FUNDAMENTOS
DO DESIGN em relação aos anos 1920
HELENA TATIZANA
FUNDAMENTOS
DO DESIGN em relação aos anos 1920
Texto e design © 2016 Helena Tatizana
Publicado em 2016 por Ametista Editora Ltda.
Essa obra é uma coletânea de diversos textos de autores renomados. Design e diagramação Helena Tatizana Fotografias
Acervos públicos/freewave Revisão
Claudio Ferlauto Dados Internacionais de
Catalogação na Publicação - CIP
Camâra Brasileira dos Livros, SP, Brasil Tatizana, Helena
Ametista Editora/Helena Tatizana - São Paulo: Editora Pub, 2016
1. Design - Tipografia - Produção Gráfica - Geral 06-7350 , CDD-864
Índice para catálogo sistemático:
1. Design: Tipografia: Produção Gráfica: Geral 864 ISBN 1ª edição: 978-85-88343-45-9 Ametista Editora R. Alagoas, 903
01237-014 l São Paulo, SP - Brasil (11)3000-0000
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APRESENTAÇÃO 08
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA
60
OS ANOS LOUCOS 10
TIPOGRAFIA 68
HISTÓRIA DO DESIGN
EMPREENDEDORISMO
22
50
PRODUÇÃO GRÁFICA
PROJETO GRÁFICO
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86
FUNDAMENTOS DO DESIGN
APRESENTAÇÃO Ah! A década de 1920.Também conhecida
isso uma grande mudança começa a acon-
dizer sobre ela é: gostaria de ter vivenciado
aconteceu nos Estados Unidos. Mas a gran-
como os Anos Loucos, e o que eu tenho a
essa loucura! No meio de uma guerra mun-
dial, as transformações culturais e estéticas
mudaram rápidamente, e com isso uma grande produção artística que tem como autores
nomes renomados tais como Picasso e Salvador Dalí nas artes, Ernest Hemingway e F.Scott Fitzgerald na literatura. Novas tecno-
tecer, como a luta pelo direito de voto que
de mudança ocorrida foi na moda, pela ne-
cessidade de maior conforto e a escassez de tecidos, novos modelos de roupas deixaram
de lado os espartilhos e aderiram cortes retos e mais curtos, cortes de cabelo na nuca, bocas avermelhadas e olhos delineados.
E como falar de moda sem citar a res-
lógias surgiram, e não é por acaso que esco-
ponsável por revolucionar a modelagem e
fundamentos do design.
surgiu uma pessoa tão inovadora como Coco
lhi essa época para demonstrar os principais
Não apenas na Europa que ocorreram
grandes mudanças. No Brasil em 1922 ocor-
re a Semana de Arte Moderna, que introduz o Modernismo no país, e mostra um novo tipo de arte visual, literária e musical. Na Rússia
acontece o construtivismo, baseados em Vanguardas Europeias do século XX, como o
The Stilj e a Bauhaus.
Por conta da guerra as mulheres são obri-
gadas a substituir cargos masculinos, e com
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o uso de tecidos nessa época. Até hoje não
Chanel em sua área. Sua personalidade ousada mudou a moda drasticamente, tanto
que até nos dias atuais a utilizamos como referência. Coco foi modelo de estilo, no corte de cabelo, que leva o seu nome (corte estilo chanel), e no seu modo de viver, sendo ela
um exemplo de mulher independente e em-
preendedora. No livro vamos falar das dificuldades que uma marca pode passar através
do caso da Maison Chanel, e discutir como
em relação aos anos 20 isso ocorre através do texto de Vitor Boccio.
Todo projeto antes de ser eleborado é neces-
luxuoso art decó, com dourado predominan-
a tiragem, o público e sua duração de exposi-
No que se diz a respeito da arte, temos o
te, que acompanha o espírito da época em que os jovens apreciavam as idas aos cabarés, e grandiosas e luxuosas festas retrata
As linhas do art decó percorrem todos os
segmentos, tanto no design de produto como
no design gráfico. A tipografia usada nos car-
sário que se faça decisões sobre o material,
ção, para que assim se decida a melhor maneira para que a peça seja produzida, desde
a escolha das cores, o modo de impressão, e seu acabamento, assim gerando o melhor produto e custo de produção.
O design tem como função principal facili-
tazes e sua diagramação alinhada seguindo
tar a vida das pessoas, seja no entendimento
vimento. A tipografia e suas metáforas com o
como operá-lo ou no desenvolvimento de no-
as linhas dos desenhos geometricos do mo-
dia a dia é um jeito prático de entender sua
importância no uso em projetos adequadamente, usando bases de hierarquia e estilo.
Ainda sobre diagramações, uma parte
fundamental sobre o design e a comunicação visual em geral é entender sobre sua com-
de uma informação, no uso de um objeto e vos equipamentos. O design está na página
de um livro, no desenho de sua cadeira até no botão da camisa, e todos esses objetos
surgiram apartir de uma necessidade de facilitar uma atividade humana.
Esse livro aborda alguns dos fundamen-
posição e significados de elementos e sim-
tos básicoas para o desenvolvimento de
são analfabetas visuais, e para compreender
tenda o universo da criação e a profundida de
bologias. Atualmente boa parte das pessoas
a relevância de decifrar reproduções visuais precisamos entender conceitos importantes como a Gestalt.
Outro ponto essencial, e muitas vezes
pouco explorada são os grids, que auxiliam a posição ideal de uma composição, seja de
imagens ou textos. Essa mudança ocorreu a
partir da década de 1920 e seus cartazes e
projetos editoriais elaborados através de novos estudos de posicionamento e hierarquia.
Também precisamos abordar uma etapa
essencial em todo projeto de design sobre a produção gráfica e tudo que ela engloba.
qualquer projetos. Espera-se que o leitor enestudos por trás de cada objeto. Da mesma
forma espero que este livro encante o leitor com a fascinante década de 1920 e seu entusiasmo para vivenciar novidades.
“Design dá ao mundo algo que ele não sabia que sentia falta.”
Paola Antonelli
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1 OS ANOS LOUCOS retrato dos anos 1920
FUNDAMENTOS DO DESIGN
É
poca de mudança de valores e de liberta-
a usar cabelos curtos, pálpebras pintadas de
a bebida alcoólica (apesar da Lei Seca que
tados e na altura dos joelhos, meias da cor
ção da mulher, de festas grandiosas regadas
proibia a fabricação, a venda e o transporte de bebida alcoólica nos Estados Unidos), a
década de 1920 ficou conhecida como “anos
loucos”. A juventude da década de 1920, chamada de “geração perdida” pelo seu modo de vida alienado e superficial, foi retratada por Sinclair Lewis, em suas obras Rua Principal
(1920) e Babbitt (1922) e por F. Scott Fitzgerald em O Grande Gatbsy (1925).
Em 1920, nos Estados Unidos, as mu-
cor escura, lábios vermelhos, vestidos decoda pele. As chamadas “melindrosas” (flapper)
iam à praia de maiô inteiriço, fumavam em público, dirigiam seu próprio carro e falavam
sobre sexo. O charleston, dança vibrante
com movimentos rápidos de pernas e braços contagiou as jovens em festas e reuniões da alta sociedade e do meio intelectual, casais homoafetivos sentiram-se livres para se mostrarem.
O jazz, ritmo de influências africanas nas-
lheres conquistaram o direito de votar. Mas
cido em Nova Orleans ganhou popularidade
costumes sociais. As mulheres da década de
ocidental, na década de 1920. Marcado pela
a maior mudança ocorreu na moda e nos 1920 deixaram seus espartilhos e passaram
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nos Estados Unidos e influenciou a música improvisação musical executada no saxofo-
em relação aos anos 20
13
FUNDAMENTOS DO DESIGN ne e no trompete, o jazz atraiu um enorme público para os clubes noturnos do Harlem,
bairro em Nova York de população afro-americana na maioria. Ali se apresentavam bandas de jazz que projetaram artistas negros como Duke Ellington e Louis Armstrong, lan-
çaram dançarinos negros talentosos e abriram caminho para cantoras negras célebres como Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan.
Na década de 1920, o cinema tornou-se o
lazer de multidões. Em 1927 vendiam-se, por
semana, nos Estados Unidos, 60 milhões de
bilhetes. Em 1929, já eram 110 milhões. Foi a era de ouro de Hollywood (1915-1925), o
mais importante centro da indústria cinematográfica do mundo. Ali estavam os estúdios
da Universal, Fox, Paramount e Metro-Gol-
dwyn-Mayer. Os filmes eram mudos e traziam legendas que faziam a narração e o diálogo;
a projeção era acompanhada de música ao
vivo. Por isso, toda sala de cinema tinha espaço para uma pequena orquestra ou, no minimo, um piano. Entre as estrelas e astros da
década de 1920 destacaram-se Greta Garbo, Bebe Daniels, Rodolfo Valentino, Charles
Chaplin com seu personagem Carlitos e a dupla de comediantes O Gordo e o Magro (Laurel and Hardy).
