#TelaPreta

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por hemelin sousa

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Sobre o #TelaPreta

Este projeto propõe ao leitor - através de entrevistas -, uma REFLEXÃO SOBRE O RACISMO. Visto que o racismo possui uma raiz histórica e que, para que haja ações afirmativas é necessário agir de imediato, o #TelaPreta tem como propósito convidar o vetor, o propagador, o ponto central da problemática, em outras palavras: tocar na raiz do problema, convidar o branco para o debate. Aqui, livro torna-se alicerce e ferramenta transmissora, desempenha o papel de expressar, documentar e acima de tudo, manifestar. É necessário que haja compreensão dos papéis em relação à luta antirracista para ESTIMULAR A PRÁTICA de ações que visem combater a discriminação racial de forma efetiva e coletiva. O #TelaPreta busca refletir por meio da dúvida, do erro, do acerto e através da troca. O projeto gráfico tem como objetivo expor a palavra, o dito. O conteúdo coletado será fonte para considerações e o entrevistado teve a oportunidade de escolher divulgar ou não sua verdadeira identidade. A proposta é visualizarmos os pontos “inflamados” e alterarmos. As respostas podem nos fazer perceber o que falta e o que possuímos, tudo de maneira natural, real. O cenário só mudará quando o assunto virar pauta e sucessivamente, GERAR AÇÕES, para além das redes sociais, para além de uma tela preta. 9


Perfis

Jamile, 37 anos BRANCA

Agnaldo, 27 anos NEGRO

Valéria, 25 anos NEGRA

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Luiz, 16 anos NEGRO

Letícia, 22 anos BRANCA

Rian, 17 anos BRANCO

Irene, 65 anos NEGRA

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TEXTO NORTEADOR/AUXILIADOR DAS QUESTÕES IDENTIFICADAS NAS PÁGINAS: 25, 37 e 51 Segundo pesquisadores, historiadores e militantes, para que o cenário seja modificado é preciso compreender todos os pontos que norteiam a problemática (racismo estrutural). Em síntese, aprendemos muito sobre o que os negros sofreram e, de forma muito rasa, aprendemos sobre os escravos (assim nomeados). Mas este trabalho consiste em acionar uma reflexão, mesmo que pequena, sobre o ser branco, sobre a branquitude. BRANQUITUDE é um pensamento complexo, herdado, fincado na estrutura do país. Com a chegada dos europeus/colonização, o branco tornou-se representação do correto, do bonito, do ideal, enquanto negros eram tratados como inferiores, feios, sujos. Todo preconceito, todo racismo se manteve e isso fez com que brancos tomassem os meios e posições de poder. Dessa forma, é correto afirmar que os brancos 12

herdaram esse racismo, a sociedade herdou. Isso resultou em um elo, onde brancos dão lugares para brancos, apoiam brancos, dão e recebem oportunidades por serem brancos, o chamado Pacto Narcisista. Este pacto se trata da aliança consciente e inconsciente entre brancos, tais alianças alimentam uma “bolha” que mantém os mesmos sujeitos nos papéis de liderança e de destaque em todos os âmbitos sociais. É um lugar de privilégio racial mantido por amplos e complexos processos de autoproteção (CONCEIÇÃO, 2020). Grada Kilomba (2019) em seu livro Memórias da Plantação: Episódio de Racismo Cotidiano, fala sobre as questões que rodeiam o revelar racial. Relata sobre um discurso público de Paul Giroly (historiador, escritor e acadêmico britânico), que descreve cinco mecanismos de defesa que brancos passam até se tornarem conscientes de sua própria brancura. A primeira etapa é a negação, depois culpa, vergonha, reconhecimento, por fim, reparação.


A NEGAÇÃO é onde o ego está e onde age de forma inconsciente para resolver o conflito emocional que se recusa a admitir os aspectos desagradáveis da realidade, são sentimentos e pensamentos internos. É quando o sujeito nega que possui o sentimento, mas afirma que outra pessoa possui.

percepção: quem sou eu? como o outro me vê? A percepção começa a revelar que o negro percebe a branquitude por uma outra perspectiva, por uma outra vivência. A branquitude é entendida como um lugar de privilégio, e essa informação pode servir como fonte de poder ou como alerta.

Após a negação vem a CULPA, onde o sujeito percebe que fez algo que não deveria fazer e entra em conflito. O conflito acontece entre os desejos agressivos em relação a outro e seu superego. Aqui, há uma preocupação em relação às consequências que sua infração possa desenvolver, é quando o racismo já aconteceu e cria um estado emocional de culpabilidade. Nessa etapa as respostas mais comuns aparecem: “você entendeu mal”, “não queria dizer nesse sentido”, “não há negros ou brancos, somos todos iguais”.

Em seguida, surge o RECONHECIMENTO. É quando o sujeito branco passa a perceber sua própria branquitude, o seu racismo. É a percepção da realidade, não há mais a questão como gostaria de ser visto e sim, quem sou, quem somos.

A próxima etapa é a VERGONHA, que envolve o medo do fracasso, do ridículo. A vergonha obriga a nos vermos através do olhar do outro, sendo possível reconhecer as divergências. É a fase de

É importante destacar que este livro pretende transparecer as entrevistas da forma mais natural e real possível. Dessa maneira, não há censura nos dialetos, regionalismos, gírias, etc. Não há norma culta da língua portuguesa, é a discussão natural de um problema cotidiano. É um incentivo a conversas comuns, é um incentivo à troca.

A última etapa é a REPARAÇÃO, onde há o ato de reparar o mal que foi causado pelo racismo através de mudanças nas relações, no vocabulário, nas agendas, nos posicionamentos e é claro, através do abandono dos privilégios.

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Agnaldo, 27 Gerente de marketing

10.03.2021 - Agnaldo é um homem negro, de 27 anos, reside em São Paulo, capital. Profissão: gerente de marketing.

