INTRODUÇÃO
A liberdade é um princípio básico, uma condição sine qua non da personalidade. É por essa característica que separamos os seres humanos dos animais, uma vez que o ser humano tem a capacidade de quebrar as fortes cadeias do estímulo-resposta que escravizam os animais. (MAY, 2011, pág. 20)
O tema da liberdade é um tema de estudo típico da abordagem humanista, conforme afirma Elias Boainain. Em seu artigo O estudo do potencial humano na Psicologia contemporânea: A corrente Humanista e a corrente Transpessoal, este autor fala um pouco sobre as quatro forças sobre a qual a Psicologia se desenvolveu e se estabeleceu. De acordo com essa divisão, a Primeira Força é o Behaviorismo, ou Psicologia Comportamental, e a Psicanálise, criada por Freud, é apontada como a Segunda Força. (BOAINAIN, 1998). Porém, a compreensão psicológica do ser humano fornecida por essas duas forças geraram algumas oposições no meio científico psicológico, e surgiram algumas críticas em relação ao pouco otimismo de suas concepções relativas à natureza humana e suas
potencialidades
intrínsecas. Assim, congregando
diversas
escolas
e
investigadores, surgiram novas Forças da Psicologia: A Psicologia Humanista, ou Terceira Força, e a Psicologia Transpessoal, ou Quarta Força. (BOAINAIN, 1998). A Psicologia Humanista ganha espaço como a corrente que passa a enfatizar a saúde, o bem estar, e o potencial humano de crescimento e autorealização, e a privilegiar as capacidades e potencialidades características e exclusivas da espécie humana. Levando isto em consideração, temas como criatividade, vontade, coragem, liberdade, responsabilidade e auto realização fornecem material de estudo típicos das abordagens humanistas, temas estes que antes não recebiam muita atenção. (BOAINAIN, 1998). A partir disso, este trabalho pretende falar sobre a liberdade a partir de uma perspectiva humanista, apoiando-se em teóricos desta corrente da psicologia, e suas discussões a respeito dessa temática.
LIBERDADE- VIKTOR FRANKL Os questionamentos de Frankl a respeito da liberdade estão muito relacionados à sua vivencia no campo de concentração. Isso fica bastante evidente em seu livro Em Busca de Sentido, onde ele narra que a vida imposta no campo de concentração determina o comportamento das pessoas, ou pelo menos é o que parece. Então Frankl (2008) levanta questionamentos do tipo onde fica a liberdade humana? Frente às condições ambientais ali encontradas, não haveria nem um mínimo de liberdade nas decisões tomadas? Os indivíduos estariam mesmo fadados aos determinantes de ordem biológica, psicológica e social? Em relação a estes questionamentos, Viktor Frankl afirma que continua existindo um resquício de liberdade do espírito humano, ou seja, da sua atitude de forma livre frente às determinações do meio ambiente, mesmo numa situação como essa, onde a coação, interior e exterior, é aparentemente absoluta. Frankl diz que aquilo que acontece interiormente com a pessoa é conseqüência de uma série de fatores, como as condições físicas, psicológicas e sociais, mas também é o resultado de uma decisão interior. (FRANKL, 2008). Segundo Frankl, toda pessoa, mesmo sob as circunstâncias terríveis de um campo de concentração, pode decidir o que fazer, quem ser, em sentido espiritual; de maneira ilustrativa, um prisioneiro de campo de concentração pode decidir se é um típico prisioneiro de campo de concentração, ou então uma pessoa que permanece sendo humano. Desta forma, Frankl nos traz o conceito de liberdade como sendo algo pessoal, intransponível e que independe das condições ambientais. A liberdade espiritual do ser humano, a qual não se lhe pode tirar, permite-lhe, até o último suspiro, configurar sua vida de modo que tenha sentido”. (FRANKL, 2008, pág. 89). Ainda usando como referência Viktor Frankl, em seu livro Psicoterapia e Sentido da Vida, ele vem dizer que liberdade sem destino não existe, pois o indivíduo só vai ser livre se tiver um parâmetro perante o qual comportar-se, posicionar-se. Frankl considera que o homem está envolto por vínculos que o influenciam e definem. Porém, estes vínculos servem como impulsionadores para a liberdade, pois esta pressupõe vínculos. Mas isto não significa que estamos submissos a estes vínculos; o homem vai-
