segredos
da Marquesa e do Pantofe
E como o tempo passa
Nascida em Março de 1959 Natural do Monte Estoril Curso Enfermagem Geral na Artur Ravara Admissão nos Hospitais Civis de Lisboa, Março 1980 Hospital São José, (Serviço Urgência, UUC, UUM) Hospital Santa Marta (Bloco Operatório e Serviço Cirurgia Cardiotoracica) Especialização de Enfermagem em Saúde Infantil e Pediátrica . Maria Fernanda Resende Curso Estudos Superiores Especializados em Administração Serviços Enfermagem, Maria Fernanda Resende Pós-Graduação em Ciências de Enfermagem, Universidade Católica Estágio Gestão Serviços Enfermagem, Nebraska Medical Hospital, Omaha Atualmente no Hospital Cruz Vermelha, desde 1998
Deixo muita coisa para o amanh達 Mas o amanh達 pode nunca chegar HelLag
Autora HelLag
Conceção Gráfica e Fotografia Helena Figueiredo Lagartinho Edição Limitada Impressão Particular IV Congresso Ordem Enfermeiros Exemplar Versão Magazine Ensaio de Livro
Maio 2015 © All Rights Reserved segredosdamarquesaedopantofe@gmail.com
Para ti, para ti, para ti também
Dedico este livro a todas(os) as(os) colegas Que exercem a profissão de enfermagem Com competência e (com)paixão Com sorriso na cara mesmo quando chora por dentro Nas noites frias em corredores escuros e silenciosos Sob o calor escaldante das luzes do bloco No quarto bem decorado repleto de sofrimento Na criança que chora pela mãe ausente No adolescente confuso com tudo o que se passa ao seu redor Na grávida que acaricia a barriga depois de um forte pontapé Na puérpera que beija sem parar as bochechas do seu bebé Na senhora que se sente mutilada mas já não consegue chorar No senhor que recuperou os sentidos e sorriu com o olhar Na idosa abandonada pela família No idoso que não sabe quem é Em todos os que precisam dos seus cuidados diferenciados Da sua simpatia e empatia Dos seus gestos suaves mas precisos Dos seus conhecimentos aplicados com sabedoria e sensatez Da essência de Enfermagem
Prólogo Duas enfermeiras, a Núria e a Lucília. Duas formações distintas mas o mesmo alvo de atenção. Duas diferentes gerações mas igual determinação. Quiçá as mesmas emoções, semelhantes vivências profissionais, as lágrimas igualmente salgadas, os sorrisos abertos e sinceros, os olhares perspicazes. Núria e Lucília cruzam-se numa vida singular mas particular, recheada de momentos marcantes, de momentos alegres e dolorosos, de sorrisos e lágrimas, as delas e as de outros, em silêncios escondidos e reservados apenas a quem convive com aqueles segredos, os segredos bem escondidos entre a Senhora Marquesa e seu companheiro de sempre, o Senhor Pantofe. Núria e Lucília recriam diversos momentos de vida profissional e pessoal, despertam sentimentos que nunca sentiram mas observaram intensamente como se delas fossem também, recordam o que outros viveram mas que sentiram na pele, revelam os sentimentos que sentiram e que julgaram esquecidos e adormecidos para sempre, transmitem o que não viveram mas imaginaram, inventam a realidade como sendo sonhos ou pesadelos. Núria e Lucília atreveram-se! Juntaram palavras a fotos, ou as fotos a palavras, numa sequência desordenada, aparentemente sem nexo ou ligação, quiçá ao acaso. Ou talvez não! Serão os sentimentos, que nas palavras se pretendem exprimidos que precedem as fotos, ou são estas que despoletaram um mar imenso de palavras soltas recriando sentimentos e emoções? Serão imagens de sentimentos recriados ou do real imaginadas? Me dirão! Porque nem eu própria sei!
Lucília já era enfermeira
Chegara o dia que tanto esperara O dia em que passaria a ser enfermeira 27 de Março ficaria para sempre na sua mente Lucília agora era a “Sra Enfermeira Lucília Barata” Não julgara que conseguiria um lugar naquele serviço Numa altura em que os mais jovens não arranjavam emprego Inscrevera-se em vários hospitais, principalmente naqueles onde estagiara Esperança vã que se lembrariam dela Insistia, insistia mas as respostas eram sempre as mesmas, quando respostas havia Até que um dia, o telefone tocou e seu coração quase parou Entrevista inesperada, marcada para o dia seguinte Presente quinze minutos antes da hora, não fossem se esquecer dela Vencimento apresentado, quarenta horas por semana Contrato de prestação de serviços, sem subsídios de férias ou de natal Não, não era bem o que desejara mas tinha de aceitar Os tempos atuais assim ditavam as regras Talvez um dia, talvez um dia lhe propusessem um contrato a tempo certo Talvez um dia Mas agora, agora o que queria era começar a trabalhar E dedicar-se de corpo e alma E assim, no dia 27, bem fardada e cheirosa, apresentou-se ao serviço Núria a esperava, a “Sra Enfermeira Chefe Núria Cruz” De sorriso aberto, Núria proferiu “Bom dia, seja bem vinda” E ali ficaram no gabinete a falar, como se dum primeiro encontro amoroso se tratasse Lucília estava ligeiramente nervosa, com borboletas no estômago Mas ansiosa por iniciar o caminho Agora era enfermeira e tinha de o demonstrar Acendam-se as luzes e vamos começar
Núria acreditava nos jovens
Núria era enfermeira há mais de quarenta anos Ainda se lembrava do seu primeiro dia de trabalho Numa época em que era tão fácil encontrar trabalho Até mesmo escolher o serviço como o serviço onde tinha estagiado Outros tempos, outras condições, diria mesmo, época irrepetível Núria vivenciara de tudo um pouco Dos tempos em que tudo parecia equilibrado, quiçá não o era Aos tempos desequilibrados de tanta falta de enfermeiros Duplos empregos tão fáceis de arranjar O sentido de responsabilidade parecia desvanecido Um alerta ou chamada de atenção, despoletava um “adeus, não volto mais” O dia seguinte angustiado, uma ausência desesperante Outros tempos E a falta de enfermeiros desencadeou uma corrida desenfreada De formação em quantidade, custasse o que custasse Mais enfermeiros, mais enfermeiros, mais enfermeiros Emergiram escolas como fossem cogumelos selvagens em floresta desbravada Aqui, ali e acolá e se necessário fosse no “acoli” também De norte a sul do país Agora, agora nada era como dantes Alguma vez poderia pensar em tal desemprego na enfermagem Na verdade, nunca pensara ser possível tanto desemprego no país Núria não se sentia o “velho do Restelo”, “que no seu tempo é que era bom” Nada disso! Acreditava nos jovens, nos seus sonhos, nas suas potencialidades Acreditava também que os podia ajudar a crescer sem os limitar na criatividade E como ficava radiante quando lhe entregavam jovens enfermeiros para a equipa Hoje seria mais um desses dias Receberia a Lucília Barata, uma nova enfermeira no serviço
Núria receberia mais uma jovem enfermeira no serviço
Núria e Lucília atreveram-se
E a enfermeira chefe Núria Cruz, aqui a Núria E a enfermeira Lucília Barata, aqui apenas Lucília Ambas enfermeiras Começavam juntas um novo caminho Lado a lado na profissão De épocas diferentes, de idades distintas Mas igual determinação E o mesmo alvo de atenção Núria e Lucília iriam viver e partilhar momentos Momentos marcantes Momentos que agora querem partilhar, recriar, sentir de novo Uns são tristes e dolorosos, outros alegres e coloridos Uns recriaram, outros sonharam e mais outros tantos inventaram Ou seria a realidade dura de encarar para se precisar de imaginação Seria a imaginação a arma para enfrentar a realidade? Sentimentos misturados, triturados pela realidade e adoçados pela imaginação Ou terá sido ao contrário? Mas são momentos, serão sempre momentos retalhados de vidas Momentos de Rosas, Edites, Mafaldas, Bernardos, Fernandas, Edmundos De tantas Marias e Antónios De famílias Silvas, Antunes, Paivas, Dias ou Magalhães De tantas alegrias mas também de desilusões Histórias de vida em flash Lado a lado Começavam um novo percurso As enfermeiras Núria e Lucília Atreveram-se!
