Mensal • Ano do Senhor 2015
Informativo da Congregação do Oratório :: Parque São Lucas - São Paulo
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EDIÇÃO HISTÓRICA
500 ANOS DE NASCIMENTO DE SÃO FILIPE NERI
EditoriAl
Dom Agnelo Rossi, cardeal arcebispo de São Paulo, e padre Aldo Giuseppe Maschi durante a solenidade da bênção da pedra fundamental da igreja de São Filipe Neri do Parque São Lucas
A benemérita presença da Congregação do Orató- João Duarte do Sacramento a grande missão de ser o rio no Brasil se compõe de dois períodos. O primeiro seu primeiro prepósito. O segundo momento da Congregação do se estende de meados do século XVII até a primeira parte do século XIX, quando foi extinta em 1830; Oratório no Brasil é bastante recente. Desde a exdeixando, portanto, de existir uma Congregação de tinção dos padres oratorianos em 1830, até 1957 não língua portuguesa no mundo. tivemos a presença de um filho de São Filipe Neri Nestes primórdios, foram os padres orato- entre nós, até que a Divina Providência escolheu rianos dedicados apóstolos em vários aldeamen- o reverendíssimo padre Aldo Giuseppe Maschi, do Oratório de Verona, para tão alta empresa. tos indígenas em Pernambuco e Ceará, Ele foi o primeiro pároco da Paróquia São chegando a erigir uma casa em Salvador, Filipe Neri, criada em São Paulo (SP) em 11 nosso primeiro bispado. Todavia, deve-se de fevereiro de 1958. reconhecer a presença do Oratório de São Somente após 40 anos de sua preFilipe Neri em terras de Santa Cruz, sosença é que Pe. Aldo conseguiu reunir as bretudo, através da Congregação que se condições necessárias para a ereção canôniinstalou na capital de Pernambuco, cujo ca da Congregação do Oratório, que se deu belíssimo templo até hoje se encontra edificado: a célebre igreja da Madre de Deus. Pe. Aldo Giuseppe Maschi aos 25 de março de 1996, quando, então, passou a ser a única casa oratoriana de lín Os primeiros padres oratorianos “foram educadores notáveis, ministrando tanto o gua portuguesa em todo o orbe. Correspondendo ao amor que São Filipe ensino secundário como o superior e, como promo- tores da cultura, podiam se gloriar de possuir a me- Neri tinha à Santa Igreja e ao Santo Sacrifício, os padres oratorianos nunca deixaram de celebrar a Santa lhor biblioteca de Pernambuco colonial”1. Cumpre-se dizer que os oratórios lusófonos Missa na forma tradicional. Eis porque, no Parque nasceram concomitantemente em Portugal e no São Lucas, é celebrada ininterruptamente, desde sua Brasil, sendo o Oratório lisboense (seu fundador, o vigência, a Santa Missa de acordo com as orientações Pe. Bartolomeu de Quental) a obra prima de todas as prescritas no Motu Proprio Summorum Pontificum. Congregações espalhadas pelo abrangente domínio 1. LIMA, Ebion de. A Congregação do Oratório no português. Já aqui no Brasil, coube ao venerável Pe. Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1980, p. 1.
Expediente O informativo ‘A Voz do Oratório’ é uma publicação mensal da Congregação do Oratório de São Filipe Neri de São Paulo. A distribuição é gratuita na região do Parque São Lucas. Anuncie n‘A Voz do Oratório’, e ajude-nos a manter este trabalho. Informações pelos tel.s: 3569-1292 / 3794-4852 / 9 4966-5406 ou pelo e-mail avozdooratorio@gmail.com – a/c Silvana. • Direção geral: Pe. Fabiano Micali • Editoração, diagramação, arte e projeto gráfico: Henrique Sebastião • Tratamento de imagem: Henrique Sebastião • Redação: Pe. Fabiano Micali, Henrique Sebastião, Silvana Sebastião • Revisão: Silvana Sebastião • Impressão: Paulo Gomes Artes Gráficas (9 6399-4474)
FUNDADOR 4
Servi o Senhor com alegria. “Vinde, entrai exultantes em
sua Presença.” (Salmo 99,2)
São Filipe Neri
o Apóstolo da Santa Alegria
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om esta edição celebramos o quinto centenário de nascimento de um dos santos mais marcantes da história da Igreja: o grande São Filipe Neri, nascido a 21 de junho de 1515. Os Santos são modelos para nós. Pela sua vida, nos ensinam de modo concreto como servir a Deus e praticar a virtude. Que lição especial nos dá Filipe Neri? Esse amável Santo italiano nos ensina a “servir o Senhor com alegria” (Salmo 99,2). Por seu caráter jovial, foi chamado “santo da alegria” ou “o jogral de Deus”. Ele é o padroeiro da santa alegria. Assim, pode ser um poderoso intercessor quando estivermos acabrunhados com o peso da vida ou em nossos períodos de tristeza ou depressão, infelizmente tão frequentes nos dias difíceis que vivemos.
Filippo Romolo Neri, segundo filho de Francisco Neri e Lucrecia da Mosciano, nasceu na bela cidade de Florença, Toscana, Itália. O casal tinha já uma filha, Catarina, nascida dois anos antes, e teria, três anos depois, Elizabetta (ou Isabel). Outro filho, Antônio, morreria em tenra idade. Filipe foi batizado na igreja São Pedro Gattolino no dia seguinte ao do seu nascimento. O pai, modesto tabelião, era um bom católico. Sua família havia sido nobilitada no serviço do Estado por ter exercido, durante gerações, funções de relevo na cidade. Menino de apenas cinco anos, Filipe perdeu a mãe. Encontrou na madrasta, Alexandra de Michele Lensi, uma digna sucessora, que o amou como a um filho. Era criança tão amável que logo era chamado “Pippo Buono”, o “bom Filipinho”. Essa bon-
dade de coração e amabilidade contagiantes, permeadas pela Graça divina, seriam no futuro o grande segredo das conquistas do seu apostolado. Sua irmã Isabel, testemunha no processo de beatificação, diz: “Ele jamais deu desgosto a seu pai, nem fez algo pelo qual o repreendesse (exceto uma zanga feita uma vez à irmã). (...) Pacífico, jamais se zangou; alegre [ou ‘brincalhão’], máxime com a madrasta, manso e paciente” (Cistellini, p.19). Filipe aprendeu as primeiras letras com um professor chamado Clemente, que lhe ensinou a ler, escrever, contar. Da primeira infância restam-nos dois episódios narrados por seus primeiros biógrafos. Pippo tinha por volta de oito anos quando, num dia em que queria silêncio para refletir, sua irmã o perturbava. Estavam eles no alto de uma escada. O
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dava. Logo se viu que não tinha tino comercial. Apenas terminado o trabalho do dia, retirava-se para alguma igreja ou oratório, abundantes na Itália. Servia-se também do emprego para fazer apostolado, perguntando aos fregueses se sabiam rezar, ou se haviam feito a Páscoa. O tio dizia: “Filipe nunca será bom comerciante. Eu lhe deixaria toda a minha herança, se não fosse a mania de rezar”. Para Filipe, a “mania” era uma necessidade. “Nada ajuda mais o homem do que a oração”, diria mais tarde. Um local para onde Filipe se retirava com frequência era uma capela de montanha dos Beneditinos de Monte Cassino, construída sobre a Baía de Gaeta, na fenda de uma rocha que, segundo uma tradição, fendera-se na hora da Morte de Nosso Senhor.