se libertando daquilo que o determina (determinantes biológicos, psicológicos e sociológicos), dominando e configurando essas determinações, estes vínculos, e aí está o segredo da liberdade. (FRANKL, 2010). Conforme dito por Viktor Frankl: A liberdade de decidir, o chamado livre-arbítrio, é coisa óbvia para o homem sem preconceitos, que tem a experiência vivencial e imediata de si, como serlivre. Para se poder pôr seriamente em dúvida o livre-arbítrio, é preciso estarse tolhido por uma teoria filosófica determinista ou sofrer de uma esquizofrenia paranóica, numa vivência da própria vontade como algo não livre, como algo “feito”. (FRANKL, 2010, pág. 123)
Conforme destacado por Frankl no livro Psicoterapia e Sentido da Vida, devemos lembrar que a liberdade humana está correlacionada, em estado de dependência, com o que é fatal, pois somente em relação a isto poderá desenvolver-se. Quando fala-se de fatal, pode-se incluir o que é passado, inalterável. O homem é livre em relação ao passado; aqui o passado não determina exclusivamente o futuro, como acreditam os fatalistas. O passado deve ser tomado como exemplo para configurar um futuro melhor. (FRANKL, 2010). Ainda no livro Psicoterapia e Sentido da Vida, Frankl examina em que medida o biológico, o psicológico e o sociológico, enquanto representantes da fatalidade, interferem na liberdade humana. Quanto ao destino biológico, surge um questionamento: até onde chega a liberdade do homem frente ao acontecer orgânico? E ainda: qual a profundidade com que o poder da sua vontade livre penetra no campo do fisiológico? Segundo Viktor Frankl , aquele que considera o seu destino marcado, perde a capacidade de vencê-lo. Para ele, uma alteração física patológica não necessariamente significa um destino definido. (FRANKL, 2010).
LIBERDADE EM ROLLO MAY Rollo May vem dizer no seu livro O homem à procura de si mesmo, que o fato das pessoas sentirem tanto ódio em relação à perda da liberdade prova que ela é essencial para o ser humano. Segundo ele: Não é possível ao ser humano renunciar à sua liberdade sem que algo surja para compensar, estabelecendo o equilíbrio interior- algo que venha da liberdade íntima quando a exterior é negada- e este algo é o ódio pelo vencedor. (MAY, 2010, pág. 136).
May traz um tópico no livro a respeito do que a liberdade não é, para que desta forma, fique mais claro o seu conceito. Segundo ele, liberdade não é revolta. A revolta é uma etapa no processo da conquista da liberdade; ela ocorre quando a criança exercita a sua independência, dizendo “não” aos pais, por exemplo. A rebeldia pressupõe sempre uma estrutura externa contra a qual se revoltar, como regras, leis ou expectativas. Ele aponta que as pessoas também costumam confundir liberdade com falta de planejamento. Porém, ela não é de forma alguma o oposto da responsabilidade. May critica a liberdade enquanto uma doutrina econômica, onde as pessoas sentem-se livre porque conseguiram comprar o carro do ano, ou atingir determinado padrão de vida. (MAY, 2010). Segundo o próprio May: “Liberdade significa abertura, disposição para evoluir; significa ser flexível, pronto para mudar em vista de mais importantes valores humanos.” (MAY, 2010, pág. 146). A liberdade exige como pré-requisito o autoconhecimento ou autoconsciência; ela é a aptidão para nos amoldarmos. A autoconsciência vai permitir que nos afastemos da cadeia de estímulos e reações, para fazer uma pausa, uma análise, e decidirmos o nosso posicionamento frente a essa cadeia. A liberdade revela-se na maneira como nos relacionamos com as realidades deterministas da vida. Segundo May (2010), podemos escolher livremente como vamos nos relacionar com os fatos que nos acometem, com a realidade irreversível da nossa vida. Conforme dito por ele: A liberdade, portanto, não é apenas uma questão de dizer “sim” ou “não” diante de uma decisão específica: é a força de amoldar e criar a nós mesmo. É a capacidade, para dizer como Nietzsche, “de nos tornarmos o que verdadeiramente somos”. (MAY, 2010, pág. 151).
