No âmbito da 13ª Edição do Prémio Fundação Ilídio Pinho "Ciência na Escola – A ciência e a tecnologia, ao serviço de um mundo melhor”, foi criado um projeto de parceria entre os Jardins de Infância da EB1/JI de Creixomil (Barcelos) e da EB1/JI de S. Miguel (Enxara do Bispo – Mafra). Este projeto pretende usar a forma de “ver” dos cegos, para desenvolver um “código linguístico” que permita o reconhecimento sensório-motor daquilo que nos rodeia e que, apesar da distância, se pode tornar próximo e que, mesmo não se “vendo”, possa ser “olhado”. “Ver com as mãos, olhar com o coração” apela ao conhecimento, à sensibilização e ao respeito pela diferença. A este projeto juntou-se também Aida Sousa, uma adulta cega que, durante todo o trabalho desenvolvido pelas crianças e os adultos dos dois Jardins de Infância, foi uma companheira inspiradora para a criação de um conjunto de materiais, do qual faz parte este livro, criado por setenta mãos de crianças que desenharam as palavras que seis mãos de adultos escreveram. Impresso a tinta, em Braille, e acompanhado de um audiolivro, “Ver com as mãos, olhar com o coração”, pretende ser um livro que, quando se abre, nos mostra outras formas de ser livro. Um livro para ser lido com as mãos e olhado com o coração… São seus autores: Da Sala Amarela da EB1/JI de Creixomil (Barcelos) Beatriz Martins (6 anos), Luciana Correia (5), Filipe Vieira (5), Rodrigo Viana (5), Leandro Miranda (5), João Reis (5), Inês Fonseca (5), Clara Durães (4), Lourenço Coelho (4), Margarida Cachada (4), Tomás Costa (4), Joana Figueiredo (3), Lara Martins (3), Afonso Carneiro (3), Constância Oliveira (3) e Margarida Ferreira (3), Educadora de Infância: Cristina Pinto e Assistente Operacional: Luciana Silva.
Do Jardim de Infância de S. Miguel – Sala Amarela (Enxara do Bispo -Mafra) Leonor Henriques (5 anos), Rodrigo Martins (5), Sofia Martins (5), Beatriz Mota (5), Matilde Silva (5), Artur Manta (5), Isabel Oliveira (4), Christianny Costa (4), Leandro Marna (4), Maria Rita (4), Letícia Gomes (4), Rodrigo Cardoso (4), Maria Madalena (3), Maria Nunes (3), Martim Caloira (3), Sara Antunes (3), Ana Francisca (3), Beatriz Fernandes (3), Érica Rafael (3) e Gabriel Ramos (3) Educador de Infância: Henrique Santos e Assistentes Operacionais: Sofia Boaventura Dias e Renata Runa
A Aida Sousa nasceu a 3 de Maio de 1975. Dois meses depois de ter nascido, foi-lhe diagnosticado um glaucoma congénito que lhe provocou a cegueira que a acompanha há 41 anos. Foi operada aos 2 e aos 8 meses, sem sucesso. O seu irmão, mais velho do que ela, foi operado aos dois anos e evitou a perda de visão de um olho. Apesar da cegueira, sempre teve perceção luminosa. Gostava de olhar os objetos onde os raios de sol batiam, para lhe ver as cores. Aos 9 anos deixou de ser sensível a algumas cores e passou a ver a luz apenas pelo olho direito. A Aida gosta muito de animais. Segundo ela, por sua causa, as pessoas lá de casa começaram a olhar para os animais com “outros olhos”. Contudo, a sua maior paixão são as crianças. Nada a fascina mais do que trabalhar, educar e alegrar a mente das gentes de palmo e meio. A Aida viveu sempre integrada no mundo dos que veem. Os seus pais mantiveram-na próxima da realidade e educaram-na da forma mais natural possível. A sua mãe ensinou-a a lidar com tesouras, agulhas e tantos outros objetos aparentemente perigosos, mas com os quais nunca teve problemas. A sua família nunca a isolou do mundo que a rodeava e preparou-a para viver em sociedade. Sempre estudou em escolas públicas, onde os seus colegas eram todos normovisuais. Usa mecanismos e objetos que foram adaptados para os cegos, mas também cria estratégias quando os objetos não foram pensados para si. Assim, Aida supera as suas dificuldades todos os dias num mundo onde “as diferenças são simplesmente isso mesmo, diferenças. Porque ser diferente não é ser menos”.