1 O QUE VOCÊ ENTENDE SOBRE RACISMO? Eu vejo que o racismo é uma ferramenta de se colocar como superior a outra raça. Pra ter mais espaço, sabe? Por exemplo “eu sou branco e racista, então...” eu tô falando de uma forma bem, bem, como posso dizer? bem tranquilinha… é uma explicação que 16

eu explicaria para uma pessoa que nunca... é o que você usa, né? Para ser superior a outra raça. Essa de, de conhecimento social, é ignorância, né? Não, não é ignorância. Quer dizer, sim, tem muitos racistas que são racistas e nem sabe que são racistas, são os ignorantes, né? Mas tem pessoas que sabem e escolhem ser racistas porque

realmente se acham superiores e acham que têm mais direitos pelo fato de serem, de terem uma ascendência - descendência - europeia ou coisa do tipo. 2 COMO ISSO TE ATINGE? Nisso, falta de espaço! Exemplo: oportunidades que pessoas com etnia branca tem mais do que eu, entendeu? Elas têm muito mais

oportunidades do que eu, não são julgadas na sociedade só pelo fato… do jeito que se vestem ou se comportam, se tão bravas é porque tem motivo, eu se tô bravo é porque eu sou um preto raivoso, enfim. 3 SE O RACISMO NÃO EXISTISSE, O QUE MUDARIA NA SUA VIDA? Tudo! Porra, tudo, tudo, tudo, tudo,


tudo, tudo, tudo, tudo. Tanto que eu não estaria dando essa entrevista aqui hoje, falando sobre como o racismo atrasa o meu lado, o lado das pessoas que são pretas. Eu acho que eu não precisaria ter saído do Brasil pra ter tentado uma oportunidade, porque eu teria oportunidades aqui, sabe? Eu teria uma visão de crescimento aqui, coisa que eu não vi aqui pela falta de espaço. Não teria receio de me posicionar sobre certos pontos. Eu acho que todos os pretos saberiam se amar, existiriam mais casais pretos, justamente porque a gente ia aprender a amar a nós mesmos, sabe? O amor próprio ia ser grande, a gente ia querer se envolver com pessoas parecidas com a gente. Não aquela coisa de falar que preto é feio, então eu tenho que namorar um branco ou uma branca, sabe? É me ver como bonito, é ver que as pessoas comparecem comigo e são bonitas também… Trabalho, oportunidades, tudo, tudo, tudo… 4 O QUE FALTA PARA MUDAR O CENÁRIO? Acho que agora não vai resolver muita coisa, pra ser bem sincero. O que a gente tem que fazer, é educar nossos filhos, nossas crianças, as pessoas, os mais novos, a resistirem, a se imporem, a sempre lutarem, sabe? Para ter o seu espaço, porque não vai mudar muita coisa não. Brancos só sabem repetir texto, não sabem criar nada pra luta contra o racismo, entende? Se impor mais, essa é nossa luta, é nossa luta, o branco não vai fazer nada. Se a gente quer mudar alguma coisa na cabeça dos brancos, eles tinham que fazer alguma,

mas eles não fazem, só repetem o que gente faz. Se a gente morre, a gente que sai na rua e eles vão apoiar, entendeu? Isso que é foda, tem nada que se fazer. 5 O QUE PENSA SOBRE O QUE PODE SER FEITO AGORA? A única coisa que pode mudar o cenário é nós pretos sermos mais unidos, nos ajudarmos mais, conscientizar mais as pessoas pretas, as pessoas de periferia, é... criar mais, é… projetos para tirar da marginalidade o nosso povo, sabe? Preto periférico e mostrar para os brancos que a gente também tem poder, que a gente pode ter um poder aquisitivo se a gente estudar, se a gente tiver oportunidades. É isso: projetos, conscientizar mais, mais conversas… de pretos experientes com pretos sem esse tipo de conhecimento social, sabe? Porque a gente só conversa com branco, a gente quer educar branco e a gente não tem que educar branco. 6 O QUE ESPERA DE UM FUTURO SEM RACISMO? Não vai existir!

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Jamile, 27 Artista

17.03.2021 - Jamile é uma mulher branca de 37 anos, reside em Espírito Santo. Profissão: artista.

1 VOCÊ SE CONSIDERA UMA PESSOA RACISTA? POR QUÊ? Sim! Porque, por mais que eu não queira ser, né? Infelizmente é… eu vivo numa sociedade que é racista, eu cresci nessa sociedade que é racista, numa família também que é racista, que produzia o racismo de forma natural, né? Como se fosse algo natural, 22

então eu realmente cresci acreditando em coisas que eram ditas para mim. Hoje em dia, com a mentalidade que tenho, com as informações que eu tenho, eu tento não reproduzir esse racismo, mas é óbvio que como está estruturado, é... enraizado na nossa cultura, infelizmente a gente, é... sempre reproduz de alguma

forma, né? De alguma forma que para gente é sutil, né? Mas pra quem é... preto, é negro, provavelmente, né? Ofende, enfim… é isso, a gente tenta... eu tento aprender com meus amigos negros, por exemplo. Sempre que eu tenho uma dúvida eu pergunto, é... procuro ler mais sobre, sigo pessoas é… que são referências sobre o

assunto no instagram pra aprender, enfim, porque meu objetivo de vida é ser uma pessoa melhor. Então, é isso, tô aprendendo, mas não posso me considerar uma pessoa não racista. Só para finalizar, né? Eu sou racista, mas sou antirracismo! Não sei se ajuda muito isso, mas é isso.


2 O QUE SABE SOBRE RACISMO? Caramba, essa pergunta é difícil, né? É, porque na verdade é ampla, né? O que eu sei sobre racismo? Rapaz, ó, como eu disse, aprendi muitas coisas de forma equivocada, né? Sobre racismo, por ser de uma família, de uma família é, italiana, racista. É, acreditei por muito tempo em algumas informações equivocadas. O que eu sei sobre o racismo, é que o país em que a gente vive é extremamente racista, apesar da maior população ser negra, o que é completamente incoerente, né? E o que eu faço… nossa eu não sei nem responder, mas enfim, eu tento aprender com meus amigos, principalmente com meus amigos negros e com as pessoas, é... as pessoas que levantam a bandeira sobre, né? Que eu sigo. Enfim, mas é que é algo enraizado na nossa cultura, e que mata muitas pessoas no nosso país por conta disso. 3 O QUE SABE SOBRE ANTIRRACISMO? O que sei é o que faço na prática, né? Quando eu tenho a oportunidade de falar sobre com alguém, eu falo. Quando vejo alguém, é, agindo de forma racista ou falando algo que eu já sei que é uma forma racista, eu falo sobre. Infelizmente não dá pra falar com todo mundo, porque tem gente que você sabe que ‘cê vai gastar energia à toa, né? Mas eu ajo sobre antirracismo, da mesma forma que eu ajo sobre o machismo, né? Então, sempre que eu posso falar sobre, com as informações que eu tenho, é… mas não no meu no meu lugar de fala, assim… não, como é que vou dizer? Tipo nas redes