A Mafalda sonhou
Mafalda ali estava novamente Confiava plenamente no trabalho daquela equipa No empenho e dedicação Sabia mesmo que eles davam tudo por tudo E nunca escondiam nada Como eles eram diferentes de tantos outros que conhecera Confiava neles porque eles não mentiam Não falavam de falsas expetativas ou objetivos inatingíveis Nem de tortuosas e incompreensíveis estatísticas Confiava neles porque eles diziam a verdade Ainda que dura e crua Mas de forma compassiva, como só eles sabiam fazer Mafalda sentia angústia mas agora nada podia fazer As luzes acenderam-se e tudo de novo ia acontecer Mais uma vez nas suas mãos Novamente se entregava Apertou uma mão amiga antes de adormecer naquele sono forçado Fechou os olhos e deixou-se levar para o desconhecido Naquela estranha sensação de levitação Não sendo este o seu primeiro sono forçado Tudo parecia sempre novo, não sabia como se habituar Mafalda apenas podia aceitar o que lhe estava a acontecer E Mafalda sonhou Sonhou que se iria curar E não mais iria confidenciar com a dura Senhora Marquesa Nem sentir o calor sufocante do Senhor Pantofe Sabia apenas que teriam segredos, segredos íntimos Que nunca iriam partilhar
Mafalda fechou os olhos e deixou-se levar para o desconhecido
A Rosa que não queria mais ser Rosa
Com o decorrer do tempo, Rosa foi aceitando ser invisível Rosa foi renegando a sua condição de mulher Invisível na amizade, no amor, na paixão Como fora diferente o primeiro ano de casada! Os passeios aos domingos à beira-mar, as mãos entrelaçadas, O carinho pela manhã, o beijo na testa ao deitar O abraço de despedida antes de sair para o emprego Agora tudo mudara e Rosa sentia-se invisível Empenhara-se no trabalho, no voluntariado e na pintura Como as telas expressavam o seu novo estado de alma Em desencontros da tinta e do traço Mas de um dia para o outro, Rosa deixara de ser invisível! Não compreendia o que se passava na mente de Marco De invisível, Rosa passou a ser para Marco, a droga da sua frustração O que Rosa pensara nunca vir a acontecer com ela O que julgara sequer nunca vir a aceitar, agora estava a viver como pesadelo se tratasse E agora Rosa até desejava ser novamente invisível Agora Marco a queria sempre, a toda a hora e em qualquer lugar Marco não a queria para beijar, abraçar ou simplesmente acariciar Marco agora queria Rosa para a marcar profundamente no corpo e alma Para fazer valer a sua força bruta, a sua virilidade animalesca E naqueles dolorosos minutos Rosa fechava os olhos, engolia os gritos de dor e as lágrimas sem sabor Iniciava uma contagem imaginária sem fim à vista E deixava sua alma e mente separarem-se do seu corpo Naqueles momentos, Rosa não era a Rosa Mas uma outra Rosa que nunca desejara ser Uma outra Rosa que julgara nunca viver Rosa não queria mais ser visível Rosa não queria mais ser novamente invisível Rosa só queria agora morrer
A Rosa, as Rosas, tantas Rosas, demais Rosas como esta Rosa amachucada
Margarida se entregou
Aquela luz tão forte que se abatia na Margarida Que a aquecia e confortava de forma enganadora Antes de adormecer para o desconhecido temido Olhou de frente, desafiadora Queria enfrentar o dragão de olhos ardentes Mas não aguentou a intensidade daquela luz Tão forte e brilhante que era Quase se sentia num espeto como” franganita” Aquela luz forçou-a a fechar os olhos Contrariada Mas a acreditar que estaria presente Quando de novo se abrissem seus olhos Regressados do sonho desconhecido Que esperava e desejava não ser pesadelo! Não queria acordar “chamuscada” E a luz se desvaneceu E ficou mais fraca, mais fraca, mais fraca E o seu brilho fulgurante, cada vez menos brilhante E Margarida mergulhou em sono pesado Que lhe foi obrigado Até ficar escuro como breu, como noite de lua nova Até ficar silêncio ensurdecedor E assim se entregou totalmente Qual frango derrotado Sem resistir Desejando que aquela luz e aquele calor Não lhe queimassem a alma Não lhe queimassem o corpo E não lhe roubassem o que era seu!
A luz forte que se abatia sobre Margarida, por fim se esvaneceu
Ensaios esvoaçantes de Eduarda
Ensaios esvoaçantes e estonteantes que rodopiavam freneticamente na sua mente Em sequência encadeada Quase desenfreada Muitas interferências internas e externas Mas sem perder os sentidos Dos sentidos mais apurados de Eduarda Ver o pássaro que voava sem voar Ouvir seu chilrear ritmado Tocar nas suas penas macias e coloridas Comer e sentir o paladar das migalhas de pão seco Cheirar o perfume que paira no ar Perfume de vida florida Perfume de vidas acabadas E sonhar Eduarda sonhava Só podia mesmo ser sonho Ou seria pesadelo sem o saber Sonhava com ensaios esvoaçantes Ensaios que rodopiavam freneticamente Na sua mente Na mente doente de Eduarda Que de tal nem desconfiava Em sequência encadeada Quase desenfreada Muitas interferências internas e externas Mas sem perder os sentidos Dos sentidos mais apurados de Eduarda Ensaios esvoaçantes e estonteantes
Eduarda sonhava com o pรกssaro que voavam sem voar, como ensaios esvoaรงantes
A Vitória e o anjo adormecido
Vitória estava perante um anjo Pele suave, branca como neve, caracóis de ouro, olhar atento e perspicaz Vitória não queria acreditar mas as asas não enganavam Queria falar com o anjo Mas o anjo adormeceu Cansado, esgotado, sem forças Lutara todo o dia contra demónios azuis, verdes, brancos, pretos Demónios fantasmas reais, daqueles que atormentam as reais pessoas Crianças, jovens, adultos ou idosos, os fantasmas maléficos não escolhem idades Matam-lhes a esperança da vida, deixando-os sem dinheiro para o essencial A casa que os abriga, a comida que os alimenta, a roupa que os aquece no inverno O anjo adormeceu Cansado, esgotado, sem forças Mas amanhã seria outro dia, um novo dia E o anjo lá estará a lutar contra os fantasmas maléficos azuis, verdes, brancos, pretos Vitória estava perante um anjo Um outro anjo Pele rugosa, negra como breu, fios brancos sem vida, olhar distante e vazio As asas feridas, rasgadas, amachucadas, sujas Lutas desiguais, frenéticas, dolorosas, sangrentas Mas os demónios não se importavam com os anjos Tinham vida diferente, esperança certa, dinheiro, poder, autoridade Casa quente, comida farta, roupa cara, carro de luxo, peles e anéis Vitória conhecia uns e outros, os fantasmas e os anjos E Vitória acreditava que haveria sempre anjos prontos a lutar Pela verdade, pela justiça Todos os dias, por todas as crianças, as mulheres e homens De cor branca, azul, amarela ou negra, não importa Vitória estava perante um anjo E o anjo adormeceu
Vit贸ria estava perante um anjo e o anjo adormeceu
Dar e receber sem nada querer, Florinda queria saber
