A Dança dos Beija-flores no Camarão Amarelo

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Jacintha e d i t o r e s


Copyright @ 2010 Jacintha Editores & Lucília Augusta Reboredo

R292d Reboredo, Lucília Augusta. A dança dos beija-flores no camarão amarelo. Curso e percurso do adoecimento. / Lucília Augusta Reboredo; apresentação: Ely Eser Barreto César – Piracicaba: Jacintha Editores, 2010. 124p.; 25 cm. isbn 978-85-60677-10-8 1. Biografia. 2. Relatos de experiência. I. Título.

cdd 920.72

Índice para Catálogo Sistemático 1. Relato de experiência – esclerose lateral amiotrófica (ela) 920.72 2. Doença – narrativa 920.72 3. Esclerose lateral amiotrófica (ela) 616.83

E ditor resp ons ável Heitor Amílcar C o ordenaç ão e ditor i a l Milena de Castro Proj eto g ráf ico e c ap a Juliana Mesquita E ditoraç ão elet rônic a Osh Desing Ficha c at a log ráf ic a Rosemeire Zambini Pro duç ão g ráf ic a Mundo Digital Gráfica e Editora Ltda.

Rua Humberto Carlos Strey, 140 c 13423-332 – Jd. Sta. Rita – Piracicaba/sp www.jacinthaeditores.com.br atendimento@jacinthaeditores.com.br


Apresentação

Ely Eser Barreto César

Quando tive a oportunidade, em 2006, de apresentar a amiga Lucília às pessoas que dialogariam com ela na exposição Recomeçar é Preciso – fossem elas suas antigas conhecidas ou recém-chegadas –, coloquei-me no lugar de quem necessitava sugerir a conexão entre a cientista-professora, com as fortes marcas de sua identidade protagonista, e a admirável pessoa humana que, então, emergia da esclerose lateral amiotrófica (ela). A tarefa não foi difícil, pois, nas peças expostas (telhas e mandalas), Lucília expressava uma profunda e rica subjetividade que, se nos surpreendia por ser manifestação pessoal – a denotar necessidade imperiosa de comunicação com o mundo exterior ao mesmo tempo que tocava os mistérios do cosmos –, nos aproximava da guerreira conhecida. Aquela exposição nos levou a mesclar, dentro de nós, dor e esperança, alegria e perplexidade. Mas em geral nos fez bem porque simplesmente estávamos em contato com quem sempre nos impactara fortemente e a quem devíamos muito. Na apresentação do presente texto que surge de um lugar permeado de contradições entre tristeza e reconstrução, entre doída lucidez e lúcida resistência, posiciono-me como quem testemunha, perplexa e maravilhadamente, as infinitas possibilidades da vida que atinge limites impensados, paradoxalmente sofridos e belos, mas, no conjunto, inesperadamente plenos e felizes. A Lucília que se instala em um hoje novo é protagonista paciente da busca de sentido que ilumina a todas e todos que dela se aproximam. Passeio com a Lucília, a cada semana, em dias fixos como o exige sua nova rotina, por capítulos de livros de interesse comum, sempre selecionados por ela dentre algumas opções. A partir dessas histórias e dramas, exploramos a tragédia e a doçura de toda condição humana, dialogamos mediados por comentários que brotavam de seu expressivo rosto, ora movido por forte emoção que desaguava em lágrimas, inevitavelmente


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recíprocas, ou em típicos sorrisos marotos, mutuamente repartidos, ora indicando aprovação, ou simplesmente apelando por um tempo de reflexão. Frequentemente éramos empurrados para alguma crítica, que a mágica circunstância estabelecida determinava como oportuna ou indispensável. Comungo com a Lucília atual, consciente prisioneira da ela, tendo como pano de fundo nossa enorme e longa parceria. Sonhamos, no passado, com utopias universais que transformávamos em estrelas guias de efetivas possibilidades, inclusões de toda a família humana na dança da existência com dignidade, no seio de uma natureza preservada. Tudo leva a crer que a inevitável concentração em sua subjetividade não lhe tolhe a fé naqueles horizontes. Se hoje lhe foi tirada a capacidade de atuar em processos históricos e significativos de mudança, Lucília revela apreciar sua condição de testemunha de grandes e pequenos ganhos, conquistas de diferentes grupos, no país ou no universo das nações. Acompanha, por interesse próprio, as causas ainda vivas de seu antigo cotidiano, aparentemente consciente de que sua contribuição, reconhecida como atual por todos e todas suas amigas e amigos, carrega a marca da continuidade. Demonstração do que afigura ser sua postura básica, e que nada tem de banal, é a sua alegria lúdica ao seguir, semanalmente, seu Corinthians do coração. O presente livro trazido a público por Lucília é um ato de coragem e ousadia. Pois, à proporção que vamos sendo impactados por uma sucessão de perdas que se acumulam dolorosamente – denominadas por ela, penosa e lucidamente, de despedida (“esta foi a última vez que caminhei”, “que dirigi automóvel”, que fui à minha sala de professora”), algumas vezes acrescido do relato honesto de choro profundo que preanunciava a ruptura sem volta –, ela vai nomeando adequadamente cada uma dessas passagens com a dor sentida. Contudo, o faz distante do sentimento de pena de si mesma, munida, isso sim, com a estranha lucidez de quem parece aceitar, como inevitável, o desconhecido que está por vir com a força de quem se decidiu a enfrentá-lo. Esses textos foram escritos ao longo dessa estranha caminhada, iniciando pelas primeiras manifestações da ela, quando ainda estavam preservadas várias habilidades motoras. Por comporem relatos acumulados à medida que suas circunstâncias evoluíam, soam tão verdadeiros. De certa forma eles resultam da velha prática científica de quem, por todo o exercício docente, se aplicara a registros de experiências, de eventos, de memórias a serem preservadas com potencial para se abrirem ao novo. É de todo evidente que o foco aqui não é a produção científica, e sim a necessidade pessoal de acompanhar-se como testemunha de si mesma nesse caminho sem retorno do aprisionamento do próprio corpo. O foco é a resistência do existir quotidiano, a exploração da qualidade possível em meio a uma tragédia pessoal descomunal. E, sobretudo, a descoberta de que sempre resta um quotidiano a ser dignificado, com o que valoriza a grande trama do próprio existir humano. É evidente que, embora se constitua na base do próprio viver, o quotidiano não é suficiente para dar conta de uma existência com significado, exatamente o que persegue essa guerreira. Ela se alimenta de muitas outras descobertas, que aparecerão em seu relato e em suas reflexões e que vão manifestando o seu segredo, o de como encontrar sentido em uma realidade dramaticamente limitada. Cabe chamar a atenção para sua descoberta de que há lugares na memória a serem cultivados como refúgio efetivo e seguro, por fazerem parte material da própria história.


A presentação

Mesmo vasculhando permanentemente seu mundo interior, Lucília é consciente dos valores inegociáveis da objetividade e do compromisso com sua maximização. Daí procurar se valer de teorias que circulam no mundo da investigação regrada, por ela cultivadas no passado, como referências que descortinem a nova trama na qual ela se tornou protagonista. A subjetividade desses relatos torna-se, assim, encantadora. Pois Lucília se recusa a não se indagar, a não formular as questões do sentido do existir no seio da prisão real que a vida lhe construiu. Ela parece guardar a lucidez para resistir à maior tentação humana de olhar-se com benevolência, buscando, dessa forma, respostas adequadas e ajustadas aos nossos desejos e inevitáveis limitações. Sua conhecida honestidade intelectual se revela inteira como um de seus mais seguros segredos.


Sumário

Introdução • 13 Curso e Percurso do Adoecimento Despedidas • 21 A visibilidade da tragédia • 28 Percurso doloroso • 34 Limitações e reconstrução de uma vida • 41 A vida possível com ela • 49 Renascimento • 57

Exposição Recomeçar é Preciso • 65 Inscrições em Imagens • 81 Complementos Cuidadoras, enfermagem e equipe multiprofissional • 115 A autora • 120 Quadro de comunicação alfanumérico • 123


Introdução

Mariá Aparecida Pelissari (Peli)

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In t rodu ç ão

A Dança dos Beija-Flores no Camarão Amarelo retrata um período da história recente da autora. Abril de 2003 a dezembro de 2007 corresponde à fase da vida de Lucília restaurada nesta publicação pelos acontecimentos, vivências, sentimentos, relações e nas reflexões sobre o que acometeu e mudou todos os seus projetos de vida. O adoecimento, seguido de contínuas perdas motoras irreversíveis provocadas pela esclerose lateral amiotrófica (ela), impôs-lhe uma condição de imobilidade total, com exceção do movimento dos olhos. Antes da leitura propriamente, cabe dar ao leitor dois esclarecimentos. O primeiro é que Lucília iniciou a escrita deste livro em 16 de abril 2006 e o terminou no dia 25 de agosto de 2009. Escreveu em intervalos muito variáveis. Houve épocas em que se dedicou a redigir duas vezes por semana e, em outras, a interrupção se alongou até por meses. O segundo esclarecimento é que a escrita utilizada por Lucília vale-se de um quadro alfanumérico. Tratase de uma espécie de tabela de comunicação artesanal, cuja definição se deu após alguns ensaios fracassados com modelos mais completos e mesmo outros compostos por recursos sofisticados, como com meios computadorizados. A estes Lucília não se adaptou, preferindo algo mais relacional, uma vez que, pelo sistema que terminou adotando, ela escreve com a ajuda de alguém. Tendo esse quadro à sua frente, Lucília acompanha com o olhar cada coluna apontada por quem o estiver manuseando, que também lê em voz alta a numeração correspondente à coluna. Ao identificar a coluna Arbusto ramificado, originário do Peru. Possui estrutura floral muito vistosa, com mais de uma flor por pedúnculo, brácteas amarelas e flores branco-creme, formadas na primavera e verão. É bem conhecida por atrair beija-flores. Esse quadro e as instruções para seu manuseio encontram-se no último capítulo deste livro.

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necessária, ela dirige seu olhar de imediato para a pessoa que a auxilia, confirmando, por tal movimento, que a letra desejada está naquela coluna. Acompanhando, a partir daí, a leitura de cada letra que compõe a coluna indicada, ela encontrará a que deseja para formar a palavra pretendida. Então, voltará a olhar para a pessoa, confirmando a letra. Pode-se dizer que ocorre um ‘soletrar com os olhos’. Essa é a base para sua escrita; no início, um processo lento, como é fácil perceber. O movimento dos olhos compõe, letra a letra, as palavras e frases, as sentenças e os parágrafos, que ao fim transmitem os seus pensamentos, suas necessidades, suas emoções. E foi através desse recurso que Lucília redigiu tudo aquilo que aqui disponibiliza ao leitor. Tal modo de escrever mostra, também, a particularidade do que se processa com relação à elaboração intelectual. Comumente principiamos nossa escrita sobre um determinado assunto sem sequer saber como a frase irá terminar. No caso de Lucília, o ‘soletrar com os olhos’ transfere para o papel algo que já estava elaborado em seu intelecto; por esse processo, os sentidos transmitidos já se encontravam anteriormente construídos pela autora. É soletrando com os olhos que Lucília constrói sentidos. Essa base para sua expressão é uma espécie de escritura de si, pois que, ao narrar seu percurso recente, Lucília se reinventa e possibilita sua nova inscrição no mundo. Assim, este livro confere o suporte ideal para ela ocupar um lugar na escrita de si, ao autorizar-se a publicar e esperar algum efeito no outro e em si própria. Por suas páginas, os olhos de Lucília falam, sorriem, ensinam, abraçam. Esses esclarecimentos elucidam algumas poucas repetições que possam aparecer ao longo do texto, resultantes do esforço de memória para manter o ordenamento dos fatos ocorridos. A Dança dos Beija-Flores no Camarão Amarelo narra uma história e constitui um escrito que se dirige ao leitor comum, ao paciente com ela ou com outras afecções neurológicas similares, e ainda a cuidadores e profissionais da saúde interessados em conhecer mais sobre como uma paciente com esclerose lateral amiotrófica, em sua condição de imobilidade, se elabora. Ou seja, traz a público o quão aguçados e sensíveis tornam-se o intelecto, a emoção e a memória dessas pessoas. A primeira parte do livro, o texto primordial ao qual o subtítulo Curso e Percurso do Adoecimento se refere, foi integralmente escrita por Lucília. Ela abre a narrativa em retrospectiva a 2003 e, no exato momento em que datou o período sobre o qual discorreria, já o intitulava: “Despedidas”. Depois disso retrata o ano de 2004 na seção “A visibilidade da tragédia”; na sequência, revive 2005, ano em que o “Percurso doloroso” concretizou-se no seu dia a dia. Abordando ainda o mesmo ano, “Limitações e reconstrução de uma vida” narra a escalada em suas restrições físicas junto com a chegada de profissionais para auxiliá-la e a descoberta da pintura em telhas e de mandalas. Já “A vida possível com ela” ilustra a reinvenção de seu viver no cotidiano ao lidar com a imobilidade que ia lhe acometendo, a presença familiar, novos aprendizados, desaguando na exposição de seus trabalhos na exposição Recomeçar é Preciso. O ano de 2007 mostrou-se decisivo e, com ele, a possibilidade do seu “Renascimento” se fez realidade, tema com que Lucília encerra o capítulo. A seção seguinte desta publicação resgata a referida exposição de suas pinturas, em 2006. É composta por uma breve introdução (“O sentido das telhas e das mandalas”), pelo então depoimento de Lucília e a apresentação do amigo Ely Eser, feita especialmente para a mostra. Reproduz, ainda, mensagens eloquentes


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deixadas pelos visitantes naquela ocasião, que tanto dizem do impacto causado pelos trabalhos de Lucília e pela própria postura sua para com a vida. Segue-se o caderno colorido Inscrições em Imagens, com reproduções de mandalas, junto a suas expressivas dedicatórias, e de telhas pintadas pela autora, além de algumas fotografias da própria Lucília e de ambientes caros a ela. A seção que encerra a publicação, Complementos, em primeiro lugar aborda o trabalho envolvendo “Cuidadoras, enfermagem e equipe multiprofissional”. Ao longo do processo de adoecimento, eram mantidos cadernos de registros dos trabalhos efetuados por cuidadoras e profissionais, nos quais Lucília pedia para deixar recados sobre os seus cuidados. Ela também assinalava ali as correções para aquilo que não estivesse bem, anotações essas que exemplificam o quanto sempre esteve atenta ao que acontecia com o seu corpo e a sua firme intenção em preservar esse sentido. Em tais registros, existem boas e úteis informações para aqueles que lidam com situações semelhantes. Por fim, são oferecidos dados biográficos da autora e reproduzido o quadro de comunicação alfanumérico, tão indispensável à atual escrita de Lucília, com algumas dicas de manuseio. Para finalizar esta introdução, a autora do livro envia a seguinte mensagem: Prezado leitor: Espero sinceramente que goste do que vai encontrar aqui. Abraços, Lucília

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Curso e Percurso do Adoecimento


Despedidas O ano de 2003 parecia promissor. Em abril, viajei a Salvador para participar de um congresso sobre psicologia e educação. Além das atividades do congresso, pude, durante uma semana, percorrer com os amigos as ruas antigas da cidade, com seus casarões imponentes, e assistir ao agito do Mercado Modelo. Caminhar por esses lugares históricos me deu enorme prazer, pois algumas daquelas ruelas me lembraram a aldeia em que nasci, no norte de Portugal. Dada minha origem, comecei a ser brasileira com oito anos de idade. Abril era um mês especial, por diversos motivos: meu nascimento no dia 12; o começo do nostálgico outono, com seus dias nebulosos, clima ameno; o prenúncio do inverno – a estação que mais gosto, as idas para as montanhas de Visconde de Mauá, aproveitando o recesso da Semana Santa. Fazer trilhas em matas fechadas e tomar banho de cachoeiras me colocava em contato com as formas mais belas da natureza nas quais Deus se apresentava e podia ser saudado com gritos primais. Era assim que eu e outros arianos festejávamos as datas do início de nossa relação com o mundo. Sou uma caçadora de imagens belas da natureza. São elas que me ajudam a enfrentar o medo e o sofrimento em situações difíceis. Em tais instantes, fixo uma imagem no pensamento e me transporto para vivenciar aquele momento que marca minha paixão pela natureza. Todo o temor desaparece. Minha existência se funde na imagem e nela me fortaleço. Talvez esse recurso explique a ausência de depressão na minha vida, apesar da tristeza insuportável. Naquele ano aceitei o desafio de buscar trazer para perto uma imagem que de longe me fascinava. Intui que estava havendo uma despedida daquelas montanhas. A imagem de uma queda d’água de uns 30 metros de

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altura, protegida por duas paredes de rochas verticais, e ornada pelo verde da mata e o azul do céu, era um fosso de difícil acesso. Tive de, com um amigo, atravessar um lago de águas geladas e pedras escorregadias. Depois do lago, era preciso escalar rocha com água escorrendo, o que tornava quase impossível a subida. Venci meus limites físicos e escalei até tocar a água gelada da cachoeira. Cansada, deitei numa rocha e tive a visão de uma das mais belas imagens, juntando os três elementos essenciais para o embelezamento da natureza: céu, água e mata. Há anos sonhava em morar em uma casa ampla, clara, com janelas de madeira e uma biblioteca espaçosa – um lugar no qual coubessem meus livros e que me inspirasse no momento de criar. A cozinha tinha de ser ampla para receber os amigos, pois ela é o melhor espaço para se aprofundar vínculos. Comer, conversar e rir junto aproxima as pessoas. Precisava ter, também, uma piscina que amenizasse o calor de Piracicaba, no interior paulista. Para receber os amigos e familiares, uma churrasqueira onde eu pudesse fazer minhas realizações na culinária das carnes. Essencial, ainda, seria um jardim florido, com muita grama e um caramanchão com plantas de diferentes espécies e cores que se abraçassem numa bela relação amorosa. A expectativa era melhorar a qualidade de vida, diminuindo parte do trabalho como professora, e disponibilizar tempo para o lazer, como nadar, cuidar do jardim e da casa, atividades físicas, mas que aguçam as capacidades do intelecto. Após dois anos de muita dor de cabeça no trato com os trabalhadores da construção civil, a casa ficou pronta em junho de 2003. Penso que uma pessoa centrada persegue a realização dos seus desejos. Ou seja, não basta sonhar, é preciso concretizar os sonhos. Para tanto, cabe determinação para planejar e viabilizar projetos de vida. Ocorre que os sonhos não se realizam solitariamente. É necessário contar com a ajuda do outro. Significa dizer que os sonhos são produções coletivas. Existem aqueles que não chegam a se realizar – as utopias. São sonhos convertidos em valores-guia, que orientam as ações na vida quotidiana. Ao longo de minha vida, teci cumplicidades com várias pessoas para realizar sonhos meus e os delas. Entre essas pessoas há uma toda especial, com quem compartilho meus projetos de vida. Com ela vivi os mais belos sonhos e realizações, como caminhar pelas ruas da Baixa Lisboa, onde Fernando Pessoa, com seu desassossego, inspirou-se para escrever lindos poemas. Ela entendeu e comigo se emocionou ao ver a beleza do Rio Tejo. Juntas, choramos quando do meu reencontro, depois de 50 anos, com a aldeia e a casa onde nasci. Tivemos vários sonhos em comum. O atual é o de que a ciência encontre respostas para a patologia que imobiliza o meu corpo – para tanto, tomou para si a missão de ser o meu anjo da guarda da vida. A Escola Superior de Agronomia Luis de Queirós (esalq) de Piracicaba, para os íntimos simplesmente Agronomia, é um pedaço do paraíso aos amantes da natureza, com vários lagos, amplos gramados, canteiros de flores das mais diversas espécies e cores, além de árvores centenárias, que entrelaçavam suas copas formando túneis verdes com incontáveis aromas, entre eles o adocicado perfume da dama-da-noite. Era nessa área de terra batida que eu gostava de caminhar no começo da manhã, pois no verão o calor era ameno e, no inverno, podia refugiar-me na neblina para pensar. Foi ali que concebi as melhores ideias para a minha tese de doutorado. O som dos pica-paus e a fusão dos raios do sol alaranjado no cinza da neblina produziam matizes azulados que me inspiravam. Com determinação conseguia vivenciar esses momentos quatro dias por semana, antes do trabalho.


D espedidas

As cenas observadas serviam de ilustrações para as minhas aulas. As cenas da vida quotidiana são alvo de interesse da psicologia social, por nelas se analisar o indivíduo no contexto de suas relações sociais mediadas pela cultura. Assim, em espaços públicos o psicólogo social observa as relações das pessoas com o mundo. Dessa maneira, me encantava ver as condutas daqueles que ali caminhavam, quando eram seguidas por cachorros abandonados em busca de um dono, ou ainda a pausa na caminhada para dar passagem aos quero-queros que, com seus sons altos, protegiam os filhotes para atravessar a pista. Havia, também, o grupo de donas-de-casa, que falavam sempre dos mesmos temas – filhos, maridos, preços dos supermercados, receitas de comidas. Nos fragmentos das conversas que eu ouvia, quando por elas passavam, podia avaliar até que ponto se distanciavam ou não de suas individualidades. Para ficar a par do futebol e das injustiças do inss, era só caminhar próxima aos aposentados, e ver ainda como eram ternos no trato com os gatos por ali largados. Apesar das condutas diversas dos usuários do parque da Agronomia, uma coisa é certa: as pessoas tornam-se mais humanas no contato com a natureza. Há tempos, uma dor no joelho esquerdo, devido a um desgaste ósseo, vinha dificultando minha caminhada na esalq. Numa manhã fria do início de junho, antes da mudança para a casa nova, olhei do nono andar do prédio em que morava e só dava para ver uma névoa branca. A cidade tinha desaparecido; imaginei ser isso verdade e, para meu próprio espanto, desejei que de fato tivesse acontecido. Essa reação sinalizava cansaço e irritação de minha parte com as pessoas, o que era raro, pois sempre fora paciente no trato com gente. Mas, afinal, quem não teria tal sensação depois de dois anos construindo uma casa numa cidade e num país onde a prestação de serviços é abaixo da crítica? Como era domingo, o dia estava ótimo para espairecer. Coloquei uma joelheira e saí para caminhar. A portaria do prédio restava deserta; nem o porteiro estava em seu posto. Pensei comigo que os deuses, irados, tinham me deixado sozinha no planeta. Andei os seis quarteirões da Avenida São João sem cruzar com ninguém. Isso me deu a impressão de que estava no reino de Avalon e que a qualquer momento iria encontrar, entre as brumas, os personagens mágicos daquele reino. Torci para que fosse Morgana, a figura mais instigante do romance, que narra a história do reinado de Arthur sob a ótica feminina. Morgana concretiza a dialética complexa do humano, quando se trata do bem e do mal. Voltei à realidade da neblina de Piracicaba ao avistar a cena habitual do casal que vendia caldo de cana no começo da São João, em frente à Agronomia. Ele, com aproximadamente 70 anos, magro, com o cigarro no canto da boca, equilibrando uma enorme cinza, fazia movimentos para frente e para trás a fim de limpar a cana, passando-a em duas lâminas em forma de ‘V’ presas em um cavalete. Ela, com mais ou menos a mesma idade, de sorriso terno, fazia o controle de qualidade da limpeza da cana, tirando com uma faca as impurezas que haviam passado. Essa cena de preparação do caldo, nas primeiras horas da manhã, sempre me comovia, pois era de uma dignidade ímpar a relação com o trabalho que esses dois idosos possuíam, em um país que exclui do mercado pessoas a partir dos 5o anos, taxando-as de velhas. O sorriso da senhora ao me perguntar se eu não estava com frio reconciliou-me com a humanidade. Atravessei a rua vagarosamente, curtindo a ausência de carros. Essa avenida era de um movimento intenso nos dias úteis da semana e isso fazia com que os pedestres ali estivessem sempre a fugir dos veículos. Entrei na

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Agronomia e, surpreso, o porteiro me olhou sonolento, parecendo não acreditar que alguém tivesse a coragem de sair de casa com aquele frio, num domingo às 6 horas da manhã, e ainda por cima apenas de bermuda e casaco de moletom! – minha roupa preferida para caminhadas. Um cachorro abandonado, solidário com a minha solidão, começou a caminhar ao meu lado. Fiz de conta que era meu companheiro. Andei no parque central, pois o prédio que domina essa área – uma construção do início do século xix –, envolto pela neblina, é uma imagem inesquecível! Caminhei uma hora, pensando numa proposta de mesa redonda para o encontro da Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso) que aconteceria em Porto Alegre, em novembro daquele ano. Pelas veredas da esalq junto à natureza, ficava mais lúcida para criar. Assim, defini o tema da mesa sobre políticas públicas da qual iria participar. Ao final, percorri um trecho de terra batida e, nesse momento, me dei conta de que o cachorro havia ido embora. Para relaxar, recordei uma passagem de minha infância em Portugal: um campo com neblina, onde um menino, atento, guardava ovelhas. Voltei à realidade sentindo muita dor no joelho e na perna esquerda; além disso, meu pé estava adormecido. Essa foi a última vez que caminhei na Agronomia. Irados, os deuses haviam me dado um domingo frio e enevoado, o tipo de dia que mais gostava, para me despedir. E principiava, ali, a tragédia que iria roubar a minha vida.

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imagens para dissipar medos – Não gosto de hospitais, nem de médicos. Isso se deve à perda de pessoas queridas: meu pai, com 33 anos idade, quando eu tinha 10; minha avó, anos mais tarde, e, em 1999, minha mãe. O sofrimento intenso marcou o adoecimento e a morte desses seres significativos na minha existência. Mas tal realidade não comprometeu minha visão preventiva de saúde, não sendo por acaso que até os 56 anos nunca tive problema orgânico significativo. No entanto, meus cuidados e precauções não impediram o aparecimento de uma séria questão em janeiro de 2000. A formação médica é algo grave em nosso país: os profissionais competentes são de difícil acesso, pois a maioria não trabalha com convênios e cobra caro tal capacitação. Essa constatação foi feita durante o adoecimento de minha mãe e do meu próprio. Um erro de diagnóstico – que seria mantido por anos, mesmo com exames periódicos – quase me foi fatal naquele janeiro. Aquilo inicialmente identificado como um simples mioma no útero, era na verdade um tumor de granulosa, que rompeu o ovário direito, provocando dores terríveis e uma hemorragia interna durante três dias. Por ausência de diagnóstico correto, fui medicada como tendo pancreatite. Estava em férias na praia. Após uma noite e uma manhã sem atendimento médico adequado, meu irmão Mané me tirou do hospital sem autorização médica e sob protestos da enfermagem. Essa decisão e conduta dele foram a minha salvação. Às pressas, de volta a Piracicaba sob os cuidados de um médico competente, diagnosticou-se a presença de líquido na cavidade abdominal e a necessidade de uma laparotomia exploratória. Foi-me deixada a decisão de ir para o centro cirúrgico imediatamente. Há momentos na vida em que a escolha de alternativas independe de nós. Ciente dos riscos, devido à minha debilitada condição física, encorajei-me, relembrando a sensação de grama molhada nos pés e a imagem de uma palmeira ornada pelo céu azul, última visão que tive ao olhar para a janela do quarto do hospital antes de me levarem para o centro cirúrgico.