sociais, eu costumo postar muitas coisas sobre, né? Porque eu realmente fico indignada com algumas atitudes, né? Das pessoas, enfim, tem coisas que eu não aceito mais. Eu falo que, o feminismo, é um caminho sem volta, né? Da mesma forma que qualquer outro assunto que você começa a ter informação sobre. Quando você tem essa informação, você entende o que é, ‘cê não tem como voltar atrás, então você se indigna mesmo, você quer falar sobre, mas eu também sei o meu lugar, né? Eu sei que eu não tenho esse lugar de fala, é... não é porque eu não sou negra, mas, sempre que posso falar eu falo, é isso. 4 VOCÊ É ANTIRRACISTA? SE SIM, O QUE FAZ VOCÊ ANTIRRACISTA? SE NÃO, PORQUÊ? Sim, sou antirracista sim. O que eu faço como antirracista, é sempre, antes de qualquer coisa, dependendo do contexto da situação, é sempre dar voz a quem entende sobre o assunto, e é… sempre que eu posso intervir em alguma atitude, em alguma fala que eu sei que é racista, que eu vejo que é racista, é… mas sempre com informação. Eu aprendi que também não dá pra você ficar falando, corrigindo como se você fosse, né? A entendedora do assunto. Até porque eu não sou negra e eu tenho muito medo, tomo muito cuidado com isso, né? Porque as pessoas realmente tendem a duvidar, pelo fato de você ser branca, né? De não ter esse lugar de fala, mas sempre que eu posso eu falo que eu converso muito com os meus amigos negros sobre o assunto, que eu procuro entender o assunto e 23


que pra gente é entender mais sobre, a gente precisa escutar essas pessoas e ter empatia. Se essa pessoa que é negra tá me dizendo que certa palavra ou certa frase a ofende, eu tenho que ouvir, acreditar e entender. Tentar me colocar no lugar daquela pessoa, porque é ela que está sentindo, não sou eu. Enfim, é, eu tento ter empatia, é isso. 5 O QUE SABE SOBRE “LUGAR DE FALA”? Então, essa pergunta é sempre o que me deixa muito... com medo. Eu tô usando a palavra medo, porque eu não sei me expressar de outra forma. Porque como eu quero aprender, é… eu fico com medo de... de passar dos limites, de parecer hipócrita, pelo fato de eu não ser negra, né? E ficar levando bandeira antirracista, é… na verdade porque eu acredito que as pessoas tenham dificuldade ainda de entender a questão do racismo e do antirracismo, né? Enfim, é... eu sei que eu não tenho esse lugar de fala, né? O lugar de fala que eu digo é, pra cada contexto, cada assunto, as pessoas que tem o lugar de fala, são as pessoas que vivem aquilo diariamente, né? Se a gente tá falando sobre racismo, quem tem o lugar de fala é quem é negro, né? Enfim, é, acho que é isso. Falei negro, mas pode ser um indígena, um asiático, enfim, qualquer pessoas que sofra preconceito em relação a raça. 6 O QUE É PRECISO PARA MUDAR A REALIDADE? Cara, informação, educação, né? O pouco que eu me lembro do meu ensino médio, pouco se falava sobre racismo. Isso tem que 24

‘tá nas escolas, tem que ‘tá na nossa história. Acredito que até nessa parte a gente aprendeu de forma equivocada, muitas coisas. Então falta informação e educação. Eu acredito que o maior problema no nosso país é exatamente essa ignorância, né? Essa falta de informação. Tem que se investir em educação e falar sobre, falar mais sobre. Dar visibilidade pra essas pessoas, é falar sobre, é, enfim… to tentando lembrar de mais coisas, mas eu acho na verdade que a gente tá evoluindo, passos pequenos, mas a gente tá em evolução, mas infelizmente é um caminho longo ainda pela frente. Mas tem que educar as pessoas! 7 O QUE PODE SER FEITO AGORA? Acredito que o que pode ser feito agora, é pegar mais pesado em relação às leis, né? A partir do momento que uma pessoa age de forma racista, ela tem que ser presa sim, ela tem que responder processo. Tem que pegar pesado com as leis, porque infelizmente eu acho que é mais rápido assim, do que investir na educação do Brasil, né? Porque se a gente for esperar essa educação vir, infelizmente vai demorar mais do que a gente gostaria. As pessoas precisam responder pelos seus atos, principalmente adultos, no caso, porque as pessoas sabem que hoje em dia racismo é crime! Então não tem essa, se falou merda, vai responder sobre seus atos, tem que ser preso, tem que responder processo sim!


PERGUNTA AUXILIADA POR TEXTO (P. 12 E 13)

8 VOCÊ SE SENTE CAPAZ DE ABDICAR DOS PRIVILÉGIOS? POR QUÊ? Sendo bem sincera, eu não sei. Porque eu acho que eu não sei, eu ainda não tenho a consciência de todos os privilégios que eu tenho. É... e como seria abdicar desses privilégios? Porque eu não sou uma pessoa tão bem sucedida, né? Então... mesmo com os privilégios, então eu me pergunto, como seria? Porque eu venho tentando, né? 9 QUAL ETAPA VOCÊ ACHA QUE SE ENQUADRA? Eu me considero na última, porque é o que eu venho tentando, né? Tentando mudar meu vocabulário, minha postura, mas acredito que ainda falta muita coisa, igual a essa última pergunta, se eu seria capaz de abdicar dos meus privilégios? To sendo muito sincera com você, não quero ser hipócrita, eu não sei. Tenho medo? Tenho medo e é isso que me faz ter mais empatia ainda pelo assunto, né? Porque, se eu com todos os privilégios, ainda estou onde estou e tenho medo de abdicar desses privilégios, imagina quem nasceu é, sem nenhum tipo de privilégio? Enfim… 10 FALE UM POUCO SOBRE O QUE ACHA, PENSA, SENTE SOBRE O ASSUNTO. É um assunto que mexe comigo de alguma forma, porque me sinto culpada sim, me sinto envergonhada sim, me sinto envergonhada inclusive por não saber exatamente o que fazer, mesmo querendo mudar estando disposta a mudar, mas até que ponto, né? Tem aquela questão da hipocrisia. Eu tô