Na Cidade Eterna
menino não teve dúvidas: aplicou-lhe um empurrão, e ela rolou escada abaixo. O outro fato é visto como a primeira intervenção visível da Providência divina em sua vida: mais ou menos com a mesma idade, Filipe foi brincar num terreiro perto da casa. Vendo uma mula carregada de frutas, de algum vendedor, não hesitou: pulou-lhe no lombo para cavalgá-la. A besta, assustada, desequilibrou-se e caiu. Mula, carga e menino rolaram pelo chão, caindo num profundo porão. Quando os pais e vizinhos acorreram pensando encontrar o menino morto, viram-no ileso e rindo da aventura. Filipe estudou depois no convento dominicano de São Marcos, de sua cidade natal. Mais tarde dirá que devia muito do seu progresso intelectual a dois professores daquele convento, Frei Zenóbio de Medici e Frei Servanzio Mini.
O comércio ou o divino
Aos 18 anos, Pippo foi enviado para a Vila São Germano, aos pés do Monte Cassino, para a casa do tio (primo-irmão do pai) Bartolomeu Romolo, para ser iniciado na carreira de comerciante. Ganhou a confiança e afeição do tio, mas, apesar de se empenhar no negócio, suas cogitações estavam muito acima das mercadorias com que li-
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Em 1534, com 20 anos incompletos, movido por um impulso sobrenatural, sem avisar seus pais ou qualquer parente, Filipe partiu para Roma como peregrino, na mais completa pobreza. Na Cidade Eterna, procurou Galeotto Del Caccia, aristocrata seu conterrâneo, aduaneiro; em troca de aulas para seus dois filhos, passou a receber pousada e uma renda de farinha, que transformava em pão para seu sustento. Seu quarto na casa do aristocrata era um verdadeiro cubículo, com apenas um leito, uma mesinha e uma corda presa à parede para pendurar suas roupas. Filipe destinava quase todo seu tempo livre à oração. Sua vida era tão pura e edificante que logo chamou atenção: começou a se espalhar a sua fama de santidade, – fama que chegou até Florença. – Quando falaram dele à sua irmã Isabel, ela disse: “Não me surpreende. Desde seus primeiros anos, vendo suas virtudes, eu podia já conjeturar que se tornaria um grande santo”.
Estudos
Depois de dois anos de vida reclusa, Filipe resolveu recomeçar seus estudos, cursando Filosofia no Estudo Geral dos agostinianos. – Alguns de seus mestres participaram ativamente no Concílio de Trento. – Cursou ainda Teologia na Universidade La Sapienza. Esses estudos foram de pouca duração. Explica seu discípulo, Cardeal César Barônio: “Toda a organização acadêmica do tempo, o sistema escolástico, era-lhe áspero: as disciplinas filosóficas eram para ele verdadeiras cadeias, das quais logo se decidiu livrar... Dir-se-á, em seguida, que o fato de abandonar o estudo se dera pelo quotidiano encontro, nas aulas, de um grande crucifixo, que o comovia às lágrimas” (Cistellini, pp. 27-8).
Algumas fontes mostram que, em 1538, quando julgou ter aprendido bastante, Filipe vendeu seus livros para socorrer os pobres. Assim ajudou um jovem sacerdote calabrês em dificuldades, Guilherme Sirleto, que depois seria cardeal. Todavia, embora não tenha mais estudado com regularidade, sempre que chamado a dar seu parecer, apesar da habitual reticência, surpreendia os eruditos pela profundidade e clareza de seus conhecimentos teológicos. De fato, “até seus últimos anos discutia as questões mais elevadas e sutis com tanta facilidade e erudição como os que consagram a vida ao estudo. Não se esqueceu mesmo das controvérsias mais importantes, e espantava ouvi-lo repetir com exatidão, os sentimentos dos doutos sobre tais questões, e os raciocínios nos quais se apoiavam”(Guérin, p.217). Despojando-se dos livros, Filipe manteve dois: a Suma Teológica e a Bíblia. Considerava Santo Tomás o teólogo por excelência, e sempre, nos debates, apoiava-se no Doutor Angélico. Foi provavelmente durante o ano em que servia como tutor dos filhos de Caccia que Filipe escreveu a maior parte de suas poesias, em latim e italiano, que, infelizmente, não passaram à posteridade, pois Filipe, antes de morrer, queimou todos os seus escritos, restando apenas alguns sonetos. Isso explica o pouco que temos de material de seu próprio punho.
igrejas” (S. Pedro, S. Paulo extra-muros, S. Sebastião, S. João de Latrão, S. Lourenço extra-muros, Sta. Maria Maior e Sta. Cruz de Jerusalém) antiga devoção popular que depois legou ao Oratório.
Por dezessete anos Filipe viveu como leigo, sem pensar em tornar-se sacerdote. Tendo conseguido juntar um pequeno pecúlio para atender às suas parcas necessidades, entregou-se totalmente ao apostolado com os doentes e pobres, o que lhe valerá mais tarde o título “Apóstolo de Roma”. Passou a frequentar os hospitais da cidade, e se inscreveu na confraria de Santa Maria da Purificação para assistência dos enfermos no Hospital São Tiago dos Incuráveis. Mesmo leigo, em harmonia com a assistência material Filipe pregava a todos a Palavra divina. O Santo passou a fazer, ainda, a visitação das “sete
Pentecostes
Cristo no próximo
Filipe e Inácio
Por aquele tempo, Filipe frequentava a igreja Santa Maria da Estrada, dos primeiros jesuítas; assim conheceu Santo Inácio de Loyola. Consta que esse Santo quis Filipe entre os seus, para enviálo às Índias, mas este preferiu aguardar os desígnios de Deus. Entretanto, enviou muitos recrutas para a recém-fundada Companhia de Jesus. Santo Inácio dizia que Filipe era como um sino, que chama os demais para entrar (na igreja), ficando do lado de fora...