Desenhos animados fizeram enorme su-
cesso de público. O Gato Félix, lançado em 1919, teve nos anos 1920 seu período de maior popularidade. O personagem Mickey Mouse, criado por Walt Disney, foi lançado
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em relação aos anos 20
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FUNDAMENTOS DO DESIGN
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em relação aos anos 20 em 1928 em filme falado e logo se tornou um
mico. Aumentou o poder de compra da clas-
famosos do mundo.
a expansão das vendas a crédito. “Compre
dos personagens mais
Década dos contrastes, a década de
1920 foram de expansão da liberdade, mas também de intolerância, preconceitos e xe-
nofobia. O Ato de Imigração de 1924, que vigorou até 1965, restringiu o número de imi-
grantes admitidos nos Estados Unidos o que afetou europeus do sul (italianos e espanhóis
pobres) e impediu a entrada de asiáticos e
se média norte-americana favorecida com agora, pague depois” virou mania nacional. Multiplicaram-se as vendas de automóveis,
rádios, fogões elétricos, aspiradores, geladeiras, lavadoras de roupa, isqueiros, relógios de pulso, vidro pirex, torradeiras e uma
infinidade de produtos. Consolidava-se a chamada sociedade de consumo.
1920 foi a década do automóvel. A frota
indianos.
dos Estados Unidos aumentou de 8 milhões
geiros com ideias socialistas e anarquistas
1930. Em 1919, 1 em cada 16 pessoas pos-
A hostilidade norte-americana aos estran-
radicalizou-se. Na década de 1920, os italianos anarquistas Nicola Sacco e Bartolomeu
Vanzetti foram acusados de roubo e assassi-
nato. O caso teve projeção internacional com manifestações em defesa dos acusados.
Nem mesmo a confissão de outro preso assumindo autoria dos crimes foi considerada.
Sacco e Vanzetti foram condenados à morte e eletrocutados em 1927.
A xenofobia (aversão a estrangeiros) nor-
te-americana chegou ao extremo com a Ku Klux Klan, organização racista que apoiava
a supremacia dos brancos e protestantes. A KKK organizava expedições punitivas contra
negros, judeus, católicos, imigrantes, sindicalistas e comunistas praticando todo tipo de
violência, da ameaça verbal à tortura física e ao assassinato.
A partir de 1921, os Estados Unidos pas-
saram por um acelerado crescimento econô-
de veículos em 1920, para 23 milhões em suía um auto; em 1929, esse número era 1 em cada 5 (em Los Angeles, em 1925, era
1 em 3.) O custo médio dos carros populares caiu. O Modelo T, da Ford que em 1909
custava 950 dólares, em 1927 era vendido a
295 dólares. Neste ano, a Ford produziu 15 milhões do Modelo T. A presença do automóvel na vida americana mudou a paisagem urbana: postos de gasolina, semáforos, guardas de trânsito, garagens, estacionamentos,
pavimentação de ruas e rodovias. Possibilitou a construção de bairros residenciais mais afastados e diminuiu o isolamento da zona rural. Em 1926, Manhattan, no centro de Nova York, já sofria com o congestionamento
na hora do rush. Os movimentos operários
conquistaram direitos que beneficiaram especialmente os trabalhadores qualificados.
Em 1923, a US Steel adotou a jornada de 8
horas; em 1926, a Ford reduziu a semana de
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FUNDAMENTOS DO DESIGN trabalho para cinco dias e a International
Harvester introduziu 2 semanas de férias anuais remuneradas.
Os arranha-céus, outro símbolo da pros-
peridade norte-americana, tomaram conta dos grandes centros urbanos. Em 1929,
foi construído, em Nova York, o edifício da
Chrysler, com 318 m de altura (sem o mastro) e decorado com mármore, granito, aço
cromado e bronze. Sua torre de aço inoxidável lembrando a grade de um radiador era uma exaltação à era do automóvel. Poucos meses depois foi inaugurado o majestoso
Empire State com 449 m de altura que, por décadas, foi o edifício mais alto do mundo. Equipado com elevadores de alta velocidade
para percorrer seus 102 andares que, contudo, ficaram praticamente vazios por meses,
devido aos efeitos da crise de 1929. Salvou-o o enorme fluxo de visitantes aos dois observatórios, um no 86º andar e outro no 102º andar.
A prosperidade da década de 20 não atin-
giu toda a sociedade norte-americana marca-
nômica. Durante a Primeira Guerra (19141918), muitos fazendeiros haviam expandido
seus negócios em resposta às demandas do
governo por mais alimentos. Entre 1914 e 1920, as exportações de produtos agrícolas
quase quadruplicaram. A partir de 1920, contudo, quando a Europa retomou a produção,
a oferta excessiva de produtos agrícolas nos
mercados mundiais derrubou os preços. Ao longo da década de 1920, a superprodução
agrícola nos Estados Unidos se manteve e, com isso, os preços das safras despencaram. O lucro líquido médio dos fazendeiros que, entre 1917-1920 era de 1.295 dólares
por ano, caiu para 517 dólares em 1921. Paralelamente, as classes médias urbanas foram tomadas pelo desejo de enriquecimento
rápido o que estimulou o comércio desenfreado de ações na Bolsa de Valores. A quebra
da Bolsa de Valores, em outubro de 1929, estanca a prosperidade econômica, leva a
população urbana à miséria e os fazendeiros à ruína.
da por profunda desigualdade social. Os 13%
de norte-americanos mais ricos detinham 90% da riqueza do país. Cerca de 50% da população vivia abaixo da linha da pobreza.
Este contingente de miseráveis era formado, especialmente, por afrodescendentes, mexi-
canos e imigrantes recentes. Em 1928, havia cerca de 4 milhões de desempregados nos
Estados Unidos. A população rural também
não foi beneficiada pela prosperidade eco-
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À direita Flappers Páginas anteriores Café em Paris, A cultura do Jazz, Personagem Mickey na primeira animação de Walt Disney O novo estilo das mulheres da década de 1920
em relação aos anos 20
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2 HISTÓRIA DO DESIGN os movimentos artísticos
FUNDAMENTOS DO DESIGN
O
termo art déco, de origem francesa
linhas retas ou circulares estilizadas, as for-
um estilo decorativo que se afirma nas artes
déco apresenta-se de início como um estilo
(abreviação de arts décoratifs), refere-se a plásticas, artes aplicadas (design, mobiliário,
decoração etc.) e arquitetura no entreguerras europeu. O marco em que o “estilo anos 20” passa a ser pensado e nomeado é a Exposição Internacional de Artes Decorativas
e Industriais Modernas, realizada em Paris em 1925. O art déco liga-se na origem ao art nouveau. Derivado da tradição de arte aplicada que remete à Inglaterra e ao Arts and
Crafts Movement, o art nouveau explora as linhas sinuosas e assimétricas tendo como
motivos fundamentais as formas vegetais e
os ornamentos florais. O padrão decorativo
art déco segue outra direção: predominam as
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mas geométricas e o design abstrato. O art luxuoso, destinado à burguesia enriquecida
do pós-guerra, empregando materiais caros
como jade, laca e marfim. É o que ocorre, nas confecções do estilista e decorador Paul
Poiret, nos vestidos “abstratos” de Sonia Delaunay (1885—1979), nos vasos de René
Lalique (1860—1945), nas padronagens de Erté. A partir de 1934, ano de realização da
exposição Art Déco no Metropolitan Museum de Nova York, o estilo passa a dialogar mais
diretamente com a produção industrial e com os materiais e formas passíveis de serem reproduzidos em massa. O barateamento da
FUNDAMENTOS DO DESIGN produção leva à popularização do estilo que
invade a vida cotidiana: os cartazes e a publicidade, os objetos de uso doméstico, as jóias e bijuterias, a moda, o mobiliário etc.
A despeito de seu enraizamento francês,
os motivos e padrões art déco se expandem
rapidamente por toda a Europa e pelos Estados Unidos, impregnando o music hall, o
cinema de Hollywood (onde Erté vai traba-
lhar em 1925), a arquitetura (por exemplo, a
cúpula do edifício Chrysler, em Nova York, 1928), a moda, os bibelôs, as jóias de fantasia etc. Assim, falar em declínio do art déco na segunda metade da década de 1930 não deve levar a pensar no esquecimento da fórmula e das sugestões daí provenientes,
que são reaproveitadas em decorações de interiores, em fachadas de construções, na publicidade etc. No Brasil, a obra de Victor
Brecheret (1894—1955) pode ser pensada
com base nas influências que sofre do art
déco, em termos de estilização elegante com que trabalha formas femininas (Daisy, 1921) e figuras de animais (Luta da Onça,1947— 1948). Um rápido passeio pela cidade do Rio
de Janeiro pode ser tomado como exemplo
da difusão do art déco, impresso em vitrais, escadarias, decoração de calçamentos e letreiros. O interior da sorveteria Cavé, no
centro da cidade, o Teatro Carlos Gomes, na
praça Tiradentes, a Central do Brasil, entre
muitos outros, revelam as marcas e motivos art déco.
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À direita edifício Chrysler em Nova Iorque Página posterior Interior e copo estilo art decó
em relação aos anos 20
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FUNDAMENTOS DO DESIGN SURREALISMO O termo surrealismo, cunhado por André
Breton com base na idéia de “estado de fantasia supernaturalista” de Guillaume Apolli-
naire, traz um sentido de afastamento da re-
alidade comum que o movimento surrealista
celebra desde o primeiro manifesto, de 1924.
