Educação a Distância

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APRESENTAÇÃO

O

texto que segue é resultado de um ano de estudos no quadro de um estágio de pós-doutoramento realizado na Universidade Aberta de Portugal, em Lisboa, com o apoio da CAPES.

Com ele pretende-se trazer para o leitor brasileiro algumas das principais questões relacionadas com a atual crise da educação, especialmente aquelas ligadas à inovação educacional, ao uso educativo das novas tecnologias e aos mais atuais desdobramentos da discussão sobre educação à distância. Espero com este pequeno livro contribuir para o esclarecimento de algumas questões teóricas relacionadas a essa problemática, apresentando os "paradigmas” que inspiram e fundamentam muito das teorias e práticas desenvolvidas no setor e, principalmente, trazer uma contribuição, embora modesta, para o desenvolvimento no Brasil de uma discussão fundamentada sobre a questão do ensino a distância, da aprendizagem aberta e das novas perspectivas da educação para o terceiro milênio, resumidas no conceito de educação ao longo da vida. Gostaria de agradecer ao professor Armando Rocha Trindade, então reitor da Universidade Aberta, pela acolhida simpática e pela brilhante orientação com que me recebeu e auxiliou no desenvolvimento deste estudo. Muitas das idéias aqui apresentadas vêm de seus escritos, de suas aulas ou de nossas conversas, formais ou informais, sempre extremamente interessantes. Não poderia deixar de agradecer também ao professor Hermano Carmo, por seus comentários e observações, sempre muito pertinentes, bem como àqueles professores e funcionários da Universidade Aberta que me acolheram e auxiliaram, especialmente às responsáveis pelo Centro de Documentação, que com sua paciência e disponibilidade muito contribuíram para o desenrolar deste trabalho. Lisboa, 1998


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APRESENTAÇÃO........................................................................................................... 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 3 OS PARADIGMAS ECONÔMICOS .............................................................................. 6 CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCACAO A DISTÂNCIA........................................... 6 FORDISMO E PÓS-FORDISMO............................................................................ 7 A EDUCAÇÁO COMO INDÚSTRIA ............................................................................ 8 IMPACTO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA................................................................ 9 APRENDIZAGEM ABERTA........................................................................................ 12 O FUTURO PÓS-FORDISTA ....................................................................................... 14 EDUCAÇÃO, ENSINO OU........................................................................................... 16 APRENDIZAGEM À DISTÂNCIA? ............................................................................ 16 DEFINIÇÕES................................................................................................................. 16 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD)............................................................................ 17 APRENDIZAGEM ABERTA E A DISTÂNCIA (AAD) ............................................. 19 A ABORDAGEM FRANCESA..................................................................................... 22 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NA EUROPA................................................................ 24 APRENDIZAGEM AUTÔNOMA ................................................................................ 26 O ESTUDANTE DO FUTURO ..................................................................................... 26 QUEM É O ESTUDANTE A DISTÂNCIA .................................................................. 26 APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA ................................................................. 28 SISTEMAS “ENSINANTES”........................................................................................ 29 ESTUDANTE-USUÁRIO E PEDAGOGIA DA PESQUISA....................................... 30 EDUCAÇÁO COMO MERCADORIA ......................................................................... 32


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INTRODUÇÃO

A

educação aberta e a distância aparece cada vez mais, no contexto das sociedades contemporâneas, como uma modalidade de educação extremamente adequada e desejável para atender às novas demandas educacionais decorrentes das mudanças na nova ordem econômica mundial. Nas sociedades “radicalmente modernas” (GIDDENS, 1991 e 1997), as mudanças sociais ocorrem em ritmo acelerado, sendo especialmente visíveis no espantoso avanço das tecnologias de informação e comunicação (TIC), e provocando, senão mudanças profundas, pelo menos desequilíbrios estruturais no campo da educação. Nesta fase de “modernidade tardia”, a intensificação do processo de globalização gera mudanças em todos os níveis e esferas da sociedade (e não apenas nos mercados), criando novos estilos de vida, e de consumo, e novas maneiras de ver o mundo e de aprender. Globalização não é apenas um fenômeno econômico, de surgimento de um “sistema-mundo”, mas tem a ver com a “transformação do espaço e do tempo”. Giddens (1997: p. 4) a define como “a ação à distância” e relaciona sua intensificação com o surgimento de meios de comunicação e de transporte em escala planetária. A interconexão global intensificada gera mudanças das relações tempo/espaço que têm conseqüências nos modos de operar da sociedade, O contato, ainda que mediatizado, dos indivíduos com eventos e idéias existentes em outras culturas tem um efeito de descontextualização (com relação ao mundo local vivido) e de recontextualização num mundo globalizado que, embora tecnicamente virtual, fornece-lhes novos parâmetros para compreender seu contexto local, Nesta dialética de globalização/localização, observa-se também um aumento da reflexividade, característica típica da modernidade que diz respeito à possibilidade de os aspectos da atividade social e das relações materiais com a natureza, em sua maioria, serem revistos radicalmente à luz de novas informações ou conhecimentos (GIDDENS, 1997a: p. 8).