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Na cirurgia constatou-se que o tumor rompera o ovário direito, provocando a hemorragia. Na condição de emergência, o médico, que era gastroenterologista, fez o estritamente necessário, recomendando, como terapêutica pós-operatória, a quimioterapia. O contato com o setor de oncologia foi um dos piores possíveis: a médica não teve a menor sensibilidade para lidar com o meu sofrimento, nem com minha fragilidade. Para mim, ela lembrou os médicos oncologistas que haviam tratado da minha mãe: a mesma prepotência, colocando-se na posição de deuses, como donos da vida de seus pacientes. Não me conformei em viver uma experiência de sofrimento semelhante ao da minha mãe, então fui procurar alternativas em São Paulo. Minha irmã Maria Rita conseguiu consulta com um oncologista renomado – como sempre, médico particular. Com a avaliação do meu caso, ele descartou a quimioterapia e sugeriu nova cirurgia, agora com cuidados oncológicos. Passado um mês da primeira intervenção, entrei novamente num centro cirúrgico, com a diferença de que agora estava em um hospital de primeiro mundo. Dissipei meus medos, novamente mergulhando os sentidos numa imagem de céu azul e na sensação de caminhar na praia, com a água do mar nos tornozelos. Nessa cirurgia retirou-se o útero. Isso aconteceu em fevereiro de 2000. Um mês depois estava de volta ao trabalho, como se estivesse retornando das férias. Três meses mais tarde eu já subia novamente as montanhas de Monte Verde, feliz e agradecida. O relato dessa experiência vivida naquele começo de ano evidencia, também, o início de minha vivência na personagem-doente. Bem, retomemos 2003, quando me despedi das atividades quotidianas e não quotidianas que compunham até ali a minha vida. Em 1.o de julho, Peli e eu mudamos para a casa nova que acabáramos de construir, deixando com tristeza o apartamento onde havíamos morado durante 10 anos ‘de bem com a vida’. Nunca gostei de mudar de moradia, talvez porque, nessas situações, cabe fazer um balanço de trajetória até então levada, num ritmo de providências em que não resta tempo para se pensar. Com três dias morando na casa nova, deixei a Peli e a nossa fiel escudeira Rita de Cássia no caos das arrumações e viajei para o Sul. Certamente esta não era a minha maneira de ser, deixando as pessoas sobrecarregadas. Mas a intuição me empurrava para ir. Parecia que algo me dizia que se tratava de uma viagem de despedida. E foi.

tempo feliz: começo do fim – Somos seis irmãos, cinco mulheres e um homem, e nessa viagem Maria Luiza, a mais nova, me acompanhou. Ela levou Felipe, o mais novo de seus filhos e também um dos 14 sobrinhos que tenho. Em Porto Alegre nos esperava a família do meu irmão Mané. Essas férias prometiam, já que estava em companhia de pessoas leves, bem humoradas e de quem gosto muito. Além disso, fazia frio e tinha a névoa, que me lembrava as brumas de Avalon. Na estrada para Bento Gonçalves, cidade onde meu irmão mora, fizemos uma parada num lugar ao qual eu gostava de ir para beber chocolate quente e comer sanduíche de queijo e salame na chapa. O dia cinzento e frio não diminuía nossa alegria do reencontro com o irmão tão querido. Eu adorava essas paradas nas estradas toda vez que viajava de carro. Durante uma semana passeamos pelos arredores de Bento Gonçalves, conhecendo como se produzia o mate

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e os teares com os quais se confeccionavam xales e mantas, ao estilo do século xix. Pudemos ainda percorrer as ruas de Gramado, com seu comércio variado e comidas deliciosas, sem contar o espetáculo da neblina no meio da tarde. As pessoas bonitas e bem tratadas nos davam a sensação de estarmos num país sem desigualdades sociais. Ficamos num hotel simpático em Canela, cidade pequena próximo a Gramado. À noite, caminhávamos pelas ruas frias com denso nevoeiro e, na volta ao hotel, sentávamos em frente à lareira, conversando até o sono nos vencer. Mas o espetáculo maior do lugar era ver, sob a neblina e sob a luz do sol, a igreja local em maravilhoso estilo gótico. No Sul, quem gosta de fazer churrasco encontra grande variedade de objetos para sofisticar o preparo das carnes. Voltei de lá com um aparato para inovar os churrascos que pretendia fazer aos amigos e parentes. A generosidade da Rita de Cássia e o companheirismo da Peli tornaram leves as minhas tarefas na mudança. Coube-me ajudar na organização da biblioteca e pendurar os quadros! A perspectiva era de que, no segundo semestre de 2003, haveria muito trabalho na universidade e, também, nas arrumações da casa nova para deixá-la com a ‘cara das donas’. Além disso, minha perna esquerda tinha piorado e isso significava perda de tempo com médicos e exames. No entanto, estava com disposição para enfrentar os desafios. Mas, no fim de agosto, já tinha passado por três médicos ortopedistas, que avaliaram a perna e a coluna sem chegar a diagnóstico conclusivo. Minha queixa era quanto ao lado esquerdo do corpo: dor no joelho, pequenas fasciculações na perna e o fato do pé estar um pouco caído. Contudo, essa situação de insegurança quanto à minha saúde não me impediu de curtir a nova residência. Regar o jardim e me molhar nos esguichos giratórios, plantar flores e percorrer lojas para decorá-la eram coisas que me davam prazer. No meio da arrumação, continuei a busca para tratamento de minhas dores. Foram meses de idas e vindas a consultórios de ortopedistas, reumatologistas, neurologistas e neurocirurgiões. Ninguém sabia o que fazer comigo. Discutia com eles os sintomas, e acabavam me dando livros das suas áreas para ler. O desconforto deles era visível. Eu devia ser um objeto que atestava sua incompetência. Pelos sintomas, a tendência médica foi responsabilizar a coluna cervical, mas eu sentia não ser isso, porque estava atenta às respostas do meu corpo e não parava de refletir a esse respeito. Existiam dois conjuntos de dados: os exames do cérebro não apontavam nenhuma anomalia; já os da coluna sinalizavam um estreitamento do canal medular, sem pressionamento da medula. Diante desse fato, minimizaram os sintomas e criaram um diagnóstico fictício para um corpo que não era o meu. Frente a tal realidade, decidi dar um tempo dos médicos de Piracicaba. Pretendia buscar em São Paulo as respostas que não conseguia encontrar aqui. A partir de outubro daquele ano as atividades na universidade aumentaram consideravelmente. Isso fez com que eu me desligasse das dores e trabalhasse normalmente, como se não tivesse problema de saúde. Nesse tempo, a dor do joelho diminuiu, mas a perna piorou – os movimentos involuntários aumentaram, o pé estava mais caído e sentia um cansaço anormal. O fato de eu ter de alterar a marcha, reduzindo seu ritmo em função das limitações da perna esquerda, modificou minha percepção de espaço e tempo. Os corredores entre os blocos da universidade nunca foram tão longos e eu parecia demorar horas para percorrê-los. Isso sem contar o constrangimento de caminhar devagar e mancando.


D espedidas

Esse sentimento se devia ao fato de que, pela primeira vez, expunha a minha fragilidade no espaço de trabalho no qual, durante 21 anos, eu não havia deixado que problemas pessoais alterassem minha relação com as pessoas nem com as atividades acadêmicas. Tinha outra coisa: estava muito cismada com a minha intuição. Era intrigante isso, porque não sou uma pessoa com essas características, ou, pelo menos, achava que não. Mas, de novo, insistentemente ela me dizia algo – lembro de ter suspeitado de alguma coisa relacionada ao começo do fim de um tempo feliz. Em meados de novembro, viajei a Porto Alegre para participar do encontro nacional da Abrapso. Havia organizado para a programação do evento uma mesa redonda sobre políticas públicas, na qual reuni profissionais por quem possuía profunda estima e identificação de ideias. Posso dizer que me despedi ali, em grande estilo, dessas reuniões científicas. Além disso, revi pessoas queridas e usufrui com alunos, ex-alunos e colegas o clima descontraído do encontro. Foi nele que falei pela última vez com a estimada Silvia Lane, antes de seu falecimento. Com ela aprendi muito sobre psicologia social, durante suas aulas no mestrado e doutorado. Porto Alegre é uma cidade interessante. Tem contrastes de clima, que vai do zero grau no inverno aos 40 graus no verão, possui belos espaços culturais, por lá se come bem e se pode ver o mais belo entardecer, às margens do Rio Guaíba. Além disso, há boas livrarias e uma população das mais bonitas que eu conheço. Para terminar otimamente a viagem, Peli e eu jantamos com meu irmão e minha sobrinha Tatiana em um restaurante de comidas ótimas. Dezembro de 2003 chegou e, com ele, o aumento das atividades acadêmicas. Minha perna piorava. Num exame de rotina para acompanhar a atividade do tumor de granulosa, obtive uma avaliação nada favorável. Havia indícios fortes de uma recidiva. Para tirar dúvidas, fiz exame específico para esse tipo de tumor. Isso implicou enviar amostras de sangue para os eua. A espera pelo resultado do exame não foi algo exatamente tranquilo, pois ele poderia ser tanto favorável quanto identificar a recidiva do tumor em seu início. Frente a essas possibilidades, o médico achou por bem esperar até janeiro para repeti-los. Ele parecia estar convicto de que o tumor não retornaria. Contudo, mais uma preocupação tinha se instalado junto às outras já existentes. O dia 23 de dezembro acabou sendo meu último dia de trabalho. Entreguei as notas, organizei o material dos alunos, minhas coisas pessoais e arrumei a sala. Estava saindo de férias, porém lá estava ela de novo: minha intuição. Uma cisma me dizia que eu não voltaria. Olhei demoradamente cada objeto da sala e, naquele momento, chorei. Não sabia direito por que chorava. Havia algo de despedida. Lembrando hoje aquele instante, penso que, de algum modo, soube que a minha vida iria mudar muito. Passei o Natal de 2003 na casa nova, com minhas irmãs e suas famílias. Havia umas 28 pessoas. Infelizmente meu irmão não pôde comparecer, como vinha acontecendo há mais de 20 anos. Mas, para minha alegria, esse foi o primeiro Natal que a Peli passou conosco.

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A Visibilidade da Tragédia Como fazíamos todos os anos, após o Natal fomos para a praia a fim de passar as férias de verão de 2004. Com alguma dificuldade, dirigi a Pajero até o litoral. Eu adorava estar ao volante em estradas, enquanto contemplava a natureza e ouvia música clássica. Sentia uma sensação de liberdade indescritível. Foi essa a última vez que peguei estrada, estando eu dirigindo. A passagem do ano junto ao mar nos torna pessoas melhores, pois ficamos extasiados olhando o firmamento colorido pelos fogos de artifícios, respiramos a fraternidade de centenas de famílias que esquecem seus dramas e renovam a crença em tempos melhores. Tornamo-nos crianças de fé ao pularmos as sete ondas fazendo pedidos de adultos. Os meus, naquele ano, não foram atendidos. Penso que Iemanjá estava muito distraída admirando a sua beleza no espelho das águas. Os anos pares têm para mim a simbologia de renovação da esperança por uma vida melhor. Sinto isso porque nasci no dia 12 de abril de 1944, data repleta de números pares. Gosto dessa data, ela me parece ontológica. Contudo, 2004 foi o ano par no qual minha tragédia se tornou visível. Voltei da praia em 5 de janeiro, com dor de dente, além daquela no joelho esquerdo. Parei em São Paulo para uma consulta com a Heloisa, minha dentista há mais de 30 anos. Nos dias seguintes, procurei um ortopedista de renome na cidade. O atendimento desse profissional foi inusitado: fiquei duas horas conversando sobre exames e sintomas com a médica assistente; o médico-estrela me examinou por 15 minutos, não deu qualquer diagnóstico e me mandou fazer fisioterapia. Tendo passado por algumas sessões, desisti dele.


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Os novos exames de rotina, que haviam sido realizados no final de 2003, sinalizaram que de fato havia uma recidiva na região pélvica. O oncologista, para confirmar, pediu, naquele início de 2004, uma punção, que verificaria in loco as células tumorais. Fui para o exame apreensiva, com medo dessa situação nova. Contudo, a docilidade dos médicos que me atenderam, e minha facilidade em me apegar a imagens da natureza, trouxeram calma. Como a sala de exame estava gelada, me imaginei andando em um campo coberto de neve. O exame deu positivo. Diante desse resultado, deveria enfrentar uma nova cirurgia. Para compor a equipe médica, o oncologista pediu que um urologista examinasse o aparelho urinário. Essa avaliação me exigiu enfrentar a anestesia geral e, pela segunda vez, o centro cirúrgico do Hospital Sírio Libanês. Antes de me refugiar nas minhas imagens da natureza, senti a modernidade ao entrar no setor cirúrgico. Ali, fui colocada em uma esteira giratória e daí para a maca que me levou a sala de cirurgia. Nessa sala, o anestesista já me esperava, contando piadas. A voz era conhecida, deduzi ser ele o mesmo da equipe do oncologista e deveria se lembrar de mim da primeira cirurgia, mas não deu nenhum sinal disso. Depois de contar o procedimento, falou que eu iria fazer uma viagem inesquecível. Mal sabia ele que eu já estava viajando! Acordei com o médico dizendo que o tumor não havia afetado a bexiga, apesar da proximidade. A ressaca da anestesia eu passei no carro de volta para Piracicaba. Peli e Buco me acompanharam todo o tempo, silenciados e doloridos. Dormi a viagem toda e sonhei que estava num campo de trigo, sob o som das espigas balançando ao sabor dos ventos.

cinco estrelas – Era um domingo, véspera da minha internação para a cirurgia da retirada do tumor. Estava muito, muito triste, pensando nas situações difíceis que teria de enfrentar, desamparada pelos deuses. Essa tristeza foi amenizada pelo companheirismo da Peli e pelo carinho da Leila Jorge e do Luizito, que haviam aparecido no fim da tarde, trazendo pão recheado de queijo e berinjela para lancharmos juntos naquele dia, que era também aniversário de casamento deles. Nunca vou esquecer a sensibilidade desse casal amigo diante daquela situação. No dia 6 de fevereiro, data do falecimento de minha mãe havia cinco anos, demos entrada às 6h da manhã no Hospital Sírio Libanês. O saguão do hsl parece o de um hotel cinco estrelas e só nos damos conta de que estamos em um hospital devido ao número elevado de pessoas vestidas de branco. Passadas duas horas de espera, um velhinho simpático me levou em cadeira de rodas para a recepção do 8.o andar, na qual uma enfermeira afável nos encaminhou ao quarto. Era uma suíte. A enfermeira pediu desculpas e explicou que não havia vaga em quarto comum! Assim, tive a chance de conhecer a área vip do hsl. Os hábitos e o modo de suas enfermeiras lidar com os pacientes permitem compreender por que o hsl é a instituição com o melhor controle sobre as infecções hospitalares. Elas só tocam nos pacientes com luvas, às vezes usam duas, não se aproximam da cama e dos lençóis em demasia, apenas o indispensável para realizar os procedimentos; comunicam-se com o olhar e, na entrada de cada quarto, trocam máscaras e luvas. Nos corredores há lavatórios e a limpeza dos quartos é feita três vezes ao dia. Uma enfermeira jovem e bonita veio me preparar para a cirurgia, a ser realizada às 7h do dia seguinte. Mais uma vez fui levada ao centro cirúrgico. Antes de fechar os olhos, vi a indisfarçável expressão de preocupação

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estampada no rosto de Peli e me refugiei na imagem do alto de um morro em Monte Verde. Chegando ao centro cirúrgico, escutei a voz do oncologista e dormi. Ao acordar, ouvi a enfermeira da sala de recuperação pedindo-me para esforçar-me em respirar e falando com o médico sobre os meus sinais vitais. Ele me disse que a cirurgia havia transcorrido com sucesso, que eu estava bem e logo iria para o quarto. Cheguei sonolenta e lá estavam várias pessoas, mas eu só queria saber de dormir. A recuperação pós-operatória foi boa. No terceiro dia, às 23h, recebi a visita do médico oncologista responsável pelo setor de quimioterapia. Ele veio, àquela hora, me explicar como seria o tratamento quimioterápico ao qual eu deveria me submeter. Parecia que estava falando de algo simples e, no entanto, contou sobre as dificuldades que ocorreriam com esse tipo de tratamento. Seria uma quimioterapia preventiva, mas pesada: cinco ciclos, cada qual com seis sessões semanais, com intervalos de três semanas entre eles. Em cada ciclo, eu tomaria três drogas diferentes em sessões individuais, que durariam seis horas. Quando ele saiu do quarto, perguntei-me como um médico podia falar essas coisas dolorosas e horríveis para uma paciente, em recuperação de cirurgia, àquela hora? Foi nesse momento que me ficou claro também o quanto esse oncologista era prepotente. Após cinco dias de internação recebi alta com a orientação de iniciar a quimioterapia em março. Protelei ao máximo, porque voltei minha atenção para saber a origem da dor na perna esquerda. Recorri a outro ortopedista famoso em São Paulo. Com o pedido de exame nas mãos, ele me disse que o problema não era ortopédico, e sim neurológico. Indicou-me um especialista de sua confiança. Ligou no ato para ele, e marcou uma consulta para mim. Em duas horas constatei que meu caso era grave. Esse neurologista me examinou e pediu exames a outro especialista. O diagnóstico revelava um problema no neurônio motor. O resultado do exame trazia a sigla ela, para mim uma doença desconhecida. No retorno à consulta, o médico neurologista foi cauteloso ao me explicar a patologia que me acometera. Disse-me não haver cura; que a patologia poderia levar de dois a dez anos para se desenvolver e que eu teria limitações, mas não falou quais seriam essas limitações. E eu tive medo de perguntar. Saí do consultório angustiada e com um nó na garganta. Meu sofrimento era intenso e não consegui chorar. O silêncio de minhas irmãs Luiza e Maria Rita mostrava-me que elas também estavam sofrendo. Demorei uns dias para me recompor e definir o que fazer. Como não gosto de deixar nada pela metade, decidi fazer a quimioterapia. Assim, preparei-me para enfrentá-la. Antes, porém, procurei outro neurologista para ter uma segunda opinião. Ele me deixou esperando por duas horas. Contei-lhe resumidamente o que me havia sido diagnosticado. Ele me ouviu em silêncio e disse – para meu espanto, do meu irmão e de minha irmã – que não seria ético atender paciente de outro colega. Lembro-me que fiz um discurso sobre ética e direitos do paciente. Depois da minha fala, o seu humor modificou-se e ele me examinou. Mas eu já tinha perdido a confiança naquele médico. Era apenas outro que passava em minha vida.


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ciclos de tratamento – Chegou o mês de abril de 2004. Eu já estava, então, com dificuldade de andar, pois minha perna esquerda piorara e o braço esquerdo apresentava perda de movimento. Minha voz mudou de timbre e meu cansaço aumentou consideravelmente. Ignorei tudo isso e voltei minha atenção à quimioterapia. O setor de oncologia do Hospital Sírio Libanês era novo, com uma ampla sala de espera e diversas saletas individuais para o atendimento reservado aos pacientes. Dias antes de começar, eu estava bastante apreensiva, pois me lembrava do sofrimento de minha mãe nesse mesmo processo. O que me confortava era a presença de meu irmão Mané, que se comprometeu a me acompanhar durante todo o tratamento. E assim o fez. A cada ciclo, ele viajava de Porto Alegre a São Paulo e, mensalmente, permanecia junto comigo ali naquela saleta. Durante aquelas cinco semanas, fiquei na casa de minha irmã Maria Rita, em São Paulo. Luiza, Jacinta e Maria da Luz se revezavam no trabalho do almoço, banho, cuidados e atenção especiais. Nas semanas de descanso, voltava para minha casa em Piracicaba. Iniciei o primeiro ciclo em 12 de abril. Dia do meu aniversário de 60 anos. Ganhei de presente uma agenda com os cuidados que deveria ter durante o tratamento. Nessa data ficamos, eu e Peli, seis horas confinadas numa sala. Tomei três drogas. Meu braço doía. Para aguentar a dor, pensava em outro aniversário, o do ano anterior, que passara em Visconde de Mauá. A imagem que fixei no pensamento foi a da cachoeira onde a água fria fez com que eu liberasse o meu grito primal para saudar os deuses, uma brincadeira inventada por nós. Nos primeiros três dias de quimioterapia, não senti nenhuma alteração no organismo, afora a dor provocada pela dificuldade de puncionar minha veia para a injeção das drogas. A sensação, porém, é horrível: de envenenamento. E de fato estava sendo envenenada para matar algo dentro de mim, de modo que este algo, por sua vez, não me matasse. Depois do quarto dia, comecei a sentir mudanças orgânicas fortes: dificuldades de comer, de evacuar, além de uma fadiga fora do normal. Passada a primeira semana de tratamento, pude conhecer a rotina do setor. Os pacientes saíam do elevador, paravam num balcão para identificarem-se e tomar café ou água na primeira sala de espera, e passavam para a segunda saleta de espera, próxima daquelas de atendimento individual, onde se localizava o setor de enfermagem. Conheci também algumas características dos pacientes oncológicos. Eles tinham as mais variadas idades, de crianças a idosos. Mas, independentemente da faixa etária deles, todos traziam semblantes tristes e, quando o olhar cruzava com o deles, o desviavam, em claro sinal de não interação. Estabeleciam algum contato apenas com os integrantes do corpo de enfermagem. Penso que essa não interação entre os pacientes se dava para evitar qualquer informação da história de sofrimento de cada um. Enquanto seus acompanhantes conversavam sobre variados assuntos que diziam respeito aos pacientes, era possível se identificar quem era acompanhante e qual o paciente, dado o olhar triste deste último, mesmo que usasse peruca para esconder a falta de cabelos, recurso comum às mulheres. O médico havia falado que eu poderia levar uma vida normal durante o tratamento. No entanto, eu sentia grande mal-estar. Só tinha vontade de ficar deitada, nada me animava e eu chorava quando as pessoas falavam comigo. Cada pessoa reagia de forma diferente ao meu choro, uma vez que isso não me era comum, pois sempre controlei bem as

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emoções. Eu não entendia essa minha fragilidade. Mais tarde vim a saber que a ela causa instabilidade emocional. Passadas duas semanas em São Paulo, voltei para Piracicaba, com muita saudade da minha casa.

pronto-socorro em piracicaba – Poucas horas após ter chegado, trazida por meu irmão e uma de

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minhas irmãs, me senti mal. Meu irmão acabara de ir embora. Perdi os sentidos, sofri uma espécie de convulsão e voltei a mim com a minha irmã Maria tentando me reanimar e a Peli falando em me levar para o hospital. Vivi aquela cena como se fosse um sonho ruim do qual esperava poder acordar a qualquer momento e voltar à doce escuridão do esquecimento. Ao recobrar a lucidez, estávamos chegando ao pronto-socorro da Santa Casa, onde a enfermeira que nos recebeu usava um perfume tão forte que me causou náuseas. Enfermeiras deveriam ser proibidas de usar perfumes. Fiquei mais de uma hora esperando o médico do plantão, que, ao chegar, ouviu as informações sobre o tratamento de quimioterapia. Pediu um exame de sangue e, poucos minutos depois, a enfermeira – como sempre ocorria – via-se em dificuldade para encontrar uma veia minha e puncioná-la. Era um dia muito quente. Por sorte, fiquei deitada numa cama próxima à porta e isso fazia com que recebesse uma brisa e me livrasse do barulho das pessoas na sala da recepção. Procurei dormir para passar o tempo, já que não tinha vontade de conversar. Dormi umas duas horas. Anoiteceu, acordei melhor, com vontade de ir para casa; porém, mais uma hora se passou até chegar o médico com os resultados do exame. Pela sua expressão séria deduzi que não eram bons. As taxas de magnésio e potássio estavam muito baixas e eu estava desidratada; precisaria ficar internada e receber medicação até melhorar. Pela manhã, uma médica oncologista iria me ver. E de fato veio. Ela disse que a prescrição do médico feita na noite anterior estava correta. Fez algumas perguntas sobre o tratamento de quimioterapia, pedindo o telefone e o nome do especialista que me atendia no hsl, com o qual – eu soube posteriormente – ela nunca conseguiu falar. Fiquei hospitalizada cinco dias. Nesse tempo, alguns amigos me visitaram. Os assuntos preferidos eram a Unimep, universidade onde eu lecionava, e a falta que eu fazia nas reuniões da Psicologia, o curso em que dava aulas. Quando recebi alta, fiquei uma semana em casa, onde pude curtir o meu jardim. Mas as limitações físicas devido à ela evoluíram. Andava com dificuldade, minha fala era mais pausada e sentia enorme fadiga. Ter de voltar para São Paulo me deixava triste. Minha vontade era largar tudo, porém, aquela minha característica de não deixar nada inacabado me nutriu de coragem e me preparei para enfrentar o segundo ciclo de quimio. Na consulta ao médico responsável pelo tratamento tive a grata surpresa da notícia de que ele iria diminuir um ciclo e uma droga. Sugeriu também que eu colocasse um cateter, por causa da dificuldade de puncionar minhas veias. Colocar o cateter implicava ir para o centro cirúrgico e receber anestesia geral. Logo que passou o seu efeito, fui levada para o setor de oncologia a fim de iniciar o segundo ciclo. Com o cateter, o tempo da sessão de quimioterapia ficou reduzido pela metade. Meu estômago também melhorou com a administração de um remédio importado caríssimo, que o oncologista havia receitado. Tinha de tomá-lo uma hora antes das aplicações. Só não suportava o cheiro do tempero de comida, um dos efeitos do tratamento.


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evolução acelerada – Nessa época, meu cotidiano era monótono. De manhã ia para o hsl e enfrentava o congestionamento da Av. 23 de Maio. Concluída a sessão de quimioterapia, voltava para a casa da minha irmã, na Chácara Flora, e conversava com Mané ou, o que sempre fazia, lia um pouco. Também me punha a olhar, pelo vidro da sacada do 15.o andar, as pessoas na rua, e elas me pareciam bonitas. Observava também as árvores da rua de frente e me imaginava em Visconde de Mauá. Durante o segundo ciclo, tive apenas alguns episódios de queda de pressão, que me deixavam com malestar. A médica, então, retirou o remédio para pressão alta. Eu estava deixando de ser hipertensa. Com exceção da fadiga, que aumentava dia a dia, me sentia bem. Depois de 15 dias de tratamento, retornei a Piracicaba – e aí começou o meu martírio. Dia e noite minha cabeça doía horrivelmente. As dores não passavam com os remédios e parecia que meu cérebro estava sendo destruído. Dias mais tarde descobri a razão: os meus cabelos começaram a cair. A queda era tão intensa que o simples passar de mão neles trazia grandes chumaços. Tinha a sensação de que o corpo estava se desmanchando. Para acabar com esse sofrimento, optei por raspar a cabeça. Lembro-me que num sábado, numa linda tarde, sentei-me no jardim e pedi que me cortassem o cabelo. Essa é a simbologia de quem faz quimioterapia. O terceiro ciclo começou numa manhã fria de junho de 2004. Nunca sentira tanto frio na cabeça. Constatei, assim, que o cabelo não possui somente uma função estética, mas também de proteção. Fui presenteada com vários gorros, mas o que mais usava era um de alpinista francês, ganho do meu irmão. Esse ciclo transcorreu bem. Apenas sofri uma queda no banheiro, enquanto tomava banho. Fui socorrida por meus irmãos que, assustados, me tiraram do boxe. Não sei se meu choro era de dor ou de vergonha por expor minha intimidade e fragilidade. Como batera a cabeça e o braço direito na parede, meu irmão achou melhor consultar um médico antes das outras sessões de quimio. Nada tinha sido quebrado. No entanto, a queda deixara a região atingida dolorida, e o médico sugeriu cuidado redobrado, porque era comum os pacientes de quimioterapia sofrerem quedas. Voltei às sessões mais entristecida ainda, pois começaram a ficar visíveis as limitações por causa da minha patologia. Mas até então eu continuava a conhecer pouca coisa sobre a ela.

