas neste caso, não há razão por que desperdiçar todo o trabalho já feito, especialmente porque o juiz presidente é um juiz togado e está habilitado a julgar o réu. Ocorre, então, a desclassificação da conduta do agente, ou seja, a conduta deixa de ser classificada como um crime doloso contra a vida e passa a ser um crime doloso contra outro bem jurídico qualquer (patrimônio, integridade física etc.) ou continua como crime contra a vida, mas na modalidade culposo. O juiz presidente mesmo proferirá a sentença condenatória como se o julgamento tivesse ocorrido perante um juiz singular. Por exemplo, se Zezinho é julgado por tribunal do júri acusado de ter cometido homicídio doloso contra Barbosinha, mas no final do julgamento os jurados concluem que o homicídio era culposo (foi sem querer) ou que não foi homicídio, mas foi uma lesão corporal seguida de morte ou um latrocínio, o juiz presidente do tribunal do júri profere uma sentença condenatória contra Zezinho como se ele tivesse sido julgado por um juiz singular. III) Absolutória imprópria. A sentença absolutória imprópria é aquela na qual o juiz verifica que o agente é quem cometeu o crime, mas porque ele não tinha noção do que estava fazendo ele não deve ser preso, mas deve ser internado ou submetido a tratamento ambulatorial em um hospital psiquiátrico. IV) Absolutória própria. É a sentença na qual o juiz diz que o réu não é culpado pelo crime do qual foi acusado, ou que houve alguma excludente de ilicitude, ou que já ocorreu prescrição do crime. É possível interpor recursos contra todas essas sentenças. O recurso é a apelação. Veremos mais a respeito na próxima seção. Mas antes vamos voltar lá atrás, quando dissemos que o juiz singular pode tomar quatro tipos de decisão. Vimos o que acontece se ele decide pronunciar o réu. Agora vamos ver as outras alternativas:
b) Impronúncia. Na impronúncia o juiz considera a denúncia improcedente porque não houve indícios suficientes de que houve um crime, ou de que o réu é seu autor. Em outras palavras, ela não julga o mérito da questão. O juiz apenas decide que não prosseguirá com o julgamento porque não há elementos necessários para isso. Se esses elementos vierem a surgir mais tarde, o Ministério Público pode voltar a propor outra ação, pois não houve julgamento de mérito. Reparem que ele não está absolvendo o réu. Apenas não está levando o julgamento adiante. 189
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Para Entender Direito
c) Absolvição sumária Na absolvição sumária, ao contrário da sentença de pronúncia, o juiz decide o mérito da questão, ou seja, ela julga a conduta do réu como não sendo passível de punição. Ela é chamada “sumária” porque não ocorre depois do julgamento pelo tribunal do júri. O juiz absolve o réu antes de ele ser julgado pelo tribunal do júri que, a priori, seria quem deveria julgá-lo. A absolvição sumária ocorre quando o juiz fica convencido que: •
O réu não cometeu e não ajudou a cometer o crime.
•
O réu agiu diante de uma excludente de ilicitude (ou seja, estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular do direito ou estrito cumprimento do dever legal).
•
O réu não sabia que estava cometendo um delito (chamado erro de fato). Por exemplo, quando a pessoa mata alguém que lhe apontou uma arma de brinquedo.
•
O réu agiu sob uma coação irresistível (por exemplo, o assaltante manda que o réu empurre sua sogra pela janela ou ele o matará) ou estrita obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico (por exemplo, o chefe manda que o réu abra uma válvula e essa válvula acaba liberando um gás que mata o colega de trabalho).
•
O réu estava completamente bêbado e essa situação não era intencional (ou seja, o réu não bebeu para “ficar valente” e conseguir cometer o crime).
•
O réu sofre de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ou dependência química.
Nos primeiros cinco casos, ocorre a chamada absolvição sumária própria. Já no último caso ocorre a imprópria, que é aquela em que o réu é enviado para tratamento ambulatorial ou internação em um hospital psiquiátrico.
d) Desclassificação Vimos que o tribunal do júri julga os crimes dolosos contra a vida. Mas não é porque o crime não é doloso contra a vida que o réu não será julgado. Se o juiz detectar que o crime não é doloso contra a vida, mas que houve um delito e que o réu pode ter sido o culpado, ele desclassificará o delito e enviará o processo para ser julgado pelo juiz singular. Digamos, por exemplo, que Zezinho mate um índio depois de atear fogo nele. O juiz não fica convencido que Zezinho queria matar o índio, e acha mais provável que ele tenha desejado machucar o índio e acabou matando-o. Neste caso, não se trata de crime doloso contra a vida, mas contra a integridade física do índio. A morte do índio foi uma consequência não desejada (sem dolo). Nesse caso, o juiz desclassifica a denúncia de homicídio doloso para lesão corporal seguida de morte e envia o processo para um juiz singular julgar. Tanto na absolvição quanto na impronúncia (b e c), é possível a apelação. Já na desclassificação (d) o recurso possível é o recurso em sentido estrito. Um último detalhe a respeito do tribunal do júri: via de regra, se o crime teve uma grande repercussão na mídia, o advogado de defesa provavelmente desejará que ele seja julgado por um juiz 190
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Para Entender Direito singular e tentará desclassificá-lo. Por quê? Porque o juiz togado tende a ser mais técnico e não se deixar influenciar pelas emoções e por isso a tendência é que ele julgue mais tecnicamente e menos emocionalmente. A acusação tenderá ir na direção contrária, pois os jurados provavelmente estarão predispostos a aceitarem seus argumentos depois de passarem dias, semanas e às vezes anos vendo notícias a respeito daquele crime. 5.5 – Recursos em um processo penal Da mesma forma como há recursos no processo civil, há recursos no processo penal. Apenas seus nomes e usos são distintos. O recurso em sentido estrito é muito similar ao agravo, do processo civil. Ele serve para contestar decisões do juiz que não põem fim ao processo (decisões interlocutórias). Se a decisão puser fim ao processo (sentença) a parte inconformada utiliza-se da apelação. Como vimos, embora a sentença de pronúncia chame-se sentença, ela não põe fim a processo. Por isso o recurso contra ela é o recurso em sentido estrito. Há, ainda a revisão, que é possível quando, depois de proferida a sentença condenatória, perceber-se que ela é contrária ao texto expresso da lei (a lei diz A e a sentença determina B) ou à evidência dos autos (o réu estava em outro país no dia do homicídio, por exemplo); quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; ou quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena (por exemplo, quando o réu foi condenado não havia exame de DNA e não se podia provar que o sangue no local do crime não era dele). O pedido de revisão pode ser interposto a qualquer momento, mesmo depois de o condenado já ter terminado de cumprir sua pena. Existem ainda as cartas testemunháveis, que são cabíveis quando o magistrado nega o seguimento a qualquer outro recurso ou quando ele permite o seguimento mas na realidade não toma qualquer medida para que o recurso seja analisado pelo órgão devido. Os demais recursos são similares aos do processo civil: Os embargos de declaração servem para esclarecer algum ponto que não tenha ficado claro. Não servem para modificar ou inovar a decisão. Servem apenas para esclarecer o que o magistrado quis dizer com ela ou esqueceu de dizer. O recurso especial é aquele que é dirigido ao STJ em grau de recurso. E o recurso extraordinário é o que é dirigido ao STF. Recurso Recurso em sentido estrito Apelação Embargos de
Finalidade Interposto contra decisões interlocutórias de um juiz. Interposto contra a sentença. Para que o julgador esclareça ponto obscuro ou omisso da sentença. 191
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Para Entender Direito declaração Interposto quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei ou à evidência dos autos; quando a sentença condenatória se fundar Revisão
em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; ou quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Carta testemunhável
Interposto quando o juízo nega ou atrapalha o segmento a um recurso para o órgão superior.
Recurso
É o recurso feito ao STJ contra decisão de tribunal inferior, quando há
especial
interpretação contraditória/conflitante de lei federal.
Recurso
É o recurso feito ao STF contra decisão de qualquer outro tribunal, por
extraordinário
haver questão constitucional envolvida.
5.6 – Determinação da pena Uma vez que o réu tenha sido considerado culpado, o juiz deverá estabelecer uma pena. Para determinar quanta pena alguém receberá, o juiz analisa três grupos de fatores, conhecidos pelos juristas como sistema trifásico. O primeiro passo é analisar os fatos básicos do delito. Esses fatos estão contidos no artigo 59 do Código Penal. Por isso muitas vezes se vê o Ministério Público ou a defesa alegando que o réu tem “um 59 favorável” ou “um 59 desfavorável”. Diz o artigo 59: “Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível” O artigo 59 “bom” ou “ruim” é determinado pelo balanço que o magistrado faz dos elementos que estão no caput do artigo: o réu tem bons antecedentes? O réu, antes do delito, se conduzia de forma socialmente respeitável ou foi sempre encrenqueiro? Os motivos para o delito eram relevantes? As circunstâncias do crime o tornarão mais ou menos reprováveis? Quais foram as consequências do crime na vida das vítimas e aqueles que a cercavam? A vítima provocou o agente ou “deu sopa para o azar”? 192
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Para Entender Direito Nenhum desses elementos é objetivo. Não é uma fórmula matemática. O juiz pesa todos eles em conjunto e disso toma sua decisão. Essa decisão chama-se pena-base. Mas não termina aí. O segundo estágio envolve as atenuantes e agravantes. Os artigos 61 e 62 do Código Penal tratam das agravantes, e o artigo 65 das atenuantes de um crime: Agravantes
“Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência; II - ter o agente cometido o crime: a) por motivo fútil ou torpe; b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida; i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; l) em estado de embriaguez preordenada. Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I - promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II - coage ou induz outrem à execução material do crime; III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.”
Atenuantes
“Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I - ser o agente menor de 21, na data do fato, ou maior de 70 anos, na data da sentença; 193
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Para Entender Direito II - o desconhecimento da lei; III - ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral; b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano; c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime; e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou” Repare que, novamente, o legislador não dá um número ou um valor para o agravo ou atenuação da pena. Ele simplesmente diz que essas circunstâncias agravam ou atenuam, sem dizer o quanto. O quanto será determinado pelo magistrado, subjetivamente, levando-se em conta todos os fatores. Assim, depois de considerar um valor para a pena-base, o juiz estabelece um novo valor (ou manterá o valor da pena-base) levando em conta a existência ou não das agravantes e atenuantes. Por fim, no terceiro estágio, o magistrado levará em conta as causas de aumento e as causas de
diminuição de pena. As causas de aumento e de diminuição, ao contrário do cálculo da pena-base, das agravantes e das atenuantes, são objetivas. São percentuais claros. Um terço, metade, dois terços, três quintos etc. E o juiz usa aquela que mais aumenta ou mais diminui a pena. Por exemplo, quando vimos o crime de homicídio (art. 121), vimos um caso de aumento e um de diminuição de pena: Diminuição
“§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço” “§ 4º - No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime
Aumento
resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 anos”
Esse aumento ou diminuição percentual, se houver, será aplicado em cima da pena resultante do segundo estágio (depois da consideração das atenuantes e agravantes). Será o valor determinado depois dessa terceira fase que o réu condenado deverá cumprir. Boa parte dos juristas entende que esse valor final não pode ser superior à pena máxima 194
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Para Entender Direito prevista na lei para aquele delito específico. Por exemplo, em se tratando de um homicídio doloso, que prevê pena de 6 a 20 anos, a pena final não pode ficar acima de 20 anos. Por outro lado, alguns juristas dizem que ela pode ficar abaixo da pena mínima (6 anos). Na prática, para evitar confusão, os magistrados tentam sempre calcular de forma que fique entre o mínimo e o máximo previsto (6 e 20 anos).
5.6.1 – Bons antecedentes e reincidência (primariedade) No artigo 59, quando o legislador fala em cálculo da pena-base, uma das coisas que ele menciona é antecedentes. Já no artigo 61, quando ele fala em agravante, a primeira coisa que ele menciona é reincidência. Se o legislador mencionou essas duas coisas, uma logo depois da outra, colocando uma na pena-base e a outra em agravantes, é porque elas não são sinônimas, ainda que a mídia insista em utilizá-la como sinônimas. São coisas bem distintas, a bem da verdade.
Reincidência é um conceito objetivo. Quase matemático. Dizem os artigos 63 e 64 do Código Penal: “Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos” Em outras palavras, é reincidente aquele que pratica um novo crime nos cinco anos posteriores ao fim do cumprimento de sua última pena. Transcorridos esses cinco anos, ele volta a ser réu primário. Por exemplo, digamos que Zezinho foi condenado, em 1º de janeiro de 2000, a cinco anos de reclusão. Em 31 de dezembro de dezembro de 2004 ele termina de cumprir sua pena. Em novembro de 2009 exatamente quatro anos e onze meses depois de ter terminado de cumprir sua pena - ele volta a cometer outro crime. Ele será considerado reincidente, pois havia transcorrido menos de 5 anos. Mas se em vez de cometer o crime em novembro de 2009, ele cometê-lo em fevereiro de 2010 – cinco anos e um mês depois de terminada sua pena – ele não será considerado reincidente, mas réu primário. Por outro lado, o bom antecedente é um conceito menos objetivo. Ele é o resumo da vida pregressa do indivíduo. Via de regra, usa-se o atestado de antecedentes concedido pela polícia, que é um resumo da vida delituosa de uma pessoa (se houver), incluindo-se todas suas condenações (não importa quão antigas) e excluindo-se qualquer inquérito policial. Mas, se Barbosa comete um delito aos 18 anos e desde então só pratica o bem, aos 60 anos ele ainda deve ser considerado como alguém de maus
195
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Para Entender Direito antecedentes? Por isso o conceito de antecedente pode ir além da mera certidão emitida pela polícia com o relatório da vida delituosa da pessoa. Por outro lado, no exemplo de Zezinho acima, ainda que ele já tivesse voltado a ser um réu primário quando praticou o novo crime cinco anos e um mês depois de cumprida a primeira sentença, ele será considerado possuidor de maus antecedentes, pois estes, ao contrário da reincidência, não possuem uma data para serem zerados. Eles vão se acumulando ao longo do tempo.
5.6.2 – Tipos de pena Existem três tipos de penas no Brasil: as multas, as penas restritivas de direito e as penas privativas de liberdade. 1 – Multas 2 – Restritivas de direito a. Prestação pecuniária b. Perdas de bens e valores c.
Prestação de serviço à comunidade
d. Limitação de fim-de-semana e. Interdição temporária de direitos i.
Proibição de exercício de cargo ou função pública e mandato eletivo
ii.
Proibição de exercício de profissão que dependa de licença
iii.
Suspensão de autorização para dirigir
iv.
Proibição de frequentar determinados locais
v.
Proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.
3 – Privativas de liberdade •
Reclusão (crimes mais graves. Regimes fechado, semi-aberto e aberto)
•
Detenção (crimes mais leves. Regimes semi-aberto e aberto)
•
Prisão simples (contravenções penais) Veremos cada uma delas nas próximas duas seções. 5.7 – Penas privativas de liberdade As penas privativas de liberdade, o nome já diz, são aquelas que privam o indivíduo de ir e vir.
Elas se dividem em três tipos: reclusão, detenção e prisão simples. Estes termos não são sinônimos. A pena de reclusão é a mais severa entre elas. Ela é imposta aos crimes que o legislador determinou como sendo mais reprováveis (e por isso mesmo, nos crimes com penas maiores). Somente ela possui o regime fechado (veremos a seguir a diferença entre os regimes). Uma decorrência disso é 196
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Para Entender Direito que a progressão e a regressão de regimes também se torna mais severa (veremos o que é isso também logo a seguir). As penitenciárias são destinadas aos presos condenados ao regime fechado. Como não há regime fechado na detenção, um detento não pode – em teoria – ir para a penitenciária, apenas um
recluso. A prisão simples só é aplicada nas contravenções penais e tende a desaparecer, pois, veremos mais adiante, são quase sempre substituídas por penas restritivas de direito ou o magistrado aplica apenas a multa. É uma forma de se evitar que alguém que cometeu um delito menor acabe tendo a oportunidade de aprender, convivendo com outros marginais, como cometer um delito pior. As penas de prisão simples, quando não convertidas em penas restritivas de direito, são cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semi-aberto ou aberto. O condenado a pena de prisão simples fica sempre separado dos condenados à pena de reclusão ou de detenção. Qual dessas três penas será empregada é determinada pela lei em cada crime. Por exemplo, quando vimos o homicídio (doloso), vimos que a lei fala em “Pena – reclusão, de 6 a 20 anos”. Já no homicídio culposo a lei fala “Pena - detenção, de 1 a 3 anos”. Em outras palavras, se um homicídio é doloso a pena cabível é reclusão. O juiz não pode mudá-la para uma detenção.
5.7.1 – Tipos de regime Existem três regimes de pena privativa de liberdade: fechado, semi-aberto e aberto. O regime fechado é o mais severo deles. Ele só é imposto aos crimes apenados com reclusão, e é cumprido em penitenciária. Penitenciária é o prédio que normalmente imaginamos quando pensamos em prisão: enormes paredes de concreto, celas pequenas onde os condenados passam os dias ou grande parte dos dias trancafiados, tendo direito a curtos intervalos para banho de sol, e sob constante vigilância dos guardas armados. O regime semi-aberto é cumprido em colônias penais agrícolas, industriais ou similares. Nelas, o rigor é bem menor que nas penitenciárias. Os condenados são vigiados de forma menos ostensiva, passam a maior parte de seus dias trabalhando em hortas ou pequenas fábricas localizadas dentro dos limites da colônia. Psicologicamente, há uma maior sensação de liberdade e maior possibilidade de interação social. O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior. Já o regime aberto é o menos rigoroso deles. Nele, o condenado dorme à noite e nos fins-desemana em uma casa de albergados, mas passa os dias trabalhando ou estudando fora da casa de albergados, convivendo normalmente com outras pessoas na comunidade. A casa de albergados, ao contrário da penitenciária e das colônias, não possui obstáculos físicos contra a fuga. Teoricamente, o condenado conseguiria entrar e sair quando quisesse. Não o faz por uma relação moral de confiança: o regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado. Por fim, cabe lembrar que não falamos de cadeia. Cadeia é o local onde o réu fica preso aguardando o julgamento. Depois de julgado, se condenado, ele será enviado à penitenciária, colônia 197
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Para Entender Direito agrícola ou industrial, ou à casa de albergados. Ninguém é “condenado a 3 anos de cadeia”, porque cadeia não é – em teoria – local para se cumprir pena.
5.7.2 – Estabelecimento do regime Ao contrário do tipo de pena restritiva de liberdade – reclusão, detenção ou prisão simples – que é determinado pela lei para cada crime, o tipo de regime – fechado, semi-aberto ou aberto – é determinado por uma série de regras que nem sempre são muito claras. A maior parte da jurisprudência entende que a regra seja esta: Nos crimes apenados com reclusão, se a pena é superior a 4 anos, se inicia o cumprimento no regime fechado, exceto se o condenado for primário e tiver as circunstâncias descritas no artigo 59 favoráveis a ele. Neste caso, ele começa a cumprir a pena já no regime semi-aberto. Já se ele foi condenado a uma pena igual ou inferior a quatro anos, ele só começa a cumprir a pena no regime fechado se for reincidente e tiver as circunstâncias do artigo 59 desfavoráveis a ele. Se ele for só reincidente ou só tiver o artigo 59 desfavorável, ele iniciará o cumprimento da pena em regime semiaberto. Mas se ele não for nem reincidente e tiver um artigo 59 favorável, ele começará o cumprimento já no regime aberto.
Pena em abstrato > 8 anos > 4 anos e < 8 anos < 4 anos
Não-reincidente
Não-reincidente
Reincidente e
Reincidente e
e artigo 59
e artigo 59
artigo 59
artigo 59
favorável
desfavorável
favorável
desfavorável
Fechado
Fechado
Fechado
Fechado
Semi-aberto
Fechado
Fechado
Fechado
Aberto
Semi-aberto
Semi-aberto
Fechado
Já nos crimes apenados com detenção, o réu começará o cumprimento da pena em regime semi-aberto, exceto se ele tiver o artigo 59 favorável e não for reincidente. Neste caso, ele começará diretamente no regime aberto. Não-reincidente
Não-reincidente
Reincidente e
Reincidente e
e artigo 59
e artigo 59
artigo 59
artigo 59
favorável
desfavorável
favorável
desfavorável
> 4 anos
Semi-aberto
Semi-aberto
Semi-aberto
Semi-aberto
< 4 anos
Aberto
Semi-aberto
Semi-aberto
Semi-aberto
Pena em abstrato
Quando houver condenação por mais de um crime (no mesmo processo ou em processos distintos) a determinação do regime de cumprimento é feita somando-se as penas. Mas se a nova condenação vier apenas quando o condenado já houver começado a cumprir a primeira pena, soma-se a nova pena com o que ainda restava a ser cumprido da primeira, para se calcular qual o novo regime. 198
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Para Entender Direito
5.7.3 – Progressão e regressão de regime O fato de alguém começar a cumprir uma pena no regime fechado ou semi-aberto não quer dizer que ele cumprirá toda a pena neste regime. Para incentivar o condenado a se comportar e se recuperar, a lei prevê dois institutos: a progressão e a regressão de regimes. Progressão significa mudar de um regime mais severo para um menos severo. A regressão, de um regime menos severo para um mais severo.
Para ter direito à progressão de regime, é necessário que o condenado tenha tido bom 1
comportamento durante o cumprimento da sentença e que tenha cumprido /6 da pena no regime imediatamente anterior. Por exemplo, se Zezinho tiver sido condenado a 18 anos de reclusão (216 meses) em regime fechado, ele terá direito à progressão ao regime semi-aberto quando houver cumprido um sexto dos 216 meses iniciais – 36 meses (ou 3 anos) – se apresentar bom comportamento. Assim, quando ainda restarem 15 anos (180 meses) ele será transferido para o regime semi-aberto. Depois de cumprir um sexto da pena restante quando chegou ao regime semi-aberto – 30 meses (2 anos e meio), ele terá direito ao regime aberto, se apresentar bom comportamento. Ou seja, depois de cumprir 5 anos e meio de sua pena, ele chegará ao regime aberto. Por outro lado, se durante o cumprimento da pena o preso cometer falta grave, praticar um crime doloso, for condenado por outro crime cometido antes de ser condenado, frustrar o cumprimento da pena (por exemplo, se tentar fugir), ou não pagar a multa que tenha sido imposta junto com a pena privativa de liberdade, ele sofrerá a regressão de regime. Progressão
Regressão
Tem direito à progressão de regime o condenado
Sofrerá a regressão no regime o condenado que:
que:
(a) Cometer falta grave; ou
(a) Apresentar bom comportamento durante o cumprimento da pena; e (b) Tiver cumprido •
•
1/6 da pena restante se nao for crime
(b) Praticar ato definido como crime doloso; ou (c) For condenado por crime cometido antes do início do cumprimento da pena; ou
hediondo, ou
(d) Frustrar o cumprimento da pena; ou
2/5 da pena se for primário em crime hediondo,
(e) Não pagar a multa
ou •
3/5 se for reincidente em crime hediondo 199
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Para Entender Direito
No fim do capítulo 4 falamos que os crimes considerados hediondos e aqueles a eles assemelhados são uma espécie à parte. Um dos motivos para isso é que os condenados por crimes hediondos sempre começam o cumprimento de suas penas em regime fechado, e só a sua progressão de regime dá -se após o cumprimento de dois quintos da pena, se o apenado for primário, e de três quintos, se reincidente, em vez do 1/6 descrito para os demais casos.
5.7.4 – Detração e remição A detração é o nome usado pela legislação para dizer que será subtraído do tempo total da pena o tempo em que o condenado ficou preso aguardando julgamento. Se no exemplo anterior em que Zezinho foi condenado a 18 anos de reclusão, ele ficou dois anos esperando o julgamento, quando a sentença for proferida ele deverá cumprir apenas mais 16 anos pois dois ele já havia cumprido antes mesmo de saber se seria condenado. A remição é a subtração de um dia da pena restante para cada três dias em que o condenado trabalha (ou para cada 12 horas que ele estuda, o que dá mais ou menos na mesma conta, já que o dia escolar normalmente dura cerca de 4 horas). É um incentivo que a legislação dá para o condenado perceber o valor do trabalho e estudo. Por isso mesmo, o condenado que for punido por falta grave pode perder até um terço do tempo já remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar: cometendo a falta grave ele mostra que não aprendeu a se comportar e, portanto, não há razão para receber a remição. Já se ele se formar no curso (fundamental, médio ou superior) que ele estava frequentando ele ganha um ‘bonus’ de outro um terço no tempo remido, ou seja, é como se para cada 36 horas estudadas ele descontasse algo como 4 dias de pena, em vez de 3. Aliás, não importa se o curso que ele frequenta é a distância, dentro da prisão ou fora dela: todos eles contam. A idéia é mostrar ao condenado que o ensino compensa. E para a sociedade, a lógica é que uma pessoa educada terá melhores chances de achar um melhor emprego e, por consequência, menor probabilidade de voltar a cometer outro delito. O condenado impossibilitado de prosseguir no trabalho por causa de um acidente continua a beneficiar-se da remição ainda que não esteja trabalhando. O tempo remido também é computado para a concessão de livramento condicional e indulto (que veremos mais adiante neste capítulo).
5.7.5 – Saída temporária e permissão de saída Outros dois termos que tendem a gerar alguma confusão são a saída temporária e a permissão de saída. A permissão de saída é a autorização concedida pelo diretor do local onde o preso se encontra. Essa permissão é concedida quando ocorre falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão do preso, ou quando há necessidade de tratamento médico do preso. Não importa em qual regime o preso esteja, ou mesmo que ele já tenha sido condenado. Basta que ele esteja preso e que tenha ocorrido uma das hipóteses mencionadas. 200
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Para Entender Direito A permanência do preso fora do estabelecimento terá a duração necessária à finalidade da saída e ele deverá ficar todo o tempo sob escolta policial. Já a saída temporária (ou autorização de saída temporária) é um direito que os condenados em regime semi-aberto têm, e que serve para iniciar sua reintegração à sociedade. A saída temporária é concedida pelo juiz da vara de execuções penais, depois de ter ouvido o Ministério Público. Nela o condenado em regime semi-aberto tem o direito de sair sem acompanhamento de escolta militar para visitar a família, frequentar estabelecimento de ensino ou participar de atividades que concorram para o retorno ao convívio social. Para conseguir esse benefício, além de estar cumprindo a pena em regime semi-aberto, o 1
condenado deve ter cumprido, no mínimo, um /6, se for primário, ou ¼ da pena, se for reincidente, e ter bom comportamento. Na saída temporária o condenado pode ficar até 7 dias fora da colônia, e esse benefício pode ser concedido até 5 vezes por ano. Ou seja, em um ano o condenado passará até 35 dias solto. Esse benefício é automaticamente revogado quando o condenado pratica fato definido como crime doloso, é punido por falta grave, desatende as condições impostas na autorização ou revela baixo grau de aproveitamento do curso, se a autorização foi concedida para que ele estudasse.
5.8 – Medidas alternativas à pena privativa de liberdade Vimos até agora as penas privativas de liberdade e seus benefícios. Mas a legislação, sempre que possível, evita que alguém seja preso ou permaneça preso. Isso porque, segundo o pensamento dominante entre os juristas brasileiros, o convívio com outros presos apenas agrava a tendência de vida delituosa do indivíduo, enquanto sua convivência social tende a redimi-lo. Mas nem sempre é possível oferecer a liberdade diretamente ao indivíduo. Primeiro, porque a própria sociedade estaria sob risco deixando, por exemplo, alguém que cometeu um homicídio doloso solto. E, segundo, porque a lei penal perderia uma de suas finalidades, que é o de amedrontar, levando à 201
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Para Entender Direito prevenção do crime. Se o indivíduo sabe que será liberto de imediato (não tem receio de ficar preso), ele terá maior incentivo para cometer o delito. O crime passa a compensar para ele. Quando vimos os tipos de penas existentes no Brasil, vimos que, além das privativas de liberdade, existem outros dois tipos: a multa e as penas restritivas de direitos. Esses são tipos de penas alternativas à pena privativa de liberdade. Mas temos, também, benefícios incidentes sobre a própria pena privativa de liberdade que visam deixar o condenado preso por um tempo menor que aquele pelo qual foi inicialmente condenado, se ele demonstrar que está se redimindo. Neste grupo estão o sursis e a liberdade condicional. E por fim, existe um terceiro grupo, composto de medidas que evitam o próprio processo, ou seja, que a pessoa venha a ser sequer condenada. Neste terceiro grupo estão o sursis processual (ou suspensão condicional do processo) e a transação penal. Veremos cada um deles a seguir..
5.8.1 – Penas restritivas de direito As penas restritivas de direito são penas que substituem a pena privativa de liberdade quando a privativa de liberdade é aplicada. Em outras palavras, ela entra no lugar da pena privativa de liberdade. Para ter direito a ela o condenado deve ter recebido uma pena privativa de liberdade inferior a um ano. Mas se ele recebeu pena superior a um ano, mas inferior a quatro anos, e o crime que ele praticou não envolve violência ou grave ameaça a alguém, ele também tem direito à pena restritiva de direitos. Neste caso, ele não pode ser reincidente em crime doloso e deve ter as circunstâncias do artigo 59 favoráveis a 60
ele.
Além desta hipótese, o condenado à pena privativa de liberdade – por qualquer crime e por qualquer quantidade de pena – que estiver cumprindo a pena em regime aberto e já tiver cumprido mais de um quarto de sua pena, tenha bons antecedentes e bom comportamento, poderá ter sua pena restante convertida em restritiva de direitos. < 1 ano Crime culposo
> 1 ano e < 4 anos
> 4 anos
Nenhuma condição
60
Exceto se a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não tenha sido na prática do mesmo crime. Neste caso, mesmo sendo reincidente, o juiz pode conceder a conversão em pena restritiva de direitos. 202
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Para Entender Direito Crime doloso sem violência ou grave
Se não for reincidente Nenhuma condição
ameaça à pessoa
em crime doloso e tiver
Não é possível
artigo 59 favorável
Além de ser uma forma de evitar que pequenos delinquentes convivam (e aprendam) com delinquentes piores nas penitenciárias, colônias e casas de albergados, as penas restritivas de direito também servem para desafogar o sistema carcerário brasileiro, que sofre de superlotação crônica. A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorre o descumprimento injustificado da restrição imposta. Existem cinco tipos de penas restritivas de direito: perda de bens e valores, limitação de fins-desemana, interdição temporária de direito, prestação pecuniária e, a mais conhecida, prestação de serviço à comunidade.
a) Perda de bens e valores Nela ocorre a perda de bens e valores pertencentes ao condenado em favor do Fundo Penitenciário Nacional. Os valores perdidos têm como limite máximo o montante do prejuízo causado pelo condenado (ou do provento obtido por ele ou por terceiro, em consequência da prática do crime).
b) Prestação de serviço à comunidade A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. As tarefas são atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas durante uma hora por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. O condenado não recebe por seu trabalho e é o magistrado quem decide onde o condenado deverá cumpri-la. Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo, mas nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade convertida.
c) Limitação de fins-de-semana A limitação de fim-de-semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, onde o condenado poderá, inclusive, ser obrigado a frequentar cursos e palestras.
d) Interdição temporária de direitos As penas de interdição temporária de direitos se subdividem em (I) proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo (aplicado especialmente nos crimes eleitorais e cometidos por servidores públicos); (II) proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público (como, por exemplo, a perda do registro no CRM pelo médico que errou durante o exercício de sua profissão ou do registro na OAB pelo advogado que se apropriou do dinheiro de seu cliente); (III) a suspensão de autorização ou de 203
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Para Entender Direito habilitação para dirigir veículo (especialmente nos casos dos crimes de trânsito); (IV) a proibição de frequentar determinados lugares (como, por exemplo, proibir um lutador de jiu-jitsu de frequentar boates, se ele frequentemente briga nestes locais), e (V) proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos (especialmente nos casos de fraudes a concursos públicos).
e) Prestação pecuniária A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, variando entre 1 e 360 salários mínimos. O valor pago como prestação pecuniária é deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se forem os mesmos beneficiários. Se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza, como serviços, bens etc.
5.8.2 – Multa A pena de multa não se confunde com a pena de prestação pecuniária que acabamos de ver. A pena de multa é uma pena autônoma. Ela está prevista em todos os artigos do Código Penal e da Lei de Contravenções Penais. Por exemplo, quando vimos a pena de homicídio, vimos que a norma diz “Pena – reclusão, de 6 a 20 anos, e multa”. Quando vimos o crime de furto, vimos que a pena é “detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa”. A multa não é uma conversão da pena privativa de liberdade. Ela é uma pena autônoma que pode ser imposta em conjunto com a pena restritiva de liberdade (como no caso do homicídio) ou sozinha (como no caso do furto). Além disso, os valores da multa são calculados de forma completamente distinta da prestação pecuniária. A prestação pecuniária varia entre 1 e 360 salários mínimos. A multa varia entre 10 e 360 dias multa. 1
Um dia multa varia entre /30 e 5 salários mínimos, e é fixado pelo magistrado, dependendo da capacidade financeira do condenado. Além disso, se feito o cálculo o magistrado verificar que o valor é insignificante para o condenado, ele pode multiplicá-lo por até três vezes. Nos casos dos crimes contra o sistema financeiro ele pode ser multiplicado por 10. Menor valor de uma pena de multa
Maior valor de uma pena de multa •
Valor de um salário mínimo: R$622
•
Maior dia multa possível: 5 vezes o valor
•
Valor de um salário mínimo: R$622
•
Menor dia multa possível: 1/30 de um
de um salário mínimo, ou seja, R$622 x 5
salário mínimo, ou seja, R$622/30 =
= R$3.110.
R$20,73 •
•
ou seja, 360 x R$3.110 = R$1.119.600
Menor número de dias multa possível: 10, ou seja, 10 x R$20,73 = R$207,33
Maior número de dias multa possível: 360,
•
Mutiplicador possível nos crimes comnuns: 3, ou seja, R$3.358.800
204
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Para Entender Direito
•
Multiplicador possível nos crimes financeiros: 10, ou seja, R$11.196.000.
•
No caso de crimes relacionados ao tráfico de drogas, os valores podem chegar a 4 mil dias multa, dependendo do crime praticado.
Uma vez imposta a multa pela sentença transitada em julgado, ela passa a ser considera uma dívida ativa da Fazenda Pública
61
e o condenado deve pagá-la em até dez dias – exceto se não tiver
condições financeiras (neste caso será cobrada em parcelas mensais) ou for acometido por doença mental. Se o condenado não pagar a multa em dez dias depois da condenação, e não nomear bens à penhora, seus bens serão penhorados para pagar a dívida, nos moldes do processo de execução civil. Quando a pena de multa é aplicada junto com a pena privativa da liberdade, enquanto esta estiver sendo executada, a multa poderá ser cobrada mediante desconto na remuneração que o condenado receba.
