Comunidade Surda: Preconceito Ultrapassado ou Camuflado?

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Instituto Politécnico de Setúbal Escola Superior de Educação

COMUNIDADE SURDA: Preconceito Ultrapassado ou Camuflado?

O presente trabalho tem como principal objetivo a análise da interação entre o universo surdo e o ouvinte.

Pensamento Crítico e Trabalho Académico

Trabalho realizado por: Helena Cascais e Neusa Troso


Resumo

Pensar na tendência que o Homem tem na época moderna para relativizar o preconceito que ainda existe na nossa sociedade, chamou-nos a atenção para abordar este assunto. Não esperamos que todos compreendam o entusiasmo pelo tema escolhido, mas que procurem perceber a importância do mesmo, pois esta comunidade representa uma parte da nossa sociedade e tem um impacto na mesma, tanto a nível cultural como para a tradição e propriedade intelectual. A surdez é geralmente catalogada como uma condição incapacitante, cujo tratamento deve passar por regras comportamentais ouvintes, deixando de ser apresentada num discurso pré-histórico, mas ainda retrógrado, como se de algum tipo de alienados mentais se tratasse. A administração pública e as suas leis de acessibilidade, bem como o sistema educacional dominam em grande parte a responsabilidade do olhar imperfeito e condenável da sociedade perante os cidadãos surdos. Passeámos pela metamorfose da definição e afirmação da identidade surda e a sua conquista de direitos e pela importante promoção da cultura surda e da sua inclusão. A incapacidade do indivíduo em valorizar a diferença, distinguindo-a e estereotipando-a, começa a sofrer uma mudança ao adaptar-se a uma nova cultura, assumindo a realidade de que as pequenas diferenças constroem os indivíduos, as comunidades e, por conseguinte, o mundo social. A procura das novas gerações por ser único, diferente, ampliar conhecimentos, vivenciar novas experiências, e a crescente onda de solidariedade que tem vindo a manifestar-se nas sociedades modernas, representam, nas suas diferentes formas, fatores essenciais para transpor os muros do preconceito.


Índice

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INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 4

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METODOLOGIA.............................................................................................................................. 5

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BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ........................................................................................ 5

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CONCEITO DE COMUNIDADE SURDA ............................................................................................. 6

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UNIVERSO OUVINTE E A CULTURA SURDA..................................................................................... 6 5.1 5.2

PRECONCEITO CAMUFLADO? ............................................................................................................. 6 A OUTRA FACE DA MOEDA ................................................................................................................ 7

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INCLUSÃO SOCIAL .......................................................................................................................... 8

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................ 9

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BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 10


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Introdução No âmbito da unidade curricular de Pensamento Crítico e Trabalho Académico,

foi-nos proposta a realização de um estudo, cujo principal objetivo consiste na análise de uma temática considerada polémica. Para a execução do presente trabalho optámos pelo tema “Comunidade Surda – Preconceito Ultrapassado ou Camuflado?”. A ideia de escrever sobre esta matéria surgiu por meio de questões que se manifestaram à medida que me inteirava a respeito da comunidade surda, ao longo do meu percurso académico. Começamos por contextualizar este estudo através de uma breve história sobre o difícil caminho que os surdos percorreram até aos dias de hoje, relatando importantes contornos sociais e culturais, para que possam compreender a dependência, o abandono e o perigo que os surdos enfrentaram ao longo dos séculos. Em seguida, refletimos sobre as conceções dos ouvintes no que respeita ao mundo da surdez, para que possamos compreender melhor se a ponte entre o mundo ouvinte e o surdo está mais estreita, como afirmam, ou se continuamos a viver este novo conceito de preconceito do Séc. XXI, um preconceito dissimulado, longe das vistas. Avaliamos ainda a outra face da moeda, pois gostaríamos de perceber se a própria comunidade surda apresenta uma população reservada e pouco acessível para o universo ouvinte, fortalecendo a sua identidade e cultura estabelecendo limites na sua partilha com o universo ouvinte. Pretendemos também analisar a importância que o reconhecimento da Língua Gestual Portuguesa teve na luta pela igualdade e valorização da comunidade surda. Para terminar, destacamos a importância de novas medidas de combate à exclusão social, que ainda afeta bastante o povo surdo. O preconceito e a intolerância podem ser sinónimos de graves danos sociais, as atitudes discriminatórias resultam da construção de um pensamento irracional e socialmente perigoso. Vamos tentar perceber de que forma podemos contornar esta barreira, que acompanha o Homem ao longo da história do mundo.

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Metodologia O procedimento metodológico compõe todo o processo de um trabalho de pesquisa.