Rollo May diz, a certa altura do livro, que a liberdade tem que ser conquistada, e não de uma vez, mas dia-a-dia. E o passo fundamental para que isso aconteça é o “optar por si mesmo”. Isto quer dizer que cada indivíduo tem responsabilidade frente à própria existência e que desta forma, aceita a responsabilidade da sua existência. Além disso, Rollo May fala também que somos livres para viver e para morrer, quando podemos optar pelo suicídio, ou pelo contrário, por resistir a uma doença, e encontrar a cura. (MAY, 2010).
LIBERDADE EM CARL R. ROGERS Carl Rogers no capítulo V chamado “Duas Tendências Divergentes”, vem tratar acerca da liberdade falando sobre duas tendências: a objetiva e a existencial. Rogers aponta que na perspectiva objetiva correntes na psicologia americana nosso eu é moldado por circunstâncias condicionantes, e que por isso, nosso futura é determinado pelo passado,
desse modo ninguém é livre. Em contrapartida Rogers fala que a
tendência existencial fala do homem como livre e responsável, “como se a opção constituísse o âmago da sua existência” (ROGERS, s/n, p. 103). No seu livro Roggers apresenta uma pesquisa feita por W. L. Kell sobre os fatores que predissessem o comportamento
de
delinquentes
adolescentes.
Foi
descoberto
que
o
fator
“autocompreensão”, ou seja, o grau de compreensão realista de si mesmo e do ambiente que possuíam, foi o melhor prognosticador para o comportamento futuro, correlacionando com 0,84. Desse modo, Rogers afirma que está definido empiricamente aquilo que constitui liberdade. “Na medida em que esses delinquentes eram capazes de aceitar em nível consciente os fatores relativos a si mesmo e a sua situação, iam se sentindo livres para sobreviver a todas as possibilidades simbolicamente e escolher o mais satisfatório curso de ação.” (ROGERS, s/n, p. 105)
Em seu livro “Tornar-se pessoa”, Carl R. Rogers fala do indivíduo que goza de uma liberdade para escolher. Ele retrata também da liberdade da relação terapêutica, em que “o movimento característico do cliente é o que lhe permite ser ele mesmo livremente, o processo instável e fluido que ele é” (ROGERS,2011). Ainda no que diz respeito a relação terapêutica Rogers fala sobre a sua confiança no organismo quando funciona livremente, fundamentando-se na frase de Kierkegaard: “ser o que realmente se é”. Rogers afirma que esse é o padrão de vida mais elevado, ser livre para seguir a relação que quiser, e cita alguns exemplos do que é que o ser humano procura quando tem liberdade de escolher. Segundo o autor alguns optam pela vida responsável e moral, outros pela superação de obstáculos. Outras pessoas valorizam uma vida interior autônoma com a consciência de si rica e elevada. Outros ainda valorizam a receptividade às pessoas e à natureza, outros valorizam os prazeres simples da vida, um abandono ao momento, uma abertura descontraída a vida. Rogers fala da capacidade do ser humano em de ir para além do que os outros esperam, opor-se a pressões a favor do conformismo e serem como quiserem, isso para Rogers é liberdade. Ele afirma também
que a liberdade para uma pessoa ser ela mesma é uma liberdade cheia de responsabilidade, “e um indivíduo procura atingi-la com precaução, com receio e, no início quase sem confiança nenhuma.” (ROGERS, 2011)