5.8.3 – Sursis O sursis (“suspensão”, em latim) ou suspensão condicional da pena, ao contrário da multa e das penas restritivas de direito, não é uma pena, mas uma forma de se evitar que, condenado a uma pena privativa de liberdade, o condenado chegue a sequer ser preso. Tem direito a ele o condenado a até 2 anos de pena privativa de liberdade, que não seja reincidente em crime doloso e tenha o artigo 59 favorável e que, obviamente, não tenha direito a uma pena restritiva de direito. O sursis é concedido na própria sentença condenatória, e a aplicação da pena fica suspensa de 2 a 4 anos, sendo que, durante o primeiro ano da suspensão, o condenado é obrigado a prestar serviços 62
à comunidade ou a submeter-se à limitação de fim-de-semana.
Se até o fim da suspensão o beneficiado não cometer novo delito, considera-se extinta a pena. Se por qualquer motivo a suspensão for revogada, o condenado é obrigado a cumprir toda pena, desde o início. O sursis também pode ser concedido ao condenado a pena não superior a quatro anos se o condenado tiver mais de 70 anos, ou se suas condições de saúde (como doença terminal) justificarem a suspensão.
61
Essa é mais uma diferença entre a multa e a pena restritiva de direito - prestação pecuniária: a multa vai para a Fazenda Pública, a prestação pecuniária para a vítima. 62 Se o condenado houver reparado o dano – salvo impossibilidade de fazê-lo – e se as circunstâncias do artigo 59 lhe forem favoráveis, o juiz pode substituir a exigência de prestação de serviços à comunidade ou a limitação de fim-desemana pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: proibição de frequentar determinados lugares, proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz, e o comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. 205
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Para Entender Direito
5.8.4 – Sursis processual A lei 9.099/95, que criou os juizados especiais cíveis e criminais, criou o sursis processual (ou
suspensão condicional do processo), que é diferente do sursis que acabamos de ver. No sursis a pena é suspensa, ou seja, houve uma condenação. Se o condenado cometer um novo crime nos 5 anos seguintes, será considerado uma reincidência. Já no sursis processual não há condenação pois o
processo é suspenso antes mesmo da sentença. Não há sequer como falar em condenado mas apenas em acusado. O sursis processual só é possível nos crimes cuja pena mínima cominada (prevista) for igual ou
inferior a um ano. Além disso o réu não pode ser reincidente em crime doloso e deve ter o artigo 59 favorável a ele. Nesses casos, se o acusado não estiver sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, propõe a suspensão do processo por dois a quatro anos. Aceita a proposta de suspensão do processo pelo acusado, ele ficará submetido a um período de prova no qual terá a obrigação de reparar o dano, estará proibido de frequentar determinados lugares e de ausentar-se da comarca onde reside sem autorização do magistrado, além de ser obrigado a apresentar-se mensalmente ao juiz (se o juiz achar necessário, poderá impor outras condições). A suspensão é obrigatoriamente revogada se, no curso do prazo de suspensão do processo, o beneficiário é processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. Ela também pode ser revogada se ele for processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. Expirado o período de prova sem que tenha ocorrido a revogação, o juiz declara extinta a punibilidade. É como se o acusado não houvesse sido processado. Não podemos confundir a suspensão condicional do processo com os crimes de menor potencial ofensivo, embora ambos sejam previstos pela mesma lei: 9.099/95. Os crimes de menor potencial ofensivo são julgados pelos juizados especiais criminais, tanto estaduais quanto federais, dependendo do caso. Já a suspensão condicional do processo pode ocorre tanto nos juizados especiais quanto na justiça comum. Os crimes de menor potencial ofensivo são os crimes cuja pena máxima não passa de 2 anos, não importando qual seja a pena mínima. Já os crimes que podem se beneficiar da suspenção condicional do processo são aqueles cuja a pena mínima não passa de 1 ano, não importando qual seja a pena máxima. Obviamente, há uma sobreposição entre ambos, mas nem todo crime abrangido por uma categoria também é abrangido pela outra. Por exemplo, o crime de homicídio culposo tem pena prevista de 1 a 3 anos. Ou seja, a pena mínima é igual a 1 ano e, portanto, é possível a suspensão do processo. Mas ele não é considerado um crime de menor potencial ofensivo porque sua pena máxima (3 anos) é superior a 2 anos.
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Para Entender Direito
5.8.5 – Transação penal A mesma lei 9.099/95, que criou o sursis processual, também criou a transação penal, que é ainda mais restrita que o sursis processual: a transação penal só é possível nos casos em que a pena
máxima prevista não é superior a um ano (no sursis, a pena mínima prevista é que não pode ser superior a um ano). Na transação penal, antes mesmo de se iniciar um processo penal, o Ministério Público oferece ao agente – chamado de autor do fato (e não de acusado, réu ou indiciado) – uma pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta. Embora ele ofereça aquilo que é uma pena em qualquer outro caso, na transação ela não é vista como uma pena, mas apenas como uma compensação pela má conduta do autor do fato (não pode ser uma pena pois o processo nem se iniciou). Se o autor do fato aceitar essa proposta, e o juiz não a achar descabida, ilegal ou desproporcional, ele profere a sentença e o autor dos fatos fica obrigado a cumprir o acordo que ele aceitou, como se aquela sentença fosse uma sentença civil, e não criminal. O Ministério Público não pode propor a transação penal se o autor tiver sido condenado pela prática de crime à pena privativa de liberdade, se ele já tiver sido beneficiado nos últimos cinco anos por outra transação penal ou se ele não tiver um artigo 59 favorável. Como não há uma condenação, não há reincidência e o fato não é tido como maus antecedentes (embora o beneficiado não possa receber o mesmo benefício nos cinco anos seguintes). Ao contrário do sursis processual, na transação penal não há um período de prova: cumprido o acordo, o autor dos fatos não tem mais a espada sobre sua cabeça. 5.9 – Livramento condicional
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Para Entender Direito Vimos acima que quando alguém é condenado a uma pena privativa de liberdade de até dois anos, ele tem direito ao sursis da pena, que é um benefício concedido na própria sentença. Mas quando ele é condenado a uma pena superior a dois anos, não cabe o sursis. O agente tem que começar a cumprir a pena. Mas ele tem direito ao livramento condicional. No livramento condicional, o condenado cumpre uma parte da pena e, se tiver bom comportamento e demonstrar que está se reabilitando, recebe o direito de ter a liberdade assistida. Quanto da pena ele deverá concluir antes de obter direito ao livramento vai depender se ele é reincidente em crime doloso e se ele tem bons antecedentes, conforme as regras abaixo: Tem direito a ele o condenado a pena igual ou superior a 2 anos, que tiver •
Bom comportamento; e
•
Tiver cumprido Mais de 1/3 da pena, se não for reincidente em crime doloso e tiver bons
⋅
antecedentes Mais de ½ da pena se for reincidente em crime doloso ou não tiver bons
⋅
antecedentes Mais de 2/3 em todos os demais casos, exceto nos casos de reincidência em
⋅
crimes hediondos ou crimes a ele assemelhados Os reincidentes em crimes hediondos ou a assemelhados não têm direito ao
⋅
livramento condicional Aqui, novamente, os crimes hediondos são tratados de uma forma completamente distinta: os reincidentes em crimes hediondos não têm direito ao livramento condicional, ainda que tenham bom comportamento durante todo o cumprimento da pena. Os percentuais acima são sobre o total da pena. Quando vimos a progressão de regime, vimos que os percentuais eram calculados sobre o tempo restante da pena. Aqui, é sobre o total da pena. Voltando ao exemplo do Zezinho, em que ele foi condenado a 18 anos de reclusão em regime fechado, nós tínhamos que com 3 anos ele chegaria ao regime semi-aberto, e com 5 anos e meio do início do cumprimento da pena ele chegaria ao regime aberto. Mas mesmo que ele não seja reincidente em crime doloso, tenha bons antecedentes e bom comportamento ele apenas chegará ao livramento condicional 1
depois de ter cumprido /3 do total da pena, ou seja, quando ele já houver cumprido seis anos.
63
Para o condenado por crime doloso cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento é também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir. A concessão do livramento é feita na sentença admonitória, na qual o juiz de execuções penais estabelece as condições que devem ser cumpridas pelo condenado para ele ter direito a este benefício. Se o livramento vier a ser revogado, a pena deve ser cumprida de onde havia sido
63
Se o condenado tiver de cumprir mais de uma pena, elas são somadas para calcular o tempo necessário para alcançar o livramento condicional. 208
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Para Entender Direito interrompida.
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5.10 – Somatório de penas Como já vimos quando estudamos as cláusulas pétreas no capítulo 2, não existe no Brasil pena de prisão perpétua ou de caráter perpétuo. Justamente para se evitar que haja penas que se tornem perpétuas é que existe um dispositivo no Código Penal que estabelece que quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 anos, elas devem ser unificadas e não podem passar do limite máximo de 30 anos. Isso não quer dizer que no Brasil ninguém fica preso por mais de 30 anos. Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, faz-se uma nova unificação, desprezando-se o período de pena já cumprido. Por exemplo, Zezinho foi condenado por três homicídios dolosos, somando um total de 45 anos. Pelo somatório das penas, ele irá cumprir 30 anos. Ele começa a cumprir esses 30 anos até que, 29 anos depois, ele mata, violenta e tortura vários de seus colegas de cela durante uma rebelião. Por estes novos crimes ele é condenado a mais 35 anos de reclusão. Somando-se tudo (o ano que faltava para ele cumprir e os novos 35 anos de reclusão) ele deve cumprir 36 anos. Faz-se o somatório novamente e limita-se a 30 anos. Mas não se contam os 29 anos já cumpridos. Ou seja, são novos 30 anos em cima dos 29 que já haviam sido cumpridos, totalizando 59 anos na prisão. 5.11 – Liberdade provisória Além dos benefícios que existem depois da condenação, há um benefício que existe antes da condenação, ou seja, quando o agente ainda está aguardando o julgamento. Esse benefício chama-se
liberdade provisória. Ela serve para que o indiciado ou réu aguarde seu julgamento em liberdade. É uma forma de a lei evitar manter alguém que pode ser inocente ou que não oferece risco à sociedade preso. A liberdade provisória pode ser concedida com ou sem pagamento de fiança, e com a determinação de outras restrições (medidas cautelares), ou não. Fiança, o nome já indica, é uma garantia que o condenado dá de que, embora em liberdade, não fugirá nem deixará de comparecer às etapas do processo penal. Já as medidas cautelares são restrições à sua liberdade que visam alcaçar o mesmo objetivo: evitar a fuga do suspeito.
5.11.1 – Liberdade provisória sem pagamento de fiança e sem outras medidas cautelares A liberdade provisória sem pagamento de fiança e sem outras medidas cautelares ocorre quando o juiz verifica, nos autos da prisão em flagrante, que o suspeito agiu sob uma das excludentes de ilicute (estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular do direito ou estrito cumprimento do dever legal).
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Exceto se a revogação foi feita porque houve condenação por um crime anterior à concessão do livramento 209
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Para Entender Direito
5.11.2 – Liberdade provisória sem pagamento de fiança mas com a imposição de outras medidas cautelares A liberdade provisória de alguém preso em flagrante pode ser concedida sem que a pessoa pague nada por isso, mas desde que a pessoa aceite que outras medidas cautelares lhe sejam impostas. E que medidas cautelares são essas? Além da fiança, a o Código de Processo Penal estabelece várias outras, que o magistrado pode adotar isoladamente ou cumulativamente: •
Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
•
Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
•
Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
•
Proibição de ausentar-se da comarca;
•
Proibição de ausentar-se do país;
•
Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
•
Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
•
Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração;
•
Monitoração electrônica.
65
5.11.3 – Liberdade provisória com pagamento de fiança (com ou sem outras medidas cautelares). Se a prisão provisória não for obrigatória, e se não for possível a liberdade provisória sem o pagamento da fiança (por exemplo, se a pessoa agiu em legítima defesa) o juiz poderá conceder a liberdade provisória com pagamento de fiança. Essa fiança funciona como uma garantia financeira de que o suspeito não fugirá até seu julgamento. Alguns crimes são considerados inafiançáveis (racismo, tortura, tráfico, terrorismo, tráfico, hediondos, , os crimes cometidos por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático), e por isso não é possível a liberdade provisória com pagamento de fiança. O mesmo ocorre se a pessoa já tiver quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, as intimações para comparecer perante a autoridade policial ou judicial, ou mudar de residência sem
65
A monitoração electronica também pode ocorrer depois da condenação, quando o condenado estiver cumprindo sua pena. Nesses casos, o juiz pode determina-la quando autorizar a saída temporária no regime semiaberto, quando determinar a prisão domiciliar. 210
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Para Entender Direito autorização, ou ausentar-se por mais de 8 dias de sua residência sem informar à autoridade onde estará. Além disso, não é possível o pagamentod e fiança em casos de prisões civis ou militares. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder: o delegado ou o juiz, dependendo do caso (os delegados podem conceder fiança apenas nos casos de crimes cuja pena máxima não ultrapassa 4 anos. Os juízes podem conceder a fiança tanto nesses casos como para os crimes cujas penas máximas ultrapassam o limite de 4 anos). E qual é o valor da fiança? Ele variará de acordo com a pena máxima prevista para o crime. Além disso, para a determinação do valor é levada em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo.
Pena máxima
Condições
para o delito
normais
Até 4 anos de
De 1 a 100
prisão
salários mínimos
Mais de 4 anos
De 10 a 200
de prisão
salários mínimos
Condições econômicas
Condições
desfavoráveis
econômicas
Muito pobre Dispensada Dispensada
Pobre
muito favoráveis
Reduzida em até
Aumentada em até
2/3
mil vezes
Reduzida em até
Aumentada em até
2/3
mil vezes
Como se pode ver na tabela acima, nos casos em que couber fiança, o juiz pode conceder a liberdade provisória sem pagamento de fiança se for impossível ao réu prestá-la, por ser muito pobre (embora a lei não diga qual a diferença entre ser ‘pobre’ e ‘muito pobre’). Se o acusado quebra a fiança, ele perde metade do seu valor, que é transferida ao Tesouro Nacional, além de ter de recolher-se à prisão. Se ele não se apresenta à prisão depois de ser condenado, perde todo o valor da fiança. Se a fiança não for quebrada, o saldo é entregue a quem a prestou (mesmo que tenha ocorrido a condenação), depois de deduzidos os encargos a que o réu estiver obrigado. 5.12 – Prisão em flagrante, preventiva, temporária, domiciliar e especial No Brasil, uma pessoa somente pode ser presa se houver o flagrante ou se houver um mandado de prisão contra ela.
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A prisão em flagrante acontece quando o agente está cometendo o delito ou acabou de cometêlo. As prisões preventiva e temporária acontecem antes da sentença que condena ou absolve o réu. A prisão domiciliar acontece depois de o réu ser condenado. A prisão especial se refere ao local no qual 66
Os mandados de prisão poderão ser por sentença transitado em julgado ou por algum motivo anterior à º condenação definitiva, quais sejam: prisão decorrente de pronúncia (art. 408, § 1 do CPP), prisão preventiva (art 311 do CPP), prisão temporária (lei 7.960/89), e prisão decorrente de sentença condenatória recorrível (arts. 393, I e 594 do CPP). 211
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Para Entender Direito alguns acusados ficam presos aguardando julgamento. Nenhuma delas é sinônima da outra.
5.12.1 – Prisão em flagrante Na prisão em flagrante, qualquer pessoa pode (e as autoridades policiais e seus agentes devem) prender quem quer que seja encontrado cometendo o crime ou tendo acabado de cometê-lo. Se Huguinho, bancário, vê Zezinho matando Mariazinha, ele pode prendê-lo. O que ele não pode é mantê-lo preso. Assim que prendê-lo deverá apresentá-lo a uma autoridade policial. Já se Dinho, delegado de polícia, vê Zezinho cometendo o mesmo crime, ele tem de prendê-lo. A prisão em flagrante se divide em três tipos, todos eles com os mesmos efeitos: quando o crime está ocorrendo ou acabou de ocorrer, chama-se flagrante próprio. Quando o agente é preso logo após o crime e tudo faz crer que ele é o autor, chama-se flagrante impróprio (é o caso, por exemplo, do ladrão que rouba a bolsa, sai correndo, mas, depois de ter cometido o crime, a polícia é chamado, o persegue e prende). Quando o agente é encontrado logo após o crime com as armas do crime ou objetos que façam presumir que ele seja o autor, chama-se flagrante presumido. Em todos esses três casos – próprio, impróprio e presumido - o agente poderá ser preso por qualquer pessoa, e a polícia tem a obrigação de prender. Existe um ponto importante aqui: o chamado flagrante preparado não tem validade legal. Flagrante preparado é aquele no qual o criminoso é induzido a cometer o crime para que possa ser preso. É o exemplo do policial disfarçado que, infiltrado na quadrilha, convence os demais a roubarem um banco. Este flagrante não é válido porque, sem a interferência do policial, os bandidos poderiam ter decidido não cometer o crime.
67
Já o flagrante esperado (ou aguardado) é válido. O flagrante esperado é a tocaia. Se no exemplo acima, em vez de o policial pedir para comprar a droga ele fica andando na frente do criminoso até que este ofereça a droga a alguém, ou seja, não induzindo o traficante a praticar o delito, mas apenas esperando que ele o pratique, é possível prendê-lo em flagrante. Não há indução para que o agente cometa o crime, mas apenas a espera de que ele aconteça para prendê-lo. Não há flagrante preparado, mas esperado, quando os policiais não intervêm na execução do crime, mas apenas esperam que ele se consume para prender o agente. No caso da prisão em flagrante, o agente responderá o processo preso, exceto se couber liberdade provisória.
5.12.2 – Prisão preventiva Já a prisão preventiva ocorre durante o inquérito ou a instrução criminal quando há provas de existência do crime e há fortes indícios de quem tenha sido seu autor. Ela serve para garantir a ordem pública ou econômica, para proteger a instrução criminal ou para garantir a aplicação da lei.
67
Essa é uma situação diferente daquela na que o policial disfarçado tentar comprar drogas do traficante e quando esse a vende a ele, o policial prende o criminoso em flagrante. Nesse caso o flagrante é válido porque o simples armazenamento da droga pelo traficante já era suficiente para configurar o crime de tráfico de entorpecentes. 212
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Para Entender Direito Mantidas as devidas proporções, a prisão preventiva é o equivalente, no direito penal, à liminar no direito civil: é preciso que haja evidências de que houve o crime e que foi o acusado quem o praticou (fumus boni iuri) e que se não for decretada a prisão preventiva o processo poderá se tornar inútil (periculum in mora) Sua decretação é feita pelo juiz por iniciativa própria, a pedido do Ministério Público (ou querelante) ou do delegado. As pessoas presas em
flagrante podem
ou não ser liberadas provisoriamente (a
chamada liberdade provisória). Na liberdade provisória ela fica livre, aguardando julgamento, mas submetida a medidas cautelares (como prisão domiciliar, comparecimento periódico em juízo, proibição de frequentar determinados locais, monitoramento eletrônico, pagamento de fiança etc). Mas, para que ela tenha direito à liberdade provisória, os requisitos para prisão preventiva não podem estar presentes. Tem lógica: ou a lei dá o direito de aguardar o julgamento em liberdade (liberdade provisória), ou a lei obrigada que ela aguarde o julgamento presa (prisão preventiva). E quando é possível a prisão preventiva? Para que haja a prisão preventiva, é necessário que haja ao menos um elemento de cada um doss dois primeiros grupos e todos os elementos do último grupo: Grupo 1 Necessidade de proteção (sempre tem que haver prova de materialidade e indícios de
•
Necessária para garantir a ordem pública ou econômica; ou
•
Conveniência da instrução criminal; ou
•
Assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
autoria) •
O crime for doloso e punido com pena privativa de liberdade maior que 4 anos; ou
• Grupo 2
O suspeito já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, e ainda não voltou a ser
Tipo de crime
primário; ou •
O crime envolver violência doméstica e familiar e for necessária para garantir as medidas protetivas; ou
Grupo 3 Excludente de ilicitude
•
Não for possível apurar a identidade do suspeito.
•
O crime não foi cometido em legítima defesa; e
•
O crime não foi cometido em estado de necessidade; e
•
O crime não foi cometido em exercício regular do direito, e
•
O crime não foi cometido em estrito cumprimento do dever legal.
O fato do crime ser inafiançável não impede que liberdade seja concedida. Impede somente que a fiança seja o meio de obtenção dela. O juiz pode aplicar outras medidas cautelares. Por isso mesmo,
213
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Para Entender Direito por exemplo, embora a Constituição diga que o tráfico seja inafiançável, o traficante pode, dependendo dos outros critério da tabela acima, aguarda o julgamente em liberdade. Se o suspeito já houver descumprido medida cautelar o juiz pode substituir por outra medida cautelar, impor mais uma medida (além da fiança) e, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).
5.12.3 – Prisão temporária A prisão temporária foi criada em 1989 para substituir a figura da prisão para averiguações que não existia na lei, mas era às vezes utilizada pela polícia. Ao contrário da prisão preventiva, onde são necessários elementos concretos que liguem o acusado ao crime para que ela seja decretada, na prisão temporária estes elementos são mais flexíveis. Se a decretação da prisão provisória já não quer dizer que o acusado seja culpado, a decretação da prisão temporária é ainda menos um indício de culpa. Ela serve apenas para dar à polícia ou ao Ministério Público tempo suficiente para colher as provas necessárias para pedir a prisão preventiva. Por isso mesmo ela só pode ser decretada em casos muito específicos e pode durar somente 5 dias (prorrogáveis por mais 5, se extremamente necessário, ou 30 dias prorrogáveis por mais 30, no caso dos crimes hediondos e assemelhados). Transcorrido este prazo, ou o magistrado decreta a prisão preventiva ou o preso é posto em liberdade. Ela pode ser decretada quando estes dois elementos estão presentes:
For imprescindível para as investigações ou inquérito policial ou O suspeito não tiver residência fixa
+
68
O crime cometido for: • Homicídio doloso; ou • Seqüestro e cárcere privado; ou • Roubo, extorsão e extorsão mediante seqüestro; ou • Estupro, estupro de vulnerável; ou • Epidemia c/ resultado morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia que resulte em morte; ou • Bando ou quadrilha [associação/organização criminosa]; ou • Tortura, terrorismo, genocídio; ou • Contra o sistema financeiro nacional; ou • Tráfico de drogas
Ela somente é decretada mediante representação do delegado de polícia ou requerimento do Ministério Público. Os presos temporários devem permanecer, obrigatoriamente, separados dos demais detentos.
5.12.4 – Prisão domiciliar A prisão domiciliar pode ocorrer antes ou depois da condenação. No prmeiro caso, ela é uma forma de a pessoa aguardar julgamento fora da prisão, ou seja, uma alternativa à prisão preventiva. No
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Parte da doutrina entende que na verdade são três elementos: a prisão deve ser imprescindível para as investigações e o indiciado não pode ter residência fixa e o crime cometido é daqueles listados. 214
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Para Entender Direito segundo caso, é uma forma de a pessoa já condenada cumprir sua pena fora da prisão. Os requisitos mudam dependendo se estamos falando do primeiro ou do segundo caso. Para que o suspeito possa aguardar seu julgamento em prisão domiciliar (em vez de prisão preventica), ele precisa se encaixar em um dos critérios abaixo: 1. Se ele for maior de 80 anos; ou 2. Se ele extremamente debilitado por motivo de doença grave; ou 3. Se ele for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência; ou o
4. Se ela for gestante a partir do 7 mês de gravidez ou se for uma gravidez de alto risco. Quando a prisão domiciliar é um benefício que alguns condenados que estejam em regime aberto possuem devido às suas condições pessoais. Para ter direito à prisão domiciliar, o condenado deve satisfazer a esses dois requisitos: •
Estar em regime aberto e •
Ter mais de 70 anos, ou
•
Estar grávida, ou possuir filho menor ou deficiente físico ou mental, ou
•
For viúvo e possuir filho menor ou deficiente físico ou mental, ou
•
Estiver acometido de doença grave
Como o condenado já está em regime aberto – ou seja, passando seus dias fora do estabelecimento prisional – a única diferença é que ele passará também as noites e dias de folga em sua residência, em vez de dormir na casa de albergados.
5.12.5 – Prisão especial A prisão especial existe para evitar que pessoas que exercem cargos de autoridade ou pessoas que combatiam o crime ou pessoas que de alguma forma eram “respeitáveis”, convivam com os presos comuns enquanto aguardam sua sentença definitiva. Na prisão especial, o preso preventivo ou temporário aguarda o julgamento recolhido a um quartel ou a uma prisão especial. Têm direito à prisão especial; •
Os ministros de Estado;
•
Os governadores, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais e os vereadores;
•
Os membros do congresso Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;
•
Os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito";
•
Os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do DF e dos territórios;
•
Os magistrados;
•
Os diplomados por qualquer faculdade de ensino superior;
•
Os ministros de confissão religiosa;
•
Os ministros do Tribunal de Contas;
•
Os que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado;
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Para Entender Direito
•
Os delegados de polícia e os guardas-civis, ativos e inativos. A prisão especial consiste somente no recolhimento em local distinto da prisão comum. Se não
houver estabelecimento específico para o preso especial, ele é recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento dos demais presos aguardando julgamento. Como vimos na detração, os dias em que alguém fica preso aguardando julgamento são descontados dos dias a serem cumpridos quando é imposta a sentença.
Mas depois da sentença, o
condenado vai para a penitenciária, colônia penal ou casa de albergado, onde ele convive com outros condenados “comuns”, enquanto na prisão especial ele convive apenas com acusados que também são “especiais”. Essa é uma das razões por que várias vezes os advogados dos presos especiais tentam atrasar o andamento do processo. Se o advogado sabe que a probabilidade de seu cliente ser condenado é alta, ele busca deixá-lo o maior tempo possível na prisão especial para que ele tenha que cumprir o menor tempo possível, depois de condenando, junto com presos comuns. 5.13 – Anistia, indulto e graça O Código Penal prevê várias formas de um agente não ser punido. Já vimos algumas delas, como o perdão judicial, a retroatividade de uma lei mais benéfica ao agente, pela retratação do agente (nos casos de calúnia e difamação, por exemplo), a morte do agente e o sursis processual. Veremos outra, chamada prescrição, logo adiante. Todas essas têm uma coisa em comum: são restritas ao poder Judiciário. Isso porque, se cabe ao poder Judiciário julgar, cabe também a ele declarar a extinção da punibilidade (isto é, que agente já não deve ser mais punido). Mas, no fim do primeiro capítulo, vimos algo chamado controle mútuo entre os poderes (ou sistema de freios-e-contrapesos). Naquela tabela havíamos visto que uma das formas de controle sobre o judiciário é através de três instrumentos chamados anistia, graça e indulto. 69
A anistia é sempre uma lei. É muito fácil assimilar: basta lembrar a Lei de Anistia,
que permitiu
que os exilados do Golpe de 64 voltassem ao Brasil. Como toda lei, ela vem do poder Legislativo. É uma forma de o Legislativo interferir no Judiciário. Através da anistia, o Legislativo extingue a punibilidade de algo que antes era considerado um delito e que o Judiciário havia sentenciado como tal. Dependendo do conteúdo do texto que conceder a anistia, deixa-se mesmo de ter o delito. Ou seja, é como se o agente jamais houvera cometido um delito, e muitas vezes ela pode até mesmo obrigar à reparação financeira àquele que até então era condenado. Como toda lei feita em circunstâncias democráticas, ela é universal, ou seja, ela não é feita para beneficiar uma pessoa específica, mas a todos que estejam em situação similar. Embora sempre que mencionemos a anistia nossa primeira lembrança seja da anistia política, ela é mais comumente usada na área tributária, no Brasil. Legisladores, às vezes por razões coerentes, outras nem tão coerentes assim, decidem anistiar aqueles que devem à fazenda pública, seja no âmbito federal, estadual ou municipal (isso ocorre quase sempre no período do Natal ou carnaval, quando a atenção às notícias se torna menor, diga-se). Outra área na qual a anistia é muito comum é na eleitoral, 69
A chamada Lei de Anistia é a lei 6.683/79. 216
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Para Entender Direito onde é usual ver uma lei de anistia perdoando as multas aplicadas pela justiça eleitoral na eleição anterior. O poder Executivo também interfere nas decisões do Judiciário, através de dois instrumentos: o indulto e a graça. Em ambos os casos, o benefício é concedido por meio de decreto presidencial (e não de lei). O indulto serve para conceder um benefício, como a cessação da punibilidade, a diminuição das penas ou a permissão para que os condenados passem alguns dias com seus familiares. Este último é o caso do indulto natalino, que o presidente da República tradicionalmente concede aos condenados em dezembro para que possam passar as festas de fim-de-ano com seus familiares. O indulto é concedido genericamente, ou seja, a todos àqueles que preencham determinados requisitos. O indulto não significa o perdão, mas apenas a cessação – temporária ou permanente – do cumprimento de uma pena. Por exemplo, em 1996 o presidente da República, para esvaziar as prisões, indultou todos os condenados nas seguintes condições (Decreto 2.002/96): “Art. 1º É concedido indulto: I - ao condenado a pena privativa de liberdade não superior a seis anos, que cumprir, até 25 de dezembro de 1996, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente; II - ao condenado a pena privativa de liberdade que se encontre em estágio avançado de doença incurável, comprovado por laudo circunstanciado de médico oficial ou, na falta deste, de médico designado, desde que não haja oposição do beneficiado; III - ao condenado a pena privativa de liberdade superior a seis anos, desde que tenha, até 25 de dezembro de 1996, completado sessenta anos de idade, comprovada por documento hábil, e cumprido, no mínimo, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente; IV - ao condenado a pena privativa de liberdade superior a seis anos, que tenha, comprovadamente, cometido o crime com menos de 21 anos de idade e cumprido, até 25 de dezembro de 1996, no mínimo, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente; V - ao condenado, pai ou mãe de filho menor de doze anos de idade incompletos até 25 de dezembro de 1996, de cujos cuidados este comprovadamente necessite, desde que tenha cumprido, até aquela data, no mínimo, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente; VI - ao condenado que tenha cumprido, ininterruptamente, quinze anos da pena, se não reincidente, ou vinte anos, se reincidente” Todos os condenados que se encontravam em qualquer destas condições passaram a ter o direito a serem soltos e não voltariam mais à prisão. Já o indulto natalino normalmente prevê que os 217
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Para Entender Direito condenados, depois de passarem o Natal com suas famílias, regressem à prisão. A graça, ao contrário, é concedida a uma pessoa específica pelo presidente da República, por alguma razão especial. Pelo desgaste político que a concessão de graça pode causar, ela é muito raramente utilizada. A imagem tradicional dela é, na verdade, a dos filmes norte-americanos nos quais o condenado à morte espera até o último segundo que o governador telefone para adiar a execução. Aquele telefonema, em português, é chamado de “graça” pois ele é dado em benefício de uma única pessoa pelo chefe do Executivo (vale lembrar que, no Brasil, um governador não tem direito a conceder graça na esfera penal. Apenas o presidente da República o tem). Poder Executivo
Poder Legislativo
Caráter geral
Indulto
Anistia
Caráter individual
Graça
5.14 – Prescrição A prescrição é uma outra forma de se extinguir a punibilidade por um delito. Ela ocorre quando o Estado fica imóvel por muito tempo, seja para identificar o acusado, seja para julgar o réu, seja para executar a pena. A prescrição ocorre se entre um determinado momento e outro se passar um certo tempo. O tempo vai depender do tamanho da pena prevista na lei. Para crimes cominados com penas máximas acima de 12 anos (como o homicídio doloso, o latrocínio, extorsão mediante sequestro etc.), a prescrição ocorre em 20 anos. Se a pena máxima prevista na lei ficar acima de 8 anos, mas não acima de 12 anos, a prescrição ocorre em 16 anos, e assim por diante, conforme a tabela abaixo. Pena (anos)
> 12
> 8 e < 12
> 4 e <8
>2e<4
>1e<2
<1
Prescrição (anos)
20*
16*
12*
8*
4*
3*
(*todos esses prazos caem pela metade se o criminoso tinha menos de 21 quando cometeu o crime ou mais de 70 anos quando foi condenado) Essa mesma tabela é válida para as penas restritivas de direito. No caso da multa (que também pode prescrever) a regra é: a prescrição da pena de multa ocorre em dois anos se ela for a única pena aplicada ou prevista pela lei, e ocorre no mesmos prazos da tabela acima se ela for aplicada no lugar de uma pena privativa de liberdade ou junto com ela. Até agora falamos dos prazos, mas não falamos sobre quando eles começam e quando eles são interrompidos. Há várias oportunidades para que ocorra a prescrição. A primeira acontece se entre o crime e o início do processo penal decorre o tempo previsto para a prescrição. Por exemplo, se Zezinho cometeu homicídio doloso (“Pena – reclusão, de 6 a 20 anos e 218
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Para Entender Direito multa”), a pena máxima prevista é de 20 anos, ou seja, acima de 12. Se Zezinho ficar escondido por 20 anos e um dia, o crime prescreve e ele já não poderá ser punido. Mas se Zezinho é azarado e é preso no 19º ano de sua fuga, interrompe-se a prescrição e zera-se a conta. A próxima oportunidade para que ocorra a prescrição ocorre entre o momento do inicio do processo e a sentença. Se o processo fica parado por muito tempo, ocorre a prescrição. No caso de 70
Zezinho, se o processo ficar parado por 20 anos, ocorre a prescrição.
O mesmo ocorre se o recurso
contra a sentença ficar parado durante muito tempo, ou se, condenado, consegue fugir e não se consegue iniciar o cumprimento da pena, ou durante o cumprimento da pena, o condenado foge e demora a ser recapturado ou para cometer um novo delito. Se ocorrer qualquer desses casos, zera-se a conta e o prazo para ocorrer a prescrição começa a contar do zero novamente.