O que vemos, retemos e marca-nos na mente e coração Mas o que marca mais? A cicatriz na mente ou a do coração? Fazemos o que a mente manda Ou o que coração sente? Que fazer quando a mente nos fala da razão Que fazer quando nos diz o que sente o coração? Florinda interrogava-se Mas porque não podem ser cúmplices companheiros e amigos Nesta viagem turbulenta que nos molda a vida e nos turva a visão Somos o que vimos e retemos dentro de nós Somos o que sentimos em toda a sua plenitude Mas o que fazer com o que vimos? O que fazer com o que sentimos? Retribuímos! Mas de que forma retribuímos o que nos foi dado? Florinda interrogava-se Damos o bem quando bem recebemos ou Damos o mal quando só mal nos fazem? Porque não retribuir com o que a alma sente? Essa alma que equilibra a mente e o coração Essa alma que alimenta, aquece e nutre Essa alma a que alguns chamam de consciência A que retribui sem se importar se algo vai receber A que retribui o bem quando só mal recebeu A que dá sem nada querer receber Simplesmente porque dar não é para receber Dar é dar sem com nada se importar Se algo irá receber Florinda já não se interrogava Florinda retribuía como podia e sabia Mas sempre de coração
Dar e receber sem nada querer dar com o coração
Anabela e o acidente
Anabela não mais esqueceria o acidente Aquele que lhe transformaria totalmente a vida A sua vida e a de todos os que a rodeavam com carinho Os pais, o marido, os seus dois filhos, os amigos O atual comportamento dos seus sogros surpreendera Anabela Nunca aceitaram o casamento de Anabela com o seu filho A “nossa pérola”, como lhe chamavam com ar empertigado Mas tudo mudara, a vida mudara para todos Agora olhavam-na de forma diferente Sim, Anabela sabia o que pensavam com aquele olhar Um olhar embaraçado, piedoso, quase culpado A vida tem destas coisas! Anabela estava confiante, tinha de estar, como não podia! Aquela não era mais uma operação, já se sujeitara a tantas outras Aquela era a operação! Explicaram-lhe detalhadamente o que iriam fazer Sem palavras complicadas ou incompreensíveis De estatísticas já estava farta de ouvir e como as sabia de cor Explicaram os riscos, o que poderia acontecer, o que iria sentir Explicaram enfaticamente o que nunca mais sentiria e nunca mais faria Mas Anabela confiava Tinha de confiar Aquela Aquela era a operação da sua vida Aquele momento era a sua vida futura E Anabela Anabela simplesmente confiava Anabela confiava Anabela queria esquecer o acidente Anabela queria viver
Anabela confiava, Anabela sabia que aquela operação era a operação da sua vida
Cai a gota
1 gota 2 gotas 3 gotas Gota a gota Cai a gota 1 segundo 2 segundos 3 segundos Segundo a segundo Passa o segundo 1 vida 2 vidas 3 vidas Vida a vida Mais uma vida Brilha a vida Vida salva A cada segundo A cada gota 1 gota 2 gotas 3 gotas
1 gota, 2 gotas, 3 gotas 1 segundo, 2 segundos, 3 segundos 1 vida, 2 vidas, 3 vidas
Rosalina e os anjos terrestres
Não falava de anjos invisíveis Daqueles que nos dizem em crianças, virem do céu Anjos de asas brancas, pálidos e cabelo prateado De maçãs do rosto rosadas e auréola dourada Rosalina falava dos anjos desta terra Daqueles de carne e osso De cor de pele caucasiana ou negra ou outra qualquer Daqueles, quiçá poucos mas compassivos Que não se acham anjos mas o são sem saber Pois os anjos não se vangloriam das boas ações que praticam Apenas existem, estão ali, ali ao pé de nós, para “o que der e vier” Estão aqui, ali e acolá e “acoli” também Os anjos estavam ali ao pé de Rosalina E Rosalina sentia-os sem os ver Porque o Senhor Pantofe a cegava com sua luz E a Senhora Marquesa a imobilizava com seus braços duros e fortes Mas Rosalina sabia que eles ali estavam, os anjos Rosalina sonhava com o cheiro a rosas e jasmim Rosalina agora sentia o cheiro intenso a maçãs Os anjos estavam ali Os anjos de carne e osso Os anjos que afinal não vêm do céu Uns protegem os outros E os outros se deixam proteger E Rosalina protegida se sentia Por aqueles anjos Os uns e os outros Não importava Rosalina sentia a presença dos seus anjos E para Rosalina Só isso contava
Rosalina sonhava com o cheiro a rosas e jasmim mas agora apenas sentia o cheiro intenso a maçãs
Estou aqui
Sim Estou aqui Sempre A toda a hora A todo o minuto A todo o segundo Neste lugar ou noutro qualquer De noite e de dia Em todos os momentos Nos mais fáceis ou aparentemente fáceis Nos mais difíceis, cruelmente difíceis Nos temerosamente dolorosos Nos mais descontraídos Custe o que custar Tenha dormido pouco ou muito Comido o que gostava e precisava ou nem por isso Tenha ceado com a família, adormecido seu filho Henrique ou nem isso! Ou prescindido do jantar de namorados, há tanto prometido Na ceia de Natal preterida com a família lá na terra No fim de ano esquecido com os amigos de sempre Em todos os momentos A toda hora A todo o minuto A todo o segundo Sim Estou aqui A teu lado Sempre teu lado Sempre Estarei aqui Sim
Sempre, a toda a hora, minuto ou segundo custe o que custar
Hei, estou aqui
Hei Estou aqui, sou o Bernardo Sossegado, silencioso, assustado No meio de todo este equipamento e luzes Hei Quero que me toques Que me acaricies Não, não, não quero que me toques assim Assim dói, dói, dói muito Vou chorar, vou chorar, se chorar pudesse Não, não quero esse toque Quero o outro, o outro O outro toque que tão bem sabes fazer e tão bem me faz sentir Sim Esse, esse, sim Que bom, que bom sentir a tua pele macia e quente Esse toque dá-me força e me conforta Me alivia e me aquece por dentro Esse toque que me agarra à vida Que me tranquiliza e me deixa dormir Hei Estou aqui Hei Sou o Bernardo Estou aqui E preciso de ti Fada boa vestida de branco Qual anjo sem asas
Preciso de ti, fada vestida de branco
Hei estou aqui sou o Bernardo
Vou chorar vou chorar, se chorar pudesse
A Ricardina que mentia pela verdade que queria
Ricardina finalmente chegara a casa Noite já cerrada, fria e ventosa Entrara de mansinho, sem fazer barulho Não queria acordar a sua filha Andreia que julgara já a dormir Atirou-se literalmente para o sofá da sala Qual saca de batatas ou criança malcriada Cansada Mais um dia passara, mais uma noite iria estar sem dormir Mas Andreia era como a “gata da mariana” Sempre atenta Ouviu os passos leves de Andreia a correrem no corredor Saltou para o seu colo e logo perguntou “o mano, como está o mano?” E Ricardina que não gostava de mentir mas assim o tinha de fazer, balbuciou: “o mano está bem, muito bem” Ricardina sabia não ser a verdade “verdadinha” Mas apenas uma piedosa mentirinha Ricardina sabia ser a verdade que tanto desejava Ricardina sabia ser a verdade que ansiava com todas as suas forças A verdade com que sonhava acordada todas as noites Com as forças que dariam força à verdade que tanto queria Verdade que seria a realidade futura com a força que tinha “quando o mano vem para casa?”, insistia Andreia E Ricardina Com a força que ainda tinha, respondia “Um dia, minha filha linda” “Um dia”!