ANÁLISE COMPARATIVA Podemos perceber, em relação aos três teóricos abordados, Viktor Frankl, Rollo May e Carl Rogers, e ao tema liberdade, algumas semelhanças e diferenças. May defende, assim como Viktor Frankl e Carl Rogers que liberdade e responsabilidade andam lado a lado. Segundo May, a pessoa que é livre aceita ordens porque consegue decidir melhor o que deseja fazer da vida, e a disciplina é necessária para alcançar suas metas. Para Frankl nós podemos ser vistos como um ser-responsável, e podemos também ser-livre, pois em nenhum momento pode o homem esquivar-se a forçosa necessidade de escolher entre as possibilidades. Rogers afirma que a liberdade para uma pessoa ser ela mesma é uma liberdade cheia de responsabilidade. Viktor Frankl vem dizer que o indivíduo só vai ser livre se tiver parâmetros nos quais possa se basear, pois as influências que estes parâmetros fornecem, servem como impulsionadores para a liberdade, na medida em que o homem vai-se libertando daquilo que o determina e o define, e configurando essas determinações a sua maneira. Para May a autoconsciência é pré-requisito para a liberdade, pois vai permitir que nos afastemos da cadeia de estímulos e reações, que nos determinam, para fazer uma pausa, e decidirmos o nosso posicionamento frente a essa cadeia. Rogers, assim como May acredita na auto compreensão como propulsora da liberdade, que se caracteriza na compreensão realista de si mesmo e do ambiente, e defende que só assim o indivíduo pode-se sentir livre para sobreviver as possibilidades e escolher o mais satisfatório curso da sua ação. Cada um fala a seu modo, mas tanto para Frankl quanto para May, a liberdade vai se manifestar na maneira como nos relacionamos com as realidades deterministas da vida, pois podemos escolher livremente como vamos nos relacionar com os fatos que nos acometem.
Algo genuíno a respeito do que Rollo May escreveu sobre liberdade está quando ele fala que o fato das pessoas sentirem tanto ódio em relação à perda da liberdade prova que ela é essencial para o ser humano. Além disso, ele traz a questão da liberdade não ser revolta, nem falta de planejamento, deixando claro o que a liberdade não é, para que não haja confusões em relação ao seu conceito.
CONCLUSÃO A liberdade consiste numa questão existencial que precisa ser abordada para além de definições operacionais e procedimentos experimentais, e por isso os autores apresentados no trabalho foram escolhidos, pois estão preocupados com todo o espectro do humano. Sabe-se que hoje a liberdade é um tema debatido, muitas pessoas dizem-se livres, outras buscam a liberdade, entretanto, no que de fato ela consiste? A partir desse questionamento decidimos abordar o tema liberdade para melhor compreendê-lo. Cada autor traz, de maneira peculiar e de acordo as suas experiências pessoais e profissionais o que consiste a liberdade. Observa-se, no entanto, que todos eles trilham as suas ideias baseando na autônoma capacidade do ser humano ser o que é, e escolher o seu caminho.
REFERÊNCIAS
BOAINAIN, E. O estudo do potencial humano na Psicologia contemporânea: A corrente Humanista e a corrente Transpessoal. 1998. Disponível em: http://www.encontroacp.psc.br/estudo.htm FRANKL, V. Psicoterapia e Sentido da Vida: fundamentos da Logoterapia e análise existencial. 5º Edição. São Paulo, SP: Editora Quadrante, 2010. 352 p.
FRANKL, V. Em Busca de Sentido: um psicólogo no campo de concentração. 30º Edição. São Leopoldo: Editora Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 2008. 184 p.
MAY, R. O Homem à Procura de Si Mesmo. 35º Edição. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2010. 253 p.
MAY, R. A Arte do Aconselhamento Psicológico. 18º Edição. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2011. 198 p.
MAY, R. Duas tendências divergentes May, Rollo et. al.; Psicologia Existencial. Porto Alegre, Globo, 1974. ROGERS, C. Torna-se pessoa.6ª Edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,2011 488p.