Foi elaborada uma planificação, apoiada nas orientações curriculares, que foi ao encontro do objetivo de desenvolver e aprofundar conhecimentos no que respeita ao tema escolhido. Em seguida, determinámos os principais focos no trabalho, entre o tema principal e as suas subdivisões, caracterizando os objetivos gerais e identificando através dessa análise questões mais específicas que conduziam ao objetivo final. Ao contrário do nosso objetivo inicial, optámos por não realizar um inquérito, pois decidimos explorar um caminho que tínhamos muito menos conhecimento, debruçandonos um pouco mais na relação da comunidade surda com o universo ouvinte. Para isso foi necessário recorrer a discursos efetuados por importantes representantes da comunidade surda, com o intuito de não ferir suscetibilidades através de um questionário com perguntas pertinentes para o nosso estudo, mas que podiam não ser interpretadas da melhor forma.

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Breve Contextualização Histórica Na antiguidade alguns surdos começaram por ser tratados como se fossem

crianças muito delicadas, mas apenas uma parte, pois a maioria não teve essa sorte. Sendo a oratória tão importante naquela altura para que qualquer indivíduo fosse aceite e respeitado pela sociedade, a conceção comum assentava alicerces na ideia de que um Ser Humano que não pudesse ouvir não poderia estruturar o pensamento, considerados assim incapazes de alcançar simples noções como distinguir entre o bem e o mal e, por conseguinte, cumprir qualquer dever ou responsabilidade civil. O destino dos surdos nesse período dividia-se entre a piedade e a solidariedade de certas pessoas e a repulsão e agressividade de outros. A surdez era considerada um castigo Divino, uma marca de impureza e perversidade. Durante a Idade média o contexto não sofreu alterações, muitas famílias escondiam as suas crianças quando percebiam que eram surdas, pois sabiam o triste fado que as aguardava na realidade de um mundo intolerante, cruel e desumano. No início do Renascimento a interpretação religiosa começou a dar lugar à perspetiva da razão, alcançando um pensamento mais racional, em que a deficiência auditiva começa a ser

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uma reflexão médica e científica. A educação dos surdos durante esta época acontece somente a jovens surdos provenientes de famílias nobres e surge num contexto religioso com intuito evangelizador, pela primeira vez que se saiba, com bases pedagógicas. A língua gestual foi proibida na era moderna por diferentes argumentos, foi considerada indecente, apelativa ao corpo e também justificaram tratar-se de um sistema que iria prejudicar a aprendizagem da língua oral e tornar os alunos surdos preguiçosos e sem estímulo para aprender a falar. Durante sensivelmente um século foi uma língua secreta, sofrendo severos castigos quem fosse apanhado a utilizá-la. Nos constantes movimentos sociais a população surda foi ganhando força, criando a sua identidade, estabelecendo a sua cultura e perpetuando um sistema cada vez mais completo de uma língua gestual, em constante evolução. Entre avanços e retrocessos, no ano de 1997, a Língua Gestual Portuguesa foi reconhecida pela Constituição da Republica, em consequência, uma nova identidade ganha força na sociedade portuguesa, um marco de extrema importância na formação dos surdos.

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Conceito de Comunidade Surda Conjunto de aprendizagens características partilhadas por um grupo,

determinando aspetos identitários comuns, sejam relativos à Língua Gestual Portuguesa, pontos de vista políticos, partilha de conceções e vivências sociais e culturais. A definição de comunidades surdas estende-se à perceção que os surdos têm do mundo e a sua forma de entendê-lo e modificá-lo consoante as suas sensações visuais.

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Universo Ouvinte e a Cultura Surda 5.1

Preconceito Camuflado?

Sabemos que o preconceito pertence à história da humanidade, mas não passou à história! Nos dias de hoje persiste de forma mais disfarçada, mas continua a existir entre todos nós. Em pleno século XXI a comunidade surda continua a ser tabu ou um enigma com pouco interesse para grande parte dos portugueses, a nossa sociedade está mais tolerante no que respeita à diferença, mas falta calcorrear um longo caminho para suprimir ideias pré-concebidas baseadas somente na ignorância. Em pleno século XXI, muitas crianças 6


surdas continuam a ser afetadas pela ausência de uma educação qualificada e direcionada para os procedimentos de ensino ajustados, crescendo sob o olhar crítico daqueles que os consideram incapazes. Ainda em pleno século XXI, os surdos são, muitas vezes, considerados indivíduos inválidos e alienados mentais, que vivem num mundo ao lado, paralelo ao universo das pessoas consideradas normais, onde predominam as filosofias orais. Esta realidade reflete as repercussões que este pensamento primitivo causa na aceitação dos surdos nas escolas, no mercado de trabalho, em suma, na nossa sociedade. A cultura surda na nossa sociedade é vista de modo inferiorizado em virtude do preconceito criado e transmitido de geração em geração. Os surdos vivem em dois mundos distintos, um da cultura surda e outro dos ouvintes, essa divisão acaba por gerar um afastamento por parte dos surdos, uma vez que a maioria dos ouvintes parecem pouco interessados em contatar com a cultura surda. Consequentemente os surdos sentem-se discriminados e desvalorizados pelos ouvintes.