No ano 1544, – no qual Filipe dizia que tivera início a sua “conversão”, – Filipe estava na Catacumba de São Sebastião rezando ao Espírito Santo, quando se deu o grande milagre que ele próprio narrou ao cardeal Federico Borromeu. Pouco antes da Festa de Pentecostes daquele ano, após a aparição de São João Batista, “golpeou-o um ímpeto de ardor, uma irrupção do Espírito Santo que o fez cair por terra e marcou seu corpo” (Cistellini, pp.30-31). Sobre tal, afirmou Vittori, seu médico: “Dizia-me
que, aos trinta anos, tinha grande fervor e pedia ao Espírito Santo que lhe desse um cúmulo de espírito; disse-me que lhe fora dado tanto que o lançou por terra. Ao se levantar, sentiu elevado o peito e uma contusão por dentro, a qual durou enquanto viveu” (Cistellini,p.31). Seu biógrafo Pietro Giacomo Bacci descreve assim o que sucedeu: “Quando ele estava com o maior empenho pedindo os Dons do Espírito Santo, apareceu-lhe um globo de fogo que entrou por sua boca e se alojou em seu peito; em seguida, ele ficou tomado por tal fogo de amor que, incapaz de suportá-lo, atirou-se ao solo; como alguém que tenta se refrescar, despiu seu peito para de algum modo moderar a chama que sentia. Após permanecer assim por algum tempo e recuperar-se um pouco, levantou-se cheio de inusitada alegria, e imediatamente todo seu corpo começou a tremer violentamente; pondo a mão no peito, sentiu no lado do coração um inchaço grande como o punho de um homem; mas, nem então nem depois, isso provocou a mais leve dor ou ferida” (Ritchie, op.cit). Quando, depois da morte, os médicos examinaram seu corpo, constataram que o coração estava dilatado e que, para que houvesse espaço suficiente em seu peito para mover-se, haviamse quebrado duas costelas, que tomaram a forma de arco. Um dos médicos que fez a autópsia, Andrea Cesalpino, declarou: “Percebi que as costelas estavam rompidas naquele ponto, isto é, separadas da cartilagem. Só dessa maneira era possível que o coração tivesse espaço suficiente para levantar e abaixar. Cheguei à conclusão de que se tratava de algo sobrenatural, de uma providência de Deus para que o coração, batendo tão fortemente como batia, não se ferisse contra as duras costelas”.
Devorado pelo fogo divino
À partir desse milagre, seu coração palpitava violentamente a cada ação espiritual que praticava. “Crescia esta palpitação (...) estando em oração, e às vezes
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o fazia tremer, bem como a cadeira ou cama onde se achava, e até mesmo o aposento, como se fosse um terremoto. Sentia ele também, naquela parte, um calor tão excessivo que, por mais frio que fizesse, e sendo já muito velho, era obrigado a desabrigar o peito e, às vezes, sendo inverno, abrir as portas e janelas do aposento para compensar o fogo que se espalhava por todo seu corpo” (Ribadeneira, pp.332).
O berço do Oratório
Por volta de 1547, Filipe passou a frequentar a igreja da Arquiconfraria de São Jerônimo da Caridade. Ali vivia um grupo de sacerdotes seculares de vida exemplar, constituindo pequena comunidade. Cada um vivia livremente das próprias rendas, a serviço do templo e da Confraria, tendo mesa em comum. Não se obrigavam a votos. Foi este o berço do Oratório de São Filipe Neri. Por sua boa fama, tal igreja passou a ser o ponto de referência para eclesiásticos chegados a Roma, entre os quais estarão alguns dos filhos mais queridos de Filipe. Foi ali que o Santo encontrou seu primeiro confessor (primeiro de que se têm notícia), padre Persiano Rosa, a quem se afeiçoou pelo ânimo alegre e espírito sereno. Nesse tempo Filipe começou suas conquistas entre seus jovens conterrâneos, aprendizes e empregados de banco. Sentia-se atraído especialmente a cuidar dos jovens. Para pô-los em guarda contra as seduções da idade e conservar o frescor da virtude, dizia-lhes que se lembrassem sempre das palavras do Profeta: “Bem-aventurado o homem que leva o jugo do Senhor desde a juventude”; e os exortava à mudança de vida. Sua voz e suas maneiras eram tão atratentes que muitos, cedendo ao seu exemplo e benigna influência, renunciavam às frivolidades do mundo e se entregavam totalmente a Deus. Consta que, numa só ocasião, converteu trinta jovens dissolutos.
Confraria da Santíssima Trindade
Em 1548 Filipe fundou, com Persiano Rosa, a Confraria da Santíssima Trindade. Sua finalidade era totalmente devocional, com preeminência ao culto eucarístico. Os confrades se reuniam na igreja de São Salvador in Campo para a Comunhão e exercícios de piedade. Aí o Santo introduziu pela primeira vez em Roma a exposição do Santíssimo Sacramento, na devoção das 40 Horas. Durante o ano jubilar de 1550, o Vicariato de Roma conferiu à Confraria uma nova
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e estável finalidade: a assistência aos peregrinos e convalescentes que, saindo do hospital, necessitavam ainda cuidados. Crescendo a associação, “as obras que os confrades exercitavam com os peregrinos e convalescentes causaram tanta edificação que muitos quiseram imitá-los, vindo pessoas de grande qualidade e prelados eclesiásticos servir aos pobres; até o papa Clemente VIII vinha lavar-lhes os pés, abençoando-lhes muitas vezes a mesa, e servindo-lhes nela” (Ribadeneira, p.333). Não contente com a visita a hospitais, Filipe se punha também a percorrer ruas e praças, falando às pessoas sobre a religião e as coisas de Deus, de maneira comovedora e cativante. A um perguntava: “Então, meu irmão, quando é que começamos a amar a Deus?”; a outro: “É hoje que nos decidimos nos comportar bem?” Era, sobretudo, um semeador da santa alegria dos filhos de Deus.
Costumes angélicos
Como um ímã, Filipe continuava a atrair gente para seu grupo. Era todo fervor e alegria; entretinha o crescente núcleo de discípulos com fervorosos sermões. Atingia o auge da maturidade, sendo assim descrito por um conterrâneo: “Era de belíssimas feições (...) e sempre foi tido como de grande bondade e de costumes angélicos”. Sua natureza “sempre alegre e prazenteira”, seu rosto “alegre e jovial”, sua “hilaridade” (atributo que se nomeia com frequência) concorrem até agora para explicar o fascínio que vai exercendo, e sua crescente popularidade” (Cistellini, pp.36-37). O Santo “comia pouco; uma dieta quase vegetariana: pouquíssima carne, verdura, ovo, nada de laticínios, um pouco de vinho misturado com água. Por espírito de pobreza gostava de viver de esmola, e assim mandava trazer do cardeal Cusani e Borromeo algum ovo e um pouco de pão [cf. Antonio Gallonio, primeiro biógrafo]. Sempre amante da pobreza, com esta buscará formar o espírito de seus filhos, como de uma virtude básica para o homem de Deus”(Cistellini, p.75). Seus discípulos o admiravam profundamente e testemunharam: “Com todos se familiarizava: crianças, grandes, medianos, mulheres, senhores, cardeais, prelados. Todas as pessoas que falavam com o Padre uma vez, regressavam, e não podiam se separar dele” (Cistellini, p.73). O Cardeal Panfili afirma: “Era afável, agradável e carinhoso com todos, de modo que, com grandíssima facilidade e alegria, atraía para o caminho de Deus qualquer pessoa que com ele tratasse, e eram raros os que escapavam de suas mãos” (idem).