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Percurso Doloroso Durante o tempo em que estive em São Paulo em 2004, para me submeter aos ciclos da quimio, os dias de frio de lá me deixavam triste e com saudade do meu cotidiano de professora. Como eu possuía na universidade horas de crédito acumuladas em semestres anteriores, usei-as para manter meu vínculo com a Unimep e aulas minhas passaram a ser dadas por colegas solidários. As horas de expediente, dedicadas a pareceres de projetos, eu poderia cumpri-las em casa. Meus amigos trataram com razoável tranquilidade o fato de eu ter tido câncer, mas lhes pareceu difícil aceitar que estivesse com um problema neurológico. Percebia isso claramente. Duas dessas pessoas queridas, Telma e Nilce, marcaram-me uma consulta com um neurologista famoso da Unicamp. Como não pude ir, levaram todos os meus exames para ele analisar. O diagnóstico foi igual ao do médico de São Paulo, mas valeu por ele indicar uma fisioterapeuta em Piracicaba, com conhecimento das especificidades do trabalho com ela. Tempos depois soube que, na tal consulta com minhas duas amigas, acabou acontecendo uma conversa mais de cunho de consolo e aceitação do que exatamente médica, e fiquei com a impressão de que a medicina nada tinha a fazer com a minha patologia. Peli procurou a fisioterapeuta que fora recomendada para explicar a minha condição. E Benedita, a Bene, veio me ver. Era uma figura bonita, simpática, afetuosa e de conversa agradável. Nos dias em que eu estava em Piracicaba, ela me fazia fisioterapia motora duas vezes por semana, na medida em que eu já apresentava muita dificuldade para realizar alguns movimentos.


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Agora eu já tinha conhecimento de que a ela paralisaria todo o meu sistema motor. As partes mais atingidas inicialmente foram o braço e a perna esquerdos; em seguida, comecei com dificuldades para falar, mas não a ponto de deixar de me fazer entender. Ao fim de toda sessão eu ficava triste, já que a cada dia se acelerava perceptivelmente a evolução da patologia. Eu chegava a pensar também que poderia ser efeito da quimioterapia, mas no íntimo sabia que era em decorrência da ela. Em julho, ainda frio, voltei a São Paulo para fazer o quarto e último ciclo. O cateter facilitava a administração das drogas, sem dor, e o melhor momento da manhã se dava quando, ao final da sessão, eu e meu irmão nos sentávamos na lanchonete do saguão do hospital, comíamos pão de queijo e conversávamos sobre vários assuntos ou apenas observávamos as pessoas que chegavam e saíam. Parecia que estávamos de férias, pois, longe do cotidiano atribulado, o tempo tinha outra dimensão. À tarde era usual minhas irmãs irem me visitar. Pairava um clima de descontração, apesar da situação. Peli chegou a me acompanhar várias vezes nesse ritual, mas pareceu-nos melhor que ela continuasse seu trabalho e dando suas aulas. Nós nos falávamos por telefone todos os dias. Ela me perguntava várias vezes se não achava melhor interromper a quimio e monitorar o tumor. Hoje tenho noção de que ela sabia muito mais que eu sobre a ela e tentou – sem que eu tivesse então conhecimento disso – convencer os médicos a abortarem os ciclos. Mas eles achavam que aquilo poderia bloquear a evolução da doença. Falavam de pesquisas com pacientes com neoplasia e portadores de ela que haviam obtido bons resultados, uma vez que ainda é desconhecida a origem de tal enfermidade. Não foi esse o meu caso.

voltar a dar aula? – Durante a quimioterapia, criei afeição pelas enfermeiras. Elas cuidavam muito bem dos pacientes e pareciam conhecer o sofrimento e os dramas de cada um. Eu sempre me emocionava ao ver a maneira como todos os doentes procuravam esconder a magreza e a falta de cabelo. Eu, ao fim do tratamento, pesava 72 quilos e também usava gorro. Com o tempo isso já não me incomodava mais e, não estando frio, tirava o gorro na frente das pessoas. O médico responsável pela quimio estava em contato com o neurologista que havia diagnosticado o caso. Na última consulta sugeriu que procurasse o neurologista com urgência. Estranhei tal sugestão. Por um lado, sabia que precisava enfrentar o problema neurológico, mas, por outro, estava confusa quanto aos efeitos da quimio e da patologia. Diante disso, decidi tentar esclarecer a razão de meus olhos ficarem sensíveis à luz, por que não suportava mais cheiros fortes, principalmente de comida, além da dificuldade em articular as palavras e sentir tanta fadiga. Ele parecia conhecer tais motivos; no entanto, nada sabia da relação ela/câncer, “o bandido”, como ele levianamente denominava a doença. Passados 15 dias do fim do tratamento quimioterápico, marquei consultas com vários especialistas em São Paulo. Com eles fui constatando que meus olhos não traziam nenhuma anormalidade e que minha acuidade visual era de 100%. Minhas cordas vocais não tinham o menor problema e meu olfato estava em perfeito estado. Quanto à fadiga, diziam ser efeito da quimio. No fundo eu sabia não ser isso e, na medida em que os médicos disseram não ter certeza de nada, saímos apreensivos. Mané, meu irmão, normalmente

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otimista e incentivador, não conseguiu esconder sua tristeza e seu desapontamento diante de tanta falta de convicção médica. Algum tempo depois, minha visão melhorou e, quando usava óculos escuros, o problema se resolvia. Quanto ao cheiro da comida, a solução foi ficar longe da cozinha. O problema maior era com a poluição, que não havia como evitar, e com ela minha respiração ficava péssima. Piorava ainda mais na época das queimadas da cana, no entorno de Piracicaba. Progressivamente eu deixava de ser uma paciente oncológica para me tornar uma paciente neurológica, e, a princípio, pensei que poderia voltar a trabalhar no segundo semestre de 2004. Havia, nesse sentido, a expectativa dos alunos e professores, e eu desejava muito isso. Cheguei a me imaginar indo à universidade mesmo em uma cadeira de rodas, o que não teria importância, pois o principal mesmo seria retomar as atividades. Mas uma avaliação mais apurada de minha condição me convenceu de que a locomoção não constituiria o único problema. O pior era a fadiga, a respiração, ou melhor, a falta dela.

‘câmbio’, ‘desligo’ – O valor do trabalho na minha vida sempre foi elevado. Acredito ser através dele que

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nos tornamos humanos, assim como é por meio dele que cumprimos nossa função social. Naturalmente, não me refiro ao trabalho-tortura nem ao salário injusto e explorado surgidos com o capitalismo, quando essa atividade se tornou alienada e alienante. O trabalho profissional sempre foi minha orientação básica no cotidiano e, em razão disso, me desorientei quando saiu abruptamente da minha rotina. Para não ficar parada, passei a produzir textos acadêmicos, mas isso não substituiu o dar aulas, nem a relação com os meus alunos, menos ainda o socializar conhecimentos. Ensinar, na minha vivência, tinha um componente lúdico e, por isso, estar em atividade muitas vezes das 7 da manhã às 23h, quando chegava em casa, não me exauria. Eu me cansava, mas, restabelecida pelo descanso do sono, de novo me via pronta para um novo dia. Nessa época, minha mão direita ainda não havia sido atingida pela patologia, mas a esquerda já apresentava grave limitação. Já falava com dificuldade e procurava fazê-lo devagar, para as pessoas me entendessem. Andava com uma bengala de três pés e eventualmente com um andador. Meu dia era monótono: pela manhã escrevia textos ou lia, principalmente jornais, ou punha documentos em ordem. Mais ou menos às 12h almoçava, dormia a tarde inteira. Às 19h jantava e, à noite, assistia à tv, embora não encontrasse nenhum interesse por quaisquer programas. Às vezes recebia visitas de amigos ou minhas irmãs passavam a semana comigo, quando então conversávamos bastante. À medida que minhas dificuldades de locomoção aumentavam, transitar pela casa tornou-se restrito e passei a ficar limitada à parte térrea. Tive de abandonar meu quarto, que havia pessoalmente projetado, assim como o seu banheiro, e deixei de tomar banho de banheira, de que tanto gostava. Foi preciso abandonar a biblioteca, disposta no primeiro piso, concebida para ser um lugar agradável para reuniões de trabalho e produção de conhecimentos. Isso tudo pode parecer perdas banais, mas representava uma vida inteira de luta para alcançar uma dada qualidade de vida. Eu não podia mais subir as escadas. Passei a ocupar o quarto de hóspedes e o banheiro social, ao lado desse quarto, devidamente adaptado com barras no boxe e assento especial no vaso sanitário. Como o quarto da Peli ficava no andar superior, no outro extremo da casa, Mané comprou um


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comunicador para que eu a chamasse em caso de necessidade. Brincamos com esse comunicador: pássaro azul e coruja vermelha eram os nossos codinomes e, no início, os ‘câmbios’ e ‘desligo’ criavam verdadeira confusão. Peli e meu irmão mantinham-se incansáveis em buscar alternativas para que eu me sentisse melhor. Assim, houve a fase da piscina. Cheguei a ir a uma clínica de fisioterapia de São Paulo especializada em exercício em água. Mas acabava sendo complicado dirigir-me até lá e então o fisioterapeuta fez um vídeo para que eu pudesse fazer os exercícios em Piracicaba. A dificuldade em entrar e sair da piscina resultava enorme, e não havia alternativa na cidade de um lugar adaptado com rampas para pessoas com limitações físicas. Tempos mais tarde meu irmão comprou uma cadeira para ser adaptada em nossa piscina, com controle remoto que subia e descia com segurança. Compramos ainda um aquecedor para a piscina. Esses fatos ilustram como os familiares ficam mobilizados com um doente sem cura, como eu. Não poder transitar pela parte superior da casa incomodava muito. Peli e meu irmão tiveram a ideia de instalar um elevador, que não poderia ser o modelo tradicional, porque muito caro. Cabia pensar numa alternativa mais barata que não mudasse demais a arquitetura da casa. Com a ajuda de amigos e conhecidos, chegou-se a uma firma de Limeira e o meu sobrinho Eduardo ajudou no projeto do elevador. Em seis meses conseguimos efetivá-lo. No começo de 2005, foi instalada uma plataforma elevatória, que depois virou elevador e suportava até três pessoas, uma delas em cadeira de rodas. A plataforma possuía certa panorâmica que me permitia olhar o jardim, enquanto subia e descia, e não alterou a arquitetura da casa.

resistências – Creio que levei minha existência inteira ultrapassando meus próprios limites. Não foi por acaso que, vindo de uma família pobre de imigrantes portugueses, nascida em uma aldeia na região de Trás-osMontes, cheguei a me formar doutora em psicologia e ser professora universitária. E por isso, também, eu tinha tanta resistência em aceitar minhas limitações físicas. Essa resistência, por exemplo, foi a causa de várias quedas, principalmente no banheiro, ao me levantar do vaso sanitário. Caía e ficava no chão, até que alguém viesse me erguer. Eu me via ali tão ferida em minha dignidade e com tal sentimento de vergonha! Certa tarde, estava cruzando a sala com o andador, enquanto Peli atendia ao telefone e esperávamos pela Bene, que vinha fazer fisioterapia. Eu caí e não consegui mover nem um membro do corpo. Peli tampouco pôde me levantar, restando a ela arrastar-me até o tapete da sala, encostandome no sofá. Sentou-se então no chão, ao meu lado, e ali ficamos aguardando a chegada da Bene, o que levou mais ou menos meia hora. Não sei qual das duas sofreu mais com tamanha impotência que sentimos. Nunca antes eu havia ficado tão fragilizada como naquele dia. Com o término do tratamento quimioterápico, precisei voltar ao Hospital Sírio Libanês todo mês para a limpeza do cateter, uma vez que não havia em Piracicaba quem aceitasse fazê-lo, dado que ele não fora implantado aqui. No primeiro retorno ao hsl usei o andador e me sentia muito angustiada, pois estava entrando no hospital pior do que antes do tratamento. Na segunda e na terceira vez não consegui segurar o choro, e entrei de cadeira de rodas. Acabamos contratando uma enfermeira que aceitou vir a Piracicaba fazer esse serviço particular.

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Quando desesperada, a gente procura alternativas para melhorar, e até mesmo para ter a ilusão de melhorar. Espera-se que a ciência progrida; que as experiências com células-tronco avancem na velocidade de nossa necessidade e anseia-se até por um milagre. Assim, acabei indo parar no consultório de um médico ortomolecular, um senhor com uns 70 anos de idade, que havia ajudado muito no refortalecimento de um amigo que passara por uma experiência de câncer. A primeira consulta deu-se no consultório dele em São Paulo e eu estava acompanhada pelo Mané e pela minha irmã Maria Rita. Falante, o médico contou que a minha patologia recebeu o nome de um famoso jogador de futebol americano, Lou Goering: após um jogo em que sua performance havia sido simplesmente impecável, nunca mais pôde voltar ao campo. Isso tudo eu já sabia, mas, ao fim de muita conversa, perguntou-me o que eu esperava dele. Respondi não saber o que um médico com a especialidade dele fazia, contudo pretendia que ele me ajudasse com relação aos efeitos colaterais da quimioterapia, tendo em vista o fato da ela não possuir cura. Mandou-me para uma sala de exame. Lá havia uma enfermeira baixinha e gordinha. Agradabilíssima, ela me lembrava aquele quadrinho do Reizinho, da antiga revista Cruzeiro. Enquanto eu segurava o riso, a enfermeira me pesou e me colocou em cima de uma maca, como se eu fosse uma pena. De fato ela era muito forte. Finda a consulta, marquei novo contato com o médico em seu outro consultório, em Jundiaí, mais próximo a Piracicaba, quando acertei um tratamento envolvendo dez aplicações na veia de um produto que cheirava a milho e ainda me deixava com esse cheiro. Só fiz a primeira das aplicações, pois passei mal, a pressão caiu e, na segunda, a enfermeira não conseguiu puncionar minha veia. Logo constatei que não fizera uma boa avaliação do meu quadro, porque, quando uma pessoa enfrenta um tratamento quimioterápico, não deve se sujeitar a novas situações igualmente dolorosas. Como não havia devolução do dinheiro já pago, o médico empenhou-se em criar outro tipo de procedimento que pudesse me ajudar, por exemplo, nas dores que sentia nos joelhos. A Peli havia também começado um tratamento com ele, o que a refortaleceu um pouco. Finalizado o tratamento da Peli, e antes do término do meu, encerramos nossas idas a Jundiaí. Quando do começo desse processo, eu me locomovia usando uma bengala e, ao final, já necessitava da cadeira de rodas. Foi mais um médico que passou em minha vida.

atividades manuais – Nunca li literatura sobre a ela. Fui conhecendo essa patologia ao observar

as transformações no meu próprio corpo. Segundo os médicos, possuo a ela do tipo bulbar, de evolução mais rápida. Vim sofrendo e observando essa evolução: aprendi o que eram as fasciculações, os espasmos musculares; entendi a perda do tônus muscular; a mudança na deglutição, que me afastava da alimentação a cada dia. As dificuldades na articulação e na respiração mostraram-se o prenúncio de que não mais poderia falar; o clônus, espasmos intensos e repetitivos, prenunciava dolorosa rigidez muscular. Esses conhecimentos antecipavam o que seriam as minhas limitações, e eu sofria muito com isso. Era um sofrimento solitário, pois não podia compartilhá-lo com mais ninguém. Não faltavam, nessa época, pessoas que me ouvissem, mas se tratava de um sofrer expiado na solidão.


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Constantemente me ocupava um pensamento: imaginar estratégias para voltar a dar aulas. Na minha cabeça, um microfone compensaria a minha fala em tom baixo; para minimizar a dificuldade de caminhar, pensei em utilizar uma sala de aula do Centro de Estudos Aplicados em Psicologia (Ceapsi) da Unimep, que ficava bem próximo ao estacionamento. Para não ficar em pé durante longos períodos, a cadeira da mesa de aulas seria a solução. E, em último caso, eu poderia dar aula na cadeira de rodas e usar o retroprojetor em vez da lousa. Mais uma vez avaliei muito mal a minha patologia. Nunca mais voltei a dar aulas, sequer a entrar numa sala de aula. Minha carreira acadêmica estava encerrada, e muito devagar e dolorosamente fiquei sabendo disso. Ainda saí duas vezes dirigindo meu carro e comprovei que não tinha mais condições de fazê-lo. Em fevereiro de 2004 havia renovado a carteira de motorista. Isso mostra meu otimismo e engano quanto à natureza da doença que me acometera. Meses depois, o braço e a perna esquerda me impediam definitivamente de dirigir. Bene sempre me incentivava a exercer uma atividade manual, mas eu não me interessava por nada. Querendo que eu começasse a usar as mãos, Peli comprou vários materiais para pintar e mexer com madeiras, para os quais não cheguei a olhar. Sentia-me perdida, sem futuro. Por toda a minha vida, acreditei que uma pessoa centrada deveria ter noção do seu passado, presente e futuro. E eu possuía um passado intensamente vivido; mas ali restava um presente no qual sentia que minha vida estava sendo roubada, projetando-se um futuro incerto. Entretanto, a crença de que o ser humano é capaz de se reorganizar em situações adversas me dava a esperança de recomeçar a viver de forma diferente, sem tanto sofrimento. Seria apenas uma questão de tempo. Como nada ocorre por acaso, aconteceram três situações que me deram pistas de como eu poderia viver um outro cotidiano. A primeira delas refere-se à minha própria imobilidade, pois ela me impunha apreciar por longo tempo cenas que raramente seriam vivenciadas por pessoas que se locomovem normalmente. Meu lugar preferido no jardim da casa era a churrasqueira, que tinha à sua frente um caramanchão florido e vários pés de camarão amarelo. Nesse lugar, eu podia contemplar, a menos de um metro, o voo, a dança e o pouso dos beija-flores no camarão amarelo. Quando se juntavam vários desses pequenos pássaros, formava-se uma imagem inesquecível. O sol ofertava variados matizes de azul e aquele bailado intensificava-se em seu colorido. Soube que essa dança maravilhosa traz um custo alto aos beija-flores, pois o esforço ali despendido faz com que levem uma vida curta. A segunda situação foi ter conhecido as tintas acrílicas e a óleo para pintura e a massa acrílica. Aprendi isso com a Esther, que gostava de pintar e, por muitos anos, foi minha cabeleireira e manicure. Após meu adoecimento, durante um tempo ela ia em casa para tratar das minhas unhas e cortar meus cabelos. Certa vez apareceu trazendo vários tipos de tinta, um pote de massa acrílica, uma tela, um pedaço de espelho, algumas pedras coloridas e uma espátula para dar formas ao material. Fizemos um espelho preso à tela com a massa acrílica. Gostei de aprender essa técnica. Fiz um segundo espelho e presenteei minha irmã Luiza e Peli. Fiquei muito interessada em usar a massa acrílica e as tintas em telhas, que para mim simbolizam a proteção. A terceira situação veio com um livro de mandalas que ganhei da Gisa. Nesse livro percebi que o círculo, forma geométrica que sempre me atraiu por representar o ciclo da vida, poderia ter variados conteúdos e movimentos. Eu estava conseguindo dar vazão à criatividade. E, nesse momento, começara a imprimir outro

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rumo ao meu cotidiano. A churrasqueira transformou-se no meu lugar favorito para trabalhar com as telhas, tornou-se o meu ateliê. O final do ano de 2004 estava chegando e eu passava o tempo pintando, pensando nos temas das telhas que mantinham relação com as pessoas para as quais eu as faria. E isso se tornou uma forma de me comunicar com elas. Na primeira telha que pintei usando só tinta acrílica, deixei aflorar a minha subjetividade. O tema escolhido foi ‘Sofrimento e Esperança’. Dei essa telha para a Peli, pois somente ela tinha condições de compreender como esses dois sentimentos estavam tão presentes naquela minha condição.

projetos de futuro – As festas de fim de ano chegaram e, com elas, concretizavam-se as transformações

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em minha vida. Desde que me mudara para a Piracicaba, em 1982, eu não passava o Natal e o Ano Novo aqui. Sempre ia de férias à praia e por lá permanecia janeiro inteirinho. Gostava de, na virada de ano, ir à beira mar para ver os fogos de artifício e estar perto das pessoas que se transformam em crianças pulando as sete ondas, com o rosto cheio de esperanças por um ano melhor. Aquele Natal foi diferente. Minhas irmãs vieram, dias antes, almoçar comigo. Fiquei pensando nos Natais que passáramos na casa de minha irmã Luiza, onde se reunia toda a família. Após o falecimento de minha mãe, esses Natais ainda duraram três anos. Ressentia a falta de tais encontros, pois eram a oportunidade de estar com parentes que não via há muito tempo. Na véspera do Ano Novo, deitada em minha cama ouvindo, bem ao longe, os fogos de artifícios em Piracicaba, alimentei a esperança de um ano melhor. Eu já não me sentia uma pessoa sem futuro. Havia os meus projetos de telhas e mandalas e ainda outro de escrever uma proposta para o Centro de Estudos Aplicados em Psicologia.


Limitações e Reconstrução de uma Vida O ano de 2005 foi preenchido por contrastes. Por um lado, sofria com a implacável evolução da patologia, que me tornava cada dia mais dependente das pessoas; por outro, trabalhar criando telhas e elaborando uma política para o Ceapsi/Unimep, no qual fora professora, me dava a certeza de que podia ser útil e que a ela não diminuía a minha criatividade. Em janeiro daquele ano foi possível avaliar, com clareza, que eu não mais voltaria à sala de aula. Os meus amigos prontificaram-se a assumir as minhas aulas na faculdade. Essa realidade me fez sofrer muito e por vários dias, pois era como se minha vida inteira me tivesse sido destituída. Eis a cruel realidade dos fatos. Até o fim de 2004 eu dormira no quarto de hóspedes, no andar térreo de nosso sobrado. A instalação do elevador me permitiu voltar ao andar superior. Quando ele estava em fase de experiência, Peli me levou até a biblioteca, num sábado à tarde, num momento em que estávamos só nós duas em casa. Para subir, o elevador não apresentou problemas e ficamos na biblioteca por mais ou menos uma hora. Gostei de revê-la, após longos oito meses sem acesso a ela. Emocionei-me ao rever meu lugar de trabalho e chorei muito. Ao descermos, o elevador apresentou problema, parando no andar intermediário. Grande susto. Procuramos nos acalmar. A minha primeira reação foi de medo de não aguentar passar a noite ali, presa numa cadeira de rodas, de costas para a porta. Pedir socorro seria em vão. Naquele condomínio, nem os vizinhos próximos poderiam nos ouvir. Peli tentava pensar em algo e falava para não me preocupar, que iria me tirar de lá. E assim foi.

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Havia no elevador uma barra de ferro revestida de alumínio a ser colocada como alça de apoio, mas ainda não estava fixada. Peli pegou essa barra e começou a bater na parte inferior da porta de polipropileno. Ainda hoje não sei onde ela foi buscar tanta força para arrebentar aquela folha. O elevador tinha parado a mais ou menos um metro do primeiro andar. Fui erguida pela Peli e fiquei alguns segundos em pé, enquanto ela fechava a cadeira de rodas e a colocava para fora, no piso superior; sentou-me, então, no parapeito do andar e começou a me puxar do elevador. Isso feito, só havia um jeito de ser levantada do chão: ela me arrastou até o quarto, onde teria espaço para me colocar de volta na cadeira. Mas precisávamos de ajuda. Até aquele dia eu tinha conseguido evitar envolver pessoas de fora nessas situações, em que se tornariam públicos nosso sofrimento e minha limitação. Com pesar consenti que um dos porteiros do condomínio fosse acionado. Ele veio de imediato e, muito gentil, não demonstrou surpresa com o ocorrido. Na hora atribuí o acontecido às pequenas maldades dos deuses, que fazem isso para testar os limites do sofrimento dos humanos.

anjo a zelar o sono – Na imobilidade, a sensação de peso do corpo é o triplo do que pesamos. Isso implica

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a necessidade de mudar a posição do corpo várias vezes para evitar as dores na musculatura e articulações. Eu havia perdido a capacidade de me virar sozinha de noite na cama, e isso constituía verdadeiro tormento. Improvisamos vários dispositivos para que eu pudesse chamar a Peli durante a noite para me virar. Com o passar de alguns meses, procuramos contratar alguém para me ajudar nessas operações. Isso, no entanto, gerou dois novos problemas. O primeiro deles seria dormir com uma pessoa estranha no quarto; o segundo, encontrar alguém com competência e confiável. Várias enfermeiras, ou que assim se diziam ser, passaram pelo cargo, mas nenhuma delas deu certo, por uma série de razões. O que ficava evidente era a má formação profissional. A melhor delas faltava sem avisar e depois se justificava contando histórias, posteriormente descobertas como mirabolantes! Quando a Peli foi ao endereço dela, sem avisar, nos demos conta do perigo que corríamos com aquela pessoa cuidando de mim à noite. Quanta mentira ela contou! Pelo conteúdo das invencionices, devia ter problemas psicológicos graves. No princípio, quem cuidava de mim eram a Peli e a Rita de Cássia, que está conosco há mais de dez anos. Inicialmente como diarista, Rita depois, com a mudança para a casa nova, trabalhava para nós meio período todos os dias e, com a progressão do meu adoecimento, passou a período integral. Ela é uma dessas raras pessoas com sensibilidade para perceber as necessidades dos outros sem que se diga ou se peça nada. A vida sofrida que teve não lhe deixou marcas no rosto, no qual permanecem traços finos e delicados. Rita possui uma capacidade ímpar para trabalhar, sempre se antecipando às demandas do que cabe ser feito. É impressionante como uma mulher magra, de estatura média, pode dispor de tanta resistência para todas as necessidades da casa e ainda ajudar a Peli nos meus cuidados. Com os anos, começamos a chamá-la de ‘nossa fiel escudeira’, numa alusão à incansável fidelidade de Sancho Pança a D. Quixote de la Mancha. Enquanto nos finais de semana a casa ficava cheia de gente, com amigos e parentes vindo me visitar, eu passava a maior parte do tempo sozinha quando a Peli ia dar aulas. Antes de sair, às 7h, ela me vestia e eu ficava


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na cama até chegar a Rita, que então me ajudava a levantar e preparava o café da manhã para mim. De volta na hora do almoço, Peli me ajudava a tomar banho. Nessa fase eu ainda conseguia fazer isso sozinha, segurandome na barra do boxe, mas necessitava de ajuda para me enxugar e vestir. Como precisava de duas pessoas para me preparar para a noite, quando da falta de uma enfermeira, recorríamos à Rita de Cássia. Nessas ocasiões, foram inúmeras as vezes em que nossa fiel escudeira retornou à nossa casa às 23h para nos ajudar. O problema da noite só foi resolvido com a entrada em cena da Aline, irmã da Rita. Aline chegou inicialmente para ajudar a Rita nos cuidados gerais. Nós a observamos e gostamos dela. Após algum tempo a contratamos também para ficar comigo uma parte da tarde de sábado. Nessa experiência, Aline demonstrou ter jeito para cuidar de mim. Ela é uma jovem bonita, que me fazia lembrar minhas alunas. Talvez por isso me sentisse tão bem em sua companhia. Resolvemos investir nela, que aceitou o convite de ser minha acompanhante durante as noites, com folga aos sábados. Era um grande desafio, que ela encarou com afinco e dedicação. Manteve vários contatos com meus dois fisioterapeutas, para aprender os movimentos adequados à minha patologia, e ainda fez um curso de massagem. Em poucos meses, Aline tinha conquistado minha confiança e eu gostava de seus cuidados. Ela parecia uma sombra na penumbra do quarto. Tinha um velar não ostensivo e sabia resguardar a minha privacidade. Foram os deuses que fizeram com que nossas vidas se encontrassem: para mim significou acabar com o tormento das noites mal-dormidas; para ela representou dar outro rumo à vida; e para a Peli resultou poder dormir tranquila. Com Aline voltei a me encantar com o amanhecer e com as noites de luar, que ela fazia refletir no vidro da janela do meu quarto. Essa sua sensibilidade foi tema de uma telha que fiz para ela: Os Astros na Janela. Com a ajuda de um quadro alfanumérico, podíamos conversar sobre a vida. Finalmente eu, agora, tinha um anjo, ainda que de olhos tristes, também para zelar pelo meu sono.

soluções alternativas – Pintar telhas dava-me enorme prazer, pois com elas eu expressava minha subjetividade na relação com as pessoas que me eram ou me estavam sendo significativas. Além disso, simbolicamente eu pensei ser assim uma forma de protegê-las, já que a telha é um elemento de abrigo. Para conceber e pintar as telhas, procurava capturar algo singular delas e cada pintura recebia um título e uma dedicatória à pessoa a que se destinava. A emoção delas quando recebiam as telhas me comovia e eu podia mostrar concretamente que a patologia que havia me acometido e me imobilizara não afetara nem minha inteligência, nem minha sensibilidade, tampouco minha cognição. Por aquela época eu tinha a seguinte condição física: a perna e o braço esquerdos já estavam sem movimento. A perna direita começava a ser afetada, mas o que me deixou mais angustiada foi perceber que a mão direita – a usada para escrever e pintar telhas – passava gradativamente a ficar imóvel. A minha fala era um conjunto de sons que, pensava eu, as pessoas podiam compreender, contudo, aos poucos percebi, pela reação delas, que não estavam entendendo nada... Sofri demais com isso e resolvi me manter em silêncio. Era o silêncio no mundo da sonoridade.