Prefácio Caros(as) leitores(as)! A infância é própria às descobertas, com a curiosidade imensa à espera de ensinamentos e aprendizagens constantes. Ensinar no Jardim-de-Infância é verdadeiramente uma arte de fazer crescer crianças felizes e capazes de enfrentar desafios. Numa viagem pelo universo dos sentidos, este conto leva-nos a explorar a experiência real de uma menina com Deficiência Visual conjugada com o imaginário dos seus pequenos autores que através de aromas, sabores, sons e sensações táteis se propõem a desafiante tarefa de dar uma outra vida às cores. Numa reflexão sobre a diferença, esta história construída pelas e para as crianças, faz apelo aos valores da cidadania e ao respeito pela diversidade como ferramentas essenciais para uma sociedade mais inclusiva. Na verdade, somos todos Diferentes! Mas também somos todos Iguais! Como aprendem, comunicam e se relacionam as crianças com Deficiência Visual e como podem ser ultrapassadas algumas barreiras criadas pela cegueira, nomeadamente em contexto escolar, são algumas das questões abordadas nesta história através do espírito crítico dos seus pequenos autores! Boa Leitura! ACAPO de Braga
Para todos os meninos e meninas do mundo que queiram ver com o coração…
Numa aldeia em que os galos cantam pela manhĂŁ nos poleiros castanhos dos galinheiros, as ovelhas pastam nos campos verdes e as rolas voam no cĂŠu azul, nasceu uma menina. Esta menina nĂŁo tinha os olhos castanhos, nem verdes, nem azuis. Esta menina tinha os olhos brancos.
Brancos como as nuvens fofas do céu. Brancos como as pétalas das margaridas que nasciam no jardim de sua casa… Os seus pais deram-lhe o nome de
Aida.
Eles foram os primeiros a perceber que a Aida era diferente das crianças que eles conheciam.
Os olhos brancos da filha não lhe permitiam ver o mundo como as outras crianças viam. A Aida era cega.
Mas a cegueira da Aida permitia-lhe sentir a claridade do dia e o escuro da noite. E no seu mundo branco do dia e preto da noite, a Aida, tal como as outras crianças, tinha com ela um grupo de amigos, dispostos a ajudá-la a “ver” o mundo.
Dez desses amigos chamavam-se Dedos. Moravam nas mãos e ajudavam-na a ver as formas e as texturas daquilo que a rodeava. Foram os Dedos que lhe mostraram a forma das frutas, a maciez, a aspereza e a rugosidade da sua casca, o toque macio do cobertor, o quentinho delicioso do biberão‌
e atÊ uns pelos engraçados que o seu pai tinha entre o nariz e a boca e a que os adultos chamavam de bigode.
Os Dedos tinham duas primas que se chamavam Orelhas. As Orelhas eram muito engraçadas porque adoravam andar enfeitadas com brincos pequeninos ou pingentes pendurados. Eram as Orelhas que mostravam à Aida os sons que conseguia ouvir, porque além de vaidosas, eram muito atentas! Com a sua ajuda, a Aida ficou a conhecer a voz terna de sua mãe, a voz decidida de seu pai, a voz fresca e risonha de seu irmão e tantas outras vozes que a rodeavam.
Aprendeu a distinguir o doce canto dos pássaros, a canção alegre dos galos, o ladrar protetor do seu cão, o miar mimado do seu gato e muitos outros sons que ouvia à sua volta.
As Orelhas tinham duas tias, as Narinas, que eram muito “senhoras do seu nariz” e metiam-no em tudo o que podiam. Adoravam cheirar o ar por onde passavam e, quando se constipavam, só gostavam de lenços cor-de-rosa perfumados. As Narinas tinham uma vizinha que estava sempre molhada e só via a luz do dia quando a boca se abria.
A Língua era muito inteligente e conhecia todos os sabores do mundo: o doce, o salgado, o amargo, o ácido, o picante. E até o áspero e o macio, o líquido e o seco, que são características daquilo que a dona Língua tanto gosta de provar.
Do que a Aida mais gostava era passear pelo seu quintal, sentindo, ouvindo, provando e cheirando o seu pedacinho de mundo.