Amor à Eucaristia e à Santíssima Virgem
Outra nota marcante na vida de Filipe Neri foi o amor pela Eucaristia. Era tão grande seu fervor que, em vez de se concentrar
na celebração da Missa, tinha que procurar deliberadamente uma distração, para ser capaz de prestar atenção no rito externo do Sacrifício. “Deus o gratificou com extraordinários carismas: êxtases, levitações (especialmente durante a Celebração eucarística), discernimento dos espíritos, predições, intuição das profundidades do coração, intervenções prodigiosas para os enfermos” (Cistellini, p.66). Também “junto com o culto eucarístico, na experiência e na direção, tem notória relevância a devoção à Virgem, que Filipe recomenda como elemento indispensável no progresso da virtude. Sua experiência (...) de uma devoção mariana terna, afetiva, quase infantil, o leva a sugerir aos seus uma singela e compendiada jaculatória repetida como um rosário: ‘Virgem Maria, Mãe de Deus, roga a Jesus por mim’”(Cistellini, p.122-123).
Sacerdote para a Eternidade
Quando Filipe tinha 36 anos, o Pe. Rosa ordenou-lhe, em nome de Deus, que se ordenasse sacerdote. Somente assim, depois de mais estudos, foi-lhe conferido o sacerdócio, a 29 de maio de 1551. Como sacerdote, o Santo dedicou-se especialmente ao confessionário, onde passava grande parte do dia. “Dedicou-se ao exercício da confissão, no qual consumiu o resto de seus dias”, dirá um de seus discípulos. “O título ideal, que o qualificará para sempre, será o de confessor, conselheiro, guia e mestre das almas” (Cistellini, p.40). Muitos de seus penitentes, levados pelo desejo de recolher a doutrina do pai espiritual, passaram a visitá-lo diariamente. “Pouco a pouco os discípulos se tornaram tão numerosos que foi preciso se reunirem numa igreja; por fim, a concorrência cresceu tanto que foi necessário distribuir grupos, à frente dos quais o mestre punha seus discípulos mais capazes. Assim nasceu o instituto do Oratório, sem mais regras que os cânones, sem mais votos que os compromissos do batismo
e da ordenação, sem mais vínculos que a caridade”(Urbel, p.457). O número de seguidores crescia. Um sapateiro, um miniaturista, um notário, outros que convertera quando leigo... As reuniões com o grupo eram informais. “No princípio, liam-se páginas edificantes e interessantes, de fácil compreensão; seguia-se um comentário do Padre. (...) Alguém tomava a palavra, dialogava-se e se continuava discorrendo durante longo período, sem um programa determinado” (Cistellini, p.42). Entre seus discípulos estavam Francisco Maria Tarugi, nobre de Montepulciano aparentado com o Papa, depois Arcebispo de Avinhão e cardeal; o célebre historiador da Igreja Cesar Barônio, doutor em leis, admitido ao grupo em 1557 e que seria dos primeiros a receber o sacerdócio, e depois o sucessor de Filipe na direção do Oratório, e que também se tornou cardeal.
um sinônimo de confraria. “Foi desde o princípio uma experiência de agrupamento totalmente singular, nem sequer poderia chamar-se de associação, porque era de participação livre, sem estatutos e elenco de inscritos; uma acolhida espontânea, regulamentando-se necessariamente na prática”. “Ao longo de todo o processo de restauração que se construía na Igreja [no século XVI], o aporte de Filipe foi, sem dúvida, o de modelar e propor – com sua esplêndida vida e através de sua restringida família presbiterial – a singela figura do sacerdote secular, em sua expressão original e genuína”.
O sonho das Índias
Ouvindo contar as maravilhas operadas por São Francisco Xavier na Índia, e de outros missionários no Novo Mundo, Filipe e seus discípulos pensavam muito em ir também ao Oriente. Entretanto, querendo conhecer a Vontade de Deus, São Filipe procurou outro Santo: Agostinho Ghettini, religioso cisterciense, seu conterrâneo muito favorecido por Deus, pedindo-lhe que consultasse o Senhor sobre esse seu projeto. A resposta divina foi: “Filipe não deve buscar as Índias, mas Roma, onde o destina Deus, assim como a seus filhos, para salvar almas”. Mais tarde, Filipe diria aos discípulos: “Quem faz o bem em Roma, o faz a todo o mundo”.
A singular Congregação
O Oratório surgiu, como vimos, muito modestamente. Sua denominação veio da extensão da palavra, que no princípio se referia a um pequeno edifício, a
Concepção artística da igreja de Santa Maria in Vallicella, construída por São Filipe Neri, tendo ao lado o Oratório, em Roma
“Exatamente por suas características singulares, esta família sacerdotal é absolutamente um unicum na Igreja: não existem instituições, entre inumeráveis, afins a esta. Afirmava-o com autoridade o primeiro sucessor de São Filipe, o padre (depois cardeal) César Barônio, apresentando o texto das Constituições revistas por ele. A Igreja, recordava ele, é a rainha das vestes de jaspe celebrada pelo salmo Circumdata Varietate (Sl 44). A Congregação do Oratório se preza por representar, em sua humilde particularidade, um dos tantos vestidos reais da santa Igreja de Cristo” (Cistellini, p.42). “O exercício quotidiano da palavra de Deus ‘de modo fácil, familiar, frutífero’ representava a essência particular do Oratório... Neste sistema oratoriano não há nada de escolástico, de
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História,
apologética e música
Para combater o protestantismo, São Filipe encarregou o discípulo César Barônio de escrever uma verdadeira e documentada História da Igreja, refutando as falsas versões dos heréticos. O futuro Cardeal levou trinta anos para produzir os seus monumentais Annales Ecclesiatici, que se tornaram paradigma de historiografia católica e mereceram ao seu autor o título de Pai da História Eclesiástica. Também a música tinha papel importante no apostolado de São Filipe. Ele introduziu, entre os sermões e no final, o cântico de motetes latinos e italianos. E, como ao Oratório acorreram muitos com talento musical, a música ficou nele incorporada como parte importante de sua espiritualidade. Embora alguns o afirmem, não foi documentada a participação no Oratório do maior compositor sacro do século XVI, Giovanni Pierluigi da Palestrina. São Filipe era o “Santo da Alegria” mas nunca olvidou sua dignidade e responsabilidade. Exigia dos membros e hóspedes do nascente Oratório obediência total, sob pena de expulsão. Ao morrer, deixou um documento no qual fazia seve-
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ro juízo sobre vários membros da Congregação, não os querendo como sucessores. Chegou a denunciar ao Santo Ofício como herege a um dos seus mais antigos discípulos. Este, mantido na prisão por um ano, foi depois absolvido. Entretanto Filipe não quis recebê-lo de volta na comunidade, apesar das súplicas de autorizados intercessores.
