As Batatas Azuis by Haydée Magriñá

As Batatas Azuis

Maria Angélica de Sá Earp 1

Para Mariana e Gustavo.

As Batatas Azuis

I Tenho uma amiga que se chama Dona Bruma. Ela gosta de plantar legumes e verduras, colecionar folhas secas e pedras coloridas. Conheci Dona Bruma quando chegava em casa com uma gaiola cheia de sapos. Olhem só que coincidência! Naqueles dias eu tinha ido ao Museu de Ciências e queria muito olhar os sapos de perto. - Puxa! Que sorte! Posso olhar? - Ah! Sim. Claro! Fui buscar esses sapos pra acabar com uns insetos que estão destruindo a minha plantação. Como também gosto de plantas, conversamos muito e acabamos amigas. A casinha dela fica espremida entre dois edifícios enormes. - A senhora tem uma PLANTAÇÃO? - Um pequeno jardim e uma horta.

- Uma horta? - É. Adoro comer os legumes e as verduras que eu mesma planto. O pior é que quase não bate sol no meu terreno. - Ué...as plantas não precisam de sol? - Pois é...! Pra crescerem faço de tudo. Converso com elas, coloco adubo, rego sempre e até ponho música pra elas escutarem. Mesmo assim, não se dão bem nesse lugar. Depois de um suspiro, disse: - Estou sempre seguindo alguns conselhos e fazendo mil experiências pra ver se meus legumes crescem fortes. De uma coisa tenho certeza: deles não abro mão. - Tive uma ideia! Posso escrever um e-mail pra um amigo de meu pai. Ele é botânico! Quem sabe ele pode ajudar.

Depois de um tempo, recebi um envelope grande e gordo. Tinha certeza que o Sr. Lourenço ia arranjar um jeito de Dona Bruma ver suas sementes se transformarem nuns legumes bem bonitos. Na mesma hora liguei pra ela. - Alô, Dona Bruma, tenho uma surpresa! O amigo do meu pai respondeu! Posso ir aí? - Oba... claro! Quando cheguei, Dona Bruma já estava no portão. - Que será que ele tem pra dizer? Tiramos os papéis do envelope e fomos ler. A solução era a seguinte: se não tem muita luz do sol, o negócio é usar muitas e muitas lâmpadas. - Nossa! Nunca vi isso. Mas vou tentar. - disse Dona Bruma toda feliz. 10

III

Depois de uns dias, o quintalzinho ficou tĂŁo iluminado que todo mundo parava pra olhar. Ela nem se incomodava! E ainda dava papo pra quem quisesse conversar sobre sua miniâ&#x20AC;&#x201C;horta.

IV Dona Bruma me convidou para tomar um lanche na casa dela. Estava tudo delicioso! -Você é mesmo uma garota muito legal! Adorei a ideia de escrever pro amigo de seu pai. - Ele demorou um pouco, mas acabou respondendo. - É mesmo. Foi muito atencioso.! Deu um gole de chá e continuou: -Sabe Flora, ando com umas dúvidas que não saem da minha cabeça. Estou pensando em descobrir outra maneira das plantas receberem mais luz. - Outra maneira? - É, fico preocupada de usar tanta luz elétrica. E Dona Bruma foi me explicando porque. - Puxa! A professora do meu colégio também falou sobre isso...Hum!... Vou tomar um pouco daquele suco. Ai que delícia! - Advinha de que é? - Ééééé... Não sei! - É de carambola. Não é gostoso? - Muito! - Mudando um pouco de assunto Flora... Estou com vontade de dar umas voltas aí pelo mundo? 14

- Umas voltas, como? Gosto muito de viajar! Disse Dona Bruma toda sorridente. - Mas pra onde? - Estou pensando em ir pra Europa. Vai ser uma viagem só pra ver jardins e plantações. - Que legal! Então, vai ter muitas fotos pra mostrar. - Ah! Isso mesmo. Também vou mandar pra você uns cartões postais dos lugares por onde passar. - Que maravilha! Assim vou aumentar a coleção de postais que herdei da minha avó. Ah!... Vou até prender alguns no meu diário. - Epa! Você me deu uma idéia! Vai ser ótimo se eu fizer um diário de viagem com anotações, fotos, desenhos etc. Vai ser uma boa lembrança. Vou caprichar!

Passado um tempinho, Dona Bruma estava embarcando! Fechou sua casa, me pediu para dar umas regadinhas nas suas plantas e partiu para o hemisfĂŠrio norte...

VI Conforme prometeu, logo, logo chegou um cartรฃo.

Olรก Flora, Ontem e hoje, caminhei tanto aqui em Paris que estou com as pernas duras! Passeei muito e depois fui onde mais queria: ao Jardim das Plantas. Quero conhecer Sr.Pierre, o jardineiro chefe. Soube que ele cultiva legumes raros, inclusive batatas azuis. Estou louca pra encontrรก-lo. Beijos, Bruma. Nossa! Como Dona Bruma foi descobrir essas batatas azuis!