Estas mesmas tecnologias que globalizam deste modo as informações estão sendo aplicadas à aprendizagem aberta e a distância, seja formalmente a partir de sistemas de educação a distância, seja de modo informal, por toda a parafernália de canais de televisão, redes telemáticas e produtos multimídia, As fronteiras entre educação e entretenimento parecem se diluir, dando lugar ao aparecimento de uma série de novas formas de "aprender” que alguns já estão chamando de “infotenimento” (FIELD, 1 995). Tais mudanças no processo econômico, na organização e gestão do trabalho, no acesso ao mercado de trabalho, na cultura cada vez mais mediatizada e mundializada — requerem transformações nos sistemas educacionais que cedo ou tarde vão assumindo novas funções e enfrentando novos desafios. O papel da educação na sociedade — a definição de suas finalidades maiores — está se transformando e suas estratégias vêm sendo modificadas de modo a responder às novas demandas, notadamente com a introdução de meios técnicos e de uma flexibilidade maior quanto às condições de acesso a currículos, metodologias e materiais (TRINDADE, 1992; LJOSÃ); 1992; BLANDIN, 1990; PAUL, 1990; PERRIAULT, 1996). Neste quadro de mudanças na sociedade e no campo da educação já não se pode considerar a educação a distancia (EaD) apenas como um meio de superar problemas emergenciais (como parece ser o caso na LDB brasileira), ou de consertar alguns


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fracassos dos sistemas educacionais em dado momento de sua história (como foi o caso de muitas experiências em países grandes e pobres, inclusive o Brasil, nos anos 70). A EaD tende doravante a se tornar cada vez mais um elemento regular dos sistemas educativos, necessário não apenas para atender a demandas e/ou a grupos específicos, mas assumindo funções de crescente importância, especialmente no ensino póssecundário, ou seja, na educação da população adulta, o que inclui o ensino superior regular e toda a grande e variada demanda de formação contínua gerada pela obsolescência acelerada da tecnologia e do conhecimento. Considerando a educação como instrumento de emancipação do indivíduo e das nações e a partir de uma perspectiva de democratização das oportunidades educacionais, nas sociedades da “informação” ou do “saber”, onde a formação inicial torna-se rapidamente insuficiente, as tendências mais fortes apontam para a educação ao longo da vida (lifelong education), mais integrada aos locais de trabalho e às expectativas e necessidades dos indivíduos (CARMO, l 997; KEEGAN, 1983; PERRIAULT 1996; BATES, 1990). As sociedades contemporâneas e as do futuro próximo, nas quais vão atuar as gerações que agora entram na escola, requerem um novo tipo de indivíduo e de trabalhador em todos os setores econômicos: a ênfase estará na necessidade de competências múltiplas do indivíduo, no trabalho em equipe, na capacidade de aprender e de adaptar-se a situações novas. Para sobreviver na sociedade e integrar-se ao mercado de trabalho do século XXI, o indivíduo precisa desenvolver uma série de capacidades novas: autogestão (capacidade de organizar seu próprio trabalho), resolução de problemas, adaptabilidade e flexibilidade diante de novas tarefas, assumir responsabilidades e aprender por si próprio e constantemente trabalhar em grupo de modo cooperativo e pouco hierarquizado. Os desafios que estas mudanças na estrutura das demandas sociais de educação pós-secundária (formação inicial e continuada) significam para os sistemas educacionais são enormes: de um lado, na formação inicial, será preciso reformular radicalmente currículos e métodos de ensino, enfatizando mais a aquisição de habilidades de aprendizagem e a interdisciplinaridade (o que implica diminuir a quantidade de conhecimentos), sem no entanto negligenciar a formação do espírito científico e das competências de pesquisa; de outro lado, as demandas crescentes de formação ao longo da vida terão de ser atendidas. No que se refere à formação inicial, cabe lembrar que a demanda de ensino superior não cessa de crescer na maioria dos países desenvolvidos, enquanto em países como o Brasil ela tende a crescer ainda mais significativamente em virtude da expansão do ensino secundário. As mudanças deverão então ocorrer no sentido de aumentar a oferta de oportunidades de acesso e ao mesmo tempo diversificar esta oferta de modo a adaptá-la às novas demandas. Quanto à formação ao longo da vida, trata-se de um campo novo que se abre e requer a contribuição de todos os atores sociais e especialmente uma forte sinergia entre o campo educacional e o campo econômico no sentido de promover a criação de estruturas de formação continuada mais ligadas aos ambientes de trabalho. Isto significa que os sistemas de educação terão necessariamente que expandir sua oferta de serviços, ampliando seus efetivos de estudantes em formação inicial e criando novas ofertas de formação continuada. Tal expansão e tais mudanças na estrutura do ensino parecem e dificilmente realizáveis sem transformações profundas no atual modelo de ensino superior, baseado no uso intensivo de mão-de-obra altamente qualificada (o professor na sala de aula, com um número reduzido de alunos). A expansão e as mudanças dos sistemas educacionais,