“Um dia, minha filha linda, um dia o mano vem para casa�
Os pequenos grandes nadas
Os pequenos grandes nadas, os nadas que são tudo Manuela sabia do que falava João sabia do que precisava Mafalda do que sentia Alberto do que via Os pequenos grandes nadas Aqueles nadas Que podem e fazem toda a diferença Aqueles nadas Que julgavam poder sempre fazer Aqueles nadas Que lhes eram tão fáceis de executar Aqueles nadas Que pensavam nunca desaparecer Mas afinal Naquele momento de suas vidas Aqueles nadas Agora eram tudo Nadas preciosos como ouro Nadas que eram Afinal Tudo Manuela tinha sede João precisava de fazer a barba Mafalda queria mudar de posição Alberto apenas queria falar Nadas que afinal eram tudo Os pequenos grandes nadas, os nadas que são tudo
Os pequenos grandes nadas
Lucília e a batida do coração
Lucília completara 28 anos de idade e já trabalhava como enfermeira há 5 anos Os pais de Lucília sempre preferiram que a sua filha estudasse para medicina Ter uma filha médica era o sonho deles, como fizera o seu irmão Ricardo Que seguira os passos do avô paterno, médico reconhecido e prestigiado Daquela aldeia alentejana dos arredores de Borba Mas acabaram por aceitar e reconhecer a essência da sua profissão Particularmente após o internamento da tia Alice Num serviço de ortopedia durante 20 dias Que não se cansava de falar das enfermeiras que a trataram Com tanto carinho e profissionalismo A tia Alice passou a compreender a relevância do trabalho da sua sobrinha Lucília Como era importante a discrição dos atos das enfermeiras Nos momentos de grande intimidade, os gestos suaves A voz calma e confiante, o sorriso tão desejado logo pela manhã. A tia Alice não se cansava de dizer, num tom de voz arrastado, A quem a visitava já no recato da sua casa “Ai a paciência delas, nunca pensei que fizessem tanta falta para a nossa vida” Lucília aprendera a aceitar as imprevisibilidades, a agir de forma segura A entender as emoções que sentia e que tentava controlar Tentava mas seu coração disparava sempre, como cavalo louco Quando ocorria uma paragem cardíaca no serviço Aguentava dolorosamente aquela pressão Os segundos que mais pareciam uma eternidade, o nó na garganta seca O calor na face rubra, o olhar atento e fixo no monitor A expetativa na mudança daquela linha verde que teimava em ser reta …até que… bipibipbip… E a linha reta mudava para ondas desajeitadas mas tão desejadas Como presente inesperado, era então que todos se entreolhavam e sorriam Era então que Lucília respirava fundo Era então que Lucília controlava a batida do seu próprio coração
As linhas do nosso coração batem com paixão
O silêncio ensurdecedor
RCP, RCP, RCP Adrenalina no ar Adrenalina na seringa Corações a palpitar Coração a parar Respirações ofegantes Respiração ausente Bocas secas Boca sem palavras Mãos agitadas Mão sem ação Pensamentos presentes Pensamento ausente Seringas, agulhas, ampolas Tubos, sondas, fios, elétrodos Joules, joules e mais joules E mais joules ainda E a esperança E o tempo, o tempo Que passa sem tempo E a esperança Muita esperança Até à desesperança total Do tempo que nos deixa sem tempo Bip…………..…bip………………bip bip Biiiiiiiiiiiiiii E silêncio total!
E a esperança, até à desesperança total, do tempo que ficou sem tempo
Marisa e os pássaros apaixonados
Sonhos profundos Tinha Marisa naquele lugar Tão profundos que a elevavam aos céus Que a faziam voar e sonhar Sonhar que voava mesmo sem asas Livre como os pássaros apaixonados Sonhos profundos que iludiam a realidade Marisa não queria acordar Afinal Marisa sabia serem só sonhos Marisa não queria estar acordada Marisa só queria sonhar e ali ficar Mas não podia Mas não deixavam De regresso à realidade Marisa acordou daquele sonho Pois aquela dor Não a deixava mais sonhar Aquela dor refletia a crua realidade Aquela dor não era dor de sonho Aquela dor nem dor de pesadelo era Aquela dor Marisa não queria sentir Mas Marisa acordara do sonho E tinha de enfrentar Aquela dor cruel da realidade Tão distante dos sonhos profundos E dos pássaros livres apaixonados Aqueles pássaros que voavam sem asas Em sonhos profundos
Marisa queria voar como os pรกssaros apaixonados
Sofia e o mãozinhas de tesoura
Lá vinha ele outra vez com seu ar lânguido De cabelos negros mergulhados em gel, ar confiante e desafiante Chegava perto de Sofia, muito perto, demasiado perto Tão perto que lhe sentia o cheiro do charuto cubano que fumara momentos antes Tão perto que Sofia se sentia asfixiada pelo cheiro do seu desejo animal Metia conversa sem nexo, queria saber disto e daquilo e do nada também Da cama 210, da 230 e da 231 também As colegas chamavam-no “o frasquinho de veneno ”, tão bem o conheciam Para ele não havia pessoas com nomes na cama mas apenas camas Mas para Sofia ele era “o mãozinhas de tesoura” Contava anedotas picantes e ria de si próprio pois mais ninguém ria do que dizia Sofia não queria ser indelicada mas sempre se sentia incomodada A propósito do nada e de tudo também, chegava perto e tocava Tocava e apoiava a sua mão suada no ombro de Sofia O corpo de Sofia reagia, nem parecia a Sofia que conhecia Tremia por dentro, a cara corava e se sentia agoniada O coração sufocava na garganta e queria gritar mas não podia Ou podia? Não sabia! E veio mais um dia, e mais outro e outro também Sofia tremia sempre que o via e sempre que podia, fugia Fuga fogaz e sem sucesso pois ele sempre a encontraria naquele lugar E naquele lugar, um dia, naquele especial dia Sofia respirou fundo, não corou, não sufocou Sofia fez o que tinha de fazer, o que julgava que não podia Mas que afinal podia E Sofia não mais sentiu sua mão suada no ombro Sofia nunca mais sentiu o cheiro a charuto cubano Sofia não mais ouviu piadas picantes e conversas sem nexo Sofia passou a ser a livre Sofia
Seu olhar l창nguido incomodava Sofia
Para Sofia, ele era o “mãozinhas de tesoura”; para as colegas o “frasquinho de veneno”
Mas Sofia o enfrentou e para ela, ele n達o mais olhou
Edmundo e Raquel
