Dor de cabeça

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Dor de cabeça Sinónimo de algo mais A cefaleia é uma perturbação muito frequente e comum, na idade evolutiva. Na maior parte dos casos (80%), a cefaleia não pode ser atribuída a uma causa orgânica determinada e, por isso, costuma definir-se como "primária". Precisamente porque constitui um problema que afecta muitas crianças (1 em cada 4), tornase necessário considerar, não só os aspectos clínico-terapêuticos, mas também os factores preventivos. Uma nova abordagem da questão impõe, com efeito, a necessidade de enquadrar e avaliar a cefaleia, quer como sintoma, quer como uma visão global da criança, alargando a observação também ao seu mundo emotivo-afectivo complexo e ao ambiente que a rodeia.

Enorme variabilidade Os quadros clínicos da infância e da adolescência caracterizam-se pela sua enorme variabilidade, dado que não existem características específicas de grupo. Entre as diferentes cefaleias, a hemicrânia comum é, certamente, a forma mais frequente e costuma estar associada a dores abdominais, náuseas e vómitos. Durante o ataque, a criança mostra-se inquieta, empalidece e refere uma dor de cabeça difusa. A idade do aparecimento é também típica, reconhecendo-se dois momentos de máxima incidência entre os 6 e os 8 anos, para voltar a manifestar-se, de novo, entre os 10 e os 12; o seu aparecimento coincide, geralmente, com a escolarização da criança e reaparece, mais tarde, na passagem do ensino básico ao secundário. Também é característica a faixa horária da crise dolorosa, que coincide, muitas vezes, com as primeiras horas da manhã, ao passo que não é costume surgir nos dias feriados ou durante os meses de férias.

A cefaleia e a escola A entrada na escola constitui para a criança a sua primeira prova na sociedade: o seu mundo ampliar-se-á, entrará em contacto com pessoas novas, que emitirão um juízo sobre ela, fará novos amigos e, na relação que estabelecerá com eles, poderá ver reforçada ou diminuída a sua sensação de participação. Recorrer à cefaleia para não ir à escola, evitando assim um controlo ou uma avaliação, representa o compromisso entre a angústia da inadaptação e o desejo de auto-afirmação e de independência. A criança usa a cabeça para exprimir e comunicar as suas tensões e medos e para justificar, perante si mesma e os outros, os seus primeiros fracassos, reais ou imaginários. Nas histórias de crianças cefalalgicas observa-se, ainda, o carácter familiar da perturbação - um ou ambos os pais sofreram ou sofrem de cefaleias - e a tendência dos pais para dar muita importância aos aspectos intelectuais, culturais e racionais da comunicação, de onde se deduz que a "escolha do órgão" é, em parte, "aprendida" - a criança repete um sintoma já usado na sua família - e, em parte, induzido pelo significado simbólico-afectivo da cabeça.


Desvalorização da família Os pais, por sua vez, podem responder à cefaleia da criança com uma desvalorização superficial, se pensarem que o sintoma não é mais que um capricho, pois considera-se impossível que uma criança possa sofrer de cefaleia. Também é possível que os pais interpretem a dor de cabeça como uma estratégia para não ir à escola e, por conseguinte, se mostrem irritados e incomodados, sobretudo em consequência da diminuição do aproveitamento escolar. Pelo contrário, se se sentirem culpados, os pais reagirão alarmando-se bastante: recorrerão imediatamente ao especialista e submeterão a criança a uma série de exames que, ao confirmarem a natureza orgânica da perturbação, os isentam da responsabilidade de "maus pais". Com efeito, muitas cefaleias são o resultado de uma transformação somática, por detrás da qual se ocultam tensões familiares, desacordos e separações.

Diagnóstico psicológico O estabelecimento de um diagnóstico de perturbação psicológica requer, antes de mais, que se exclua a natureza orgânica da mesma, o que não quer dizer que haja que recorrer, necessariamente, a exames instrumentais ou de laboratório. Estes devem estar reservados para os casos em que a gravidade da perturbação assim o exija. Uma avaliação cuidadosa da história clínica da criança e do seu contexto ambiental permitirá estudar a sua estrutura psíquica e a sua dinâmica familiar, procurando aplicar as devidas correcções, para evitar à criança uma sintomatologia física e psicológica, que é, muitas vezes, causa de um profundo sofrimento.

Quando recorrer ao piscólogo? A actuação psicoterapêutica individual e familiar deve reservar-se para os casos em que seja muito clara a natureza psicológica da perturbação e, sobretudo, para os casos nos quais a perturbação, ao perdurar no tempo, crie condicionamentos e limitações fortes, obrigue à administração de medicamentos, imponha medidas restritivas de precaução ou impeça o desenvolvimento da auto-estima e do sentimento de confiança nas próprias possibilidades, ambos fundamentais para a saúde mental da criança. A perturbação pode reflectir-se negativamente nas relações interpessoais da criança e impedir esse intercâmbio livre, criativo e jovial, tão fundamental para o seu crescimento e maturação pessoal e social. Fonte: Super Bebés - Abril 2011


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