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Como já comentei antes, a casa paulatinamente foi sendo adaptada às minhas necessidades, porém, devido à evolução da patologia, precisei cada vez mais da ajuda de outras pessoas para uma série de coisas que não mais conseguia executar por conta própria. Desse modo é que contratamos a Cida, no início de fevereiro de 2005. Cida é enfermeira e havia trabalhado vários anos no Hospital da Unimed. Única filha, com vários irmãos e uma péssima relação com a mãe, Cida teve vida difícil. Mãe solteira, casou-se e, depois de 10 anos, já com outra filha pequena, separou-se do marido. Dependente para tudo do pai, vivia às voltas com os mais variados regimes, pois, como ela dizia, odiava engordar. Mas, infelizmente, nenhum adiantava, salvo um deles que, mesmo assim, deu resultado por pouco tempo. Cida era (e ainda deve ser) bonita, e eu aprendi a gostar dela. Com sua ajuda, escrevia por meio do quadro alfanumérico, com o qual ela logo ficou apta a manusear com facilidade, e fazíamos pequenas traquinagens com a Sofia, nossa cachorrinha poodle. Cida falava que sua vida tinha mudado após me conhecer, uma vez que aquilo o por ela considerado transtorno em sua vida passou a ter outra dimensão a partir da vivência com minha situação. Era uma boa pessoa, embora perdida; criativa, vivia bolando soluções para me deixar mais confortável na cadeira de rodas. Às vezes ia para a cozinha e fazia comidas que eu nunca havia experimentado. Algumas saíam gostosas e outras, bem ruins. Meu irmão e Peli continuavam atrás de opções para melhorar a minha qualidade de vida. Não sei se iludidos com uma possível cura ou se mesmo como tentativa de atrasar ou impedir a evolução da patologia. As soluções alternativas de locomoção foram financeiramente dispendiosas. Gastamos muito: aquecimento da piscina; cadeira elevatória de piscina com controle remoto, permitindo que eu descesse sentada nela e pudesse banharme; plataforma para subir com a cadeira de rodas, e uma série de outras engenhocas. Cadeiras de rodas? Tive inúmeras e até uma motorizada. Para andar de carro encontraram-se duas novas opções. A primeira consistia em uma plataforma movida por controle remoto adaptada em um Fiat Doblò. Pela porta traseira do veículo, a plataforma descia e eu subia já na cadeira de rodas, a plataforma então se elevava e eu era recolhida para o interior do veículo. Nesse instante da entrada no carro eu tinha de me abaixar, senão batia a cabeça. Claro que, por conta disso, investiu-se em outra cadeira de rodas, mais baixa. Dentro do carro, a cadeira precisava ser amarrada. Eu ia com a cabeça muito próxima ao teto e totalmente imobilizada numa posição bem desconfortável, além de me sentir uma carga. Usamos essa solução poucas vezes. Numa segunda alternativa, mais sofisticada, eu podia ir na frente, ao lado do motorista: o Caro-Ny, um assento de carro adaptado, com uma estrutura giratória de 90 graus, para ser usado também como cadeira de rodas. Solução inteligente, mas caríssima, parte dela importada da Itália e outra, da Alemanha. Para que pudesse ser adaptado, foi preciso trocar a nossa Doblò por outro modelo mais simples. Entretanto, a ela é uma patologia implacável e não me deu trégua. Por conta da rápida evolução da doença, essa ótima solução pôde ser utilizada muito menos do que eu gostaria. Contudo, com tais modificações, e com a ajuda de minha irmã Luiza e de meu sobrinho Felipe, que moram na Praia Grande, viajamos, em julho do ano seguinte, até o litoral. Naquela altura ainda podia usar a cadeira de


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rodas, e assim Peli e eu, junto com Aline, Rita e Cida (e Sofia, claro!), conseguimos passear pelo shopping e no calçadão, tirar fotos e, o mais importante, ir do nosso apartamento até a casa da Luiza e percorrer o calçadão. Era inverno e o tempo estava ameno; as meninas brincavam na areia e eu ficava observando aquelas cenas pela manhã e ao fim da tarde. Eu estive bem. Conseguimos manter a mesma escala de trabalho e de cuidados para comigo que havia em nossa casa em Piracicaba, além de nos organizarmos na estrutura oferecida pelo apartamento da praia, apesar de ele não ser adaptado para cadeirante. As meninas ficaram hospedadas em um hotelzinho próximo. Essa foi minha última viagem e a minha última visão da imensidade do mar, dos raios de sol nele e da lua sobre suas águas. Outra bela despedida de um tempo e de um modo de viver que já não mais eram meus. Mas, certamente, o dia mais triste de minha vida havia sido o meu aniversário de 60 anos, em 2004, ao dar início ao primeiro ciclo de quimioterapia. Ficara seis horas tomando drogas e não sabia como o meu corpo reagiria. Creio que, para compensar aquela ocasião, desde então nos meus aniversários a Peli faz uma grande festa. A de abril de 2005 foi especial, pois estavam presentes os amigos, minhas irmãs e o meu irmão Mané, depois do seu adoecimento. Lembro-me que fiquei triste e feliz ao mesmo tempo. Triste porque a vida dele também estava sendo roubada e feliz por ele estar motivado a lutar para recuperar as habilidades perdidas com o avc. Naquele momento, pensei no fato de nós dois termos tido, por algum tempo, uma vida razoavelmente boa, conquistada por nossos próprios esforços e méritos, e que, agora, éramos dois sobreviventes.

equipe de apoio – Os recursos para minha locomoção rapidamente se tornavam obsoletos. Foi assim, também, com as barras paralelas que serviam para treinar a marcha. No início segurava-me com as duas mãos nelas, levantando-me da cadeira de rodas, e todos os dias caminhava um pouco. Mas em poucos meses minhas mãos não conseguiam mais segurá-las e elas foram abandonadas. O mesmo aconteceu com a cadeira de rodas motorizada, que eu pude dirigir com a mão direita durante algum tempo. Todo esse material acabou doado, com exceção do tal Caro-Ny, enviado para o fornecedor, na tentativa de revendê-lo. Já faz quase três anos e, até hoje, ninguém se interessou pela engenhoca que custou o preço de um carro. Pelo menos foram essas as últimas notícias que tivemos sobre o caso. No segundo semestre de 2005 já havíamos nos convencido de que, de fato, eu era uma paciente neurológica, sendo preciso montar, em definitivo, uma equipe de profissionais para atender às minhas necessidades. Já desde o ano anterior, contávamos com apoio de algumas pessoas. A primeira profissional foi a Bene, que estava conosco desde o diagnóstico, ou seja, março de 2004, quando eu ainda fazia quimioterapia. A segunda havia sido uma fonoaudióloga que, após certo tempo, não sabia o que fazer comigo. Por volta de outubro daquele ano, eu já tinha perdido a voz, abruptamente, depois de ter ficado uns dias meio rouca. Conseguia emitir apenas alguns sons, mais guturais, sem poder montar frases com eles. Recorremos a outra fonoaudióloga, professora da Unimep. Ela treinou meus sons para deixá-los mais claros. Mas rapidamente constatou que eu ficaria sem poder me comunicar com a voz, passando a providenciar e sugerir materiais apropriados: cartões que indicavam estados físicos e emocionais, necessidades fisiológicas, dores, coceiras, calor, frio.

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Simultaneamente ao uso dos cartões, compramos um Pocket-Voice, espécie de gravador que aceitava algumas frases padrões e eu só apertaria um botão para acioná-lo. Não me adaptei, pois me sentia uma secretaria eletrônica. Aproveitando o movimento da mão direita, tentamos o uso de um programa chamado Note Vox, comprado em São Paulo por um preço elevado, para algum tempo mais tarde descobrirmos, num site português, um similar totalmente gratuito. Mas isso também não deu certo. Partimos para o artesanal, esse quadro alfanumérico a que já me referi outras vezes. Essa tabela originalmente era bem complexa, com palavras, frases, verbos, que representavam necessidades (sede, coceira, dores) e estados (frio, calor). Mas me adaptei mesmo foi a um simples quadro alfanumérico, pelo qual escrevo até hoje, contendo colunas numeradas e linhas, além de umas poucas expressões, que quase nunca uso, porque prefiro formar as palavras letra por letra. Isso tudo se deu em um longo processo de busca, seleção e adaptação de materiais que pudessem manter a minha comunicação com as pessoas e, particularmente, expressar as minhas necessidades. A terceira fonoaudióloga foi a Kely. Eu gostava de suas sessões. Na primeira parte delas treinávamos os sons do ‘A’, do ‘O’ e do ‘hum’ e, na segunda, esses sons viravam melodias de músicas clássicas e populares. Para ilustrar o som do ‘A’, cantarolávamos La Donna é Móbile, El Toreador e Carinhoso. A Conquista do Paraíso era acompanhada pelo ‘hum’. Naquele tempo, Kely também lecionava na Unimep e já nos havíamos encontrado em reuniões da universidade. Ela é uma mulher bonita e gentil. Conheci a cantora inglesa Sara Brightman por meio de um cd que Kely me deu de presente. Fiquei apaixonada por sua música e a ouvia todos os dias pelas manhãs, na churrasqueira de nossa antiga casa, onde eu podia apreciar o nosso jardim e os beija-flores. Foram momentos inesquecíveis. Kely não dava folga à Cida, a enfermeira. Aparecia em casa na hora do almoço para ver como a Cida me alimentava e chamava a atenção quando esta fazia coisas erradas, por exemplo, dar comida mais rápido que o devido, me fazendo engasgar, ou não me deixar comunicar, falando as coisas por mim. Para se vingar, Cida arrumou um apelido para ela: ‘Barbie’! Depois de quase um ano comigo, senti muito quando Kely se mudou para Curitiba para dar aulas em outra universidade. Para substituí-la, Kely indicou a Fernanda, recém-formada, que havia sido sua estagiária e já trabalhava, sob a sua supervisão, com outro portador de ela, na Clínica de Fono da Unimep. Fernanda veio várias vezes junto com a Kely para receber orientações e poder dar continuidade ao trabalho. Demorou algum tempo para que eu gostasse das sessões com a Fernanda. Com algumas sugestões de minha parte, ela mudou a forma das sessões ao estilo da Kely. Tinha potencial, gostava de pesquisar em busca dos melhores procedimentos segundo as especificidades de seus pacientes, e fomos nesse estilo até onde minha patologia permitiu. Ela continua comigo até hoje e cuida para que eu não perca a expressão facial. Como falei antes, a Bene foi a primeira profissional da fisioterapia que tive. Mas fazia mais do que isso. Estava sempre preocupada com a adaptação dos materiais, era precisa no prognóstico da situação, trabalhava muito bem o aspecto motor e, além disso, foi bastante dedicada e afetuosa durante quase três anos. Mas eu precisava de alguém para trabalhar a parte neurológica e que desse atenção especial à área respiratória. Foi assim que o Fabrício entrou na equipe. Agora eram Bene, Cida, Kely (mais tarde a Fernanda) e Fabrício.


L imitaç ões e R ec onstrução de uma V ida

Na verdade fomos atrás de um professor de fisioterapia especializado em casos neurológicos. Localizamos o Bruno. Mas ele, na ocasião, não pôde assumir o trabalho comigo, indicando então o Fabrício, seu ex-estagiário. É comum os professores fazerem as indicações de alunos que se destacam em suas áreas. No dia da avaliação, vieram Bruno e Fabrício. Pude perceber que Fabrício era um profissional sensível e igualmente competente, que gostava de música, tocava piano e torcedor, como eu, do Corinthians. Eu adorava sua sessão de fisioterapia. Após os exercícios respiratórios, ele tocava num teclado de brinquedo músicas que eu gostava e também cantávamos. A mais pedida: o Fantasma da Ópera. Mas, além disso, Fabrício me ensinou a tocar Asa Branca e Cai, Cai Balão, usando os parcos recursos de alguns dedos de minha mão direita, para exercitá-los. Essa parte lúdica foi ótima!

emoções em mandala – A doença progredia. A cada nova limitação, eu sofria muito e chorava meu desespero e angústia. Foi assim quando não pude mais me alimentar sozinha, no momento em que não consegui mais escovar os dentes, pentear os cabelos, enxugar meu corpo, meu rosto, segurar um livro ou uma caneta, levantar os braços, abraçar as pessoas... Mas eu me desesperei mesmo quando não pude mais pintar as telhas. Essa tinha sido a minha atividade primordial, meu projeto de continuidade da vida: pensar e pintar as telhas para ofertá-las aos meus familiares, amigos, cuidadoras e profissionais que trabalhavam comigo. E agora? Passado o desespero inicial, a alternativa era aceitar a divisão entre o pensar e o fazer. Justo eu, que sempre fiz a crítica à divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, tive de aceitar esse fato. Não foi nada fácil, mas restou como saída explicar à minha irmã Luiza e à Peli o que eu queria fazer... E elas faziam. Assim pude dar continuidade a algo que me dava enorme prazer, e eu percebia que as pessoas também gostavam de me ajudar, ficando felizes com isso. Luiza pintou para mim inúmeras telhas. Nesse período, ela vinha da Praia Grande à nossa casa e passava dias ali comigo. Contudo, além da tristeza pelo meu adoecimento, Luiza estava com outros problemas. Ela dizia que ficar comigo era o seu refúgio. Então, tivemos momentos muito gostosos. Luiza é brincalhona, engraçada e, mesmo quando triste, é uma pessoa leve. O corpo humano foi concebido para o movimento, não para a imobilidade. As poucas coisas que eu podia fazer precisavam ser aproveitadas ao máximo. Desse modo chegou a Carla, terapeuta ocupacional e mulher de rara sensibilidade. Gostava de música e se emocionava até as lágrimas com a minha condição. Ela já tinha ouvido falar de mim, pois uma irmã sua, que estava na Unimep, havia me conhecido. Carla também era professora universitária em Sorocaba e aliava tino pesquisador, competência científica e sensibilidade artística. Como primeira preocupação, ela me estimulou a guardar na memória algumas sensações, tais como: os pés na grama, na areia, no chão, na água. Carla chegava com bacia de areia para os pés e objetos geométricos de várias texturas e grãos de soja para as mãos. O movimento autônomo de braços e mãos era conseguido com o spray de creme de barbear espalhado sobre a mesa. O creme retirava o atrito e eu podia deslizar os braços e as mãos. A primeira vez que fizemos isso foi muito emocionante. Choramos, pois os meus braços imobilizados estavam se movendo sozinhos! Não há como esquecer isso. As partes do meu corpo das quais eu mais gostava eram as mãos e os pés, que foram os primeiros a ficar deformados. Os dedos em forma de garra me incomodavam muito. Diante disso, Carla chamou outra terapeuta

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ocupacional especialista em mãos e em órteses para mãos. Fez anéis com material mole de vela para que meus dedos ficassem retos. Também confeccionou uma peça que, quando colocada na minha mão, permitia mover o punho e segurar um pincel adaptado. E assim, em 23 de dezembro de 2005, eu pintava a minha primeira mandala, a qual chamei de Emoções. Para possibilitar isso, foi preciso uma mesa que encaixasse na cadeira de rodas, ou seja, com uma abertura central em forma de meia lua e espaços frontais e laterais para apoio e realização do trabalho. Um marceneiro reproduziu o desenho feito pela Carla e também compramos um aparelho chamado Levitar de Braço. Funcionou muito bem, aliás, até hoje. Ele suspendia meu braço, alinhando punho e cotovelo. Havia movimentos com ele que eu podia realizar sozinha e outros, mais difíceis, nos quais a Carla me ajudava, segurando com leveza ímpar a minha mão, pois não queria interferir no meu movimento. Fazendo mandalas, eu amenizava um pouco a relação de alienação, que não gostava de reproduzir: a de apenas conceber as telhas e alguém ter de pintá-las.

2006 na esquina – Eu estava sem neurologista desde que o de São Paulo me dera o diagnóstico de ela, sem

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explicar bem a patologia, em março de 2004. Conversando com um médico de Campinas, a Peli ficou sabendo da Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (Abrela) e lá teve a indicação do Dr. Acary Souza Bülle Oliveira, conhecido pelo seu trabalho como especialista em ela. Fomos até São Paulo para me consultar com ele. Então com uns 40 anos de idade, Dr. Acary era falante e bem humorado. Expôs com detalhes a patologia que eu tinha. Mesmo essa doença não possuindo cura, ele passava uma esperança da qual os pacientes precisam. Ficamos umas duas horas conversando e saí do consultório animada, já não me sentindo tão sozinha. Parecia que a comunidade médica olhava com mais interesse para esse tipo de patologia. Chegava o fim do ano e eu sentia muitas saudades do Mané, meu irmão, que em 2005 havia me visitado só uma vez. Eu sabia que ele se encontrava com problemas sérios com os sócios na firma. Próximo do Natal, minhas irmãs vieram me ver. Eu gostava de me reunir com elas, pois isso me fazia lembrar a luta de minha mãe para nos manter unidos quando meu pai faleceu. À época eu tinha dez anos e minha irmã Luiza, três meses. Meus tios do lado paterno achavam que nossa mãe não teria condições de nos criar. Porém, ela se recusou a nos dividir entre eles e lutou bravamente para manter os filhos unidos. Talvez isso explique a forma como até hoje nos relacionamos. No Natal daquele ano, pouco antes da meia-noite recebemos uma linda surpresa: Rita de Cássia e Aline, que chegaram inesperadamente em nossa casa para nos visitar. O ano de 2006 estava na esquina. Mais uma vez eu deixava de ir à praia pular as sete ondas e fazer pedidos para Iemanjá. Mas me lembrei de que, na passagem de 2003 para 2004, a última que passara à beira mar, ela estava distraída demais com sua própria beleza refletida no espelho das águas, e sorri imaginando uma Iemanjá narcisista.


A Vida Possível com ELA Outro ano par. Eu gostava dos anos pares e, portanto, tinha esperança de que 2006 pudesse ser um ano bom. Afinal, estava a lidar melhor com as perdas; sofria, mas aprendera que há sofrimento sem revolta. E pintar mandalas abria possibilidades novas de expressão e de comunicação com o mundo social que me rodeava. Entretanto, isso por sua vez demonstrava que eu me dirigia para um tipo de isolamento. Raramente saía de casa. Mesmo na Unimep – aonde, no começo de 2006, eu pensava poder ir duas vezes por semana –, ao longo do ano inteiro estive apenas em quatro ocasiões. Na primeira vez fui à minha sala responder e-mails, pois ainda mexia no computador e nele estava redigindo um documento acadêmico. A segunda oportunidade foi o lançamento da terceira edição do meu livro De Eu e Tu a Nós. Na ida seguinte, compareci a uma formatura como paraninfa e o Buco leu o meu discurso. E a quarta e última vez foi para a exposição de minhas telhas e mandalas, realizada entre 21 de outubro e 4 de novembro. Ir à universidade tornou-se muito doloroso para mim. Eu percebia que havia certo constrangimento meu com os colegas que estavam dando minhas aulas. Eles fizeram muito e sei que o fizeram com a vontade de fazer, mas eu tinha plena noção do quanto era difícil dar um número alto de aulas. Não gostava de sair de casa, pois demandava muito trabalho para as pessoas e, além disso, a poluição da cidade dificultava a minha respiração. Tiveram dias em que me senti um daqueles personagens que Erving Goffman apresenta em Manicômios, Prisões e Conventos. Nesse livro, Goffman trata a crucial questão da redefinição da identidade pelo isolamento. Algo paradoxal, uma vez que identidade é identificação, é relação. E esse autor lança

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a crítica do confinamento como uma das linhas de adaptação para mudança de identidade. Será que eu estava modificando a minha identidade? Que movimento seria esse? De professora para doente neurológica? Assim como há fatores que impulsionam as mudanças nas identidades, existem aqueles outros que as conservam. No meu caso, há certos aspectos que me possibilitaram preservar uma identidade, já constituída anteriormente, frente ao estado de doente neurológico. O primeiro deles diz respeito à capacidade que eu tenho de novos aprendizados, como o conceber e pintar telhas e mandalas. Para quem nunca pegou num pincel, isso confirma o que penso da minha imobilidade, ou seja, eu apenas quebrei as asas e tive que aprender a alçar novos voos – as telhas e as mandalas são esses novos voos. O segundo fator refere-se ao imenso afeto e dedicação da Peli, que a transformou num verdadeiro anjo que zela pela minha vida. Por isso eu a chamo de ‘anjo da guarda da vida’. O terceiro provém da interação com meu amigo Ely Eser, que constantemente repõe a minha relação com o trabalho; em sua postura, trata-me da mesma maneira que antes, inclusive compartilhando comigo as grandes questões do seu universo intelectual. Isso faz com que não me esqueça da Lucília professora. E o quarto fator está na frase que me foi dita inúmeras vezes: “Não esqueça quem você é”.

imobilidade – Além do sofrimento devido à evolução da patologia, o portador de ela enfrenta outro 50

problema: a falta de equipamentos como recursos para ajudá-lo na sua imobilidade. Estou me referindo às cadeiras de rodas e às cadeiras higiênicas ou outro equipamento ou aparelho que o auxilie, dependendo da evolução da patologia. Eu tive várias cadeiras de rodas, todas tão desconfortáveis que chegavam a causar dores na musculatura do corpo. Quem cria ou projeta essas cadeiras nunca precisou usá-las, sequer deve tê-las testado por algumas horas. As cadeiras são caríssimas e, à medida que a doença progride, precisam ser trocadas, pois aquelas não reclináveis não podem ser usadas pelo paciente que perdeu o tônus dos membros superiores e do pescoço. As higiênicas estão abaixo da crítica, pois machucam, independentemente do modelo. Tive um modelo reclinável, pois perdi logo o tônus muscular do pescoço, e simplesmente era uma tortura sentar-me nela. Conversando com a Carla, soubemos de uma firma especializada em fabricar materiais para pessoas com qualquer tipo de imobilidade. Feito o contato, passamos alguns dados solicitados para a fabricação de uma cadeira sob medida, na expectativa de que fosse mais confortável. O preço mostrou-se alto, 5 mil reais na época. Passado um mês, a cadeira ficou pronta. Eu torcia para dar certo, mas foi em vão. Com uma semana de uso, não suportava de dor nos braços e costas. Chamamos várias vezes o técnico para fazer as devidas modificações, mas a firma não conseguia resolver o problema, e acabamos ignoradas. O fim dessa história é que abandonei a cadeira e a esperança de encontrar uma que me ajudasse a aguentar a minha imobilidade. Mais uma confirmação de que, no mundo capitalista, as doenças são uma forma de ganhar dinheiro. Não há compaixão. Só quem compartilha de tal situação sabe do sofrimento de quem vive na imobilidade. Peli não se conformou com a falta de alternativa para melhorar a minha condição de sentar. Procurou, e descobriu em São Paulo um técnico que fazia adaptações em cadeiras de rodas. Entrou em contato com ele


