Cap 46

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Corrigir desequilíbrios hidroeletrolíticos. Efetuar a triagem de infecção em pacientes apresentando febre. Administrar antibióticos IV para tratamento de infecção se indicado. Iniciar esquema para encefalopatia hepática se indicado com: lactulose 30 ml VO de 6 em 6 horas, metronidazol 250 mg VO de 8 em 8 horas e restrição de proteína. Solicitar internação hospitalar de pacientes apresentando: sinais de encefalopatia, febre, ascite de início recente, ascite volumosa, hemorragia digestiva e comprometimento da função renal.

46. SEPSE a. DEFINIÇÕES

SÍNDROME DE RESPOSTA INFLAMATÓRIA SISTÊMICA (SIRS) A presença de dois ou mais dos seguintes critérios definem SIRS:

Temperatura > 38ºC ou < 36ºC

Frequência cardíaca > 90 bpm

Frequência respiratória > 20 irpm ou PaCO2 < 32 mmHg em paciente em ventilação mecânica

Contagem de leucócitos > 12.000/mm3 ou < 4.000/mm3 ou a presença de > 10% de formas jovens (bastões)

Em 2001, foram acrescentados à lista anterior os seguintes sinais e alterações laboratoriais: Edema após reposição volêmica ou balanço positivo Hiperglicemia Alteração do estado mental Níveis séricos elevados de procalcitonina e de proteína C reativa SEPSE É considerado séptico todo paciente que apresente os sinais e sintomas descritos para SIRS secundários a um processo infeccioso. SEPSE GRAVE A sepse grave é definida quando um paciente séptico desenvolve qualquer disfunção orgânica induzida obrigatoriamente pela própria sepse. As principais disfunções orgânicas são: a) cardiovascular; b) respiratória; c) renal; d) hepática; e) hematológica; e f) sistema nervoso central.


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protocolos das u nidades de pronto atendimento 2 4 h oras Critérios de Disfunção Orgânica

Cardiovascular

PAS ≤ 90 mmHg ou PAM ≤ 65 mmHg após ressuscitação volêmica adequada.

Respiratória

PaO2/FiO2 < 300

Hematológica Renal Metabólica Hepática

Plaquetas < 100.000/mm3 ou queda de 50% ou mais nas últimas 72 horas. Alterações da coagulação (INR > 1,5 ou TTPa > 60 s). Diurese < 0,5 ml/kg/h por pelo menos duas horas, mesmo após ressuscitação volêmica. pH < 7,30 ou excesso de base < –5 mEq/l com lactato plasmático > 1,5 vez o normal. Hiperbilirrubinemia (bilirrubina total > 2,0 mg/dl ou 35 mmol/l).

Adaptado de Bone RC et al. Definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovate therapies in sepsis. Chest 1992; 102: 1644-55.

b. RECOMENDAÇÕES

LACTATO SÉRICO Dosar lactato em todo paciente com suspeita de sepse grave. Devido ao elevado risco de choque séptico, todos os pacientes com lactato elevado (> 4 mmol/l, 36 mg/dl) devem receber reposição volêmica agressiva, com pelo menos 50 ml/kg de cristalóides nas primeiras seis horas, o equivalente a 3.500 ml de solução em um homem de 70 kg. Cuidado com a acidose hiperclorêmica por excesso de solução salina isotônica. Dosar periodicamente o lactato para acompanhar a ressuscitação volêmica.

Algoritmo para tratamento de lactato sérico elevado.


