POR QUE FÉ REFORMADA? por Terry L. Johnson SERMÃO PREGADO NO DIA 29 DE OUTUBRO DE 1989 1ª Edição digital em Português, 2013 É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem autorização por escrito dos editores, exceto citações em resenhas. EDITOR E REVISOR Manoel Canuto DESIGNER Heraldo F. de Almeida
SUMÁRIO Introdução A Grandeza de Deus e de Sua Glória A Pequenez e a Depravação do Homem A Graça da Obra Redentora de Cristo Uma Visão Otimista do Futuro
Introdução Gostaria que considerássemos a razão por que alguém deveria aderir à fé reformada. O que quero dizer com “reformada” é aquela tradição teológica cujas raízes remontam a Calvino — e, talvez, alguém poderia contestar e dizer: vá até Agostinho, antes de Calvino. Mas nós nos referimos primeiramente às reformas do século 16, reformas das corrupções do final do período da Igreja Medieval e Renascentista, e o movimento que estas produziram. Referimo-nos à herança calvinista emanante de Genebra, que resultou nas Igrejas Reformadas Suíças, Holandesas e Alemãs; no mundo anglo-saxônico, resultou na Igreja Reformada Escocesa, que ficou conhecida como Presbiteriana; resultou também no Puritanismo Inglês, no Puritanismo da Nova Inglaterra e também na antiga escola de Princeton. Não quero, porém, que este material seja uma aula de História. Por mais que eu aprecie a oportunidade de examinar os eventos históricos fascinantes em torno da Reforma: Lutero sendo atingido por um raio; Lutero bradando perante a dieta de Worms: “estou aqui firme”; Knox protegendo o inflamado pregador escocês George Wishart
com uma espada de dois gumes; Knox servindo como um escravo nas galés de um navio francês de guerra; Hooper, Cranmer, Ridley, Latimer, todos sendo condenados à morte em fogueiras; Latimer voltando-se para seu amigo e dizendo: “Tende bom ânimo, Mestre Ridley, e seja homem de verdade; hoje, pela graça de Deus, haveremos de acender uma chama na Inglaterra, que jamais se apagará”. HAVIA GIGANTES NA TERRA, NAQUELES DIAS! O que eu gostaria, no entanto, de examinar, é a própria Fé Reformada; suas ideias, seus princípios fundamentais. Por muitas gerações a Fé Reformada tem capturado os corações dos homens e os têm inspirado, enviando-os, de maneira irônica, ao campo de batalha como sendo o campo missionário. Tendo sido criado numa outra tradição, foram as idéias e ideais da Fé Reformada que instigaram minha imaginação quando jovem estudante no seminário. Eu fiquei empolgado com o que vi como sendo um entendimento mais puro da visão bíblica de Deus e das coisas criadas, com cada uma delas no seu devido lugar. “Religião Bíblica em Sua Pureza”, é o que tem sido chamada. No entanto, hoje em dia há tão poucos que sequer ouviram falar da “Fé Reformada”. Na época da Revolução Americana, 85% da nossa população nacional era de tradição reformada. Como caí-
ram os poderosos! E como o fim da sua existência enfraqueceu e prejudicou a igreja americana! Tenho de admitir que não gosto do evangelho da forma que o ouço hoje em dia. O antigo evangelho está morto. Os liberais o substituíram por uma versão mundanizada e politizada. Estas não são novidades recentes. Estão fazendo isso por muitas décadas. Coisa surpreendente é como podem, até mesmo os evangélicos conservadores, trocar o Evangelho real por uma mensagem de autoajuda e autorrealização. Os temas como pecado e salvação foram substituídos por assuntos mais em voga e na moda, emprestados da psicologia moderna. Para cada obra sobre expiação existem mil e uma lições sobre autoajuda (e.g. casamento, trabalho, família, contentamento, etc.). Perdemos o rumo do caminho em nossos dias e creio que são os distintivos da Fé Reformada que apontarão o caminho de volta para a igreja. Quais são as suas idéias fundamentais?