Nos termos de Breton, autor do manifesto, trata-se de “resolver a contradição até agora vigente entre sonho e realidade pela criação
de uma realidade absoluta, uma supra-realidade”. A importância do mundo onírico, do irracional e do inconsciente, anunciada no
texto, se relaciona diretamente ao uso livre que os artistas fazem da obra de Sigmund
Freud e da psicanálise, permitindo-lhes explorar nas artes o imaginário e os impulsos ocultos da mente. O caráter anti-racionalista
do surrealismo coloca-o em posição diametralmente oposta das tendências construtivas
e formalistas na arte que florescem na Europa após a Primeira Guerra Mundial, 1914-
1918, e das tendências ligadas ao chamado retorno à ordem. Como vertente crítica de ori-
gem francesa, o surrealismo aparece como alternativa ao cubismo, alimentado pela re-
tomada das matrizes românticas francesa e
alemã, do simbolismo, da pintura metafísica italiana - Giorgio de Chirico, principalmente e do caráter irreverente e dessacralizador do
dadaísmo, do qual vem parte dos surrealistas. Como o movimento dada, o surrealismo
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apresenta-se como crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes mas modelos culturais, passados e presentes. Na
contestação radical de valores que empreende, faz uso de variados canais de expressão
(revistas, manifestos, exposições e outros), mobiliza diferentes modalidades artísticas como escultura, literatura, pintura, fotografia, artes gráficas e cinema.
A crítica à racionalidade burguesa em
favor do maravilhoso, do fantástico e dos
sonhos reúne artistas de feições muito variadas. Na literatura, além de Breton, Louis
Aragon, Philippe Soupault, Georges Bataille,
Michel Leiris, Max Jacob entre outros. Nas artes plásticas, René Magritte, André Masson, Joán Miró, Max Ernst, Salvador Dalí, e
outros. Na fotografia, Man Ray, Dora Maar, Brasaï. No cinema, Luis Buñuel. Certos te-
mas e imagens são obsessivamente tratados
por eles, com soluções distintas, como, por
exemplo, o sexo e o erotismo; o corpo, suas
mutilações e metamorfoses; o manequim e a boneca; a violência, a dor e a loucura; as civilizações primitivas; e o mundo da máquina.
Esse amplo repertório de temas e imagens encontra-se traduzido nas obras por proce-
dimentos e métodos pensados como capa-
zes de driblar os controles conscientes do artista, portanto, responsáveis pela liberação
de imagens e impulsos primitivos. A escrita
e a pintura automáticas, fartamente utilizadas, são formas de transcrição imediata do inconsciente, pela expressão do “funciona-
em relação aos anos 20
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FUNDAMENTOS DO DESIGN
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em relação aos anos 20 mento real do pensamento” (como, os dese-
ver sua ambição revolucionária e subversiva,
1927 por Man Ray, Yves Tanguy, Miró e Max
dos instintos - e na idéia de revolução oriun-
nhos produzidos coletivamente entre 1926 e Morise, com o título O Cadáver Requintado).
A frottage [fricção] desenvolvida por Ernst faz parte das técnicas automáticas de produção. Trata-se de esfregar lápis ou crayon sobre uma superfície áspera ou texturizada para
“provocar” imagens, resultados aleatórios do
amparada na psicanálise - contra a repressão
da do marxismo (contra a dominação burguesa). As relações controversas do grupo com a política aparecem na adesão de alguns ao trotskismo (Breton, por exemplo) e nas posições reacionárias de outros, como Dalí.
A difusão do surrealismo pela Europa e
processo, como a série de desenhos História
Estados Unidos faz-se rapidamente. É pos-
As colagens e assemblages constituem
pares como Alberto Giacometti, Alexander
Natural, realizada entre 1924 e 1927.
mais uma expressão caraterística da lógica de produção surrealista, ancorada na idéia de acaso e de escolha aleatória, princípio
central de criação para os dadaístas. A céle-
bre frase de Lautréamont é tomada como inspiração forte: ‘”Belo como o encontro casual
entre uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de dissecção”. A sugestão do escritor se faz notar na justaposição de objetos desconexos e nas associações à
primeira vista impossíveis, que particularizam as colagens e objetos surrealistas. Que dizer de um ferro de passar cheio de pregos, de
uma xícara de chá coberta de peles ou de uma bola suspensa por corda de violino? Dalí
radicaliza a idéia de libertação dos instintos e impulsos contra qualquer controle racional
pela defesa do método da “paranóia crítica”, forma de tornar o delírio um mecanismo produtivo, criador. A crítica cultural empreendida
pelos surrealistas, baseada nas articulações
arte/inconsciente e arte/política, deixa entre-
sível rastreá-lo em esculturas de artistas dís-
Calder, Hans Arp e Henry Spencer Moore. Na
Bélgica, Romênia e Alemanha ecos surrealistas vibram em obras de Paul Delvaux, Victor
Brauner e Hans Bellmer, respectivamente. Na América do Sul e no Caribe, o chileno Roberto Matta e o cubano Wifredo Lam devem ser
lembrados como afinados com o movimento. Nos Estados Unidos, o surrealismo é fonte
de inspiração para o expressionismo abstrato
e a arte pop. No Brasil especificamente o surrealismo reverbera em obras variadas como
as de Ismael Nery e Cicero Dias, assim como nas fotomontagens de Jorge de Lima. Nos
dias atuais artistas continuam a tirar proveito das lições surrealistas.
À esquerda Interiores Holandeses I de Miró Página anterior quadro The Son of Man de Magritte Página posterior A Persistência da Memória e Salvador Dalí
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FUNDAMENTOS DO DESIGN
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em relação aos anos 20
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FUNDAMENTOS DO DESIGN SEMANA DE 22 por Elias Thomé Saliba
Qualquer historiador afinado com as crô-
nicas jornalísticas de época percebe que o voo vanguardista dos modernistas, em 1922,
parecia ser a continuação de outra festa nos
céus, de feitio bem mais popular, ocorrida um ano antes: o raid do Rio a Buenos Aires pro-
movido pelo herói aviador Edu Chaves num
aeroplano pintado com as cores paulistas, cedido pelo governador Washington Luís.
Esse historiador sabe ainda que o diplo-
mata Graça Aranha, enamorado por Nazareth Prado, irmã do colecionador de arte e
escritor Paulo Prado, foi elevado ao posto do mais notável padrinho da Semana de Arte
Moderna como recompensa pelos seus esforços pela liberação do café retido na Alemanha.
A história desse relacionamento amoro-
so era conhecida de todos, mas abafada em público. Graça e Nazareth mantinham seus casamentos e tentavam equilibrar suas situa-
ções, pois as duas famílias eram amigas. Em depoimento posterior, Nazareth Prado declarou: “Pode parecer presunçoso, mas eu fui a causadora da Semana de 1922. Naquela época, eu estava em São Paulo, em casa de
minha família, e Graça Aranha necessitava
de qualquer pretexto para me ver. A Semana
de Arte foi um belo pretexto. Belo e marcante. Mas não quero dar uma de imprescindível,
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pois se a Semana não tivesse ocorrido em 1922, teria acontecido mais tarde, originada
por outro qualquer que não Graça Aranha. Mas, repito, a sua realização em 1922 foi devido a mim.”
Ao contrário da autopropalada autono-
mia e engajamento, a primeira geração de
modernistas dependeu, como se vê, de um círculo de concessões, mecenatos, comprometimentos e favores da requintada eli-
te paulista. A Semana incluía-se entre os
eventos da extensa programação de festas cívicas que aconteciam na São Paulo dos anos 1920, sempre com o patrocínio do go-
verno do estado. Isto, contudo, não foi devidamente contabilizado na memória social, e
o evento de 1922 continua a atrair apenas
pela audácia de seus gestos inovadores e iconoclastas. Contudo, já é tempo de parar
de interpretar os inúmeros personagens e significados do modernismo brasileiro a partir
somente dos temas levantados em 1922. E não é mais possível reler o passado cultural
do País apenas com as lentes do movimento, transformando-o numa espécie de vesúvio
cultural cuja erupção iluminaria toda a história artística brasileira. Talvez seja hora de sair dos limites locais e pensar o Modernismo de
forma mais ampla, vendo-o como movimento deflagrador de temas e inovações anterior-
mente colocados no horizonte cultural do Brasil.
Romper com a tradição e reinventar a his-
tória foi um propósito mais vasto e utópico da
em relação aos anos 20
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FUNDAMENTOS DO DESIGN
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em relação aos anos 20 mentalidade modernista que se expandiu no
o simultaneísmo, as seduções futuristas e o
tura com a tradição, condenação da estéti-
da tecnologia e do cenário da
mundo ocidental no início do século XX. Rup-
ca passadista, busca ansiosa de novos procedimentos estéticos e cognitivos também
desprendimento em criar uma arte tributária recente urbanização.
O segundo caminho, de inspiração uni-
marcaram o clima cultural do modernismo
versalista, presumia que o acesso ao mundo
1922, o rompimento com a tradição implica-
ção, a “entidade nacional”, obrigando o País
no Brasil. Para os modernistas brasileiros de
va responder aos desafios que o peculiar cenário histórico brasileiro apresentava após a Primeira Guerra Mundial. O que significava ser moderno e como atingir a modernidade? Como construir a nação naquela realidade
brasileira contrastante, regionalmente diver-
sificada e, sobretudo, depois da Guerra de 1914, uma realidade indefinida em termos de futuro.