Durante 28 dias, 43 degraus e um vazio total Foram assim os seus últimos dias sem a sua princesa Raquel Edmundo subia as escadas devagar, carregando amor no saco e no coração Durante 28 dias, 43 degraus e um vazio total Raquel o esperava todos os dias à mesma hora na cama do hospital A primeira vez que estiveram separados na sua vida de casados Edmundo saíra para comprar pão fresco, como fazia todas as manhãs Abrira a porta e não enxergou Raquel a dizer bom dia, como sempre fazia Raquel jazia no chão do quarto, pálida e fria E durante 28 dias, frio gélido passou a ser o quarto de Edmundo sem Raquel A cama não aquecia sem a presença do seu corpo quente Os sonhos passaram a ser pesadelos As noites escuras, iluminadas como se fossem dia Chegado ao hospital, Edmundo beijava Raquel, sua princesa E Raquel tocava-lhe na face e agradecia a joia que tinha Sim, joia era como Raquel chamava Edmundo “A joia da minha vida”, dizia ela “A princesa do meu reino”, dizia Edmundo Aquele seria o ultimo dia que subiria os 43 degraus Raquel não dormira na ultima noite no hospital Olhava pela janela, rezando para que Edmundo chegasse depressa Tinham prometido um ao outro Voltar a ver o mar revolto e a areia fina cor de mel Sentados lado a lado no banco aquecido pelo Sol Sem palavras avulso ou sem sentido Mas de um silêncio que só os dois compreendiam Ali ficariam a olhar o mar e a areia cor de mel A joia Edmundo e sua princesa Raquel
28 dias 43 degraus e um vazio total
Raquel olhava pela janela esperando que a sua joia, chamada Edmundo, chegasse depressa
Ali ficariam a olhar o mar e a areia cor de mel A joia Edmundo e sua princesa Raquel
A manta branco neve
Por ela Por ela fazia tudo Pois ela por ele já fizera tudo também As refeições quentes, saborosas e a horas As camisas lavadas com perfume de lavanda As calças com vincos imaculados A cama feita com lençóis de linho por ela bordados A manta branco neve dobrada no sofá da sala O beijo caloroso quando chegava a casa A carícia na face por suas mãos de pele macia O café quente pela manhã A torrada como só ela sabia torrar As suas palhaçadas para o fazer rir e esquecer o mau da vida Por ela Por ela agora fazia tudo Refeições compradas na loja da esquina que ela tanto gostava Os vestidos lavados a cheirar a rosas da lavandaria As suas saias penduradas sem preceito A cama mal feita com lençóis de flanela A manta branco neve que já de neve não tinha nada O beijo imaginado mas igualmente sentido Literalmente sentido por António que cuidava dela Que agora se vestia de palhaço para ela Na vã esperança de lhe recuperar a memória E ela, a sua Flora, o olhava num vazio distante Tão distante que a sentia perder-se na floresta do desconhecido Na realidade agora sem alguma memória Mas António ali estaria sempre até ao vazio total Por ela
Antรณnio se vestia de palhaรงo na vรฃ esperanรงa de recuperar a memรณria da sua Flora
Ângela esperou e desesperou o
Por ele esperou, esperou, esperou Dissera que viria pelas cinco Que não faltaria por nada deste mundo Que despacharia todos os documentos a tempo Prometera levar-lhe flores As que sabia Ângela mais gostar Não, não as encarnadas de fogo amor As brancas como a neve de amor tranquilo Esperou, esperou, esperou Pediu um chá quente à moda oriental Mas apenas “bebicou” Trouxeram um bombom em prata enrolado Mas nem se tentou Esperou, esperou, esperou Passavam desconhecidos a seu lado e olhavam Com ar simpático uns, desconfiados outros Bem maléficos outros tantos também Ninguém suspeitava Que seu coração palpitava Com o tempo demasiado que passava Que teimava em passar dolorosamente Esperou. esperou, esperou Até que seu coração gelou Ângela sentiu e previu! Aquela estrada era mortal e mais uma vida engoliu E Ângela nunca mais recebeu flores brancas como a neve Nunca mais esperou no café e nunca mais bebeu chá oriental Pois seu amor se evaporou e com ele seu coração levou E por ele, Ângela nunca mais esperou
Ângela gelou seu coração e seu amor se evaporou
José, o mar e a terra
José Sentia-se um animal marinho Mar e mar e só mar Adorava o cheiro a maresia O vento forte a bater na cara As velas grávidas de tanto amor Viajara por esse mundo fora À descoberta do desconhecido que tanto queria conhecer Cada porto, novas aventuras e conhecimento de si Imaginara-se no mar até velhinho ser Mas a vida trocou as voltas da vida que José julgara certa Já não mais poderia velejar, suas pernas não deixavam Suas costas se queixavam e as mãos já não mandavam Deixou o mar, para um sempre que não julgava possível existir E virou-se para a terra que o viu nascer E passou a amar O cheiro a terra húmida, a jasmim, lavanda ou alecrim A cor intensa das múltiplas flores, numa paleta de cores desconhecida O verde do campo que mudava quando queria O canto dos pássaros que nunca antes ouvira As árvores retorcidas como demónios ou anjos Grávidas de sementes de vida O vento também forte a bater na cara Terra, terra e só terra Mas sabia, sentia, tinha a certeza Que o mar lá estava, sempre esteve A abraçar a terra Cujo abraço José sempre sentiria
Mas a vida trocou as voltas da vida que JosĂŠ julgara certa
Empilhadas como fatos de bloco
Empilhadas Desordenadas Como fatos de bloco Umas em cima de outras Outras em cima de umas Nunca se sabe quais umas e outras são de tão empilhadas que estão Empilhadas Abandonadas Como sacas de batatas As pessoas doentes e necessitadas Em lista de espera infinitas Sem rosto e só número invisível Empilhadas Degastadas Como jornais velhos sem utilidade Esperam e desesperam Pela cirurgia que as salvaria Pela esperança que teimam em ter De serem bem tratadas e cuidadas Empilhadas Mal tratadas Como fatos de blocos As folhas de propostas cirúrgicas que nunca chegaram a ser Que nunca serão realizadas Porque a espera deixou de esperar Porque a espera desesperou Porque no desespero, as pessoas não aguentaram Empilhadas As pessoas morreram!
Empilhadas Esperam Empilhadas Desesperam Empilhadas Mal tratadas Empilhadas Morreram
Cristina e a porta de madeira pesada
E ali ficou Cristina petrificada diante da porta de madeira pesada Sem saber se tocava à campainha ou se ia embora Envergonhada Não sabia ter coragem para pedir Mas tinha de o fazer pela primeira vez na sua vida Se queria ter pão na mesa para os seus filhos Nunca imaginara tal situação, sempre trabalhara muito Cumpria com as horas de trabalho e muitas, muitas mais Nunca negara nada ao patrão que lhe pedia com jeitinho E agora, o patrão virara vilão e ladrão O patrão apenas dissera que já não precisava dela Dela e de tantos outros, demasiado outros E fugiu, fugiu com os bolsos cheios Com o futuro roubado a Cristina e tantos outros O patrão fugiu no carro descapotável de cor encarnada E mais futuros iria roubar noutra terra desencantada Pois aquele patrão roubava e nada partilhava Ali estava Cristina, envergonhada diante da porta De olhos postos no chão, sem coragem para olhar de frente Sem saber se tocava à campainha ou se ia embora Mas não podia Seu coração saltava, sentia-o na garganta seca Tinha de ser corajosa e pedir João, Carlos e Maria aguardavam à mesa Com os pratos vazios de nada mas os corações cheios de tudo E ela não os iria desiludir Cristina ia mesmo pedir!