A Grandeza de Deus e de Sua Glória É aí que tudo começa. O Deus da Igreja Reformada é, de fato, um Deus Grande. B.B. Warfield, o maior dos teólogos da escola de Princeton, disse: “É a visão de Deus e da Sua majestade... que jaz no fundamento da plenitude do pensamento calvinista” (Calvino e Agostinho, 491). Se fosse para alguém isolar uma característica distintiva da Fé Reformada, todo mundo haveria de concordar que esta seria a grandeza soberana de Deus. O que se encontra no pensamento reformado é o desejo e a vontade de deixar que Deus seja Deus. Enquanto outros tentam aplicar a lógica às questões dos decretos divinos e da responsabilidade humana, nós meramente curvamos nossas cabeças em silenciosa reverência. Enquanto outros mergulham no fatalismo por um lado, ou virtualmente derrubam Deus do Seu trono, nós o louvamos nas palavras do apóstolo Paulo: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos!” (Romanos
11:33). Entre os reformados se encontra uma disposição de fechar a boca e deixar que Deus fale por Ele mesmo na Sua Palavra e crer no que Ele diz, não importa quão difícil seja de entender, ou, quando entendido, quão desconfortável faz com que eles se sintam. Ao assim fazê-lo, temos encontrado um Deus que é maior do que as simples categorias em que alguém talvez queira encaixá-lo. Alguém pode tentar, o quanto quiser, colocar Deus numa caixinha manejável de compreensão, mas Ele não se encaixa. Deus vai emergir sempre de novo de forma maior e maior, mais glorioso, mais dominador, mais incrível, mais aterrador, e mais confortador. “Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus,” diz o apóstolo (Romanos 11:22). “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?” (Romanos 9:20). Este é o Deus que fez todas as coisas, que planeja todas as coisas, até “o que quer que venha a acontecer”, como ensina a nossa Confissão de Fé, quem governa, sustenta e preserva todas as coisas. Ele é um Deus grande. É o único Deus que pode manter-me leal! Talvez você se identifique com a seguinte experiência. Num certo ponto dos meus anos de estudante universitário, me vi perdendo as energias para praticar o discipulado. Deus, da maneira que eu o conhecia, era grande, mas somente no senti-
do de que é um ser maior do que nós homens. Eu não estava aqui para Ele, Ele é que estava lá para mim. Eu não era seu servo, Ele era meu servo. A vida cristã estava precisamente invertida para mim naquele tempo. Foi somente quando cresci para esta visão bíblica e reformada de Deus, que uma revolução “Copérnica” aconteceu e fui forçosamente retirado do centro das coisas e compreendi que Deus é que estava no seu trono. Eu compreendia Deus como sendo amigo, não o tinha compreendido como Rei. Este é o princípio fundamental da Fé Reformada. Ele dá vida a tudo que fazemos. Nós nos reunimos para adorar não para agradar a nós mesmos, ou como é muito frequente, para nos entreter ou para “tirarmos algum proveito da coisa”, como frequentemente ouvimos dizer; mas, sim, para glorificar e exultar no Senhor nosso Deus. Não vamos ao culto para ouvir uma boa palavra ou para ouvir uma palestra sobre algo interessante, mas, sim, para nos humilhar, humilhar nosso pensamento, nosso estilo de vida, nossas práticas sob a Palavra de Deus e obedecê-la como nossa lei. É com esta atitude que vivemos toda nossa vida. Ele não é apenas o Rei da Igreja ou do nosso compartimento de oração, mas sim, do mundo todo e de tudo a Ele relacionado. A vida é um render-se contínuo de nós mesmos como sacrifícios vivos,
para o louvor do grande e glorioso Deus a quem servimos (Rm 12: 1,2).
A Pequenez e a Depravação do Homem A quê nos leva esta visão da grandeza e da glória de Deus? Leva-nos a um entendimento profundo da pequenez do homem. “Que é o homem, que dele te lembres?”, pergunta o salmista no Salmo 8. Quando alguém vê a Deus em Sua glória, ele fica consciente da sua própria insignificância — apenas “somos pó” (Sl 103:14). Quando foi dada a Moisés a visão gloriosa, não da face de Deus, mas apenas de suas “costas”, lemos sobre sua reação: “E, imediatamente, curvando-se Moisés para a terra, o adorou” (Êxodo 34:8). Esta é a revolução Copérnica à qual me referi acima. Apercebemo-nos de que não somos o centro do universo, mas Deus o é; e, em relação a Ele, somos apenas grãos de pó na balança (Is 40:15). Isso é difícil para o orgulho humano engolir. Gostamos de ter a nós mesmos em alta conta. Quão importante somos! Nós nos levamos muito a sério, vestimo-nos bem e damos títulos a nós mesmos. Somos mais honráveis e excelentes: o Reverendo, o executivo, o diretor, o presidente... Mas Deus nos diz: “Porque tu és pó, e ao pó tornarás”
(Gn 3: 19). Na nossa força coletiva, considerando-nos como nações, mas Ele mesmo diz: “Todas as nações são perante ele como cousa que não é nada; Ele as considera menos do que nada, como um vácuo” (Isaías 40:17). A Fé Reformada coloca as pretensões humanas no seu devido lugar. Todas elas são vaidade. Mas, além disso, a Fé Reformada, como nenhuma outra, entende a pecaminosidade do homem. Se alguém perguntar qual será a outra crença tipicamente citada dos calvinistas, a resposta geralmente é: “a depravação do homem”. Nós somos a última palavra em pessimismo quanto à natureza humana desassistida. Como foi que o pecado nos afetou? Quando outros falam do pecado como uma influência, nós falamos dele como escravidão. Quando outros dizem que o pecado distorce a perspectiva do homem, nós dizemos que ele cega-lhe os olhos e fecha-lhe os ouvidos. O homem não está simplesmente doente: ele está morto em delitos e pecados (Efésios 2:1). “Em mim não habita bem nenhum”, diz o apóstolo Paulo (Romanos 7;18). Quão profundamente negativa é nossa visão da natureza humana! Que outra compreensão, além da Fé Reformada, diria que o homem é, “totalmente vil em todas as suas faculdades e em todas as partes da alma e do corpo...