Alguns detalhes importantes: até que ocorra o trânsito em julgado da sentença, fala-se em
prescrição da pretensão punitiva. Se ela ocorrer, é como se o agente jamais houvesse cometido o delito. Por outro lado, depois do trânsito em julgado, o que ocorre é a prescrição da pretensão executória. Nesse caso, extingue-se somente a pena, subsistindo os demais efeitos da condenação (como a reincidência, a inscrição do nome do réu no rol dos culpados e todos os demais efeitos da condenação). Parece complicado, mas não é: na prescrição punitiva, o Estado não pode mais punir porque ficou parado muito tempo para decidir que Zezinho é culpado. Na prescrição executória, ele não pode mais punir porque ficou parado muito tempo para aplicar a pena. Um segundo detalhe importante: a prescrição também retroage. Nós vimos na tabela acima que Zezinho, pelo crime de homicídio, teria de se esconder por 20 anos para que o crime prescrevesse. Isso porque a pena máxima prevista para o homicídio é de 20 anos. Mas digamos que, quando finalmente venha a ser julgado, Zezinho não seja condenado à pena máxima, mas a 11 anos de reclusão. Uma vez condenado, a prescrição passa a ser regida pela pena concreta aplicada ao caso, e não mais pela pena máxima possível. Um delito apenado com 11 anos prescreve em 16 anos. Se em qualquer daqueles momentos tiver transcorrido mais de 16 anos, ocorre a prescrição. E mais: no nosso exemplo, depois de cometer o crime, Zezinho ficou foragido por 19 anos. Quando calculado pela pena máxima prevista, não ocorria a prescrição; mas calculando pela pena que foi de fato imposta, ocorreu a prescrição. Por isso ele
70
No caso dos crimes julgados pelo tribunal do júri, existe mais uma oportunidade para que ocorra a prescrição: se entre o recebimento da denúncia e a sentença de pronúncia transcorre o prazo necessário para a prescrição. 219
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Para Entender Direito não será preso. Existem dois crimes que são imprescritíveis no Brasil, isto é, não importa quanto tempo passe, o agente poderá ser punido: o racismo e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional ou contra o Estado democrático de direito. Por fim, quando o crime é contra a dignidade sexual de um menor (estupro de vulnerável, por exemplo), o prazo só passa a correr quando o menor completar 18 anos (exceto, óbvio, se a ação penal for proposta antes daquela data). A ideia aqui é que, muitas vezes o menor está sob a guarda de quem o está estuprando etc. Não seria justo, por exemplo, os pais de alguma foma violarem a dignidade sexual da criança e essa, depois de se tornar adulta, não poder fazer nada simplesmente porque o prazo prescricional começou a correr quando ela ainda era criança e sequer sabia se defender, muito menos de seus direitos. 5.15 – Regime disciplinar diferenciado No fim de 2003 a lei 10.792, tentando apaziguar a situação dos presídios e penitenciárias brasileiros, criou uma nova regra para o cumprimento das penas, chamada regime disciplinar
diferenciado. Ele visa coibir criminosos de agirem como tais enquanto estiverem presos (seja esperando julgamento ou seja cumprindo suas penas). Esse regime mais severo é aplicado quando o preso pratica fato previsto como crime doloso enquanto está cumprindo sua pena ou quando o preso apresentar alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, ou quando recaírem sobre ele fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilha ou bando. O regime poderá durar até 360 dias, podendo ser repetido se o preso vier a cometer novo crime doloso. Durante o regime disciplinar diferenciado, o preso fica recolhido a uma cela individual, e suas visitas semanais ficam restritas a apenas duas pessoas, com duração de duas horas por semana. Ele também terá direito a apenas 2 horas de banho de sol por dia. 5.16 – Prisão civil Todos os casos de prisão que vimos até agora eram penas impostas contra alguém que cometeu um delito. Isso porque, no Brasil, não se pune alguém com prisão se essa pessoa não cometeu um delito. Muitas vezes acontece de um mesmo ato gerar uma punição civil e outra penal. Por exemplo, se Zezinho destrói o carro de Barbosa quando dirigia em alta velocidade, ele responderá criminalmente ao Estado, por ter cometido um crime. E responderá civilmente pelos danos causados ao carro de Barbosa. Se Barbosa resolver perdoá-lo, Zezinho deixará de reparar o carro de Barbosa, mas isso não quer dizer que Zezinho não será processado penalmente por dirigir em alta velocidade. 220
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Para Entender Direito Se Zezinho é dono de uma construtora e o prédio que construiu desaba matando os moradores, ele responderá criminalmente pelos homicídios e civilmente pelas perdas e danos financeiros e emocionais sofridos pelos moradores. Mas existem duas exceções à regra de que só há prisão por delito. Tanto o depositário infiel 71
quanto o devedor de alimentos podem ser presos.
Essas duas punições não são penas, mas apenas
uma forma de o Judiciário compelir o agente a executar sua ordem. Tanto é assim que, tão logo a ordem é executada, o agente é solto. Código
“Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir
Civil
quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”
Código
“Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos
de
provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 dias, efetuar o pagamento,
Processo
provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
Civil
§ 1 Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo
o
prazo de 1 a 3 meses. §2
o
O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações
vencidas e vincendas. o
§ 3 Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão” O depositário infiel é aquele que detém a posse de alguma coisa pela qual deveria zelar e, quando requisitado, não devolve a coisa ao seu proprietário. Se Zezinho, por exemplo, está cuidando do avião de um amigo e se recusa a devolvê-lo quando requisitado, torna-se depositário infiel. Já o devedor de pensão alimentícia é aquele que, podendo pagar a subsistência de seus filhos, recusa-se a fazê-lo quando ordenado pela justiça. 5.17 – Pena de morte e pena de prisão perpétua Como vimos no capítulo 2, quando estudamos cláusulas pétreas, não há prisão perpétua ou de caráter perpétuo no Brasil. Por isso não há penas de longa duração no Brasil: embora não sejam perpétuas, teriam caráter perpétuo, já que a expectativa de vida do condenado seria bem menor que a pena a ser cumprida. Também como vimos, qualquer proposta que vise instituir a pena de prisão perpétua é inconstitucional. Por outro lado, existe pena de morte no Brasil, sim. Não existe pena de morte em tempo de paz, mas em tempo de guerra, ela é possível e prevista no Código Penal Militar. E ela é executada por fuzilamento: 71
Art 652 do Código Civil e art 733 do Código de Processo Civil, respectivamente. 221
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Para Entender Direito
“Art. 55. As penas principais são: a) morte; b) reclusão; c) detenção; d) prisão; e) impedimento; f) suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função; g) reforma. Pena de morte Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento. Art. 57. A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que passe em julgado, ao presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a comunicação. Parágrafo único. Se a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares” São 33 (ou 38, dependendo de como se conta) os crimes que prevêem a morte como pena máxima: traição, favorecimento ao inimigo, coação ao comandante, informação ou auxílio ao inimigo, aliciação militar, ato prejudicial à eficiência da tropa, traição imprópria, cobardia qualificada, fuga em presença do inimigo, espionagem, motim, revolta, conspiração, incitação em presença do inimigo, rendição ou capitulação, falta grave de cumprimento de ordem, separação reprovável, abandono de comboio, dano em bens de interesse militar, dano especial, envenenamento, corrupção, epidemia, crimes de perigo comum, recusa de obediência, violência contra superior, violência contra militar em serviço, abandono de posto, deserção em presença do inimigo, libertação de prisioneiro, evasão de prisioneiro, amotinamento de prisioneiro, homicídio qualificado, genocídio, roubo ou extorsão, saque e violência carnal. Por isso, vale sempre a pena tomarmos cuidado ao falar de pena de morte no Brasil.
222
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Para Entender Direito
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Para Entender Direito Capítulo 6 – Direito de família e sucessório Neste capítulo veremos algumas das regras de três grandes grupos de assuntos, que estão interrelacionados: as regras que gerem a vida do indivíduo, as que gerem seu casamento e as que gerem sua morte. 6.1 - Personalidade, capacidade, cidad ania e nacionalidade Embora esses quatro termos sejam usados no dia-a-dia como se fossem sinônimos, no mundo jurídico representam coisas distintas.
6.1.1 - Personalidade Personalidade é a possibilidade de ter direitos e contrair obrigações. E isso, qualquer pessoa tem, seja ela uma pessoa física ou uma pessoa jurídica. Pessoa física somos nós, seremos humanos de carne-e-osso. Pessoas jurídicas são agrupamentos de bens ou pessoas com uma finalidade específica.
a) Pessoa física Não importa o país, nosso sexo, nossa idade, nossa capacidade intelectual: todos temos a possibilidade de adquirir direitos. Personalidade para o direito é justamente isso: a capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações. Para ter personalidade, basta que tenhamos nascido e estejamos vivos. Isso soa estranho, mas é assim mesmo. Apenas aqueles que tenham nascido com vida e ainda estejam vivos possuem personalidade. Como vimos no capítulo 4, o aborto, para a legislação brasileira, não se confunde com o homicídio porque o feto não tem vida, mas apenas expectativa de vida. Entre o momento da concepção e o nascimento, ou seja, durante a gestação, o nascituro tem suas expectativas de direito protegidas, mas essas expectativas só são confirmadas com seu nascimento com vida. A personalidade de uma pessoa física se inicia, no Brasil, com seu nascimento com vida. Nascimento com vida significa ter saído de um corpo humano e ter inspirado pela primeira vez. Bastam essas duas condições. Se o recém-nascido houver inspirado uma única vez e morrido no momento seguinte, ele terá adquirido personalidade jurídica. Se ele saiu do corpo mas não chegou a inspirar, para a legislação brasileira, ele não chegou a adquirir personalidade jurídica. Esse pequeno detalhe tem várias consequências. Veremos uma delas mais adiante neste capítulo, quando estudarmos sucessões. Os direitos ligados à personalidade são os mais básicos. São, por exemplo, o direito à vida, a um nome, ao respeito à integridade física, à liberdade sexual, à individualidade etc. Consequência de sua essencialidade, eles não podem ser renunciados, vendidos, dispostos etc. Uma pessoa não pode, por exemplo, renunciar a uma parte de seu corpo (exceto no caso de necessidade médica, quando renunciase a uma parte do corpo para se proteger a própria vida). Obviamente, o direito à personalidade, como qualquer direito, possui obrigações. Neste caso, o respeito à lei, que protege, inclusive, os direitos à personalidade dos outros. 224
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Para Entender Direito A personalidade termina quando a pessoa morre. Se uma pessoa, em vez de morrer simplesmente desaparece em uma circunstância em que sua morte é extremamente provável (por exemplo, se seu helicóptero cai no mar e seu corpo não é encontrado), a lei o presume morto. Nestes casos, a declaração da morte presumida somente pode ser requerida depois de esgotadas as buscas. O momento da morte presumida é declarado por sentença judicial.
72
Morta a pessoa, seus bens e direitos passam para o espólio e, depois, quando ocorre a partilha, para os sucessores.
b) Pessoa jurídica Existem pessoas jurídicas de direito público (que já vimos no primeiro capítulo) e de direito privado. Existem cinco tipos de pessoas jurídicas de direito privado: as sociedades, as associações, as fundações privadas, os partidos políticos e as entidades religiosas. A sociedades são uniões de pessoas com uma mesma finalidade econômica. Por exemplo, se Barbosa, Zezinho e Dudu se unirem para plantar batata para vender na feira, terão criado uma sociedade. Por outro lado, se eles se unirem sem finalidade econômica, por exemplo, para jogarem futebol, ou discutir poesia, terão criado uma associação. A diferença entre a sociedade e a associação é que a primeira tem finalidade econômica (de lucro) e a segunda, não. Ambas, a qualquer momento, podem ser dissolvidas pelo interesse daqueles que a formaram. Já as fundações privadas não são uniões de pessoas, mas de bens. Esses bens são designados pelo instituidor para que sirvam para atingir algum objetivo religioso, moral, cultural ou de assistência. Uma vez instituída a fundação, os bens são transferidos para a fundação e, mesmo se o instituidor desistir ou arrepender-se de seus atos, não poderá fazer mais nada: por não ser uma união de pessoas, mas de bens, a intenção do instituidor já não pode extinguir uma fundação depois que ela é constituída. A existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do poder Executivo.
6.1.2 – Capacidade
72
Mas se em vez de desaparecer em circunstâncias em que a morte é extremamente provável ela simplesmente desaparece (por exemplo, se Zezinho diz que vai comprar cigarros e nunca mais volta), a lei não permite que se presuma que a pessoa morreu. Ela é declarada ausente. Neste caso, o juiz nomeia um curador para os bens do desaparecido (normalmente o cônjuge, os pais ou algum descendente, se houver). Como qualquer outro curador, sua função é administrar os bens e direitos do ausente em nome dele. Um ano depois, a sucessão provisória poderá ser aberta. Somente dez anos depois de aberta a sucessão provisória é que se pode abrir a sucessão definitiva. A diferença entre essas duas sucessões é que na primeira, os sucessores ficam com a posse provisória dos bens do desaparecido. Se ele aparecer, ou se provar que ele está vivo, as vantagens que eles receberam cessam imediatamente e eles são obrigados a retornar os bens ao dono. Para ter certeza que os sucessores não prejudicarão os interesses do ausente, eles são obrigados a dar garantias para poder ficar com a posse dos bens do desaparecido. Já na sucessão definitiva, os sucessores podem retirar as garantias que haviam dado. Se o desaparecido regressar nos primeiros dez anos depois da abertura da sucessão definitiva, ele recebe os bens como eles se encontrarem. 225
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Para Entender Direito Embora qualquer pessoa tenha personalidade, e por isso possa adquirir direitos e contrair obrigações, nem todas podem exercer tais direitos ou contrair tais obrigações diretamente. Em outras palavras, elas são incapazes. A incapacidade não existe como uma sanção, mas como uma proteção ao incapaz. Ela existe para que o incapaz, que não tem o preparo intelectual e emocional necessário para fazer valer seus reais interesses, não seja enganado. Por exemplo, se Zezinho, que tem apenas doze anos e é um órfão de pais milionários, tivesse a capacidade de usar a fortuna que herdou, ele poderia gastá-la de uma forma que a seus olhos pareceria adequada, mas que não é a melhor forma, como comprando jujubas ou no parque de diversões. Zezinho tem direito à herança de seus pais mortos. O que ele não tem é a capacidade de gerenciá-la diretamente. Tão logo ele adquira essa capacidade, ele poderá fazer com a fortuna o que bem entender. O Código Civil faz uma diferenciação entre os que ele considera absolutamente incapazes e os que ele considera relativamente incapazes. Isso é importante porque algumas pessoas têm alguma noção de o que é melhor para elas, enquanto outras não têm nenhuma noção. Absolutamente incapazes •
Menores de 16 anos;
•
Os
•
que
não
tiverem
o
Relativamente incapazes
necessário
•
Maiores de 16 e menores de 18 anos;
•
Ébrios habituais, os viciados em tóxicos,
discernimento devido a enfermidade ou
e os que, por deficiência mental, tenham
deficiência mental;
o discernimento reduzido;
Os
que
não
puderem
exprimir
sua
•
vontade, ainda que por uma causa transitória.
Excepcionais,
sem
desenvolvimento
mental completo; •
Pródigos (aqueles que dilapidam sua riqueza irresponsavelmente).
Como podemos ver na tabela acima, a menoridade civil (assim como a penal) termina aos 18 anos. Antes de 2003, a menoridade civil terminava aos 21 anos (a penal já terminava aos 18 anos). Os absolutamente capazes não podem exercer seus direitos diretamente. Eles são exercidos através de seus representantes legais, sejam eles os pais, os tutores ou curadores.
73
Já os relativamente
incapazes exercem seus direitos diretamente, mas sempre sob a supervisão e com o auxílio de seus pais, tutores ou curadores. A incapacidade pode terminar antes dos 18 anos se a pessoa provar que ela já possui conhecimento suficiente do mundo para exercer pessoalmente seus direitos. Para nosso Código Civil, essa prova é feita quando o relativamente incapaz é emancipado por aquele que tem a obrigação de assisti-lo. O menor também prova que já tem discernimento para gerir sua própria vida quando ele se 73
Tutores e curadores não são sinônimos. Os tutores cuidam dos órfãos menores de idade ou dos menores cujos pais perderam o direito de exercer o pátrio poder (cuidar dos filhos). Já os curadores são aqueles que cuidam dos interesses dos débeis ou retardados mentais, daqueles que, por alguma causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade, os deficientes mentais, os bêbados habituais e os viciados em tóxicos, os excepcionais sem completo desenvolvimento mental, os pródigos. 226
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Para Entender Direito casa, quando ele exerce um emprego público efetivo, ou quando ele cola grau em um curso superior. A incapacidade também cessa se o menor com 16 anos completos possuir economia própria adquirida através de uma relação de emprego ou pelo estabelecimento civil ou comercial de um negócio. A capacidade dos índios depende de seu grau de aculturação. Uma tribo que jamais teve contato com a sociedade industrial certamente não pode ser posta no mesmo grupo de tribos onde os índios possuem carros, TVs e frequentam escolas de educação formal do governo. Será baseado no seu grau de discernimento e de integração à cultura da sociedade industrial que sua capacidade será estabelecida.
6.1.3 – Cidadania Já a cidadania está relacionada aos direitos políticos da pessoa. Cidadania é o exercício dos direitos políticos, como o direito de votar e ser votado. Um americano não é cidadão brasileiro, mas isso não quer dizer que ele não possua personalidade e capacidade. Tanto é assim que ele pode comprar uma casa no Brasil. O preso condenado, enquanto estiver cumprindo sua pena, não terá direito de votar e ser votado e, por isso, tem sua cidadania suspensa. O conscrito (aquele que está no serviço militar obrigatório) também não pode votar ou ser votado enquanto perdurar o serviço obrigatório, e por isso também está com sua cidadania suspensa. O menor de 16 anos também não pode votar e ser votado. Desta forma, quando o deputado diz que vai criar uma lei para “proteger um cidadão” ele está incluindo apenas aqueles que podem exercitar seus direitos políticos. O que ele quer dizer é que quer proteger o direito das pessoas (ou mesmo dos brasileiros, se ele quer diferenciar o brasileiro do estrangeiro). Veremos mais a respeito de cidadania quando virmos direito eleitoral, no capítulo 8.
6.1.4 - Nacionalidade Nacionalidade, por outro lado, é o vínculo jurídico entre um indivíduo e um país. Ela é usualmente confundida com cidadania, mas não deveria. Nem todos aqueles que são nacionais de um país possuem direitos políticos (embora o inverso aconteça: a obtenção de direitos políticos em um país está quase sempre condicionada à existência da nacionalidade daquele país). Uma regra simples para saber se alguém é nacional brasileiro ou não é saber se ele tem direito a ter o passaporte brasileiro. Sempre que a lei falar em brasileiros, ela está incluindo os cidadãos brasileiros, mas nem sempre que ela falar cidadãos brasileiros ela estará incluindo todos os brasileiros. A Constituição Federal faz uma distinção entre brasileiros natos e naturalizados. Os natos são aqueles nascidos no Brasil (mesmo que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país), aqueles nascidos no estrangeiro mas cujo pai ou mãe seja brasileiro e esteja no estrangeiro a serviço do Brasil, e os nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiro, desde que ele venha a residir no Brasil e opte pela nacionalidade brasileira. Já os naturalizados são os estrangeiros que adquirem a nacionalidade brasileira. Via de regra não há distinção prática entre os brasileiros natos e naturalizados. As únicas 227
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Para Entender Direito permissões para que haja distinção constam na própria Constituição, e normalmente se referem à capacidade de ocupar cargos públicos. Diz ela no art. 12, §3º: “§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos: I - de Presidente e Vice-Presidente da República; II - de Presidente da Câmara dos Deputados; III - de Presidente do Senado Federal; IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - da carreira diplomática; VI - de oficial das Forças Armadas. VII - de Ministro de Estado da Defesa” Veremos as questões relativas à nacionalidade com mais detalhe no capítulo 9. Por enquanto, basta saber que nacionalidade é essa ligação jurídica existente entre um indivíduo e um país e que serve para separar os brasileiros dos estrangeiros. 6.2 – Posse, propriedade e detenção Vimos no capítulo 4, quando estudamos apropriação indébita, a diferença entre posse, propriedade e detenção. Vale a pena relembrarmos: proprietário é o dono da coisa. Possuidor é aquele que tem o direito de estar com a coisa. E o detentor é aquele que efetivamente está com a coisa, cuidando dela sob as ordens de outra pessoa. Normalmente essas três figuras se confundem na mesma pessoa, mas não necessariamente. Já vimos que, no aluguel de um imóvel, o proprietário aluga o imóvel ao possuidor (inquilino). Outro caso muito comum é o do usucapião, em que o proprietário, por não exercer a posse durante muito tempo, acaba perdendo a propriedade do bem móvel ou imóvel para o possuidor. 6.3 – Residência e domicílio Sempre que assinamos uma procuração, um processo, uma petição ou mesmo um contrato, além do nome, carteira de identidade e nacionalidade, também mencionamos nosso estado civil e colocamos a expressão “residente e domiciliado” antes dos nossos endereços. Nesta seção e na próxima veremos estes dois pontos. Começaremos pela residência e domicílio. Se usamos essas duas palavras juntas é porque elas não são sinônimas. Residência é onde a pessoa está morando. Domicílio é onde a pessoa deseja estar de forma permanente. Quase sempre moramos onde queremos estar de forma permanente, mas nem sempre. Se Zezinho, jornalista, é enviado para Bagdá para trabalhar por alguns meses, sua residência será em Bagdá, mas seu domicílio será no Brasil, se for sua intenção retornar a sua casa. Mas domicílio não é um sonho ou um desejo. Ele já deve existir entre os bens do domiciliado, 228
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Para Entender Direito seja como posse, seja como propriedade sua ou de sua família. Se Zezinho sonha em morar em uma cobertura na frente da praia em Salvador, mas ainda não a possui, ele não pode dizer que aquela cobertura seja seu domicílio. Tampouco o domicílio é algo imutável. Ele muda quando a pessoa transfere sua residência com a intenção clara de querer mudar. O domicílio do incapaz é o mesmo de seus pais, tutores ou curadores. O domicílio é importante porque ele muitas vezes determina, dentre outras coisas, onde as disputas judiciais serão resolvidas. É por isso que em quase todos os contratos sempre se vê, entre suas últimas cláusulas, alguma coisa do gênero “as partes elegem o foro de São Paulo para resolver eventuais disputas”. Em outras palavras, as partes estão dizendo que estão escolhendo a comarca (ou região ou pais) que irá resolver as disputas entre elas. Isso é importante porque a lei aplicável pode mudar de um acordo com o município, Estado ou país. As pessoas jurídicas também têm seus domicílios. Diz o Código Civil que o domicílio da União é o Distrito Federal, os domicílios dos Estados e territórios são suas respectivas capitais, e o domicílio dos municípios é onde funcione a administração municipal. As demais pessoas jurídicas – privadas ou públicas (fundações, autarquias, empresas públicas e de economia mista) – têm seu domicílio onde a lei ordenar, onde escolherem ou, se não escolherem, onde funcionam suas diretorias e administrações. Se houver mais de um estabelecimento, cada um deles é considerado domicílio para os atos nele praticados, e se a administração ou diretoria tiver a sede fora do Brasil, o domicílio dela será onde a sua agência brasileira que assumiu a obrigação se situar. 6.2 – Casamento O casamento, no Brasil, só pode ocorrer entre um homem e uma mulher. E não é qualquer homem ou qualquer mulher. Os noivos devem ter mais de 18 anos. Se não tiverem, mas tiverem 16 anos ou mais, poderão se casar se os responsáveis legais ou o juiz autorizarem. Excepcionalmente, é permitido o casamento de quem ainda não tem 16 anos, para se evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal, ou em caso de gravidez. Além disso, o Código Civil proíbe o casamento entre: •
Os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
•
Os afins em linha reta;
•
Os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive (tios e sobrinhos);
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O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem foi cônjuge do adotante;
•
O adotado com o filho do adotante;
•
As pessoas que já estão casadas;
•
O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. 229
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Para Entender Direito Nos três primeiros casos, a lei tenta evitar que pessoas de uma mesma família se casem, evitando-se estranhas consequências como o pai casando com a filha e tendo um filho que é filho de sua filha, ou um irmão casando com outro e tendo um filho que é também seu sobrinho. Além de eventuais problemas genéticos, a lei expressa um dos tabus mais fortes nas sociedades modernas: que relações de amor fraternal, paternal, maternal etc. se tornem relações de amor sexual. Nos dois casos seguintes, a lei segue a mesma linha. Só que aqui ela trata daquele que foi adotado. A intenção é a mesma: que se evite que aquele que foi adotado se torne objeto de amor sexual por aqueles que deveriam cuidar dele como filho. Já os dois últimos casos tratam de questões criminais. No primeiro, nós já vimos, se trata do crime de bigamia. O Código Civil não poderia permitir um casamento que, se completado, seria um crime pelo Código Penal. O último ponto é muito lógico: se Zezinho é casado com Rosinha, e se Dudu mata ou tenta matar Zezinho, a reação esperada de Rosinha é que ela tome horror a Dudu. Mas, se ao contrário, ela decide casar com Dudu, é porque de alguma forma ela quis a morte de seu marido. Por isso a lei não a permitirá casar com Dudu. Além desses casos em que os noivos não podem casar de forma alguma, existem outras situações em que as pessoas não podem casar enquanto perdurar determinada situação. São eles: •
A viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
•
O(a) viúvo(a) que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
•
O divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
•
O tutor ou o curador (bem como seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos), com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Em todos os casos, a intenção é evitar que os bens e direitos de alguém sejam de alguma forma prejudicados pelo casamento de outra pessoa. Se em qualquer dos casos se provar que não há risco de prejuízo, o juiz pode autorizar o casamento antes que as condições descritas sejam cumpridas. O casamento religioso que atende às exigências da lei para a validade do casamento civil equipara-se a este, desde que registrado no cartório de registro civil. Se isso for feito, é como se o casamento existisse oficialmente desde que foi celebrado no religioso. Assim como o casamento, a união estável e o concubinato só podem ocorrer entre um homem e uma mulher. Para proteger os homossexuais, o Judiciário – que obviamente não podem ir contra a lei e nem criar leis – tem adotado uma solução alternativa: em vez de tentar forçar uma interpretação na área da família, os magistrados tendem a julgar a relação como sociedade de fato. Veremos quais os efeitos dessa interpretação na próxima seção, quando virmos sucessões.
6.2.1 – Sociedade matrimonial O casamento é um contrato. Algumas pessoas formam sociedades para fabricar produtos, outras 230
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Para Entender Direito para serem felizes até que a morte as separe. Em ambos os casos, tem-se um contrato. No caso do casamento, contrato chama-se sociedade conjugal (ou sociedade matrimonial), tem testemunhas e deve seguir as formalidades da lei para ser considerado válido. Como a maior parte dos contratos, ele possui partes (os dois cônjuges), e possui
suas
condições. Várias dessas condições são estabelecidas pelas normas legais. Por exemplo, já vimos, os cônjuges devem ser de sexos opostos e devem ser maiores de 18 anos. Mas, como o casamento interessa mais às partes envolvidas do que ao resto da sociedade, as partes podem – em vários aspectos – estabelecer suas próprias normas. A lei – especialmente o Código Civil – estabelece quais as regras jurídicas pelas quais o casamento será regido, mas se as partes quiserem estabelecer as suas próprias regras, podem fazê-lo quando celebram o casamento, no que é chamado de pacto antenupcial. Algumas das regras da lei – chamadas de disposições absolutas – não podem ser contornadas pela vontade das partes (por exemplo, os cônjuges não podem estabelecer que eles poderão casar com outras pessoas enquanto durar seu casamento). Todas as regras da lei que não são absolutas (“incontornáveis”) podem ser modificadas, se as partes quiserem. Dentre as regras que não são absolutas estão os regimes de casamento. Nosso Código Civil prevê quatro tipos. Mas isso não quer dizer que os nubentes precisem escolher um deles. Eles podem inventar suas próprias regras. Se não inventarem e não escolherem uma delas, o regime padrão é a
comunhão parcial de bens. É como um restaurante: Zezinho pode montar o próprio prato no bufê selfservice ou escolher uma das quatro opções do cardápio. Se não fizer nem um dos dois e ficar calado, a lei deduz que ele escolheu o prato do dia: o regime de comunhão parcial de bens.
6.2.2 – Regimes de casamento Os regimes de casamento estabelecem como os bens dos cônjuges serão considerados. Em outras palavras, se eles serão misturados, e, se misturados, como funcionarão sua administração durante o casamento e sua divisão no caso de morte ou separação.
a) Comunhão universal Na comunhão universal, os bens dos cônjuges, não importa se adquiridos antes ou depois da celebração do casamento, se unem. Da mesma forma, as dívidas contraídas por um deles passam a ser do outro também.
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Digamos que Rosinha e Zezinho, apaixonados, resolvam finalmente se casar. Zezinho, que teve
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Como quase todas as regras, essa também tem sua exceção. O Código Civil diz que, mesmo na comunhão universal, alguns bens e obrigações não se comunicam. São eles: • Os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade (e os que entram em seu lugar); • Os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; • As dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus preparativos, ou reverterem em proveito comum; • As doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; • Os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos necessários para a profissão do cônjuge; • Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; • As pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. 231
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Para Entender Direito uma vida difícil e nasceu em uma família pobre, possuía, antes do casamento, apenas duas casas. Rosinha, que era rica desde que nasceu, tinha, antes do casamento, 20 casas. Quando decidem casarse, resolvem fazê-lo no regime de comunhão universal. As 22 casas passaram a pertencer a ambos. Depois de casarem, Rosinha e Zezinho conseguiram construir mais 10 casas. Dessas 10, 6 foram construídas apenas com o dinheiro de Rosinha e as outras quatro foram construídas com o dinheiro de ambos. No total, depois de 5 anos de casamento, eles já tinham 32 casas (22 de antes do casamento, mais as 10 construídas depois). Depois desses cincos anos casados, resolvem se separar. Como os bens adquiridos antes e depois do casamento se comunicaram (se juntaram), cada qual ficará com a metade do total: 16
Vale lembrar que até 1977 o regime de comunhão universal – e não o de comunhão parcial – era o casamento padrão. Os casais que até 1977 não escolhiam outro regime ou estabeleciam outras regras pelo pacto antenupcial, casavam sob o regme de comunhão universal.
b) Comunhão parcial Já no regime de comunhão parcial – que desde 1977 é o padrão estabelecido pela lei quando os nubentes não escolhem outro regime – apenas os bens adquiridos após o casamento se comunicam. Em outras palavras, o que era de Zezinho antes do casamento, continua sendo dele. O que era de Rosinha, antes do casamento, continua sendo dela. Mas o que cada qual adquiriu depois do casamento pertence a ambos. Usando o mesmo exemplo anterior, onde Zezinho tinha 2 casas e Rosinha tinha 20 casas antes do casamento, e depois do casamento construíram mais 10 (6 com o esforço apenas de Rosinha e 4 com contribuição do casal), quando o casamento terminar, cada qual preserva aquilo que tinha antes do casamento e divide aquilo que foi adquirido durante.
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•
75
Novamente, alguns bens não se comunicam, além daqueles que eles possuíam ao casar: Os bens recebidos, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar (exceto se foram em favor de ambos os cônjuges); 232
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Para Entender Direito
Ao contrário da comunhão universal, onde ambos os cônjuges administram todos os seus bens, na comunhão parcial cada cônjuge administra apenas os seus bens (aqueles adquiridos antes do casamento) e os do casal (aqueles adquiridos depois do casamento). No exemplo acima, Zezinho não administra as 20 casas de Rosinha, e Rosinha não administra as duas casas de Zezinho. Além disso, as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes não obrigam os bens comuns do casal.
c) Separação de bens A separação de bens é o regime pelo qual os bens dos cônjuges não se comunicam. Nem os que cada um tinha antes do casamento, nem aquilo que eles adquiriram depois do casamento. No exemplo que temos usado, as 20 casas de Rosinha e as duas de Zezinho continuam sendo consideradas separadamente. Quanto às dez casas adquiridas depois do casamento, a situação é a seguinte: as 6 casas que foram adquiridas com o dinheiro de Rosinha depois do casamento pertencem apenas a ela. E as quatro casas que nos dois exemplos anteriores haviam sido adquiridas com as economias de ambos, na separação de bens são adquiridas separadamente. Ou seja, Rosinha adquire duas, e Zezinho duas. Mas elas não se misturam. Cada um administra seus próprios bens. E porque os bens são exclusivos de cada um, o dono pode fazer o que bem entender com ele, sem precisar da anuência do outro cônjuge.
• • • • • •
Os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; As obrigações anteriores ao casamento; As obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo se revertidas em proveito do casal; Os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos necessários para a profissão do cônjuge; Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; As pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. 233
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Contudo, exceto se os cônjuges decidirem de outra forma, ambos são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens. Vale lembrar que esse é o regime obrigatório quando os noivos têm mais de 70 anos. Como a expectativa de vida aos 70 anos é menor, a lei quis evitar que houvesse casamento por interesse (os chamados ‘golpes do baú’).
d) Participação final nos aquestos A participação final nos aquestos é uma novidade no direito brasileiro. Apareceu em 2003, com o novo Código Civil. Como as interpretações judiciais das regras ainda não são claras, ele ainda gera alguma controvérsia. Ele é um meio termo entre os regimes de separação de bens e comunhão parcial: cada cônjuge possui patrimônio próprio e fica com a metade do que for adquirido onerosamente pelo casal quando o casamento terminar. Aquestos são os bens adquiridos pelo casal depois do casamento de forma onerosa (ou seja, com custo, e não gratuitamente). Nesse regime, cada cônjuge mantém os bens que tinha antes do casamento e os bens que recebeu gratuitamente depois do casamento. Além disso, durante o casamento, cada cônjuge administra os bens que tiver adquirido antes e depois de realizado o casamento (como no regime de separação). Mas com o fim do casamento, os bens adquiridos por cada cônjuge depois de realizado o casamento são somados para então serem igualmente divididos entre eles (como no regime de comunhão parcial). No exemplo de Zezinho e Rosinha, cada qual mantém e administra as casas que possuía antes de casarem (Rosinha mantém e administra suas 20, e Zezinho suas duas). Depois de casarem, e enquanto durar o casamento, cada qual administra as casas que forem adquirindo em seus respectivos nomes (as 2 de Zezinho e as 8 de Rosinhas, além daquelas que já possuíam antes de casarem). Mas, com o fim do casamento, eles somam as casas que haviam adquirido depois de estarem casados (2 + 8), para dividi-las pela metade. Ou seja, cada qual fica com cinco casas.
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Para Entender Direito
Embora o resultado final do exemplo acima seja o mesmo da comunhão parcial, há uma diferença fundamental: durante o casamento, cada qual administra o que é seu, sem interferência do outro.
e) Doação Até 2003 nosso Código Civil ainda aceitava o casamento em regime de doação. Embora ele já não seja um regime previsto na lei, ele ainda é válido para os casais que se casaram sob ele antes de 2003. Nele, o esposo recebia da família da esposa (ou da própria) bens ou valores que seriam utilizados para manter a sua nova família. Em outras palavras, era uma forma de o pai da esposa evitar que sua filha tivesse seu padrão de vida diminuído, ou para atrair-lhe pretendentes. Como o dote estava intimamente ligado ao casamento, uma vez dissolvida sociedade conjugal, ele deveria ser restituído à exesposa ou aos seus herdeiros.