Nos movimentos, manifestos e declara-
ções de princípios que se desdobraram do
movimento de 1922 é possível discernir dois caminhos. O primeiro, característico dos anos
modernistas iniciais, enxergava a Modernidade como uma espécie de ordem universal à
moderno se daria por meio de uma mediaa um mergulho mais profundo emsua realida-
de. O Brasil, apenas uma parte do concerto internacional, precisava descobrir a própria
singularidade, a própria identidade. Procurando sepultar uma imagem expressa na estética passadista, os intelectuais de 1922
estavam, em geral, empenhados na modernização do País. Isto implicava uma operação
de sua quase “redescoberta” ou “reinvenção”: o acesso à modernidade se daria por
meio de uma entidade nacional, a “brasilidade”. “Precisamos ser nacionais para que pos-
samos ser universais”, recomendou Mário de Andrade, o sismógrafo intelectual de 1922.
Nesse ponto, o modernismo brasileiro
qual se teria acesso de forma imediata, pela
nada teve de muito diferente. O universal di-
derados modernos. Neste sentido, 1922 foi
car novas formas cognitivas por meio de uma
simples adoção de procedimentos consium momento “de atualização da inteligência
artística nacional”, como tão bem diagnosticou o escritor Mário de Andrade, e bastava acertar o atrasado relógio brasileiro àquele
universal das nações cultas. Daí a fase da euforia dos artistas e intelectuais com as lin-
guagens, temas e técnicas da estética europeia de vanguarda, o desvario, a velocidade,
lema modernista de “começar do zero” e buscombinação espúria de razão e sensibilidade
também estaria por trás desta reinvenção
brasileira da história. Como apreender aquela realidade brasileira, presente e passada, fugidia e pouco sedimentada, sem novos determinismos intelectuais? Apreendê-la pela razão ou pela emoção? Decifrá-la pela ciência ou pelo mito? Retratá-la pelo controlável
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FUNDAMENTOS DO DESIGN diagrama da abstração ou pela anárquica
figuração da vida? Fazê-lo por meio da formulação de uma “teoria do conhecimento da vida nacional” ou, ao contrário, pela intuição imediata, pelo ensaio sintético, pela fuga da racionalidade? As respostas foram inúmeras
e marcaram toda a história cultural brasileira nos últimos anos. Mas prevaleceu a visão monolítica e orgânica de cultura, gerada pelo modernismo de 1922.
Em nossa história cultural, a interpretação
mais aceita do festival de fevereiro de 1922 é aquela que se recusa a vê-lo como uma ce-
lebração quase oficial, cujo objetivo era o de reconquistar a hegemonia paulista, golpeada
politicamente com a derrota de Rui Barbosa
na campanha civilista de 1910. Durante o modernismo coexistiram projetos diferentes
de inúmeros escritores, artistas e intelectuais. Suas obras marcaram a história cultural brasileira nas décadas posteriores, mas a vi-
são monolítica e orgânica de cultura gerada pelo modernismo de 1922 escolheu apenas
algumas destas respostas, excluindo as que
não se enquadraram nos seus cânones programáticos, rotuladas como “regionais” ou “tradicionais”.
Em 1924, ano em que Antônio de Alcân-
tara Machado escreveu suas primeiras crô-
nicas em jornal, a cidade de São Paulo foi atacada. O espantoso episódio, pouco conhecido e rotulado de Revolução de 1924,
resultou num absurdo bombardeio de 29 dias cujo objetivo era desalojar as tropas federais
40
em relação aos anos 20
41
FUNDAMENTOS DO DESIGN rebeldes que haviam ocupado a cidade. O
Pancada nos companheiros. A preocupação
escolas, hospitais e igrejas, desorganizando
é mais gostoso: quem é que está errado. Eu
bombardeio atingiu residências, indústrias, ainda mais a confusa vida urbana paulistana, marcada pelo caótico processo de metropo-
lização. Não por coincidência, 1924 também representou um momento de dissidências e
cisões no grupo de artistas modernistas, forçando-os a ultrapassar os aparentes limites
de saber quem é que está certo. Ou o que berro contra essa tolice maníaca e inútil de, numa investida, querer saber quem é que
marcha certo, instituindo arbitrariamente um padrão modernista. Quem não escreve assim ou assado não é moderno brasileiro…”
As cisões posteriores a 1922 frustrariam
de suas opções estéticas e a olhar de frente
dramaticamente modernistas e não moder-
haviam compactuado. Até o herói Edu Cha-
nico das elites brasileiras, na sua inércia es-
para as elites com as quais eles tragicamente ves sofreu com o bombardeio da cidade: o
governo confiscou todos os seus aviões e ele se retirou, amargurado, da aviação.
Filtrando os episódios do bombardeio da
cidade e das dissidências modernistas de 1924 para o universo da crônica, Alcântara
Machado escreveu: “São Paulo tem um arzinho de Exposição Internacional, pois nela
não há nada acabado nem definitivo, as casas vivem menos que os homens e se afas-
tam, rápidas, para alargar as ruas”. O escritor,
então com 26 anos, manifestava a consciência difusa de que a São Paulo bombardeada,
retratada por fotos que mostravam edifícios
em ruínas e telhados esburacados, constituía o emblema não de uma cidade partilhada, mas estilhaçada e cheia de rebarbas sociais. É também com metáforas bélicas que Alcântara Machado descreve o acirramento
das militâncias entre os modernistas a partir de 1924: “Antigamente era a frente única.
Pancada nos inimigos. Agora é a discórdia.
42
nistas, sobretudo porque o aparato hegemôtrutural, transformava-se em ritmo bem mais
lento que os voos imaginativos das vanguardas. “Eu sou um encalacrado que fala num Congresso de encalacrados”, vociferava o
escritor Oswald de Andrade, uma figura impertinente em pleno Congresso dos Lavra-
dores, pouco antes da débâcle de 1929. Na verdade, encalacrados estavam todos neste
país de muitos modernistas onde a moderni-
dade continuava a ser um privilégio de poucos.
À direita participantes e organizadores da Semana de 22 Páginas anteriores quadro A Estudante de Anitta Mafaltti e Abaporu de Tarsila do Amaral
FUNDAMENTOS DO DESIGN CONSTRUTIVISMO RUSSO por Rob Batista O Construtivismo Russo foi um movimen-
to de vanguarda que abriu o século XX passando por cima (sem pedir licença) de uma
série de concepções artísticas que duraram
por muito tempo, e contribuiu, em muito, para
a forma como pensamos e produzimos arte e design desde o século passado.
O início do século XX foi marcado por
uma série de disputas territoriais na Europa
que levaram a um desenvolvimento bélico
intenso e culminaram na Primeira Guerra
Mundial, na qual a Rússia foi peça importante. Com a maioria dos homens na guerra, as mulheres foram para as indústrias. Enquanto
isso, a fome se espalhava, acompanhada por
baixíssimos salários e cargas horárias de trabalho excessivas. Isso contribuiu para que os trabalhadores fossem às ruas em protesto,
convocando greves gerais e aumentando a
força do movimento, inclusive interrompendo o abastecimento de alimento e combus-
tível por todo o país. Era o caos. Cercado
pela população, em 1917, o Czar Nicolau II assina sua abdicação. A partir daí iniciou-se
um governo provisório instável, fraco e que não tinha o apoio da massa trabalhadora, e
que duraria somente até o fim daquele ano, quando operários, soldados e camponeses,
liderados por Lênin e o Exército Vermelho, ir-
44
romperiam a chamada Revolução Vermelha.
Entender esse contexto é importante por-
que ele tem profunda relação com o caráter
revolucionário do Construtivismo Russo. O cenário de caos e instabilidade induziam à uma reorganização da sociedade em ques-
tão, mas isso não era algo novo. A novidade aqui é que, baseadas em ideologias ligadas
ao marxismo, anarquismo e outros movimentos, as pessoas passariam a pensar e proje-
tar essa nova forma de organização, seu espaço e sua vidas deveriam ser reorganizadas
de maneira racional e muito mais autônoma. A partir disso, os construtivistas viriam na arte
muito mais o papel de criar, construir novas realidades, do que de representar realidades que se deveria jogar fora.
Estética e teoricamente, o Construtivismo
encontra origens no Cubismo de Picasso e no Suprematismo de Malevich. Alinhadas
aos ideiais emancipacionistas da Revolução
Socialista, as idéias construtivistas pregaram uma autonomia maior do artista, o fim da arte da elite, e uma democratização radi-
cal da arte, significando sua morte no estado
em que se encontrava para nascer de outra forma, uma arte democrática, popular e, acima de tudo, funcional. O principal defensor
dessas ideias, e líder de uma importante ala do movimento, foi Alexandr Mikhailovich Ro-
dchenko (1981 – 1956). Rodchenko foi um dos que defenderam com mais vontade que
a arte deveria ter uma função social, cumprir um papel prático na vida das pessoas.
em relação aos anos 20
45
FUNDAMENTOS DO DESIGN Não é raro, e também não é exagero, ouvir
dizer que que a arte não foi mais a mesma depois de Rodchenko.
Ninguém havia pensado de forma tão
enfática a produção artística como elemento político tão essencial à forma como nos
organizamos socialmente e como entendemos a sociedade e o espaço em que vivemos. Sua maneira de criar era construindo
a partir de propriedades formais e materiais,
de maneira racional, estrutural e científica.
Essa postura estava em ressonância com os ideiais da Revolução e de Lênin, que o in-
tegrou ao Departamento de Arte do Estado, onde ele enfatizaria a participação do artista
como essencial para o suprimento material e intelectual da sociedade.
Rodchenko deixa de lado a arte de cava-
lete, alegando ser uma limitação antiquada à produção criativa, e parte para experimentar
novas técnicas. Foi fotógrafo, escultor, pintor, designer. Ao lado dele, outros artistas promo-
veriam experimentações que revolucionaram o mundo da época e que explicam muito do mundo de hoje.