No quintal, a cor-de-laranja carregava de frutos sumarentos a velha laranjeira. E a ameixoeira, com os seus longos ramos carregados de ameixas roxas, oferecia os seus belos frutos a quem os quisesse apanhar.
Nesta viagem, por entre as árvores e o canto dos pássaros, ela também descobriu uma luz diferente. Era uma luz que não aparecia todos os dias, mas quando vinha ter com ela, trazia um calor tão agradável que a deixava muito feliz.
Foi assim que ela conheceu o Sol e o adotou como seu grande e brilhante amigo. O grande amigo Sol ensinou Ă Aida que, na sua luz, havia outras cores para alĂŠm da luz branca e brilhante que ela sentia durante o dia.
Sentindo as cores, ela aprendeu os seus nomes. A cor branca que ela conhecia, fazia-a lembrar o frio, mas tambĂŠm a fazia imaginar o que estava para alĂŠm da claridade que ela conseguia ver.
A noite mostrou-lhe uma cor que os seus pais lhe disseram chamar-se preto.
Quando ficou a conhecer o vermelho comparou-o Ă luz da lareira onde, nas noites frias, a sua famĂlia se reunia.
Depois veio o azul, a cor que fazia a Aida sentir-se calma e tranquila e que a deixava com imensa vontade de voar. Por fim, mostraram-lhe uma cor que lhe fazia lembrar a luz do Sol e entĂŁo descobriu o amarelo.
Como para todas as outras crianças da sua aldeia, chegou o dia em que a Aida foi para o Jardim-de-Infância. Encontrou um novo mundo à sua espera com muitos brinquedos, muitos livros, muitas cores e muito para aprender e também para ensinar!
Na hora de apresentar as crianças que chegavam pela primeira vez a educadora de infância disse: - Esta é a Aida. Como todos vós, a Aida é especial. E sabem o que a torna especial? Os seus olhos. A Aida é cega. - O que é isso de ser cega?! perguntou um menino que nunca tinha conhecido outra pessoa com os olhos iguais aos da Aida.
Então a educadora explicou que uma pessoa cega era alguém que não conseguia ver com os olhos. Mas as perguntas não paravam, porque a curiosidade das crianças é imensa. - Como pode ela ver?! perguntou uma menina. A educadora disse-lhes que, com a ajuda de todos, a Aida iria ensinar-lhes que há muitas outras formas de ver.
Os dias foram passando e entre aquilo que as crianças aprendiam com os adultos e aquilo que poderiam ensinar-lhes,
a Aida passou a conhecer mais um pedacinho de mundo. A Aida ensinou a todos como a poderiam ajudar a conhecer melhor esse pedacinho de mundo e as outras crianças ensinaram-na a “olhar” para ele.
De mão dada, ajudaram-na a conhecer melhor o espaço onde agora ela passava uma parte importante do seu dia. Levaram-na até aos brinquedos, aos livros, aos lápis de cor e às folhas de papel, à casa-de-banho e às oliveiras que trepavam no recreio.
Um dos seus jogos preferidos era o jogo da Cabra Cega, onde todos se divertiam e a diferença da Aida era a diferença de todos.
Falar com a Aida também era muito importante, pois assim ela aprendia a distinguir as vozes das outras crianças e adultos e a conhecê-los. As crianças aprenderam que a Aida “via” quando tocava, ouvia, cheirava ou saboreava… Ela conhecia-as pelo toque da sua mão, pelo som da sua voz, pelo perfume que usavam e até pelas guloseimas que com ela partilhavam.
Aprenderam com a Aida que afinal os cegos podem “ver”. Podem “ver” com as mãos, com o nariz, com as orelhas e com a língua. Tocar, cheirar, ouvir e saborear, são também formas de “ver” aquilo que nos rodeia.
O tempo ia passando e a menina cresceu, em tamanho e sabedoria. Uma sabedoria que guardava numa caixinha mágica chamada coração, onde guardava também os seus amigos. Que nunca a deixaram só.
Contudo, não basta ver. É preciso saber olhar.
Olhar é bem mais do que voltar os olhos para alguém ou alguma coisa. Olhar é darmos sentido ao que vemos. É valorizar tudo o que conhecemos e aprendemos. É transportar tudo isso para dentro de nós mesmos e deixar que o nosso coração sinta cada pessoa, paisagem ou objeto e os transforme numa emoção.