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por meio de uma fisioterapeuta da Abrela. Agendou um encontro no qual conversaram sobre as modificações necessárias. Em quinze dias estavam prontas. Mais uma vez a frustração se fez presente. Dos ajustes feitos, somente o das costas e os das peseiras ficaram bons. O apoio dos braços e o da cabeça continuaram problemáticos. Então, o jeito foi fazer um desenho do suporte da cabeça e procurar profissionais que o executassem. Finalmente, Peli encontrou uma saída para acomodar a minha cabeça, ficando os braços apoiados em almofadas costuradas pela Cida. Quando eu ainda possuía movimentos na mão direita e podia manter meu tronco em posição de 90 graus, tive uma cadeira motorizada. Foi a que mais gostei. Apesar de ser desconfortável, ela me dava alguma autonomia para ir a lugares da casa e fora dela, sem que alguém precisasse empurrá-la. Eu saía pelas ruas do condomínio onde morávamos. A Cida me acompanhava e cheguei a ir com ela ao supermercado, a mais ou menos um quilômetro de casa. Antes de adoecer, eu fazia compras nesse supermercado. A visão que então tive dele, a partir da cadeira de rodas, era totalmente diferente, porque só pude localizar aquilo à altura dos meus olhos, sentada que estava. Saí do supermercado triste, uma tristeza avassaladora. E mais uma vez vivenciava outro aspecto da vida que aos poucos ia me sendo subtraído, sem que me restasse outra possibilidade senão aceitar. Durante o tempo em que deu para usar essa cadeira motorizada, sonhei em passear com Mané pelas ruas do condomínio, mas isso também não aconteceu, pois ele adoeceu gravemente e ficou muito tempo sem poder vir me ver. Nesse ínterim, tive de abandonar a tal cadeira, devido à evolução da patologia. Perdi o tônus no pescoço, e a minha mão e o braço direitos, responsáveis pela direção da cadeira, ficaram também sem movimento. Por falar em meu irmão Mané, ele tinha cinco anos quando meu pai faleceu. Por ser o único menino entre os filhos, trago carinho todo especial por ele. Depois, quando ele cresceu, nos tornamos particularmente amigos; ele seguiu meu exemplo e lutou sozinho para ter uma vida melhor. Casou-se cedo, com Miriam, e criou dois filhos: Rodrigo, hoje engenheiro, e Tatiana, que é médica. Meu irmão teve uma história de luta, mas isso não lhe tirou o bom humor e a leveza. Ao adoecer, eu desenvolvi um pensamento mágico: os deuses sempre faziam com que Mané estivesse por perto, apesar de morar em outro estado. Tal como um anjo da guarda, aparecia em momentos cruciais, quando minha saúde estava ameaçada. Por isso, quando ele adoeceu tão gravemente, fiquei duplamente angustiada: por perder a presença do meu anjo da guarda e por saber que sua vida, aos 52 anos, também estava sendo roubada. Ele tivera dois acidentes vasculares celebrais e uma endocardite, além de outros problemas causados por uma longa internação em uti. O avc hemorrágico deixou sequelas graves, que afetaram sua memória e a parte motora. No início nem os médicos acreditaram, mas Mané recuperouse bastante e continua devagarzinho progredindo. Fala ao telefone, toda semana, e ainda me faz rir. Recentemente inventou que eu precisava de um telefone com viva voz. Escolheu, comprou e me enviou, por correio, com um bilhete seu. A primeira vez em que nos reencontramos, quase um ano após o seu adoecimento, choramos muito por nós, por nossas vidas, por nosso passado e futuro. Atualmente, quando ele me visita, fico alegre por estarmos

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vivos, mas também triste por sentir muita saudade do que fomos e de como éramos. Sei que ele sente o mesmo. Entretanto, uma coisa é certa: nunca estivemos tão unidos.

cadernos de registros – O ensino de boa qualidade custa caro nas universidades particulares e isso tem

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como desdobramento mensalidades altas. Com a maior quantidade das faculdades particulares oferecendo ensino abaixo da crítica, mas também mensalidades mais baratas, a Unimep perdeu muitos alunos. O jovem de classe média baixa escolhe a universidade pelos preços menores, não por seu nível de ensino. Essa concorrência levou a Unimep a uma crise financeira, e a reitoria criou, naquele ano de 2006, um Plano de Demissão Voluntária com algumas vantagens para o professor que a ele aderisse. Assim, depois de 21 anos de atuação na instituição, saí da Unimep e parei de dar aulas. Deixei de fazer o que mais gostava. Essa foi uma perda por demais importante e tive que trabalhá-la muito em minha cabeça. Quando a Peli reassumiu suas aulas no início daquele ano, tivemos necessidade de uma pessoa para ficar comigo do fim da tarde até a noite. Contratamos a Roberta, uma enfermeira de rosto e os cabelos muito bonitos, mas que achava estar sempre acima do peso. O seu modo de trabalhar revelava algo sobre ela. Chegava a medir a água e pesar a comida, ao mesmo tempo em que se mostrava indiferente a horário, nunca chegando pontualmente. O que mais me incomodava era o fato dela falar bastante alto e quase não me deixar ver televisão, até durante os comerciais ela cantava junto! Roberta vivia caindo e eu ficava com medo quando ela me levantava. Nunca titubeou nem me deixou cair, mas minha preocupação procedia, pois durante essa operação eu ficava com os joelhos dobrados, visto ser ela bem mais baixa do que eu. Tratava-se de uma pessoa muito boa; além do carinho para comigo, vivia deixando recados amáveis em nosso caderno de registros. O que a atrapalhava realmente eram as suas alterações de humor e o fato de gerar um clima tenso entre as demais pessoas que me prestavam assistência. Acabou nos revelando o transtorno bipolar que a acometia, chegando a um ponto em que não mais pôde trabalhar conosco. Com o aumento do número de pessoas que cuidavam de mim, perdi a privacidade na minha própria casa. Compunham o grupo que me atendia dois fisioterapeutas, duas enfermeiras, duas cuidadoras, uma fonoaudióloga, uma terapeuta ocupacional, além de eventuais médicos e outros especialistas. Isso criava um problema de compatibilidade de procedimentos diante de uma patologia pouco conhecida, como era o caso da ela na época. Procuramos minimizar esses desencontros iniciando um caderno de registros diários, no qual os membros da equipe, inclusive as enfermeiras, sintetizavam os acontecimentos e procedimentos em seus respectivos horários e sessões. O caderno ficava à disposição de todos: na chegada o profissional deveria lê-lo e, ao sair, anotar seus procedimentos, percepções ou sugestões. Desse modo começou a ser possível compartilhar e integrar a ação do grupo. Isso também deu qualidade ao trabalho, tendo em vista as necessidades próprias demandadas por essa patologia. Além do mais, realizávamos reuniões mensais com toda a equipe, com a minha participação. Nesses encontros, todos aferiam seus procedimentos quando necessário, e o grupo opinava e se acertava. Essa medida, muito importante para o tratamento que me dispensavam, permitiu a esses profissionais


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(Bene, Fabrício, Kely, Fernanda, Carla, Carminha, Cida, Roberta, Rita e Aline), cada qual na sua especialidade, trocar e aprender uns com outros. Havia os que aproveitavam mais e outros, nem tanto. Após essas reuniões, a equipe fortalecia-se e nós ficávamos agradecidas pela receptividade e prontidão aos nossos pedidos. Peli coordenava todos esses processos. Eu, de vez em quando, escrevia mensagens no caderno de registros. Eram lembretes sobre os meus cuidados, visando a alertá-los para o que eu estava sentindo. A comunicação de quem perdeu a fala em uma cultura que não valoriza a leitura e na qual as pessoas não têm paciência para ouvir o outro – principalmente quando esse outro se comunica através de uma escrita rudimentar, soletrando – requer muita persistência. Sempre adorei dialogar e tive de me acostumar à pobreza de um sim e de um não representados pelo sinal dos polegares direito e esquerdo, para os quais eu devo dirigir o meu olhar confirmando. O sim (e afins) é representado pelo polegar direito virado para cima; o não (e afins), pelo polegar esquerdo voltado para baixo. Restou, assim, uma comunicação binária para quem sempre foi notadamente dialógica... Quando as pessoas fazem perguntas precisas, consigo me comunicar com razoável facilidade. Mas é difícil elas serem objetivas e diretas, sem ambiguidades ou dilemas, e, principalmente, me darem o tempo necessário para respondê-las.

recomeçar é preciso – Em meados de 2006, planejamos sair de Piracicaba para morar no litoral. Minhas irmãs achavam essa ideia muito boa e com isso ficariam mais perto da gente. Para tanto, trocamos o apartamento de dois quartos que tínhamos na Praia Grande por um de três quartos e vendemos a nossa casa de Piracaba, o que implicou nos desfazermos de vários móveis que havíamos comprado para ela. A mim coube definir o que fazer com objetos pessoais que não mais usaria, devido ao adoecimento. Sofri muito nesses dias, pois eram coisas que sinalizavam minha forma de ser e de viver anterior, principalmente roupas e livros. Estes dei para amigos, com o seguinte dizer estampado em um carimbo: “Para meus amigos, meus livros”. As roupas e calçados deixei à disposição de minhas irmãs, mas não quis saber quais exatamente elas levaram. Desde o falecimento de nossa mãe eu pensava em criar uma simbologia que lembrasse aos meus irmãos a importância da nossa união após termos ficado adultos. As telhas me deram essa grande oportunidade. Criei uma para cada um deles. O desenho de seis janelas tinha cada uma delas a cor preferida dos respectivos irmãos, já a base das telhas recebeu a cor predileta de nossa mãe, verde alecrim. Foi assim que, para o momento da entrega, pedi a todos para virem almoçar comigo num domingo. Além das telhas, dei-lhes objetos pessoais meus. Nada de luxo ou de valor material. Coisas simples de uma rotina de vida. Foi emocionante ver como cada um reagiu. Era como se fosse uma despedida antecipada e eu, por minha vez, pude perceber que não estava sofrendo muito ao me separar de objetos que me tinham sido tão caros afetivamente. As telhas abriram um universo de comunicação para mim. Desse modo, para os meus sobrinhos, que são quatorze, pintei quatorze telhas com desenhos de círculos. A temática foi a mesma, a união de todos. Essas pinturas para os sobrinhos tinham como cor de base o verde alecrim, a preferida da avó deles. O círculo maior trazia a cor favorita dos meus irmãos e, no interior dele, círculos na quantidade dos filhos de cada núcleo familiar,

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sendo a cor dos círculos menores a preferida do sobrinho presenteado. Ao entregá-las aos destinatários, tive a sensação de ser essa a maneira de protegê-los. Afora isso, as telhas tornaram-se um legado a meus sobrinhos para lembrarem que tinham uma tia cujo princípio de vida é ‘Recomeçar é preciso!’. Já nessa época estava muito difícil pintar, então eu concebia a ideia e as cores e minha irmã Maria Luiza as executava. Luiza fez muitas telhas, dando materialidade às minhas concepções e a ela sou muito grata pelo tempo que destinou a tal tarefa. Além das telhas, eu estava produzindo as mandalas, que para mim significam a reordenação da relação com o mundo e com as pessoas. Primeiramente com a Carla e depois com a Carminha, as mandalas se avolumavam num álbum, orgulhosamente mostrado para quem me visitava. Com isso foi-se cultivando a ideia de uma exposição. E, em meados de julho de 2006, o projeto de montá-la na Unimep ganhou vulto. Peli mostrou-se a grande incentivadora para realizarmos essa mostra. Coube a ela o trabalho de pedir ‘emprestadas’ as telhas ofertadas aos amigos, amigas e família. Com paciência e dedicação, digitou todos os temas e dedicatórias que constam de cada uma delas, de modo que fossem afixados aos respectivos trabalhos, assim organizando-os. A Gisa, do seu costumeiro jeito discreto, ajudou muito na concepção da exposição. Meu amigo Ely Eser escreveu a apresentação e eu redigi um depoimento sobre o meu adoecimento e a razão de pintar telhas e mandalas. A exposição Recomeçar é Preciso incorporou o tema de uma das minhas mandalas. Ocorreu no período de 21 de outubro a 4 de novembro daquele ano, no campus Taquaral, da Unimep, no saguão térreo do prédio da reitoria. Meu depoimento, exposto num dos murais, foi lido por conhecidos e anônimos. Junto com ele havia duas fotos minhas dando aulas. Por conta do meu cargo na Assessoria de Extensão da Vice-Reitoria Acadêmica, eu conhecia muitos professores de todos os cursos. Dessa forma as pessoas poderiam se lembrar de mim e os alunos saberiam um pouco da professora da Psicologia que, com muita satisfação, emprestara seu nome ao do seu Centro Acadêmico. As pessoas que estiveram na exposição deixaram mensagens emocionadas e emocionantes no caderno de visitas. Eu própria fui ao local num feriado e lá encontrei amigos e parentes. Gostei muito de tudo o que vi, desde a arrumação até a ocupação daquele espaço. Mas o que mais me tocou foi ter presenciado meu sobrinho Eduardo, que observava os meus trabalhos com lágrimas nos olhos. O evento acabou sendo matéria do Jornal de Piracicaba e do informativo produzido pelo curso de Jornalismo da Unimep. As duas matérias explicavam o que é a patologia esclerose lateral amiotrófica. Assim, os leitores ficaram sabendo algo de uma doença tão pouco conhecida. As reportagens falavam ainda de uma história de superação, a partir da arte e do apego à vida. Fiquei muito emocionada quando vi a foto das telhas e mandalas e o próprio conteúdo das matérias. Naquele mesmo período conheci – em função de uma homenagem recebida por ambas – Leide Moreira, uma poetisa que teve também a vida interrompida pela ela e que, como eu, sobrevive e produz algo para o mundo. Leide e eu trocamos, durante um breve tempo, correspondências feitas de mandalas e poesias. Chegou a enviar para mim livros e pôsteres lindos da produtora que ela comandava antes do adoecimento.


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Na homenagem que nos foi prestada pela Câmara dos Vereadores de São Paulo, a Peli foi me representar. Fiquei contente, porque minha irmã Maria Rita e minhas duas sobrinhas, Ana Cristina e Cláudia, a ouviram ler o que eu havia escrito e recebendo o troféu. Esse foi um dos aspectos gratificantes do vínculo com a Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica, um porto seguro para os portadores de ela. O acompanhamento do Dr. Acary é de muita valia. Trata-se de um grande incentivador do apego à vida e os demais profissionais da Abrela são igualmente cuidadosos e acessíveis, sempre prontos a dar orientações necessárias nos diferentes momentos do adoecimento.

reter na memória – Quando não se tem o trabalho como parâmetro do tempo, a relação com a natureza cria uma nova referência ao dia a dia: é uma orquídea que floresce; o aparecimento de um beija-flor de cor diferente; um pardal que faz o ninho no caramanchão; o voo rasante de um pássaro sobre a Sofia, muito próxima ao ninho dele. Havia sempre algo inusitado para tornar o meu cotidiano diferente. Meu dia começava às 8h, quando Cida e Rita me levantavam da cama para tomar banho. Sentavam-me numa cadeira de banho reclinável, que se encaixava no vaso sanitário. O fato de ser reclinável não significa comodidade. Ao contrário, a cadeira trazia desconforto, principalmente no momento de lavar as costas, quando tinha de me inclinar para frente, o que dificultava a respiração. Terminado o banho, eu permanecia na cadeira para ser enxugada e vestida. Havia toda uma sequência de ações a ser seguida para não complicar o resultado. Da cadeira de banho, passava para a de rodas normal, que tinha sido adaptada sob a orientação da terapeuta ocupacional da Abrela. Depois disso eu era levada para o piso térreo da casa. Para tanto, precisava usar o elevador. Nele ficava sem as peseiras e com as costas eretas. Com isso o corpo restava torto e, para consertá-lo, precisava que a Rita ajudasse novamente. Ajeitar minha cabeça na cabeceira da cadeira revelava-se uma tarefa árdua. Houve dias em que, apenas para tal etapa de arrumar a cabeça de modo que pudesse respirar e me alimentar, levou quase uma hora. Às vezes essa demora dava-se por incompetência no manuseio da cabeceira; outras, pelo fato de eu não conseguir respirar direito em nenhuma posição. Portanto, havia dias menos difíceis e outros extremamente complexos para alinhar tronco, pernas e cabeça. Nos momentos mais penosos, minha irritação pela demora em arrumar o meu corpo passava quando eu chegava ao jardim de nossa casa e avistava a aquarela de cores formada por orquídeas, azaleias, camarão amarelo e camarão vermelho, pelos gerânios e pela alamanda e jasmim do rio que cobriam o caramanchão. Aquela paisagem me acalmava, relaxava, e ali eu tomava o café da manhã. Ingeria vários medicamentos com mamão amassado, já que com água eu não conseguia engoli-los. A Cida gostava de fazer algumas experiências sem me consultar, então havia dias em que ela misturava cereais no mamão. A intenção era boa, mas o resultado, péssimo, pois o mamão virava uma cola impossível de ser deglutida. Aí tinha de fazer outro mamão e isso me irritava muito; não adiantava falar para ela me consultar, porque ela cismara que sabia o que seria o melhor, e ponto. Outra situação exasperadora: esperar a arrumação das coisas. Isso parece mal das enfermeiras, pois gostam de por ordem nos ambientes e acabam se esquecendo

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do paciente quando estão nessa atividade. Na churrasqueira, defronte ao caramanchão, realizávamos as sessões de fisioterapia, de fonoaudiologia e de terapia ocupacional. O lugar era muito agradável e ficava divertido, por exemplo, quando o Fabrício interrompia a sessão de fisioterapia para dar nome aos beija-flores. Tinha o ‘laranjinha’, o ‘bico fino’ e o ‘graúdo’. Esse último, em especial, parecia surgir como que para fazer minhas mandalas na sessão de terapia ocupacional com a Carla ou com a Carminha. Havia ainda o canto na sessão de fonoaudiologia, com a Kelly, coreografado por eles. Lindas coisas para reter na memória! A Cida era minha cúmplice para realizar traquinagens com a Sofia. Além disso, ela me deixava andar na chuva, o que eu adorava, sem contar que escrevia comigo, pelo quadro alfanumérico. Eu gostava muito dela. O tempo foi passando e já estávamos quase no fim de 2006. Agora a casa tinha uma nova moradora, d. Maria, mãe da Peli. Ela havia se machucado numa queda, não podia mais subir escadas e, quando deixou o hospital, veio morar conosco. A primeira coisa que pensei: mais uma para dar trabalho à Peli! Já não bastava eu para causar preocupação? Quando d. Maria melhorou, diariamente vinha me dar bom dia na churrasqueira, após meu café da manhã, assim como boa noite, antes de ir dormir. Enquanto pôde, nos ajudou muito, pois lavava a minha louça de almoço e jantar, recolhia do varal as toalhinhas que eu usava para enxugar a salivação. Um dia me disse: “Sabe, Lu, eu contei que você tem 107 toalhinhas!”. Foram meses de calmaria. Minha patologia parecia estacionada, mas não podíamos afirmar isso com certeza, pois a evolução dela é silenciosa. Chegamos ao fim de ano e eu me sentia com esperança por um tempo melhor.


Renascimento Silenciosa e sorrateiramente, a patologia estava evoluindo em mim. Não dava mais para deglutir. Comer tornouse um tormento, pois não conseguia mais engolir. Tomar os medicamentos passou a ser igualmente uma tortura, além disso, deixara de ter prazer em comer. A consequência foi o emagrecimento. Minha respiração também piorara. Constatei isso nas sessões de fisioterapia e de fonoaudiologia. Eu não podia mais emitir os sons, nem fazer com que eles virassem linhas melódicas das músicas que gostava. Fiquei desolada com mais essa perda. Também era difícil respirar pelo fato da cabeça pender para frente, por isso tentei usar um colar cervical, mas de nada adiantava e ainda me machucava. Quando deitada, ficava melhor com a cabeça virada para o lado direito. Os cheiros fortes de fumaça, refogados e de cigarro tornaram-se insuportáveis. A sensação de não poder respirar é horrível. Parecia que ia morrer por falta de ar e meu coração mudava de ritmo. Tentava usar mais o diafragma, mas, para quem a vida inteira respirou com musculatura alta, é difícil mudar. Enfim, eu estava com duas funções vitais comprometidas. Dr. Acary veio consultar-me e me incentivou, na verdade encaminhou, para a colocação da endoscopia gástrica percutânea (peg) – e eu me convenci de que não havia alternativa para continuar vivendo. Essa sonda permitiria introduzir a alimentação diretamente no estômago. Procuramos efetuar essa colocação aqui mesmo em Piracicaba, mas sem sucesso. Não localizamos, pelo menos naquele ano de 2007, um médico que executasse esse tipo de cirurgia por meio de endoscopia. Na Abrela, a nutricionista de lá, a Ely, nos orientou sobre como proceder para que esse procedimento viesse a

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ser realizado no Hospital São Paulo, na capital, com a equipe de gastronomia especializada em pacientes com ela. Compramos o material e a nutricionista agendou a hora e o dia para a intervenção cirúrgica, algo simples e que não requeria internação. Em 19 de junho, cinco dias após termos vendido nossa casa, fui de ambulância para São Paulo acompanhada por Peli e Cida. Chegamos ao hospital, e vi que a Peli empalideceu. Não era possível: ele estava em greve! Ao fim, como não haviam achado o nosso telefone para desmarcar, a cirurgia seria feita. A nutricionista Ely também já estava lá. Tiraram-me da ambulância na maca e, quando entrávamos, encontramos os amigos Marco e Emerson, de Jundiaí. Em seguida chegou minha irmã Maria Rita com o material para ser utilizado no ato cirúrgico. Fiquei comovida ao vê-los e pensei que não estaríamos sós no enfrentamento de mais uma nova situação. Subimos para o terceiro andar, onde se localizava a sala de endoscopia. Deixaram a Cida ficar comigo, por ela ser a minha enfermeira. A enfermeira do setor aplicou-me anestesia, como ao se fazer uma endoscopia, e a nutricionista da Abrela explicou-me o procedimento para colocar a peg. Comecei a ficar ansiosa, porque a Cida a interrompia com perguntas que não eram adequadas. Aguardamos por algumas horas para que a equipe médica chegasse. Colocaram a peg rapidamente. O procedimento me pareceu muito simples. Eu só ouvi o médico falar “aqui tem uma janela”, referindo-se ao meu estômago. E assim, em poucos minutos, ganhei um segundo cordão umbilical. Não senti dor, apenas um grande incômodo. A Ely acompanhou todo o trabalho médico. Logo depois disso saí da sala de endoscopia e descemos para o térreo, onde estava a ambulância que me traria de volta a Piracicaba. Maria Rita, Emerson e Marco se encontravam lá para se despedir de nós. Saímos de São Paulo mais ou menos às 15h, chegando a Piracicaba por volta das 18h. Fizemos uma pequena parada em um dos restaurantes da estrada. Eu estava cansada e, havia horas, na mesma posição. A Cida movimentou um pouco minhas pernas, os motoristas tomaram água. Eu não comera o dia inteiro. Agora a alimentação seria feita de outro modo. A Ely havia explicado tudo para a Peli e a Cida. Como sempre acontece quando tenho de enfrentar uma situação nova e que me causa medo, durante todo aquele dia havia pensado fixamente num acontecimento bom já vivido. No caso, fiquei recordando o gesto do meu amigo Ely Eser, na véspera, segurando minha mão entre as suas e me dizendo que tudo iria dar certo. Com esse gesto na memória, tive forças para aceitar o segundo cordão umbilical. A peg me deu certa tranquilidade para tomar medicamentos e para me alimentar. Perdi o prazer de comer, perdi o paladar dos alimentos, mas, para compensar, ganhei a comodidade de não mais me engasgar com a comida e a água. Minha alimentação passou a ser preparada com uma consistência fluída, de maneira que coubesse em uma seringa de 60 cc, sendo esta injetada na peg. Após alguns dias eu me habituara com a nova rotina e esse jeito diferenciado de comer. Por aquela época, a ideia que havíamos tido de ir morar no litoral em certos momentos me agradava muito e me fortalecia, já em outros eu a receava. Não havia assistência médica adequada na Praia Grande, tudo teria de ser obtido através da cidade de Santos. O primeiro passo já havia sido dado, com a troca do apartamento para um com três quartos e ótima localização de frente para o mar. Em relação às pessoas que trabalhavam com a gente,


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acertamos o seguinte: a Rita iria conosco por seis meses, tempo que o marido tinha entre licença prêmio e férias da prefeitura de Piracicaba. Ela, o marido e os dois filhos morariam numa das casas de aluguel de minha irmã Maria Luiza, na mesma cidade. O aluguel seria acessível e o marido dela tinha possibilidade de empregar-se, por um tempo, no comércio de meu cunhado. Aline e a Cida tinham dúvidas. Desejavam ir, mas estavam temerosas e indecisas. Ocorre que, para mudar totalmente esse projeto, sem que ainda soubéssemos, algo estava em curso.

hospitalização – Em fins do mês de junho, senti que minha respiração não estava nada bem. Deitada, mesmo de lado, o modo então mais fácil de respirar, comecei a passar mal e a não ter mais ar. Em uma madrugada no início de julho fui hospitalizada. Pensando nisso, creio que esses momentos devem ter sido de muito sofrimento, pois há uma lacuna em minha memória e não consigo me lembrar de nada nesse período. Acordei sem noção de quanto tempo havia ficado inconsciente. Só entendia que tinha sido hospitalizada no princípio do mês. Procurei sentir meu corpo, e havia uma grande dor na região sacral; logo entendi que estava com uma escara. Percebi que respirava com o auxílio de um aparelho que, mais tarde, soube chamar-se Galileu. Era um respirador enorme, que ficava do lado direito do meu leito na uti. Tinha acontecido o que eu mais temia: uma traqueostomia. Chorei sozinha naquela uti por mim e pelas pessoas que me amam, perguntandome por que tanto sofrimento. Informaram-me que, nas duas semanas em que fiquei inconsciente, amigos e minhas irmãs vieram me visitar e dirigiram-se a mim, dando-me força e carinho, além de algumas massagens e movimentos sem que as enfermeiras vissem. Tenho a sensação de lembrar da Peli falando comigo. Alguma parte do meu cérebro captou a força que ela tentava me passar. Parece que recordo também da Aline. Tudo isso é tão precioso, quando se está nessa situação de quase-não-ser, não restando palavras para descrever isso que me fez sobreviver. As duas últimas semanas em que permaneci na uti foram verdadeiramente torturantes. Também esse sofrimento não dá para se imaginar. Os medicamentos que eu tomava para tratar de uma pneumonia ali contraída deixavam-me sonolenta, mas não tiraram minha capacidade de crítica. Há técnicos muito competentes e humanos, mas não é a maioria. Na verdade, é a minoria deles. Muitos são relapsos. Disfarçam, dissimulam, e outros se limitam aos procedimentos. Uma fisioterapeuta achava que, para eu ir para casa, deveria desligar-me do aparelho, ou seja, cabia eu respirar sozinha! Nada sabia sobre ela. Na sua sessão de fisioterapia respiratória, queria me treinar a respirar sem o aparelho. Eu me debatia sem oxigênio! Por fim, para meu alívio, ela desistiu. Uma segunda fisioterapeuta acompanhou o treino para eu respirar com o Bipap, equipamento portátil para ventilação mecânica, que substitui o Galileu, o enorme respirador que até então utilizava. No começo foi muito difícil adaptar-me ao Bipap, pois eu ‘brigava’ com ele, ou seja, não o deixava fazer a parte para qual estava programado e aí, em meia hora, eu ficava muito cansada. Porém, em duas semanas, já estava plugada direto nele sem problemas, sendo esse o aparelho que utilizo até hoje. De início os médicos não acreditavam que uma adaptação ao Bipap teria sucesso, mas devem ter se lembrado da conversa da Peli com um deles no sentido de “não desistir da Lucília, pois ela pode surpreender”. Soube que

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eles mudaram alguma coisa na configuração do aparelho e isso deu certo. Observei que os enfermeiros, além da formação frágil, tinham, com raras exceções, pouca postura humanitária e de compaixão pelas pessoas que sofriam naquele setor do hospital. Não faziam contato visual com os pacientes para saber de suas necessidades, limitavam-se a aplicar os procedimentos. Inúmeras vezes tentei me comunicar com quem verificava a pressão arterial ou o controle hídrico para que percebesse que eu estava me afogando com a saliva ou precisando urgentemente mudar de posição. Em vão. Em muitas ocasiões, fiquei na mesma posição o dia todo ou a noite inteira. Tudo dependia de quem era o plantonista. Nos momentos de tomar banho eu me sentia apenas um corpo que estava sendo limpo de forma mecânica. As enfermeiras conversavam entre si assuntos que nada me dizia respeito e não interagiam comigo. Essas constituíam as situações de maior solidão, mesmo tendo pessoas mexendo no meu corpo. Para a enfermagem, simplesmente eu não estava lá. A referência de tempo marcava-se pela visita médica e pela da Peli, sozinha ou com algum amigo ou amiga. Tais eram os indícios de ser manhã ou noite. Eu contava as horas para chegarem aqueles quinze minutos de manhã, quando a Peli vinha e me arrumava na cama, procurando me deixar mais confortável, e ainda chamava a atenção da enfermagem para alguma coisa que não estivesse bem. À noite sempre voltava com alguém, Aline, Rita ou Silvana, que realizava movimentos nas minhas pernas e braços. Vinha também o Ely. Eu ficava feliz de ver essas pessoas queridas. O que mais me fazia bem era quando a Peli umedecia a minha boca com gaze molhada na água fresca. A enfermagem não se dava conta, porque não olhava, que eu tinha os lábios ressecados e sede.