De olhos postos no chĂŁo, petrificada Ă porta de entrada parou
JoĂŁo, Carlos e Maria aguardavam Ă mesa com os pratos vazios de nada
E mais futuros aquele patr達o iria roubar noutra terra desencantada
Rute era estrela pop
Rute sentia-se como uma estrela pop Sob a luz cintilante e ofuscante Quente Rute sorriu e deixou entrar o calor no seu corpo Rute pensou estar num palco com celebridades Ouvia os aplausos, as vozes e os assobios Estridentes Rute era uma estrela pop adorada Sim Rute sentia que gostavam muito dela Rute sorria e agradecia E imaginava vénias de agradecimento sentido mas envergonhado E seu coração palpitava como cavalo de corrida Sentia-se agora confiante, confortável e sorria Rute sorria sem saber porque sorria Rute sorria porque se sentia bem De repente As luzes do palco apagaram-se Os aplausos passaram a silêncio ensurdecedor As vozes silenciaram-se e os assobios também Rute sabia que seria sempre a estrela principal Naquele palco tão especial, outrora iluminado com luz brilhante de cristal Sim, Rute era a estrela pop daquele momento E os presentes naquele palco especial, a iriam tratar como tal Cada um com o seu papel Rute sentia-se como estrela pop E Rute adormeceu
Rute sabia que seria sempre a estrela principal, naquele palco t達o especial
Eugénia e o segundo da eternidade
Não te quero deixar, não te quero deixar Pensava Eugénia Mas foi mais forte que eu, mais forte que eu e que tu também Lutei com todas as minhas forças e as tuas também Mas aquele estupor venceu Pensava Eugénia Lutei com a doçura ardente dos teus beijos Lutei com a força musculada dos teus abraços Lutei com a beleza dos teus sorrisos abertos Pensava Eugénia Lutei com a força toda do teu amor e do meu também Lutei com o calor do teu carinho e amor também Lutei , lutei, lutei mas não venci Pensava Eugénia Agarrei na tua mão de pele suave, senti teu calor Queria ficar assim para sempre, para sempre E assim fiquei pois o sempre ficou ali Pensava Eugénia E para sempre ficarei agarrada a ti e tu a mim Até sempre é muito tempo e o tempo está sem tempo Para sempre pode ser um segundo apenas mais Um segundo mais de toda uma eternidade Pensava Eugénia Não te quero deixar, não quero mesmo Nesse segundo quero estar agarrada a ti e tu a mim E nesse mesmo segundo parti Pensava Eugénia Que não o queria deixar, como não o queria deixar Mas aquele estupor vencia! E Eugénia partia
Para sempre pode ser um segundo mais
Carla só queria continuar a ser Carla
Realidade imaginativa Simbiose de pensamentos e sentimentos Onde Carla julgava realidade Afinal não passava de imaginação Onde Carla pensara ser imaginação Afinal era a cruel realidade Simbiose de sentimentos e emoções Imaginação Realidade Imaginamos e realizamos Ou Realizamos o que imaginamos Carla não sabia a resposta Se é que haveria resposta Carla só não queria Realizar o que não imaginara Ou Imaginar o que não poderia realizar Carla apenas queria continuar a ser a Carla Que todos conheciam Na sua própria realidade Ou Na sua peculiar imaginação
Onde Carla julgava realidade afinal não passava de pura imaginação
Beatriz, a blusa de alças e a avó Brites
Beatriz sempre fora uma rapariga forte Não forte de físico mas forte de espírito Até era uma “lingrinhas”, como as colegas lhe chamavam Mas nos momentos de decisão, lá estava ela, forte e resoluta, sem hesitações Não sabia porque era assim pois sua mãe chorava por tudo e por nada E seu pai, bem, seu pai nem se dava por ele, de tão ausente na sua vida Acreditava que saía como a sua avó Brites, mulher trabalhadora, decidida Que nunca se queixava da vida, aceitava-a Com música no coração e som melódico na garganta Quando alguém necessitava de ajuda na aldeia, a avó Brites lá estava presente Vinham a sua casa para desabafarem, contar seu espiral de problemas e receios Diziam que ela as ouvia com sorriso nos lábios Mas falava de forma determinada Diziam que Beatriz se parecia com a sua avó Brites! Mas que sabiam as pessoas dos seus sentimentos, dos seus medos Nada! Beatriz andava consumida há 2 meses, sem ter com quem desabafar Não tinha mais sua avó Brites! Beatriz queria contar à avó Brites os seus medos e receios A angústia que sentiu quando ouviu do médico o resultado do exame As idas ao hospital, as esperas desesperantes, os tratamentos dolorosos As vozes das enfermeiras, o tilintar dos instrumentos, o cheiro a éter A vida de Beatriz passara a ser de espera Tudo passou a ser espera de alguma coisa Olhar ao espelho e esperar que o cabelo crescesse, esperar que não sangrasse Esperar pelo dia em que pudesse vestir a blusa branca de alças finas Sem que aquele dispositivo atraísse o olhar alheio e intrigado dos outros Beatriz estava cansada de vestir roupa larga para encobrir o quanto magra estava Beatriz estava cansada, cansada, cansada Beatriz pensava que aguentava mas afinal não aguentava Beatriz queria falar com sua avó Brites Beatriz queria tirar a máscara que já não suportava!
Beatriz queria falar com a av贸 Brites
Manuela não queria ser Rosa
Como era possível que ignorasse a sua presença Diziam que era bela, de corpo esbelto e sorriso radiante Diziam e Manuela acreditava quando ao espelho se olhava Mas Jorge ignorava isso tudo Desviava com desprezo os abraços meigos e ansiosos Rejeitava os beijos que se queriam ardentes Não agradecia o chá quente quando doente Nem o bom dia quando de madrugava chegava A cheirar a cigarro, vinho forte e perfume barato Jorge não mais a olhava nos olhos Não beijava os seus lábios nem tocava nos seus seios macios Deixara de saborear sua língua de sabor framboesa Sua pele perfumada e macia como seda Manuela sofria em silêncio sufocante e não podia contar a ninguém Mas agora compreendia Como Rosa sofrera tanto também Lembram-se de Rosa, decerto, a Rosa amachucada Mas Jorge não faria o que Marco a Rosa fez Rosa lhe ensinara com suas palavras sofridas e silenciosas Com a dor dilacerante do futuro perdido Rosa com seu testemunho mudo e sofrimento abafado Seria a salvação de Manuela Manuela não seria mais a Rosa, mais uma rosa amachucada Manuela seria uma rosa bem encarnada, desejosa de amor Uma rosa Manuela amada e bem cuidada Como a bela rosa, a Rosa Tanto amara e desejara
Rosa sofrera em silĂŞncio e agora Manuela a compreendia
Fernanda rezava com fervor
Rezava com todo o seu fervor Fernanda não rezava diariamente Há muito que não rezava, nem ia à missa aos domingos Apesar de ter estudado num colégio de freiras Tinha-se arredado destas coisas da fé Tudo corria bem na sua vida e não se lembrava mais de rezar Vida atarefada, preenchida sem tempo para pensar ou rezar Mas hoje rezava Rezava com todo o seu fervor Rezava Porque agora tinha todo o tempo do mundo para rezar Porque o tempo se esgotava sem parar E agora Fernanda tinha mais em quem pensar Rezava para agradecer sem nada ter pedido a rezar Agradecia o milagre no seu filho Duarte Seu filho tão desejado de união de amor com João Desejo prolongado no tempo e no desespero De tentativas frustradas de desejos ardentes de amor Não acreditava em milagres Brincava até com o assunto Mas milagre é o milagre da vida E Fernanda rezava em palavras de agradecimento Pelo milagre que era a vida Que envergara durante meses Fernanda rezava Agora rezava com todo o seu fervor Pela vida conseguida Com as pérolas do seu amor
Agora rezava com todo o seu fervor, pela vida conseguida com as pĂŠrolas do seu amor
Fátima só queria ser a mana Fati
Fátima não queria mais ser enfermeira Não, não interpretem mal, gostava de ser enfermeira Fátima adorava a sua profissão Mas Naquele momento não! Agora não! Agora apenas queria ser a irmã de Paulo, “a Fati” como lhe chamava Seu mano mais novo, o benjamim da família Fátima agora só queria abraçar Paulo Carregá-lo de beijos suaves e meigos olhares Mesmo que o abraço parecesse quebrar aqueles ossos de cristal Mesmo que o olhar soasse a mentira fatal Fátima não queria saber do gotejo do soro Não queria saber da ferida operatória Não queria saber do tipo de apósitos usados Fátima apenas queria saber se Paulo tinha dores Como dormira na noite anterior Se sonhara com a fada azul de que tanto Paulo falava Fátima queria que Paulo respirasse sem sofrimento Fátima apenas queria ver sorrir seu mano Paulo Contar-lhe estórias de encantar, mesmo sem encantamento Fátima não queria que lhe perguntassem o que achava do tratamento O que achava do médico tal e da enfermeira mais que tal Fátima não queria mais ser enfermeira Fátima não queria ser enfermeira de Paulo, daquele Paulo Ali, naquele momento, agora Fátima chorava lágrimas de sangue Enrolava suas tranças negras que Paulo tantas vezes enrolara também Com seu mano Paulo, Fátima queria apenas ser a mana A mana de Paulo Mais nada!