6.2.3 – Separação de fato, separação de corpos, separação judicial, divórcio e desquite Como vimos, o casamento se inicia com o “sim” dos noivos na frente do juiz de paz, e ele os declara casados. Mas da mesma forma que inicia, o casamento também termina. Ele termina pela morte de um ou ambos os cônjuges ou pelo divórcio. Até meados de 2010, o processo de término do casamento era bem complexo, mas desde então ele passou a ser bem mais rápido (e barato). Hoje, para divorciar de forma amigavel, ou seja, por fim ao casamento de comum acordo entre as duas partes, basta que os cônjuges procurem um cartório (se não tiverem filhos) ou a justiça e expressem sua vontade de terminarem com o casamento. Para isso, eles sequer precisam de advogados diferentes: um mesmo advogado pode servir ambas as partes. Se o divorcio for litigioso (ou seja, se os cônjuges estiverem brigando), o divórcio precisa ser feito judicialmente e, obviamente, os cônjuges terão advogados diferentes. Também já não há prazos mínimos para requerer o divórcio: alguém casado hoje pode se divorciar amanhã. Até a introdução da chamada PEC do Divórcio (ou do Casamento), em 2010, o fim do casamento demorava bem mais, pois era necessária que houvesse uma separação antes do divórcio. E existiam diversos tipos de separação: 235
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Para Entender Direito A separação de fato ocorria sem que houvesse a intervenção do Judiciário. Ela ocorria quando os cônjuges deixavam de coabitar sob o mesmo teto e paravam de funcionar como uma unidade familiar. Mas por não haver a participação do Judiciário, ainda existia o reconhecimento legal. O fato de estarem separados de fato não dava aos cônjuges o direito de agirem como se não estivessem unidos legalmente. Eles ainda possuíam direitos e deveres recíprocos e comuns. Outros dois tipos de separação eram a separação de corpos e a separação judicial. A separação de corpos era, numa visão simplista, a separação de fato autorizada pelo Judiciário. Ela era uma medida cautelar que permitia que os cônjuges deixassem de co-habitar sob o mesmo teto, cessassem os débitos conjugais (a convivência sexual entre eles) etc. Mas, como qualquer medida cautelar, ela não decidia o mérito da questão, ou seja, não punha fim ao processo de separação. O mérito era decidido no processo de separação judicial. Ela servia apenas para que os cônjuges pudessem ficar longe um do outro até que o magistrado autorizasse a separação judicial. A separação judicial podia ocorrer de forma amigável ou não. Quando ocorria de forma amigável entre os cônjuges, era chamada de consensual. Para a separação consensual ocorrer, os cônjuges precisavam estar casados há mais de um ano. Quando consensual, a separação judicial era
homologada. Por outro lado, ela podia ocorrer de forma litigiosa, ou seja (I) quando um dos cônjuges violava os deveres do casamento, (II) quando se rompia a vida em comum por mais de um ano (separação de fato), ou (III) quando um dos cônjuges era acometido de doença mental grave por mais de dois anos e a sua recuperação era improvável ou impossível. Quando litigiosa, a separação judicial era decretada. A violação dos deveres conjugais da separação litigiosa devia ser tal que torne impossível a convivência. A lei (ainda válida e hoje aplicável ao divórcio litigioso) diz que o adultério, a tentativa de morte, a sevícia ou injúria grave, o abandono voluntário do lar conjugal durante um ano contínuo, a condenação por crime infamante e a conduta desonrosa são violações do dever conjugal que justificam a impossibilidade de convivência. Mas não são os únicos motivos. O juiz pode considerar outros que julgar relevantes. A separação judicial importava na separação de corpos e na partilha dos bens, de acordo com o regime de casamento estabelecido, e punha fim aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens. Mas a separação judicial não punha fim ao casamento. Ele só chegava ao fim através do divórcio. Apenas com o divórcio, por exemplo, um dos cônjuges podia casar com outra pessoa. Mas o divórcio só podia ser pedido um ano depois que a sentença que houvesse decretado a separação judicial se tornasse irrecorrível. Era a chamada conversão. O divórcio também podia ocorrer sem que a separação judicial tivesse sido decretada: era o chamado divórcio direto. Neste caso, ele era concedido quando os cônjuges já estão separados de fato há mais de dois anos. Neste caso, ele podia ser concedido sem que tenha ocorrido a partilha prévia dos bens. A idéia era que, até que tenha ocorrido o divórcio, mesmo que já tenha sido decretada a separação judicial (litigiosa ou consensual), os cônjuges podem reconciliar-se. Desde julho de 2010, o casal que está infeliz pode simplesmente pedir o divórcio, sem precisar 236
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Para Entender Direito pedir a separação antes, e sem precisar esperar qualquer prazo. E tão logo o divórcio seja concedido, eles poderão casar novamente (entre si ou com outros). Tudo o que era decidido na separação (guarda de filhos, alimentos, divisão de bens, sobrenomes etc) passaram a ter de ser decidido, obviamente, no momento do divórcio. O desquite não existe no Brasil desde 1977. Até 1977 não havia o divórcio no Brasil. O casamento, ao menos aos olhos da lei, era para sempre. Quando os cônjuges não conseguiam mais viver juntos, eles se desquitavam, que era algo próximo à descrição da separação judicial vista acima, mas ainda assim não podiam contrair um novo matrimônio pois, juridicamente, ainda estavam casados.
6.2.4 – União estável e concubinato Como vimos, o casamento é um contrato formal entre duas partes que resolvem constituir uma família. A união estável é um contrato informal entre duas pessoas que se unem para o mesmo propósito. Mas não é somente por ser informal que as partes não têm direitos e obrigações, e não é somente por ser informal que a lei não determina algumas regras básicas para regular aqueles direitos e obrigações. Ao contrário da crença popular de que são necessários cinco anos de convivência para se configurar a união estável, ela não precisa de um tempo determinado. O que é importante é que fique claro que há (ou havia) a intenção dos companheiros de constituírem família. Diz o Código Civil: “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” Note que a lei não fala em tempo. Ela fala na necessidade de convivência pública contínua e duradoura. Na união estável, se não há contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens. A união estável é tão próxima de um casamento que ela pode ser convertida em casamento mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no registro civil. Já o concubinato são as relações não-eventuais entre um homem e uma mulher, onde um ou ambos estão impedidos de casar. Em outras palavras, ele se diferencia da união estável porque na união estável o homem e a mulher não casam porque não querem, enquanto no concubinato eles não casam porque não podem. Por exemplo, se Zezinho e Rosinha, em vez de casarem, resolvem morar juntos, eles terão uma união estável. Mas se Zezinho já era casado, eles estarão vivendo em concubinato. É importante essa diferenciação, pois se Zezinho vier a morrer, Rosinha terá direito à sua herança ou legado se for sua companheira, mas não se for sua concubina. 6.3 – Parentesco 237
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Para Entender Direito
No dia-a-dia, quando nos referimos à nossa família, usamos termos como “meu primo de segundo grau”, “meio-irmão” ou “tio de terceiro grau”. O que isso significa nunca fica muito claro, porque nossos referenciais do que seja um “tio de terceiro grau” não são claros. Mas a lei também precisa se referir aos parentes. Para evitar qualquer desentendimento quando a lei faz referencia aos parentes, ela mesma diz quais as terminologias são usadas e como os graus são estabelecidos.
6.3.1 - Parentesco em linha reta e colateral A primeira divisão que ela estabelece é entre os parentes em linha reta e os colaterais (ou em linha transversal). Parentes em linha reta são aqueles em que uns descendem dos outros. O tataravô, a bisavó, o avô, o pai, a mãe, a filha, a neta, o bisneto, o tataraneto, são todos parentes em linha reta pois são descendentes ou ascendentes uns dos outros. Digamos que o pai de Zezinho se chame Zé e o seu avô se chame Zezão. Zezinho também tem um filho chamado Zezinho Júnior e um neto chamado Zezinho Neto. Zezinho será parente em linha reta de Zé e de Zezão. Da mesma forma, será parente em linha reta de Zezinho Júnior e de Zezinho Neto. Isso porque eles descendem uns dos outros. Já os colaterais são aqueles que, embora não descendam diretamente uns dos outros, têm um ascendente comum entre eles. O exemplo mais claro é o irmão. Digamos que Zezinho tem uma irmã chamada Zezinha. Zezinha não é descendente de Zezinho e nem Zezinho é descendente de Zezinha. Por isso, não há uma relação de parentesco direta entre eles. Mas ambos são filhos de Zé, ou seja, ambos têm um ascendente em comum. Por isso, são parentes colaterais. Da mesma forma, o tio de Zezinho também é seu parente colateral, pois tanto o pai quanto o tio de Zezinho são filhos de uma mesma pessoa: Zezão (o avô de Zezinho). O primo de Zezinho também será seu parente colateral, pois todos têm um ascendente em comum: o avô Zezão. O sobrinho de Zezinho (filho de sua irmã Zezinha) também será seu parente colateral, pois todos têm um ascendente em comum: Zé, o pai de Zezinho. O mesmo ocorre com o chamado tio-avô (irmão do avô) e com o sobrinho-neto (o filho do sobrinho): todos têm um ascendente em comum. No primeiro caso, o bisavô. No segundo caso, o pai.
6.3.2 - Graus de parentesco Mas simplesmente dizer que alguém é parente de alguém em linha colateral não basta. Afinal, todos descendemos da mesma costela de Adão ou da mesma ameba que se arrastou para fora do mar. Enfim, somos todos parentes colaterais em algum ponto. Se todos os parentes colaterais tivessem direito à herança ou fossem impedidos de se casarem, isso causaria uma enorme confusão. Para evitá-la, em cada caso a lei estabelece uma limitação sobre até onde existe a proibição ou o direito. Essa limitação é imposta através de graus de parentesco. Apenas o parente colateral até um certo grau está impedido de se candidatar a determinado cargo, ou é herdeiro legítimo ou está impedido de casar. A regra é que o parentesco colateral termina no quarto grau, mas a lei, algumas vezes, estabelece regra diferente, dependendo da necessidade. Na linha reta, a lei também conta os graus, mas não impõe limitação. A limitação é imposta pelo 238
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Para Entender Direito próprio tempo: a probabilidade de pessoas da mesma família, separadas por quatro gerações, estarem vivas ao mesmo tempo é muito pequena. Poucos de nós nasceram quando os avós de nossos avós ainda estavam vivos. O grau de parentesco é contado subindo-se até o ascendente comum e depois descendo até
encontrar o outro parente. Por exemplo, entre Zezinho e Zezinha, há dois passos: o primeiro, de Zezinho até seu pai, Zé. E depois de Zé até Zezinha. Ou seja, dois graus. Logo, os irmãos são parentes colaterais de segundo grau. Já entre Zezinho e seu tio, há três passos: de Zezinho para Zé (o pai); de Zé para Zezão (o avô), e de Zezão para o tio. Logo, o tio de Zezinho é seu parente em terceiro grau. Já o primo de Zezinho será seu parente colateral em quarto grau (além dos três passos Zezinho-pai, pai-avô, avôtio, há ainda o passo tio-primo).
Como podemos ver, para a lei não existe ‘primo de segundo grau’ pois, por definição, primo é parente de quarto grau. Na dúvida, é muito melhor fazer referência a um parente em comum cuja definição todo mundo saiba. Por exemplo, ‘filho de meu primo’ ou ‘neto de meu primo’, pois todos sabem o que é um primo e o que é um filho ou neto.
6.3.3 - Cônjuge Repare que não falamos até agora do cônjuge. Isso porque cônjuge não é parente. Cônjuge é cônjuge! Quando uma norma quer falar em cônjuge, ela tem de dizê-lo explicitamente. Se ela falar apenas parente, a esposa e o esposo não entram no conjunto. Repare, por exemplo como está escrito o art. 14, §7º de nossa Constituição: “São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes 239
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Para Entender Direito consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição” Repetindo: cônjuges não são parentes. São membros de uma mesma família – aquela que eles constituíram – mas isso não os torna parentes. Eles são parentes de seus filhos, netos etc. Mas não entre si. E mais: eles são parentes dos parentes do outro cônjuge. Isso mesmo: embora sua esposa ou esposo não sejam e jamais serão seu (ou sua) parente, sua sogra é sua parente!
6.3.4 - Parentesco consanguíneo e por afinidade Repare que no artigo acima a Constituição usa a expressão “parentes consanguíneos ou afins”. O “afins” é a sogra que acabamos de mencionar. Parentesco consanguíneo é aquele que deriva da relação genética entre as pessoas. Zezinho é parente consanguíneo de seu pai ou irmão porque estão relacionados geneticamente. Já o parentesco por afinidade decorre do casamento ou da união estável entre dois indivíduos. Embora o cônjuge (ou a companheira) não se torne parente, seus parentes se tornam parentes do outro cônjuge. Com uma limitação: o parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. Digamos que Zezinho tenha casado com Rosinha. Nós já vimos que eles não viram parentes. Mas dona Rosa e Seu Cravo, os pais de Rosinha (e, consequentemente, sogros de Zezinho), se tornam parentes por afinidade de Zezinho. O mesmo ocorre com Violeta, a irmã de Rosinha (e cunhada de Zezinho): ela também se torna parente por afinidade de Zezinho. E os graus de parentesco são os mesmos. Por exemplo, enquanto Zé (o pai de Zezinho) é parente consanguíneo de primeiro grau em linha reta de Zezinho, Seu Cravo (o sogro de Zezinho) é parente por afinidade de primeiro grau em linha reta de Zezinho. Enquanto Zezinha (a irmã) é parente consanguínea de segundo grau em linha colateral de Zezinho, Violeta (a cunhada) é parente por afinidade de segundo grau em linha colateral de Zezinho. Parece ilógico à primeira vista que o cônjuge não seja parente enquanto sua família o é. Mas prestando atenção percebe-se que não haveria onde ‘colocar’ o cônjuge na estrutura de parentesco. Mas o mais estranho vem agora: diz o art 1.595, §5º, do Código Civil que “na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável”. Em outras palavras, a relação jurídica com a sogra é eterna! Não importa que você tenha se separado.
6.3.5 - Parentesco civil:76 adoção A adoção é o processo pelo qual se faz com que uma pessoa – não importa a idade – ingresse no 76
A doutrina também afirma que há parentesco civil em outros casos além da adoção, como no vínculo resultante do emprego de técnicas de reprodução assistida, quando o pai ou a mãe não contribui com seu material genético, ou como quando a relação pai/mãe-filho é fundada no estado de posse, ou seja, quando a pessoa age como pai e/ou mãe em todos os aspectos (afetiva, financeira, social, culturalmente etc.), cuidando da criança como se fosse sua filha de fato, mas como esses casos são mais raros, não vamos tratar deles aqui. 240
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Para Entender Direito seio familiar na condição de filho do(s) adotante(s), desligando-se completamente de seus parentes consanguíneos (exceto em relação aos impedimentos para o casamento). Como filho(a), o adotado passa a ter as mesmas prerrogativas de qualquer outro filho, carregando inclusive os direito de portar o sobrenome dos pais adotivos. Para se evitar que a adoção possa prejudicar os interesses do adotado, a lei estabelece uma série de requisitos, sendo que o principal deles é que, para ela ser permitida, é necessário que haja um efetivo benefício para o adotado. Ninguém pode ser adotado para ter uma vida pior do que tinha antes da adoção. Isso seria ilógico. Além disso, apenas os maiores de 18 anos podem adotar (ou ao menos um dos cônjuges deve ter mais de 18 anos). E deve haver uma diferença mínima de 16 anos entre o adotante e o adotado, para que se reduza o risco de que a relação que deveria ser de amor paternal e maternal se torne de amor sexual. Como filho do adotante, as relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre o adotado e os parentes do adotante, bem como entre o adotante e os descendentes do adotado (filhos, netos etc.).
6.3.6 - Irmãos germanos e unilaterais No mundo moderno, com o crescente número de divórcios, tornou-se muito usual uma pessoa ter filhos de vários casamentos. Esses filhos também são parentes entre si. Eles são chamados de
irmãos unilaterais, pois têm apenas um dos pais em comum. Isso serve para diferenciá-los dos irmãos germanos, que são aqueles que têm ambos os pais em comum. Essa diferenciação é importante no regime de sucessões, pois irmãos unilaterais herdam de forma diferente dos irmãos germanos. 6.4 – Sucessões Como já vimos, os direitos de uma pessoa começam com seu nascimento com vida e terminam com sua morte. Mas isso não quer dizer que seus direitos patrimoniais deixam de existir quando ela morre. Eles são transferidos para outra pessoa (física ou jurídica). Essa transferência pode acontecer de várias formas: para uma pessoa ou para várias pessoas, tudo ou apenas um ou outro bem, através de um testamento ou não. Mas antes de entrar nesses detalhes, é preciso vermos um ponto que normalmente causa confusão: a parte que pertence ao cônjuge (ou da companheira). Se Zezinho casou com Rosinha em qualquer regime exceto o de separação de bens, quando ele morrer Rosinha terá direito a uma parte dos bens do casal. Não porque ela seja sua herdeira, mas porque era sua “sócia” na sociedade conjugal. Em outras palavras, o patrimônio do casal foi construído com o esforço de ambos. Logo, cada um tem a metade do que eles construíram juntos. No caso do regime de comunhão universal de bens, o cônjuge que sobrevive tem a metade não só daquilo que eles construíram juntos, mas também daquilo que eles construíram antes de se casarem. E esse direito à 241
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Para Entender Direito metade dos bens não está relacionado ao fato de Rosinha ser herdeira. Ele funciona da mesma forma como se o casal resolvesse se separar: Rosinha fica com a metade dos bens porque essa metade era sua. Digamos, por exemplo, que Zezinho e Rosinha, casados em regime de comunhão universal, tenham construído um patrimônio de 100 casas. Quando Zezinho morre, seu patrimônio é de 50, e não de 100 (os outros 50 pertenciam a Rosinha). É das cinquenta casas que pertencem a Zezinho que a lei trata quando ela determina como ocorre a sucessão de seus direitos e obrigações. Um outro ponto importante é que ninguém herda dívidas. Digamos, por exemplo, que Zezinho morreu deixando um patrimônio de 50 casas, mas dívidas equivalentes ao valor de 51 casas. Seus herdeiros não receberão nada, pois as 50 casas deixadas serão usadas para pagar as dívidas, mas também não serão obrigados a pagar aquela casa que ficou faltando para saldar a dívida. Por outro lado, se a dívida, em vez de 51 casas, fosse equivalente a 10 casas, ainda sobrariam 40 casas para serem herdadas. Em outras palavras, ninguém pode ficar em uma situação patrimonial pior por ter herdado. Primeiro, pagam-se as dívidas, e o que sobrar é dividido entre os herdeiros e legatários. Mas se não sobrar nada ou ficar faltando, os herdeiros e legatários não podem ser obrigados a pagar a dívida que ficou faltando a ser paga.
6.4.1 - Herdeiros legítimos e herdeiros testamentários Quando uma pessoa morre, ela pode deixar seus bens para outras pessoas através de um testamento. São os chamados herdeiros testamentários. Existem três tipos de testamento: o público, o cerrado e o particular. O testamento público é aquele que em que a pessoa vai até o cartório e dita ao tabelião suas últimas vontades. Terminado de ditar, o tabelião ou a pessoa lê em voz alta o que foi escrito em frente a duas testemunhas, e todos assinam o documento, que é guardado até que a pessoa morra. O testamento cerrado é aquele em que a pessoa escreve o próprio testamento (ou alguém o faz por ela) e ele entrega o documento ao tabelião, em frente a duas testemunhas, declarando que aquele é seu testamento. O tabelião então lê o testamento frente a todos, e todos assinam o auto de aprovação, que é o documento pelo qual se afirma que aquele é um documento válido e que seguiu as formalidades necessárias. Feito isso, o tabelião literalmente costura o testamento (por isso é chamado cerrado) e o entrega à pessoa, lançando em seus livros o aviso de que aquele documento existe, foi aprovado e entregue à pessoa. Já o testamento particular é escrito sem a participação do tabelião. Ele é escrito pela pessoa e depois é lido perante três testemunhas. Todos assinam o documento, que fica guardado até que a pessoa morra. Uma vez morta, as três testemunhas são chamadas para reconhecerem suas assinaturas e confirmarem o conteúdo do testamento. O problema do testamento particular é que as testemunhas devem confirmar o conteúdo e suas assinaturas. Se as três testemunhas não estiverem presentes (por exemplo, já tiverem morrido), o testamento não é considerado válido. Se apenas uma ou duas delas estiver(em) presente(s) no momento da abertura do testamento, o testamento somente será considerado válido se o juiz julgar que há prova 242
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Para Entender Direito suficiente de que o testamento é verdadeiro. Já no caso do testamento cerrado, se o testamento desaparecer, não há como executá-lo depois de a pessoa morrer. Por isso, além da diferença nos custos, é preciso levar em conta a segurança de que aquele documento será executado (apenas o primeiro é guardado no cartório, enquanto o segundo tem um documento oficial confirmando que ele existe e é válido, e o terceiro não possui nenhuma prova de que existe ou é válido exceto os testemunhos de quem o assinou). Além disso, os dois primeiros tipos possuem a vantagem de serem feitos por um profissional, diminuindo as chances de serem considerados 77
inválidos.
Se uma pessoa morre sem deixar testamento, a lei determina que a herança seja transmitida aos
herdeiros legítimos. O mesmo ocorre se o testamento é considerado inválido. Além disso, se o testamento não dispuser sobre todos os bens do morto, aqueles bens que ficarem de fora serão transmitidos aos herdeiros legítimos. Eles são chamados de legítimos porque são estabelecidos pela lei. São eles: os descendentes, os ascendentes, o cônjuge, os parentes colaterais até o quarto grau, e os municípios (ou Distrito Federal).
78
Mas eles não são todos chamados ao mesmo tempo. Há uma ordem, chamada ordem
hereditária pela qual os primeiros excluem os seguintes, isto é, tão logo uma classe de herdeiros seja encontrada, as subsequentes ficam excluídas.
6.4.2 – Ordem hereditária A ordem hereditária, com o novo Código Civil, passou a depender do regime de casamento, se a pessoa for casada. A regra é, nesta ordem: 1. os descendentes e o cônjuge 2. os ascendentes e o cônjuge 3. o cônjuge 4. os colaterais até o quarto grau, respeitando esta ordem: a. irmãos b. sobrinhos c.
tios
d. demais colaterais, até o quarto grau 5.
município (ou distrito federal).
Quando se vai fazer a distribuição da herança, começa-se a ler a lista de cima para baixo. Assim que se encontra uma classe na qual haja representantes, a leitura pára ali. Por exemplo: há qualquer descendente (filhos, netos, bisnetos, tataranetos etc.)? Se a resposta é positiva, a leitura pára ali. Ai 77
Além dos três tipos de testamento, o Código Civil prevê o codicílio, que é uma espécie de carta datada e assinada em que a pessoa dispõe sobre o seu enterro, sobre pequenos valores que devem ser distribuídos a determinadas pessoas ou aos pobres de um determinado lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoal. 78 Se houver território, a União também será chamada a suceder. 243
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Para Entender Direito basta ver se há cônjuge ou não. Se houver, ele divide a herança com os descentes. Se não houver, os descentes herdam tudo. Mas se não houver qualquer descendente, pergunta-se: há qualquer ascendente (pais, avós, bisavós, tataravôs) vivo? Se a resposta é positiva, a leitura é parada ali. Aí basta saber se há ou não cônjuge vivo. Se houver, ele divide a herança com os ascendentes. Se não houver, os ascendentes ficam com tudo. Mas se não houver qualquer ascendente, passa-se à terceira pergunta: há cônjuge vivo (e que não esteja separado de fato há mais de dois anos e não esteja separado judicialmente)? Se a resposta é positiva, a leitura pára ali, e o cônjuge herda tudo. Mas se a resposta é negativa, parte-se para a quarta pergunta: há irmãos? Se há, eles ficam com tudo, se não há, perguntase: há sobrinhos vivos? Se há, eles herdam tudo. Se não há, pergunta-se: há tios vivos? Se há, eles herdam, se não há, pergunta-se: há tios-avós ou sobrinhos-netos vivos? Se há, eles dividem a herança. Se não há, o município fica com a herança localizada em sua jurisdição. Mas se os cônjuges são casados em regime de comunhão universal, a ordem hereditária exclui o cônjuge de receber junto com os descendentes. Isso porque ele já receberá metade dos bens que o morto tinha antes do casamento. Também no regime de comunhão parcial, o cônjuge apenas recebe junto com os descendentes se o morto deixou bens particulares (aqueles adquiridos antes do casamento, por exemplo). Entre os parentes colaterais, também há uma ordem: primeiro, os irmãos, depois os sobrinhos, depois os tios, e só então os colaterais de quarto grau (tios-avós e sobrinhos-netos). Comunhão universal 1. Descendentes
Comunhão parcial 1. Descendentes e cônjuge
2. Ascendentes e
2. Ascendentes e
Participação final
Separação de
nos aquestos
bens
1. Descendentes e cônjuge* 2. Ascendentes e
1. Descendentes e cônjuge** 2. Ascendentes e
cônjuge
cônjuge
cônjuge
cônjuge
3. Cônjuge
3. Cônjuge
3. Cônjuge
3. Cônjuge
4. Colaterais:
4. Colaterais:
4. Colaterais:
4. Colaterais:
a. Irmãos
a. Irmãos
a. Irmãos
a. Irmãos
b. Sobrinhos
b. Sobrinhos
b. Sobrinhos
b. Sobrinhos
c.
c.
c.
c.
Tios
d. Demais
d. Demais
colaterais 5. Município ou DF
Tios colaterais
5. Município ou DF
Tios
d. Demais colaterais 5. Município ou DF
Tios
d. Demais colaterais 5. Município ou DF
* Exceto se o morto não tinha bens particulares ** Exceto se o regime de separação de bens foi imposto porque os cônjuges o contraíram com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, um dos cônjuges tinha mais de 70 anos ou um ou ambos os cônjuges precisou de autorização judicial para casar
Vamos imaginar que Zezinho seja um chato. Tão chato que um dia resolve se matar para poupar o mundo de sua chatice. Rosinha, a esposa que suportou Zezinho em regime de comunhão parcial, 244
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Para Entender Direito dividirá a herança com Zezinho Júnior e Zezinho Filho, os filhos do casal. Mas se o casal não teve filhos ou se Zezinho Filho e Zezinho Júnior morreram antes de seu pai, e não deixaram netos, bisnetos etc., Rosinha irá dividir a herança com os pais de Zezinho (Seu Zé e Dona Zeca). Mas digamos que Seu Zé e Dona Zeca, vendo como seu filho era chato, resolveram se matar antes de Zezinho cometer suicídio. O mesmo fizeram todos os ascendentes de Zezinho (seus avós, bisavós etc.). Em outras palavras, Zezinho morreu sem deixar ascendentes ou descentes. Neste caso, Rosinha irá receber a herança sozinha. Mas vamos imaginar que Rosinha, depois de alguns anos vivendo com Zezinho, finalmente percebeu como ele era chato e preferiu se matar a ter de passar mais um dia ao lado de Zezinho. Se Zezinho tivesse deixado descendentes, eles herdariam tudo. Mas não foi o caso. Se Zezinho tivesse deixado ascendentes, os ascendentes herdariam tudo. Mas também não foi o caso. Neste caso, como não há cônjuge, descendente ou ascendente, a herança vai para os colaterais. Primeiro para os irmãos (Huguinho e Duduzinho). Se eles também já haviam morrido quando Zezinho morreu, a herança vai para os sobrinhos de Zezinho. Mas Huguinho não teve filhos e os filhos de Duduzinho também já haviam morrido quando Zezinho morreu. Neste caso, a herança vai para os tios de Zezinho.
6.4.3 - Proporções Até agora falamos sobre quem ficará com a herança, mas não falamos sobre com quanto cada um ficará. A regra é um pouco complicada, mas diz o seguinte:
a) Descendentes Se houver descendentes e cônjuge, eles dividirão a herança entre si igualmente. Mas, se o cônjuge sobrevivente for ascendente dos descendentes do morto (em outras palavras, se os filhos ou netos do morto também são filhos ou netos do cônjuge que sobreviveu), esse cônjuge deve ficar com ao menos um quarto do valor total. Ou seja, se o casal teve um filho, Rosinha fica com a metade e o filho com outra metade. Se eles tiveram dois filhos, cada um fica com um terço. Se eles tiveram três filhos, ela fica com um quarto e cada um dos três filhos com outro quarto. Mas se eles tiveram quatro filhos, a regrinha acima começa a ter efeito: Rosinha deve ficar com um quarto (25%) do total. Os outros três quartos (75%) serão divididos entre os quatro filhos do casal, ou seja, cada um ficará com 18,75%. Se tiveram cinco filhos, ela fica com um quarto da herança, enquanto cada um dos filhos fica com 15%, e assim por diante. Número de filhos 0
Proporção do cônjuge 100% (se não houver ascendentes)
Proporção dos filhos 0%
1
50%
50%
2
33,33%
33,33% cada
3
25%
25% cada
4
25%
18,75%
245
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Para Entender Direito 5
25%
15%
6
25%
12,5%
Digamos que Rosinha e Zezinho tiveram 3 filhos antes de Zezinho morrer. E eles deram netos a Zezinho e Rosinha (N1, N2, N3, N4 e N5). Se quando Zezinho morreu, todo o resto da família estava viva, Rosinha, Zezinho Jr., Huguinho e Jujuzinho vão, cada um, receber um quarto dos bens de Zezinho.
Mas se Jujuzinho já havia morrido quando Zezinho morreu, seus filhos (N5 e N6) irão receber em seu lugar, e cada um dos dois receberá 12,5%, que é a parte que caberia a seu pai (Jujuzinho) dividida entre eles. Isso se chama receber por estirpe e serve para diferenciar o recebimento dos filhos vivos, que
recebem por cabeça. Se N4 também já estava morto quando Zezinho morreu, N5 vai receber 25% não porque ele recebe como se fosse seu pai (por cabeça), mas porque ele não precisa dividir seu recebimento por
estirpe com nenhum irmão. Mas imaginemos que todos os filhos de Zezinho já estivessem mortos quando Zezinho morreu. Neste caso, cada um dos netos receberá por cabeça, pois não há ninguém na classe anterior (filhos). Essa diferença é importante: digamos que tanto Huguinho quanto Jujuzinho tenham morrido antes de Zezinho, e seus filhos (N3, N4 e N5) estivessem ainda vivos quando Zezinho morreu. Como Zezinho Jr. Ainda está vivo, N3, N4 e N5 receberão por estirpe. A divisão ficaria assim: Rosinha ficaria com 25%, Zezinho com outros 25%. N3 receberia, por estirpe, aquilo que caberia a seu pai, ou seja, 25%, enquanto seus primos N4 e N5 dividiriam aquilo que caberia a seu pai: 12,5%, cada. Mas se Zezinho Jr. Também houvesse morrido, como não há ninguém na linha sucessória anterior, todos os netos recebem por
cabeça. Neste caso, a divisão seria: Rosinha fica com 25% (que é o mínimo que ela deve receber), e os outros 75% são divididos igualmente entre os netos: cada um recebe 15%. Repare que neste caso N3 recebeu menos e N4 e N5 receberam mais. Um outro detalhe: no capítulo 4, quando falamos de aborto, vimos que o feto não tem direitos, mas tem suas expectativas de direito protegidas pela lei. Isso vale para seus direito à herança também. Na prática significa que, se quando o marido morrer, a esposa estiver grávida, o feto terá seu direito à herança resguardado. Se ele nascer com vida (ainda que morra no momento seguinte) ele se torna herdeiro de seu pai morto. Se não nascer ou se nascer morto, jamais terá sido herdeiro. Parece bobagem, mas não é: Imagine no exemplo acima que, quando Zezinho morreu, Rosinha estava grávida 246
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Para Entender Direito de Huguinho (Zezinho Jr e Jujuzinho já eram vivos). Se Huguinho nascer com vida, ele herda um quarto dos bens de seu pai. Ele passa a ser proprietário de 25% dos bens de Zezinho. Se ele morrer no momento seguinte a seu nascimento, ele deixará esses 25% de herança para seu herdeiro legítimo. Como ele não tem descendentes e nem cônjuge, esses bens irão para seu ascendente: Rosinha, que acumulará sua parcela de 25% com a parcela de 25% herdada de seu filho morto, ou seja, na prática ela ficará com 50% dos bens de Zezinho. Mas se houver um aborto ou se Huguinho nascer já morto, suas expectativas de direito não se realizam e ele não se torna herdeiro de Zezinho. Nesse caso, a herança é dividida apenas entre Rosinha, Zezinho Jr e Jujuzinho, cada qual recebendo 33,33% do total. Neste caso, Rosinha acaba ficando com uma parcela menor que no caso anterior.
b) Ascendentes Mas digamos que, no exemplo acima, todos os descendentes já houvessem morrido (tanto os filhos quanto netos, bisnetos etc.). Neste caso, a lei buscaria os ascendentes do(a) morto(a). Aqui as regras também são um pouco complexas. Se ambos os pais do(a) morto(a) estiverem vivos, e o(a) morto(a) era casado(a), o cônjuge fica com um terço da herança, enquanto cada um dos pais fica com outro terço (e não importa qual a situação conjugal deles). Mas se apenas um deles estiver vivo, o cônjuge fica com a metade da herança, enquanto o pai ou a mãe do morto herda a outra metade. Se ambos os pais estiverem mortos, mas os avós estiverem vivos, o cônjuge herda a metade da herança, enquanto os avós maternos herdam um quarto (ainda que só um deles esteja vivo), e os paternos o outro quarto (ainda que só um deles esteja vivo).
Voltemos à família de Zezinho, que tem 4 avós: Zezão e Zezona, por parte de pai, e Zecão e Zecona, por parte de mãe. Se quando Zezinho morreu, Rosinha, Seu Zé e Dona Zeca estavam vivos, cada um recebe um terço da herança. Mas se apenas Rosinha e Dona Zeca estavam vivos, cada um recebe a metade (Zezão e Zezona não recebem nada, ainda que estejam vivos). Mas se tanto Seu Zé quanto Dona Zeca estavam mortos, Rosinha recebe a metade, enquanto Zezão e Zezona dividem um quarto, e Zecão e Zecona dividem o outro quarto. Se, neste caso, Zezão também já houver morrido, Zezona não precisará dividir o quarto (25%) que recebe com ninguém.