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exigidas pelas novas condições socioeconômicas, são demasiado significativas para serem baseadas apenas na expansão de sua força de trabalho: será necessário criar outros processos e métodos de trabalho que possibilitem aumentar a produtividade dos sistemas, o que significa investir também em tecnologias novas e adequadas. O aumento da adequação e da produtividade dos sistemas educacionais vai exigir necessariamente, nesta passagem de século e de milênio, a integração das novas tecnologias de informação e comunicação, não apenas como meios de melhorar a eficiência dos sistemas, mas principalmente como ferramentas pedagógicas efetivamente a serviço da formação do indivíduo autônomo. Sem dúvida a educação a distância, por sua experiência de ensino com metodologias não presenciais, pode vir a contribuir inestimavelmente para a transformação dos métodos de ensino e da organização do trabalho nos sistemas convencionais, bem como para a utilização adequada das tecnologias de mediatização da educação. Existe já neste campo todo um conhecimento acumulado sobre a especificidade pedagógica e didática da aprendizagem de adultos, as formas de mediatização do ensino e as estruturas de tutoria e aconselhamento fundamentadas em uma concepção da educação como um processo de auto-aprendizagem, centrado no sujeito aprendente, considerado como um indivíduo autônomo, capaz de gerir seu próprio processo de aprendizagem. A experiência e o saber desenvolvidos no campo da educação à distância podem trazer contribuições significativas para a expansão e melhoria dos sistemas de ensino superior no sentido da convergência, defendida pela maioria dos especialistas, entre as diferentes modalidades de educação: o cenário mais provável no século XXI será o de sistemas de ensino superior mistos”, ou “integrados”, que oferecem oportunidades diversificadas de formação, organizáveis de modo flexível, de acordo com as possibilidades do aluno, com atividades presenciais e a distância, com uso intensivo de tecnologias e com atividades presenciais, mas sem professor, de interação entre estudantes, que trabalharão em equipe de modo cooperativo. Este trabalho pretende sintetizar alguns dos aspectos mais importantes, caracterizadores da educação à distância, com especial ênfase na questão das tecnologias de informação e comunicação, e descrever os dois novos atores principais no teatro da educação do futuro: o professor coletivo e o estudante autônomo. Esta síntese, feita a partir de uma revisão dos principais conceitos e polêmicas presentes na literatura internacional sobre o assunto, propõe trazer para o leitor brasileiro não apenas conteúdos, conceitos, definições da problemática, mas exprimir o “tom” e as expressões do debate, o que explica o uso intensivo da citação, artifício retórico que pretende aligeirar o texto e dar uma certa visão impressionista do problema. Todas as citações são traduções minhas (algumas bastante livres), Pretende-se com este estudo contribuir para a discussão da chamada “crise da educação”, que já se faz longa, e oferecer aos estudantes e professores uma visão geral e sintética das grandes questões presentes no campo da EaD.