Naquele momento, F谩tima s贸 queria ser a mana de Paulo
Traquinas que nem o avô Mário
Isabel sempre fora traquinas, como a avó Felisberta lhe chamava “traquinas que nem o avô Mário”, repetia a avó sorridente e com brilho nos olhos Repetia tantas vezes, quantas traquinices Isabel fazia Isabel lembrava-se do gato Pipas que escondeu no saco das compras Do Kikas, o cão lamechas que gania quando lhe puxava as orelhas Ou do Cagufas, o cágado que se escondia na carapaça Sempre que lhe cheirava a alfazema Sim, alfazema era o aroma do perfume de Isabel e o Cagufas tinha bom olfato A mais de 6 metros já sabia que Isabel se aproximava E com ela um batuque ritmado na carapaça Isabel era assim traquinas, não fazia por mal Era traquinas porque sentia muita energia dentro de si Não era como a mana mais velha, a Natércia Natércia era sempre bem comportada Não, Isabel não se sentava no sofá a devorar filmes ou livros dos “Cinco” Isabel no sofá, o pino de cabeça fazia para o mundo trocado ver Isabel gostava de correr na areia da praia Trepar a árvore grande da escola, com seus tortuosos ramos fortes, De andar de bicicleta e fazer cavalinhos Por isso, Isabel não gostava de saias e vestidos Andava sempre de calça de ganga ou jardineiras e sapatilhas Por isso, Isabel chorava no Natal sempre que abria o presente da avó Rosália Com o vestido sentia-se como boneca morta, abandonada numa cadeira a um canto No Natal já sabia, mais um vestido colorido No armário já armazenara quatro e nenhum deles lhe servia Isabel era traquinas mas não tinha o diabo dentro de si Isabel era traquinas como a avó Felisberta lhe chamava “traquinas que nem o avô Mário”, repetia a avó sorridente Repetia tantas vezes, quantas traquinices Isabel fazia E ela as fazia para que a avó Felisberta O avô Mário recordasse e seu olhar brilhasse
Isabel no sofรก, o pino de cabeรงa fazia para o mundo trocado ver
Andreia e o concerto
Finalmente Finalmente Andreia tinha um fim de semana livre Trabalhava por turnos Manhãs Tardes Noites Tardes Noites Mais noites Mais tardes Mais manhãs Sequência muitas vezes desordenada Ritmo circadiano interrompido Mais um turno, faltou alguém Mais um turno, entrou mais alguém Os amigos raramente a viam Os encontros falhavam tantas vezes Mas naquele fim de semana, não! Pequena viagem à capital Concerto que tanto ansiava E sabia, sabia Que iria cantar e dançar Cantar até a voz se apagar Dançar sem com nada se importar Dançar sem parar com aquela música maluca Andreia se iria libertar Libertar desilusões, expulsar fantasmas, recarregar emoções Andreia flutuava, voava Finalmente Andreia tinha um fim de semana livre Finalmente Andreia tinha um fim de semana livre Finalmente
Andreia iria dançar sem parar ao som daquela música maluca
30 semanas, 30 minutos, 3 segundos
Derramou suas lágrimas Qual rio forte e desenfreado Não devia ser assim Era contra natura O ciclo de vida devia ser como o rio Nascer fino e suave, correr livre, vigoroso e morrer no mar em tranquilidade Sandra sonhara com ela durante todas aquelas semanas Imaginara seus olhos verdes esmeralda Seu cabelo negro como o seu Mãos finas como as do pai Nariz redondo como o avô Martim Lábios finos rosados iguais aos da tia Lurdes Sonhara como ela seria um pedaço de cada um Sonhou com ela durante semanas Sentiu seus pontapés quando ali dentro brincava E Sandra respondia, respondia com carícias sentidas 30 semanas com ela no seu ventre 30 semanas de amor ardente Amor infinito desejado e sonhado Sandra seria mãe Sandra teria a filha Maria E 30 minutos bastou para tudo mudar E em 30 segundos desesperou e chorou E em 3 segundos a perdeu Não devia ser assim Mas foi assim que aconteceu E com ela, Sandra também morreu E o rio forte e desenfreado de suas lágrimas derramadas Secou Como seco e vazio seu coração ficou
E o rio forte e desenfreado de suas lágrimas derramadas Secou Como seco e vazio seu coração ficou
O tesouro de Lucília
Lucília tinha um tesouro escondido Um tesouro secreto Mas Lucília não aguentava mais Tinha de partilhar aquele tesouro Pois tesouro só o é quando partilhado Tesouro escondido não vale o que realmente é! Lucília tinha um tesouro escondido Mas como contar a José? Lucília iria ser mãe Lucília agora enfermeira e mais tarde mãe Melhor compreenderia o sofrimento daquela outra mãe De todas as mães dos meninos que cuidara e cuidaria Dos meninos que choravam e riam Das mães que riram e choraram Dos pais ausentes , dos pais presentes, dos pais sufocantes Lucília enfermeira, seria mãe E a partir de agora sentiria a vida de forma diferente E diferente certamente seria, a atenção que prestaria Aos filhos de outras mães Que enfermeiras também seriam, por amor de mães Mas Lucília não sabia como aguentaria Ter vida dentro de si, gerada por amor E cuidar de vidas, também elas geradas por amor Mas vidas em suspenso, aguardando o momento De se libertarem do sofrimento! E então, as mães passariam a ser enfermeiras Por tanto amor , por saberem tão bem cuidar Dos seus filhos e filhos de outras mães, também! Lucília ia ser mãe
E diferente seria A atenção que prestaria Aos filhos de outras mães Que enfermeiras também seriam Por amor de mães
Edite estava feliz
Hoje estava feliz, amanhã estaria feliz e depois de amanhã, feliz estaria Edite acreditava que podia acontecer e aconteceu O que tanto desejara e no tanto que acreditara Naquele momento só queria dançar, dançar, dançar E rodopiar até ficar tonta, muito tonta E então Rodolfo a emparia nos seus braços, outrora frágeis e agora tão fortes Edite dançaria até que as pernas lhe doessem e os pés se cansassem Mas Edite não ia parar de dançar Inventara um ritmo em segredo durante todos aqueles meses E só agora os mostrava a Rodolfo Aqueles passos ritmados numa sequência desordenada Eram o resultado da ocupação terapêutica da mente Enquanto sentada ao seu lado na cama do hospital Dançava em silêncio, sem se mexer mas dançava freneticamente Ao lado de Rodolfo, sem ele se aperceber pois dançava de esperança E desejos de futuro incerto, sem o saber Agora Edite dançava com Rodolfo, os passos ritmados que inventara Para ele, sempre a pensar nele mas com ela sempre junto também “Deixa-te levar pelo ritmo, não resistas, fecha os olhos e apoia-te em mim Como outrora em me apoiei em ti, lembras-te?” Sussurrava Edite ao ouvido de Rodolfo Aquela dança ficaria marcada nas suas vidas, seria a dança só deles A dança da coragem, uma dança de guerra ganha ao inimigo Aquele inimigo invisível mas poderoso Nunca foram de eleger momentos mas a vida lhes demonstrara dolorosamente Que afinal havia momentos a nunca esquecer Antes não acertavam os passos na dança da vida quotidiana mas agora Dançar era apenas dar os passos que a vida lhes conseguia dar E todos os passos têm um ritmo próprio O ritmo dos seus corações, o ritmo das suas vidas em união