e totalmente indisposto, sem condições, e oposto a todo bem, e inclina-se totalmente ao mal” (Confissão de Fé de Westminster, VI. 2,4)? Por que dizemos que o homem é tão mau? Porque compreendemos que Deus é tão santo e tão puro, e uma vez tendo alcançado essa visão, não temos outra alternativa senão nos vermos como totalmente vis em pensamento, palavra e ação. Como Isaías, nós vemos a Deus em Sua glória, nós ouvimos os serafins clamando: “Santo, Santo, Santo”, e não podemos senão concluir com ele: “Ai de mim, porque sou homem de lábios impuros” (Isaías 6:5). O homem não é apenas pequeno, como criatura, ele é degradado por causa do pecado. O pecado nos deixou numa condição desesperançada e irremediável, cegos, escravizados e mortos. Nenhuma outra escola de pensamento vem com tanta fúria contra o orgulho humano — especialmente contra as idéias do pós-iluminismo e das visões modernas da grandeza humana — e assevera de maneira não ambígua a depravação e a degradação total humana.
A Graça da Obra Redentora de Cristo É óbvio que o homem, numa condição tal como a descrita acima, está desesperadamente necessitado de um Libertador, de um Salvador para resgatá-lo. Enquanto que alguns atribuem uma parte ao homem e uma parte a Deus, para conquistar a salvação, a Fé Reformada se posiciona sozinha e afirma, junto com Jonas, as totais implicações da palavra: “a salvação pertence ao Senhor”. Nenhuma outra visão exalta tanto a obra de Cristo na cruz. O que foi que Ele fez para assegurar a nossa salvação? Tudo. Ele morreu pelos nossos pecados. Enquanto que outros param por aí, nós vamos além e dizemos que Ele nos trouxe para a vida, fez com que “nascêssemos de novo”. Ele nos “regenerou”, como dizem os teólogos, e em nós operou a fé, que nos deu como dom (Efésios 2:8,9). Por meio dessa fé somos justificados, adotados, santificados, preservados e seremos glorificados. Se somos salvos, não podemos ter mérito em nada. Não podemos nos gloriar de nada, Paulo diz: “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e
justiça, e santificação, e redenção, para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (I Co. 1:30,31). Isso expressa o ponto. Foi por “Sua operação”. Então, como é que você poderia se gloriar? A Salvação é um Dom que Cristo conquistou. Ele mesmo conquistou e nos deu por Sua livre e espontânea vontade e não por alguma coisa que porventura existisse em nós. O teólogo R.C.Sproul certa vez debateu com um homem que dizia que a salvação é como a experiência de um homem que estava se afogando e para quem Cristo lança uma corda. O que o homem tem de fazer é agarrar-se à corda. A parte de Deus é providenciar a corda. A parte do homem é agarrá-la e segurá-la. Sproul retrucou que a salvação não se compara a um homem que está se afogando, mas a um homem que já está afogado, e está inconsciente no fundo do lago. A parte de Cristo é de mergulhar, retirar o homem e trazê-lo até a margem, fazer respiração boca a boca, e trazer o homem de volta à vida. Qual é a parte do homem? Apenas voltar a viver. E isso não é parte coisa nenhuma. Você diria que tal pessoa contribuiu para o seu próprio resgate? É claro que não. O mesmo é verdadeiro para salvação. É Cristo sozinho quem nos salva.
Damos toda glória a Cristo, e nenhuma glória ao homem. Enquanto que outros gostam daquela imagem de Cristo passivamente batendo à porta do coração dos pecadores, esperando para ser deixado entrar, nossa imagem é a de Cristo arrombando a porta e entrando com veemência pelos portões do nosso coração, bem como nos arrancando dos portões do inferno. Ele é um salvador grandioso, que não só faz possível a salvação, mas de fato salva!