sem fala nesse momento, porque eu realmente não sei, não sei. 11 O QUE DENTRO DE SUA REALIDADE, PODERIA SER FEITO PARA MUDAR O CENÁRIO AGORA? Se eu quero comprar um livro pra, aliás, se eu quero entender mais sobre racismo eu vou comprar um livro de uma mulher negra, porque são dois temas que estão mexendo comigo ultimamente, né? Que é a questão, aliás, tem vários temas que tão mexendo comigo ultimamente, mas é, a questão da homofobia, do machismo e racismo, né? Então sempre que eu posso, eu tento seguir essas pessoas. Eu tô falando muito de rede social, porque eu acho que no momento em que a gente tá vivendo da pandemia, né? A gente tá convivendo muito com a questão on-line, né? Então eu realmente sigo essas pessoas, reposto vídeo delas, eu não gosto de “eu falar” sobre o assunto, eu pego e reposto esses vídeos. Tento comprar sim coisas dessas pessoas, principalmente coisas locais aqui, né? Que também tem a questão da sustentabilidade, enfim, eu tô numa pegada muito assim de querer entender tudo e tentar ser um ser humano melhor. É, então é isso, eu tento valorizar essas pessoas, pessoas trans, eu tô muito nessa pegada agora também aqui na minha cidade, né? De ao invés de pedir, por exemplo, de bordar uma blusa numa fábrica x, eu quero um produto artesanal de uma pessoa trans que tem problemas de conseguir empregos, exemplo, né? Que tem dificuldade de conseguir um emprego bom e é com essa pessoa que 25


eu vou fazer o meu bordado. E falando sobre pessoas negras, infelizmente eu não tenho uma empresa de alto porte pra oferecer o emprego, um emprego bom, por exemplo voltado pra pessoas negras, eu achei aquela campanha da Magazine Luiza sensacional, achei que fez todo sentido, principalmente para o nosso país. Enfim, nesse quesito eu não posso ajudar tanto, né? Então o que eu consigo fazer atualmente, é consumir produtos desses… dessas pessoas e fazer repostagem, seguir, ouvir e fora o meu convívio com outras pessoas que sempre que eu posso falar sobre, eu falo e corrijo, eu acho essa palavra “corrigir” estranha pra mim, mas enfim, tô tentando aprender junto com os outros, junto com os meus erros e os erros que eu vejo nos outros.

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A D I V Ú

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D

ÚVI

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Valéria, 25 Atendente

16.04. 2021 - Valéria é uma mulher negra, de 25 anos, reside em São Paulo, capital, Profissão: atendente.

1 O QUE VOCÊ ENTENDE SOBRE RACISMO? Eu entendo o racismo como um preconceito, né? Uma discriminação com pessoas de raças ou etnias diferentes, né? Nos colocando como seres inferiores. 2 COMO ISSO TE ATINGE? Bom, somos lesados do mínimo que deveríamos ter nessa sociedade. A 30

gente tem que fazer tudo dobrado, se dar dobrado, trabalhar dobrado e ainda sim nem é mérito. Sempre tem um atalho, né? Somos criminalizados, marginalizados, se a gente venceu, conquista tudo o que a gente quer, é porque teve um roubo, um estelionato, sei lá, qualquer coisa que não seja digno, sabe? Ninguém nunca vê

essas coisas, nega o que a gente passa, o que a gente… nas mínimas coisas do dia a dia que a gente passa. Isso fere, né? A nossa existência e atinge demais.

com qualquer roupa. Frequentar lugares sem ser mal vista. Teria mais acesso a um certo tipo de conhecimento, uma carreira.

4 O QUE FALTA PARA MUDAR O CENÁRIO? 3 SE O RACISMO NÃO O que falta pra mudar esse cenário é uma EXISTISSE, O QUE brutalidade, acredito. MUDARIA NA SUA VIDA? Seria confiança, Brutalidade pra você enfrentar um racista, né? Tranquilidade de poder entrar e sair brutalidade pra você de qualquer lugar, denunciar um racista,


né? Explanar, não diria explanar, mas, é divulgar esse tipo de atitude, esse tipo de discriminação. Um pouco de brutalidade pra justiça entender que isso realmente… Uma brutalidade, para nós, né? Entre nós, né? Até mesmo com quem deveria nos proteger disso tudo, mostrar que nós temos força e que a gente existe, que a gente tá aqui e que a gente tá vendo, que a gente sente na pele isso dia a dia. E mostrar isso nos meios de comunicação, internet, televisão, né? Ter maior visibilidade sobre isso, que isso ainda existe, infelizmente existe.

que não é, sabe? Isso é muito chato. Um futuro em que eu não precise gastar tempo denunciando alguém por uma discriminação, um futuro com mais educação, né? Mais tranquilidade, não ter um ambiente hostil. Um futuro com condições além de básico, né? Acho que todo mundo deveria ter o mesmo, as mesmas condições e não ser separado, diversificado por isso, desclassificado. Acho que é isso.

5 O QUE PENSA SOBRE O QUE PODE SER FEITO AGORA? O que pode ser feito agora é utilizar os meios de comunicação para uma divulgação, uma educação sobre uma situação racista, tudo o que acontece diariamente, constantemente. Divulgar mais essas situações racistas e ver que isso realmente, né? Tenha uma penalidade! Vamos lá, só expor também não. Mas, ter uma penalidade diante de uma atitude grotesca. 6 O QUE ESPERA DE UM FUTURO SEM RACISMO? Eu espero de um futuro sem racismo, crianças, adolescentes crescendo, entendendo, se aceitando é, com o seu cabelo, com a sua raça, né? Com sua classe, é… pretos conquistando altos cargos sem que alguém diga “Nossa, não tem nenhum preto na sua equipe? Não tem nenhum preto na sua empresa”, “Vaga só para pretos”, sabe? Tem que ter um pra dizer 31


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Letícia, 22 Auxiliar administrativa

10.03.2021 - Letícia é uma mulher branca, de 22 anos, que reside em Lisboa, Portugal. Profissão: auxiliar administrativa.