E assim se aprende a olhar com o coração.
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Caros amiguinhos, Olhar com o coração é a emoção que permite “pintar” dentro de nós, tudo o que os nossos sentidos nos deixam ver. Olhar com o coração não é exclusivo dos cegos. É uma capacidade bela ao alcance de todos os que querem olhar o mundo com sentimento, com amor. Há pessoas que podem não ver, não ouvir, não falar, não andar, ou com tantas outras diferenças que vais encontrar ao longo da tua vida. Mas quero muito que saibam e sintam que as diferenças são simplesmente isso mesmo, diferenças. Ser diferente não é ser menos. Nunca deixem que uma diferença seja para vós, ou para um amigo vosso, sinónimo de incapacidade. Muitos são os objetos que hoje auxiliam aqueles que deles necessitam. Mas haverá ainda muito para inventar. Quem sabe, um dia serão inventores de uma máquina, um software, ou um simples objeto, que fará toda a diferença na vida das pessoas cegas, ou com qualquer outra deficiência, que as ajude a desenvolver todas as suas potencialidades! Todos nós devemos evoluir sempre… até ao nosso limite. E o nosso limite deve ser sempre o infinito. Sabem onde mora esse infinito? Mora bem dentro de nós, nesse lugar mágico onde tudo se sente, onde tudo vira cor feita emoção, onde tudo encontra finalmente um sentido! Com um beijinho de amizade, da Aida Sousa (aidadocarmo.zen@gmail.com)
Propostas de atividades Depois de leres este livro podes realizar algumas atividades que te farão entender melhor como “olhar” com todos os teus sentidos. Só tens de te tornar detetive dos sentidos..… Observação 1. Se observares com atenção os teclados do computador, do telemóvel e do multibanco ou as moedas e os tamanhos das notas, vais encontrar algumas “pistas” que te farão entender que não é preciso ver com os olhos para perceber as diferenças. O que será? (Ouve as dicas no CD); 2. Para perceberes como veem os cegos, com perceção luminosa, faz uma mascarilha e coloca papel branco na zona dos olhos Depois, podes tentar acertar os objetos que consegues discernir, apenas pela sua “mancha”. Experiências A ciência das cores 1. Se misturares, entre si, o amarelo, o azul e o vermelho (cores primárias), descobrirás que surgirão outras cores. São as cores secundárias. Será que consegues fazer as cores da frutas da laranjeira? E as da ameixoeira?
2. Se desenhares com marcadores num filtro café, e os molhares com álcool, vais descobrir as muitas cores que constituem a cor do marcador com que pintaste os teus desenhos. A esta “máquina”, digna de um episódio de investigação criminal, chama-se Cromatógrafo.
3. Sabias que quando se trata de pigmentos, o preto é a mistura de todas as cores? Mas se construíres um Disco de Newton, vais perceber que quando se trata de luz, se sobrepusermos todas as cores luminosas obteremos uma só cor. Só tens de recortar um circulo de papel e pintá-la com as cores do arco-íris em listas perpendiculares (como na imagem). Depois podes espetar no seu centro um lápis e fazê-lo rodar com alguma velocidade. A ilusão de ótica vai fazer-te ver a cor… Jogos 1.Cabra-Cega Quase todos nós sabemos jogar ao jogo da “Cabra-cega”: basta vendar os olhos de um dos jogadores e levá-lo a encontrar e reconhecer os outros jogadores através do tato. Mas podemos dificultar-lhe a vida: podemos trocar de roupa, alterar o penteado ou pôr uns óculos. Fica mais difícil, não fica? Imagina agora como um cego se sente quando lhe “trocam” as referências que ele tem e que são como certezas… 2. Sons, Cheiros e Sabores da Terra Junta alguns objetos e materiais que podes recolher em qualquer parque ou jardim (pedras, paus, folhas de árvores, flores, etc.) e depois dispõe-nos, limpos, num tabuleiro. De olhos vendados, toca-os, ouve-os, cheiraos. Podes fazer o mesmo com alimentos, e assim utilizar também o paladar. Será que consegues reconhecê-los todos? Convida os teus amigos para jogarem contigo.
Produção e realização
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