Com o Construtivismo Russo, a defesa da
morte da arte realista e a pregação de uma
arte útil, vemos aparecer a principal abordagem do design que existe hoje: o design
funcionalista. Os construtivistas acreditavam que o artista especial, iluminado, pertencia
ao passado, e que em um futuro socialista regado pelo desenvolvimento tecnológico, as ferramentas artísticas e, consequentemente,
46
em relação aos anos 20
47
FUNDAMENTOS DO DESIGN a técnica, deveriam ser radicalmente democratizadas. Seguindo essa linha, vários
artistas trabalharam, através de sua arte, o desenvolvimento da comunicação de massas, conseguindo transmitir ideias para uma
população que nem sequer sabia ler (Lissitzky impulsiona a alfabetização a partir dessa
ideia). São fundadas as Vkhutemas, escolas de tecnologia e arte aplicada, que deveriam preparar artistas para a indústria e para a
transformação cultural do país e disseminação das ideias construtivistas e socialistas. Vemos, então, o que alguns consideram como o início do ensino formal de design.
Em 1934, através do Congresso dos
Escritores, o Construtivismo é proibido na URSS, alguns artistas são expulsos ou cons-
trangidos a se exilarem. A ala ligada a Stálin determina o retorno do realismo do período
imperial, mas agora chamado realismo so-
cialista. Mas, se por um lado, a arte construtivista perde espaço em um lugar que ela
ajudou a construir, por outro lado, vemos sua transmutação no design e em movimentos artísticos pela Europa, influenciando muito em nossa vida até hoje.
À esquerda participantes poster de propaganda para Lengiz Páginas anteriores poster para o governo de Rodchenko fotografia The Stairs de Alexander Rodchenko
48
3 EMPREENDEDORISMO as marcas dos anos 1920 na atualidade
FUNDAMENTOS DO DESIGN
P
matou o sms, telefone e a porra toda.
ridas no passado e refletirmos o porque de
telefonia (existe?) em distribuidoras de ban-
passam por constantes mudanças para que
mais mil exemplos desses. E assim caminha,
ara entendermos o que se passa na atu-
alidade, devemos buscar as mudanças ocorseus acontecimentos. As grandes marcas
não se tornem obsoletas e que possam competir com o novo mercado e seus concorrentes. É isso que mostra o texto de Vitor Boccio: “Não. E não é culpa da crise, até porque
O smartphone transformou operadoras de
da.Você paga sua tv a cabo e nem assiste.E rapidamente, a humanidade.E aí vem a per-
gunta: Por que caralhos esse treco não há de pegar a nossa indústria?
Se quiser se basear na fé, talvez encontre
elas vem e vão. Existe uma coisa chamada
um pensamento mágico que nos salve. Dirão
andar cada vez mais rápido. Do crescimento
apocalipse, que diziam que tal coisa ia mor-
crescimento exponencial, e isso faz o mundo
da população ao desenvolvimento de novas tecnologias,velocidade de obsolescência das coisas e grandes mudanças culturais.
Um ser humano inventou o Uber e des-
truiu o esquema do taxi. Outro, o Whatsapp e
52
os céticos: “sempre existem os cavaleiros do rer, e tal coisa ia matar tal coisa”. De fato, não necessariamente uma coisa mata a outra. Mas sim, uma coisa mata a outra se essa outra não olhar pra dentro e se reinventar. Vamos voltar aos fatos.
em relação aos anos 20 – Quanto vale a marca Uber? Como ela se
– Falência moral e/ou nanceira das institui-
o jeito de fazer e quanto tempo levou? O
Sindicatos, Grupos disso ou daquilo. O Vati-
fez? Quanto de comunicação investiu? Qual
mundo todo conhece o Uber tanto quanto gran- desmarcas globais.
– E os estudantes de cinema de Berlim que
zeram um lme (Que lme!) para a Johnnie Walker. Visto pelo planeta. Aplaudido pelo planeta.
– A Netfix com faturamento gigantesco amea-
ça o negócio da TV. A queda de audiência de quem ainda protege o modelo de negócios no Brasil. Os bureaus de mídia pelo mundo
e o jeito como a própria disciplina tem se
reinventado, com aprofundamento de ROI e mensuração, mídia programática, customização de canais, etc.
– Indústria automotiva em pânico (e excita-
ção) com os carros que andam sozinhos. Os Ubers que andam sozinhos. Os drones que levam pessoas pelos céus. Os drones Uber que farão a humanidade chegar no De Vol-
ta para o Futuro. O Google é concorrente e/
ou parceiro de todo mundo. Até de você. Indústria alimentícia repensando tudo. Bancos, Imóveis, Escolas, Supermercados.
– A morte de todos os tipos de agentes,
que não faziam nada mais que ser agentes. Cor- retores de imóveis, agências de turis-
mo, operadora de hotéis, cartões de crédito
tradicionais, cooperativa de táxi. Fim dos intermediários que não tem um valor além de, simplesmente, intermediar.
ções duras: Fifa, governos e classe política, cano, por exemplo, tenta desesperadamente
com o Papa Francisco se conectar a outros tempos, outros valores, sobreviver.
– Os Youtubers e in uencers com mais reputação, audiência e moral que os velhos ato- res de sempre, da novela de sempre. Qualquer um pode ser a nova sensação do último minuto da próxima semana. Blogs de
alguns clubes de futebol fazem trabalho muito mais sério e relevante que muitos (falsos)
jornalistas mumi cados nas arcaicas edito-
rias com interesses comerciais. Vemos hoje tentativas da TV de incorporar linguagens de internet (Adnet é um bom exemplo). Antes ti-
nha um papo de “isso é coisa pra internet”.
Acabou. Ninguém entra mais na internet. A vida é uma internet.E diante de toda essa loucura, a primeira tentativa é a mais banal: protecionismo.CBF peitando a Primeira Liga
com ame- acinha coronelista, boba, colegial. TV’s tentando apavorar a Net ix. Processos contra o Whatsapp.Taxistas en ando porrada no motorista do Uber.
Em vão. É tipo o velho casamento, que só se mantinha por causa de um papel. Separar
era feio, e isso protegia a instituição casamento (e nos bastidores todo mundo fazia de
tudo). Protecionismo é coisa do século velho. O negócio é: Entenda a mudança e, como
diz a Dori pro Nemo, o peixe: “Continue a Nadar”
53
FUNDAMENTOS DO DESIGN Perdemos, playboy. O seu jeito de fazer
não funciona mais. O que você faz será feito
de outro jeito. A proposta de valor da sua empresa não será a mesma. A ferramenta não
startup, academia, engenharia, tudo! Chamar
a responsa. Percebemos e repensamos. Ganhamos uma nova vida.
Muito mais legal, inspiradora, e em busca
será a mesma. A estrutura da empresa ou ne-
de ter maior relevância. Uma vida que quer
velho planejamento e o planejar não funcio-
democrático, orgânico e de possibili- dades
cessidade dos clientes não será a mesma.O nam mais.
Mas cá entre nós, que tesão viver nesse
mundo, não? Nunca foi tão fácil aprender. Nunca foi tão acessível se conectar com gen-
te que pode ajudar. Nunca foi tão interessante mensurar Nunca foi permitido errar como se pode errar e corrigir hoje. Nunca foi tão
convidativo e rápido mudar, rever, construir. Enfim. A mudança é forte e rápida. De alguma maneira, ela irá chegar até você.
E por isso você já está demitido. Demiti-
do do seu velho você. Do que ele fazia, pensava e agia. E, na minha opinião, esse é o primeiro passo para que alguma transforma-
ção aconteça. Precisamos pro ssionais pra
transformar, por exemplo, as agências. Dar uma nova perspectiva, sustentabilidade e re-
levância na vida das (novas) compa- nhias.
Resgatar o respeito, o papel, a estratégia, o espaço, o talento, a motivação. Vamos assis-
tir todo mundo querendo ir trabalhar em qualquer outra coisa? A fonte secar?
Saber que estamos ameaçados pode ser
se plugar num mundo mais exível, inspirador, in nitas. Sem a demissão, nada aconteceria.
Semana que vem, um projeto que faço parte
vai pro ar. Pra inspirar a gente a repensar a gente. A nal, esse mundo dá, ao mesmo tempo, medo e tesão.
A questão é: Você vai abraçar sua demis-
são virtual e começar a tentar mudar? Ajudar sua empresa nisso? Caminhar, evoluir? O resto é fé. E choro.”
A estrutura da empresa ou necessidade dos clientes não será a mesma. O velho planejamento e o planejar não funcionam mais.
um combustível pra nos fazer acor- dar mais cedo, prototipar coisas, tentar o que ninguém tentou. Inverter ou subverter a lógica. Cruzar
agência de propaganda, lab de inovação,
54
À direita: Coco Chanel e Karl Langerfeld
FUNDAMENTOS DO DESIGN CASO CHANEL
A marca Chanel foi revolucionária desde
sua abertura quando era apenas uma pequena
loja de chapéus em Paris. Sua criadora, Coco Chanel (apelido de Gabrielle), revolucionou a moda após uma necessidade de transformação pós guerra e a escassez de tecidos e a neces-
sidade do surgimento de novas modelagens no
mercado, com cortes mais retos e tecidos mais confortáveis.