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O lactato é essencial para o diagnóstico de sepse grave pois representa hipoperfusão tecidual. Tem valor prognóstico, sendo um dos marcadores para avaliação da resposta ao tratamento. CULTURAS Febre, calafrios, hipotermia, leucocitose, desvio à esquerda dos neutrófilos, neutropenia e desenvolvimento de disfunção orgânica inespecífica são indicações específicas para obtenção de hemoculturas e urinocultura. Colher amostras de sangue e outros materiais para exame microbiológico e culturas antes da administração de antibióticos. Os pacientes com sepse grave apresentam entre 30 a 50% de hemoculturas positivas. Deve ser colhida mais de uma amostra (duas no mínimo, três é o ideal), com intervalos de cinco minutos entre as punções, que devem ser realizados em locais diferentes (tanto em leito arterial quanto venoso). ANTIBIÓTICOS e CONTROLE DO FOCO Administrar antibióticos endovenosos de largo espectro, após a obtenção de culturas, assim que a sepse grave for identificada. As principais fontes de sepse grave ou choque são as pneumonias e infecções abdominais. Devem ser adotadas estratégias para otimizar a utilização de antibióticos. Cobrir microrganismos Gram positivos e Gram negativos. ADMINISTRAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS DENTRO DE 1 A 2 HORAS A escolha do antimicrobiano deverá ser pautada em dados como: o foco infeccioso mais provável, se comunitária ou hospitalar, história de internação recente, uso recente de antimicrobiano, infecção ou colonização por bactérias com resistência à múltiplas drogas. O antimicrobiano deverá ser o mais adequado de acordo com os agentes microbianos mais prováveis (bactérias ou fungos) e deverá atingir boa penetração no sítio de infecção. Antimicrobianos intravenosos devem ser iniciados dentro da primeira hora após o reconhecimento da sepse grave e após a obtenção de culturas. Caso não consiga coletar cultura, ADMINISTRE o antimicrobiano. O regime antimicrobiano deve ser reavaliado após 48 a 72 horas, baseado no resultado das culturas e evolução clínica, com o objetivo de estreitar o espectro antibiótico (DESCALONAMENTO) e prevenir o


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desenvolvimento de resistências, além de reduzir a toxicidade e os custos associados ao tratamento. O regime antimicrobiano que será utilizado nas UPAs 24 horas: Estratégia para o Uso Racional de Antibióticos Pneumonia comunitária

Amoxicilina / Clavulanato 1g IV 8/8 h + Azitromicina 500 mg IV 1 vez ao dia ou Levofloxacina 750 mg 1 vez ao dia ou moxifloxacin 400mg 1 vez ao dia

Infecção do Trato Urinário

Ciprofloxacina 400 mg IV 12/12 h ou Ceftriaxone 2 g IV 1 vez ao dia

Abdominal

Amoxicilina / Clavulanato 1 g IV 8/8 h ou Ciprofloxacina 400 mg 12/12 h + Metronidazol 500 mg 8/8 h

Algoritmo de utilização racional de antibióticos em pacientes com sepse grave e choque séptico. Adaptado de Guideline for the management of adults with hospital-acquired, ventilator-associated, and healthcare associated pneumonia – ATS. Am J Respir Crit Care Med 2005; 171: 388-416.

REPOSIÇÃO VOLÊMICA Fazer reposição volêmica agressiva e repetitiva na presença de hipotensão e/ou lactato elevado induzidos pelo quadro séptico. Deve-se administrar inicialmente 20 ml/kg de cristalóide na suspeita de hipovolemia ou nos casos em que o lactato seja superior a 36 mg/dl. Dose equivalente de colóide é uma alternativa ao cristalóide, variando as doses correspondentes entre 0,2 e 0,3 g/kg, dependendo do colóide.


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Equivalência entre Cristalóides e Colóides Solução salina normal 0,9% Ringer lactato Albumina Albumina 4 - 5% Albumina 20 - 25% Hetastarch Hetastarch 3% Hetastarch 6% Hetastarch 10% Pentastarch Pentastarch 10% Dextran 60 3%, Dextran 70 6% Dextran 60 3% Dextran 70 6% Dextran 40 10% Gelatinas

20 ml/kg 20 ml/kg 0,24 g/kg 5,2 ml/kg 1,1 ml/kg 0,29 g/kg 9,7 ml/kg 4,8 ml/kg 2,9 ml/kg 0,30 g/kg 3 ml/kg 0,19 g/kg 6,3 ml/kg 3,1 ml/kg 0,30 g/kg (3 ml/kg) 0,23 g/kg

Adaptado de Evidence-based colloid use in the critically III: American Thoracic Society Consensus Statement. Am J Respir Crit Care Med 2004; 170: 1247-59.