Uma Visão Otimista do Futuro Em Cristo o homem é restaurado ao seu exaltado papel original na criação. Em Cristo somos refeitos (Hebreus 2.7,8; cf Salmo 8). Feitos à imagem de Deus e restaurados a Deus em Cristo, temos dignidade e possibilidades que jamais seriam alcançáveis sob a tirania do pecado. Jesus Cristo derrotou o diabo, e triunfou sobre os principados e potestades (Col. 2.15). Ele está assentado no Seu trono nos céus como possuidor “de todos os poderes nos céus e na terra”, e Ele nos envia como “mais que vencedores”, e por isso “nosso trabalho no Senhor não é vão” (I Co. 15.58). Portanto, não podemos deixar de ser otimistas. Cristo vem marchando nesse mundo de maldade miserável. Ele vem “conquistando e para conquistar”. Ele está vencendo. Ele está levedando a massa toda. O grão de mostarda está crescendo e dominando o jardim. Podemos servi-Lo na confiança do sucesso do evangelho (Apocalipse 6.2; I Cor 15.57; Mateus 13.31-35). Esta é a nossa herança. Pense no otimismo de William Carey, o pai das missões modernas. De-
pois de cinco anos e meio de trabalho missionário pioneiro na Índia sem um convertido sequer, ele escreveu ao seu amigo Samuel Pearce: “O trabalho sobre o qual Deus colocou suas mãos, vai prosperar de maneira infalível. Cristo começou a conquistar esta fortaleza forte e antiga, e certamente o fará até o fim”. E quando, finalmente, Krishna Pal1 se converteu a Cristo, naquele tempo seu primeiro e único convertido, ele escreveu: “Ele foi apenas um, porém um continente está vindo após ele. A graça divina que transformou o coração de um indiano poderia obviamente transformar cem mil”. De modo semelhante, um grande missionário pioneiro no interior da África, que apesar de ter visto pouco em termos de conversão no seu tempo, escreveu: “A grande idéia de converter o mundo a Cristo não é uma utopia: é uma motivação Divina. O cristianismo há de triunfar. Isto também se aplica a cada um dos passos da pregação do Evangelho”. 1 Krishna Pal (1764–1822) foi o primeiro indiano a ser convertido ao cristianismo pelo trabalho de William Carey na Índia, o fundador da Sociedade Missionária Batista.
Quando vemos as grandes ondas de marés de impiedade em nossos dias, somos tentados a nos desesperar. O mal corre solto, de alto a baixo no nosso país, sem ser controlado, e sem ser aparentemente impedido. Existe alguma esperança? Essa massa de gente indiferente poderá um dia ser trazida a uma fé salvadora em Jesus Cristo? Existe uma maneira de parar o diabo? A situação não pode ser revertida? Outros podem até desistir. Nós não podemos. Nós sabemos que Deus pode transformar corações humanos. Ele pode tomar aquele homem indiferente e apático, que se senta em frente a sua TV noite após noite, tomando cerveja e assistindo aos jogos de futebol, e fazer dele uma pessoa cheia de zelo por Jesus Cristo. E o que Deus pode fazer por um, Ele pode fazer por uma nação inteira. “Jesus reinará, por onde quer que passe o sol”, escreveu Isaac Watts. Com certeza, “todo joelho se dobrará, e toda língua confessará, que Jesus Cristo é o Senhor” (Fil. 2.10,11). Roland Baiton, o eminente historiador da igreja em Yale, disse que o calvinismo “deu à luz uma geração de heróis”. Nosso sonho é que Ele o faça de novo. Nossa oração é de que a visão reformada da majestade de Deus possa vir a ser a sua, e inspirá-lo e inspirar a toda a cristandade novamente, a que venha a acreditar em Deus para
as grandes coisas, e empreender grandes coisas. Certa vez eu li um artigo com o título, “Presbiteriano Tenta Inflar a Igreja Através do Evangelismo”, no qual líderes de igreja lamentavam “nossos jovens estão deixando nossas igrejas a rodo”. O que pode parar isso? Quando começamos a pregar o evangelho — não o patético evangelho da saúde e da prosperidade visto na televisão, nem o falido evangelho liberal, da salvação política e social, nem o evangelho superficial da autorrealização dos outros, mas, sim, “o evangelho da glória do Deus bendito” — o evangelho da sua grandeza e da nossa depravação, o evangelho da graça do Salvador (I Tm. 1.11). Quando pregarmos essa mensagem e crermos que Deus a usará para transformar corações, então veremos reavivamento na nossa cidade e no nosso país. Nós, como herdeiros da tradição Reformada, temos que ir para a linha de frente e anunciar estes símbolos, dos quais as nossas igrejas e a nossa nação tanto necessitam nos dias de hoje.