A marca precisou passar por diversas mu-
danças ao longo de sua existência. Após um grande escândalo durante a Segunda Guerra,
onde Gabrielle se envolveu com um oficial na-
zista, e foi acusada de ser uma espiã do partido,
a marca Chanel foi fechada, e com termino da guerra sua criadora foi obrigada a cumprir exílio po oito anos na Suíça.
Foi apenas em 1950 que a marca conseguiu
se reintegrar no mercado, apartir de uma estra-
tégia de negócios estabelecido por Pierre Wertheimer, e a inclusão de novos segmentos para
a marca, como a joalheiria e o ramo de bolsas feitas com novos materiais, como o couro. Essa
era durou até 1971 com sua morte, e foi apenas em 1983 que a marca se repaginou novamente com a entrada de Karl Langerfeld. Foi apartir da
entrada do novo designer e da repaginação dos
modelos originais de Coco que a Chanel conseguiu abrir 10 novas maisons em 10 anos nos anos de 1980.
56
À direita Coco Chanel em produção Página posterior desfile Chanel por Karl Langerfeld
4 REPRESENTAÇÃO GRÁFICA
a alfabetização visual no design
FUNDAMENTOS DO DESIGN
Temos a tendência de pensar sobre design gráfico em termos de bens finalizados: um cartaz, logotipo, layout ou site executados com minúcia e destreza. No entanto, o design gráfico é também um processo. O design de um artefato surge de um conjunto de perguntas cujas respostas muitas vezes ficam perdidas na obscuridade até que uma solução venha à tona.
Ellen Lupton
A
por Ian Noble e Russell Bestley alfabetização em design, ou alfabeti-
Princípios como a Gestalt – que significa
zação visual na prática do design, é uma
o todo unificado, oriundo da psicologia e do
envolvido na criação de comunicação visual.
humana se comporta – estão no cerne do de-
preocupação fundamental para quem está O entendimento das inter-relações entre as
considerações formais de forma, cor, organização e composição e os sinais culturais
embutidos na comunicação gráfica está no cerne das abordagens bem-sucedidas e eficazes ao design. Embora seja difícil apontar
um corpo de conhecimento considerável que pudesse constituir uma epistemologia do de-
entendimento de como a percepção visual sign gráfico. As formas como os elementos
visuais formam um design são capazes de comunicar de maneira mais ou menos eficaz dependem, em grande parte, de uma série
de fatores que são descritos por alguns dos princípios definidores da Gestalt e da percepção.
Essa análise da forma e das relações
sign gráfico, em especial teorias e ideias que
dentro de uma composição tem como base
criar design, é razoável aceitar que muitos
conceito como fechamento, semelhança,
estejam diretamente relacionadas ao ato de dos aspectos formais do design estão funda-
mentados em uma vasta gama de ideias e teorias subjacentes.
62
o pensamento sobre design em termos de
proxi midade, simetria e continuidade. Essas ideias, extraídas de um ramo da psicologia
em relação aos anos 20 que tem sua base no holístico, podem ser
e decodificadas por públicos específicos de-
do que a soma de suas partes.
cação e idade, por exemplo.
descritas, em geral, como o todo sendo maior Há muitas outras ideias significativas que
pendendo de aspectos comoformação, eduIsso possui conotações mais amplas para
podem ser incorporadas a partir de áreas
o designer que está diante da tarefa de criar
consideradas úteis para descrever as bases
discernível, mas que, para ser eficaz, precisa
fora do design e que poderiam também ser de uma abordagem rigorosa à alfabetização
visual / em design. Essas ideias podem ser
classificadas como pertinentes à composição, à cor, aos materiais e à forma.
O grid ou sistema de trabalho base de um
projeto – uma estrutura criada para garantir a harmonia e consistência interna de um layout de um livro ou cartaz – pode ser pensado
usando ideias relacionadas à razão áurea, também conhecida como “proporção áurea” ou “número áureo”.
uma comunicação visual que seja atraente e também construir mensagens que possam
ser amplamente compreendidas. Isso depen-
de da empatia de cada designer, bem como de seu conhecimento acerca do público com quem pretende se comunicar. Saber como os
componentes individuais que formam uma mensagem criada por meio do design serão
entendidos ou especificadamente interpretados é crucial para garantir que o sentido pretendido seja, de fato, comunicado.
Forma e cor, por exemplo, e como elas são
Outras áreas importantes da alfabetiza-
entendidas, não são baseadas em conven-
a cor é utilizada dentro de uma composição
tação. O estudo dessa questão é conhecido
ção em design envolvem a questão de como
geral. Embora a seleção inteligente de paletas de cores e de combinações de cores pos-
sa ser empregada para criar um design esteticamente agradável para o espectador, ela também pode funcionar para enfatizar hie-
rarquias, estruturas e relações. Essas utilizações de cor estão diretamente relacionadas à composição formal dentro do design gráfico, mas há também uma questão mais complexa
que requer outra forma de alfabetização visual por parte do designer. Essa questão diz
respeito ao campo da associação cultural e à forma como as mensagens são codificadas
ções universais e estão abertas à interprecomo semiótica e está relacionado também a áreas como imagem e texto. A semiótica,
ou semiologia, pode ser compreendida como a ciência dos signos e de como eles operam
no mundo. Pode ser entendida também em termos de conotação e denotação: a relação
entre o sentido literal ou primário de algo e seu sentido interpretado ou secundário.
O entendimento de relação entre os matérias empregados em um design e a mensagem que é “transmitida” é um fator significativo que pode ser explicado pela teoria das affordances. Essa teoria está relacionada às
63
FUNDAMENTOS DO DESIGN propriedades físicas empregadas em um design – sua “materialidade”. Por exemplo, a formatação e a capa de um livro criam um efeito ou resposta emocional no usuário, seja pela escolha dos materiais empregados, pela forma ou escala do livro ou pelo uso de ilustrações ou fotografias. Embora a fotografia ou reprodução, por si só, não possibilite affordance alguma, ela desencadeia uma associação com a affordance do objeto na mente do espectador. Seria fácil pensar em alfabetização visual em design como algo que diz respeito apenas aos aspectos formais da composição, mas para que um design funcione de maneira eficaz, um conjunto mais amplo de aspectos culturais deve ser compreendido para garantir que os processos de interpretação e denotação estejam igualmente integrados a uma abordagem geral à comunicação visual. Esses entendimentos formam as bases a partir das quais é possível criar um projeto eficaz.
Página Anterior página revista e capa da revista Elite Style À direita capas da revista Vogue da época de 1920
66
5 TIPOGRAFIA e suas metรกforas
FUNDAMENTOS DO DESIGN
I
ñigo Jerez em seu livro Cuatro matices de
testo), será a melodia o que determinará nos-
tipografia. Entre elas seus principais funda-
infinitas versões e todas seriam válidas. Tan-
un stándar tipográfico cita as metaforas da
mentos de uso:
“Recorremos à metáforas para explicar
coisas complexas. A tipografia não é complexa, mas como em tantas outras disciplinas
técnicas as comparações nos ajudam a imaginar, relacionar, entender e explicar seu uso e seus processos criativos.
sa emoção ao escutá-la. Poderíamos compor
to se ela se harmoniza ou se contrasta com
o sentido da letra, a música afetará decisivamente nossa percepção da mensagem. Ten-
demos a padronizar e etiquetar (pop, rock, folk, etc.) mas afortunadamente as fronteiras entre os estilos [gêneros] são difusas.
E o mesmo ocorre com a tipografia, temos
Uma dessas metáforas é a música; po-
assumido algumas categorias formais mas
ambientes e transmitir emoções para a tipo-
pode parecer exagerada ou demasiado sutil
demos transladar sua capacidade para criar
grafia e sua capacidade para condicionar a
informação que transmite. Imaginemos uma canção e sua letra: seja qual seja a mensagem (transcendental, sentimental ou de pro-
70
podemos misturá-las. A metáfora da música – e ela é – e precisamente por isso me agrada. Seria perfeita se quando lemos essa música esteja apagada, ou no melhor dos casos ouví-la a um volume bem discreto.
em relação aos anos 20
71
FUNDAMENTOS DO DESIGN
72
em relação aos anos 20 Ou estarmos tão acostumados a ela que nem
gredientes: altura de X, largura, peso, con-
Outra metáfora interessante é a da voz.
etc. E o resultado é ótimo na medida em que
nos damos conta de que está tocando.
A tipografia é a voz por meio da qual recebe-
mos a mensagem impressa, e as caracterís-
ticas dessa voz condicionam o modo como a percebemos. Pensemos na TV e nos apresentadores dos telejornais. Porque todos se
traste, eixo, modulação, ligaduras e ligações as proporções e a qualidade da mistura se-
jam as corretas. Não é uma receita complicada, mas não podemos nos equivocar com o equilíbrio entre as partes.
Sem dúvida, mesmo tendo ingredientes
parecem tanto entre si? Têm uma expressão
tão básicos, as formas e variedades do pão
vel, um tom de voz neutro e uma modulação
nais iguais: um pouco a mais ou a menos de
corporal contida, uma vocalização impecáperfeita.
Nos comunicam as mensagens
com clareza sem transmitir emoção. São fo-
togênicos, estão discretamente maquiados e são muito convencionais com suas roupas, e mesmo que de vez em quando algo fuja
dessas normas como a estampa de uma gra-
são quase infinitas. Não há dois pães artesa-
sal, o tipo da farinha, a qualidade da água, a temperatura do forno, o tempo de cocção, a
técnica de amassar… Uma pequena mudança na receita, nos ingredientes ou na elaboração fará que o resultado seja diferente.