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OS PARADIGMAS ECONÔMICOS CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCACAO A DISTÂNCIA

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as últimas décadas, muito do que se escreveu, disse e fez em EaD baseava-se em modelos teóricos oriundos da economia e da sociologia industriais, sintetizados nos “paradigmas” fordismo e pós-fordismo. A importância deste debate é crucial, já que estes modelos (criados para descrever formas específicas de organização da produção econômica) têm influenciado não apenas a elaboração dos modelos teóricos, mas as próprias políticas e práticas de EaD, no que diz respeito tanto às estratégias desenvolvidas como à organização do trabalho acadêmico e de produção de materiais pedagógicos. A polêmica que opõe os modelos fordista e pós-fordista vem desde os anos 80 e gira sobretudo em torno do trabalho de Otto Peters, reitor de Universidade Aberta de Hagen, na Alemanha, durante os anos 70, e grande especialista em EaD. Desde os anos 70, Peters vem desenvolvendo análises das características da EaD a partir de comparações e analogias com a produção industrial de bens e serviços que identificam nos processos de EaD os principais elementos dos processos de produção industrial agrupados no que se convencionou chamar “modelo fordista”: racionalização, divisão do trabalho, mecanização, linha de montagem, produção de massa, planejamento, formalização, estandardização, mudança funcional, objetivação, concentração e centralização (KEEGAN, 1986). Segundo Peters (t 983), a EaD surgiu em meados do século passado com o desenvolvimento dos meios de transportes e comunicação (trens, correio), cuja regularidade e confiabilidade permitiram o aparecimento das primeiras experiências de ensino por correspondência na Europa e nos Estados Unidos. EaD é, para este autor, uma forma de estudo complementar à era industrial e tecnológica — uma forma industrial de educação e, portanto, o “ensinar” a distância é também um processo industrial de trabalho, cuja estrutura é determinada pelos princípios do modelo industrial fordista, prevalente no Ocidente desde as primeiras décadas deste século e especialmente desde o fim da 2ª Guerra mundial, quando se estendeu para quase todo o planeta. Dentre os princípios do modelo fordista, Peters identifica três como os mais particularmente importantes para a compreensão da EaD: racionalização, divisão do trabalho e produção de massa. Além disto, o processo de ensino vai sendo gradualmente reestruturado através de crescente mecanização e automação. A partir de sua análise da EaD como a mais industrializada forma de educação, diferenciando-se radicalmente das outras formas convencionais que ainda se desenvolvem por métodos artesanais, Peters propõe a seguinte definição:

Estudo a distância é um método racionalizado (envolvendo a definição de trabalho) de fornecer conhecimento que (tanto como resultado da aplicação de princípios de organização industrial, quanto pelo uso intensivo da tecnologia que facilita a reprodução da atividade objetiva de ensino em qualquer escala) permite o acesso aos estudos universitários a um grande número de estudantes independentemente de seu lugar de residência e de ocupação (1983: p. 1 1 1).

A análise de Peters foi duramente criticada sobretudo por membros da Open University inglesa, instituição de grande prestígio nacional e internacional, que segundo Peters é uma experiência pioneira exemplar de um sistema desenvolvido com base em


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práticas fordistas (RUMBLE, 1995; FARNES, 993; EDWARDS, 1991 e 995; RÃGGAT, 1993). Também os representantes da EaD da Austrália participaram intensamente do debate buscando delinear caminhos e modelos de mudança e superação daqueles baseados em paradigmas da sociologia industrial (EVANS e NATION, 1989 e 1992; CAMPION e RENNER, 1992; CAMPION, 1993 e 1995; STEVENS, 1996). Pode-se dizer que desde os anos 80, duas orientações teóricas (“filosofias”) predominantes se afrontam ou coexistem no campo da educação em geral e da EaD em particular: de um lado o estilo fordista de educação de massa e de outro uma proposta de educação mais aberta e flexível, supostamente mais adequada às novas exigências sociais. Estas duas tendências coexistiam confortavelmente, mas a partir dos anos 90 no contexto das transformações políticas e econômicas e das agendas de uma nova fase do capitalismo — a lógica industrialista (de inspiração behaviourista e de educação de massa) começa a perder terreno, sendo percebida como uma ameaça às “qualidades menos tecnocráticas e mais humanistas” vislumbradas como possíveis a partir das teorias da pós-modernidade e de modelos pós-fordistas de organização industrial. A maioria dos estudiosos concorda que os objetivos e as estratégias de EaD estão sendo (ou devem ser) redefinidos em função de análises e críticas orientadas pelos paradigmas pós-modernos e desconstrucionistas. Esta redefinição se dá em direção à abertura e afasta-se do “behaviourismo de massa” (STEVENS, 1 996: p. 249).