1 VOCÊ SE CONSIDERA UMA PESSOA RACISTA? POR QUÊ? Então, eu acho que toda pessoa branca é racista, querendo ou não a gente tem isso na gente. Eu principalmente… não, eu principalmente não é a melhor forma de dizer, mas eu venho de uma cidade que é muito conservadora, muito fechada, tipo, no 34

meu ensino médio não tinha uma pessoa preta, eu fui ter contato com pessoas pretas e enfim, quando eu sai da minha cidade três anos atrás e vim morar em Lisboa, então, o que eu, tipo, nunca vi uma pessoa assim na rua?! Óbvio que já vi, mas não estava no meu vínculo social, então isso é um ponto de partida para uma pessoa ser racista,

porque a gente não tá convivendo com pessoas que vivem aquela realidade e às vezes alguns comentários fogem da zona de conforto de uma pessoa preta, que a pessoa branca faz. Mas, eu acho que sim, que eu por ser branca já sou racista e enfim, tem várias questões do porquê. Por causa do jeito que eu cresci, por causa

da sociedade que me ensinou coisas que, sei lá... o preto vai sempre ser o bolsista na escola, o preto vai tá sempre como, sei lá, ele vai ser... nos cargos ele vai ser sempre o segurança, ele vai tá numa posição de diarista, ele vai tá em outras posições que brancos não estariam, e acho que a partir daí, a gente meio que é ensinado


a ser racista. E isso, nossa, pra mudar é um movimento, tipo... muito grande que, enfim, eu torço pra que aconteça, mas acho muito difícil. 2 O QUE SABE SOBRE RACISMO? Então, o racismo pra mim é a falta de tolerância com uma pessoa que não é igual a mim. O racismo é o jeito que eu ofendo a outra pessoa, o jeito que eu me posiciono acima delas só porque ela não é do mesmo jeito que eu e pra mim é mais ou menos isso, completamente isso na verdade. Tipo, me colocar em situações superiores, é não respeitar, é, pode ser um olhar meio torto que eu faço para uma pessoa, até uma atração, é… “eu não fico com uma pessoa preta”, pra mim isso é racismo, porque, tipo, né? A gente às vezes não tá interessada pela pessoa pelo o que ela é, mas a gente tá interessada pelo o que ela mostra, pelo o que a gente tá vendo na nossa frente, então isso pra mim já é racismo, pra mim é isso. 3 O QUE SABE SOBRE ANTIRRACISMO? Antirracismo, pra ser sincera eu não sei exatamente o que é, mas acredito que seja todo um movimento para mudar o que é o racismo, né? Então, ser um antirracista é não tolerar certos… todas as atitudes racistas, enfim, pra mim é mais ou menos isso. 4 VOCÊ É ANTIRRACISTA? SE SIM, O QUE FAZ VOCÊ ANTIRRACISTA? SE NÃO, PORQUÊ? Assim, eu acho que não faço mais do mínimo, sabe? Que é, não me colocar em outra… numa posição

soberba, não julgar pelo o que eu to vendo, sim pela pessoa, pelo o que ela é! Então o antirracismo ele é, ai, é muito complicado isso, tipo, eu acho que ninguém deveria ser antirracista, todo mundo deveria ser… ter respeito pelos outros, mas acho que o antirracista é uma classe que foi criada para dar mais apoio, assim, a causa, então, por aí. 5 O QUE SABE SOBRE “LUGAR DE FALA”? Então, o lugar de fala para mim é, eu sou mulher, o meu lugar de fala é falar sobre mulheres com propriedade, isso não quer dizer que a pessoa não possa falar sobre, mas o lugar de fala de uma pessoa preta, é muito mais o lugar dela falar sobre racismo do que o meu. Acredito nessa, sei lá, segregação, tipo, separar. 6 O QUE É PRECISO PARA MUDAR A REALIDADE? 7 O QUE PODE SER FEITO AGORA? Para mudar a realidade agora, eu acho que… assim, mudar a cabeça de uma pessoa que cresceu ouvindo que isso é o certo, que o certo é não aceitar preto, é muito difícil hoje em dia, tipo, uma pessoa, que sei lá, 40 anos pra cima, eu acho muito complicado mudar. Eu acho que pra mudar tem que começar muito de baixo, logo quando uma pessoa nasce, assim. Cuidar de certos tipos de comentários, que já não cabem, é, ler sobre, eu acho muito importante, seja que for história, acho muito importante. Ler sobre como era e como isso foi errado em outro tempo, então, fazer o máximo para acertar nesse tempo, 35


mas acho que é começar de baixo, é ter uma escuta, pra enfim, tentar entender o que passa na cabeça das pessoas que não são tolerantes, é, tem várias coisinhas pequenas, é muito espaço de conversa pra explicar que não é porque a pessoa é preta que ela tem que tá em lugares x, ou enfim. E, eu acho que educar uma geração que tá começando é o principal, assim, pra mudar tudo. Porque hoje, eu vejo por mim, eu tenho 22, tá? Eu vejo comentários das minhas tias que não cabem, hoje em dia não cabem, então, é uma coisa que ela nunca vai mudar, porque ela foi ensinada assim, cresceu assim, mas é uma coisa que mudou em mim já! Então eu posso repassar isso pra outras pessoas, pra baixo ou pra cima, enfim, tem gente que, né? Pode mudar os parentes, não to dizendo que não, mas é mais complicado, então eu acho que tem que começar de baixo e tem que ter muita escuta e também acho que tem que ter uma dinâmica mais clara, porque, sei lá, eu esses dias tava vendo bbb, por exemplo, e tinha lá a Lumena que todo mundo chamava de militante, não sei quê. Eu fui ver uma entrevista dela na Ana Maria Braga, é Ana Maria Braga o nome? Acho que é. E meu, entrou uma pessoa lá pra falar, que era do trabalho, da área, não sei que, e começaram a usar palavras e coisas que eu, como ouvinte, chega uma hora que fica massante, sabe? E eu paro de prestar atenção naquilo, então, não é que eu não respeite, porque eu até tenho conhecimento e tenho o respeito, enfim, mas eu acho que uma, 36

um approach, como é que eu vou dizer isso em português? Uma aproximação com palavras mais claras, óbvio, sem fugir do assunto, sem tipo, às vezes a palavra é importante, aquela palavra difícil, mas eu acho importante ter uma didática maior pra falar sobre o assunto, pra não se tornar uma coisa chata, pra não entrar no lugar de militância, que não tem que ser um lugar de militância, tem que ser um lugar de… ok, militância também, óbvio, mas, tem que ser um lugar de compreensão, de enfim, de mente aberta, de várias coisas. 8 VOCÊ SE SENTE CAPAZ DE ABDICAR DOS PRIVILÉGIOS? POR QUÊ? É, então, não! Por exemplo, numa entrevista de emprego, sei lá, tá entre eu e uma pessoa negra e aí eu acabo conseguindo o trabalho por ser uma pessoa branca. Não, depende de muita coisa, mas eu sinceramente não vou abdicar daquilo porque tinha uma pessoa preta concorrendo comigo, tipo, não vou! Eu não sei se deveria, entra numa questão de meritocracia, num sei quê, mas, depende muito da situação. Se fosse uma questão da minha vida de que não preciso daquilo, sei que aquilo está acontecendo, que tem muito essa questão, às vezes eu não sei, dando esse exemplo de entrevista de trabalho, às vezes eu não sei quem tá concorrendo comigo ou que não e, eu confesso que não abdicaria, sinceramente não. Pode ser, aí não sei, pode ser egoísta, mas por outro lado não, pode ser um monte de coisa, mas não, não abdicaria. É por competência,


