Pais controladores, filhos inseguros

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Pais controladores, filhos inseguros Insegurança, fraca autoestima e autoconfiança em baixo. Estas são apenas algumas das consequências de um controlo excessivo por parte dos pais. Quisemos saber porque o fazem e quais os verdadeiros riscos, a longo prazo, deste comportamento tão usual nos dias de hoje. A superproteção pode favorecer a obesidade nas crianças. A conclusão é de um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), divulgado em 2012, segundo o qual os pais demasiado protetores e zelosos, e que passam aos filhos a ideia de um mundo ameaçador, tendem a causar-lhes ansiedade e stresse. Nesses casos, e sobretudo em relação às meninas, pode levá-las a procurar sensações de segurança e conforto, por exemplo, na comida. A lição que vamos poder tirar daqui é a seguinte: se desejamos o seu bem, devemos prepará-los para o futuro ao invés de nos tornarmos superprotetores. Com base na sua experiência profissional, Vanda Ribas, educadora de infância há 16 anos, explica como se reflete esse «excesso de zelo» no dia-a-dia das crianças na escola: «Pouca autoestima, falta de autonomia, duas coisas que lhes farão falta na sua vida futura», exemplifica: «A autoestima reflete-se na sua relação com os outros e a autonomia (como estão sempre à espera que alguém faça as coisas por eles)» no facto de «não aprenderem a fazer as coisas, a fazer as suas próprias escolhas…» Na creche onde Vanda leciona usam o chamado Movimento Escola Moderna (MEM), o qual incentiva a participação das crianças na gestão da vida da sala e da escola. Mas muitas demonstram algumas dificuldades em assimilar esse tipo de práticas mais individualistas: «Ao ir brincar para a casinha (uma rotina do quotidiano da creche), ficam parados, à espera que lhes digam que podem ir», realça a educadora. O bom senso não abunda e, por vezes surgem casos de pais que se assumem como «donos dos filhos». Segundo a opinião da psicóloga clínica Mónica Bento Nogueira, psicóloga clínica da Clínica da Educação, «não podemos assumir-nos, nos diferentes papéis que desempenhamos, como donos de ninguém». Pelo que afirma convicta de que «os nossos filhos não são nossos». Para a especialista em mediação familiar os pais «serão os facilitadores do seu crescimento e voo de autonomia, primeiro dirigindo, posteriormente orientando, apoiando e finalmente delegando». De acordo com a psicóloga clínica, «esta estratégia serve tanto para olharmos cada desafio diário da criança como o próprio desafio do desenvolvimento e crescimento». Preparar a vida Segundo a especialista em psicologia da educação Teresa Paula Marques, «o papel dos pais deverá ser no sentido de os preparar para a vida, permitindo que corram riscos (ainda que controlados). Um filho não é um bem material! Os pais deverão apoiar, ensinar, dirigir… Mas nunca viver a vida dos filhos. Só assim estes se poderão tornar adultos equilibrados», defende. Também apologista dessa ideia é Luís Ferreira, 42 anos, pais de três filhos com 5, 6 e 11 anos, cujas palavras coincidem quase na íntegra com as da especialista. Segundo Luís, «os pais devem ser mais orientadores e não se sentirem como proprietários dos filhos». Caso contrário, segundo o próprio, «irá levar a que (as crianças) nunca consigam desenvolver as suas próprias capacidades, quer físicas quer mentais», frisa. Ainda de acordo com Luís, os pais devem orientar, sim, mas deixando alguma liberdade para que os filhos possam fazer de tudo, até mesmo «algumas asneiras controladas».