De maneira geral, quantidades menores que 50 ml/kg raramente são suficientes para ressuscitação completa. Portadores de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) necessitam de reposição volêmica agressiva, contudo, a monitorização deve ser rigorosa. Os resultados de um estudo randomizado (SAFE trial) mostraram mortalidade idêntica nos pacientes que receberam albumina ou solução salina. Não há diferença no tipo de solução a ser utilizada. Nas UPAs a reposição volêmica deverá ser realizada com cristalóides! METAS DE RESSUSCITAÇÃO As metas a serem atingidas nas primeiras seis horas são: Pressão venosa central (PVC) entre 8 e 12 mmHg Saturação venosa de oxigênio (SvcO2) > 70% Débito urinário ≥ 0,5 ml/kg/hora Normalização dos níveis séricos de lactato A prioridade inicial é a reposição volêmica. A punção venosa profunda, para monitorização da PVC e da SvcO2 (saturação venosa central de O2) deve ser realizada em pacientes que necessitem de vasopressores. Em pacientes sob ventilação mecânica, um alvo mais elevado de PVC entre 12 e 15 mmHg é recomendado, levando-se em conta o aumento na pressão intratorácica. VASOPRESSORES Na presença de hipotensão com ameaça à vida, após reposição volêmica


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para correção do nível tensional, os vasopressores devem ser empregados para atingir PAM ≥ 65 mmHg. Assim que houver correção da hipotensão, o vasopressor deve ser retirado. Quando o paciente não foi ressuscitado adequadamente o vasopressor pode piorar o déficit perfusional já existente. Os pacientes portadores de doença cardíaca prévia não devem ser submetidos a um uso exagerado de vasopressores, com risco de aumentar em demasia o trabalho cardíaco. A introdução de vasopressores deverá ser considerada em média com 30 minutos após o início da reposição volêmica. Nas UPAs, a noradrenalina deve ser utilizada como vasopressor de primeira escolha para corrigir a hipotensão no choque séptico. A noradrenalina deve ser administrada em bomba infusora na dose inicial de 0,05 a 0,2 µg/kg/min; atingindo a dose máxima vasopressora em torno de 2 µg/kg/min. Na impossibilidade de retirar vasopressores, considerar outros diagnósticos, como depressão miocárdica, insuficiência adrenal, pneumotórax hipertensivo ou tamponamento cardíaco. Os pacientes com instabilidade hemodinâmica devem ser transferidos de imediato para o hospital de referência.

Algoritmo de ressuscitação inicial na sepse. SIRS = síndrome da resposta inflamatória sistêmica; PAS = pressão arterial sistólica; PVC = pressão venosa central; SvcO2 = saturação venosa central de O2; PAM = pressão arterial média. Extraído de Rivers E, Nguyen B, Havstad S et al. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med 2001; 346: 1368-77.


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CONTROLE GLICÊMICO A glicemia deve ser mantida abaixo de 180 mg%, em especial nos primeiros três dias. A oferta de máxima de glicose por via endovenosa deve ser de 9 g/ hora, em uma solução glicosada até 10% (em acesso venoso profundo). A dieta enteral deve ser instituída o mais breve possível, com uma oferta normal de calorias, em torno de 19 kcal/kg/dia. CORTICOESTERÓIDES EM DOSES BAIXAS Administrar corticosteróides em doses baixas por sete dias em pacientes com choque séptico (hipotensão refratária à reposição volêmica adequada e ao uso de vasopressores por, no mínimo, uma hora). Utilizar dexametasona na dose de 4 mg a cada oito horas; hidrocortisona 50 mg a cada seis horas ou metilprednisolona a cada oito horas. O uso de corticosteróides não provocou aumento de superinfecção, sangramento gastrointestinal ou hiperglicemia. Os pacientes que necessitam de infusão contínua de insulina devem ser transferidos para o hospital de referência. PROTEÍNA C ATIVADA A proteína C ativada deve ser administrada em pacientes com alto risco de morte (por exemplo, choque séptico, presença de disfunção de múltiplos órgãos, síndrome do desconforto respiratório agudo ou escore APACHE II > 25), observando as contra-indicações do produto. A utilização desta droga dever ser restrita ao ambiente hospitalar. VENTILAÇÃO MECÂNICA Empregar ventilação mecânica com volume corrente baixo (6 ml/kg) associado à limitada pressão de platô inspiratório (<30 cm H2O). Evitar a ventilação mandatória intermitente durante a fase aguda da doença. Ao contrário, utilizar a ventilação controlada a volume ou a pressão para prevenir espontaneamente grandes volumes correntes. O peso utilizado para determinar o volume corrente é o peso ideal, calculado a partir da altura: Homens: 50 + 0,91 x (altura em cm – 152,4) Mulheres: 45,5 + 0,91 x (altura em cm – 152,4) A hipercapnia (aumento da PaCO2) pode ser liberada para os pacientes