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Para Entender Direito
c) Cônjuge Se não há descendentes ou ascendentes vivos quando a pessoa morre, se ela for casada, seu cônjuge fica com toda a herança (se não houver testamento, claro). Mas o cônjuge só entra na ordem hereditária se, quando o outro cônjuge morreu, eles não 79
estavam separados de fato há mais de dois anos
ou não estavam separados judicialmente.
d) Irmãos, sobrinhos, tios e outros parentes Como vimos, se não há descendentes, ascendentes ou cônjuge, a herança vai para os irmãos. A princípio, eles dividem a herança igualmente entre eles. Ou seja, se há dez irmãos, cada qual recebe 10% do total. Mas nem tudo é tão simples: aqui entra a diferença entre irmãos germanos (filhos do mesmo pai e mãe) e irmãos unilaterais (aqueles que têm apenas um dos pais em comum). Se houver apenas irmãos germanos ou apenas irmãos unilaterais, todos herdam a mesma proporção. Mas se houver irmãos germanos e irmãos unilaterais, cada um dos irmãos unilaterais herda apenas a metade do que cada um dos irmãos germanos herdarem. Por exemplo, se há um irmão germano e um irmão unilateral, o germano ficará com dois terços da herança e o unilateral com o terço restante. Se houver um irmão germano e dois unilaterais, o irmão germano ficará com a metade, enquanto cada unilateral receberá um quarto (a metade do que recebeu cada irmão germano). Se houver dois irmãos germanos e um unilateral, cada irmãos germano herdará 40% da herança, enquanto o irmão unilateral herdará os 20% restantes. Para facilitar, se houver irmãos germanos e unilaterais, basta usar a fórmula abaixo para saber o percentual que cada um receberá: Percentual de cada irmão unilateral =
100 (2 x número de irmãos germanos) + Número de irmãos unilaterais
Percentual de cada irmão germano = (ou bilaterais)
200 (2 x número de irmãos germanos) + Número de irmãos unilaterais
A lógica do legislador é que o irmão unilateral herdará também quando seus irmãos da outra família (se houver) morrerem. As tabelas abaixo ajudam a entender o percentual a que cada irmão unilateral terá direito. Por exemplo, se há dois irmãos unilaterais e um germano do irmão morto, cada unilateral terá direito à 25% (metade do que o germano tem direito). Se há três irmãos unilaterais e quatro germanos, cada unilateral terá direito a 9,1%, que é a metade do que cada germano receberá.
79
Salvo se provado que a convivência se tornou impossível sem culpa do sobrevivente. 248
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Para Entender Direito
Número de irmãos germanos (ou bilaterais) 0
1
2
3
4
5
1
100%
33.3%
20%
14.3%
11.1%
9.1%
Número
2
50%
25%
16.7%
12.5%
10%
8.3%
de irmão
3
33.3%
20%
14.3%
11.1%
9.1%
7.7%
unilaterais
4
25%
16.7%
12.5%
10%
8.3%
7.1%
5
20%
14.3%
11.1%
9.1%
7.7%
6.7%
Obviamente, para saber o percentual a que cada irmão germano terá direito, podemos simplesmente fazer a conta inversa (tabela abaixo), ou multiplicar por dois o valor a que um irmão unilateral terá direito:
Número de irmãos unilaterais
Número de irmãos germanos (ou bilaterais) 1
2
3
4
5
0
100%
50%
33.3%
25%
20%
1
66.7%
40%
28.6%
22.2%
18.2%
2
50%
33.3%
25%
20%
16.7%
3
40%
28.6%
22.2%
18.2%
15.4%
4
33.3%
25%
20%
16.7%
14.3%
5
28.6%
22.2%
18.2%
15.4%
13.3%
Assim como nos filhos, no caso dos irmãos, os filhos daqueles que poderiam herdar também podem receber em lugar de seu pai (ou mãe). Por exemplo, voltando à família do Zezinho, vamos imaginar que Huguinho morra solteirão, depois que todos os seus ascendentes tenham morrido, e não deixe descendentes. A herança irá para seus irmãos: Zezinho Júnior e Jujuzinho. Mas se Jujuzinho houver morrido antes de Huguinho, N4 e N5 irão receber em seu lugar. Ou seja, Zezinho Júnior receberá 50% da herança, enquanto N4 e N5 receberão 25% cada um.
Se tanto Jujuzinho quanto Zezinho houverem morrido, N1, N2, N3 e N4 dividem a herança entre si (de forma igual). Se não houver sobrinhos, a herança vai para os tios, e só então para os tios-avós e os sobrinhos netos.
6.4.4 – Herdeiros necessários 249
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Para Entender Direito Como vimos antes, uma pessoa pode deixar um testamento. Se não o deixar, a herança vai para os herdeiros legais, seguindo a ordem hereditária que acabamos de ver. Mas existem algumas pessoas que necessariamente devem receber ao menos uma parte da herança, não importa se estão ou não mencionadas no testamento. São os chamados herdeiros
necessários. São eles: os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Em outras palavras, se houver qualquer herdeiro necessário vivo quando a pessoa morre – ainda que ela tenha deixado testamento – a metade dos bens do morto é transmitida aos herdeiros necessários. Se Zezinho tem um patrimônio de 100 casas, e quer deixá-las em testamento para a Associação dos Chatos Anônimos, ele somente poderá deixar todas elas para a Associação se todos os seus descendentes, ascendente e cônjuge estiverem mortos quando ele morrer. Caso contrário, poderá deixar em testamento, no máximo, 50 casas para a Associação. As demais são herdadas seguindo as regras da ordem hereditária vistas acima. Os herdeiros necessários seguem a ordem hereditária, ou seja, para no primeiro grupo. Se há descendentes, os ascendentes não recebem. Se não há descendentes, os ascendentes se tornam herdeiros necessários. Comunhão universal necessários
Herdeiros
1. Descendentes
Comunhão parcial 1. Descendentes e
Participação final
Separação de
nos aquestos
bens
1. Descendentes e
cônjuge 2. Ascendentes e
cônjuge
2. Ascendentes e
2. Ascendentes e
1. Descendentes e cônjuge 2. Ascendentes e
cônjuge
cônjuge
cônjuge
cônjuge
3. Cônjuge
3. Cônjuge
3. Cônjuge
3. Cônjuge
4. Colaterais:
4. Colaterais:
4. Colaterais:
4. Colaterais:
a. Irmãos
a. Irmãos
a. Irmãos
a. Irmãos
b. Sobrinhos
b. Sobrinhos
b. Sobrinhos
b. Sobrinhos
c.
c.
c.
c.
Tios
d. Demais colaterais 5. Município ou DF
Tios
d. Demais
d. Demais
colaterais 5. Município ou DF
Tios
d. Demais
colaterais 5. Município ou DF
Tios colaterais
5. Município ou DF
Exemplos Herdeiros necessários Deserdação
6.4.5 – Herança e legado Até agora falamos sempre de herança como sendo o que se deixa em testamento. 250
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Para Entender Direito
Herança é um conjunto de bens. Alguém a recebe porque ela foi deixada em testamento ou porque o testamento não dispôs sobre todos os bens do morto, ou porque não houve testamento. Já os legados são coisas certas, específicas, individualizadas, e também podem ser deixadas em testamento. Se Zezinho diz no testamento “deixo todas as minhas vaquinhas para a Ana”, ele está deixando uma herança, e Ana será sua herdeira. Mas se ele diz, “deixo minha vaquinha Mimosa para a Ana”, ele estará deixando um legado, e Ana será sua legatária.
6.4.6 – União estável Nas sessões anteriores vimos como ocorre a sucessão no caso de uma pessoa ser solteira, viúva ou casada. Mas se ela for companheira de outra em uma união estável, seu companheiro terá direito segundo regras diferentes das que vimos. A companheira tem direito apenas à sucessão quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável (estamos falando da sucessão dos bens do morto, e não da metade que pertence a ele(a) por direito como “sócio(a)” da união estável). Se ele(a) tiver tido filhos com o(a) morto(a), divide-se a herança em quotas iguais entre o(a) companheiro(a) e os filhos. Ou seja, se tiveram 4 filhos, a herança será dividida por 5 (4 filhos + companheiro(a)), e cada qual recebe 20% (aqui não existe a regra do mínimo de 25% que beneficia o cônjuge no casamento). Mas se há descendentes só do morto, a companheira recebe a metade do que cada um dos descendentes receber. Se não há descendentes, mas há outros parentes (ascendentes ou colaterais), o companheiro recebe um terço da herança. Ao contrário da sucessão do cônjuge casado, o companheiro(a) só recebe toda a herança se não há qualquer parente do morto na ordem sucessória.
6.4.7 – Homossexuais No início deste capítulo vimos que não há casamento, união estável ou concubinato entre pessoas do mesmo sexo. Por isso não há como falar que o parceiro homossexual do morto seja seu companheiro ou cônjuge. Pela legislação brasileira, ele não entra na ordem hereditária. Para mitigar o problema, os tribunais brasileiros tendem a interpretar que, embora não seja herdeiro do morto, eles foram sócios em uma sociedade de fato – como se fosse uma empresa – e por isso, ainda que os bens estejam em nome apenas do morto, o parceiro sobrevivente tem direito à metade de sua sociedade. O mais difícil, nestes casos, tende a ser a prova de que havia uma sociedade entre as duas pessoas (especialmente porque ainda são relativamente raros os casos de casais homossexuais que se assumem publicamente como tais) e que os bens foram adquiridos com o esforço de ambos. Uma forma de contornar o problema tem sido o registro em cartório e na presença de testemunhas, de um contrato de parceria civil entre as duas pessoas, dando fé pública ao documento, que passa a servir como prova 251
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Para Entender Direito de que elas construíram e construirão um patrimônio em conjunto, e que, portanto, cada uma tem direito à metade do total, seja quando se separarem, seja quando um deles(as) morrer.
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Para Entender Direito
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Para Entender Direito Capítulo 7 – Direito tributário 7.1 – Tipos de tributos Sempre ouvimos dizer que ninguém gosta de pagar imposto. Na verdade, a vida seria mais fácil se não gostássemos apenas de pagar impostos. O que não gostamos de pagar são tributos. Imposto é um dos tipos de tributos que existem no Brasil, mas não é o único. Existem outros quatro tipos de tributos: as contribuições de melhoria, as taxas, os empréstimos compulsórios e as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categoria profissional (para facilitar, as chamaremos apenas de “contribuições”, que é como são popularmente conhecidas).
Essa diferenciação é muito importante. Por exemplo, quando o jornal diz que a arrecadação de imposto aumentou, ele está falando que apenas uma parte da arrecadação dos tributos aumentou. As outras podem até ter diminuído, fazendo com que, no total, o governo tenha arrecadado menos. Outro exemplo: todos os dias algum jornalista diz que o governo irá “taxar os aposentados”. Na verdade, a expressão correta seria tributar ou cobrar contribuição. Ok! São diferentes. Mas qual é a diferença entre esses termos?
7.1.1 – Tributos O termo tributo é o termo genérico que serve para se referir a qualquer um dos outros cinco. Sempre que em dúvida, o melhor é usar tributo. A quantidade de informação que o outro interlocutor irá receber será menor, mas ao menos será correta (é como preferir usar o termo “automóvel” em vez de usar o termo “Fusca”. A quantidade de informação que a palavra “Fusca” dá ao interlocutor é muito maior, mas se a gente não tem certeza se se trata de um Fusca ou de uma Brasília, é melhor usar “automóvel”). A lei diz que tributo é toda prestação pecuniária compulsória que não seja uma sanção de ato ilícito. É compulsória porque não é uma opção: a pessoa tem a obrigação de pagá-la. E que não constitua sanção por ato ilícito porque, como nós já vimos nos capítulos 4 e 5, as prestações pecuniárias compulsórias que constituem sanções por atos ilícitos são penas, e não tributos. Já nos tributos, a 254
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Para Entender Direito pessoa paga não porque tenha cometido um delito, mas porque a lei ordena que todas as pessoas naquela situação o paguem. Não pagar é que seria um delito. Além disso, a lei também diz que é uma prestação pecuniária, ou seja, é a obrigação de pagar em dinheiro ou em alguma coisa que possa ser convertida diretamente em dinheiro. Por fim, o tributo deve ser sempre instituído por uma lei e deve ser cobrado “mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Em bom português, isso significa que não é um ato discricionário: se a lei estabeleceu a existência do tributo, a pessoa que tem a obrigação de cobrá-lo não tem o direito de deixar de cobrá-lo, pois ele está obrigado (vinculado). O contrário do termo vinculado é o termo
discricionário, ou seja, quando a pessoa tem o direito (mas não a obrigação) de agir. Por exemplo, os Estados têm o direito de instituir o ICMS. Mas, uma vez instituído, a fazenda pública tem a obrigação de cobrá-lo de todos que a lei diga que têm a obrigação de pagá-lo. O fiscal não pode simplesmente decidir que algumas empresas pagarão e outra não.
7.1.2 – Impostos Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte. O Estado o cobra e pronto. O que gera a obrigação de pagar o imposto não tem qualquer relação com as atividades que o Estado exercerá ou com a forma como aquele imposto será utilizado. Zezinho pode pagar milhões em impostos todos os anos sem jamais ter precisado ou vir a precisar usar qualquer serviço do Estado. Os impostos podem ser instituídos pela União, Estados, Distrito Federal e municípios. Voltaremos a falar de imposto com bem mais detalhe mais para frente neste mesmo capítulo.
7.1.3 – Taxas Já as taxas são cobradas (I) pelo exercício do poder de polícia ou (II) pela utilização – efetiva ou potencial – de serviços públicos específicos e divisíveis, (1) prestados ao contribuinte ou (2) postos a sua disposição. Vamos por partes: Exercício do poder de polícia significa não só aquilo que conhecemos como polícia (PM, polícia civil etc.), mas também qualquer outra atividade de fiscalização do Estado. Por exemplo, quando compramos carne no supermercado, ela vem com um carimbo “S.I.F.” (Serviço de Inspeção Federal) colocado pelo Ministério da Agricultura. Esta fiscalização nada mais é do que o exercício do poder de polícia do Estado e é, por conseguinte, sujeita a taxação. Além do exercício do poder de polícia, é possível cobrar taxa por serviços públicos específicos e divisíveis. Isso significa que o serviço deve ser individualizável. Por exemplo, é possível a cobrança de uma taxa de recolhimento de lixo porque é possível individualizar o serviço recebido pela pessoa (o lixo de sua residência foi ou será recolhido). Mas não é possível a criação de uma taxa para a limpeza dos logradouros públicos (como as praças e ruas) pois não é possível individualizar quem é beneficiado por essa limpeza. A limpeza é feita em benefício da população em geral. Sempre que se tratar de uma atividade que não é individualizável, ela deve ser cobrada por meio de outros tributos (impostos, provavelmente). As atividades que são individualizáveis devem ser 255
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Para Entender Direito cobradas por meio das taxas. Mas a pessoa não precisa necessariamente utilizar o serviço público para ser obrigada a pagar por ele. Basta que ele tenha sido posto à sua disposição. Se Zezinho for morar na Disneylândia e deixar sua casa no Brasil, ele continuará a ser obrigado a pagar a taxa de coleta de lixo, ainda que não esteja deixando nenhum saco-de-lixo para ser recolhido. Isso porque o serviço está posto à sua disposição. Por isso, atenção: os pagamentos que são compulsórios são feitos por meio de taxas, mas os
facultativos são feitos através do que é conhecido como tarifa (ou preço público). Por exemplo, quando Zezinho usa um ônibus ele paga uma tarifa. Quando ele abre uma conta bancária, ele paga uma tarifa. Isso porque essas cobranças não são impostas a todas as pessoas, mas apenas àquelas que efetivamente resolvem utilizar aquele serviço público. As taxas podem ser instituídas pela União, Estados, Distrito Federal e municípios.
7.1.4 – Contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, de interesse de categoria profissional e de custeio de iluminação pública Todas essas quatro contribuições – também chamadas de contribuições especiais – embora distintas, são tratadas da mesma forma pela Constituição. As contribuições sociais visam dar sustentação ao sistema de seguridade social, (que engloba a saúde, a previdência social e a assistência social). Existem várias contribuições sociais, como a contribuição para o programa de integração social e de formação do patrimônio do servidor público (PIS/PASEP), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição para o Fundo Social (Finsocial), a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL). Mas a mais conhecida é a CPMF, a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira. Todas elas têm algo em comum: são instituídas para dar sustentação financeira aos programas sociais do governo federal. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) é uma forma de a União atuar na área da economia, seja para incentivar determinadas áreas do setor produtivo, seja para desestimulá-las. Por exemplo, em 2001 foi criada a Cide sobre importação e comercialização de petróleo, gás, álcool e seus derivados. Suas finalidades são o subsídio ao preço do álcool combustível, do gás natural, dos derivados de petróleo, o financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás, e o financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. A Cide foi criada para que haja recursos para investimentos nessas áreas específicas. As contribuições de interesse de categoria profissional são instituídas para dar sustentação financeira às entidades profissionais como os conselhos de medicina (CRM), psicologia (CRP), engenharia (CREA), contabilidade (CRC), a ordem dos advogados (OAB), além daquelas que, embora não sejam relacionadas a uma profissão específica, estão relacionada a uma categoria de trabalhadores, como o serviço nacional de aprendizagem industrial (Senai), e os serviços sociais da indústria (Sesc) e indústria (Sesi).
80
Por fim, as contribuições para o custeio da iluminação pública foram introduzidas recentemente. 80
As contribuições de interesse de categoria profissional não são as contribuições confederativas cobradas pelos sindicatos, que não são tipos de tributos. 256
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Para Entender Direito Quando vimos as taxas, vimos que há as taxas de recolhimento de lixo. Durante alguns anos as prefeituras também tentaram criar a taxa de iluminação pública. Mas, como vimos, para se cobrar uma taxa é essencial que ela seja individualizável. O problema é que não é possível distinguir quanto de luz cada pessoa da cidade está utilizando de cada poste! O STF disse que sua cobrança era inconstitucional. Como os municípios insistiam que as pessoas deveriam pagar de alguma forma pela o
iluminação publica, a Emenda Constitucional n 39 de 2002 introduziu o artigo 149-A na Constituição, que criou a contribuição de iluminação pública. A princípio, as contribuições só podem ser instituídas pela União. Mas os governos estaduais, distrital e municipais também podem criar contribuições sociais, mas apenas aquelas cobradas de seus servidores para sustentar os programa de seguridade social voltados para eles mesmos.
7.1.5 – Contribuições de melhoria As contribuições de melhorias, exceto pelo nome parecido, não tem relação com as contribuições especiais que acabamos de ver. Elas são cobradas quando o governo, através de uma obra pública, aumenta indiretamente o valor de uma propriedade particular. Por exemplo, digamos que Zezinho tenha um barracão que valha R$ 100 na Rua da Amargura. Entre outros problemas do bairro, as ruas são de terra batida. Um certo ano, a prefeitura resolve asfaltar a Rua da Amargura. O barracão de Zezinho passou a valer R$ 150, ou seja, ele se valorizou em R$ 50 pela obra feita pela prefeitura. A prefeitura poderá cobrar a contribuição de melhoria sobre esses R$ 50 reais de valorização que sua obra acrescentou à propriedade de Zezinho. O valor máximo que a prefeitura poderá cobrar é de R$ 50, já que foi esse o valor da valorização. Da mesma forma como o governo não poderá cobrar mais do que aquilo que foi valorizado em cada imóvel, ele também não poderá cobrar mais do que o total da obra. Por exemplo, digamos que Huguinho e Duduzinho fossem vizinhos de Zezinho e seus barracões também se valorizaram em R$ 50, cada um, devido à obra da prefeitura. No total, somando-se os três barracões, houve uma valorização total de R$ 150 reais. Mas se a prefeitura gastou apenas R$ 120 reais nas obras, ela não poderá cobrar mais do que R$ 40 de cada um dos três proprietários (120/3=40). Vamos agora modificar o exemplo: digamos que Zezinho morasse no segundo andar de um luxuoso apartamento na Rua do Prestígio. O apartamento valia R$ 100 e tinha uma vista maravilhosa para o mar. Um certo dia a prefeitura resolve construir um viaduto sobre a Rua do Prestígio. Ele passa na mesma altura da janela do apartamento de Zezinho, e agora tudo o que ele vê quando abre sua janela são as rodas dos carros. Seu apartamento passou a valer R$ 10 por conta da obra da prefeitura. Obviamente não poderá ser cobrada a contribuição de melhoria, pois não houve melhoria, e sim piora. O que cabe é um processo de indenização contra a prefeitura, se for o caso. As contribuições de melhoria não se confundem com os impostos porque nos impostos não há uma relação direta entre o que é cobrado e as atividades do Estado. Zezinho pode ter pago imposto a vida inteira sem nunca ter tido nenhuma obra do Estado beneficiando seu patrimônio. Na contribuição de melhoria, o Estado só pode cobrar porque realizou uma obra que teve impacto positivo no patrimônio de 257
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Para Entender Direito alguém. E elas não se confundem com as taxas porque são relacionadas a obras públicas e não a um serviço prestado ou posto à disposição pelo Estado. Além disso, as contribuições de melhoria só podem ser cobradas uma vez, enquanto as taxas podem ser cobradas regularmente ou sempre que o serviço é prestado. As contribuições de melhoria podem ser instituídas pela União, Estados, Distrito Federal e municípios.
7.1.6 – Empréstimos compulsórios Por fim temos os empréstimos compulsórios. Eles são bem raros. A última vez que houve a criação de um empréstimo compulsório foi em 1986, quando foi criado o empréstimo compulsório sobre o consumo de combustíveis e venda de automóveis. O empréstimo compulsório serve para duas coisas: para cobrir despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública ou de guerra externa (ou a iminência de uma guerra) ou para financiar investimentos públicos de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Obviamente, os recursos arrecadados são vinculados às despesas que levaram a sua criação; caso contrário, não haveria razão para cobrá-lo. Como o nome diz, é um empréstimo. E como todo empréstimo, ele deve ser restituído a quem o emprestou. A restituição deve ser feita na mesma quantidade (corrigida) e na mesma qualidade daquilo que foi pego emprestado. Uma das razões de o governo não gostar de usá-lo é justamente por ter de ser devolvido. Os empréstimos compulsórios só podem ser instituídos pela União.
Tributo
Imposto
Taxa
Quem pode
Características
instituir União, estados, DF e municípios União, estados, DF e municípios
Cobrado para financiar as atividades gerais do Estado. As receitas não têm vinculação com as despesas Cobrado pelo exercício do poder de polícia pelo Estado, ou por ele posto à disposição do contribuinte. É essencial que possa ser individualizado.
Contibuição
União, estados, DF e
Cobrado sobre o acréscimo de valor do patrimônio
de melhoria
municípios
particular decorrente de obra pública.
Empréstimo compulsósio
Contribuições
Cobrado para o financiamento de investimentos União
relevantes e urgentes. Deve ser integralmente restituído.
União (estados, DF e
Cobrado para o financiamento de atividades
municípios no caso
específicas do Estado. As receitas estão vinculadas
de contribuições
diretamente às despesas (não podem ser usadas para
258
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Para Entender Direito sociais)
outros fins)
7.2 – Fato gerador e base de cálculo Bem, vimos até agora quais são os tributos existentes, mas não vimos como eles são cobrados. Os tributos podem ser fixos ou variáveis. Os tributos fixos são aqueles cujo valor não varia. Por exemplo, o IPVA é um imposto fixo: o valor é o mesmo para todos os carros na mesma categoria, independente do valor real do carro. Tanto Zezinho quanto Huguinho pagarão o mesmo por seus Fuscas 1966, ainda que o de Huguinho seja um carro de colecionador e o de Zezinho seja apenas os restos daquilo que um dia foi um carro. Já os tributos variáveis são aqueles que são calculados aplicando uma alíquota (um percentual) sobre o valor do bem ou serviço. Por exemplo, no Imposto de Renda o montante a ser pago dependerá do valor das rendas da pessoa durante aquele ano. Esse valor sobre o qual o tributo é calculado é conhecido como base de cálculo. No exemplo acima, a renda auferida pelo contribuinte durante o ano. A definição de o que será a base cálculo de um tributo é importante porque dois impostos não podem ter a mesma base de cálculo ou fato gerador, da mesma forma que uma taxa não pode ter a mesma base de cálculo que um imposto. É o que chamamos de proibição de bis in idem. Mas não basta saber sobre como calcular, mas também necessário saber quando calcular. No capítulo 4, vimos que, como uma mão e uma luva, alguém só pode ser acusado de ter cometido um delito quando ele age exatamente como previsto na lei. Se alguém mata um leão não pode ser acusado de homicídio porque um leão não é “alguém” e por isso a luva (descrição feita pela lei) não encaixa perfeitamente na mão (ação da pessoa). O mesmo ocorre no direito tributário: só existe uma obrigação tributária quando ocorre o que se chama de fato gerador, que é a descrição abstrata do evento que gera a obrigação de pagar um tributo. 7.3 – Incidência, não-incidência, imunidade, isenção, alíquota zero e redução da base de cálculo Assim como para que ocorra um delito é necessário que a lei preveja que aquela ação é considerada delituosa, para que um tributo incida sobre uma ação, é necessário que essa ação esteja prevista como fato gerador de uma obrigação tributária. Em outras palavras, é necessário que haja a
incidência do tributo. Caso o legislador, voluntariamente ou não, não diga que determinada conduta é uma hipótese de incidência de um tributo, não se pode cobrar tributo sobre aquela conduta, pois trata-se de uma não-incidência. Se o legislador não fala que incide imposto sobre o consumo de ar, o governo não pode cobrar um “imposto do ar”. É uma não-incidência. E da mesma forma como o Código Penal fala que o médico que praticar aborto quando autorizado pela justiça não estará praticando crime, se o legislador disser explicitamente que “não incide imposto sobre o consumo do ar”, trata-se também de uma hipótese de 259
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Para Entender Direito não-incidência. No primeiro exemplo, o legislador deixou de falar sobre o tributo (involuntário). No segundo, ele falou, dizendo que não incidia (voluntário). Em ambos os casos, o efeito é o mesmo: nãoincidência. Mas nem sempre que ocorre o que seria um fato gerador a pessoa responsável será obrigada a pagar um tributo. Isso porque existem as imunidades, as isenções e as alíquotas zero. Cada um desses termos significa algo diferente:
Imunidade é quando o governo não pode impor um tributo sobre uma pessoa ou produto porque a própria Constituição impede. A própria Constituição estabelece a não-incidência sobre alguns bens e condutas. Por exemplo: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão” “Art. 149 §2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação” Nos casos das imunidades, não há a ocorrência do fato gerador. Para acabar com a imunidade tributária, apenas se a própria Constituição for emendada. Se o governo resolver cobrar imposto de importação sobre papel destinado à impressão de jornais, por exemplo, sua conduta será inconstitucional. Ele só pode cobrá-lo se modificar a própria Constituição. Já a isenção não é dada pela Constituição, mas por uma lei. Segundo o entendimento de boa parte dos juristas, na isenção, ao contrário da imunidade, ocorre o fato gerador, mas a autoridade que poderia constituí-lo fica impedida porque a lei concede isenção ao contribuinte. Na isenção, há a incidência do tributo e o fato gerador. O que não há é a permissão para que o governo constitua o tributo, ou seja, o governo não pode fazer com que aquela pessoa se torne uma devedora daquele tributo e, por conseguinte, não pode cobrá-lo. Para acabar com a isenção, basta modificar a lei que a concedeu. A Constituição não precisa ser tocada. Mas algumas vezes, mesmo que haja a incidência do tributo e não se trate de uma isenção, o contribuinte deixará de pagá-lo porque é um caso de alíquota zero. No caso da alíquota zero, a única razão pela qual o contribuinte não pagará o tributo é porque a alíquota que está incidindo sobre a base de cálculo é zero. Basta ela ser aumentada para que o contribuinte passe a ter de desembolsar o 260
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Para Entender Direito pagamento. Digamos que a base de cálculo fosse R$ 100. Se a alíquota é zero, o valor do tributo é 100 x 0%, o que dá R$ 0 de pagamento. Mas basta aumentar a alíquota e o valor do pagamento também aumenta. E por que alguém usaria a alíquota zero em vez de conceder a isenção tributária? Primeiro, porque politicamente é mais fácil aumentar ou diminuir uma alíquota do que acabar com uma isenção ou instituí-la, pois há menor desgaste político. Para se acabar ou instituir uma isenção é necessário o envolvimento do Legislativo, pois é necessário revogar ou criar uma lei que a conceda, mas para se alterar uma alíquota (especialmente no caso do IOF, IPI, do Imposto de Importação e do Imposto de Exportação), basta o Executivo. A velocidade com que isso é feito é bem maior: basta o decreto do presidente da República alterando a alíquota. Além disso, como é a alíquota, e não o tributo, que está sendo alterado, os efeitos ocorrem bem mais rapidamente, pois não é necessário respeitar o princípio da anualidade, que diz que um imposto só pode ser cobrado no exercício seguinte à sua constituição. Outro caso comum é a redução da base de cálculo. Aqui não é a alíquota que é alterada, mas o valor sobre o qual ela incide. Por exemplo, quando vamos preencher a declaração do Imposto de Renda, subtraímos vários tipos de despesas, como educação, plano de saúde etc. Essas despesas reduzem a base de cálculo sobre a qual iremos calcular o valor do tributo. Um outro princípio importante é o da anterioridade, que – como as normas de direito penal que estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina – prevê que uma lei tributária não pode retroagir no tempo para prejudicar o contribuinte: um novo tributo ou aumento da carga tributária só vale para os fatos geradores ocorridos depois da publicação da nova lei que o cria ou aumenta a carga tributária. 7.4 – Impostos Os impostos são os tributos mais presentes em nosso dia-a-dia e, por isso mesmo, os veremos com um pouco mais de atenção. Ao contrário do que acontece com os outros tributos, os quais a Constituição apenas diz que podem ser instituídos, sem entrar em detalhes, no caso dos impostos ela estabelece claramente quais impostos podem ser criados, e quem pode criá-los. E mais: ela divide quais impostos vão pertencer a quais esferas de poder. E uma não pode entrar na esfera da outra. Por exemplo, se um município resolve não cobrar IPTU, a União não pode fazer nada contra isso.
7.4.1 – Impostos da União São os seguintes os impostos que podem ser criados pela União: •
Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR),
•
Imposto de Importação (II),
•
Imposto de Exportação (IE),
•
Imposto Territorial Rural (ITR), 261
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Para Entender Direito
•
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),
•
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF),
•
Imposto sobre Grandes Fortunas, e
•
Impostos de guerra.
a) Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza O Imposto de Renda incide sobre qualquer tipo de renda (salários, lucros, juros e aluguéis) ou qualquer outro tipo de provento, ou seja, qualquer acréscimo patrimonial que não seja caracterizado como uma renda. Ele incide tanto sobre as rendas e proventos das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas privadas, por meio de regras distintas. A base de cálculo é o montante da renda ou provento tributável durante o ano fiscal (1º de janeiro a 31 de dezembro), embora em vários casos ele seja pago mensal ou trimestralmente, apenas procedendo o ajuste no fim do período. A base de cálculo pode ser real, arbitrada ou presumida, dependendo do caso. Seu fato gerador é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, ou seja, o momento a partir do qual a pessoa pode se dispor daquela renda ou provento, ainda que ela não a tenha ainda em mãos. A incidência do Imposto de Renda independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. Atualmente suas alíquotas vão de 7,5% a 27,5%, dependendo de renda do contribuinte, mas como esses valores e as bases de cálculos (valores sobre os quais eles incidem) variam com frequência, o melhor é sempre checar no site da Receita: www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/contribfont.htm.
b) Imposto de Importação O Imposto de Importação recai sobre os produtos e serviços importados. Sua base de cálculo, dependendo do produto ou serviço, pode ser um percentual sobre o valor do bem ou serviço importado (também chamada ad valorem porque recai sobre o valor do bem) ou específica (calculada não pelo valor da coisa, mas pela quantidade. Por exemplo, toneladas de determinado minério, litros de determinado combustível etc.). Seu fato gerador é a entrada do produto ou serviço no país, mas para evitar que, para pagarem menos imposto, os importadores subfaturem suas importações, a Receita pode considerar o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País. O Imposto de Importação serve, sobretudo, para evitar a entrada indiscriminada de produtos estrangeiros no Brasil, destruindo a indústria local.
c) Imposto de Exportação O Imposto de Exportação é usado muito raramente, e incide sobre produtos e serviços exportados pelo Brasil. Seu fato gerador é a saída do produto do país. 262
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Para Entender Direito Sua base de cálculo é similar à do Imposto de Importação: dependendo do produto ou serviço, pode ser o valor do bem ou serviço importado (ad valorem) ou específica (determinada pela quantidade exportada). E por que um governo aplicaria Imposto de Exportação, diminuindo a atratividade dos produtos nacionais contra os produtos de outros países no mercado internacional e, por conseguinte, a quantidade de divisas que o país recebe? Por vários motivos. Por exemplo, para evitar a entrada de divisas, especialmente em momentos de hiper inflação. Ou quando o país detém monopólio mundial sobre o produto exportado e a demanda internacional não varia de acordo com o preço cobrado (inelástica). O Imposto de Exportação também é cobrado quando é melhor para o país manter aquele tipo de produto no país (por exemplo, se há escassez de álcool combustível feito com cana-de-açúcar, o governo pode aumentar o Imposto de Exportação sobre o açúcar, diminuindo o incentivo que as indústrias teriam em usar a cana para fabricar o açúcar), ou quando se trata de um mercado interno que se deseja incentivar. Ele ainda pode ser cobrado por motivo de segurança. O país simplesmente pode desejar evitar que um produto seja facilmente acessível e por isso pode resolver cobrar impostos de exportação desestimulando sua exportação.
d) Imposto Territorial Rural O ITR incide sobre a propriedade, o domicílio útil ou a posse de imóvel localizado fora da zona o
urbana do município. Ele sempre foi da União, mas desde a emenda constitucional n 42 de 2003, os municípios passaram a poder a optar por fiscalizá-lo e cobrá-lo eles mesmos. A base de cálculo é o valor da terra nua (o valor da propriedade menos o valor das benfeitorias, plantações, pastagens e florestas plantadas). E o contribuinte é o dono ou possuidor do imóvel. As pequenas glebas
81
de terra na qual o proprietário trabalha diretamente com sua família são
imunes ao ITR. Já os imóveis rurais objetos de reforma agrária são isentos de ITR, desde que o assentamento seja explorado por associação ou cooperativa de produção e a fração por família fique dentro dos limites definidos como pequena gleba. Em nenhum dos dois casos o proprietário da pequena gleba ou o assentado pode ter outro imóvel, para ter direito à imunidade ou à isenção.
e) Imposto sobre Produtos Industrializados O IPI incide sobre os produtos industrializados e semi-industrializados ou que já passaram por alguma operação que modifique sua natureza ou finalidade, ou que o aperfeiçoe para o consumo. Ele recai tanto sobre produtos nacionais quanto importados.