Com a tipografia acontece o mesmo que
vata, é bem provável que nem nos demos
com o pão, levamos cinco séculos combi-
acostumamos a um padrão “lógico” e “confi-
variáveis, e apesar dos resultados serem
conta disso. Todos se parecem porque nos
ável” com o qual nos sentimos confortáveis,
e que consegue nos fazer crer que não têm influencia sobre as notícias.
Quando selecionamos uma
tipografia
definimos uma voz, podemos ser neutros ou expressivos ,ou escolher entre a infinidade
nando os mesmos elementos, as mesmas parecidos, não encontraremos nunca duas
tipografias idênticas. Igualmente com o pão, quando não queremos complicar a vida esco-
lhemos o que já conhecemos e sabemos que vai funcionar.
E o que acontece com os pastéis? Nes-
de matizes que existem entre esses dois ex-
se caso além da farinha, água e fermento
criamos uma voz.
pressivos”, que abrirão novas possibilidades.
tremos. Quando desenhamos uma tipografia, Para mim a metáfora favorita é a do pão
e dos pastéis. Ao fazer pão sempre combi-
namos os mesmo elementos: água, farinha, fermento e sal. Ao desenhar uma tipografia
também amassamos sempre os mesmo in-
incorporamos outros ingredientes mais “exMas cuidado, não convém abusar de doces
e tortas e tampouco dos pastéis. Os pães correspondem às tipografias de texto corrido, aquelas de uso diário – o pão sem sal
73
FUNDAMENTOS DO DESIGN seria uma sem serifa, aquele com sal, as letras serifadas. E a pastelaria corresponderia
às tipografias display, esponjosas, cremosas doces, muito doces e inclusive exageradas. Podem alegrar nosso dia, mas não convém nos excedermos.”
A tipografia não é complexa, mas como em tantas outras disciplinas técnicas as comparações nos ajudam a imaginar, relacionar, entender e explicar seu uso e seus processos criativos. Páginas anteriores cartaz da
Salle Communale de Plainpalais
e cartaz do The Royal Mail Line
em Nova Iorque Á direita
Joseph Csaky, Exhibition poster,
Galerie Léonce Rosenberg, 1920
Página Posterior cartaz de divulgação do rário e cartaz de circo
74
Synder Bros.
6 PRODUÇÃO GRÁFICA seus processos e sua importância
FUNDAMENTOS DO DESIGN
H
por Katy Brighton
oje em dia, a palavra produção signifi-
tem mais controle sobre o processo, o que
mente redefinidas. Para resumir, a produção
com as constantes mudanças nas técnicas
ca muitas coisas, que estão sendo continuaé tudo o que precisa acontecer com o design antes dele ser executado.
Não faz muito tempo, especialistas trei-
nados em uma empresa de pré-impressão,
selecionadores de cor ou impressores, en-
carregavam-se do processo de produção. Os profissionais da pré-impressão cuidavam
da separação de cores, dos retoques, do tra-
pping (sobreposição de cores) e a composição tipográfica.
torna o design mais desafiador e complexo,
e nas tecnologias. Atualmente o designer é
exigido para tomar decisões bem fundamentadas, utilizando seus conhecimentos do processode produção. Essa compreensão
da produção vai fazer a diferença entre um grande design ou apenas um grande esforço perdido.
CONSEGUINDO O QUE VOCÊ QUER O projeto está pronto, e agora? Desde o
Agora, mais do que nunca, o designer
início, visualize o fim. Desenvolva um pensa-
parar para ter certeza do que o espera. Bem-
ja presente em cada passo do processo para
que gosta de fazer o melhor, precisa se pre-
-vindo à era digital. Os computadores revolucionaram o design. De repente,o designer
78
mento claro e preciso desde o princípio. Este-
transmitir e preservar a sua visão do design. Você é a pessoa mais indicada para transmi-
em relação aos anos 20
79
FUNDAMENTOS DO DESIGN tir as suas intenções. Saiba quais perguntas-
de máquina. Esta técnica permite a utilização
tativas e as de seu cliente ao se relacionar
sendo indicada para gramaturas de substra-
fazer, de modo a gerenciar as suas expec-
com seus fornecedores gráficos. Desenvolva
o relacionamento com ele para resolver qual-
de uma ampla gama de papéis e cartões, tos até 350 g/m2.
Flexografia — esse sistema é a menos
quer problema em potencial que possa sur-
dispendiosa das técnicas de impressão. Ca-
de criação, de modo que o seu design não
borracha ou polímero sendo que as áreas de
gir. Envolva-o desde o princípio no processo exceda nenhuma limitação ou capacidade
de produção. Essas parcerias vão prevenir
problemas sérios na impressão, evitar embaraços ou desapontamentos no acabamento,
e, por fim, vão viabilizar os resultados como planejado.
ENTENDA OS FUNDAMENTOS Conhecer as opções, e o que é possível
fazer, facilita a comunicação. Aprenda sobre os padrões da indústria. Identifique o melhor processo de impressão para seu projeto e
esteja familiarizado com esses métodos.
racteriza-se pelo uso de matrizes flexíveis de grafismo(imagens e/ou textos) em alto-relevo
e tintas fluidas voláteis que secam rapidamente e são aplicadasdiretamente no subs-
trato (papel, cartão ou plástico) e se distingue
pelas cores saturadas, e pelas quebras acen-
tuadas no gradiente de tons e vinhetas. As impressoras flexo imprimem várias cores em
uma só passada de máquina e esta técnica é adequada para produzir invólucros a vácuo,
caixas de sucos, sacos de batatas chips, caixas de cereais, recipientes de iogurte e encartes de jornais.
Rotogravura — técnica de impressão di-
Depois, escolha um impressor com base na
reta que utiliza uma matriz cilíndrica com as
atualizado, na confiabilidade e na disponibi-
transferindo a tinta diretamente ao substrato.
reputação, na experiência, no equipamento lidade. As principais técnicas de impressão disponíveis são:
Offset — técnica de impressão planográ-
fica pelo qual a tinta é depositada na área de grafismo da
matriz de impressão (placa de alumínio) que é transferida para o substrato (papel ou car-
tão) por uma superfície emborrachada (blanqueta). As impressoras offset comerciais, em geral, imprime até 10 cores em cada passada
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áreas de grafismo gravadas em baixo-relevo Caracteriza-se pelas fortes cores saturadas e
pelos ciclos ligeiramente irregulares. Permite
imprimir em várias cores sobre filmes flexíveis e transparentes. A rotogravura também é ideal para a impressão de caixas de papelão,
permitindo as operações de corte e vinco,
gravações em relevo e hot-stamping (aplicação de película metálica a quente) por meio de dispositivos próprios posicionados em linha na saída da impressora.
em relação aos anos 20
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FUNDAMENTOS DO DESIGN Impressão
tipográfica/letterpress
—
que precisam ser tomadas para acrescentar
textos e/ou ilustrações a partir de uma matriz
Revestimento — trata-se do processo de
técnica de impressão utilizada para imprimir
os toques de acabamento ao seu design:
em alto-relevo que é entintada nas partes al-
aplicação de um produto protetor sobre uma
o substrato, que pode ser papel ou cartão.
lidade de proteger ou destacar uma superfí-
tas e transferevo grafismo diretamente para É uma técnica em desuso comercialmente. Tem sido utilizada para a impressão rápida de anúncios, convites e artigos de papelaria.
Serigrafia — técnica de impressão que
utiliza uma tela de tecido, plástico ou metal
permeável à tinta nas áreas de grafismos e impermeável nas áreas de contragrafismo.
A tinta é espalhada sobre a tela e forçada
por uma lâmina de borracha através das malhas abertas até atingir o substrato. Trata-se
substrato impresso ou não. Tem a dupla fina-
cie. Por exemplo: em uma capa de livro você pode aplicar a laminação a quente (BOPP) para proteger a área impressa do manuseio
do leitor. Nesta mesma capa é possível aplicar verniz UV em relevo, para destacar áreas específicas de seu design. Há inúmeras
possibilidades de materiais e uso na área
dos revestimentos. Consulte o seu fornecedor gráfico.
Gravação em relevo — é um processo
de uma técnica versátil que permite imprimir
que utiliza placas de metal para imprimir ima-
superfícies irregulares ou curvas.
design. A gravação pode ser em baixo-relevo
sobre uma infinidade de materiais além de Impressão digital — também conhecida
como impressão sob demanda, está ganhan-
do mercado. Esta técnica utilizada impres-
soras digitais de grande porte. O grafismo é
gens ou texto em uma área específica de seu ou em alto-relevo, também é um processo
muito utilizado para livros de capa dura e nas sobrecapas em geral.
Estampagem a quente — processo de
gerado a partir de um arquivo digital. É par-
aplicação de películas metálicas (ouro, prata
cessitem de impressões rápidas e de baixa
forte pressão e calor transfere imagem ou
ticularmente indicada para projetos que netiragem, ou tenham cronogramas apertados
e possuam dados variáveis, como em malas diretas.
OPÇÕES DE ACABAMENTOS GRÁFICOS Você encontrou o impressor, escolheu o
substrato, especificou as cores. Agora vem a parte divertida: uma infinidade de decisões
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etc.) por meio de placas de metal que sobre texto para áreas específicas de seu design.