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com lesão pulmonar aguda (LPA) ou síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) com o objetivo de reduzir a pressão de platô ou o volume corrente. Os pacientes em ventilação mecânica devem ser transferidos para o hospital de referência. HEMODERIVADOS Existe a recomendação de realizar a transfusão de concentrado de hemácias e/ou uso de dobutamina se SvcO2 < 70%, após reposição volêmica suficiente para atingir PVC ≥ 8 mmHg. A meta inicial é o hematócrito ≥ 30%. Os pacientes com necessidade de hemotransfusão devem ser transferidos para o hospital de referência. SEDAÇÃO, ANALGESIA e BLOQUEIO NEUROMUSCULAR O uso de sedativos/hipnóticos está recomendado nos casos de agitação psicomotora, disfunção respiratória e necessidade de ventilação mecânica. O benzodiazepínico de rotina a ser empregado nas UPAs é o midazolam. O uso da escala de RAMSAY é útil no acompanhamento destes pacientes. No caso de infusão contínua é recomendada a prática de suspensão diária da medicação com o intuito de: Avaliar a condição neurológica do paciente Usar menor dose cumulativa do sedativo Promover menor taxa de polineuropatia no paciente grave Reduzir o tempo de ventilação mecânica Reduzir a necessidade traqueostomia Reduzir o tempo de internação hospitalar A associação de sedativos/hipnóticos com analgésicos sempre deve ser utilizada para reduzir a dose de cada tipo de droga. O analgésico de rotina a ser empregado nas UPAs é o fentanil. Os agentes promotores de bloqueio neuromuscular (tanto despolarizantes como não despolarizantes) devem ser evitados pelo risco de gerar ou agravar a possibilidade de polineuromiopatia do paciente grave.


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Escala de Ramsay para acompanhar o nível de sedação 1 2 3

Acordado, ansioso, agitado e/ou inquieto Acordado, cooperativo, orientado e tranquilo Acordado, responde a comandos Dormindo com pronta resposta a estímulos dolorosos leves ou auditivos fortes Dormindo com resposta lenta a estímulos dolorosos leves ou auditivos fortes Dormindo sem resposta a estímulos dolorosos leves ou auditivos fortes

4 5 6

DIÁLISE Os pacientes com insuficiência renal aguda, com ou sem estabilidade hemodinâmica, devem ser transferidos para o hospital de referência BICARBONATO – NÃO FAZER As soluções de bicarbonato não são recomendadas para o tratamento das acidoses metabólicas de origem extra-renal, principalmente a acidose lática. A indicação de bicarbonato está restrita à acidose de origem renal e ao estado hiperglicêmico hiperosmolar com pH < 7,0. PROFILAXIA para TROMBOEMBOLISMO VENOSO Os pacientes com sepse devem receber profilaxia com heparina não fracionada (HNF/heparina comum) ou heparina de baixo peso molecular (HBPM). Nos casos de contra-indicação (AVC hemorrágico recente, sangramento ativo, coagulopatia grave e plaquetopenia) a profilaxia mecânica pode ser aplicada (meias compressoras e/ou compressão pneumática intermitente). PROFILAXIA para ÚLCERAS de ESTRESSE As úlceras de estresse são comuns em pacientes com sepse, portanto, a profilaxia está recomendada. Os bloqueadores H2 são as drogas de escolha: ranitidina 50 mg IV de 8 em 8 horas. Os bloqueadores de bomba de prótons também podem ser utilizados: omeprazol 40 mg IV uma vez ao dia.


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