82
No caso de produtos importados, o fato gerador é o desembaraço aduaneiro do produto. A base
81
A pequena gleba é definida em função de seu tamanho e localização: Localização Municípios compreendidos na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense Municípios compreendidos no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental Outros municípios 82
Tamanho <100 hectares <50 hectares <30 hectares
Também é possível a incidência de IPI sobre a arrematação de mercadorias. 263
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Para Entender Direito de cálculo é o preço da mercadoria acrescido do Imposto de Importação, das taxas de entrada e dos encargos cambiais. No caso de produtos nacionais ou nacionalizados, o fato gerador é a saída do estabelecimento do industrial ou comerciante. A base de cálculo, no caso, é o valor da operação ou, na sua falta, o preço de mercadoria concorrente ou similar. Sempre que o produto sair de um estabelecimento haverá a incidência do IPI. Mas este imposto é não-cumulativo, ou seja, não há o efeito cascata. Ele incide apenas sobre o valor agregado em cada operação, e não sobre o valor total pelo qual ele é repassado para a fase seguinte da cadeia de produção. Veremos isso com mais detalhe mais para frente neste capítulo, quando falarmos de tributos em cascata. Além de ser não-cumulativo, o IPI é seletivo em função da essencialidade do produto, ou seja, produtos supérfluos pagam alíquotas maiores, enquanto produtos essenciais pagam alíquotas menores.
f) Imposto sobre Operações Financeiras O IOF incide sobre cinco tipos distintos de operações financeiras: •
Operações de crédito realizadas por instituições financeiras;
•
Operações de câmbio;
•
Operações de seguro realizadas por seguradoras;
•
Operações relativas a títulos e valores mobiliários; e
•
Operações com ouro, quando considerado ativo financeiro ou instrumento cambial
Cada uma dessas operações tem um fato gerador, uma base de cálculo e alíquotas específicas. O fato gerador das operações de crédito é a entrega total ou parcial do valor ou sua colocação à disposição do interessado. A base de cálculo é o valor total (valor do empréstimo mais os juros). O fato gerador das operações de câmbio é a entrega em moeda nacional ou estrangeira (ou do documento que a represente) ou sua colocação à disposição do interessado. A base de cálculo é o montante (em moeda nacional) que foi posto à disposição, entregue ou recebido. O fato gerador das operações de seguro são a emissão da apólice ou o recebimento do prêmio, e a base de cálculo é o montante do prêmio. O fato gerador das operações com títulos e valores mobiliários (ações, notas promissórias etc.) é a emissão, a transmissão, o pagamento ou o resgate desses títulos. A base de cálculo é, no caso da emissão, o valor nominal do título (mais ágio, se houver). No caso da transmissão de uma pessoa para outra, é o valor da cotação em bolsa ou do preço ou do valor nominal, dependendo do caso. E no caso do pagamento ou resgate do título, o valor pago ou resgatado. O fato gerador das operações com ouro é a apenas a primeira aquisição efetuada pela instituição financeira. A base de cálculo é o preço do ouro.
g) Imposto sobre Grandes Fortunas Esse é um imposto que ainda não existe. O que existe é a autorização constitucional para que ele possa ser criado por meio de lei complementar. Como ainda não existe a lei, não há como dizer como 264
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Para Entender Direito ele será, se vier a ser criado algum dia.
h) Impostos de guerra Quando o país encontrar-se em guerra ou em sua iminência, a União poderá criar extraordinariamente impostos para financiar as atividades de guerra. Os fatos geradores podem ser, inclusive, aqueles sobre os quais já incidam outros impostos. Como a Constituição não fala como esses impostos serão criados, eles podem ser criados através de lei ordinária.
i) Outros impostos Além dos impostos acima, a União também pode criar, por meio de lei complementar, outros impostos desde que não tenham fato gerador ou base de cálculo igual aos de outros impostos. É a chamada competência residual. Foi através dela que se tentou criar o IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira), que depois foi substituído pela CPMF (que é uma contribuição, e não um imposto, como já vimos).
7.4.2 – Impostos estaduais Os Estados podem criar três impostos: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD)
a) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação O ICMS, junto com o Imposto de Renda, talvez seja o imposto mais complexo no Brasil. Isso porque além das legislações estaduais a seu respeito, ele também sofre interferência do Senado Federal: embora o ICMS seja um imposto estadual e que, por isso, é regulamentado por leis estaduais, o Senado Federal, por meio de resolução, estabelece as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais e de exportação, além de poder estabelecer alíquotas mínimas para as operações ocorridas dentro do próprio Estado (evitando a chamada guerra fiscal entre os Estados, nas quais um Estado não cobra ICMS das empresas que resolvam se instalar em seu território), e alíquotas máximas para essas mesmas operações internas se elas gerarem conflitos de interesse com outros Estados. O ICMS incide sobre vários tipos de transação, definidos pelo art. 2º da lei complementar 87/96: “Art. 2º O imposto incide sobre: I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores; III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a 265
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Para Entender Direito ampliação de comunicação de qualquer natureza; IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios; V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao Imposto sobre Serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual. § 1º O imposto incide também: I - sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo permanente do estabelecimento; II - sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente” Como existem várias transações sobre as quais incidem o ICMS, também existem vários fatos geradores e suas bases de cálculo: Fato gerador
Base de cálculo
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do
O valor da operação
mesmo titular; II - do fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento;
O valor da operação, compreendendo mercadoria e serviço
III - da transmissão a terceiro de mercadoria depositada em armazém geral ou em depósito fechado, no Estado
O valor da operação
do transmitente; IV - da transmissão de propriedade de mercadoria, ou de título que a represente, quando a mercadoria não
O valor da operação
tiver transitado pelo estabelecimento transmitente; V - do início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza; VI – do ato final do transporte iniciado no exterior; VII - das prestações onerosas de serviços de comunicação, feitas por qualquer meio, inclusive a
O preço do serviço O preço do serviço O preço do serviço
266
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Para Entender Direito geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; VIII - do fornecimento de mercadoria com prestação de serviços: a) não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
O valor da operação
b) compreendidos na competência tributária dos Municípios e com indicação expressa de incidência do
O preço corrente da mercadoria
imposto de competência estadual, como definido na lei
fornecida ou empregada
complementar aplicável; O valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de IX - do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior;
importação, mais Imposto de Importação, mais o IPI, mais o IOF, mais quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras O valor da prestação do serviço,
X - do recebimento, pelo destinatário, de serviço
acrescido, se for o caso, de todos
prestado no exterior;
os encargos relacionados com a sua utilização
XI - da aquisição em licitação pública de mercadorias ou bens importados do exterior apreendidos, ou abandonados;
O valor da operação acrescido do valor dos II e IPI e de todas as despesas cobradas ou debitadas ao adquirente
XII - da entrada no território do Estado de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à
O valor da operação de que decorrer a entrada
industrialização; XIII - da utilização, por contribuinte, de serviço cuja
O valor da prestação no Estado de
prestação se tenha iniciado em outro Estado e não
origem (alíquota a ser utilizada é a
esteja vinculada a operação ou prestação
diferença entre a alíquota interna e
subsequente”
a interestadual)
Para piorar, ao contrário dos outros impostos, o ICMS é calculado “por dentro”, isto é, o valor do próprio imposto entra na sua base de cálculo. Para se calcular o valor do ICMS, é necessário somar o
267
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Para Entender Direito próprio valor dele na base de cálculo.
83
Por exemplo, se um produto vale R$ 100, e a alíquota do ICMS é
de 10%, o valor do ICMS é R$ 10 (e o valor real do produto é R$ 90). Isso porque os 10% são calculados não como adição ao valor final do produto (R$ 100 + R$ 10), mas como subtração do valor final. Em outras palavras, em vez de o comerciante vender seu produto por R$ 110 e entregar R$ 10 ao governo (e ficar com R$ 100 para ele), ele o vende por R$ 100 e entrega R$ 10 ao governo (e fica com R$ 90). Só que R$ 10 equivale a uma alíquota real de 11,11% (e não 10% como parecia). Um Estado que tem uma alíquota de 25% de ICMS sobre conta telefônica na verdade está praticando uma alíquota de 33% (a empresa telefônica fica com 75% do valor e é obrigada a repassar 25% para o governo. Fazendo os cálculos, R$ 25/R$ 75 = 33%). Se esse mesmo Estado aumenta alíquota para 30% (um aumento de 5 pontos percentuais), o aumento real é de dez pontos percentuais (a empresa telefônica agora fica com R$ 70 e repassa R$ 30 ao governo. Fazendo os cálculos, temos uma alíquota real de R$ 30/R$ 70 = 43%).
O ICMS, como o IPI, também é não-cumulativo, ou seja, só incide sobre o valor agregado. Veremos mais a respeito de tributos não-cumulativos e tributos em cascata mais adiante neste capítulo. Como se não bastassem todos esses detalhes, existe ainda mais um complicador: o ICMS incide sobre produtos que são enviados pelo industrial ou comerciante de um Estado para o comerciante ou industrial de outro Estado, e, neste caso, ele deve ser dividido entre as duas unidades federativas.
84
Enquanto o IPI é obrigatoriamente seletivo (alíquotas maiores para produtos menos essenciais, como cigarro, bebidas, e alíquotas menores para produtos mais importantes como remédios, instrumentos de trabalho etc.), o ICMS pode ser seletivo. A Constituição não obriga os Estados a fazerem com que o ICMS seja seletivo, mas apenas, como orientação, diz que eles devem tentar fazê-lo seletivo. 83
O IPI é excluído da base de cálculo do ICMS se incidir IPI e ambas as partes envolvidas na transação forem contribuintes do IPI. 84 Neste caso, o Estado onde está localizado o destinatário da mercadoria tem direito a ficar com o imposto resultante da diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual. Já nas transações em que há o envio de mercadoria de um Estado para o consumidor final (aquele que não é contribuinte do ICMS) no outro Estado, aplicase a alíquota interna do Estado onde está a empresa remetente. Atualmente não incide ICMS sobre mercadorias destinadas ao exterior. 268
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Para Entender Direito
b) Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores O IPVA incide sobre a propriedade de veículos automotores, que inclui não só carros e motos, mas também caminhões, ônibus, aeronaves e barcos. Seu fato gerador é a propriedade do veículo e sua base de cálculo é, em geral, o valor de mercado daquela classe (modelo + ano) de veículo, e não o valor de um veículo em particular. Em outras palavras, não importa se o Fusca 1966 de Zezinho está menos conservado que o Fusca do mesmo ano de Huguinho: ambos têm a mesma base de cálculo e pagam o mesmo valor de IPVA. As alíquotas mínimas do IPVA são fixadas pelo Senado Federal, ainda que o imposto seja estadual. Isso para evitar que as pessoas – especialmente locadoras e donas de grandes de frotas – comecem a registrar suas frotas em outros Estados para pagarem menos IPVA.
c) Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações O ITCMD é o imposto que pagamos quando herdamos os bens de alguém. Quando herdamos os bens imóveis, o imposto é revertido para o Estado onde o bem está situado. Quando herdamos bens móveis ou títulos, o ITCMD é destinado ao Estado no qual o inventário está sendo ou foi feito. Para evitar que as pessoas passassem a doar seus bens em vida para evitar que seus herdeiros ficassem livres deste imposto quando recebessem a herança, a Constituição estabeleceu que ele também incide sobre as doações. O fato gerador é o recebimento da herança pelo herdeiro ou da doação pelo beneficiário, e a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens (ou direitos) herdados. Embora seja um imposto estadual, sua alíquota máxima (8%) é estabelecida pelo Senado Federal.
7.4.3 – Impostos municipais Os municípios podem instituir e cobrar três impostos: o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), e o Imposto sobre Transmissão de Bens Inter Vivos (ITBI)
a) Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana O IPTU é um dos impostos mais lembrados porque afeta a quase todos nós de forma muito direta. Ele incide sobre as propriedades, e seu fato gerador é a propriedade, a posse ou o domínio de um terreno ou de uma edificação que esteja localizado no perímetro urbano do município. O perímetro urbano é definido como o local que possui ao menos dois dos seguintes benefícios (construídos ou mantidos pelo poder público): •
85
Meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
85
A lei municipal pode considerar urbana a área urbanizável, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizada fora das zonas com dois dos benefícios descritos. 269
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Para Entender Direito
•
Abastecimento de água;
•
Sistema de esgotos sanitários;
•
Rede de iluminação pública, com ou sem poste para distribuição domiciliar;
•
Escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros do imóvel.
Sua base de cálculo é o valor de venda do imóvel (sem os móveis), e a alíquota poderá variar dependendo de sua localização, valor e utilização. Além disso, a alíquota pode ser progressiva (aumentar com o passar dos anos) para fazer com que o imóvel que não esteja atendendo sua função social seja ajustado. Assim, por exemplo, um terreno que é mantido desocupado em uma área urbana poderá ao longo do tempo pagar mais e mais IPTU como uma forma de forçar o dono a parar de usá-lo para especulação e vendê-lo ou construir algo ali.
b) Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza O ISS incide basicamente nos serviços sobre os quais não incide o ICMS. A lei complementar 116/03 traz uma lista com os 198 tipos de serviços que podem estar sujeitos ao ISS. Mas isso não quer dizer que esses serviços estejam de fato sujeitos ao imposto. O ISS só incidirá sobre os serviços que a lei ordinária municipal que instituí-lo declarar como sujeitos ao ISS. Também é a lei complementar 116 que estabelece a alíquota máxima que pode ser cobrada pelos municípios, caso eles decidam instituir o ISS (5%). O fato gerador é a prestação do serviço em si, e a base de cálculo é o valor do serviço prestado.
c) Imposto sobre Transmissão de Bens Inter Vivos O ITBI é o imposto que pagamos quando compramos um imóvel. Seu fato gerador é a transmissão onerosa do imóvel ou do direito sobre ele (ou seja, o registro no cartório de registro de 86
imóveis ), e a base de cálculo é seu valor de venda. A palavra onerosa é muito importante aqui. Se for doação, já vimos, incide o ITCMD e não o ITBI. Além disso, na aquisição da propriedade por meio do usucapião, por ela não ser onerosa, também não há ITBI (e tampouco ITCMD, pois não houve doação). Da mesma forma, dependendo do disposto na lei municipal e estadual, se na separação do casal (ou na partilha da herança) uma das partes fica com uma parte maior dos bens imóveis do que deveria, e se ela compensou essa discrepância às outras partes, tratou-se de uma transferência onerosa e, por isso, incide o ITBI. Além disso, se um dos cônjuges apenas desistiu de sua parte do imóvel, houve uma transferência gratuita. Neste caso, houve doação e, por isso, é possível, em teoria, incidir o ITCMD sobre a diferença entre o que o cônjuge que ficou com os bens deveria receber e de fato recebeu. O Código Tributário Nacional não determina quem é que deve pagar o imposto (se o comprador ou o vendedor). Por isso quem deve determiná-lo é a lei municipal que instituir o imposto. Via de regra, é o comprador. Esfera
86
Imposto
Incidência
Na prática, o ITBI é exigido no momento da lavratura da escritura pública definitiva da compra e venda. 270
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Para Entender Direito
•
Imposto de renda (IR)
•
Renda (juros, aluguéis, lucro e juros) e qualquer outro tipo de proventos
•
Imposto sobre produto industrializado
•
Valor agregado pela manufaturação
•
Propriedade
(IPI) •
Imposto territorial rural (ITR)*
de
imóvel
rural
(sítios,
fazendas etc)
Federal •
Imposto de importação
•
Importação de bens e serviços
•
Imposto de exportação (IE)
•
Exportação de bens e serviços
•
Imposto sobre operações financeiras
•
Operações financeiras (exclui poupança)
•
Financiamento de guerra
•
Valor
(IOF)
Estadual
•
Imposto de guerra
•
Imposto
•
sobre
a
circulação
ser
circulação
de
mercadorias, serviços, transporte público,
natureza (ICMS)
comunicação etc.
Imposto
sobre
a
propriedade
de
•
Imposto de transmição de bens causa Imposto sobre serviços (ISS)
Propriedade de veículos automotores (carros, motos, barcos, aeronaves etc)
•
mortis e doações (ITCMD) •
na
mercadorias e serviços de qualquer
veículos automotores (IPVA) •
agregado
Tranferência
de
bens
por
meio
de
doação, herança ou legado •
Prestação de serviços sobre os quais não incida ICMS
Municipal
•
Imposto sobre transferência de bens
•
inter vivos (ITCMD) •
Imposto sobre propriedade territorial urbana (IPTU)
Transferência de imóveis entre pessoas (físicas ou jurídicas) vivas.
•
Propriedade de imóvel urbano (terrenos, casas, apartamentos, etc)
* É facultado aos municípios cobrarem o ITR diretamente, desde que isso não implique na redução ou renúncia tributária
Além disso, a União pode instituir outros impostos, desde que não tenham fato gerador ou base de cálculo de um imposto já existente. Foi por isso, por exemplo, que o IPMF (imposto provisório sobre movimentação financeira) foi julgado inconstitucional, pois tinha a base de cálculo de outro imposto, o IOF).
7.4.4 – Impostos do Distrito Federal O Distrito Federal, embora esteja na mesma esfera de poder que os Estados, pode instituir e cobrar os impostos de competência dos municípios. Isso porque seria injusto que as pessoas que habitam no Distrito Federal pagassem menos impostos que aquelas em que habitam em qualquer outro lugar do país, apenas porque o Distrito Federal não possui municípios dentro dele.
7.4.5 – Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições) 271
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Para Entender Direito O simples (ou “Simples Nacional”) não é um tipo de imposto, mas uma forma de pagamento de 87
impostos e contribuições. Através dele, as micro e pequenas empresas , devido a seu tamanho, têm a opção de pagar tanto os impostos quanto as contribuições de forma simplificada. Através do Simples, a empresa paga, simultaneamente, o Imposto de Renda, o IPI, o PIS, a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), a Cofins, o PIS/Pasep, ICMS, e o ISS. As alíquotas são progressivas (aumentam de acordo com a receita da empresa) e dependem do ramo no qual a empresa opera.
Receita bruta em 12 meses
88
Serviços e Comércio
Indústria
Locação de
Serviços
imóveis
Até R$180 mil
4,00%
4,50%
6,00%
4,50%
Até R$ 360 mil
5,47%
5,97%
8,21%
6,54%
Até R$ 540 mil
6,84%
7,34%
10,26%
7,70%
Até R$ 720 mil
7,54%
8,04%
11,31%
8,49%
Até R$ 900 mil
7,60%
8,10%
11,40%
8,97%
Até R$ 1,08 mi
8,28%
8,78%
12,42%
9,78%
Até R$ 1,26 mi
8,36%
8,86%
12,54%
10,26%
Até R$ 1,4 mi
8,45%
8,95%
12,68%
10,76%
Até R$ 1,62 mi
9,03%
9,53%
13,55%
11,51%
Até R$ 1,80 mi
9,12%
9,62%
13,68%
12,00%
Até R$ 1,98 mi
9,95%
10,45%
14,93%
12,80%
Até R$ 2,16 mi
10,04%
10,54%
15,06%
13,25%
Até R$ 2,34 mi
10,13%
10,63%
15,20%
13,70%
Até R$ 2,52 mi
10,23%
10,73%
15,35%
14,15%
Até R$ 2,70 mi
10,32%
10,82%
15,48%
14,60%
Até R$ 2,88 mi
11,23%
11,73%
16,85%
15,05%
Até R$ 3,06 mi
11,32%
11,82%
16,98%
15,50%
Até R$ 3,24 mi
11,42%
11,92%
17,13%
15,95%
Até R$ 3,42 mi
11,51%
12,01%
17,27%
16,40%
Até R$ 3,60 mi
11,61%
12,11%
17,42%
16,85%
87
Uma microempresa é aquela que tem faturamento anual bruto (excluídos os descontos incondicionais e as vendas canceladas) inferior a R$ 360 mil, e uma pequena empresa aquela que tem faturamento anual bruto inferior a R$ 3.6 milhões 88 Seguem regras especiais as empresas cujo negocio seja administração e locação de imóveis de terceiros; academias de dança, de capoeira, de ioga e de artes marciais; academias de atividades físicas, desportivas, de natação e escolas de esportes; elaboração de programas de computadores, inclusive jogos eletrônicos, desde que desenvolvidos em estabelecimento do optante; licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação; planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas, desde que realizados em estabelecimento do optante; escritórios de serviços contábeis; serviço de vigilância, limpeza ou conservação, bem como outras sociedades que podem requerer o simples mas não se encaixem nas categorias acima. 272
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Para Entender Direito
7.4.6 – Imposto com alíquotas progressivas e seletivas Impostos com alíquotas progressivas são aqueles cujas alíquotas aumentam (ou diminuem) dependendo do valor da base de cálculo ou de alguma característica do objeto que está sendo tributado. Por exemplo, imagine que no IR da pessoa jurídica, a alíquota aumenta de 0% para 15% se a pessoa fatura mais de R$ 900 mensais, e para 25% se ela fatura mais de R$1.800 mensais: quanto mais ela fatura, maior a alíguota. No caso do IPTU e do ITR, a alíquota é progressiva se a propriedade não atende sua função social: elas aumentam de ano a ano se elas não atenderem sua função social. A alíquota progressiva não é a mesma coisa que a alíquota seletiva, que significa que bens ou transações distintas terão alíquotas distintas dependendo se sua essencialidade ou sua importância, como é o caso do IPI, do II e do ICMS. Seletividade tem a ver com a importância do bem, enquanto a progressividade tem a ver com o valor da base de cálculo ou alguma característica especial do fato gerador.
7.4.7 – Imposto direto e imposto indireto Existe na doutrina a diferenciação entre imposto direito e indireto. Direto é aquele que é pago pela pessoa que tem a obrigação de pagá-lo. Já o indireto é repassado pela pessoa que tem a obrigação de pagá-lo para frente. Por exemplo, no IPTU, IPVA, IR, o contribuinte é quem paga o imposto. Por isso são impostos diretos. Já o IPI e o ICMS são impostos indiretos, porque embora pagos pelas empresas, são repassados para o consumidor final. Na prática, essa diferenciação não tem tanta importância, porque qualquer pessoa (física ou jurídica) antes de incidir no fato gerador, leva em conta quanto daquele imposto poderá ser, de alguma forma, repassado para frente. Por exemplo, quando Zezinho resolve aceitar um emprego com um salário de R$ 2 mil, ele sabe que parte deste salário será convertida em Imposto de Renda. Logo, se seu objetivo é receber R$ 2 mil líquidos, ele apenas aceitará o emprego se o salário for de R$ 2 mil mais o que será descontado como Imposto de Renda. Em outras palavras, ele terá, ainda que indiretamente, repassado o imposto a seu empregador. Se Huguinho resolve comprar uma casa, ele apenas a comprará se o que for pagar de IPTU for compensado pelo montante de aluguel que ele conseguirá gerar com a casa.
7.4.8 – Imposto pessoal e imposto real Já a diferença entre imposto pessoal e imposto real é importante, pois produz resultados bem distintos. Imposto pessoal é aquele que leva em conta a situação do contribuinte. Já o imposto real é aquele que incide sobre o bem, independentemente da situação do contribuinte. Por exemplo, o IR leva em conta quanto a pessoa teve de rendas durante o ano. Logo, se Zezinho e Huguinho tiveram rendas diferentes, pagarão valores diferentes de Imposto de Renda. Já o IPTU não leva em conta a situação econômica do indivíduo. Por exemplo, se Duduzinho morreu e deixou duas casas absolutamente idênticas no mesmo quarteirão, uma para Zezinho e outra para Huguinho, 273
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Para Entender Direito ambos pagarão o mesmo IPTU, ainda que Zezinho seja pobre e Huguinho seja milionário. Isso porque o imposto real não olha a situação do contribuinte, mas apenas o bem sobre o qual incide. De uma forma simplista, o impostos reais incidem sobre o consumo (as pessoas que consomem mais tendem a pagar mais impostos reais), enquanto os impostos pessoais incidem sobre a renda (as pessoas que recebem mais tendem a pagar mais impostos pessoais). Ora, mas não seria lógico que esses dois números fossem iguais, já que a pessoa consome aquilo que recebe? Não exatamente. Por vários motivos, mas especialmente porque (1) a forma de recolhimento é distinta e (2) existe uma diferença entre os dois números, causada pelas poupanças e pelos empréstimos. Via de regra, a cobrança dos impostos reais tende a ser mais fácil se há controle das vendas, isso porque ele deixaria menos brecha para sonegação. Por exemplo, se todas as vezes que compramos alguma coisa exigimos a nota fiscal, fica fácil para o governo controlar as receitas geradas pelo consumo e, portanto, controlar o quanto de imposto deve recolher. Mas se não há mecanismos de controle (por exemplo, se a economia informal é grande, ou se é comum venda sem nota fiscal), o controle da arrecadação do imposto real se torna tão ou mais complicado que do imposto pessoal. Além disso, nem tudo que é recebido é consumido, e nem tudo que é consumido é baseado naquilo que é recebido. Algumas pessoas – especialmente aquelas que já têm mais ou são mais velhas – tendem a poupar mais, e por isso gastam um percentual menor de suas rendas. Por causa disso, o imposto real tende a ser mais benéfica às pessoas mais ricas, pois elas consomem menos em relação ao que recebem e por isso tendem a pagar menos, enquanto se o imposto for baseado em suas rendas, elas tem de pagar mais. Outras pessoas – especialmente aquelas que têm menos ou são mais novas (ou já são aposentadas) – tendem a consumir mais um percentual maior do que recebem. Algumas, até consomem mais do que recebem (para isso, elas usam suas poupanças ou pegam empréstimos). Imagine um recém formado que precisa comprar sua primeira casa, geladeira, fogão etc, ou um aposentado, que recebe uma renda limitada. Para essas pessoas, o imposto real tende a ser pior, pois elas consomem mais e o imposto real incide sobre o consumo, por isso elas acabarão pagando mais imposto do que se tivessem que pagar imposto pessoal. Há uma controvérsia interminável em torno desse assunto, e há sempre argumentos nos dois sentidos para qualquer um dos dois tipos de impostos. Por exemplo, em países onde as pessoas tendem a ter rendas mais parecidas, o imposto real é justo, já que há menor chance de arbitrariedade, de sonegação e as pessoas têm padrões de consumos relativamente similares. Já em países onde a distribuição de renda é menos igualitária, o imposto real é melhor porque ele recai sobre aqueles que consomem mais, e são os ricos que consomem mais. Por outro lado, pode-se dizer que o imposto pessoal é melhor em países com boa distribuição de renda porque, como todos têm rendas parecidas, todos tendem a pagar o mesmo. Mas também se pode dizer que ele é melhor em países com pior distribuição de renda pois, como ele incide sobre a renda, os ricos pagarão mais. Como disse, uma discussão em que sempre se encontrarão bons argumentos dos dois lados. O que se pode ter certeza é que:
274
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Para Entender Direito O imposto real não leva em conta a capacidade contributiva das pessoas e envolve um juízo de valor maior, se formos aplicar alíquotas distintas dependendo se o produto é mais ou menos essencial (seletivos). Por exemplo, o ICMS e o IPI são impostos reais seletivos: tributam produtos diferentes com alíquotas diferentes. Ora, mas alguém vai precisar definir quais as alíquotas deve aplicar, e isso envolve milhares de juízos de valor. Uma coisa é dizer que Zezinho, que recebeu R$ 10 mil em um ano, deve pagar menos imposto que Huguinho, que recebeu R$ 100 mil, outra coisa, bem mais complicada, é definir quais alíquotas aplicar sobre os produtos que eles consumirão. O que é mais importante: um medicamento ou um bem da cesta básica? Outro exemplo: se Huguinho gastar todo seu dinheiro comprando arroz para especular, ele talvez acabe pagando menos imposto real do que Zezinho, que gastou seu dinheiro para comprar um carro para evitar gastar duas horas para chegar ao trabalho todos os dias. E mais: se Duduzinho, que também recebeu R$ 100 mil, não gastar nada (ou gastar tudo fora do país ou no mercado informal), ele não pagará nada de imposto real. Todos os anos, na época do pagamento do IPTU, a TV traz uma matéria com alguma senhora idosa que mora em uma bela casa que foi deixada pelo marido, recebe um salário mínimo de aposentadoria, e não tem como pagar o IPTU. Isso porque o IPTU é um imposto real, ou seja, ele não leva em conta a capacidade contributiva da pessoa, mas apenas o valor do patrimônio. No imposto real, não interessa a situação pessoal de quem deve pagar o tributo. Já o imposto pessoal é quase sempre mais difícil de ser cobrado pelo Fisco e não leva em conta como as rendas são gastas. Muitos dos contribuintes simplesmente não declaram, ou declaram menos do que deveriam. E isso inclui alguns dos grandes segmentos, como empresas, profissionais liberais e profissionais que trabalham na economia informal, o que acaba sobrecarregando os trabalhadores assalariados. Além disso, ele tem sempre mais brechas para planejamento tributário (que é feito por quem tem dinheiro para contratar bons contadores e advogados). O resultado é que, como a experiência brasileira mostra, quem tem maior renda não necessariamente paga mais Imposto de Renda. Além disso, imposto pessoal não leva em consideração como a pessoa está gastando sua renda. Se Duduzinho e Huguinho recebem a mesma renda, e Duduzinho gasta tudo em jujuba e Huguinho gasta tudo em remédios para sua avó, ambos pagam o mesmo imposto pessoal. No fim, é uma questão menos jurídica e muito mais de opção da sociedade. Real
Pessoal
ITR
Renda
ITCMD Direto
IPVA IPTU ITBI
Indireto
(Grandes fortunas, quando – e se – for instituído)
IPI
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Para Entender Direito IOF
89
II IE ICMS ISS
7.5 – Substituição tributária e fato gerador presumido Esses dois termos são constantemente usados pelos tributaristas, por isso vale a pena vermos o que eles significam.
Fato gerador presumido acontece quando a lei não verifica se houve o fato gerador, mas cobra o tributo porque presume que ele ocorreu. Por exemplo, se Zezinho é dono de um boteco e compra mil engradados de cerveja em uma semana e na semana seguinte compra outros mil, qual é a presunção lógica? Que os primeiro mil engradados tenham sido vendidos, afinal o negócio de Zezinho é vender cerveja e não colecioná-la. A substituição tributária está quase sempre relacionada ao fato gerador presumido. Ela ocorre quando a lei presume que o fato gerador ocorreu ou ocorrerá, e obriga uma pessoa – que não é o contribuinte, mas que está relacionada ao fato gerador – a pagar o imposto devido. Esta pessoa depois pode se “ressarcir” junto àquele que seria o contribuinte. Vimos que Zezinho comprou mil engradados de cerveja para seu boteco. O problema é que existem milhões de botecos espalhados pelo Brasil. Mas existem muito poucas cervejarias produzindo as cervejas que esses botecos compram. O que é mais fácil: fiscalizar os milhões de botecos ou as cervejarias? As cervejarias, claro. Por isso, as cervejarias pagam o tributo – normalmente o IPI e o ICMS – em lugar dos botecos e depois embutem esse valor nas notas fiscais dos botecos. Por exemplo, se a Cervejaria Porre teria que pagar R$ 100 de IPI e os cem botecos para os quais ela vende a cerveja teriam que pagar R$ 1 de IPI cada um, a Cervejaria Porre pagará R$ 200 (os R$ 100 que ela deve e os R$ 100 que ela pagará no lugar dos botecos). Obviamente ela terá direito de receber dos botecos o imposto que ela pagou no lugar deles (R$ 100). Em resumo, em vez de o governo fiscalizar os impostos em cada um dos milhares de bares do Brasil, ele passa indiretamente essa obrigação para as poucas empresas produtoras de cerveja, que agora passam a ter um incentivo para fazer com que a lei seja cumprida. A substituição pode ocorrer tanto “para frente” (progressiva) quanto “para trás” (regressiva). No exemplo que acabamos de ver, ela é “para frente”, pois a cervejaria está pagando o imposto que é devido pelas pessoas que a sucedem na cadeia de produção. Por outro lado, existem milhões de produtores de leite no país, mas relativamente poucas cooperativas que pasteurizam e embalam esse leite. Neste caso, o governo pode preferir cobrar o ICMS devido pelos produtores de leite das próprias 89
Segundo alguns juristas, o IOF pode ser direto ou indireto, dependendo se ele foi cobrado do contribuinte final ou não. 276
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Para Entender Direito cooperativas, ou seja elas pagam o seu próprio ICMS e o ICMS das etapas antecedentes na cadeia de produção. Novamente, a lei presume que houve o fato gerador (afinal, o leite chegou à cooperativa!). 7.6 – Tributo em cascata e por valor agregado (não-cumulativo) Quando falamos de IPI e de ICMS, vimos que eles são não-cumulativos. Isso significa que eles são calculados sobre o valor agregado em cada etapa do processo produtivo. O contrário do tributo não-cumulativo é o chamado tributo em cascata, que é aquele em que os tributos pagos nas etapas anteriores são desconsiderados. Vamos ver como eles funcionam na prática: Vamos imaginar um exemplo bem simples: Zezinho resolve fundar uma empresa, a Zezinho Vinhos Românticos Ltda, que produz vinhos. Ele compra as uvas (matéria-prima) de um intermediário que, por sua vez, as compras do vinicultor. Depois de fabricar o vinho, Zezinho o vende ao distribuidor, que por sua vez o vende ao supermercado. Vamos supor que o produtor não gaste nada para produzir as uvas e que as venda por R$ 100 ao distribuidor, que as vende por R$ 140 a Zezinho. Depois de fabricar o vinho, Zezinho o vende por R$ 220 ao distribuidor, que o revende por R$ 240 ao supermercado, que o vende por R$ 300 ao consumidor final. A diferença entre o preço pelo qual cada empresa compra e pelo preço que ela vende chama-se valor agregado, ou seja, é o valor correspondente aos esforços agregados por aquela empresa no produto final. Compra por
Vende por
Valor agregado
Produtor
R$
-
R$ 100
R$
100
Intermediário
R$ 100
R$ 140
R$
40
Manufaturador
R$ 140
R$ 220
R$
80
Distribuidor
R$ 220
R$ 240
R$
20
Vendedor final
R$ 240
R$ 300
R$
60
Vamos imaginar dois cenários distintos. No primeiro, o tributo é calculado sobre o valor agregado. No segundo, sobre o valor nominal do produto (valor pelo qual ele foi vendido). Em ambos os casos, vamos imaginar uma alíquota de 10%. No primeiro estágio da cadeia produtiva, o produtor não gastou nada para produzir suas uvas e as vendeu por R$ 100, logo, agregou R$ 100. Se o tributo for calculado sobre o valor nominal pelo qual ele foi vendido ao intermediário, teremos: 10% x R$ 100 = R$ 10. Se ele for calculado sobre o valor agregado, teremos: 10% x R$ 100 = R$ 10. Aparentemente não houve diferença. Mas vamos continuar no próximo estágio da cadeia produtiva: o intermediário. Ele comprou a uva por R$ 100 e a vendeu por R$ 140, ou seja, agregou R$ 40. Se o tributo for calculado sobre o valor nominal pelo qual ele foi vendido ao manufaturador, teremos: 10% x R$ 140 = R$ 14. Se ele for calculado sobre o valor agregado, teremos: 10% x R$ 40 = R$ 4. Uma diferença de R$ 10! Se calcularmos para todas as etapas, teremos:
277
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Se olharmos a soma dos tributos pagos em cada um dos casos veremos que, se ele for cobrado em cascata, um terço do valor final do vinho (R$ 100) foi para o governo. Se o tributo for cobrado de forma não-cumulativa, por outro lado, o governo fica apenas com 10% do valor do produto (R$ 30), que é o valor da alíquota. O IPI e o ICMS são não-cumulativos, mas outros tributos, como a CPMF e o IOF acabam incidindo em cascata. 7.7 – Distribuição das receitas tributárias Já vimos quem pode instituir e cobrar os impostos, mas isso não quer dizer que quem os cobra é quem fica com eles. No caso dos impostos, o ente superior muitas vezes é obrigado pela Constituição a dividir uma parte ou todo com as outras esferas de poder. Assim, por exemplo, nem todo o IR recolhido pela União fica com ela. Uma parte vai para os Estados e outra para os municípios. Vamos começar pela repartição da receita do Imposto de Renda, que é a mais complexa: Do total arrecadado pela União, os Estados e o DF ficam com tudo (100%) do IR que incidiu sobre a folha de pagamento de seus próprios servidores. Por exemplo, se Zezinho é professor de uma escola estadual, o IR que ele paga não fica com a União, mas com o Estado no qual ele dá aula. O mesmo vale para os municípios. Se Zezinho for professor de uma escola municipal, o IR que ele recolhe pertence ao município no qual ele trabalha (mas se Zezinho é professor de uma escola particular, o IR que ele paga pertence à União).