‘é a professora lucília!’ – Na primeira vez em que minhas irmãs estiveram no hospital, fiquei muito emocionada. Elas brincaram comigo, mas podia se ver em suas faces o quanto estavam preocupadas. Na ocasião, me lembrei da nossa mãe, a quem não tive coragem de ir visitar quando ela esteve na uti. Hoje me arrependo disso. A uti é um lugar tenebroso. Nos meus sonhos ou delírios, eu arrumava alguém para me proteger. Imaginava que a Aline se escondia, após o término da visita, e era expulsa pelas enfermeiras, ou imaginava meus amigos criando um plano para me libertar de lá, levando o Galileu para que eu pudesse respirar! Na hora da fuga, acabavam aparecendo a Peli e o Emerson, que diziam que primeiro eu precisaria ficar boa da pneumonia. Pode ser que até existam outras, mas o dr. José Marcio é a pessoa mais humana daquela uti. Vivia me falando que era hora de eu ir para o quarto, mas sempre se dava alguma intercorrência e a tal mudança via-se adiada. Um dia, no início de agosto, as enfermeiras me avisaram que eu seria levada para o quarto. Isso foi no começo do dia. Só acreditei quando o médico confirmou. A manhã demorou a passar, pois eu estava ansiosa e com medo de que alguma coisa desse errado. Finalmente, por volta das 13h, eu saí da uti. Há uma cena que ficou cravada em minha memória. O rapaz que veio trazer a maca e ajudar a me levar para o quarto, quando me viu, exclamou alto: “Essa é a professora Lucília!”. Nunca uma frase me fez tão bem! Deitada, não pude ver quem – generosa e espontaneamente – havia reposto esse papel tão fundamental na minha identidade. Mais tarde soube ser o rapaz que, anos antes, trabalhara numa firma terceirizada e arrumava as nossas salas na universidade. Agora é enfermeiro. Ele se lembrou de mim e talvez nem saiba o bem que tanto me fez naquele dia.


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Ao sair da uti fui para o segundo andar, no quarto 213. Várias pessoas ajudaram a levar a maca e os aparelhos que me garantiam respirar. Finalmente eu iria ser cuidada por pessoas que gostavam de mim.

equipe de apoio – Já durante minha estada no hospital, foi preciso criar uma escala de trabalho, para o meu acompanhamento. Cida ficaria das 7 às 16h; Rita, das 16h às 23h; e Aline, das 23h às 7 da manhã. A Cida, que me visitou uma única vez na uti, e ali me leu uma passagem bíblica, a partir da minha transferência para o quarto começou a ter problema de saúde. No decorrer dos dias, falava muito com os funcionários do hospital, com os quais havia trabalhado anos antes. Foi se pondo silenciosa. Lia muito e se esqueceu de cuidar de mim. Já a Rita estava um pouco assustada e insegura no começo. Era a primeira vez que ela trataria de mim sozinha e num ambiente hospitalar. Mas aprendeu a cuidar tão bem que se tornou uma verdadeira guardiã, inclusive pondo-se na porta do quarto para pressionar a enfermagem quando demorava a me atender. A Aline se sentia segura, pelo menos não demonstrava insegurança. Nos primeiros dias, a enfermagem do setor estava receosa, talvez por não conhecer a patologia ou mesmo em função, quem sabe, de uma experiência ruim com essa patologia. Com o tempo, as equipes passaram a se acostumar conosco e eu percebia que tínhamos conquistado a simpatia dos diversos enfermeiros. Foram cinco meses de convívio diário. Estabelecemos uma rotina no hospital e o hábito de fazer relatórios foi retomado no quarto. Isso mantinha o controle sobre a ação da enfermagem. Passado um mês, a Cida chegou tossindo e com dificuldades para respirar. Nos dias seguintes, começou a faltar, deixando a parte da manhã descoberta. Com isso passamos a contratar plantonistas do hospital que podiam cobrir aquele horário. Ela dizia que os médicos dos postos de saúde não davam diagnóstico para a sua dificuldade de respirar. Então pagamos a consulta num médico particular, que não achou nada fisicamente nela que explicasse aqueles sintomas, dizendo-lhe ser coisa da sua cabeça. Deu-lhe uma licença de quinze dias. Vencido esse prazo, não voltou a trabalhar. Tampouco nos prestou qualquer explicação; apenas mandou a filha buscar o carnê do gps e avisar que iria entrar no inss, pois estava com depressão. Fiquei muito decepcionada com a conduta dela e quase não pude acreditar que estivesse largando uma paciente daquele modo. Nunca mais a vi. Vivia dizendo que nunca me deixaria. Tratei de esquecer dela. O jeito foi arrumar outra enfermeira. Havia duas candidatas para o horário. Uma pareceu-me estranha e não conseguia se comunicar comigo. No dia em que fez um plantão noturno, para a Aline poder folgar, ela me aspirou a tráqueo cinco vezes, quando eu estava pedindo que aspirasse a boca! Além disso, não tinha as mãos muito asseadas. A outra era uma morena bonita de cabelos ruivos. Eu gostei dela, mas possuía o grave defeito de ficar muito tempo falando ao telefone celular. Passados alguns dias, me surpreendeu com a facilidade de se comunicar comigo, mostrouse sensível ao sofrimento dos outros, olhava-me diretamente nos olhos, emocionou-se com as minhas mandalas e aprendeu a cuidar de mim tão bem que não me deixou sentir falta da Cida. Essa é a Kátia, que mais tarde iria aprender a escrever comigo pelo quadro alfanumérico, permitindo que eu redigisse este livro. E foi além: apesar de sua tremedeira, conseguiu me ajudar a fazer mandalas! Mas isso é outra história, que vou contar no meu próximo livro.

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Quando se fica longo tempo num hospital, tem-se a percepção de que a vida está terminando. Eu não tinha a perspectiva de um futuro. Cada dia que passava acentuava em mim a sensação de que eu era apenas um corpo sofrido, com data marcada para um término. Havia dias em que eu me refugiava no sono para amenizar esse sofrimento. Foi uma época difícil. Em junho de 2007, já tínhamos vendido nossa casa, com vistas ao projeto de mudança para o litoral. Mas o agravamento da patologia, com a repentina hospitalização, rompeu definitivamente com tais planos, colocando a necessidade de se buscar novo local de moradia, pois a casa precisaria ser entregue ao comprador em 30 de setembro. Enquanto eu estava no hospital, Peli procurava, dia após dia, essa outra moradia para nós. Só apareciam lugares não apropriados. Clinicamente eu estava bem e pronta para receber alta hospitalar. Mas teria de levar o aparelho que mantinha minha respiração. O destino reservado aparentemente pela Unimed a mim e a uma outra paciente com ela, que ocupava um quarto no primeiro andar, era o de morar no hospital até morrer, na medida em que não pretendiam liberar o uso de equipamentos e recursos humanos da uti para domicílio. Eu sentia que a vida lá fora estava muito distante de mim. Ela acontecia longe, chegando até mim através dos relatos da Peli, que fingia tranquilidade e brincava com suas buscas inúteis atrás de um apartamento, pois casa térrea já estava fora de cogitação. As notícias da vida do lado de fora vinham, também, pelos relatos alegres de amigos como César, Emerson, Marco e Teresa DalPo, nas tardes de sábado ou domingo; dos olhares firmes e ternos da Leila Jorge e da Leila Amaral, cada uma a seu modo me chamando de “minha amiga querida” e dizendo, com olhos marejados, o quanto sentiam tudo que estava acontecendo. Das minhas irmãs, sempre me lembro de suas fisionomias preocupadas escondidas em uma falsa alegria. A visita de meu irmão não me trazia a vida lá de fora, mas me proporcionava uma paz interior imensa. Ficávamos de mãos dadas e nos comunicávamos apenas através de olhares. Assim, impedidos de falar – eu devido à ela e ele aos avcs –, nós nos confortávamos.

ganhos sob perspectiva – A vida no hospital era muito estranha, como também a minha própria imobilidade. Ser tratada por gente que eu não conhecia, pessoas que eu não sabia se gostavam de cuidar de mim, no começo foi muito difícil. Depois, passei a observá-las melhor. A chefe da enfermagem, Sonia, estava continuamente pronta a zelar pelo meu bem-estar. A enfermeira Maria de Jesus, além de muito cuidadosa, sempre me divertia com suas brincadeiras. Havia também Oda, Adriana, Pedro Bala, Leusa, Joice, Cláudio e Márcia, os mais constantes, que eu sentia terem passado a gostar de mim. Da equipe de enfermagem do noturno eu não me lembro muito bem, mas era menor e interagia menos comigo. Quando a Peli soube que a Unimed tinha a intenção de me manter no hospital por tempo indefinido, começou a procurar alternativas de modo a me trazer para casa, mesmo não sabendo ainda onde iríamos morar, pois a casa dos meus sonhos, onde não pude viver tudo o que pretendia, agora pertencia a outros. Ficamos tristes com a venda, mas foi um mal necessário diante de tudo o que estava ocorrendo. Após muito procurar, finalmente encontrou-se um apartamento muito bom, com uma janela enorme com vista para a Escola de Agronomia.


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Desmontar a casa constituiu um grande trabalho, pois foi preciso nos desfazermos de muitos objetos, incluindo mobiliário, adquiridos especialmente para aquele ambiente. Essa parte a Peli fez sozinha. Sei que algumas coisas ela vendeu, outras deu para pessoas que precisavam. Uma boa parcela dos meus livros eu já tinha entregado a alguns de meus amigos, sendo outra doada à biblioteca da Unimep. No meu lugar, eu imaginei o sofrimento da Peli, tendo de providenciar tudo sozinha. Ela vinha e relatava para mim as providências que estava tomando. Por fim contou que, no último dia, quando fechou a porta da garagem e disse para nossa poodle Sofia que agora estávamos indo para outro lugar, a cachorrinha começou a chorar. Era como se tivesse entendido tudo, incluindo a razão de toda a agitação daqueles dias, com o encaixotar das coisas e a retirada dos móveis, que ela tentava impedir latindo e brigando com os trabalhadores da mudança. Num mar de incertezas, agora caberia a ela montar o apartamento como se eu fosse ter alta. Houve um episódio bonito. Ao mesmo tempo em que procurava um lugar para nós, a Peli confrontava-se com a diretoria da Unimed sobre a minha saída, insistia com os médicos e conversava com o marido da outra paciente com ela, que iria entrar com uma ação judicial. Quando percebemos que a diretoria da cooperativa de saúde estava nos enrolando, Peli escreveu uma carta forte e intensa capaz de comover o mais frio administrador e a enviou ao seu presidente. O meu plano de saúde é vinculado à universidade em que dava aula e ela já havia concordado em assumir a parte que lhe cabia nos custos da minha manutenção em casa. Aliás, a chefe do setor médico na Unimep, a Dida, muito ajudou, pois o seu envolvimento foi fundamental para que o desfecho me fosse favorável. Por isso eu, moralmente, não poderia entrar com uma ação judicial contra a Unimed, pois sentia que, mais cedo ou mais tarde, o parecer acabaria me sendo favorável. A outra paciente com ela não tinha alternativa e a ação que ela moveu – e ganhou – contra a Unimed acabou acelerando a minha saída. Enquanto esperava o dia de ir para casa, eu não parava de pensar. Em determinadas ocasiões via-me muito triste, pois o que a ela tinha provocado em mim era mais do que perdas, constituía o roubo da minha própria vida. Como seria depois, com a saída do hospital? Entretanto, havia instantes em que eu estava de ‘bem com a vida’. Como alguém, na condição em que eu me encontrava, podia ficar de bem com vida? Mas eu ficava – e isso me intrigava. Vou tentar explicar. Quando uma pessoa passa por um sofrimento quase insuportável e resiste a ele, nos dias seguintes esse sofrimento se abranda, como se diminuísse, e simultaneamente aparece uma tristeza, também ela mais branda. Essa tristeza abrandada se mistura com momentos de alegria, ou de um riso fugaz, o que proporciona o surgimento de uma nova subjetividade. Nessa nova condição é possível se pensar em eventuais ganhos. Despojada de bens materiais, os ganhos são de ordem emocional ou espiritual. Minha imobilidade permitiume assistir à dança dos beija-flores em torno do camarão amarelo. A cena era de uma beleza impressionante e eu não constituía ameaça para eles. Eram vários os beija-flores, cada qual com um bico diferente, e o sol dava, a cada um deles, matizes coloridos. Essa dança em contraste com o camarão-amarelo e emoldurada pelo caramanchão florido formava o espetáculo que eu pude apreciar todas as manhãs. Adquiri ainda a paciência para lidar com o meu silêncio no universo da sonoridade. Nesse mundo de sons e

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de imagens, em que não se valoriza muito a escrita, trocar a fala pela escrita requer muita persistência. Mas o ganho maior que me comove é ser amada incondicionalmente. Isso, na minha condição, me anima a lutar pela vida. Essa vantagem mostra minha disposição de continuar a viver, apesar de todas as perdas. Os proveitos são ínfimos, mas têm que ser considerados sob o ponto de vista qualitativo.

janela para a vida – A outra paciente de ela venceu a causa e o juiz determinou que pudesse ir para sua

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casa. Se isso não ocorresse, o hospital teria de pagar multa diária num valor muito alto. O que valeu para ela foi aplicado também para mim. E eu, que já estava até preparada para passar o Natal e o Ano Novo no hospital, fui para casa no dia 21 de dezembro de 2007. Por volta das 14h, chegaram ao quarto um médico, enfermeiros, a Sonia – chefe da enfermagem do segundo andar – e a Lílian, coordenadora da Unimed Domiciliar. Fui retirada da cama e transportada para uma prancha sobre uma maca. Nessa prancha fui amarrada de modo que ela me deixasse em pé, pois haveria de subir pelo elevador até nosso novo apartamento. A Sonia e a Lílian carregaram o Bipap e o nobrake, que manteve em funcionamento o respirador. Após seis meses hospitalizada, era a primeira vez que eu saía à rua. O sol feriu meus olhos e alguém os cobriu com as mãos. O percurso do hospital até minha casa foi breve, mas para mim demorou uma eternidade. As pessoas que me acompanharam na ambulância conversavam e eu, na minha ansiedade, nada escutava. Estava indo para casa! Finalmente chegamos ao prédio. Na rampa de acesso à garagem do primeiro subsolo, a ambulância parou de ré para que se retirasse a maca. Os dois elevadores do prédio foram destinados a essa operação. Colocaram-me em um dos elevadores e a Peli subiu pelo outro. Chegamos juntas ao 11.o andar. Quando me puseram em pé no elevador, senti uma boa sensação por estar levantada. Durante a subida não sei se chorava ou ria, acho que as duas coisas juntas. Entrei no hall do apartamento e a primeira pessoa que vi foi a Kátia, com o olhar terno, me dando boas-vindas à nova casa. Emocionada, Peli indicou o local onde eu ficaria. Ela tinha pensado em tudo. Minha cama estava disposta na sala para que eu pudesse acompanhar o movimento da casa. À minha esquerda, um lavabo, adaptado para as coisas da enfermagem e com materiais de uso diário para meus cuidados, seria utilizado como ‘posto de enfermagem’. O chão de madeira da sala fora coberto com um emborrachado, parecido com o tapete, de modo a facilitar a limpeza e higiene. À minha direita, uma janela com vista para uma parte da entrada da cidade de Piracicaba e, à minha frente, uma ampla porta de vidro dando para uma bonita sacada com uma vista maravilhosa do parque da Agronomia, onde eu costumava fazer aquelas minhas caminhadas matinais. Peli chama tal janela de ‘janela para o mundo’, mas eu prefiro tratá-la de ‘janela para a vida’. Através dela, eu posso me transformar na minha imaginação em qualquer ser vivo e escapar deste meu corpo que me mantém prisioneira de mim.


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O Sentido das Telhas e das Mandalas Mariá Aparecida Pelissari (Peli) Quando Lucília encontrou uma atividade que lhe permitiu continuar a se comunicar com as pessoas e a permanecer no mundo da sociabilidade, a exposição Recomeçar é Preciso, em 2006, já estava concebida. Aquilo feito, portanto, significou – como ela própria diria – “dar materialidade” ao projeto para mostrar que Lucília continuava viva, produzindo, e que podia com elas se relacionar. A exposição ajudou Lucília a superar o sentimento de vergonha pelo adoecimento, que nela havia se instalado nos primeiros tempos. Mais de uma vez, solicitara leituras sobre o sentimento de vergonha e muitas conversas a esse respeito. Foram tempos de bastante esforço para manter um equilíbrio emocional possível. A perda da sociabilidade cotidiana, o encerramento abrupto de sua carreira docente, o afastamento forçado de todas as atividades e de pessoas que compunham e davam sentido à sua vida impuseram-lhe longos períodos de silenciamento. As telhas viabilizaram que transportasse suas ideias, suas opiniões, seus afetos de imediato. No início, várias telhas eram concebidas ao mesmo tempo, como se ela conversasse numa reunião, ou num grupo de amigos, com todos ao mesmo tempo. Mais tarde, concentrava-se numa única telha, como se estivesse numa conversa particular e, em seguida, novamente a profusão de telhas e de elaborações. Houve momentos em que o espaço da churrasqueira, transformado em ‘atelier’, abrigava diversas telhas inacabadas, como se a conserva tivesse sido interrompida. A presença de amigos e familiares naquele espaço, no qual mostrava o seu trabalho e os presenteava com sua produção, conferia outro ar à fisionomia de Lucília: o riso e o choro emocionados e o brilho no olhar dava-nos, exemplarmente, a dimensão de sua força e de sua disposição e capacidade de reinventar a vida.

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Pouco tempo depois de ter iniciado a pintura com as telhas, Lucília descobriu as mandalas. Ela continuava a dialogar com as pessoas utilizando-se, agora, de outro veículo. Como fazia com as telhas, endereçou e enviou mensagens a amigos e familiares. As mandalas, mais especificamente, deram-lhe condição para compartilhar seus sentimentos e seu mundo interior. Durante aproximadamente um ano e meio, Lucília alternou entre o trabalho com as telhas e o com as mandalas. A atividade com as telhas viu-se finalizada com a exposição. Já o trabalho com as mandalas pôde continuar, até por exigir menos esforço físico para sua execução. A escolha das tintas, das misturas, dos movimentos que cabem ser feitos – uma vez que já não é mais possível realizá-los autonomamente – tem como resultante um lindo sorriso ao se chegar ao fim. Podemos perceber claramente quando “acertamos a mão”, isto é, quando fazemos como ela pensou, identificando também se ela não gosta, “não era bem isso”. Terminado, Lucília assina, data, dá nome à obra e, se for o caso, a endereça. Assim o fez com todos os trabalhos que foram expostos e com os demais realizados após a exibição. A exposição fortaleceu Lucília e a deixou feliz. Ela gostou de se ver e de como seria vista. Para aquela ocasião preparou, além das mandalas e telhas, um depoimento e duas explicações, que ficaram expostas aos visitantes e são a seguir reproduzidos.

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Depoimentos e Explicações A ela (esclerose lateral amiotrófica) chegou sorrateiramente em minha vida, em meados do segundo semestre de 2003. Nos três anos posteriores, sua ação foi devastadora: tirou-me a fala, imobilizou minhas pernas e braços, comprometeu músculos responsáveis pela mastigação, deglutição e respiração. Com a ausência da conexão neuromuscular, meu corpo perdeu tônus, leveza e sustentação, passando a pesar literalmente o peso físico. Contudo, mantêm-se intactas minhas funções intelectuais, sensitivas e emocionais, talvez para que, com lucidez, eu possa acompanhar como a minha vida foi e está sendo roubada. Meu intelecto e meus afetos não reconhecem mais o corpo que antes os concretizavam na relação entre o pensar e o fazer. Filosoficamente é como se eu estivesse vivendo a separação do espírito e da matéria. O reencontro dá-se no riso e no choro, quem sabe por meu corpo ainda ter autonomia para viabilizar tais emoções. São três anos de angústia, desespero e tristeza indescritíveis. Entretanto, sempre acreditei que o ser humano possui possibilidades de reinventar a vida em quaisquer circunstâncias. E essa crença me faz sentir que apenas ‘quebrei as asas’ e terei de aprender a alçar outros e novos voos. Criar mandalas e telhas é um desses voos. O sentido de conceber e pintar telhas Conceber e pintar telhas exercita a criatividade e nelas expresso a minha subjetividade nas relações com as pessoas que significam alguma coisa na minha vida. Além disso, penso que ajudo a protegê-las, ao representálas nas telhas, que são, também, um símbolo de proteção.


E x p o si ç ão R e c o m e ç a r é P re c i s o

O sentido de criar mandalas O círculo representa o reordenamento da relação com o mundo e a espiral possui o sentido do movimento dessa relação. Ambos sempre me fascinaram pelo seu simbolismo. As mandalas possibilitaram indissociar esses simbolismos, caracterizando a relação com as coisas de um mundo em constante devir. Nas mandalas expresso a minha relação com a natureza, com as pessoas e comigo mesma. Ao comunicar essas relações, nas mandalas crio condições para me relacionar. Com isso minhas emoções fluem e meu eu fica menos prisioneiro na imobilidade do meu corpo.

Apresentação A apresentação da exposição foi encomendada ao seu amigo Ely Eser e ficou assim: Nós que a conhecemos e a admiramos, a cada dia mais, percorreremos esta exposição extasiados, diante desta nova Lucília, a quem o destino, se lhe arrancou a faculdade da fala, refinou seu enorme poder de comunicação. A quem não teve o privilégio de privar do tempo no qual ela abria horizontes de sentidos, como cientista doutora no novíssimo campo da psicologia social, tão profundamente cultivado na puc de São Paulo, sua ‘alma mater’, tornam-se indispensável algumas notas de introdução. Cientista social que se alimenta do campo da ética, Lucília foi fundamental para que se tecesse, na complexa produção da Política Acadêmica, seu valor guia. Foi neste ‘tempo de ouro’ da vida institucional que Lucília coordenou a extensão da Unimep, e o processo que definiu e materializou sua Política de Extensão. Ela ajudounos a reconhecer ser o compromisso com a inclusão social o diferencial do processo educacional de nossa Universidade. Seu trabalho, que acaba de ganhar a 3.ª edição, De Eu e Tu a Nós. O grupo em movimento como espaço de transformação das relações sociais (Editora Unimep), resultado de sua tese de doutorado, ilustra sua percepção de um movimento pedagógico substantivo. Ela realiza análise crítica do movimento percorrido pelos favelados de Piracicaba na conquista da autonomia política e da dignidade de cidadãos e cidadãs. As pinturas desta ‘nova’ Lucília carregam a autêntica profundidade da emoção de viver que emerge da consciência de um ‘eu’ que alcança a oportunidade de tocar limites do existir. Para nós, seus amigos, essas obras carregam o sabor do sagrado. Elas expressam as profundezas de um mundo emocional que deixa perceber a riqueza de uma personalidade única. Cores e formas se juntam para expressar “minha subjetividade nas relações com pessoas significativas na minha vida”, como atesta a própria autora. Lucília não poderia mergulhar no mais fundo de seu ‘eu’ para nos deixar contemplar apenas sua individualidade. Não é dessa criatividade que se trata aqui. Lucília só pode mergulhar em ‘subjetividade de relações’, em diálogo com muitos ‘eus’ que convivem em seu interior, para marcar o modo como concebe o coletivo de suas relações. Ely Eser Barreto César Piracicaba, 12 de outubro de 2006

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Mensagens no Livro de Visitas A exposição foi visitada por amigos, parentes, conhecidos e não conhecidos, que deixaram mensagens emocionantes e emocionadas. Querida Lucília. Foi muito prazeroso montar a exposição dos seus trabalhos. Além disso, foi surpreendente perceber que, de qualquer ângulo que se olhe, vê-se um belo trabalho. José César, Tereza Dal Pogetto, Gisa Cerveny, Clarissa Martins, Roseli Gonçalves e amiga Lucília. É com alegria que deixo registrada aqui a minha passagem pela Exposição, sobretudo pela dimensão lúcida e sensível, contida na dimensão do tempo subjetivo (azul) da telha intitulada ‘Tempo objetivo e subjetivo’. Um enorme e carinhoso abraço. Silvana Bassan Querida Lucília. Muita emoção... O melhor de você está presente em cada trabalho... Como dizem os chineses: o seu shen (essência) continua vibrante. Um beijo na sua alma. Celaine Godoy Querida irmã. Foi muito importante poder participar nos seus trabalhos com telhas. Fez-me crescer e tomar decisões que até então eram um pouco difíceis para mim. Espero estar sempre presente em sua vida. Te amo. Luiza 70

Querida Lucília. Mais uma vez você me emociona e me ensina. Antes com suas palavras, além dos textos; agora temos as mandalas e as telhas. Só dá para dizer novamente... Obrigada! Com muito carinho. Márcia e Fernando Tia Lu. Parabéns pela beleza das peças e da sensibilidade expressa em breves e profundos comentários. Muitos beijos carinhosos. Edu, Sandra, Bruna e Érica Querida Lucília. Com muita emoção e saudades pude ver novamente a ‘nossa’ Lucília expressa nessas peças de rara beleza e sensibilidade. Abraços. Dena Querida Lucília. Obrigada por nos mostrar que sempre é possível reinventar a vida e a arte é o caminho que sempre pode ser percorrido. Através dela podemos redescobrir o mundo e ressignificar a nossa existência. Um beijo no seu coração. Josiane Lucília. É gostoso ‘ver’ o sentimento que você transmite com suas obras. Só pessoas especiais conseguem isso, você certamente é uma delas. Silvana/vr Acadêmica Querida Lucília. Que prazer e que honra poder contemplar a sua alma. Uma riqueza, uma esperança e luz para a vida. Fico muito emocionada com a sua luta, com a sua capacidade de enfrentar as perdas e as pedras que a vida colocou no seu caminho. Você é um exemplo de força, de um ser humano que não desiste de sua vida. Adoro você! Sempre estará no meu coração como modelo de pessoa e de profissional. Beijos no seu coração. Graziela C. Pinto, turma de Psico/04 Lucília. Foi com grande emoção que vi os seus trabalhos. Dentro dos limites impostos pela sua saúde física, é possível observar que seu espírito se sobressaiu neles. Tenho saudades e sempre coloco você em minhas orações. Continue firme. Um abraço. Silvia, secretaria da FCH