VII Uma semana depois...

Olá Flora, tudo bem? Estou feliz porque consegui encontrar o jardineiro chefe. Pude ver os canteiros daquelas batatas que ninguém consegue mais encontrar nas feiras. Pena que não vai dar pra levar algumas pra replantar na minha horta! O jeito é me contentar com umas fotos. Até a próxima. Bjs. Bruma. Nem posso pensar na Dona Bruma fotografando! Ela me contou que pra conseguir boas fotos, faz qualquer negócio. Com isso já arranjou grandes confusões.

VIII Nem se passaram três dias e dessa vez Dona Bruma caprichou. Mandou um cartão lindo, daqueles bem compridos num envelope todo estampadinho.

Últimas notícias! Ontem vi um cartaz no Jardim que dizia: BATATAS AZUIS COZIDAS EXPERIMENTEM ! Claro que na hora marcada lá estava eu. Passeando pra lá e pra cá à espera das batatas cozidas, vi em cima de uma mesa um lembrete: “Quinta feira, ida ao Jardim Secreto.” Fiquei tão curiosa que fui logo perguntar ao Sr. Pierre, onde era esse tal jardim. Ele estava ocupado mas foi muito gentil me respondendo logo. 24

Marcou uma horinha para conversarmos sobre isso. Estou indo pra lá... Bjs. Bruma. Do jeito que a Dona Bruma é, duvido que ela não vá conhecer este jardim secreto...

IX Hoje recebi uma cartinha com duas fotos ótimas. Dona Bruma é muito esperta. Vai sempre registrando as boas ocasiões. Olhem só o que escreveu:

Olá amiga, No dia seguinte, fui encontrar o Sr. Pierre. (Aliás, as batatas estavam deliciosas!) Conversamos bastante e ele me contou, que quando estava pesquisando sobre a origem das batatas azuis, encontrou uns papéis com informações interessantes. Como o papel estava um tanto destruído, leu com dificuldade que alguém, dono de um castelo, assumia um compromisso com os próprios parentes, de conservar no Jardim Secreto, 28

plantas que eram cultivadas por seus antepassados, inclusive as raras batatas azuis, que eram as preferidas daquela família. Não me contive e pedi pra ir com ele. Lógico que eu não ia perder essa oportunidade! E ele concordou. Adorei! Vamos nessa próxima quinta-feira. Estou louca que chegue. Bjs. Bruma. Puxa! Que legal conhecer um Jardim Secreto...

X Dona Bruma faz cada surpresa! Hoje ela me escreveu um e-mail enorme contando como foi a ida ao Jardim Secreto. Bom dia, Flora! Acho q você vai gostar dessa história. Na 5ª feira, lá fomos nós rumo ao Jardim Secreto. Depois de 2hs de trem e mais uns 30' de carro, chegamos a um castelo de muitos andares. O motorista do carro q nos levou era mto tagarela! Foi logo dizendo: -O dono desse castelo é bem esquisito! Dizem q um dos seus antepassados, era um homem misterioso. Tinha um jardim onde cultivava plantas maléficas e venenosas. C/ elas fazia poções e magias! Sr. Pierre e eu nos olhamos assustados. Perguntei ao motorista: - Credo! Será q era um bruxo? Ele respirou fundo e continuou: - Parece que sim... Contam, q na parte do castelo onde estão as plantas, ninguém pode entrar. 32

Puxa!...Ficamos desanimados. Queríamos tanto conhecer o Jardim Secreto. Começamos a visita, subindo mtas escadas e rampas. Passamos por corredores e pontes, terraços e mais terraços, chaminés, torres e torreões até q chegamos num telhado altíssimo. Quando estavam todos distraídos ouvindo o guia, Sr. Pierre e eu não resistimos. Tomamos coragem e escapulimos. Andamos rapidinho. Passamos por escadas, corredores e espaços escuros cheios de arcos. Quando menos esperávamos... sentimos cheiro de plantas. Paramos e vimos uma porta de ferro. Quando abrimos ficamos de boca aberta! Era um jardim suspenso. Ensolarado, cheio de arbustos, folhagens, frutos exóticos e tulipas pretas. Estávamos super curiosos para ver se ali tinha mesmo as batatas azuis.

Fomos olhar as plantas e bisbilhotar os canteiros. Tínhamos q fazer tudo rápido p/ o guia e o grupo não perceberem nossa falta. De repente ouvimos um barulhão e a porta bateu. Tentamos abrir, mas não conseguimos... P.S. Ih! Flora, não posso escrever mais agora. Tenho um passeio de barco marcado c/ o pessoal do hotel. Acho q já estou atrasada! Escrevo mais tarde. Bjs.