PERGUNTA AUXILIADA POR TEXTO (P. 12 E 13)

acredito que a seleção tem que ser feita por competências, né? Mas eu também só tô pensando nesse exemplo, se tiver algum outro eu consigo pensar melhor sobre. 9 QUAL ETAPA VOCÊ ACHA QUE SE ENQUADRA? Eu entro nessas três últimas questões de, as vezes eu sou, mas realmente não é porque eu quero, é por que foi ensinado assim e eu realmente... ó, por exemplo, tem um ditado na minha cidade que falam muito e que eu fui descobrir, depois de pesquisar, que era, eles falam “ai, porque tu tá fazendo isso pelas coxas”, e aí eu fui pesquisar, “meu, o que significa isso, fazer pelas coxas?”. E aí é um contexto histórico, de que pessoas negras ou pessoas africanas e num sei que, faziam... eram escravas e faziam as coisas na coxa e ficava mal feito, então, a expressão vem daí, e eu aprendi assim e reproduzi assim. Até eu me dar conta de que isso era isso, e era assim, tipo, demorou, mas hoje em dia, toda vez que eu vejo uma pessoa falar isso, eu, pelo amor de Deus corrijo, porque tá fora. Hoje em dia não cabe, não cabe falar desse jeito, não cabe ser desse jeito! Mas eu acho que eu entro nessa, nessa questão de ser racista, porque todo mundo entra, vai, todo mundo entra… todo mundo entra não, porque pretos não entram, né? Ou também não sei, não sei, talvez, isso é muito amplo. Mas, a pessoa branca, véi, quase 100%, 99,9% entra, e que bom que tem uma questão de reparar e que bom que tem uma questão de mudar e fazer diferente, daqui pra frente não vou mais

fazer isso, enfim. Eu acho que eu entro nessas três sim, mas… e acabo entrando nas outras duas, porque meu argumento é dizer “ah, mas realmente não é porque eu quero, é porque foi me ensinado assim e não sei que, eu não fui racista” então, no fim eu entro em todas. A minha conclusão é essa, tipo, acho que não tem muito como fugir disso, mas é um, eu tenho esse exemplo de, sei lá, perpetuar ditados que são errados e aí a gente já consegue pensar sobre tudo isso. 10 FALE UM POUCO SOBRE O QUE ACHA, PENSA, SENTE SOBRE O ASSUNTO Então, eu Letícia, eu tenho muito desejo de que isso seja diferente daqui pra frente, enfim. É, eu tenho um desejo de que esse... a questão seja passada de uma forma mais didática mesmo, como eu falei, porque é uma questão delicada, que muitas pessoas não vão ter a mesma compreensão que eu tenho e são pessoas desinformadas, é... enfim, tem várias questão pras pessoas serem assim. Então, eu acho que uma linguagem mais didática, eu vejo que ainda é um processo, que meu, vai demorar muito, mas em lugares mais e em lugares menos, tipo aqui em Lisboa por exemplo, óbvio, todos os lugares a gente lida com o racismo, mas, eu vejo que aqui eu lido menos com essa questão do que eu lidava no Brasil, na minha cidade que é um ovo e que se aparece uma pessoa negra, tipo todo mundo fica chocado e diz “ai esse ai”, né, enfim. Então, acho que é um processo e acho que eu tive a oportunidade de aprender e vê isso de 37


uma forma diferente, mas se eu tipo ficasse, tipo, tivesse lá ainda, ia ser igual, eu ia ser igual a todas as outras pessoas que pensam igual. Então, é muito das oportunidades que uma pessoa tem, é muito da vida que ela tem, eu acho que ainda falta muito, muito, muito, muito pra isso ser uma coisa, né? Não é normal, pra ser uma coisa mais... que a gente não precise falar sobre o racismo, é... são diferenças, apenas. E a gente falta com muito respeito com essas pessoas também, isso gostaria que fosse diferente, mas isso entra em várias questões, não precisa ser necessariamente o respeito só com pessoas pretas ou só com… precisa ter todo o tipo de respeito do mundo e pronto. Eu também fico esperançosa porque cada vez mais eu vejo que as pessoas falam sobre isso e não aceitam certas coisas e isso é muito importante. Eu acho aquilo que rolou ano passado do Black Lives Matter… mobilizou o mundo, só que numa fase que tava todo mundo em casa, todo mundo on-line, chegou informação pra todo mundo e aí já abriu uma aba pra pessoas que têm acesso a internet e nunca pensaram sobre isso, começar a pensar. E acho que agora é a hora de começar mesmo a sério, porque a gente tá numa era que meu, eu to falando contigo de Lisboa e tipo, a gente não se conhece, a gente tá debatendo aqui um assunto que é pauta de várias coisas, então começa por aí, começa em fazer a propagação e reverberar a palavra, os bons exemplos, enfim o caminhao certo e respeitoso, acho que é por aí. Então o meu lado... 38

eu tenho um lado que é desesperado e eu tenho um lado que é muito confiante, do tipo, “tá acontecendo, beleza, e o que eu puder fazer quanto a isso eu vou fazer”. Mas, tem um outro lado que ainda tá em desespero porque tipo, meu eu sei da onde eu vim, eu sei que não vai mudar tão cedo aquilo, mas eu também tenho muita fé na nova geração, e nem fé católica nem nada, é fé tipo, tenho boas esperanças nessa galera. 11 O QUE DENTRO DE SUA REALIDADE, PODERIA SER FEITO PARA MUDAR O CENÁRIO AGORA? Eu, Letícia, acabo executando isso mais quando precisa, sabe? Quando eu vejo alguma coisa injusta acontecendo na minha frente. Fora isso, meu, eu acho muito importante, tipo, esses dias eu li um livro que, o nome é… como é que é? Ai gente como é, eu esqueci, como é que vou esquecer o nome do livro? Deixa eu procurar aqui, me dá um minuto que esse eu acho importante falar, me dá um segundo. Aqui, achei! Li um livro que o nome era “Um defeito de cor”, mas meu, é um livro mais incrível que eu já li na minha vida, e não... caiu lá de paraquedas sem saber do, do que acontecia, só foi na indicação, não queria ler especificamente sobre racismo mas, eu acho que aquele livro é incrível pra entender o que aconteceu e como tudo começou e como as pessoas são competentes independente da cor, independente do gênero, independente de um monte de questões, mas virou o meu livro preferido e eu sempre fiz questão de indicar para outras pessoas.