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Lucília. Seus trabalhos são maravilhosos. Estarei orando por você. Um beijo. Regina Célia Faria Simões, professora fgn/gni Lucília. Adorei seus trabalhos, sua capacidade criativa é indescritível, sua força emociona. Parabéns. André – 9.° sem./Psicologia Lucília querida. Que saudades de você. Fiquei encantada com seu trabalho. É um alento para todos saber que você está viva, criando. Mil beijos. Magui Tomazello “Lucília. Luz que auxilia, Luz que vivencia, Luz que alumia.’’ Com carinho e estima, Aline Barros Lucília. Suas manifestações artísticas comprovam a merecida admiração que lhe tenho, como mulher, como mestra, como vencedora. Sempre! Lucilena (sua última turma) Lucília. Estivemos aqui para ver a exposição. Sinto imensamente a sua falta, embora a veja em cada uma das peças. Saudades eternas. Buco Lucília. Uma das melhores coisas que me aconteceu foi poder conviver com sua sabedoria. Te gosto muito. Nilce Lucília. A esperança não é a última que morre, mas a primeira que nasce quando tudo parece perdido! Beijos de seu sempre aluno, Fernando Paulino Lucília. “Sabedoria dos monges e astúcia dos guerreiros”, um belo e emocionante exemplo para nós; mesmo aqueles que não tiveram a honra de conhecê-la, mas que compartilham com alegria os seus trabalhos. Muita força no seu coração! Grande beijo. Samira Oliveira, turma de Psico/06 Querida Lucília. Através das suas obras pudemos conhecer um pouco mais de você, aumentado assim nossa imensa admiração pela sua pessoa! Apesar de não termos sido suas alunas, sabemos o quanto você é importante para esse curso e, assim, para nós, uma vez que o escolhemos como parte de nossas vidas. Você é muito especial! O verdadeiro guerreiro nunca desiste da batalha! Com carinho, Isabela Santos e Sandra Borgas Bulhões, Psico/06 Lucília. Estou neste momento muito, muito emocionada com sua exposição. Você já me emocionou muitas vezes com suas orientações, posturas e sentimentos. Apesar de fisicamente distante, sempre tenho você no pensamento e no coração, a cada situação de impasse recorro mentalmente você e à Peli, verdadeiras mestres em minha vida. Essas telhas e mandalas me transmitem sua sabedoria e capacidade de superação. Estou morrendo de saudades e essa foi uma maneira de estar um pouco perto. Obrigada pela oportunidade e pelo grande presente. Parabéns pelo belíssimo trabalho, pela garra, pela fé, pela esperança, pela generosidade. Um beijo grande, com muito carinho. Juliana Sans Camargo Lucília. Sua vida, sua história e sua arte são indescritivelmente belas! Em tudo há muito significado, e amor, leveza, sinceridade; coisas que nos fazem falta nestes dias em que vivemos. Sua luz é muito forte e brilhará sempre, até a eternidade!! Parabéns Lucília, parabéns Peli por vocês existirem. Um grande abraço. Silvia Crepaldi

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Lucília, minha eterna professora. Confesso que estou com muita vontade de te encher de beijos e abraços, mas não foi possível. Sempre acreditei no poder sublime do abraço e do olhar... Meus sentimentos caminharam, voaram, estacionaram em cada telha, cada palavra, cada cor, cada traçado... Como sempre, sua forma de passar ‘o saber da experiência’ continua sendo com grandiosidade e humildade. Embora não esteja vivendo perto de você ou de vocês, saiba que continuo sonhando com vocês da mesma forma. Faltam palavras, pois elas se perdem ao me deparar com tanta emoção. Beijos e abraço bem forte, com carinho. Tatiana Jacob Lucília. Você realmente é uma luz que nunca se apaga em nossa existência, sempre trazendo novas compreensões possíveis do que, muitas vezes, nos parece impossível. Um abraço do seu admirador. Robson Leite Lucília, nossa professora. A palavra de Deus nos diz que a nossa vida é como um vapor que aparece um pouco de tempo e depois se vai... Mas o Senhor é nosso alto retiro, para Ele corremos e nos sentimos seguros, porque Ele é a nossa torre forte e Nele há paz. Embora esteja limitada fisicamente, contudo, vosso espírito pode ser livre eternamente. Abraços. Claudete Mardegan e Ana Maria Lucas Lucília. É incrível sentir você através destas produções. Senti a consciência e a emoção em plenitude nestes trabalhos. Muito obrigada por trazer trabalhos tão lindos que te mostram por inteira. Um grande beijo. Magali Serrano

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Lucília. Estou impactada pela emoção. Sua obra é mais do que arte, é a pura expressão da grandiosidade humana existente em você. Obrigada por compartilhar tudo isso conosco. Um grande abraço. Débora Fonseca Lucília. Que trabalho lindo! Quero lhe dar os parabéns porque todos estes trabalhos só provam que a força do ser humano não tem limites e a luta sempre traz maravilhosas recompensas. Um beijão. Luisa Dal Pogetto Lucília, minha querida! Eu, como sua terapeuta ocupacional substituta, não tenho palavras para descrever o que sinto por você nesse tão pouco tempo de convivência. Mas sinto uma admiração e respeito junto com carinho profundo, pela beleza e leveza do seu ser! Você é muito linda! Carminha Dra. Lucília. Gostei muito dos seus trabalhos, peço a Deus que te dê graça em todos seus momentos de vida. Com carinho de sempre, do seu ex-aluno Maxiel Lucília. Que Deus esteja com você e com as pessoas que você ama. Ana Laura, sua aluna Lucília. Que Deus continue te iluminando e te protegendo sempre. Quantas ‘lições’ você continua nos oferecendo! Um abraço. Márcia Vieira Lu. Continue reinventando. Você nos faz refletir sobre o valor da vida e da alegria. Beijos. Heitor Gaudêncio Parabéns, Lucília! Só quem ‘é’ pode existir sem asas. Te admiro muito!!! Gisleine Freitas Querida Lu. Movimento, sensibilidade, possibilidades, fases da vida... Guerreira, fé, emoção, ternura, amor... Percebo que você só dá conta de temas que brotam de uma fonte fértil, rica e generosa. Caminhar vale a pena porque encontramos ‘fontes’ como você pelo caminho. Carinhosamente, Beth Caetano


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Querida Lucília. Fui sua aluna na Unimep da sua última turma conosco. Eu sempre te admirei e admiro ainda mais a sua força. Você é realmente um ser de luz. Amo você. Adriana Garbin, bolsista de pesquisa da Leila Amaral, lembra? Lucília. Adorei seu trabalho e senti muitas boas vibrações nas cores e texturas apresentadas. Transmitem leveza, pureza, sensibilidade, energia... Um abraço. Renata Leme A. Pescantini/mba Logística, Unimep Lucília. Adorei a sua exposição. As mandalas são belíssimas, cheias de vida e beleza. Um forte abraço. Regina Davalle Lucília. Que bom você ter compartilhado essa energia tão positiva, emanada dos seus belos trabalhos, com todos aqui na universidade. Abraços. Heitor A.S. Neto Lucília. Minha inesquecível professora da umc no fim da década de 70, início de 80. Nunca perdi uma aula sua, pois você me cativou desde o primeiro dia por sua inteligência e talento. Lembro-me com saudades da primeira reunião do antigo Departamento de Psicologia, no antigo sepsi, quando te vi. Para mim parecia ser muita areia para o meu caminhãozinho ser sua colega de trabalho. Hoje adoro ser sua amiga. Muito obrigada por tudo que me ensinou por todos esses anos, principalmente a importância da superação. Um beijo especial. Acácia Ventura Lucília. Como antes, você expressa a grande professora e pessoa especial que é! Seu trabalho é lindo. Vendo-o, é possível senti-la, perceber a sensibilidade em cada traço e cor! Está sendo um verdadeiro presente todo esse universo que você nos permite compartilhar com você! Muito obrigada! Um grande abraço. Sibere Lourenço, 10.° sem./Psico Lucília. Parabéns, você é demais!!! r.z. Lucília. Apesar das dificuldades que a vida lhe impôs, você continua a nos ensinar (e muito!). Abraços. Sandra (fch) Lucília. Deixo aqui beijos carinhosos e parabéns pela bela exposição. Donato Para Lucília: Estás linda!!! Beijos. Alda (fch) Lucília. Abraços, carinhos e parabéns pelos trabalhos. Maurício Lourenção Lucília, parabéns pelos belos trabalhos. Luciana Alvim Gava Lucília. Reinventar-se, reinventando a vida na arte, é tarefa para poucos, e abençoados. Muito carinho. Rosa Meneghetti Lucília. Me emociona a sua criação traduzida no colorido das telhas e nas palavras benditas que dizem da sua relação com os amigos. Me emociona, ainda mais, o compartilhar dos seus sentimentos através das mandalas. Momentos de entrega, de se permitir ser o seu próprio anjo. O que mais me tocou e me arrebatou foi o seu depoimento – sincero, real, dolorido. Apesar de tantas perdas, você ainda se propõe a recriar o seu cotidiano com arte, poesia e a nos encantar. Diante de sua história e de seu sofrimento, tudo o mais se torna pequeno. Minha admiração e meu carinho, sempre. Kato

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Lucília. Seu sorriso diz tudo e seus trabalhos ajudam a expressar sua luz. Abraços. Dalila Querida Lucília. É com grande prazer e alegria que compartilho com suas obras uma subjetividade até então desconhecida, porém repleta de um querer viver. Um querer viver que me surpreende e que me faz querer viver mais e muito mais. Parabéns. Te admiro muito. Daniel Prezoto Professora Lucília! Os trabalhos são lindos! E você, como sempre, admirável. Eli Forti (Fisio-Facis) Lucília. Gosto das linhas coloridas que te levam a passear. Na travessura desse caminho, me encantam as linhas soltas que dançam e brincam no grande círculo amarelo. Abraços. Cláudia Santana Lucília. Não tenho palavras no meu humilde vocabulário existencial para expressar a minha gratidão por você ter estado presente em minha vida e deixado marcas para toda uma vida. Cláudio, seu ex-aluno e para sempre discípulo Lucília. É muito gratificante poder observar as obras de uma pessoa como você, sobretudo porque estas peças permitem que continuemos tendo contato com os valorosos ensinamentos e conteúdos que você possui. Do aluno que a tem como eterna mestra, Marcelo Rodrigo Parazzi

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Querida professora, professora que surpreendeu e que continua a surpreender. Não consegui (e também não quis) segurar o meu pranto na ocasião da minha colação de grau quando você foi lembrada. Sinto não ter tido maturidade para melhor poder aproveitar as suas aulas e seus conhecimentos. Porém, trago no peito, comigo, a sua imagem quando nos ensinava. Sua imagem, sua aura evolui e viaja pelo universo. Cabe-me seguir seus rastros na imensidão da vida. Beijo o seu coração. Sérgio de Oliveira Santos Lucília. Não te conheço pessoalmente, mas posso sentir a tua energia. Que Deus esteja contigo. Com todo carinho, Sueli Tangui Lucília. Parabéns pela linda exposição. As mandalas e as telhas lhe devolveram a palavra. Que ela nunca lhe falte. Talvez você goste de saber que em juruna, língua indígena brasileira que estudo, há a distinção entre nós ‘exclusivo’ (uzu’adi) – o ‘nós’ com exclusão dos outros – e nós ‘inclusivo’ (si) – o ‘nós’ todos sem exclusão. Então eu lhe digo: si z-á e-bé, que quer dizer “nós (enfático) todos amamos você / gostamos de você / queremos você”. Cristina M. Fargetti (Taperida) Querida Lucília. São emocionantes, pelo poder de arrebatamento que desperta em cores. Enquanto admirava, pensava numa frase de Nietzsche: “É preciso da arte para não morrer de verdade”. Com carinho e saudade, Márcio Mariguela Lucília. Parabéns! Tudo de bom! Fica na paz! Beijão. Yara Cerri Querida Lucília. Tenho orgulho em poder fazer parte das pessoas que passam por sua vida. Você me ensina a ser terapeuta, a repensar o processo, a transpor os limites. Você, como digo sempre, é uma guerreira. Obrigada por me ensinar tanto sobre a vida. Kely Silvério


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Lu, eu te amo. Como foi bom passar por esta vida e conhecê-la. Você sabe dessa nossa grande afeição (por você e por Peli). Sua arte de expressão em diferentes formas nos deixa uma grande lição de vida. Mil beijos. Célia Margutti A. Gurgel Lucília. Nas cores do seu magnífico e sofrido trabalho eu vejo a sua mensagem de coragem e o seu desafio a todos nós. É lindo ver você assim. Um beijo do Sérgio Marcus Lucília. Lindo! Fascinante! Meu carinho para você. Vera Helena Lucília. Minha admiração por você e por sua capacidade de transformação que transcende a dor e cria novos modos de ser. Parabéns, você é um exemplo. Mara Hübner Leite Olá, Lucília! Parabéns pela arte-lição que você nos oferece. Com carinho, Picinato Lu, ser irmã da Lucília era apenas ser irmã de uma mestra. Mas a vida nos ensina e hoje você é para mim a irmã mestra. Recomeçar, sempre, é preciso. Obrigada por todos os ensinamentos. Te amo. Rita Lu, nem sei o que dizer, na verdade. Vim aqui entregar as chaves do dce e me deparei com algo que meus olhos puderam reconhecer! O seu trabalho está lindo, como tudo que você fez, faz e irá fazer. Sinto o meu rosto quente com certa vergonha de minha ausência. Parece que você está aqui bem na minha frente e eu ainda não sei o que dizer. Quero que saiba que eu não tive o privilégio de ser sua aluna, mas seu nome é sempre presente nos corredores do bloco 3. Tenho saudades e muito orgulho de ter te conhecido! Carrego comigo a mochila que você me deu, todos os dias, para onde quer que eu vá. Adoro você e torço todos os dias para que seus dias sejam felizes, porque você é uma mulher maravilhosa. Com saudades, Júlia Sebastiany Rodrigues Lucília. Visitar sua exposição e ler sua experiência foi uma grande lição de vida para mim. Quanta força, quanta beleza, quanto amor e quanta vida! Mesmo com as dificuldades, você ainda ensina, e agora... coisas preciosas sobre a vida. Obrigada por ser um dom para nós. Sua ex-aluna, Viviane Bertoncello Lucília. Só os que amam a vida e contribuem para que ela seja mais humana são capazes de produzir distintas linguagens para expressar o viver. Parabéns. Milton Schubert Souto Lu, voltei para visitar a sua exposição. Não sei o que está mais belo: se os textos ou as peças. Mas tudo bem! Afinal, ambos são você e se integram perfeitamente – um representa outro. Muitos beijos, carinho e respeito. Teresa Dal Pogetto Lucília, suas obras, seus escritos, sua presença permanece onde você passou. É importante pensar no que você deixou para nós da Extensão, para as pessoas dos movimentos. Você é especial e estará sempre conosco nas lutas, nas relações humanas, na esperança. Força e continue a produzir. Abraço carinhoso. Francisco Romero Lucília, estou vivendo um momento difícil em minha vida. Estou bem sensível e, ao ler o seu relato, chorei muito. Você me emocionou com seu relato em uma única folha de papel. Você é uma lição de vida. Seu trabalho é maravilhoso, assim como você. Abraços saudosos e beijos da Débora Breda

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Lucília. Não a conheço pessoalmente, mas suas obras me sensibilizaram muito e me fizeram imaginar o enorme valor que você tem. É um exemplo de vida! Saudações. Clarissa Magalhães, aluna da Psico Querida Lucília. Com sua força, coragem e perseverança, é um exemplo de vida para todos nós. Com carinho e admiração. Vânia Teixeira Lucília. Receba o meu abraço e o meu agradecimento por sua dedicação à nossa Unimep. Sua competência acadêmica e entusiasmo pela educação deixaram nos colegas e estudantes marcas indeléveis. Gustavo Alvim Lucília. Obrigada por sua força, beleza, simplicidade. Você é um exemplo de vida! Tatiana Mendes, aluna da Psico Lucília. Eu não te conheço muito, mas é como se eu já te conhecesse há muito tempo. Tenho um carinho muito especial por você e te admiro muito. Que Deus te abençoe. Abraço. Cléo Lucília. Não conheço você pessoalmente, mas conheci sua obra, sua arte e conheço as pessoas que a amam muito, portanto, conheço você. Parabéns. Flávia Bandeira, aluna da Psio Lucília. A melhor lição e o melhor exemplo é o da vida e você nos ensina isso através de sua história. Sinta-se abraçada por mim e por muitos. Neuma, 5.o ano da Psico Professora Lucília. Parabéns pelo seu trabalho. Beijões! Fernanda e Júlia (filhas da Silvia) 76

Lucília. Que Deus te dê força para continuar. Você é e sempre será inesquecível pelos seus feitos. Marisa H. Martins Lu, é um prazer muito grande estar aqui com você. Você sabe o quanto te admiro e sabe também que sempre poderá contar comigo. Um abraço, Rita de Cássia – sua fiel escudeira Lu, tenha muita força e muita fé em Deus. Ele está com você, pois uma folha não cai da árvore sem a vontade Dele. Tenha fé. Um abraço carinhoso. Bado Lucília. Com carinho, desejo-lhe que continue transmitindo muita vida para todos nós. Pois, como diz Mário Benedetti, “Na memória não há esquecimento”. Maria Dolores Alvarez Lucília. Conheço você... Através da lenda, e agora através das telhas e das mandalas: em comum, sempre a arte da vida! Bea Leão, aluna da Psico Querida Lucília. Encontrei a oportunidade de poder falar com você sabendo que minhas palavras irão te encontrar. Você não sabe, mas descobri em uma vivência algo que estava além de mim. Descobri o ‘ser mãe’. Eu estava grávida e ainda não sabia, e numa vivência em classe isso desabrochou em mim. Tenho que lhe agradecer, pois naquele momento considerei que podia vir a ser mãe e eu já estava sendo! Fui escolhida na colação de grau para lhe entregar suas flores... Senti, como todos que ali estavam, a sua presença, sabia que você estava ali e o seu ‘anjo da guarda da vida’, a Peli, fez essa transmissão para nós. Obrigada por ter sido minha mestra. Obrigada pelo aprendizado, por ter me ajudado a descobrir o ‘ser mãe’. Obrigada pela paz e pelo amor que você transmite em sua arte! Parabéns por tudo! Um grande abraço, com muito carinho. Andréia Cristina Pereira, sua ex-aluna e para sempre aprendiz


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Querida Lu, que linda a sua exposição! Que arranjo interessante com as mandalas fora e as telhas dentro. Esse é um parecer estético! Continuo olhando e lendo alguns de seus escritos, parte das obras. Conhecia alguns; outros são novidade. Em comum, todos têm a beleza. Observo as pessoas olhando e lendo. Alguns param mais tempo diante de uma peça, sorriem, outros chegam às lágrimas. Em comum, sente-se sua presença quase sólida. Até para aqueles que não a conhecem. Que perda para eles! Que sorte para mim!!! Este é um parecer afetivo!!! Com o carinho da Leila Amaral Querida e inesquecível Lucília. Quantas lembranças, ensinamentos e sabedoria de vida guardo em mim de você, Peli e Buco! E agora você não se bastou com o ensinar acadêmico, e vem nos emocionar com mais um belo exemplo de vida. Uma vida que foi e é presente em minha vida; quando, nos momentos profissionais mais difíceis, lembro-me de você e da Peli como grandes guerreiras, mostrando a minha ação para que a descrença e o desânimo não me venham abater. Vocês duas são mestres especiais, de quem guardo os mais belos sentimentos e lembranças, desejando que sempre a vida possa lhes brindar com o melhor que podemos retirar dela. Grande abraço. Roberta Custódio Lucília, você já inspirou e liderou essa comunidade em tantas reflexões e movimentos. E agora de novo! Você nos visita, através de suas pinturas, num tempo difícil, trazendo cores e luz, reapresentando a alegria e o carinho como lições de convivência solidária. A Pastoral Universitária lhe agradece. Querida Lucília. Não pude te conhecer pessoalmente ainda, mas você tem mãos de ‘gênia’ para fazer cada telha, cada mandala, que são de morrer de tão lindo, criativo. Você é uma pessoa que tem muita criatividade, mesmo eu não te conhecendo pessoalmente, gostaria de ter uma amiga como você. Beijos e abraços. Julia Ferraz e Campos (filha da Roberta) Querida Luca. Não tive o privilégio de conhecer a educadora e a doutora em psicologia social. Mas tenho o privilégio de estar com você nesta nova fase de sua vida, bem pertinho e todos os dias, para compensar o antes. Para mim, você é um anjo muito especial que precisa estar aqui entre nós para poder ensinar os que estão perto e os que estão longe, com esses trabalhos nos quais você passa sua sensibilidade, amor, entusiasmo, esperança, garra, fé, energia, proteção, paciência, paz. Como técnica em enfermagem, ganhei o presente e diploma mais especial que Deus pode me reservar: poder retribuir um pouquinho de tudo o que você já me ensinou. Agradeço todos os dias por você existir e eu poder desfrutar de sua companhia. Muitos beijos. Roberta Sgarioni Querida Lucília. Tive o privilégio de conviver com você e sua bondade antes da ela, e quero deixar para você todo o meu carinho. Você sabe que não podemos voltar atrás e fazer um novo começo, mas podemos recomeçar e fazer um novo fim. Beijos. Silvana (Fisio) Querida Lu. Para mim foi um privilégio ter a oportunidade de conhecê-la e trabalhar com você. Só tenho que lhe agradecer pela lição de vida. Um grande abraço e muitas saudades. Milene (sala dos professores) Lucília. Admiro você desde a primeira vez que te vi; desde a primeira vez que ouvi falar de ti; e agora mais que nunca... Você é mesmo uma pessoa extraordinária. Obrigada por existir, de alguma forma, em minha vida. Muita força e muita paz. Um beijo enorme da Mônica Avelino de Souza

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Estimada Lucília. Quero agradecer por tudo o que aprendi lendo e agora vendo suas criações. Quero dizer o quanto sinto sua ausência no cotidiano da Unimep. Quero te desejar muita paz e enviar um grande abraço. Maria Imaculada (Ima) Olá minha querida Lucília Maria! É a segunda vez que estou passando por aqui e, desta vez, atentei para os depoimentos neste caderno. Eles realmente completam a sua exposição, pois mostram a todos os que os leem o que você, Lucília, significa e representa para os amigos, familiares, alunos e para a própria Unimep. Os dos alunos realmente me emocionaram, desde os que tinham muito contato com você até aqueles que nem tiveram aula com você! Uma aluna até se refere a você como uma lenda! Outro se arrepende de não ter aproveitado melhor as suas aulas, mas diz que segue até os seus exemplos! Isso me fez pensar como é fantástica essa sua profissão e o horizonte que uma professora pode abrir. E você, está escrito aqui, fez isso muito bem. Lu, a cada sessão que realizamos, entre nossas risadas, músicas e conversas, com os beija-flores no seu quintal... A cada dia aprendo mais com você. Você nos dá uma lição de vida com muita garra, vontade e amor! Um abraço de seu fisioterapeuta, Fabrício Oi, Lu!!! Não vou perguntar como está!? Sei que está bem; este é o último dia de sua exposição e minha primeira visita, mas tenho o privilégio de poucos: estou com a autora destas lindas e emocionantes obras. Somente os verdadeiros sábios encontrariam uma forma tão linda e significativa de reinventar a vida. Sabe o quanto significa para mim, pois digo sempre: “Oi, mestra”. Abraços carinhosos. Aline Leme 78

Lu, você é um exemplo de amor e cores na arte da vida de quem sabe amar. Tu és linda. Parabéns pelas tuas pinturas. Beijos carinhosos dos teus primos Manuel e Marquinhas Lucília. Sou a sua irmã sanduíche, mas tudo bem!!! Você me ensinou que nós devemos ‘ser’, e isso eu consegui. Nessa sua trajetória de vida, você continua a me ensinar que tudo é possível quando se quer, e eu a cada batalha me sinto guerreira e vencedora. Sua exposição é muito linda e me trouxe ao coração fortes lembranças e emoções. Lu, você é uma irmã grandiosa e tenha certeza de que eu te amo muito. Obrigada por você ser para mim um ‘esteio’, meu centro. Agradeço a Deus por tudo isso. Jacinta Lucília. Eu te amo. Sua irmã Maria da Luz. “Passarinho ambicioso, fez na nuvem o seu ninho; quando as nuvens forem chuvas, pobre de ti passarinho.” Lembra, Lu? Tia Lucília. Agradecemos a Deus pela sua vida, porque através dela Ele te deu o dom de ensinar. Sua sabedoria e conhecimento nos inspiram a viver e saber que a cada dia é preciso recomeçar. Agradecemos a Deus e pedimos a Ele que dê força, saúde, alegria, sabedoria para cada anjo enviado para cuidar de você: a Peli, a Ritinha, a Aline, Fabrício e todos os que estão a sua volta. Tia Lu, perdoe-nos por tantas ausências, mas creia de todo coração que você é o maior exemplo de pessoa que eu conheço. Desejo que em todo amanhecer você veja o sol para lhe dar força para recomeçar; recomeçar todos os dias é preciso para poder continuar ensinando seus colegas, amigos e familiares. Obrigada por nos ensinar mais esta lição: recomeçar é preciso. Soraia e Daniel Tia Lu. Estou na sua exposição, realmente emocionante. Tudo aqui tem você. Não só em suas obras, mas ao redor, até no jardim lá fora ou mesmo no ventinho que bate aqui dentro tem você, tia Lucília. Para mim é difícil