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Para Entender Direito
Do total que sobra depois que se subtraem os impostos pagos pelos servidores públicos estaduais, distritais e municipais, a União ainda tem que repartir 47%, da seguinte forma: 21,5% vão para o Fundo de Participação dos Estados e DF. 23,5% vão para o Fundo de Participação dos Municípios (sendo 1% em dezembro) e 3% vão para os programas de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (como Sudam e Sudene). Cada um desses fundos tem suas regras específicas para a distribuição dos recursos entre os diversos Estados e municípios, mas a regra geral é que dependerá do número de habitantes, renda per capita e da localização. No caso do IPI, a União é obrigada a repassar 10% do total arrecadado aos Estados, e cada Estado receberá na proporção de sua participação no total de exportações de produtos industrializados pelo Brasil. Por exemplo, se São Paulo for responsável por 57% das exportações de produtos industrializados no Brasil, ele receberá 57% dos 10%, ou seja, ele receberá 5,7% do repasse do IPI. E o Estado que receber este repasse será obrigado a repassar 25% desse valor ao município no qual está localizada a empresa que pagou o IPI. A União também é obrigada a repassar 50% do ITR que ela recolher ao município no qual está situada a propriedade rural (isso se o município não optar por recolher ele mesmo o ITR). Mas não é só a União que deve repartir suas receitas. Os municípios também precisam fazê-lo: 50% do IPVA recolhido pelo Estado são repassados ao município no qual o veículo está registrado, e 25% do ICMS recolhido pelo Estado são repassados ao município no qual está situada a empresa que gerou o imposto. E se a União criar algum novo imposto, ela deve repassar necessariamente 20% da receita aos Estados e ao DF. Além disso, a União deve repassar 30% do IOF gerado pelas transações com ouro ao Estado de origem e os 70% restante ao município de origem (a União fica com 100% do IOF gerado pelas demais 279
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Para Entender Direito transações). Ou seja, ela não fica com nada do IOF gerado pelas transações com ouro.
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Para Entender Direito
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Para Entender Direito Capítulo 8 - Direito eleitoral No primeiro capítulo deste livro, vimos como o Estado funciona e vimos que dois dos três poderes são geridos em seus órgãos máximos por pessoas diretamente eleitas pelos cidadãos. Vimos também que, embora os membros do Judiciário não sejam eleitos, os membros de seus órgãos superiores são indicados por pessoas que são eleitas pelos cidadãos: o presidente da República e o governador. No terceiro capítulo, vimos como os eleitos estruturam as normas que vão gerir o país, as pessoas e as interações entre elas. No capítulo 6 vimos que cidadãos são aqueles que têm direitos políticos. Mas até agora não falamos sobre como esses direitos políticos são exercidos. 8.1 - Plebiscito, referendo, iniciativa popular e voto A Constituição Federal prevê quatro formas de participação dos cidadãos nas decisões do país, além da pressão política que podem exercer sobre os integrantes dos executivos e dos legislativos. As três primeiras – o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular – são formas de participação direta, ou seja, os governados tomam a decisão de forma direta, sem precisar fazer suas vozes serem expressas por intermédio de um representante. O voto, ao contrário, é uma forma de participação indireta, pois o eleitor não opina diretamente sobre uma questão, mas vota em alguém que opinará em seu nome. Sua participação ocorre indiretamente, através de alguém. No plebiscito, faz-se uma consulta prévia aos cidadãos sobre qual é a opinião deles a respeito de um assunto específico, antes de se elaborar uma norma a respeito daquele assunto. Por exemplo, em 1993 o Brasil teve um plebiscito para se saber se os cidadãos preferiam o sistema presidencialista ou parlamentarista de governo, e se preferiam a república ou a monarquia. Se os cidadãos escolhessem qualquer coisa que não a combinação república presidencialista, o Congresso precisaria elaborar normas a respeito do novo sistema e/ou forma de governo. Outro plebiscito importante na história recente brasileira foi o de janeiro de 1963, quando os cidadãos optaram pelo retorno ao sistema presidencialista.
90
A vantagem do plebiscito sobre o voto em um candidato é que, no plebiscito, o cidadão opina diretamente sobre um assunto, enquanto quando ele vota em um candidato, o candidato e o eleitor dificilmente compartilham todos os pontos de vista sobre todos os assuntos: o eleitor vota no candidato que tenha a maior parte das opiniões semelhantes às suas. Por isso, muitas vezes seu representante acabará emitindo um voto distinto da opinião de algumas das pessoas que o elegeram. No plebiscito, o eleitor expressa sua opinião diretamente. A desvantagem do plebiscito, por outro lado, é que ele toma tempo e custa caro. Se todas as vezes que o Congresso tivesse que votar uma lei ele precisasse perguntar aos cidadãos o que eles desejam, as pessoas passariam todo seu tempo votando, sem tempo para trabalho, lazer ou lerem livros de direito.
90
Entre setembro de 1961 e janeiro de 1963, o Brasil teve o sistema parlamentarista. Ele foi criado através da o Emenda Constitucional n 4 de 1961 (também conhecida como Ato Adicional). Foi uma tentativa malsucedida do Congresso de amenizar a resistência das forças armadas contra João Goulart. 282
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Para Entender Direito Já o referendo acontece depois de a norma estar pronta, ou a situação jurídica já está constituída. É um “pegar ou largar”. Enquanto no plebiscito os cidadãos dizem o que querem antes de a norma ser elaborada, e por isso eles não têm como controlar seu teor final, no referendo eles têm a norma já pronta e podem rejeitá-la ou aceitá-la. O problema no referendo é que a possibilidade de influenciar sua forma fica muito mais reduzida que no plebiscito, já que os cidadãos só opinam depois de ela estar pronta. Outra diferença entre os dois instrumentos é que o referendo tem caráter vinculativo, enquanto o plebiscito, não. No plebiscito – como a norma jurídica ainda não existe – a votação apenas dá a orientação sobre como os cidadãos pensam. Como esse pensamento será convertido em algo prático depende de como agirão os responsáveis por transformar a orientação popular em uma norma. Já no referendo, como a norma já existe, se os cidadãos aprovarem-na, ela deverá entrar em vigor como está. Se não a aprovarem, ela cairá. No plebiscito, é como comprar uma casa na planta: nós sabemos que depois de construída não será exatamente como queremos que seja, mas o arquiteto vai entender quais são os pontos que achamos fundamentais e construirá a casa que os respeite, ainda que fique a critério dele decidir todos os detalhes que não nos tenham sido perguntados por ele. Já no referendo, a casa já está pronta: se gostarmos, compramos, se não gostarmos, não compramos. Mas a casa já vai estar pronta quando formos às compras e não vai dar para modificá-la. Em ambos os casos, podemos dar nossa opinião diretamente: teremos visto o projeto ou a casa com nossos próprios olhos. Mas isso toma tempo. Na participação indireta (quando votamos em alguém que nos representará), é como contratarmos um corretor que parece ter o gosto semelhante ao nosso e entender o que queremos. Assinamos o cheque em branco para ele comprar a casa porque ele parece confiável. A compra da casa não nos tomará tempo mas, em compensação, o risco de o corretor errar é grande e só temos o direito de mudar de corretor de quatro em quatro anos. Tanto o plebiscito quanto o referendo são convocados através de decreto legislativo, através da proposta de um terço dos membros de qualquer uma das casas do Congresso Nacional. O referendo e o plebiscito são usados sobretudo quando há um entrave dentro do Legislativo ou quando há um entrave político entre o Executivo e o Legislativo, e o Legislativo se nega a aceitar algo que o Executivo julga ser da vontade da maioria dos cidadãos (como o Executivo não pode forçar o Legislativo a elaborar uma norma que ele não queira elaborar, ele propõe usar o referendo e o plebiscito para pressionar o Legislativo). Outras vezes esses instrumentos são usados pelo Legislativo quando a questão é muito delicada e ele prefere lavar as próprias mãos e transmitir a responsabilidade pela escolha aos cidadãos, em vez de arcar com o ônus político de sua decisão. É o caso, por exemplo, do art. 35 da lei 10.826/03, que proíbe a comercialização de armas de fogo e munição no Brasil: “Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei. § 1º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005” 283
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Para Entender Direito
Outra área na qual o plebiscito é muito utilizado são os casos de incorporação de estados entre si, a subdivisão ou o desmembramento para se anexarem a outros ou formarem um novo Estado. O mesmo ocorre para a criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios. Em ambos os casos, as populações diretamente interessadas
91
devem aprovar o desmembramento, criação,
incorporação ou fusão através de plebiscito antes que o Congresso Nacional ou a Assembléia Legislativa aprove a lei sobre o assunto. Já na iniciativa popular os cidadãos apresentam o projeto de lei à Câmara dos Deputados, que irá votá-lo como qualquer outro projeto de lei. Esse projeto deve ser sobre um único assunto, e não pode ser rejeitado se sua forma não for semelhante à forma usada normalmente no Congresso. Nestes casos, a Câmara deve providenciar a correção das impropriedades de técnica legislativa ou de redação. Se aprovado pela Câmara, o projeto será enviado ao Senado e, se aprovado pelo Senado, enviado para a sanção ou veto do presidente da República. Voltando ao exemplo da casa, é como se nós – sem sermos arquitetos ou engenheiros – apresentássemos o projeto da casa. O arquiteto da construtora poderá recusá-lo, modificá-lo ou construir a casa como pedimos, mas o projeto inicial é nosso. O projeto de lei de iniciativa popular, para ser votado pela Câmara, deve, primeiro, preencher cada uma das seguintes pré-condições. •
Ele deve conter a assinatura de, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional.
•
Ele deve conter assinaturas de eleitores domiciliados em, no mínimo, cinco Estados (ou DF).
•
Em cada um desses 5 Estados, ao menos 0,3% dos eleitores deverá assinar a proposta do projeto.
O mecanismo estabelecido pela Constituição é tão complexo que nenhum projeto de lei de iniciativa popular foi votado até hoje desde que a Constituição de 88 foi promulgada. Algumas poucas iniciativas chegaram perto: o projeto
92
que gerou a lei 8.930/94, que modificou a Lei dos Crimes
Hediondos (lei 8.072/90), depois da comoção causada pelo caso Daniela Perez, acabou sendo apresentado oficialmente pelo poder Executivo. Os projetos que geraram as leis 11.124/05, que criou o Fundo de Moradia Popular e o Conselho Nacional de Moradia Popular, e 9.840/99, que pune com cassação os candidatos que tentam comprar votos, só foram votados depois de serem apresentadas por deputados federais.
93
Interessante notar que quase todos os anos algum deputado apresenta um projeto
de lei para tentar facilitar o processo de criação de leis via iniciativa popular. Até hoje nenhum deles foi bem aprovado.
91
A lei 9.709/98 diz que, no caso de desmembramento, a população diretamente interessada é constituída pela população do território que se pretende desmembrar e pela população do território que sofrerá desmembramento. Em caso de fusão ou anexação, tanto a população da área que se quer anexar quanto a da que receberá o acréscimo. 92 Projeto de lei 4.146/96. 93 Projetos de lei 2710/92 e 1517/99, respectivamente. As tentativas de apresentar projetos de lei de iniciativa popular a respeito desses dois tópicos foram encabeçados pelo Movimento Popular de Moradia e pela CNBB, respectivamente. 284
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Para Entender Direito Embora a Constituição preveja três formas de participação direta, a participação indireta é a mais usual. É o voto em representantes, que veremos agora: 8.2 - Quem pode e quem deve votar Podem votar no Brasil quaisquer pessoas que tenham seus direitos políticos exercitáveis no país. Ou seja, a pessoa precisa ser brasileira nata ou naturalizada, ter mais de 16 anos e não pode estar com seus direitos políticos suspensos. Esta lista inclui os militares, os analfabetos, os índios que já houverem sido plenamente integrados à sociedade e os presos que aguardam julgamento, mas exclui os conscritos (aqueles que estão no período de serviço militar obrigatório), os estrangeiros (ainda que tenham visto de residência permanente no Brasil), todos os menores de 16 anos e todos aqueles que estiverem com seus direitos políticos suspensos por decisão contra a qual não cabe recurso, ou cujo recurso não suspenda a execução da sentença ou acórdão. Por outro lado, há também aqueles que são obrigados a votarem. Neste grupo incluem-se todos aqueles que têm mais de 18 e menos de 70 anos e são alfabetizados. Não podem votar
Podem votar
Devem votar
•
Menores de 16 anos
•
Analfabetos
•
Estrangeiros
•
Menores de 18 e maiores
com idade entre 18 e 70
•
Presos condenados à
de 16 anos.
anos
•
•
Brasileiros que
alfabetizados estejam
no
privação de liberdade
•
Maiores de 70 anos
exercício de seus direitos
Conscritos
•
Inválidos
políticos
A lei também diz que não são obrigados a votar aqueles que se encontrarem doentes, não estiverem em seu domicílio eleitoral ou, se forem servidores (civil ou militar) e, devido a seu serviço, não puderem votar. Nestes casos, eles devem se justificar à justiça eleitoral. Além da multa, o cidadão que deixa de votar incorre em várias outras sanções: não pode obter passaporte e carteira de identidade, não pode participar de concurso público, não recebe seus vencimentos se for servidor público, não pode participar de concorrência pública, matricular-se ou renovar matrícula em qualquer estabelecimento oficial ou fiscalizado pelo governo (como universidades privadas) ou obter empréstimos nos bancos oficiais ou caixas econômicas. A partir de 2010 a Justiça eleitoral começou a introduzir o voto em trânsito no Brasil. O voto em trânsito nada mais é do que a possibilidade das pessoas fora de seu domicílio eleitoral votarem (em vez de justificarem sua ausência). Por enquanto o voto em trânsito só é permitido para as eleições presidenciais e apenas para os eleitores que se encontrem em uma das capitais das unidades federativas. Além disso, o eleitor precisa se cadastrar previamente no cartório eleitoral da capital na qual pretende votar. Se não se cadastrar, precisará se justificar.
8.2.1 – Voto no exterior 285
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Para Entender Direito Se o cidadão brasileiro se encontrar fora do país, ele também poderá votar nas eleições para presidente e vice-presidente da República, mas apenas nelas. O mesmo vale para passageiros e tripulantes de navios e aviões de guerra e mercantes que, no dia, estejam fora do Brasil. A votação é feita nas sedes das embaixadas ou consulados gerais do Brasil, ou qualquer outro local onde funcione algum serviço do governo brasileiro, se for necessário instalar mais de uma seção. Para que se organize uma seção eleitoral no exterior é necessário que na circunscrição sob a jurisdição da missão diplomática ou do consulado geral haja um mínimo de 30 eleitores inscritos. Quando o número de eleitores não atingir esse número, os eleitores poderão votar na mesa receptora mais próxima, desde que localizada no mesmo país. Esse número é determinado até 30 dias antes da realização da eleição, quando os cidadãos brasileiros no exterior devem comunicar à sede da missão diplomática sua condição de eleitor e sua residência no exterior. O chefe da missão ou o cônsul geral é o responsável pelas mesas receptoras e exerce as funções de juiz eleitoral. Todo o processo é subordinado ao TRE do Distrito Federal. 8.3 – Quem pode se candidatar Poder votar não significa poder se candidatar a um cargo. Isso porque os requisitos para se candidatar a um cargo eletivo são maiores: além de ser brasileiro (nato ou naturalizado, exceto o presidente e vice-presidente da República, que só podem ser natos) do pleno exercício dos direitos políticos, e de ter feito o alistamento eleitoral, é necessário ainda que o cidadão seja filiado a um partido 94
e tenha uma idade mínima para se candidatar a diferentes cargos: Cargo
Idade mínima
Presidente e vice-presidente da República
35 anos
Senador
35 anos
Governador e vice-governador
30 anos
Deputado federal
21 anos
Deputado estadual
21 anos
Prefeito e vice-prefeito
21 anos
Vereador
18 anos
Não há idade máxima limite para os cargos eletivos. Além disso, em 2010 a chamada Lei Complementar da Ficha Limpa introduziu alguns requerimentos a mais. Dentre outros, os candidatos não podem ter sido condenados por crime doloso por órgãos colegiados (ainda que caiba recurso), ou por juiz singular se já não houver mais possibilidade 94
A Constituição também prevê a idade mínima de 21 anos para alguém se candidatar ao cargo de juiz de paz, que é aquele que celebra casamentos. Mas como nenhuma eleição ainda foi realizada e as pressões políticas contra sua realização ainda são grandes, não abordaremos a questão neste livro. Eles vêm sendo nomeados pelos governadores nos Estados de lista tríplice apresentada pelo TJ (e pelo presidente da República no DF). A justiça de paz faz parte do poder Judiciário, e tem seu poder restrito à habilitação para o casamento e sua celebração. 286
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Para Entender Direito de recurso (sentença transitada em julgado), ou terem cumprido penas nos últimos 8 anos por crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; crimes contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; crimes contra o meio ambiente e a saúde pública; crimes eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; crimes de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; crimes de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; crimes de redução à condição análoga à de escravo; crimes contra a vida e a dignidade sexual; e crimes praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; os condenados por abuso de poder econômico ou político; os condenados por doações eleitorais irregulares. Além disso, os candidatos não podem ter sido condenados por ato doloso insanável de improbidade administrativa, os ex-detentores de cargos eletivos que tenham tido seus mandatos cassados e não podem ser oficiais militares declarados indignos. Todas elas são limitadas às condenações recebidas nos últimos 8 anos, ou nos 8 anos depois do cumprimento da pena, ou nos 8 anos subsequentes ao término do mandato cassado.
95
É importante notar que a lei fala em atos dolosos e insanáveis de improbidade administrativa, o que gera bastante área de escape. Isso porque se for algo que seja reparável – e, com dinheiro, quase tudo é reparável – ou no qual a pessoa apenas agiu de forma negligente ou imprudente ou com imperícia, ela ainda assim pode se candidatar.
8.3.1 – Partidos políticos Para votar, uma pessoa não precisa estar filiada a um partido, mas para se candidatar a um cargo, ela precisa se filiar. Isso não quer dizer que depois de eleita ela precisa permanecer no mesmo partido. Depois de eleita, ela pode até ficar sem partido, se quiser. Os partidos políticos, como vimos no capítulo 6, são pessoas jurídicas de direito privado, isto é, não fazem parte da estrutura estatal. Por isso são autônomos para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, além de estabelecerem suas próprias normas de fidelidade e disciplina partidárias. Mas nem só por isso eles podem ser criados e geridos de qualquer forma. Por seu caráter especial, são impostas algumas obrigações: primeiro, eles devem ter caráter nacional. Ou seja, não podem estar circunscritos a uma única unidade da federação. Tampouco podem receber recursos estrangeiros e não podem se subordinar a qualquer governo ou entidade estrangeiros. Além disso, além do registro em um cartório de pessoas jurídicas do Distrito Federal, eles também devem estar registrados junto ao TSE, e são obrigados a prestarem contas à justiça eleitoral. Para se criar um partido político são necessários dois passos: o registro no cartório e, depois, o registro no TSE. Cada passo tem seus próprios requisitos: Para ser registrado como pessoa jurídica, um partido precisa apresentar 101 pessoas que assinem como suas fundadoras. E essas pessoas devem residir em, no mínimo, um terço (9) unidades 95
o
A (longa) lista com todas as vedações está no artigo 1 da lei complementar 64/90. 287
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Para Entender Direito federativas. Depois de registrado em cartório, ainda é necessário ser registrado no TSE. E aqui os requisitos são maiores: Para provar que tem caráter nacional, o novo partido deve conseguir o apoiamento de
eleitores, que significa o preenchimento de todos os três requisitos abaixo:
•
Apoio de eleitores correspondentes a pelo menos 0,5% dos votos dados na última eleição para a Câmara dos Deputados (excluídos os votos em branco e os nulos).
•
Esse apoio deve estar distribuído por pelo menos 9 unidades federativas.
•
Em cada uma dessas unidades federativas o novo partido deve contar com o apoio de pelo menos 0,1% do eleitorado local. Apenas depois de registrado junto ao TSE é que o partido pode participar do processo eleitoral,
receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão. 8.4 – Reeleição e renúncia para candidatura Para evitar que alguns políticos se perpetuem no poder através da máquina administrativa, a Constituição impede que membros do Executivo se candidatem a outros cargos sem antes se afastarem de seus cargos. A reeleição – ou seja, candidatar-se para o mesmo cargo - é sempre possível para cargos dos Legislativos. Um senador, um deputado ou um vereador pode candidatar-se em todas as eleições por várias décadas. Ele também pode se candidatar a um cargo do Executivo sem precisar renunciar a seu mandato, e pode até mesmo candidatar-se por um Estado enquanto ainda exerce o mandato por outro. Já no Executivo, a reeleição é possível em todos os níveis, mas apenas para um único período subsequente. Reeleição significa o ocupante de determinado cargo concorrer ao mesmo cargo novamente para o período subsequente. Se o presidente da República resolve concorrer ao cargo de prefeito, não é uma reeleição, mas eleição. Se um prefeito resolve concorrer a governador, não é reeleição, mas eleição. Em ambos os casos os cargos eram diferentes. Nos casos de reeleição, o candidato não precisa se afastar o cargo. Mas para o presidente, governador ou prefeito concorrer a outros cargos (do Executivo ou do Legislativo), o membro do Executivo deve renunciar ao respectivo cargo até 6 meses antes do pleito, pois não é caso de reeleição, 96
mas sim de eleição.
É também por esta razão que muitas vezes os presidentes da Câmara dos Deputados e do
96
Essa regra também é válida para os ministros, chefes dos órgãos de assessoramento direto, civil e militar, ou de assessoramento de informação da presidência da República, do governador ou do prefeito, para o chefe do EstadoMaior das forças armadas; para o advogado-geral da União e o consultor-geral da República, para os chefes do Estado-Maior e comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, para os magistrados, para os presidentes, diretores e superintendentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas e as mantidas pelo poder público, para os secretários de Estado, para os interventores federais, para os membros dos tribunais de contas, para o diretor-geral da Polícia Federal, para os secretários-gerais, os secretários-executivos, os secretários nacionais, secretários federais dos ministérios e as pessoas que ocupem cargos equivalentes. 288
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Para Entender Direito Senado viajam com o presidente da República quando ele sai do Brasil faltando menos de seis meses para as eleições. Embora eles sejam membros do Legislativo e não precisem renunciar a seus mandatos para se candidatarem a um cargo do Executivo ou do Legislativo, eles não poderiam se candidatar se eles assumissem o cargo de presidente da República, ainda que apenas temporariamente, nos seis meses anteriores à eleição. Por isso saem do Brasil, evitando substituírem o presidente. Já para os vices a regra é diferente: eles podem candidatar-se a outros cargos, preservando os seus mandatos, desde que não tenham sucedido ou substituído o titular nos últimos 6 meses anteriores ao pleito. Se um vice (presidente, governador ou prefeito) assumir o cargo do titular de forma definitiva, ele se torna o titular e, como tal, pode concorrer à reeleição para o cargo. Da mesma forma, se ele assumir apenas provisoriamente nos 6 meses anteriores à eleição, ele também poderá se candidatar ao cargo titular. Em ambos os casos, será uma reeleição. Mas se ele assumir temporariamente antes dos 6 meses anteriores à eleição, ele pode se candidatar à eleição do cargo de titular e, mais tarde, à reeleição. Seguindo a mesma lógica, o cônjuge e os parentes (consanguíneos ou afins, até o 2º) do chefe do Executivo não podem se candidatar no território de jurisdição do titular. Por exemplo, se Zezinho for governador de São Paulo, sua esposa não pode se candidatar a prefeita de Campinas, pois Campinas está na jurisdição do governador do Estado de São Paulo. Já se Zezinho for prefeito de Campinas, sua esposa poderá se candidatar a governadora do Estado de São Paulo, porque o Estado não está contido na jurisdição da cidade de Campinas. A regra do parágrafo anterior é válida não só para o cônjuge e parente do chefe do Executivo, mas de qualquer outra pessoa que o tenha substituído dentro dos 6 meses anteriores à eleição (ou seja, dos vices e dos presidentes da Câmara e do Senado no âmbito federal, da assembléia no âmbito estadual, e da câmara de vereadores no âmbito municipal). A única exceção a essa regra – isto é, a única hipótese de o cônjuge ou parente poder se candidatar a um cargo eletivo na jurisdição de seu cônjuge – é se o candidato já era titular de mandato eletivo e está se candidatando à reeleição. Digamos, por exemplo, que Zezinho seja governador de São Paulo e sua esposa seja prefeita de Campinas. Neste caso, ela pode se candidatar à reeleição para o cargo de prefeita de Campinas. Por outro lado, se o titular de um cargo do Executivo que tivesse direito à reeleição houver renunciado a seu cargo até 6 meses antes do pleito, seu cônjuge (ou parente) pode concorrer ao mandato ao qual ele renunciou. 8.5 – Registro de candidatos Uma vez que as convenções partidárias tenham definido quem serão os candidatos – que deverão ser escolhidos até 70 dias antes das eleições –, é necessário que eles sejam registrados oficialmente como tais para que possam concorrer às eleições. Somente podem concorrer às eleições candidatos registrados por partidos políticos ou coligações, e uma pessoa pode candidatar-se a um único 289
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Para Entender Direito cargo em cada eleição. O prazo para a apresentação do registro das candidaturas começa seis meses antes das eleições e termina dia 5 de julho do ano em que a eleição ocorrerá. O registro é feito em órgãos distintos, dependendo de qual cargo está em jogo: Onde são
Cargo
registrados TSE
Presidente e vice-presidente da República
TREs
Senadores, deputados federais e estaduais, governadores e vice-governadores
Juiz eleitoral
Prefeitos, vice-prefeitos e vereadores
Nas eleições majoritárias – presidente e vice-presidente da República, senadores (e seus dois suplentes), governadores, vice-governadores, prefeitos e vice-prefeitos –, cada partido ou coligação pode lançar um único candidato para cada cargo. Já nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores), o número de candidatos que cada partido poderá cadastrar vai depender do número de vagas disponíveis. A regra é que cada partido pode lançar até 150% das vagas a serem preenchidas (ou seja, se forem 41 vagas para vereadores, cada partido pode lançar 61 candidatos). Se houver coligação, a coligação pode lançar até o dobro de vagas (no exemplo acima, 82 candidatos). O mesmo vale para estados que possuem menos de 20 deputados federais (ou 250% se houver coligação). Em qualquer caso, os partidos devem ter no máximo 70% dos candidatos de um mesmo sexo. Um candidato pode requerer o cancelamento do registro de sua candidatura. Neste caso, o partido terá direito de substituir o nome do desistente por outro, desde que o pedido seja apresentado até 60 dias antes do pleito. Nas eleições majoritárias, se o candidato vier a falecer ou renunciar dentro deste período de 60 dias, o partido poderá substituí-lo. Se não for possível acrescentar o nome do novo candidato às cédulas, mas se o novo candidato for autorizado a candidatar-se no prazo de ao menos 30 dias antes da eleição, o novo candidato herdará os votos dados ao antigo. No caso das eleições proporcionais, o substituto herda o número do candidato morto ou desistente, e por conseguinte os votos dados àquele número. Se não houver substituto, todos os votos dados ao candidato que tenha pedido o cancelamento de sua candidatura são considerados nulos. 8.6 – Eleição majoritária e eleição proporcional O Brasil adota dois sistemas distintos para a escolha dos representantes que ocuparão cargos eletivos do Executivo e do Legislativo: o sistema majoritário e o sistema proporcional. Qual sistema será usado vai depender do cargo a ser preenchido. Via de regra, quando existe apenas uma vaga a ser preenchida, adota-se o sistema majoritário. Nele, vence aquele que obtém o maior número de votos. É o sistema que se utiliza para se eleger o 290
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Para Entender Direito presidente da República, o governador e o prefeito, pois há a apenas uma vaga para esses cargos em cada jurisdição eleitoral. Esse também é o sistema adotado para se elegerem os senadores. Isso porque embora de oito em oito anos se elejam dois senadores, são eleitos aqueles dois que obtêm o maior número de votos. A lógica é a mesma da que existe para se eleger um presidente ou um governador: é eleito (ou são eleitos) aquele(s) que representa(m) a opinião da maioria dos cidadãos. Já no sistema proporcional o objetivo é repartir proporcionalmente a representação entre as maiorias e as minorias. Em outras palavras, é a oportunidade que se dá para que as minorias sociais também tenham a possibilidade de terem suas opiniões representadas. Esse é o sistema utilizado para a eleição dos vereadores, deputados estaduais e deputados federais. Nele nem sempre os mais votados são os que recebem a cadeira. Alguns candidatos com muitos votos podem acabar não ocupando uma cadeira, enquanto outros com menos a recebem. O resultado dependerá da quantidade de votos que
cada partido (ou coligação de partidos) receberá. Enquanto nas eleições majoritárias os votos no partido não importam, na proporcional, os votos dados a uma legenda são essenciais para o resultado final. Essas afirmações ficarão mais claras na próxima seção, quando disputarmos uma eleição proporcional. 8.7 – Distribuição de cadeiras no sistema proporcional: quocientes eleitoral e partidário Vamos imaginar um Estado com dez partidos políticos: P1, P2, P3... P10. Os partidos P7, P8 e P9 por serem menores, propõe ao P5 e ao P6 uma grande coligação. P6 não aceita e decide lançar candidatos próprios, enquanto P5 aceita o convite dos outros três partidos e lançam a coligação “P5 da Alegria”. P10 e P1, que são partidos grandes, também resolvem se coligar e lançam a coligação “P1 dos Fantasmas”.
97
Assim, no fim, existem seis partidos e coligações concorrendo à eleição: P2, P3, P4, P6 e
as coligações do P1+P10 e do P5+P7+P8+P9, que chamaremos, para simplificar, de P1 e P5, respectivamente. Existem 70 cadeiras sendo disputadas nestas eleições e, depois das eleições, apuramse os seguintes resultados: P1 dos Fantasmas
7.000.000
P2
6.000.000
P3
1.300.000
P4
1.000.000
P5 da Alegria
900.000
P6
100.000
Brancos
200.000
Nulos
500.000
97
A convenção regional de cada um dos partidos (nos casos de eleição para deputados federais e estaduais) ou a convenção municipal (nas eleições para vereador) é que decide sobre uma eventual coligação com outros partidos. Para que a coligação seja aprovada é necessária a aprovação por dois terços dos convencionais. O número de candidatos a ser lançado por cada partido da coligação também é decidido na mesma convenção. 291
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Para Entender Direito Total de votos
17.000.000
Total de votos válidos
16.300.000
Houve um total de 17 milhões de cidadãos votando, mas desses, apenas 16,3 milhões foram votos válidos. Isso porque os votos nulos e brancos não são considerados como votos válidos e são descartados do total. Dividindo-se o número total de votos válidos pelo número de cadeiras disponíveis, chega-se a um número chamado quociente eleitoral. No nosso exemplo:
Quociente eleitoral =
16,3 milhões de votos 70 cadeiras
= 232.857
Repare que a divisão, na verdade, resulta no número 232.857,14. Aqui, usaremos a seguinte regra de arredondamento: de 0,5 para baixo, desprezamos a fração e arredondamos para baixo. Acima de 0,5, arredondamos para o primeiro número inteiro acima. Uma vez calculado o quociente eleitoral, calculamos então o que se chama de quociente
partidário, que é o número de cadeiras que cada partido (ou coligação de partidos) receberá. Para calcular esse número, dividimos o número de votos recebidos pelo partido pelo quociente eleitoral. O número resultante – que é sempre arredondado para baixo – é o número de cadeiras que cada partido recebeu. No nosso exemplo, teremos: Votos
Quociente partidário
Cadeiras
P1 dos Fantasmas
7.000.000
7.000.000/232.857 = 30,06
30
P2
6.000.000
6.000.000/232.857 = 25,77
25
P3
1.300.000
1.300.000/232.857 = 5,58
5
P4
1.000.000
1.000.000/232.857 = 4,29
4
P5 da Alegria
900.000
900.000/232.857 = 3,87
3
P6
100.000
100.000/232.857 = 0,43
0
Brancos
200.000
Nulos
500.000 Cadeiras distribuídas
67
Total de votos
17.000.000
Total de votos válidos
16.300.000
Em outras palavras, P1 receberá 30 cadeiras; P2 receberá 25; P3, 5; P4, 4; P5, 3; e P6 nenhuma. O problema é que, quando somamos todas as cadeiras distribuídas achamos um total de 67 cadeiras. Por causa dos arredondamentos, sobraram três cadeiras. Elas precisam ser distribuídas. Para isso, usa-se um sistema de médias que funciona assim: divide-se o número total de votos recebidos por cada partido pelo quociente partidário mais um. Por exemplo, a média de P1 será calculada assim: Quociente partidário =
votos 292
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Para Entender Direito Quociente partidário + 1 Quociente partidário =
7 milhões
= 225.806
30 + 1 Calculando-se as médias para cada um dos partidos, tem-se o seguinte: Média P1 dos Fantasmas
7.000.000/(30+1) =
225.806
P2
6.000.000/(25+1) =
230.769
P3
1.300.000/(5+1) =
216.667
P4
1.000.000/(4+1) =
200.000
900.000/(3+1) =
225.000
-
-
P5 da Alegria P6
Não foi calculada uma média para P6. Isso porque o partido não conseguiu alcançar o quociente partidário mínimo (isto é, ele não conseguiu sequer uma cadeira).