Mas nem sempre aquilo que se ambiciona para ser o mais perfeito como pai é fácil de conseguir. «Nunca se consegue concretizar tudo o que se idealizou, porque eles são seres vivos com vida e ideias próprias…e não vivemos num mundo perfeito.» Daí que, apesar de se ter uma ideia do que é a educação mais indicada, por vezes há a necessidade de nos adaptarmos à personalidade ou situação ambiental dos filhos. Como o Gonçalo, o primeiro filho de Luís, que, «enquanto filho único, foi muito mais protegido», confessa. Mas com isso (com os erros) aprenderam como lidar com os seguintes: a Susana, de 6 anos e o Guilherme de 5. Com os mais novos «acabámos por não ter tanta preocupação, ou melhor, não estar tão obcecados com um só e deixamos que estejam mais à vontade», diz. «No fundo, abrimos mais os seus horizontes.» Por seu turno, a mãe, Natália Osório, 42 anos, apesar de numa maneira geral se demonstrar muito descontraída na forma como lida com os filhos, assume que «protege-se sempre mais o primeiro, estamos mais inseguros em termos de educação». E, ao que parece, essa insegurança é consciente. «É uma preocupação tentar saber como fazer as coisas bem, pois não temos tanta experiência» e isso talvez tenha provocado o facto de o Gonçalo, o mais velho do três, ser aos olhos da mãe «um pouco mais imaturo» comparando com outras crianças da sua idade. Educar com bom senso Os especialistas em educação são unânimes quando o assunto é proteção desmesurada. «Muitas vezes os pais remetem para si toda a responsabilidade pela manutenção da felicidade dos seus filhos e baseiam as suas ações na crença de que se as crianças forem protegidas das dificuldades são mais felizes», explica Mónica Bento Nogueira. Nada mais errado, segundo a especialista. «Toda a criança tem e deve passar por frustrações para poder encontrar e desenvolver em si as competências necessárias para as superar.» E a psicóloga vais mais longe lembrando o ditado “temos de cair para aprender a levantar…”. Uma opinião ainda mais contundente tem o pediatra Mário Cordeiro que afirmou recentemente numa entrevista que «se não os frustrarmos vão ficar detestáveis». Mas, afinal, são os pais atuais demasiado protetores em relação aos filhos? «Sem dúvida alguma. Os pais temem muita coisa que não faz sentido algum», defende a psicóloga clínica Teresa Paula Marques. E explica: «Um dos maiores erros que os pais cometem é temerem que ao impor regras vão traumatizar os mais pequenos. Mas uma criança que cresce sem regras é que vai ser condenada a uma vida de inadequação a todos os níveis. Um pai que não impõe regras está a proteger o filho da experiência da frustração e com isso a prejudicá-lo!» Na opinião de Mónica Bento Nogueira, «hoje temos famílias mais informadas e mais conscientes de um sem-número de situações que podem influenciar ou colocar em risco o crescimento dos seus filhos». Neste prisma, quase que se pode afirmar que mais conhecimento traz mais receio pois, de acordo com esta especialista «os pais mais cautelosos nas experiências de crescimento que proporcionam aos seus filhos» são os que encontramos em «ambientes mais desenvolvidos e urbanizados». De acordo com Teresa Paula Marques, «esta proteção desmesurada tem a ver com diversos fatores, entre os quais o facto de a maioria dos casais ter apenas um filho». A especialista não tem dúvidas de que o modelo de sociedade atual potencia esse excesso de zelo. «Esta sociedade de filhos únicos cresce superprotegida pelos pais, que os tratam como se de pequenos príncipes se tratassem. O problema é que este modo de tratamento acaba por condicionar negativamente o seu processo de autonomia, não os preparando para a vida.»


O segredo para evitar essa superproteção parece estar em tentar alcançar um meio-termo entre o controlo excessivo e a permissividade. «Existem diferentes estilos de educação parental, que variam entre o permissivo, o sufocante e ainda o negligente ou o autoritário», diz Mónica Bento Nogueira. «Creio que todos os pais num ou noutro momento optam por comportamentos que podem roçar qualquer um destes estilos. Parece-me que a fórmula está no equilíbrio: pais que controlam moderadamente, apoiam moderadamente e confiam no processo de erro aprendizagem – pais que educam com bom senso», afirma.

Autora: Dra. Mónica Nogueira - Psicóloga | Clínica da Educação


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