Era uma leitura que eu não tava tipo, me esforçando, aquilo ia, porque é realmente aquilo que eu falei, didático, tipo, aquilo é incrível, é o jeito que escreve, é o jeito que relata… é incrível e é tudo verdade, é muito louco, que depois eu ainda fui pesquisar e é tudo verdade, tipo, baseado em fat… em coisas que aconteceram, a gente não pode ignorar. Então eu sempre vou fazer questão de passar esse tipo de conhecimento pra frente, porque como impactou em mim, pode ser que impacte em outras pessoas e isso é importante, porque isso vai, vai, vai, é isso, reverbera total. Então, o que tá a meu alcance eu consigo fazer com internet, com um comentário de “ah, não usa essa expressão de fazer pelas coxas que é totalmente errada”. É, não falar certas coisas, e enfim... E tem uma linha tênue também que eu não consigo... às vezes a gente fica sem saber identificar tipo, a partir de quando eu estou ofendendo? É, que termos eu não posso usar pra uma pessoa negra e tipo, posso falar que ela é preta? Daí, eu até tava conversando com meu amigo, o Demètryus, “tu tem que me falar uma hora que eu falar uma coisa errada”, porque, às vezes eu não sei que to falando errado, ele disse “Lê, tu tem que parar pra pensar só o que tu… no que que poderia me ofender por eu ser desse jeito” e aí eu digo “eu te chamar de preto, pra mim, não é uma ofensa, é o que tu é” daí ele falou “é o que eu sou, ponto, não tá errado, agora, se tu usar isso como termo pejorativo, como termo, sei lá,

pra ofender, como isso, aquilo, aquilo ou outro, já vai ser”, eu falo “não, beleza!”. Então, conviver com pessoas que são negras e passam por isso diariamente, também é uma questão e botar... sei lá, tô numa festa, eu Letícia, fiz uma festa de aniversário, vou convidar todo tipo de pessoas que são os meus amigos, eu não vou parar de convidar fulano, porque beltrano vai. Então, eu acho que eu sempre, eu como Letícia faço isso de espalhar a mensagem, de, quando vejo acontecendo alguma coisa na minha frente eu não deixo passar, eu acho isso muito importante, é… perguntar, tem que perguntar, meu, tipo, tem que perguntar, não é tua realidade, tem que perguntar! E tem que saber entender também, tem que saber entender, e tem que, sei lá, ser o mais compreensível possível, então, é, eu acho que é isso que eu faço pra mudar. É me colocar só em situações que tenham pessoas diferentes de mim, é respeitar, tentar entender o outro lado, espalhar a mensagem, enfim.

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Luiz, 16 Estudante

23.04.2021 - Luiz é um adolescente negro de 16 anos, reside em São Paulo, capital. Profissão: estudante.

1 O QUE VOCÊ ENTENDE SOBRE RACISMO? 2 COMO ISSO TE ATINGE? Então, o que eu entendo sobre o racismo, é que é um preconceito que as pessoas têm contra gente preta, só pelo fato delas serem mais escuras... que elas. Então, isso me atinge de uma forma, porque isso ainda não acabou. Eu, particularmente, 44

já fui perseguido no supermercado, no shopping pelos seguranças, a troco de nada, só por estar lá e ser preto. É claro que você sente isso, né? Porque tantas pessoas que estavam lá, eu fui o único que fui perseguido. Então, a gente que é preto sente, né? Sabe quando tá sofrendo racismo e quando não está. Então, isso me

atinge numa forma que, de uma forma que...machuca, que ainda deixa triste. É umas coisas dessa que vê que hoje em dia ainda... essas coisas são presentes. 3 SE O RACISMO NÃO EXISTISSE, O QUE MUDARIA NA SUA VIDA? Na minha opinião, se o racismo não existisse, minha mãe, meu pai e eu,

não teria tanto medo de eu sair na rua sozinho, por medo de eu ser enquadrado por policial. É, eu penso no futuro, né? Então, eu não queria, assim.. que explicar pro meu filho essas coisas sobre o racismo, que ele não precisaria se preocupar com isso e também, eu não sofreria o tanto que eu sofri até hoje, né? Como ser


perseguido, como ficar de fora da brincadeira, por conta dessas coisas e acho que seria bem melhor. 4 O QUE FALTA PARA MUDAR O CENÁRIO? Bom, o que eu acho que falta pra mudar o cenário, eu acho que seria bom se as pessoas que tem o trabalho de ensinar, como os pais, os professores, educassem as crianças que não se deve tratar ninguém com indiferença. Tipo, principalmente só por ter a cor da pele diferente, que isso não se faz com ninguém, sabe? É assim, as crianças crescem e vão repassando para os filhos e assim vai acabando, né? Com o racismo, na minha opinião acho que é isso que se deve fazer. 5 O QUE PENSA SOBRE O QUE PODE SER FEITO AGORA? Então, é… uma coisa que pode ser feita desde já, agora, pode aumentar as punições pra gente racista, aumentar as leis, que defendem, né? O povo preto. Aumentar as punições, serem mais severas, pras pessoas racistas pensarem duas vezes antes de cometer esse crime, né? 6 O QUE ESPERA DE UM FUTURO SEM RACISMO? O fim do racismo é um partido pra igualdade social, vai ser uma paz, né? Também, harmonia entre todo mundo. E é isso que eu acho pro futuro sem o racismo.

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Rian, 17 Estudante

18.04. 2021 - Rian é um adolescente branco, de 17 anos, reside em São Paulo, capital, Profissão: estudante.