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explicar em palavras o que é Lucília na minha vida: é tudo, tudo o que já vivemos, tia, e tudo o que você ensina hoje. Passando pelas obras, fui viajando no tempo e lembrando muita coisa, as viagens em que eu perguntava insistentemente: tá chegando?, vai demorar? E que eu não parava de falar. É uma das tantas coisas boas por que passamos... Tia Lu, continue assim firme e forte, com a certeza do amor que sentimos por você. Te amo, tia Lu. Beijos do Fábio Reboredo Esteves Tia Lu, sua exposição está linda, um verdadeiro exemplo de vida. Amo você, viu? Com muito carinho, Carol Luzinha. Durante todo esse tempo em que nos conhecemos só pudemos, a cada dia mais, admirá-la como um ser humano ímpar. Você entrou na nossa vida para iluminá-la, não como uma ‘luzinha’, mas como um clarão de amor, generosidade, dedicação e superação. Quantas vezes, juntos, ouvimos amigos de luz dizer que do casulo surgiria a mais linda borboleta. E aí está ela, levando em suas asas as belezas dos sentimentos profundos e maravilhosos, os quais podemos vislumbrar um pouquinho nesta exposição, mas que temos o privilégio de ver em toda plenitude na convivência com você. Com muito amor e, por toda eternidade, que esses vínculos não se rompam. Abraços. Emerson e Marco Lulu Faísca. Difícil escrever no dia em que visitei a exposição pela primeira vez, difícil ainda agora... Talvez porque a gente queira, pretensiosamente, escrever bonito sobre algo tão bonito... Ou talvez porque a gente simplesmente não saiba o que dizer! Penso ser muito, muito, importante que você esteja no saguão deste prédio que contou tanto tempo com sua imponente presença, neste momento difícil para nós na Unimep! Talvez assim você possa novamente ‘vigilar’ por nós e pela P.A. Saudades imensas. Beijos da amiga Leila Jorge Querida Lucília. A força de vida, de coragem e de amor pelas pessoas marcou profundamente meu jeito de te olhar, te cuidar e te querer bem. A base na qual alicerçamos nossos desejos de uma educação capaz de comunicar dignidade a todos possui seus pensamentos, seus pés, suas mãos e suas emoções. Ler você nas cores, nos gestos de carinho, nas mandalas mais tristes, nas mais alegres e enigmáticas nos leva a reencontrar a mulher da palavra afiada e afinada ajudando a produzir, mais que conhecimento, sabedoria. Agradeço a oportunidade de continuar a ser cuidada e amada pelas obras de suas mãos, de seus sentimentos, de sua sabedoria e de seus desassossegos. Tânia Mara Sampaio

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Inscrições em Imagens 81


Trocas simbรณlicas: mandalas e telhas

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MATIZES DO SOL NA NEBLINA 8/maio/06


A da n ç a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marão amarel o

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SAUDADE DOS BEIJA-FLORES NO CAMARÃO AMARELO 3/fev./09


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O SENTIDO DO TEMPO NA IMOBILIDADE NUM MUNDO DE MOVIMENTO 3/abr./06


A da n ç a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marão amarel o

PRANTO, O ABRANDAMENTO DO SOFRIMENTO HUMANO 13/set./06

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O GERÂNIO FLORIU, SAUDADES DA MINHA MÃE 27/set./06


MEU EU APRISIONADO maio/06

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MEUS OUTROS CORPOS, ALUSÃO ÀS CUIDADORAS 28/ago./06


A da n ç a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marão amarel o

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O SILÊNCIO NO MUNDO DA SONORIDADE 1 6 / a g o. / 0 6


ABRIL INÍCIO DA RELAÇÃO COM O MUNDO 24/abr./06

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METAMORFOSE O CORPO COM ELA 3/abr./06


A da n ç a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marão amarel o

AMANHECEU, UM NOVO DIA COM ELA 1 . o / s e t. / 0 6

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O EMARANHADO PASSADO, PRESENTE E FUTURO NA DEFINIÇÃO DO SER 3 / a b r. / 0 6


O VÔO DO BEIJA-FLOR NO CAMARÃO AMARELO – “PARA O SER QUE ME AMA INCONDICIONALMENTE” 12/jun./06

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TECENDO A VIDA 11/out./06


A da n ç a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marão amarel o

APÓS A TORMENTA, SEMPRE AMANHECE 1 2 / j a n. / 0 7

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A PAZ COM A CHUVA 31/jan./07


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QUE SAUDADES EU TENHO DE MIM 10/jan./07


A da n รง a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marรฃo amarel o

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PARA SER FELIZ INVENTO SONHOS 1 . o / j u n. / 0 7


AS DORES INÚTEIS 7/mar./06

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A TRISTEZA NUM DIA DE SOL 14/fev./07


A da n รง a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marรฃo amarel o

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OS LIMITES DO HUMANO 5/dez./08


O ABRAÇO DO ACONCHEGO 9/fev./09

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OS DEUSES FALAM NO MUNDO DO SILÊNCIO 13/mar./09


A da n ç a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marão amarel o

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É TEMPO DO SEGUNDO CORDÃO UMBILICAL – “QUEM TEM AMIGOS CARINHOSOS, CUIDADORAS ATENCIOSAS, FAMILIARES QUE NOS AMAM E UM ANJO DA GUARDA DA VIDA NÃO PRECISA TEMER TEMPESTADES, POIS ELAS SE TRANSFORMAM EM BRISAS AMENAS”. HOMENAGEM A TODAS AS PESSOAS QUE ORARAM POR MIM 2 2 / j u n. / 0 7


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TRILHAS, MEMÓRIAS DE VISCONDE DE MAUÁ 7/fev./07


A da n รง a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marรฃo amarel o

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MINHA JANELA PARA A VIDA 5/dez./08


OS DEUSES DISFARÇADOS PROTEGEM MEU ANJO DA GUARDA DA VIDA 17/out./09

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PARA SER LIVRE DO MEU CORPO COM ELA, ME TRANSFORMO NUMA BORBOLETA AMARELA OU NUM BEIJA-FLOR AZULADO COM BICO ALARANJADO 5/dez./09


A da n รง a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marรฃo amarel o

AS BRUMAS DO LAGO DE AVALON 3 / a b r. / 0 6

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INCERTEZAS 2 1 / f e v. / 0 7


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RECOMEÇAR É PRECISO 4/ago./06


A da n รง a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marรฃo amarel o

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ABERTURA PARA A VIDA f e v. / 0 6

A NATUREZA abr./05


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IRMANDADE ag o. / 0 6

AS DRACENAS DO ANO NOVO jan./07


A da n รง a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marรฃo amarel o

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AS LUAS DAS FEITICEIRAS DO BEM fev./07

SUAVIDADE E LEVEZA dez./06


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FORÇA E BELEZA nov./06

TEMPO OBJETIVO E SUBJETIVO abr./05


A da n ç a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marão amarel o

Registro em fotos

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POSSO FAZER ALGO BELO!

ESPAÇO DA CRIAÇÃO


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ELY, O AMIGO DAS SEXTAS-FEIRAS, ÀS 11H!


A da n ç a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marão amarel o

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EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE


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TODA MINHA VIDA


CAMARÃO-AMARELO: DELEITE DOS BEIJA-FLORES


Complementos


Cuidadoras, Enfermagem e Equipe Multiprofissional Ao longo de seu adoecimento, Lucília procurou manter uma atividade característica de sua profissão, isto é, registrar os acontecimentos e comunicar suas opiniões, sugestões, propostas e, agora, principalmente suas necessidades e estados. Assim, desde o momento em que começou a depender de outrem para viver um cotidiano prático, Lucília solicitou que se fizessem registros, de modo a atualizar, além de suas condições, o trabalho realizado, inicialmente, pelas cuidadoras, depois pelas enfermeiras e, mais tarde, pela equipe multiprofissional progressivamente composta. Esses registros são pontuais, referem-se a alguma situação observada no mundo doméstico, que ela eleva à condição de reflexão e pelos quais continua ensinando. Eis um exemplo: Tenho assistido a algumas cenas do quotidiano que me fazem pensar nas dificuldades nos relacionamentos humanos. Essas dificuldades são esperadas, pois cada ser humano é um universo de virtudes e de maldições. No entanto, quando essas dificuldades expressam a intolerância e o individualismo, é hora de rever a visão do Outro em nossa vida. Não precisamos gostar de todas as pessoas que nos rodeiam, mas todas devem ser tratadas com uma ética que torne presente a tolerância, a generosidade e a solidariedade. São os nossos relacionamentos que nos fazem melhores e piores. Isso significa que o Outro é a nossa medida e nisso reside o Belo da convivência humana. O texto ilustra sua observação de cenas caseiras em que ocorriam desentendimentos entre cuidadoras e enfermagem.

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A da n ç a d o s b e i ja - f l ore s n o c a marão amarel o

Essas situações chamavam a atenção de Lucília e, assim, ela pedia para se registrar no caderno suas ponderações, repondo suas posições teóricas e relacionais. Em outros momentos tomava a frente a respeito de suas condições, orientando a equipe sobre as necessidades que tinha. Os textos a seguir dão uma ideia do quão atenta é Lucília aos sinais de seu corpo. A ela é uma patologia cruel, pois tira os movimentos e preserva todas as sensações, deixando sentir o desconforto da imobilidade, como as dores musculares e nas articulações; formigamento nos braços, mãos, pernas, pés e mãos gelados, devido à má circulação. Poderia citar outros desconfortos, mas esses já dão uma ideia do meu sofrimento. Os movimentos feitos pelos profissionais e cuidadoras amenizam um pouco o desconforto. No entanto, durante o dia, fico várias horas na mesma posição. Nesse sentido, peço às cuidadoras que mudem a posição dos braços e pernas com mais frequência. São pequenas variações, porém, aliviam muito meu incômodo. Por fim, solicito às cuidadoras que encarem os movimentos como vitais para a minha sobrevivência, afinal, vocês são o prolongamento do meu corpo! Para além das recomendações, ela explicava o porquê de suas necessidades:

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O corpo é concebido para o movimento. Se algo contraria essa lógica, ele padece. Portanto, nenhuma cadeira de rodas ou similar, por melhor que seja, eliminará o desconforto do corpo sem movimento. Logo, o que poderia amenizar o incômodo são os movimentos constantes e as mudanças de posição. Então, vamos adotar o procedimento de, a cada uma hora, tirar cinco minutos para mudar de posição e movimentar as pernas, os braços, as costas e outras partes do corpo, que vocês observam que estão tortas. Por favor, olhem para mim! Nas reuniões com a equipe, expressava suas necessidades de modo objetivo e preciso: 28/jan./06. Sobre a primeira reunião Agradeço a presença de todos. Foi um gesto de profissionalismo e apreço com a minha pessoa. Gostei da reunião, apesar das falas técnicas. Mas não poderia ser diferente, em sendo o nosso primeiro encontro. O importante foi a interação de todos, na busca de procedimentos que considerem a especialidade de minha patologia. Minha expectativa é que levem em conta a pessoa Lucília, que tem um corpo, emoções e sociabilidade, ou seja, como um ser bio-psico-social. Neste momento, entendo prioritário dar atenção a: • respiração; • musculatura do pescoço; • mãos/pés; • rotação da perna direita para dentro que tem causado dores; • a fácia parece presa; • rigidez do maxilar inferior.


C u i dad oras, E nfermagem e E quipe Multiprofissional

14/maio/06. Sobre a segunda reunião Bom dia. Agradeço a presença de vocês. Da reunião passada para cá tenho sentido melhoras nos movimentos das pernas; a dor nos braços diminuiu bastante, voltei a tossir com mais força, a respirar melhor. A deglutição controlo melhor. Penso que merece mais atenção a perna direita, que está girando para dentro quando estou deitada; a respiração poderia melhorar um pouco mais. No rosto há rigidez no maxilar. O pescoço dói do lado direito. Valeu a presença de todos. Os encaminhamentos das reuniões resultavam orientações igualmente precisas: Tendo em vista: 1. a fala dos profissionais na reunião de sábado; 2. que a minha patologia é progressiva, criando necessidades novas a cada dia; 3. e que, para um bom acompanhamento, são necessárias informações fidedignas do meu cotidiano, penso ser indispensável socializar com todos as orientações que dou às cuidadoras do meu cotidiano. Sobre o levantar-me: as dicas que tenho dado é que me levantem devagar, com uma segunda pessoa apoiando o meu quadril. Com isso, posso firmar os joelhos e os pés e ficar em pé. Isso evita o clônus, pois não me apoio nas pontas dos pés e, também, não machuco a boca nem o pescoço no ombro da cuidadora. Isso pode explicar a dor na boca e nos joelhos quando as pessoas não seguem esse procedimento. Sobre o posicionamento nas cadeiras de rodas: o posicionamento nas cadeiras de rodas (na normal e na higiênica) explica 30% do meu cansaço e das dores musculares. Constantemente estou torta. Se as pessoas me olharem de frente, poderão fazer os devidos acertos na forma de sentar. Sobre o comer e o beber: comer e beber são ações cansativas que exigem minha concentração e, da cuidadora, atenção. Às vezes eu posso me distrair, mas ela não, quando estiver me alimentando. Não brinquem, por favor. Em outras ocasiões, diante de alguma dificuldade ou de algum mal-estar devido à inadequação dos cuidados, pedia pacientemente para registrar alertas: Atenção, cuidadoras: Nunca imaginei que coceira fosse tão desconfortável! Além de provocar espasmos, ela concretiza minha incapacidade física. Portanto, tenham ações preventivas para evitar essa tortura. As ações preventivas podem ser: • evitar o suor; verificar cabelos no corpo; evitar a pele seca; fiapos nas roupas; picadinhas de mosquitos; saliva que escorre; pele úmida; ausência de pomada; cadeira e poltronas muito quentes; lençol e roupas enroladas; muito tempo na mesma posição; • solicito que me observem mais e que procurem aprender mais com os demais profissionais que me acompanham, pois as minhas necessidades mudam; • por favor, atenção, não abram meus dedos com força quando estiverem rígidos. Façam movimentos antes, assim eles abrirão facilmente.

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Esses extratos sintetizam a participação ativa de Lucília nos seus próprios cuidados, ensinando e orientando. E assim ocorreu até o dia 9 de julho de 2007, data em que foi hospitalizada. Daí em diante, até 21 de dezembro, quando retornou para casa, Lucília não pediu mais para falar ‘soletrando com olhos’. Parecia que ela não queria mais falar nada. Entretanto, Lucília sempre surpreende e um dia pediu que começássemos a registrar outras orientações para a sua nova condição, agora em formato de regras, a fim de que pudessem ser úteis também para outros pacientes dependentes.

orientações para enfermagem e para cuidadores de pacientes dependentes

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1. Não ensaboar minhas costas com água fria. 2. Segurar-me pelo ombro e bumbum, ao mesmo tempo, para me virar na hora do banho. 3. Prestar atenção na posição de braços, mãos e dedos durante o banho. 4. Não esquecer de pentear os meus cabelos atrás da cabeça. 5. No frio, não me pegar com as mãos geladas, pois isso faz minha musculatura enrijecer. 6. Verificar se o meu corpo está torto, principalmente a cabeça. 7. Ao me virar de lado, observar a posição de braços e mãos para que não fiquem tortos ou embaixo de meu corpo. Cuidar, também, para não soltar abruptamente os meus braços e pernas, pois isso causa contrações dolorosas no corpo. 8. Colocar os objetos longe de meus olhos, pois de perto eu não consigo enxergar. 9. Não colocar água no umidificador logo após a aspiração da tráqueo. 10. Não abaixar muito a minha cabeça ao aspirar a tráqueo. Isso me causa sensação de desconforto. 11. Prestar atenção à forma de aspirar minha boca para não me machucar. Não adianta ficar com o sugador parado em algum lugar na boca, pois ele precisa de ar para poder sugar a saliva. A forma mais eficaz é colocar o sugador várias vezes no mesmo local, isto é, nos cantos da boca. 12. Depois de aspirar minha boca, enxugá-la, e também o meu queixo. 13. Enxugar meus olhos quando estiverem lacrimejando, principalmente após os bocejos. 14. Como pessoa normal, eu também gosto de carinhos, mas o exagero torna-se um gesto mecânico, sem sentido, um gesto de pena que me faz muito mal. 15. Não me tratem como se eu fosse uma criança. 16. Não me peçam para sorrir quando estou em meus momentos de tristeza ou para fazê-lo de forma mecânica. 17. Minha imobilidade exige mais tempo para me comunicar. Por isso, tenham paciência para ver a direção de meus olhos quando fizerem o sinal de positivo e negativo, de modo a não darem uma interpretação errada à minha resposta. 18. Escrever com o uso de uma tabela exige de mim um enorme esforço, pois, além de memorizar a ideia e a palavra, tenho de decompô-la letra por letra e localizar as letras na tabela. Por isso, sejam pacientes; por mais que isso lhes custar, saibam que estão me fazendo um grande bem.


C u i dad oras, E nfermagem e E quipe Multiprofissional

19. Sem tônus muscular no pescoço, a coluna cervical fica desprotegida, portanto, tenham cuidado ao virar minha cabeça para não fazer movimentos indevidos, que me provocam dores na cabeça e pinçamento de músculos na cervical, que geram dores nos braços. 20. Meus olhos são meu único meio de comunicação. Tenham cuidado ao me virar de lado para que não fiquem pressionados contra o travesseiro. 21. Não se apoiem no meu corpo para fazer os procedimentos. 22. Adotem sempre procedimentos que evitem a contaminação ou sua propagação. 22. Falar ao telefone celular com moderação e brevidade. 23. Não ficar conversando, quando estou assistindo à televisão. 24. Não decidir sobre minhas necessidades sem me consultar. Por fim, quero dizer que essas orientações não significam que vocês não cuidam bem de mim, afinal – como eu já disse –, vocês são o prolongamento do meu corpo e eu lhes sou muito grata. Lucília É assim, de um jeito sereno e sorridente, que ela repreende, corrige e continua ensinando e atuando.

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A Autora Lucília Augusta Reboredo nasceu em 12 de abril de 1944, em uma aldeia no norte de Portugal, na região de Trás-os-Montes. É a primeira filha do casal português Henriqueta e Manoel Antonio, que vivia da colheita nos campos de trigo e nas oliveiras. O barulho dos ramos do trigo balançando ao vento e a sombra das oliveiras são as lembranças mais remotas da menina portuguesa que brincava na ‘igreja dos ossos’, na fonte e que às vezes dormia sob o céu de estrelas e sobre o trigo colhido pelo pai. Manoel Antonio veio para o Brasil em 1951 tentar vida melhor no comércio. Henriqueta e as filhas Lucília Augusta, Maria Rita, Maria Jacinta e Maria da Luz embarcaram para o Brasil anos depois, em 1953, no Rio Tejo, a bordo do Salta. Foram treze dias de travessia tortuosa na terceira classe, em meio ao calor, à febre causada pelas vacinas e ao enjoo do mar. Na chegada ao Brasil, o destino foi a Praça da Árvore, na Vila Mariana, São Paulo, uma vez que Manoel Antonio havia se estabelecido em uma quitanda. Dois outros filhos nasceram em terras brasileiras: José Manuel e Maria Luiza. Passado algum tempo, Manoel Antonio adoeceu gravemente e faleceu aos 33 anos de idade. Lucília e a mãe assumiram a quitanda, ajudadas pela avó Chica. Anos mais tarde as irmãs Maria Rita, Maria Jacinta e Maria da Luz empregaram-se em outros comércios. Os irmãos pequenos permaneciam sob os cuidados maternos, enquanto os maiores prosseguiram construindo suas vidas. A quitanda acabou vendida, os filhos já se bastavam e cuidavam da mãe e da ‘vó’ Chica, que tanto havia tomado conta deles.


A Au tor a

Todas as irmãs e o irmão casaram-se e formaram suas famílias. Lucília, após a quitanda, trabalhou por nove anos no Banco Português e, paralelamente, fez o curso de psicologia na Universidade de Mogi das Cruzes. Formada, tornou-se professora, mestre e doutora em psicologia social pela puc-sp. Por muitos anos foi docente na Organização Mogiana de Educação e Cultura, na Faculdade Paulistana, na Faculdade Objetivo, na Fundação Santo André e na Faculdade de Educação e Cultura do abc. Em 1982, um telefonema da então chefe do Departamento de Psicologia, professora Leila Amaral, para a professora Silvia Lane, na puc-sp, levou Lucília à Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) para implantar uma nova área de estágio em psicologia social, desejada pelo curso e pelo reitor na época, professor Elias Boaventura. De 1982 a 2003, Lucília trabalhou ininterruptamente na Unimep como professora do curso de psicologia e supervisora de estágios na área de psicologia social. Ocupou, simultaneamente, a assessoria de Extensão da Vice-Reitoria Acadêmica. Participou, ativamente, junto com demais colegas, da formulação da Política Acadêmica da Universidade Metodista de Piracicaba, o que a tornou referência nacional de universidade compromissada com o ensino, a pesquisa e a extensão, em especial durante a década de 1990. Possivelmente em meados de julho de 2003, Lucília começou a desenvolver a patologia que a afastou abrupta e definitivamente da carreira docente. A esclerose lateral amiotrófica (ela), doença neurológica caracterizada pela paralisia progressiva de todos os comandos motores, era nessa época razoavelmente desconhecida e de difícil diagnóstico. A ela roubou de maneira progressiva todos os movimentos do seu corpo, mas como a própria Lucília comunica, “preservou todas as sensações e a lucidez para poder sentir o peso e a crueldade do aprisionamento no próprio corpo”. Em fins de 2004, pelo incentivo de uma pessoa amiga, Lucília descobriu que poderia produzir telhas. O seu primeiro experimento com a espátula e com a massa acrílica já lhe indicou que era isso que faria dali por diante. Durante muitos meses criou e produziu, com as próprias mãos, telhas para os amigos e familiares. Em todas as telhas há um tema e uma mensagem especial e singular. Depois de algum tempo, restou-lhe apenas concebê-las e comunicar as suas ideias, letra por letra, através de um quadro artesanal alfanumérico, de modo que a sua companheira Peli e, principalmente, Maria Luiza, a irmã mais nova, passassem a executar o projeto Conceber e Pintar Telhas – assim denominado por ela –, sob sua atenta supervisão. A visita de outra pessoa amiga, com um livro de mandalas para colorir, coincidente à vinda de uma terapeuta ocupacional, possibilitou o início de outro projeto, Pintar Mandalas, que, associado ao anterior, tornaram-se as principais fontes de comunicação e de expressão dos seus sentimentos e afetos e de suas necessidades. Nesses dois projetos, Lucília objetiva a sua subjetividade. Essas produções resultaram em uma sensível e bela exposição, em outubro de 2006, no átrio da universidade em que trabalhou por tantos anos. Em junho de 2007 esses projetos foram drasticamente interrompidos. Lucília ficou entre a vida e a morte e, durante seis meses, esteve hospitalizada. Conseguiu renascer. Em 21 de dezembro de 2007, de um jeito inimaginável Lucília chegou ao 11.o primeiro andar, de seu novo lar. Um apartamento com uma grande janela voltada para a Escola de Agronomia, seu antigo lugar de caminhadas e reflexões. Foi nesse apartamento que recomeçou a conceber e pintar mandalas e iniciou um novo projeto: a escrita deste livro, no qual registra suas

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despedidas de tudo que mais lhe foi caro; dá dicas precisas sobre os cuidados e os sentimentos dos portadores de ela, reflete e explica a sua condição, além de nos encantar com sua sensibilidade, perspicácia, vivacidade e bom humor. Lucília não se lamenta. São muitos os profissionais da saúde que cuidaram e cuidam de Lucília. Todos fazem, com seus trabalhos e amizade, a vida dela ficar mais leve e as adaptações, pelas quais sua vida precisou passar, menos dolorosas. Há, ainda, os amigos e amigas do curso de psicologia, da faculdade e de outros tempos; são as irmãs, o irmão, os sobrinhos, os sobrinhos netos, os primos que estão ativos na memória de Lucília e, sempre que

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podem, vêm presentear-lhe com horas alegres e belas. Há, também, as presenças das festas dos aniversários; do brinde da ternura; dos telefonemas e recados no ouvido; das lembranças e dos abraços que cotidianamente lhes são enviados por inúmeros colegas professores da universidade, alunos e profissionais que ela ajudou a formar. Sem esses afetos, ela não teria chegado até aqui. Entretanto, há aqueles que a acompanham praticamente semanalmente ao longo desses anos. José César, a presença de todos os sábados e domingos à tarde que, de forma alegre e descontraída, dá leveza ao ambiente e, mesmo quando está triste, parece que sai daqui melhor do que chegou; o professor Ely Eser, um amigo todo especial que, com Lucília, discute futebol, conjuntura nacional e desafios da política e belas leituras. Nesses encontros, ele ativa e nutre o intelecto de Lucília. Ela precisa dessas conversas. Ely é o leitor assíduo e vivaz das sextas-feiras, às 11 horas; Kato, que em quase todos os fins semanas convertia o afeto em caldos saborosos, quando Lucília ainda podia deglutir, permanece presente de um jeito ímpar; Emerson e Marco são inseparáveis a ela, pela necessidade, pelo afeto, atenção e cuidado nas horas alegres e nas de muita aflição. A constância e a frequência transformaram esses amigos em personagens ativos desse cenário de vida e de lutas. Por tudo, e contudo, Lucília está bem e todos aqueles que estão junto a ela, também.


Quadro de Comunicação Alfanumérico Para que Lucília possa conversar com as pessoas ou expressar alguma necessidade, é utilizado um quadro composto de colunas com vogais, consoantes, pontuações e números, encabeçadas por uma linha numerada em vermelho, de modo a identificar as colunas (cf. reprodução). Para bem manuseá-lo, é preciso que você esteja em posição favorável para ver os olhos de Lucília e, quase ao mesmo tempo, olhar o quadro. Cabe ter um lápis, ou caneta, e um caderno para escrever seguindo as indicações dela. Assim sendo, sugere-se: 1. sente-se ao lado direito da Lucília, de frente para ela (quando estiver sentada). Se Lucília estiver deitada, é melhor postar-se do lado esquerdo; 2. coloque o quadro à frente dela, na altura dos seus olhos, não muito perto e de modo que ela possa vê-lo sem precisar virar, nem entortar a cabeça e os olhos; 3. aponte, com o lápis, cada um dos números em vermelho, para que Lucília possa indicar a coluna das vogais ou uma das colunas das consoantes que ela precisar; 4. ao mesmo tempo em que apontar para colunas e letras, olhe também para o rosto da Lucília. Para confirmar a letra desejada, ela ou fechará os olhos ou olhará para você. Isso significará um ‘sim’, ‘é essa’. Observe a direção do olhar da Lucília e, após algumas vezes, será até possível ir direto à coluna certa apenas acompanhando-lhe o olhar; 5. escreva em letra de forma grande as letras que vão sendo indicada, mostrando-lhe o escrito de vez em quando para que Lucília possa acompanhar a sequência solicitada. Lembre-se de que ela está organizando o

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pensamento e conferindo o sentido simultaneamente, para depois lhe indicar as letras. Isso é muito difícil de se fazer. Esteja atento, calmo e com tempo. Não se pode escrever dessa maneira com pressa; 6. se perdeu alguma letra ou não está fazendo sentido, prossiga quatro letras, pois pode ser que a próxima letra seja esclarecedora. Se ainda assim não foi possível, o melhor é ‘apagar’ e recomeçar; 7. caminhe pelas colunas devagar, para dar tempo da Lucília responder. Com a prática, a gente acerta o ritmo. Com isso, Lucília pode se expressar e mostrar que é possível ter com ela um bom papo!

QUADRO ALFANUMÉRICO

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1

2

3

4

5

6

7

8

A E I O U

B C D F G

H J K L M

P Q R S T

V X Z W Y

. , ? ! ““

1 2 3 4 5

6 7 8 9 0

É

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VOCÊ

QUE

QUANDO

PARA

SEPARA

JUNTO

SIM

NÃO


Nossos agradecimentos aos profissionais da abrela e o reconhecimento por seu trabalho de apoio e orientação aos cuidadores, familiares e pacientes com ela.


Esta obra foi composta em Minion Pro corpo 10 e impressa em off set pela Mundo Digital Grรกfica e Editora Ltda. em papel Polen Soft LD 90g para a Jacintha Editores em jun./2010.



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