São Filipe e o Papa
Apesar de ardoroso defensor do Papado, houve um momento em que Filipe discordou do Soberano Pontífice. Foi quando se tratou de aceitar a conversão, e consequente habilitação, do huguenote, futuro Henrique IV, para o trono da França. “Clemente VIII mostrou-se indeciso e vacilante. Filipe mostrou-se desde o primeiro momento partidário da reconciliação, e aconselhou ao Papa nesse sentido, mas sem lograr dele uma decisão eficaz. Filipe atuou através de Barônio, confessor do Papa. Deu-lhe instruções no sentido de que, inclusive, lhe negasse absolvição enquanto não aceitasse um conselho reconciliatório. Barônio triunfou nesta empresa tão delicada. A França contará mais adiante a Filipe entre seus santos protetores”.
Calúnias e incompreensões
Como todos os santos, Filipe enfrentou muitas calúnias. O próprio Cardeal-Vigário de Roma, levado por algum preconceito e pelos rumores de que o santo mantinha assembleias perigosas e semeava novidades entre o povo, chegou a repreendê-lo severamente, retirando-lhe a licença para atender confissões durante quinze dias. Mas, tendo o purpurado adoecido repentinamente, o papa Paulo IV, A máscara mortuária de São Filipe Neri, chamado a julgar o caso, não que preservou para a posteridade os só absolveu como recomencontornos da face do grande Santo dou-se às orações de Filipe. O “Santo da Alegria” entregou sua alma a Deus em 26 de maio de 1595, sendo canonizado apenas 27 anos depois, juntamente com Santo Isidoro Lavrador, Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier e Santa Teresa de Ávila.
Adaptado do artigo de Plínio Mario Solineo para a revista ‘Catolicismo’ BIBLIOGRAFIA
retórico, de difícil compreensão: falar ao coração era o método: ‘exortações e fervores mais afetivos que intelectuais’ eram os assim chamados ‘arrazoados’. Filipe não quis jamais que o oratório ‘entrasse em coisas escolásticas’, para as quais não faltavam escolas ou cátedras em Roma” (Cistellini, p.53). Em 1564 Filipe também ficou encarregado da igreja de São João dos Florentinos, para lá mandando alguns de seus discípulos. E, em 1575, o papa Gregório XIII concede ao querido filho Filipe Neri, sacerdote florentino e preposto de alguns sacerdotes e clérigos, a igreja de Santa Maria in Vallicella, dedicada à Natividade de Maria (bula Copiosus in Misericordia). Esta bula “ficará como o documento solene de fundação da sociedade oratoriana. A agrupação designada expressamente com esta locução pela bula de Oratorio Nuncupandam, define a congregação por antonomásia: ‘Congregação do Oratório’... Nas Constituições aprovadas pelo papa Paulo V em 1612, o Pontífice declara expressamente que tal convivência presbiterial (mais tarde se agregarão irmãos leigos), ‘instituída por divina inspiração pelo santo Padre Filipe’, estava cimentada só pelo vínculo da caridade, fora de todo vínculo por voto, juramento ou promessa, e assim devesse perseverar na igreja santa ‘de vestiduras variadas’ (Sl 44)” (Cistellini, pp.142-143).
CISTELINI, Antonio, ‘San Filippo Neri’: Breve storia di una grande vita. Torino: San Paolo, 2014 RIBADENEIRA, Pedro de. Flos Sanctorum, in D. Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de Oro, Barcelona: L. González y Compañia, tomo II, 1896, p. 332. GUÉRIN, Paul. L’oratoire de Rome: la vie, les vertus et l’esprit de saint Philippe de Néri, son fondateur. Paris: L. de P. Frères, 1852 RITCHIE, Charles Sebastian, Philip Néri, The Catholic Encyclopedia, ed online URBEL, Justo Perez, O.S.B., Año Cristiano, Madri: Ed. Fax, 1945, vol. II, p. 457
Paróquia
Ano I n.1 Agosto/2015
São Filipe Neri
† Horários da Santa Missa
Domingo: 7h; 8h30; 10h; 16h30 (latim); 18h30 Segunda-feira: 7h; 15h30; 19h Terça-feira: 7h; 19h Quarta-feira: 7h; 19h (latim); 20h15 Quinta-feira: 7h; 19h Sexta-feira: 7h; 15h (latim); 19h Sábado: 7h; 12h15 (latim); 15h30
† Adoração ao Santíssimo Sacramento do Altar Toda quinta-feira, das 7h45 às 18h45
SERVIÇO
• Secretaria (informações e assuntos gerais) Dias úteis: 8h30 às 12h/14h às 17h Sábados: 8h30 às 12h • Loja (informações sobre primeira Eucaristia e Crisma; marcação de Missas; venda de livros e artigos religiosos) Segundas, terças, quintas e sextas: 8h30 às 12h/14h às 18h45
Quartas: 8h30 às 12h Sábados: 9h30 às 12h/14h às 17h Domingos: antes e após as Missas † Confissões Diariamente, conforme a disponibilidade dos padres
:: PARÓQUIA SÃO FILIPE NERI DO PARQUE SÃO LUCAS :: Avenida São Lucas, 279 - Parque São Lucas, São Paulo – SP - 03239-000 - ( (11) 2211-6817
SERVIÇOS MÉDICOS
ita
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A HISTÓRIA DE CLAUDIO E LYDIA Entrevista com o Sr. Claudio Borbon
Sr. Claudio Borbon nasceu em novembro de 1936, em São Caetano do Sul (SP). Otavio, seu pai, italiano, veio para o Brasil em 1921, aos 14 anos, como tantos outros compatriotas, cansado de sofrer os reveses do pós-guerra, para trabalhar na lavoura do café no interior de São Paulo. Logo surgiu a oportunidade de trabalhar na indústria. Já casado com Rosaria Guini, filha de espanhóis, mudou-se para São Caetano. Dona Lydia nasceu em fevereiro de 1937, em Araçatuba; viveu em Andradina (municípios do interior do Estado), vindo depois para a capital paulista, onde conheceu o nosso entrevistado. – Conheça o exemplo de vida destes cidadãos que simbolizam o Parque São Lucas...