Corte e vinco — processo pelo qual o pa-
pel ou cartão é cortado em formato e áreas
específicas por meio de lâminas de aço especialmente desenha e montada sobre uma
base de madeira. É um processo muito utili-
zado para a produção de embalagens, rótulos, etiquetas etc.
FUNDAMENTOS DO DESIGN Vincagem — processo semelhante ao
etapa de produção. Ela é a antecipação do
sulcos em uma área específica do seu design
cada cenário considerado. Os relacionamen-
corte e vinco que consiste na formação de para tornar a dobradura mais fácil e impedir que o papel quebre quando for manuseado.
Por exemplo, o sulco que normalmente existe na capa de um livro ao longo da lombada.
Dobra — processo que utiliza máquinas
especiais para dar formato final a uma folha de papel impressa. Por exemplo, para impri-
design.Cada passo precisa ser executado e
tos foram desenvolvidos,e alguns problemas
foram evitados, embora outros tenham sido
reconhecidos como oportunidades expressivas. Bravo! A jornada rumo à preservação da
integridade do design começa com um designer bem informado.
mir as páginas internas de um livro (miolo)
a gráfica, normalmente, monta suas matrizes de impressão (chapas) com 16 páginas. Lembre-se de que a folha de papel é impres-
sa nos dois lados (frente e verso); portanto, ao final do processo de impressão se obtém uma folha impressa com 32 páginas do conteúdo do livro. O processo de dobra transforma esta folha no que é chamado caderno.
Encadernação — processo utilizado para
juntar os vários cadernos de livros, brochu-
ras, folhetos etc. Existem vários de tipos de
encadernação. Há encadernação com cos-
tura, cola quente ou fria, grampos de metal,
com espiral plástica, com anéis de aço etc. Sua escolha vai depender do número de pá-
O design não se materializaria sem a etapa de produção. Ela é a antecipação do design.
ginas, da gramatura do papel e também de
como o seu material impresso será usado.
Consulte sempreo seu fornecedor gráfico so-
bre qual o método de encadernação é mais adequado para seu projeto.
FAZENDO AS COISAS ACONTECEREM O design não se materializaria sem a
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Páginas anteriores embalagens em flexografia e Oregon travel brochure de 1920—1930 Embalagem Tiffany Original Shipping Barrel Á direita caixa da Lyons’ Chocalate Bars
7 PROJETO GRÁFICO a necessidade do grid na criação
FUNDAMENTOS DO DESIGN
O
formato do livro define as proporções
sidade. Argumentam que é um dispositivo
divisões internas; o layout estabelece a po-
ao conteúdo, se posta entre a experiência da
externas da página; a grade determina suas sição a ser ocupada pelos elementos. O uso da grade proporciona consistência ao livro,
tornando coerente toda a sua forma. Os designers que usam grades partem da pre-
missa que tal coerência visual permite que
desnecessário que, longe de dar sustentação leitura e as intenções do autor. A consistência não é uma vantagem, mas um prejuízo,
limitando o layout da página a um conjunto previsível de soluções visuais.
A exploração e a rejeição da grade for-
o leitor concentre-se no conteúdo, em detri-
mam os dois pólos entre os quais se erguem
página (texto ou imagem) tem uma relação
clinam-se no sentido do racionalismo formal
mento da forma. Cada um dos elementos da
visual com todos os outros elementos: a grade fornece um mecanismo pelo qual essas relações podem ser formalizadas.
Recentemente, um grupo designers pas-
sou a desafiar as convenções da grade e, em alguns casos, a questionar sua real neces-
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uma série de abordagens. Algumas delas ine comedido; outras na direção ao expressivo e ao evocativo.
O desenvolvimento das grades de livros
ao longo do tempo é uma história de acréscimos, em lugar de substituições. Atualmente certos designers estão fazendo uso de con-
em relação aos anos 20 venções medievais, enquanto outros favorecem abordagens derivadas do modernismo
da década de 1920. Os sistemas básicos de grade determinam as larguras das margens; as proporções da mancha; o número, comprimento e profundidade das colunas; além da largura dos intervalos entre elas. Os siste-
mas de grade mais complexos definem uma grade para as linhas de base sobre a qual as
letras serão assentadas e podem determinar o formato das imagens, além da posição dos
títulos, números das páginas, notas de rodapé etc.
SIMÉTRICO OU ASSIMÉTRICO A primeira decisão relativa à mancha de
texto de uma página espelhada é perguntar-se se ela deverá ser simétrica ou assimétri-
ca? A maioria dos livros encadernados, mas não produzidos em escala, como teses aca-
dêmicas e outros livros artesanais, têm formato simétrico em torno da calha central. As grades simétricas, as favoritas dos escribas
medievais, reforçavam a simetria natural do
livro. A página esquerda do manuscrito era uma imagem espelhada da página direita do
mesmo. As páginas assimétricas, como o próprio nome indica, não possuem linha de simetria em relação à área de texto.
GRADES BASEADOS NA GEOMETRIA Muitos dos livros antigos impressos exi-
bem sistemas de grade baseados na construção geométrica em lugar das relacionadas
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FUNDAMENTOS DO DESIGN
Páginas anteriores capa edição The Great Gatsby de 1920 de F.Scott Fitzgerald À esquerda capa edição de 1920 do livro My ManJeeves de P.G. Wodehouse
90
em relação aos anos 20 com uma determinada medida. Nos séculos
XV e XVI, a Europa não tinha um sistema preciso de medição padronizada; as varetas de medição eram rudimentares e os tamanhos
dos tipos eram inventados por cada impressor. Em seguida irá se examinar as grades construídas geometricamente.
DEFININDO A ÁREA DE TEXTO COM UMA MOLDURA SIMPLES Talvez a maneira mais simples de criar
uma mancha simétrica seja definir margens iguais em torno de toda a página, formando uma moldura simples. Essa abordagem fun-
cional é utilizada por designers como Derek Birdsall, que freqüentemente usa margens
internas e externas com a mesma largura. A quantidade de páginas assim como a for-
ma de acabamento a ser utilizada, devem ser cuidadosamente analisadas, a fim de se evitar que a área da moldura seja espremida pelo limite da margem interior.
PROPORÇÕES COMUNS PARA FORMATO E CAIXA DE TEXTO Uma área de texto retangular que compar-
tilha das proporções do formato é facilmente criada pelo desenho de duas diagonais atra-
vés da página e da elaboração de um novo
retângulo com cantos que intersectam as diagonais. Uma página em formato retrato, desenhada dessa maneira, tem margens superior e inferior igualmente profundas e exibe margens dianteira e interna mais estreitas,
No entanto, todo livro é feito por pessoas criativas que se detiveram em cada aspecto de sua feitura, desde o tamanho das páginas até o design da capa à forma de encadernação e o papel. combinando. Os designers que optam por esta abordagem geralmente empreendem
aprimoramentos visuais transportando a caixa de texto na direção da margem interna e
levantando-a no sentido da margem superior. Ao trabalhar dessa forma, são criadas quatro
dimensões de margem e o designer fará uma análise visual dos comprimentos adequados.
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FUNDAMENTOS DO DESIGN JUSTIFICADO
CENTRALIZADO
Este é o formato padrão para livros com
Estático e clássico, o texto centralizado
bastante texto (manchas grandes). O texto
costuma ser usado para títulos de página,
é altamente econômico, porque o software
formal do texto centralizado também o tor-
justificado parece organizado na página, e de edição usa hifenização e também ajusta
o espaçamento entre palavras e letras a fim de incluir o número máximo de palavras em cada linha. Se o comprimento de sua linha
é pequeno, a hifenização e o espaçamento
serão variáveis e desiguais, como se vê em jornais, que com
frequência têm grandes
espaços e muitas linhas hifenizadas em um único parágrafo.
ALINHADO À ESQUERDA A disposição do texto com uma margem
títulos de capítulo e dedicatórias.O caráter na adequado para convites de casamento,
inscrições em túmulos e o tipo de verso que aparece dentro de cartões sociais.Ao usar o texto centralizado, o designer em geral quebra linhas de acordo com o sentido, co-
locando palavras ou frases importantes em
linhas isoladas.Esse tipo de disposição tem frequentemente um espaçamento generoso entre as linhas.
ALINHADO À DIREITA Essa disposição pode ser muito útil para
irregular do lado direito da coluna passou a
criar legendas, notas à margem, e outros
à esquerda é considerado moderno por ser
gem direita regular pode ser usada para criar
da linguagem ajude a determinar o arranjo
ca entre diferentes elementos da página.
ser comum no século XX. O texto alinhado
recursos tipográficos com bom gosto. A mar-
simétrico e orgânico, permitindo que o fluxo
uma noção de afinidade ou atração magnéti-
tipográfico. O texto com nivelamento
à esquerda funciona bem com colunas
mais estreitas. O designer deve prestar muita atenção, no entanto, à aparência do recorte,
TIPOGRAFIAS TRADICIONAIS PARA TEXTOS Muitos tipos foram criados especialmente
ou da margem desalinhada. O recorte deve
para serem usados em livros, incluindo fa-
cer plano ou uniforme nem assumir formatos
e Jenson, que estão disponíveis em versões
pranchas afundando.
mente redesenhadas para refletir suas ori-
parecer irregular e natural; não deve pare-
mílias tradicionais como Garamond, Caslon
reconhecíveis como luas, zigue-zagues ou
digitais modernas que têm sido cuidadosagens históricas. Os livros também podem ser produzidos com fontes sem serifa, como a Futura e a Helvética.
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em relação aos anos 20
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em relação aos anos 20
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