1 VOCÊ SE CONSIDERA UMA PESSOA RACISTA? POR QUÊ? Não, de jeito nenhum! Porque esse não é o meu estilo e eu me sentiria muito mal se eu fizesse isso. 2 O QUE SABE SOBRE RACISMO? Racismo é quando uma pessoa faz preconceito com uma pessoa negra, sabe? Chama ela de preto, essas coisinhas tal e tal. 50

3 O QUE SABE SOBRE ANTIRRACISMO? É, como é que eu vou explicar? Antirracismo é tipo, pessoa que defende alguma coisa de racismo. É… caramba véi, antirracismo? Defender os negros. 4 VOCÊ É ANTIRRACISTA? SE SIM, O QUE FAZ VOCÊ ANTIRRACISTA? SE NÃO, PORQUÊ?

Uhum...vixe! Ah, vou responder não sei. 5 O QUE SABE SOBRE “LUGAR DE FALA”? Não! 6 O QUE É PRECISO PARA MUDAR A REALIDADE? Fazer os direitos diferentes, sabe? É, puts véi, é o respeito, o máximo que eu consigo imaginar.

7 O QUE PODE SER FEITO AGORA? Não faço ideia. 8 VOCÊ SE SENTE CAPAZ DE ABDICAR DOS PRIVILÉGIOS? POR QUÊ? Eu acho que não. Ah, sei lá, por causa de que.. negro sofre muito e brancos sempre levam vantagem, essas coisas. É a mesma coisa de tipo, falar, colocar, sei lá… um


PERGUNTA AUXILIADA POR TEXTO (P. 12 E 13)

prego e um... tipo, um pano, tipo, ele não prende, sabe? Mesma coisa. 9 QUAL ETAPA VOCÊ ACHA QUE SE ENQUADRA? Ah, não sei. É, eu já pensei se eu sou racista ou não, já pensei, já refleti, mas já convivi com vários amigos meus, gente fina. Eu tenho um amigo meu que é negro, gente fina pra caramba, eu gosto muito dele, já me ajudou em várias coisas. É então, sei lá, não sei.

com ele, e falar “cara, cê’ tá fazendo uma coisa que é muito errada, isso não pode. Tenta mudar cara, pensa no que cê’ tá fazendo. E, por que você tá fazendo isso? O motivo? A realidade do motivo?”. É isso que eu faria.

10 FALE UM POUCO SOBRE O QUE ACHA, PENSA, SENTE SOBRE O ASSUNTO Bom, racismo pra mim é um preconceito muito pesado, pra mim. Se tipo, se eu vejo um amigo meu que é negro, é... vem “umas polícias” enquadrar a gente, quem que você acha que eles vão liberar primeiro? Eu, porque eu sou branco. Meu amigo que é negro, vão deixar, eles não vão perdoar. E sobre esse racismo, eu acho muito, tipo, bando de otários, essas coisas. Então eu sou 100% contra o racismo, e eu mesmo falo, eu mesmo falo que a cor dos negros são mais bonitas que a minha, eu falo mesmo. Então, cara, é... eu sou contra o racismo, é isso. 11 O QUE DENTRO DE SUA REALIDADE, PODERIA SER FEITO PARA MUDAR O CENÁRIO AGORA? Bom, eu acho que eu posso, eu sou capaz, eu acho. Se as pessoas já me ajudaram, eu posso ajudar também. Ah sei lá, acabar com racismo, fazer uns planos, é tentar… é conversar. Tentar mostrar a realidade da pessoa, se tipo, se eu encontro um racista, eu tento lá falar 51


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Irene, 65 Pedagoga

28.04.2021 - Irene é uma mulher negra de 65 anos, reside em São Paulo, capital. Profissão: pedagoga.

1 O QUE VOCÊ ENTENDE SOBRE RACISMO? 2 COMO ISSO TE ATINGE? Entendo que racismo é a forma de subalternizar pessoas, sociedades...ou seja, enxergar as pessoas como seres inferiores. Enquanto mulher negra, professora e pesquisadora. 3 SE O RACISMO NÃO EXISTISSE, 54

O QUE MUDARIA NA SUA VIDA? Se fossemos tratados com uma visão de ser humano, muitas conquistas seriam realizadas. Eu continuo resistindo porque sou Ubuntu. E, enquanto a sociedade não enxergar o ser humano pelo seu valor humanitário e julgá-lo pela cor da pele, muitos desafios teremos que enfrentar.

4 O QUE FALTA PARA MUDAR O CENÁRIO? Na atual conjuntura entendo que a minha geração ainda não vai alcançar essa mudança. Mas, como membro participante tanto do movimento negro, quanto da literatura, quanto da formação dos ser humanos, acredito que precisamos resistir sempre, porque vidas negras importam!

5 O QUE PENSA SOBRE O QUE PODE SER FEITO AGORA? No contexto atual, continuamos resistindo, temos legislações que nos fortalecem e que é preciso cobrá-las. Temos formação, temos esclarecimento e temos que ser conhecedores de nossos direitos para podermos reivindicar com propriedade,


aquilo que é direto. Os nossos ancestrais vieram escravizados do continente africano e nós continuamos a lutar contra essa visão unilateral e como diz Chimamanda Adichie “perigo de uma história unica”. Resistamos sempre! 6 O QUE ESPERA DE UM FUTURO SEM RACISMO? Estamos lutando e resistindo para que nossas crianças, no futuro, possam ter uma visão mais abrangente da beleza que é ser negro, da beleza que é ser filha ou filho de negro e o quanto o negro é bonito. Então temos que começar lá no ventre materno, mostrando a beleza do povo negro e visualizando e celebrando nos 360 dias do ano.

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Referências - páginas 12 e 13: CONCEIÇÃO, W. L.. Branquitude: dilema racial brasileiro. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2020. 92 p. KILOMBA , G. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. 62


Hemelin Sousa, 2021 Projeto gráfico | Entrevistas | Edição: Hemelin Sousa

Título: #TelaPreta Formato aberto: 42 x 21 cm Formato fechado: 21 x 21 cm Suporte capa: papel color plus 180g Suporte miolo: papel pólen 90g Encadernação: capa dura Fontes: Gotham Book, Gotham Book Italic, Gotham Bold, Aldo The Apache Número de páginas: 64 páginas Diagramação: Software Adobe lndesign CC 2019 Texto imagem: Software Adobe Illustrator CC 2019 Impressão: digital (laser), 4x4 Extensão: Instagram @projetotelapreta

São Paulo, SP Jd. Rosinha - Morro Doce. @hemelinsousa | hemesousa@gmail.com | telapreta.projeto@gmail.com 63


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