VO: Desde quando o Sr. mora no Parque São Lucas? Desde 1964. Antes disso morei na Vila Alpina com minha família. Meu pai tinha construído uma casa ao lado da dele, e a ordem era a seguinte: o filho que se casasse podia morar ali, por um prazo de dois anos; depois, precisava organizar a vida e se mudar. Eu me casei e, enfim, chegou a minha vez de procurar onde morar. Saíram, então minha mãe e a Lydia, minha esposa, procurando casa por aí. Encontraram o lugar onde moro até hoje, na época um verdadeiro “buraco”: chamavam de “buraco do sapo”. Rua de terra, sem saneamento, sem água encanada, esgoto correndo dos dois lados da rua, nenhuma infraestrutura, nada. Como a dificuldade
era grande, acabamos nos mudando sem saber que não tinha nem água na rua. Para resolver, tinha que pagar ao DAE (Depto. de Água e Esgoto) pela instalação da tubulação. Com muita persistência e a colaboração de outros moradores, acertamos as coisas com o governo. Como se pode imaginar, foi um processo lento, e enquanto o problema não se resolvia, nós dependíamos da vizinha dos fundos, que nos cedia um balde de água por dia, e nós, à época, já com 4 crianças... A casa estava em péssimas condições; eram 3 cômodos com muitos problemas, umidade, esgoto passando debaixo da casa, poço contaminado. Precisava muito trabalho duro, trabalho que eu assumi e que levou muitos
anos. Lydia se virava como podia. Ficava com as pontas dos dedos e as unhas todas corroídas do alvejante, de tanto lavar fraldas. Lembro o nosso quintal todo branco, com a quantidade de fraldas penduradas no varal... Esse foi o começo da história no Parque São Lucas. VO: Como começou a história com Dª Lydia? Aos 18 anos, eu morava na Vila Alpina. Ela morava ali por perto. Naquele tempo, o lazer era diferente. Tinha um bar numa esquina próxima, a única com TV na época, onde se punham alguns bancos. Sentávamo-nos aí, ocasionalmente, para assistir... Ali conheci a Lydia. Um dia, ela estava sentada bem à minha frente. Escrevi um bilhetinho, ela sentada com os pés para trás; pus o bilhetinho dentro do sapato dela (risos). Uma tática original; não tinha como ela não ver. Um outro dia, passeando de bicicleta, voltei a encontrá-la. Conversamos. Passamos a nos encontrar. Pouco depois, eu servi o exército, e ela acabou se mudando para a casa vizinha à minha. Eu chegava, fardado, ela me via, trocávamos olhares. Logo, fui conversar com a mãe dela, pedir permissão para namorar. Assim é que começamos. Ela era muito ciumenta, arranjava muita briga por ciúme, mas não tinha motivo: naquele tempo não era como hoje, nós éramos bem mais humildes e comportados. Enfim, acabamos rompendo o namoro, ficamos um ano separados. No fim, ela percebeu que queria mesmo era o Claudio. Reatamos. Depois, ela veio morar no Jardim Independência, na época um lugar totalmente descampado. Quando estava seco, era poeira; se chovia, só barro. Eu chegava em casa à uma da manhã e precisava me levantar às 4h30, porque trabalhava e estudava. Então, às vezes eu não ia vê-la, ela achava ruim... Foram muitas dificuldades. Mas, graças a Deus, nós vencemos. Casamos em 30 de dezembro de 1961. Logo vieram os filhos. Solange, a primeira, nasceu exatamente 9 meses depois do casamento, em setembro de 1962. Nos anos seguintes, de 1963 a 1970, nasceram Celso, Raquel, Ciro, Débora e, por fim, Célio. – Vieram um em seguida do outro: por isso é que as fraldas não paravam e as mãos da Lydia sofriam. – Sempre fomos contra o uso de anticoncepcionais, que além de tudo destroem a saúde da mulher. – A Lydia sempre disse que queria ter seis filhos. Pois vieram seis: três mulheres, três homens.
A família reunida posa para foto, em 1970-71
Com a família grande, era tudo muito difícil, aqui era ruim de escola: mudávamos as crianças de uma para outra, para ver se melhorava... Por fim, três deles eu matriculei no Colégio da Polícia Militar, lá na Av. Cruzeiro do Sul. Havia custos, a dificuldade para manter e educar era grande, e também para mim, que fiz questão de prosseguir com meus estudos. Por 11 anos, trabalhei e estudei. Quando eu era menor, aqui na região não tinha escola; colégio pago meu pai não tinha condição de bancar: acabei interrompendo os estudos, que só pude recomeçar depois dos 19 anos e concluir já casado. VO: Como o Sr. vê o Parque S. Lucas de hoje? Em comparação ao passado, melhorou muitíssimo. Quando vim para cá, organizei uma associação de amigos do bairro para correr atrás de melhorias. Conquistamos muito do que se têm hoje, como pavimentação, esgoto, iluminação pública, organização e numeração das casas, os nomes dados às ruas... Boa parte de tudo isso foi fruto de corridas minhas, reivindicando, indo atrás de políticos, da Prefeitura. Eu tinha um bom relacionamento com os administradores e conseguia as coisas. Aos poucos, tudo foi acontecendo, o progresso veio. A antiga ”vila do sapo” foi se tornando como uma cidade, com uma qualidade de vida muito melhor. No quesito segurança, claro, nem tudo é como devia ser, mas estatisticamente o distrito é um dos melhores. Isso, em grande parte, devido à educação que as famílias conseguiram passar à sua descendência. Nossa comunidade conseguiu deixar este legado. VO: E a sua carreira na polícia? Pertenci à Guarda Civil de São Paulo, criada em 1926, por 14 anos e meio. A Guarda foi extinta em 1970 e unida à Força Pública, formando o que hoje é a PM. À época, eu era subinspetor. Depois, permaneci mais 15