Só no dia seguinte foi que Dona Bruma continuou o seu e-mail. Olá Flora, O passeio de barco valeu!Foi incrível. Tirei muitas fotos e fiz novos amigos. Voltando ao Jardim Secreto... Quando a porta bateu, tomamos um susto. Achei q alguém tinha nos prendido lá. Sr. Pierre esqueceu o celular dele e o meu ficou sem bateria. Dei a idéia maluca de procurarmos uma corda p/ tentarmos descer. Não encontramos nada. (acho q eu não ia ter mesmo coragem de descer dependurada!) Por sorte, o Sr. Pierre achou no chão uma faca quebrada. Inventou de tirar as dobradiças de uma portinha q tinha do outro lado. Fiquei torcendo p/ dar certo. Quando conseguiu, arrastou a porta e passamos pela fresta.

A descida não foi fácil. Tropeçamos várias vezes nas escadas. Bandos de morcegos passavam na nossa frente. Eram muitos corredores. Parecia q estávamos num labirinto. Nem sei como chegamos lá embaixo. Encontramos uma das portas, mal fechada. Saímos correndo e logo estávamos fora do castelo. Ficar presa num castelo daqueles ou dar de cara com um bruxo eram as últimas coisas q eu queria q me acontecessem. Apertamos o passo p/ chegarmos na estrada. Pedimos uma carona e voltamos p/ Paris no mesmo dia. O Sr. Pierre nem pôde ver, se tinha batatas azuis no meio daquelas plantas antigas. Que pena! Ainda estou me recuperando do susto... Bjs. Bruma.

XII Os dias foram se passando e Dona Bruma não mandava mais notícias. Eu estava louca para receber mais cartões. Até que enfim, ontem a noite...

Olá Flora, O susto já passou! Apesar de tudo, aquele jardim suspenso me deu ótimas ideias. Talvez eu possa fazer o mesmo com a minha horta. Estive pensando em construir um terraço no telhado da minha casa. Sei que lá bate o sol da manhã. O edifício da frente não vai fazer sombra porque é baixinho. Assim vou resolver meu problema de luz... Estou feliz! Ao mexer de novo no envelope, senti que tinha mais um postal.

XIII

Ontem encontrei no meu celular uma mensagem. Dona Bruma ia chegar à tarde. Então fui dar uma caprichadinha nas suas plantas. Comecei a regar e logo depois Dona Bruma chegou. - Viva Flora! Que bom ver você aqui! - Oláaa, Dona Bruma... Adorei os postais! E a viagem foi legal? - MUITO! Melhor não podia ser! Aproveitei cada minuto... Foi tão bom que qualquer hora dessas estou voltando!... Remexendo na bagagem, disse: - Aqui tem um presente para você! Antes de voltar, fui me despedir do Sr. Pierre. Ele me deu essa caixa. Disse que era uma caixa de amêndoas especiais. Nem tive tempo de abrir. - Hum...mas ela é sua!

- Que ótimo receber dois postais de uma vez só. Valeu!...

Anotei o pouco que vi por aqui, no meu caderninho: -Como guardar água da chuva pra regar as plantas -Como levar terra pra aquelas alturas -Como fazer uns aparadores de vento, etc. Já que você também gosta de plantas, vou pedir sua ajuda. Logo estarei aí pra por mãos a obra. Beijos Adorei o convite da Dona Bruma. Vai ser bem divertido. Ela está sempre inventando novidades!

- Não. Quero te dar! Puxei a fita e abri. - Oba! Quero experimentar. Ué! Porque só umas amêndoas estão embrulhadas, Dona Bruma? Estas são as especiais? - Não sei Flora, vamos ver? Abrimos os embrulhinhos. O Sr. Pierre tinha colocado junto com as amêndoas umas pequenas batatas azuis enroladas em papel laminado. - Caramba! Que surpresa! Rimos e pulamos de alegria. Dona Bruma foi descansar, prometendo que tinha muitas novidades para contar e que logo, logo iríamos plantar as batatas.

XIV

Na verdade, além de ser uma boa jardineira, Dona Bruma é também uma repórter amadora. Escreveu pra revistas de culinária, muitas receitas deliciosas com batatas azuis. Com isso, recebeu e-mails de cozinheiros famosos que andam atrás de novidades pra criarem seus pratos exóticos. Foi um sucesso!

Essa é minha nova amiga, Dona Bruma. Anda por aí olhando o mundo, se divertindo, aprendendo, inventando e escrevendo histórias. Se vocês encontrarem uma senhora conversadeira, com um caderninho na mão, uma máquina fotográfica pendurada no pescoço ou andando numa bicicleta verde com uma cestinha cheia de legumes, podem perguntar se ela é a Dona Bruma. Esse nome é tão esquisito que só vai poder ser ela mesma. Na certa, vai conversar com vocês, contar suas peripécias e provavelmente convidar pra provar uns quitutes preparados com os legumes e verduras de sua horta.

Quando estudei na Escola de Belas Artes, descobri que o que eu mais queria era criar personagens e desenhar histórias infantis. Então foi este o caminho que fiz. Trabalhei com crianças, desenhei muito, estudei artes e letras. Enfim, depois de tudo isto, os livrinhos começaram a surgir. Espero que vocês tenham gostado deste! Maria Angélica de Sá Earp