Dançar era apenas dar os passos que a vida lhes conseguia dar E todos os passos têm um ritmo próprio O ritmo dos seus corações o ritmo das suas vidas em união
Antónia e ovo estrelado
Antónia julgava-se louca Um ovo estrelado Sonhara Bem amarelinho no centro Branco pérola ao redor Sonhara Receitas especiais com ingredientes a cheirar a desinfetante Ingredientes diferentes também na cor Sonhara Talheres esquisitos pontiagudos e compridos Pratos brilhantes em rede sobre toalhas timbradas Sonhara Ou seria uma ameixa amarela Ou um pêssego, ou mesmo um gomo de laranja Frutos luzidios mas rugosos Sonhara Com tanta coisa esquisita e diferente Mas tudo apenas na sua mente fértil Sonhara Outro ovo estrelado, este quase esturricado Pele de galinha azul Antónia julgava-se louca Mas não era! Sonhava acordada e inventava “cenas”, como dizem seus filhos Suportava o que não queria Aguentava o que julgava não aguentar Antónia julgava-se louca Mas não era! Nem estava!
Sonhara um ovo estrelado e Ant贸nia julgava-se louca. Mas n茫o era!
Benedita de muitos pedaços
Fazia parte do seu corpo Era parte integrante do corpo de Benedita Corpo sensual e belo Mamas redondas, macias e hirtas Mamilos pequenos e rosados Mas um pedaço de si fora retirado Qual ovo estrelado Esturricado! E Benedita não sentia ser mais Benedita Benedita chorou, chorou, chorou Até ficar seca de lágrimas Mas uma força emergiu de si O ovo estrelado, outrora esturricado, virou Sol E então pensou Não era um pedaço de si retirado que a mudaria Pois muitos mais pedaços de si a definiam enquanto Benedita E seria sempre Benedita A Benedita de muitos outros pedaços Dos lábios finos e olhos castanhos amendoados Das pernas esguias e cintura fina Dos cabelos loiros encaracolados A Benedita, filha amada, a Benedita, mana adorada A Benedita, acarinhada pelos amigos e colegas A Benedita e mais nenhuma Mesmo sem um pedaço de si Seria sempre a Benedita!
Naquele quarto escuro de hotel
Quando entrou no serviço, Lucília deparou-se com ambiente “pesado” Caras sérias nas colegas, algumas lágrimas noutras Lucília até temia perguntar pela razão Mas questionou Rosário suicidara-se! Lucília engoliu em seco e ficou sem palavras Rosário era uma colega simpática, calma e competente Houve quem dissesse que a razão para tal ato era o marido Havia também quem referisse poder ser doença Ou uma grave depressão Lucília então lembrou-se que Rosário andava triste Por vezes a encontrava com os olhos inchados e vermelhos Como quando choramos muito sem parar Houve dias em que faltou e se esquivava na justificação Mas Lucília achava que sabia a razão No íntimo sabia … Rosário sofria intensamente sem querer demonstrar Sofria por amor à filha que tanto amava Sofria por amor a tantas filhas que amara também Sofria porque não teve apoio Sofria porque tinha de estar calada Sofria porque não aguentava mais a dor e o silêncio imposto Sofria com o amor que tinha mas que se esbatia Lucília no seu íntimo, sabia Rosário nunca mais foi Rosário depois daquele incidente Rosário foi vítima do sistema frio e desumano E Lucília então, às suas colegas Passou, A tomar mais atenção!
Lucília não tinha como poder esquecer Rosário
O tempo e as vinhas
O tempo passa por nós Como nas folhas das vinhas De início, troncos limpos a aguardar a vida Depois, surgem as primeiras folhas Verdes, frescas, lisas e lustrosas Mas o tempo passa por nós Como nas folhas das vinhas Depois do verde alegre das folhas A uva, fruto do amor do tempo Pequena, tímida às vezes Depressa cresce e se torna madura e bela O momento mais esperado e desejado Pela gula dos homens O tempo passa por nós Como nas folhas da vinha Recolhidas as uvas, tempo de fertilidade acabado Uma nova fase As folhas mudam de cor Ficam vincadas pela marca do tempo e baças, sem brilho Diria até mais bonitas no seu género, quiçá O tempo passa por nós Como nas folhas das vinhas Mas mesmo mais bonitas, não resistem E quedam-se com a idade pois o tempo não perdoa Caem ainda belas mas já sem vida O tempo passa por nós Como nas folhas das vinhas
O tempo passa por n贸s como nas folhas das vinhas
A loucura do tempo
E assim se passaram estes momentos Partilhados por Madalena e Lucília Como tantas Madalenas e Lucílias Momentos doces Momentos salgados Momentos loucos Simplesmente recordados Momentos reais ou imaginados Momentos de ti e de mim Momentos dos outros quando nós somos outros Ou quando os outros se impregnam dentro de nós Momentos que passaram num tempo Em tempos de Rosas, Mafaldas e Margaridas De Marisas, Florbelas e Rutes Tempos de Eduardas, Tiagos e Albertos E de Manuelas, Fernandas ou Isabeis Tempos que deixaram de ser tempos De Rosálias, Beneditas e Filomenas Mas o que é o tempo O que é a doçura O que é a loucura Quiçá a leitura Do tempo Que não é mais tempo Mas a doce loucura da vida Da vida de todos nós
Mas o que é o tempo, O que é a doçura, O que é a loucura
Quiçá a leitura do tempo que não é mais tempo
Mas a doce loucura da vida Da vida de todos n贸s
Até breve, por aí
Numa sala Vazia Plena de moções Ao som de violinos Que tocam sem cordas Mas que nos tocam O coração Porque o coração canta Sem notas certas Porque o coração tem a sua própria melodia A melodia da vida!
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Agradeço aos modelos das fotos apresentadas que autorizaram a sua publicação
Agora desvendados