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A Outra Face da Moeda

Será a normalidade dos ouvintes determinante no que respeita a uma suposta superioridade sobre quem não ouve? Serão também os ouvintes alvo de um olhar crítico por parte da comunidade surda? A população surda afirma que a maioria dos ouvintes desconhecem as suas necessidades, sente que a sua cultura continua a ser rejeitada, pois a maior parte dos ouvintes pretendem convencer os surdos que para o desenvolvimento e formação de qualquer Ser Humano as experiências ouvintes são fundamentais, criando um sentimento de revolta nos surdos contra a intenção permanente de sobreposição por parte da cultura ouvinte. Para a comunidade surda, a frequente associação do termo “deficiente” a todos os casos de surdez não é correta. A relação entre os dois termos significa que falta alguma coisa para normalizar o corpo, isto é, após a nascença perde-se qualquer coisa, neste caso a audição, o que significa que a pessoa tem uma deficiência auditiva ou é deficiente auditiva. No entanto, ser pessoa surda não é sinónimo de deficiente porque nasce assim naturalmente e o desenvolvimento da aquisição da linguagem será a língua gestual portuguesa, pois atua por intermédio da comunicação entre o cérebro e os olhos. Tudo isto significa que a população surda (relativamente às pessoas que já nascem surdas) não encaram a surdez como uma patologia, em que o termo “deficiência” se encaixa porque se relaciona com o conceito médico, por isso a população surda não se considera 7


deficiente, mas sim uma minoria linguística e cultural. O reconhecimento da LGP (Língua Gestual Portuguesa) é considerado por muitos um forte instrumento de luta e resistência por parte das comunidades surdas contra o que é considerado pelas mesmas uma imposição oralista.

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Inclusão Social Educar é a fórmula para vencer este inimigo, muitas vezes camuflado. Devem ser

criadas novas medidas de inclusão social, que conduzam a um importante despertar de mentes, que ensinem a respeitar a diferença e as distintas formas de comunicação. Esta é uma questão, sobretudo, da responsabilidade das Associações de surdos, tal como a importante tarefa de promover a Língua Gestual Portuguesa. O sistema educacional continua a ser um desafio, as práticas pedagógicas desadequadas colocam a criança dentro de um padrão comportamental, com uma identidade frágil e inadaptada para desenvolver o crescimento e a formação de um aluno surdo. A criação de um sistema de ensino que vá ao encontro das necessidades das crianças surdas é fundamental para a sua formação e futura integração social. Há quem defenda que os alunos surdos devem estar inseridos em turmas regulares, com o intuito de estimular a oralidade, no entanto, é cada vez maior a batalha travada por muitos por um ensino mais adequado à condição destas crianças. Para terminar, a abordagem das políticas educativas para a empregabilidade devem ser revistas, para que sejam instituídas mudanças no sentido de impulsionar a igualdade de oportunidades.

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Considerações Finais Continuamos perante um sistema desadequado à natureza dos surdos, a

acessibilidade à informação e principalmente aos serviços de saúde, continuam a apresentar muitas barreiras no quotidiano das pessoas surdas, tornando tarefas comuns em verdadeiros desafios. Contudo, é importante sublinhar a evolução no nosso país no que se refere ao respeito pela diferença, ultrapassando, a seu tempo, a aversão pela diversidade e preconceitos sem nenhum motivo lógico. O progresso é lento, mas cada vez mais evidente no contato social em diferentes contextos, nos canais televisivos e nas redes sociais. Ao longo dos tempos, temos assistido a mudanças valiosas, mas todo o fluxo de conhecimento deve ser partilhado porque representa um fator essencial no desenvolvimento social dos indivíduos surdos e na expansão da sua própria identidade, promovendo o contacto com maiores diversidades. Todo este processo constitui um agente essencial para que haja uma maior aproximação entre surdos e ouvintes. Concluímos que a comunidade surda também tem um papel fundamental na aproximação entre os universos surdo e ouvinte, sendo mais compreensivos e tolerantes perante a ignorância de muitos ouvintes a quem não foram dadas dicas para comunicar com uma pessoa surda, desconhecendo os vários aspetos a ter em conta durante essa comunicação. Na realidade, se exercitarmos uma linha de pensamento totalmente neutro e invertermos a minoria, tal como acontece com a maior parte das minorias ou em todos os grupos sociais bem vinculados, o resultado será certamente um dado adquirido. O presente estudo foi uma excelente oportunidade para aprofundar conhecimentos e realizar novas tarefas no desenvolvimento e recolha de informações, que se revelaram muito interessantes, para além de uma excelente oportunidade para apresentar diferentes caraterísticas da comunidade surda.

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Bibliografia

Carvalho, P. (2007). Breve Histรณria dos Surdos no Mundo e em Portugal. Lisboa: Surd`Universo. Laborit, E. (1998). O Grito da Gaivota. Lisboa: Caminho. Morais, A. (31 de agosto de 2015). esquerda.net. Obtido de http://www.esquerda.net/opiniao/mitos-e-preconceitos-sobre-lingua-gestualportuguesa-e-pessoa-surda/38332: http://www.esquerda.net/

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