98
O partido que não consegue sequer
um quociente partidário igual a um não entra na distribuição de cadeiras pelas médias. O partido ou coligação com a maior média recebe uma das cadeiras. Neste caso, P2. Ou seja, o número de cadeiras de P2 cresce de 25 para 26. Mas ainda sobraram duas cadeiras. Para se calcular como elas serão distribuídas, emprega-se o mesmo processo, só que sempre atualizando os novos quocientes partidários. No nosso exemplo, o cálculo da média para a cadeira de número 69 ficaria assim: Média (2) P1 dos Fantasmas
7.000.000/(30+1) =
225.806
P2
6.000.000/(26+1) =
222.222
P3
1.300.000/(5+1) =
216.667
P4
1.000.000/(4+1) =
200.000
900.000/(3+1) =
225.000
-
-
P5 da Alegria P6
Seria, portanto, a Coligação P1 quem receberia a 69ª cadeira. O cálculo da média para a última cadeira seria: Média (3) P1 dos Fantasmas
7.000.000/(31+1) =
218.750
P2
6.000.000/(26+1) =
222.222
98
Se nenhum Partido ou coligação alcançar o quociente eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais votados. 293
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Para Entender Direito P3
1.300.000/(5+1) =
216.667
P4
1.000.000/(4+1) =
200.000
900.000/(3+1) =
225.000
-
-
P5 da Alegria P6
A Coligação P5 seria a agraciada com a última cadeira. No fim, P1 ficaria com 31 cadeiras, P2 com 26 cadeiras, P3 com 5 cadeiras, P4 e P5 com 4 cadeiras cada, e P6 não teria qualquer cadeira, totalizando
99
as 70 cadeiras disponíveis.
Esse é o número de cadeiras ao qual cada partido ou coligação teria direito. Mas até agora não falamos sobre como um cidadão vota em um partido.
8.7.1 – Efeitos do sistema proporcional O total de votos que um partido recebe é formado pela soma de dois grupos: os votos dados diretamente a uma legenda (ou coligação) e os votos nos candidatos daquele partido (ou coligação). Digamos, por exemplo, que na nossa eleição fictícia, tenham sido dados os seguintes votos: Candidatos do P4
Votos
Tião
650.000
Tibúrcio
150.000
Tiney
95.000
Tilírio
10.000
Tiririca
5.000
Tianinho
3.000
Tiongo
2.000
Votos na legenda P4 Total de votos recebidos por P4
85.000 1.000.000
Além dos 915 mil votos recebidos pelos 7 candidatos lançados por P4, a legenda ainda recebeu 85 mil votos de pessoas que, embora não tenham votado em nenhum de seus candidatos especificamente, votaram na legenda, por acreditarem que ela defende idéias parecidas com as suas. Como P4 tem direito a quatro cadeiras, seus quatro candidatos mais votados – Tião, Tibúrcio, Tiney e Tilírio – receberão essas quatro cadeiras. Vamos comparar a votação recebida por P4 com a votação recebida pelos candidatos da Coligação P5 da Alegria, que por coincidência também lançou 7 candidatos: Candidatos da Coligação P5
Votos
99
Se houvesse um empate entre duas ou mais legendas na média relativa à última vaga, o desempate seria a favor da legenda de maior votação total, e não em favor do candidato mais velho. 294
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Para Entender Direito Zuleide
150.000
Zulaica
140.000
Zumira
130.000
Zonza
120.000
Zenaide
110.000
Zizinha
100.000
Zilmara
95.000
Votos na legenda P5
65.000
Total de votos recebidos p or P5
900.000
Nós vimos que a Coligação P5 da Alegria também tem direito a 4 cadeiras. Logo, os quatro candidatos mais votados da coligação – Zuleide, Zulaica, Zumira e Zonza – é que ficarão com elas. Notem que Zenaide, Zizinha e Zilmara, candidatas não eleitas pelo P5, tiveram mais votos que Tilírio, do P4, que foi eleito. Isso porque as cadeiras são distribuídas proporcionalmente aos votos recebidos pela legenda e não diretamente para aqueles que receberam mais votos (como no sistema majoritário). Apenas depois que se define a proporção de cadeiras a que cada partido terá direito é que elas são distribuídas para aqueles que conseguiram o maior número de votos dentro de cada legenda (ou coligação). Por isso, é importante mantermos em mente que a crença popular de que os partidos não importam no Brasil é apenas meia verdade: os partidos são essenciais para a eleição de um candidato. Vale ainda notar um fato curioso quando comparamos as votações em P4 e P5: os votos recebidos por Tião. Tião – que é uma pessoa muito em voga na mídia – conseguiu carregar consigo 650 mil votos, que é mais do que obtiveram os quatro candidatos de P5 somados! Se não fosse a presença de Tião, P4 provavelmente não teria conseguido o direito a sequer uma cadeira, e quando muito, teria conseguido duas. é por isso que, em época de eleição, os partidos buscam lançar candidatos que trabalhavam em veículos de mídia, já foram prefeitos ou governadores ou que sejam de alguma outra forma muito reconhecidos pelos cidadãos, pois eles servem não só para elegerem a si mesmos, mas carregam consigo muitos votos que acabam servindo para eleger outros candidatos da legenda que são completamente desconhecidos, como foi o caso de Tilírio, no P4. Zenaide, candidata do P5 que não foi eleita, teve onze vezes mais votos que Tilírio. Isso porque, na prática, a cadeira de Tilírio foi conseguida devido à votação maciça em Tião. Se olharmos a votação recebida pelos candidatos do P6 – que não conseguiu ter direito a nenhuma cadeira – o efeito que a votação de Tião teve fica ainda mais forte: Candidatos da Coligação P6
Votos
Janilde
99.000
Jandira
1.000
Jussara
0
Juréia
0
295
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Para Entender Direito Votos na legenda P6
0
Total de votos recebidos por P6
100.000
Se Janilde houvesse se candidatado por pelo P4, ela certamente teria sido eleita (e talvez ajudasse a eleger Tiririca). E se P6 houvesse aceito entrar na coligação P5 da Alegria, ele teria conseguido colocar um de seus candidatos na Câmara. É por isso que é tão comum a coligação entre diversos partidos. Já que falamos tanto em coligação, vale lembrar que as vagas pertencem à coligação e não ao partido (quando os partidos se coligarem, obviamente). Logo, se a Coligação P1 e P2 tem direito a duas cadeiras e os dois mais votados são, respectivamente, do P1 e do P2, cada um terá um parlamentar eleito. Se os dois mais votados forem do P2, apenas o P2 terá parlamentares eleitos. E se um deles se licenciar, a vaga passa para o terceiro mais votado daquela coligação, independente do partido. Tem lógica: se o quociente eleitoral foi definido em função dos votos recebidos pela coligação, a mesma regra é aplicada para a sucessão dos suplentes.
8.7.2 - Suplentes Vimos que para os cargos eletivos do Executivo, há sempre a eleição de um vice, que deve ser do mesmo partido ou coligação do titular.
100
O mesmo ocorre para a eleição para senador: cada senador
é eleito com dois suplentes. Esses dois suplentes já são claramente definidos desde o início, quando a chapa é homologada pela justiça eleitoral. Já para os cargos cujo sistema de eleição é o proporcional (deputados federais e estaduais e vereadores), a suplência é definida de forma distinta. Os suplentes destes cargos não estão vinculados ao titular, mas à legenda. Os suplentes são aqueles mais votados sob a mesma legenda e que não tenha sido eleito. Desta forma, por exemplo, não importa qual deputado federal do P4 venha a morrer, renunciar ao mandato ou tê-lo cassado, Tiririca irá assumir em seu lugar. E se um segundo deputado morrer, renunciar ao mandato ou tê-lo cassado, será Tianinho quem irá assumir, e assim por diante. 8.8 – Voto proporcional e voto distrital Ninguém gosta de perder eleição. Machuca o ego. Para evitar a dor de cotovelo eleitoral, o candidato derrotado pode fazer duas coisas: mudar sua plataforma política (ou como ela é percebida) para atrair mais eleitores, ou mudar as regras do jogo. No Brasil, inevitavelmente depois de toda eleição alguns tentam propor a mudança da regra do jogo. No caso, reclamam que o sistema proporcional é injusto e que o Brasil deveria adotar o voto distrital. O problema é que raramente explicam o que é o voto distrital e, especialmente, quais são suas vantagens e desvantagens. No sistema proporcional, como acabamos de ver, as cadeiras são distribuídas proporcionalmente
100
Isso serve para evitar que sejam eleitos um titular e um vice que tenham idéias opostas, como ocorreu em 1961, quando João Goulart (Jango) foi eleito como vice de Jânio Quadros. Quando este renunciou, assumiu um vice que não compartilhava de suas idéias. Esse pequeno detalhe da lei acabou levando a 20 anos de ditadura. 296
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Para Entender Direito de acordo com a votação de cada corrente de pensamento, representada pelos partidos políticos. No nosso exemplo, 70 cadeiras foram distribuídas em um Estado, não importando a região do Estado do qual eles vêm. Talvez todos os 70 morem na capital do Estado. Talvez nenhum deles more na capital do Estado. O voto distrital nada mais é do que o voto majoritário. Imaginemos que no nosso exemplo, em vez de as 70 cadeiras serem distribuídas por todo o Estado, o Estado fosse dividido em 70 regiões geográficas, e cada uma dessas sub-regiões – chamadas distritos eleitorais – pudesse eleger um deputado. Esse seria o voto distrital. Em outras palavras, a representação geográfica de cada sub-região (distrito) é garantida pelo sistema distrital. Mas então por que adotamos o sistema proporcional, se o distrital parece ser melhor? Porque o distrital também tem um problema: ele representa muito mal as minorias.
Vamos ver um exemplo para ficar claro. Vamos imaginar que em um Estado há duas cidades: a Cidade de Cima e a Cidade de Baixo. Em cada uma dessas duas cidades há dois partidos. O Partido do Dia e o Partido da Noite. Suas plataformas são muito simples: O Partido do Dia defende que as pessoas apenas trabalhem durante o dia. O Partido da Noite defende que as pessoas possam trabalhar durante a noite. Em cada uma dessas cidades cada partido lança dois candidatos. Ou seja, há quatro candidatos em cada cidade:
Cidade de Cima Cidade de Baixo
Partido do Dia
Partido da Noite
Zeção
Hadão
Zequinha
Hadinho
Zezão
Hugão
Zezinho
Huguinho
Há duas cadeiras a serem distribuídas no Estado e oito candidatos. Cada cidade tem cem eleitores, ou seja, no Estado há 200 eleitores. Vamos agora imaginar dois cenários de votação diferentes, e em cada um desses cenários
297
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Para Entender Direito 101
vamos aplicar as regras comuns
em um sistema proporcional e em um sistema distrital e veremos qual
a diferença entre eles:
Cenário 1: Cada partido lança seus quatro candidatos no Estado. Em cada cidade há um candidato muito conhecido em cada partido: Zezão e Hugão na Cidade de Cima, e Zecão e Hadão na Cidade de Baixo. Os outros dois candidatos de cada partido são completamente desconhecidos. Depois das eleições, apura-se o seguinte:
Zezão – 0
Hugão – 100
Zezinho – 0
Huguinho – 0
Total
Total -
Zecão –
- 0
100
0
Hadão – 100
Zequinha – 0
Hadinho – 0
Total -
Total - 100
0
Em outras palavras, o Partido da Noite – aqueles que defendem o trabalho noturno – teve o apoio de todos os cem eleitores de cada cidade. Na Cidade de Cima, Hugão obteve 100% dos votos disponíveis na cidade. Na Cidade de Baixo, Hadão obteve 100 votos disponíveis na cidade. Agora vamos aplicar as regras de cada sistema: Se o sistema usado for o proporcional, as duas cadeiras disponíveis serão alocadas ao Partido da Noite e os dois candidatos mais votados do partido ficarão com as cadeiras: Hugão e Hadão. Se o sistema usado for o distrital, cada cidade (distrito) terá direito a uma cadeira, e essa cadeira será alocada ao candidato com maior número de votos nela. No exemplo acima, Hugão e Hadão. Como se pode ver, não há diferença nos resultados. Em ambos os casos, como não há ninguém que defenda que só se possa trabalhar durante o dia (que é a idéia do Partido do Dia), nenhum representante que defenda essa lei foi eleito. Logo, nenhuma minoria foi prejudicada. Por outro lado, ambas as cidades tiveram representantes eleitos nos dois sistemas.
Cenário 2: agora vamos imaginar um outro cenário. Neste novo cenário, tudo permanece igual, apenas os votos recebidos são modificados:
101
Para facilitar o exemplo, usaremos as regras do sistema proporcional empregado no Brasil com uma única diferença: o partido que não consegue quociente eleitoral igual a 1 pode participar das médias. 298
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Para Entender Direito Zezão – 25
Hugão –
Zezinho – 24
Huguinho– 25
Total
Total -
- 49
Zecão –
26 51
49
Hadão – 51
Zequinha – 0
Hadinho – 0
Total -
Total -
49
51
Como se pode ver, a disputa foi mais acirrada desta vez. Na Cidade de Cima, 51% das pessoas defendem o trabalho noturno. Por isso votaram nos candidatos do Partido da Noite. Mas os outros 49% (a minoria, mas uma grande minoria) defendem o trabalho diurno e por isso votaram no Partido do Dia. Na Cidade de Baixo, a mesma coisa aconteceu: 51% das pessoas apóiam a idéia do trabalho noturno, enquanto 49% (a minoria) defendem sua proibição. A única coisa que muda é a distribuição dos votos em cada cidade. Na Cidade de Cima, os candidatos nanicos – Zezinho e Huguinho – conseguiram uma votação expressiva, o que não aconteceu na Cidade de Baixo, onde os votos ficaram concentrados apenas nos candidatos mais conhecidos. Olhando o quadro de votos acima, notam-se duas coisas: que os candidatos mais votados da Cidade de Baixo receberam mais votos que os da Cidade de Cima, e que existe uma ‘enorme minoria’ no Estado – composta por 49% dos eleitores! – que defende o trabalho diurno. Agora vamos imaginar o que vai acontecer se aplicarmos cada um dos dois sistemas: No sistema proporcional, cada partido terá direito a uma cadeira, e essa cadeira irá para seus candidatos mais votados no Estado: Hadão e Zecão, ambos da Cidade de Baixo. Já no distrital, vence quem recebe o maior número de votos em cada distrito. Na Cidade de Cima, o candidato que recebeu o maior número de votos foi Hugão. Na Cidade de Baixo, Hadão. Usando o voto proporcional, as minorias ficam representadas, já que foram eleitos tanto um representante do Partido do Sol quanto da Lua. Mas a representação geográfica é prejudicada: não foi eleito nenhum representante da Cidade de Cima porque os votos lá foram mais diluídos. Usando o voto distrital, todas as regiões geográficas ficam representadas: foi eleito um representante da Cidade de Cima e outro da Cidade de Baixo. Por outro lado, a minoria (no nosso caso, 49% da população) não foi representada, enquanto a maioria (de apenas 51% dos eleitores) foi superrepresentada. O exemplo, embora simplista, mostra as consequências potenciais da adoção de cada sistema. Qual sistema é melhor para o Brasil depende muito mais de uma opção da sociedade sobre o que priorizar – a representação das minorias ou das regiões? – do que um juízo universal sobre qual dos dois sistemas é melhor. 8.9 – Propaganda partidária
299
É terminantemente proibida a reprodução, impressão, cópia ou qualquer outra forma de utilização ou distribuição deste material, total ou parcialmente, por qualquer meio, mídia, formato ou forma, e para qualquer propósito, ainda que sem finalidade de lucro, sem prévia e expressa autorização escrita do autor.
Para Entender Direito Para se elegerem, os candidatos precisam expor suas idéias e suas plataformas. Teoricamente, aquele que estiver mais em evidência e souber melhor aproveitar essa evidência, possui maior chance de ser eleito. Para que nenhum deles tenha uma vantagem injusta, a lei estabelece regras tanto para os candidatos quanto para os veículos de mídia para que não beneficiem a um candidato. As propagandas eleitorais são financiadas pelos partidos e coligações através dos seus fundos, que são compostos por doações e participação no Fundo Partidário. Elas só podem começar três meses antes das eleições e devem terminar 48h antes das eleições.
102
As propagandas de cunho social, informativo ou supra-governamental – em outras palavras, aquela que não diz respeito a um governo, pessoa ou partido, mas informa a sociedade sobre serviços, campanhas, mudanças etc. – não são consideradas propagandas eleitorais, e não podem ser feitas nos três meses anteriores ao pleito, exceto nos casos urgentes e graves, quando autorizados pela justiça eleitoral. Isso para evitar que aquele candidato ligado ao governo tenha uma vantagem injusta. Além disso, em ano eleitoral as despesas governamentais com esse tipo de propaganda não podem exceder a média dos três anos anteriores. Também vale a pena ler as vedações feitas pelo art. 73 da lei 9.504/97, que fala do uso da máquina pública para ajudar um candidato ou partido: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária; II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram; III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado; IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público; V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional
102
É proibida qualquer propaganda política por rádio, TV, comícios ou reuniões públicas desde 48h antes até 24h depois da eleição. 300
É terminantemente proibida a reprodução, impressão, cópia ou qualquer outra forma de utilização ou distribuição deste material, total ou parcialmente, por qualquer meio, mídia, formato ou forma, e para qualquer propósito, ainda que sem finalidade de lucro, sem prévia e expressa autorização escrita do autor.
Para Entender Direito e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados: a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo; d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários; VI - nos três meses que antecedem o pleito: a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública; b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral; c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo; VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição. VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos. § 1º Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, 301
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Para Entender Direito contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional. § 2º A vedação do inciso I do caput não se aplica ao uso, em campanha, de transporte oficial pelo Presidente da República, obedecido o disposto no art. 76, nem ao uso, em campanha, pelos candidatos a reeleição de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, de suas residências oficiais para realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público. (...)” Usando a mesma lógica que tenta impedir alguém de usar a máquina administrativa para se eleger para outro cargo, a lei também proíbe que as emissoras de rádio e TV transmitam programas apresentados ou comentados por candidatos já escolhidos em convenção partidária a partir do dia 1º de agosto do ano da eleição. Ao contrário, a pessoa que assina uma coluna em jornal pode mantê-la no período eleitoral, ainda que seja candidata. A diferença é que rádios e TVs são concessões públicas e, como tais, não podem assumir posição em favor deste ou daquele candidato, enquanto a imprensa escrita, que não depende de autorização ou concessão para funcionar, pode. Da mesma forma, a publicação, na imprensa escrita, de matérias favoráveis (ou desfavoráveis) a um candidato ou legenda não é propaganda eleitoral irregular. Mas o mesmo tipo de manifestação feita por uma TV ou rádio é. Outro exemplo dessa diferença de tratamento de rádios e TVs: até o dia das eleições é permitida a divulgação paga, na imprensa escrita, de propaganda eleitoral, no espaço máximo, por edição (para cada candidato, partido ou coligação) de um oitavo de página de jornal e um quarto de página de revista ou tablóide. Ao contrário, toda propaganda eleitoral no rádio e TV é gratuita e deve ser veiculada nos horários estabelecidos pela lei, sendo proibida a propaganda paga. A lógica, novamente, é a mesma: rádios e TVs são concessões públicas, enquanto a imprensa escrita, não. Por isso os jornais e revistas não são obrigados a publicarem propaganda eleitoral gratuitamente. É por isso também – e porque seria impossível fiscalizar – que os sites na internet não são obrigados a publicarem propaganda política. Aliás, vale lembrar que é proibida propaganda eleitoral paga na internet (embora seja livre a propaganda gratuita em sites pessoais e partidários e proibida em sites corporativos), Durante o período eleitoral, os candidatos podem expor suas propostas na TV e no rádio, de duas formas: na propaganda eleitoral gratuita e em debates. No caso dos debates de eleição majoritária, todos os candidatos de partidos com representação na Câmara dos Deputados têm o direito de participar e, a critério da empresa de TV ou rádio, os candidatos de partidos sem representação na Câmara podem ser convidados a participar. Como pode haver um número muito grande de candidatos, a empresa de TV ou rádio pode optar por realizar o debate com todos os candidatos juntos ou em grupos de, no mínimo, três. Obviamente nenhum candidato é obrigado a participar de um debate, mas todos eles devem ser 302
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Para Entender Direito convidados com, no mínimo, 72 horas de antecedência. No caso de eleições proporcionais, é logisticamente impossível ter um debate com todos os candidatos presentes. Por isso a lei estabelece que os debates devem ser organizados de modo que assegurem a presença de número equivalente de candidatos de todos os partidos (ou coligações) a um mesmo cargo. Além disso, o mesmo candidato não pode comparecer a mais de um debate na mesma emissora. A propaganda eleitoral gratuita e seus horários também são estabelecidos em lei, e ninguém pode receber pagamento para participar delas.
8.9.1 – Primeiro turno O tempo que cada partido terá a seu dispor é calculado da seguinte forma: um terço do tempo é distribuído igualitariamente entre todos os partidos ou coligações que estejam concorrendo às eleições. Os outros dois terços são distribuídos proporcionalmente à representação que cada partido tinha na Câmara dos Deputados no início da legislatura que estiver em curso (nos casos das coligações, o número de deputados federais é somado para o cálculo desses dois terços). Para os partidos muito pequenos que não conseguem ter direito sequer a 30 segundos do horário, é dada a opção de acumular os tempos a que teria direito e usá-los mais tarde para um programa maior. Se algum candidato morrer ou pedir o cancelamento de sua candidatura, e não for substituído, o horário a que tinha direito será repartido entre os demais candidatos. Os horários da propaganda eleitoral gratuita são os seguintes, nos casos das eleições para cargos estaduais e federais: Rádio
303
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Para Entender Direito
Televisão
304
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Para Entender Direito Interessante notar que, nos anos em que há dois cargos de senadore, o tempo dos candidatos ao governo estadual cai de 20 para 18 minutos, e o dos candidatos a deputado estadual cai de 20 para 17 minutos, e o dos candidatos ao senado sobe de 10 para 15 minutos. Já para cargos municipais, os horários são os seguintes:
As tabelas para as eleições municipais e as eleições estaduais e federais parecem conflitar mas, como as eleições municipais ocorrem dois anos após as estaduais e federais, não existe qualquer problema. A propaganda eleitoral para o primeiro turno começa 47 dias antes das eleições de primeiro turno e termina na antevéspera, durando um total de 45 dias.
8.9.2 – Segundo turno Só há possibilidade de segundo turno nas eleições para cargo do Executivo. Ele acontece quando, descartados os votos brancos e nulos, nenhum dos candidatos consegue mais da metade dos votos (maioria absoluta). E mesmo assim, não é para qualquer cargo eletivo do Executivo: para governador e presidente, é sempre possível o segundo turno, se nenhum dos candidatos alcança mais da metade dos votos válidos, mas nas eleições para prefeito, o segundo turno só pode ocorrer se o município tem mais de 200 mil eleitores. Se não tiver, mesmo que nenhum candidato consiga a maioria absoluta dos votos válidos, será eleito aquele mais votado. Vão para o segundo turno os dois candidatos mais votados.
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A propaganda eleitoral começa 48 horas depois da proclamação dos resultados do primeiro turno. Novamente, ela vai até a antevéspera do segundo turno. No caso de haver segundo turno, a propaganda começa às 7h e às 12h no rádio, e às 13h e às 20h30 na televisão. Cada um dos candidatos (a prefeito, governador ou presidente) tem direito ao mesmo tempo: 10 minutos, cada, o que melhora as chances do candidato que veio de um partido ou coligação com menor número de deputados federais. Se houver segundo turno tanto para presidente quanto para governador, cada um dos candidatos a presidente terá direito a dez minutos, seguidos da propaganda dos candidatos a governador (mais 10 minutos, cada).
8.9.3 – Inserções diárias Além das propagandas nos horários fixos, os candidatos, partidos ou coligações também têm 103
Se, antes de realizado o segundo turno um dos candidatos morrer, desistir ou for impedido de continuar concorrendo, convoca-se o terceiro candidato mais votado no primeiro turno. 305
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Para Entender Direito direito a inserções diárias durante a programação normal das televisões e rádios. As inserções podem acontecer entre as 8h e as 24h, e poderá ter até 60 segundos, e totalizam 30 minutos diários (somado o tempo de todos os partidos). O tamanho de cada inserção (limitado aos 60 segundos) é determinado pelo partido, de acordo com o tempo a que ele tem direito. O tempo é dividido em partes iguais para o uso nas campanhas dos candidatos às eleições majoritárias e proporcionais. No caso das eleições municipais, os vereadores não têm direito à utilização deste tempo, apenas os candidatos a prefeito. Essas inserções não podem conter gravações externas, montagens, trucagens, computação gráfica, desenhos animados ou efeitos especiais.
8.9.4 – Ordem das propagandas A ordem em que cada partido poderá utilizar o horário eleitoral gratuito no primeiro dia é determinado por meio de sorteio feito pela justiça eleitoral. No segundo dia de propaganda, a propaganda veiculada por último no dia anterior, é a primeira a ser veiculada. As demais continuam na mesma ordem do sorteio, seguindo o mesmo processo ao longo de todo o período eleitoral.
8.10 – Suspensão e perda de direitos políticos e ca ssação de mandato Os candidatos eleitos, assim como seus suplentes, são diplomados pelo presidente do TRE ou junta eleitoral, conforme for o caso. A diplomação consiste, na prática, do recebimento de um documento (diploma) no qual consta o cargo para o qual foi eleito ou a classificação como suplente. Uma vez diplomado, o candidato agora eleito passa a poder tomar posse do cargo para o qual foi eleito. No caso da Câmara dos Deputados e do Senado, a posse ocorre no dia 1º de fevereiro (as do presidente da República, governadores e prefeitos ocorrem no dia 1º de janeiro). A partir do momento em que o diploma é expedido, os deputados federais e os senadores somente podem ser processados no STF. Eles também não podem ser presos, salvo em caso de prisão 306
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Para Entender Direito em flagrante por crime inafiançável e a casa à qual pertencem (Câmara ou Senado) pode suspender o trâmite de um processo contra crimes ocorridos após a diplomação. Mas essas barreiras não querem dizer que o parlamentar se torna imune e que seu mandato é intocável. Ele pode ser cassado. O mandato do parlamentar pode ser cassado em qualquer dos seguintes casos: •
Se, depois de diplomado, o eleito firmar ou mantiver contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público (salvo quando o contrato for um contrato padrão), ou aceita ou exercer cargo, função ou emprego remunerado nessas entidades;
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Se, depois de empossado, o eleito for proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada, ocupar cargo ou função, ou patrocinar causa do interesse das entidades do item anterior;
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Se for titular de mais de um cargo ou mandato público eletivo;
•
Se sua conduta for declarada incompatível com o decoro parlamentar, incluindo-se o abuso das prerrogativas parlamentares e a percepção de vantagens indevidas;
•
Se ele deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, a um terço das sessões ordinárias, salvo licença ou missão autorizada pela própria casa;
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Se ele perder ou tiver seus direitos políticos suspensos;
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Se ele sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado; ou
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Se a Justiça Eleitoral decretar a cassação.
Se o parlamentar que for submetido a um processo que possa levar à cassação de seu mandato vier a renunciar, a renúncia terá seus efeitos suspendidos até que o processo seja concluído. Isso serve para evitar que o parlamentar renuncie e possa vir a concorrer à eleição seguinte. A expressão usada é cassação de mandato , que significa a perda do mandato. A cassação dos
direitos políticos não existe no Brasil desde 1988. A cassação dos direitos políticos inclui não só a cassação de um eventual mandato, mas do direito de participação na vida política do país (a pessoa não pode participar de atividades ou manifestação sobre qualquer assunto de natureza política). Em outras palavras, a pessoa passa a viver em um limbo político. Outro termo que normalmente é confundido com a cassação dos direitos políticos é a perda dos
direitos políticos. O primeiro não existe no Brasil. O segundo existe. A pessoa perde os direitos políticos quando sua naturalização brasileira for cancelada ou quando ela renuncia à nacionalidade brasileira. Como se vê, as duas hipóteses estão ligadas à mesma causa: a pessoa deixa de ser brasileira, e por isso perde os direitos políticos aos quais apenas os brasileiros podem fazer jus. Existe uma terceira expressão que também é confundida com a cassação dos direitos políticos, mas que não é a mesma coisa: suspensão dos direitos políticos. 307
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Para Entender Direito Existem quatro hipóteses que podem levar à suspensão dos direitos políticos no Brasil: (I) A incapacidade civil absoluta: vimos no capítulo 6 que os loucos, os menores de 16 anos, os que não têm o necessário discernimento devido a enfermidade ou deficiência mental e os que não puderem exprimir sua vontade, ainda que por uma causa transitória, são absolutamente incapazes. Eles não podem exercer seus direitos diretamente. Tampouco podem influir na vida política do país. Mas isso não quer dizer que eles não tenham direitos. Esses direitos estão suspensos. Se o louco recuperar sua sanidade, ele pode voltar a exercitar seus direito políticos. (II) A condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos: a suspensão dos direitos políticos é uma consequência automática da condenação penal. Não importa o tipo de crime. Desde que a condenação se prolongue no tempo – como no caso da pena privativa de liberdade ou da restritiva de direito
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– os direitos políticos do condenado ficam suspensos (inclusive se ele estiver em
liberdade condicional). (III) A recusa de cumprir obrigação imposta a todos ou prestação alternativa: o exemplo clássico é a recusa do homem de se alistar e cumprir o serviço militar obrigatório. Outros exemplos são a recusa de servir à justiça eleitoral (como mesário, escrutinador etc.) ou ser jurado no tribuna do júri. (IV) A improbidade administrativa: os atos de improbidade administrativa – definidos na lei 8.429/89 – são aqueles nos quais há enriquecimento ilícito, do prejuízo ao erário público ou do desrespeito aos princípios da administração pública causada pelo servidor ou ocupante de qualquer cargo público, em função deste cargo ou função.
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Recapitulando: desde a redemocratização do país há cassação de mandato, e perda e suspensão de direitos políticos, mas não há cassação de direitos políticos no Brasil. 8.11 – Consulta Nós vimos no primeiro e terceiro capítulos que o Judiciário julga causas concretas, ou seja, Zezinho não pode iniciar um processo perguntando ao juiz qual pena ele receberá se matar Rosinha. Até cometer o crime, tudo o que ele sabe é que a pena para quem comete homicídio varia de 6 a 20 anos. Mas ele só conseguirá saber qual será a sua pena depois de matá-la, se vier a matá-la. Isso porque o Judiciário não julga hipóteses (casos abstratos), mas apenas casos concretos. Tampouco o Judiciário 104
Na pena de multa, por exemplo, não há suspensão dos direitos políticos depois que o condenado pagar a multa. A lei de improbidade administrativa (8.429/92) prevê três grandes grupos de condutas tipificadas como improbidade de um agente público: aqueles que importam o enriquecimento ilícito, aqueles que causam prejuízo ao erário, e aqueles que vão contra os princípios da administração pública. “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei (...)” “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei (...)” “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (...)” 105
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Para Entender Direito responde a perguntas. Ele julga: não dá parecer ou opinião. Mas há uma pequena exceção a essa regra
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: o TSE pode responder a consultas. Isso porque,
do ponto de vista prático, é muito melhor evitar que alguém que possa ter sua eleição contestada informando sobre qual será o resultado provável do que deixá-lo se eleger e depois removê-lo do cargo e deixar o país inteiro em polvorosa. Mas, mesmo assim, o TSE não pode julgar como se fosse uma causa concreta. O que ele fará é responder a uma consulta feita, em tese (ou seja, em termos abstratos), por autoridade com jurisdição federal ou partido político. Por exemplo, digamos que Joãozinho fosse vice-governador de um Estado. Ele e o titular são reeleitos uma vez. No meio do segundo mandato, o governador morre e Joãozinho assume o governo. A legislação não é clara se o vice, já reeleito, pode candidatar-se ao cargo de titular em uma terceira eleição. Por isso o partido dele formula uma consulta ao TSE perguntando: “o vice-governador reeleito que no meio do segundo mandato assume definitivamente o cargo do titular pode se candidatar à reeleição para governador?”. Repare que a pergunta foi formulada abstratamente. Em nenhum momento há a identificação de Joãozinho ou do Estado. Se o partido tivesse submetido uma consulta do tipo “Joãozinho, que foi reeleito para o cargo de vice-governador e assumiu definitivamente o mandato devido à morte do titular, pode se candidatar ao mesmo cargo nas próximas eleições?”, ele não estaria falando
em tese (abstratamente) mas de um caso concreto que ainda não ocorreu, e neste caso o TSE não poderia responder à consulta. Um detalhe importante: o TSE não está julgando ou decidindo (por isso não se trata de um acórdão). Ele está apenas respondendo a uma consulta. O efeito disso é que a resposta do TSE não o vincula, ou seja, o TSE não é obrigado, depois que o caso concreto acontecer de fato, a julgá-lo como disse que julgaria. Obviamente seria uma situação estranha, mas ela é possível, pois não houve um
julgamento.
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Na verdade, há alguns outros casos, mas não vale a pena estudá-los aqui. 309
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Para Entender Direito Conclusão Bem, chegamos ao fim. Se você ainda está lendo este livro, considere-se um sobrevivente da selva jurídica brasileira. Mas se você olhar para trás, verá que a maior parte foi apenas bom senso mas que no mundo jurídico rebuscamos ou dizemos de uma forma mais truncada que um ser humano normal usaria. Confesso que nossa classe às vezes deixa de lado o bom e velho português e empregamos expressões latinas obscuras que ninguém usa há dois mil anos sem precisar. Esquecemos como usar frases com sujeito, verbo e predicado e preferimos omitir um deles e inverter os outros dois e, se possível, colocarmos alguma citação em italiano ou alemão no meio, além de um ou dois vocativos e citação de autores que ninguém realmente leu, e se leu, não entendeu. Na maior parte das vezes é apenas por isso que você não entende o que estamos falando. Mas não fazemos isso de propósito (ou ao menos, não a maioria de nós). Fazemos isso por vícios acumulados ao longo dos anos nas faculdades e na vida profissional. Em nome de todos os juristas que te confundiram até hoje, desculpa! Como você pode ver, direito é apenas bom senso e não precisamos ficar com receio dele. Com certeza não vimos tudo, mas vimos uma parte importante, ou ao menos o que, ao longo de mais de uma década ensinando direito para não advogados, percebi que os alunos tinham mais curiosidade e necessidade de saber. Deixamos de lado milhões de detalhes e exceções, mas começamos a compreender o funcionamento geral. Sobretudo, vimos que direito não é um bicho-desete-cabeças. As leis mudam e não vale a pena decorá-las (conheço pouquíssimos juristas que perdem tempo decorando leis, e eles normalmente não são convidados para as festas), mas se perdermos o medo que temos de lê-las e acreditarmos que podemos compreender o funcionamento de nosso próprio país sem precisar frequentar uma faculdade de direito, descobrimos não só onde nossos direitos terminam, mas também – e talvez sobretudo – onde eles começam. Espero que você tenha gostado (devo ousar a dizer ‘se divertido’?!) com o que aprendeu e coloque seus novos conhecimentos em prática.
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