anos e meio na Polícia Militar. Eu aderi, para sempre, aos ideais da Guarda Civil: servir e zelar pela vida e pelo patrimônio do cidadão, a qualquer hora, em qualquer lugar, em qualquer circunstância, sempre que necessário. Ainda uso o anel da Guarda, que mandei fazer por amor, junto com a aliança de casamento. Sou para sempre fiel à minha esposa e fiel à Guarda Civil. VO: Como o Sr. vê a juventude de hoje? Sem dúvida, há um grande contraste entre a juventude do meu tempo e a de hoje. Um ponto é a tecnologia, que veio para ajudar, mas trouxe outras consequências. Hoje, é tanta distração que os jovens se esquecem da preparação para o futuro. Vejo muito jovem parado, horas e horas num computador, num celular, trocando mensagens, ouvindo música... Inertes, sem objetivo na vida. Vejo, enfim, muita indolência. Infelizmente, o Poder Legislativo criou uma lei que impede o jovem de trabalhar cedo. Não pode trabalhar antes dos 16, isso facilita a indolência: vemos jovens em rodinhas de drogas, ou descambando para a violência, desviando-se do bom caminho. Eu vejo isso. Se não pode trabalhar, deveria haver uma estrutura adequada, com educação de qualidade, direcionada. Mas não há. O jovem precisaria ser preparado para trabalhar. Eu mesmo trabalhei desde os 8 anos de idade, e não morri por causa disso; ao contrário, ajudou a formar o meu caráter. Eu trabalhava onde desse, em chiqueiro de porco, envazando vinho no armazém do português, ou desentupindo a manilha dele quando emperrava com algum galho de árvore. Davam-me uma moeda, eu passava na venda, olhava a vitrine de doces, mas não podia comprar, tinha que entregar o dinheiro à minha mãe. Mas não deixei de brincar e aproveitar a minha infância, pelo contrário, ela foi bem saudável: brincava muito de bola, de peão, com meus irmãos... Podia brincar à vontade, mas tinha que trabalhar também. Minha mãe, uma costureira de mão cheia, conseguiu comprar um terreno só economizando, sem o meu pai saber, fazendo pequenos serviços e com essa ajuda dos filhos. E a família foi morar lá, depois. VO: Qual a sua relação com os padres do Oratório? Lembro-me muito bem do saudoso padre Aldo Giuseppe Maschi. Era um líder nato, autêntico, dinâmico. Um padre santo, fervorosamente dedicado, com profunda devoção a Nosso Senhor, à Virgem Maria. Conseguia, com a sua liderança, tudo o que queria. Era muito competente nas pregações, no ensino das Escrituras, nas orações. Nos casamentos, não descuidava da doutrina, transmitindo aos casais o valor do Matrimônio, a seriedade e responsabilidade da promessa e do compromisso assumido diante do Altar. Durante as celebrações, se preciso, chamava a atenção das pessoas. Era paciente, mas sério no culto.
Antiga capela de Santo Antônio A atual igreja de São Filipe Neri em construção
Pe. Aldo com religiosas, em imagem rara da década de1950/60
Depois que as crianças cresceram um pouco, começamos a ajudá-lo intensamente, em tudo que precisasse. Eu o levava, com a Lydia, a visitar doentes graves em diversos pontos da cidade: eles levavam conforto, orações, a Comunhão. Com esse trabalho, o padre conseguiu mudar a mente de muitos que andavam afastados da Igreja. Padre Aldo sabia o que queria. Tanto que conseguiu construir esse grande templo, único na construção (a igreja de São Filipe Neri). Foi uma grande realização, da qual nós acompanhamos cada etapa. Quando viemos para cá, o que havia ali era um barracão de madeira, a capela de Santo Antônio. A construção da igreja foi lenta, uma parte por vez, e era preciso sempre mais dinheiro. Um dia, eu perguntei ao padre: “posso sugerir que se faça uma festa da cerveja?”. Fizemos então a festa sob a estrutura de madeira, para arrecadar fundos. A iniciativa deu certo, veio muita gente.
Os vitrais da S. Filipe Neri são especiais. O Padre quis representar neles as estações da Via Sacra, e dizia: “Não quero ‘santo estilizado’. Ou é ou não é a figura do santo. Nada de rabiscos representando as coisas”. Na festa de inauguração, eu fui o mestre de cerimônias; trouxe a banda da PM, que executou hinos. Foi muito bonito. Terminada a obra, fez-se um cinema na parte de baixo, que faliu. Consultado pelo Padre, eu sugeri uma quadra esportiva, e transmiti as orientações para viabilizar a mudança do cinema em quadra, com dois vestiários, como é hoje. Esse espaço sempre foi usado para as festas, muitas das quais organizadas pela Lydia, para levantar renda para a construção do coro. Ela, cantora, queria muito o coro e insistia com o padre Aldo. Ele dizia: “Não tem dinheiro, ‘Caspetinha’” (um apelido carinhoso)... Passamos então a promover bailes e bingos. Com a arrecadação, fizemos o piso, depois compramos a madeira para o revestimento e a escada, os armários para as partituras, equipamentos, o órgão. O padre Fabiano eu o conheci um menino de 14 anos, coroinha. É da minha família. Lydia dizia: “Tenho seis filhos e um padre”. É um padre atencioso, toda gente o procura para resolver problemas. Ele parece um “para-raios de problemas” (risos). Eu digo sempre: “burro bom, carga nele”! Peço a ele que se cuide, porque se não se cuidar não vai poder cuidar de ninguém. Não adianta. São pessoas ótimas, padre Fabiano, padre Paulo. Com o padre Norival ainda não tive contato mais próximo, mas já lhe disse que as portas da minha casa estão abertas. VO: Qual a importância da Igreja para a sociedade? A Lydia, desde moça, sempre participou na Igreja; era filha de Maria, foi catequista na Paróquia São Pedro (Jd. Independência); depois, participou em diversas pastorais da São Filipe Neri, como a da Saúde. Solista de grande categoria, cantava em latim e nas celebrações solenes; foi responsável pela Missa das 7h por 27 anos. Nos últimos anos, usando prótese nas duas pernas,
subia as escadas com grande dificuldade, em quatro apoios. Frequentou a Missa com assiduidade até o fim da vida. No meu entender, a fé é a base dos valores que sustentam a sociedade. Em nossa casa, sempre fizemos questão de transmitir a educação católica. O desvincular da fé começa a desencaminhar as pessoas. Hoje, lamentavelmente, a sociedade não quer mais saber disso. Há um afastamento da religião, e isso é um grande problema, porque a religião autêntica é a grande alavanca que sustenta a família, que por sua vez é a célula da sociedade. – Tudo começa pela família. – Se não começar na família, há um distanciamento, e se a família não se liga à fé, não participa, não faz suas orações à noite, não reza reunida às refeições, vai se distanciando. Esse distanciamento vai provocando cabeças vazias. E a mente vazia é a morada do demônio. Eu fui educado na fé desde pequeno. Fiz a primeira Comunhão, Crisma, casei na igreja. Quando meus filhos vêm aqui, nos reunimos diante da Cruz de Cristo, todos à mesa. Lydia não deixava começar a comer antes de rezar. Sempre foi assim aqui em casa, e o exemplo se leva. Quando se come na casa da minha filha mais velha, a Solange, ela também faz questão de puxar a oração. Essa fé é passada dos pais aos filhos, depois aos netos. Não se pode descuidar, é coisa fundamental: a religião molda, – e mantém, – o caráter da pessoa.
Sr. Claudio e Dª Lydia celebrando os 50 anos (2011) de uma união verdadeiramente feliz e abençoada, repleta de lutas e de realizações. Ela faleceu em junho de 2015, depois de praticamente seis décadas de amorosa convivência.
Abaixo, a numerosa família reunida, na mesma ocasião
DOUTRINA 0
Caridade o vínculo da perfeição “É este o meu Mandamento: que vos ameis uns aos outros, assim como Eu vos amei.” ( Jo 15,12) O Catecismo da Igreja Católica (CIC) diz, entre outras coisas, que “a caridade é a virtude pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus” (§1822). É uma belíssima e própria definição, além de bastante completa. Antes de tudo, é preciso definir o que significa a caridade no contexto genuinamente cristão. Esta caridade, da qual pretendemos tratar aqui, é a mesma coisa que Amor, – grafado assim, com inicial maiúscula, porque designa a forma mais alta de amor, justamente o Amor-Caridade, – Amor com o qual o próprio Deus é identificado nas Sagradas Escrituras, como veremos mais adiante.
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Ocorre, porém, que ao vocábulo “amor” se atribuem múltiplos significados na língua portuguesa. – Diga-se de passagem, é esta uma das palavras mais “maltratadas” de nossa língua pátria, usada muitas vezes para dizer daquilo que o Amor não é, e às vezes até para significar o seu oposto. Amor, em português, pode significar afeição, compaixão, misericórdia, inclinação, atração, apetite, paixão, bem-querer, satisfação, desejo (sexual ou não) e até, muito indevidamente, o ato sexual em si. O conceito mais popular de amor envolve, geralmente, o vínculo emocional com alguém ou com algum objeto. Fala-se em amor físico, platônico, materno/paterno, filial, à pátria, à casa, ao carro, à vida, a Deus. As dificuldades trazidas por essa diversidade de sentidos estão não só nos idiomas modernos, mas também no grego e no latim, que possuem outras palavras para amor, cada qual denotando um sentido específico. Fato é que a linguagem humana não é capaz de exprimir integralmente a riqueza imensa que esta
pequena palavra tenta significar. Santo Agostinho diz, a propósito, que precisamos saber decifrar a diferença entre amor e luxúria. Luxúria é vício e pecado; amar e ser amado é a busca essencial do ser humano. Diz o Doutor da Igreja que a única Pessoa capaz de amar plenamente é Deus, pois o amor dos homens é falho, sujeito ao ciúme, desconfiança, medo, raiva. A Igreja ensina que o AmorCaridade é uma Virtude Teologal. Segundo as Sagradas Escrituras, Virtudes Teologais são as que nos ligam diretamente a Deus, e são fundamentalmente três: a Fé, a Esperança e a Caridade; porém a maior é justamente a Caridade (1Cor 13,13). Quem ama se doa a si mesmo, gratuitamente; é incapaz de usar o próximo e de se autoafirmar. É manso, humilde, sereno, receptivo. No texto que é possivelmente o mais belo já escrito sobre o Amor-Caridade, em sua primeira carta aos coríntios, S. Paulo Apóstolo diz: Ainda que eu distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, ainda que entregasse meu corpo para ser queimado, se não tiver Amor, de nada valeria. O Amor é paciente, o Amor é bondoso. Não tem inveja. O Amor não é orgulhoso. Não é arrogante nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará; o Amor jamais acabará.” (1Cor 16,3-8) Também São João Evangelista, – não sem razão “o discípulo a quem o Senhor amava”, – inspirado pelo Espírito Santo produziu linhas de incomparável beleza, nas Sagradas Escrituras, sobre o Amor; chegou, por fim, a identificar esta virtude, – a Virtude das vir-
tudes, – ao próprio Deus ( Jo 4,16). Jesus Cristo, Deus Filho, Verbo de Deus encarnado, é também o Amor de Deus encarnado; Amor em forma humana. Por isso é que o Amor verdadeiro, aplicado nas relações conjugais, torna-as comunhão de entrega e de receptividade, de dádiva mútua do ser e de afirmação mútua da dignidade de cada cônjuge. Esta comunhão homemmulher, unidos sacramentalmente e por laços de Amor autêntico, é ícone da Vida do próprio Deus, e leva não apenas à satisfação, mas à santidade e a um sentimento de profunda realização.
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Para diferenciar o Amor que é sinônimo de caridade dos outros sentidos que se emprestam à palavra, bastaria dizer que o Amor-Caridade é a virtude cristã por excelência, porque Jesus Cristo fez da Caridade seu novo e supremo Mandamento, amando-nos até o fim ( Jo 13,1) e manifestando o Amor do Pai, que Ele próprio recebe: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada. (...) Assim como o Pai me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor” ( Jo 14,23;15, 9). Fruto do Espírito Santo e plenitude da Lei: para o cristão, sim-
plesmente praticar a caridade, por si só, já garante o cumprimento de todos os Mandamentos divinos. Ora, é claro e evidente que aquele que ama acaba por cumprir, – naturalmente, – a Vontade de Deus: quem ama a seu pai e sua mãe vai honrá-los, não porque lhe é ordenado, mas por consequência natural e inevitável do amor que possui e cultiva dentro de si. Do mesmo modo, ninguém em sã consciência vai assassinar a pessoa que ama (se for verdadeiro amor), nem roubá-la, nem prestar falso testemunho contra ela, nem cobiçar seu cônjuge, nem os seus bens, etc. Assim é que a caridade é o ‘vínculo da perfeição’ (Cl 3, 14) e a base das virtudes: é a fonte e o termo da prática cristã. Agora que sabemos o que é o Amor-Caridade, resta lembrar que o Cristo morreu por amor a cada um de nós, e o fez quando éramos ainda seus “inimigos” (Rm 5,10). Do mesmo modo, o Senhor espera que, como Ele, amemos incondicionalmente, a Deus e a todos, mesmo aos nossos inimigos. Ensinou que o nosso próximo pode ser qualquer um, especialmente aquele que menos esperamos, na parábola do bom samaritano (Lc 10,29ss). E diz que devemos nos fazer mais próximos dos mais afastados, e que amemos especialmente os sofredores e desamparados. Por fim, fortalece nossa esperança saber que a caridade purifica a nossa capacidade humana natural de amar, elevando-a à perfeição sobrenatural do Amor divino. A caridade exige a prática do bem e a correção fraterna; é benevolente; é desinteressada e liberal. A consumação de todas as nossas obras é o Amor-Caridade. É a origem e o fim, pois Deus mesmo é Amor-Caridade: é para a conquista dEle que corremos; somente nEle descansaremos, como exclamou Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, e nosso coração está inquieto e não descansará enquanto não repousar somente em Ti” (Confissões, 1). Por Henrique Sebastião
A Voz do Orat贸rio #1
Orat贸rio de S茫o Filipe Neri, Roma
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