FORDISMO E PÓS-FORDISMO Para melhor compreendermos o que está em jogo neste campo da educação, permeado por modelos teóricos oriundos de outros campos (sociologia, economia, antropologia, psicologia etc.), talvez seja útil esclarecer alguns destes conceitos, transpostos (e, portanto, modificados) dos campos da sociologia industrial, economia e gestão para a explicação de fenômenos educacionais. O fordismo foi o modelo industrial dominante durante o século XX, até que as sucessivas crises e transformações do sistema capitalista foram demonstrando seu esgotamento. O avanço tecnológico aparece como elemento-chave que concretiza a crise do paradigma fordista e a necessidade de reestruturação dos processos de produção industrial e modo capitalista. O fordismo, que propunha produção de massa para mercados de massa, se baseava em três princípios: baixa inovação dos produtos, baixa variabilidade dos processos de produção e baixa responsabilidade do trabalho (CAMPION e RENNER, 1992: p. 12). Fordismo é um sistema de produção industrial caracterizado por: um elenco limitado de produtos estandardizados; métodos de produção de massa; automação usando máquinas dedicadas à produção de um produto determinado; força de trabalho segmentada responsável por tarefas fragmentadas e especializadas; controle centralizado; e organização hierárquica e burocrática, A relação positiva de custo/eficiência deriva das economias de escala obtidas através de longos ciclos de produção, da quase uniformidade de serviços e de reduções nos custos do trabalho (RAGGAT, 1993: p. 23).

Segundo os especialistas australianos mencionados anteriormente, com a crise do fordismo surgem novos modelos de produção industrial visando a incrementar sua eficiência com base no uso intensivo das possibilidades novas oferecidas pela tecnologia e em novas formas de organização do trabalho daí decorrentes: neofordismo e pós-fordismo (CAMPION e RENNER, 1992). O neofordismo, identificado como o ‘modelo japonês”, aposta em estratégias de alta inovação dos produtos (novos produtos visando segmentos específicos do mercado) e de alta variabilidade do processo de


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produção (tecnologia e flexibilização e novas formas de organização do trabalho), mas conserva do modelo fordista a estratégia de baixa responsabilização do trabalho (formas de organização fragmentadas e controladas). Um sistema de “maior exploração do trabalho no qual os empregados sofrem níveis mais altos de stress e responsabilidade” (STEVENS, 1996: p. 256; RENNER, 1995: p. 287). O pós-fordismo aparece como uma forma do capitalismo do futuro, “mais justo e democrático”, e propõe também inovações nos dois primeiros fatores: alta inovação do produto e alta variabilidade do processo de produção, mas vai além do neofordismo e investe na responsabilização do trabalho. A distinção fundamental nestes conceitos no que concerne mais diretamente ao campo da educação diz respeito ao terceiro fator, a responsabilização do trabalho, que implica uma força de trabalho muito mais qualificada (capaz de tomar decisões) do que o modelo fordista ou neofordista. É típico das formas fordistas de organização do processo de trabalho industrial de serem “desqualificantes”, ou seja, de provocarem uma espécie de desqualificação do trabalhador por excesso de especialização, relacionada com a segmentação do processo em tarefas rotineiras. Uma das melhores representações deste processo de desqualificação deve-se a Chaplin, que mostrou magistralmente como ele ocorre na linha de montagem (Tempos modernos).

A EDUCAÇÁO COMO INDÚSTRIA Para compreender a influência de tais modelos econômicos e de gestão no campo da educação, e da EaD em particular, é preciso lembrar que o grande desenvolvimento econômico do período capitalista de pós-guerra se caracterizou pela crescente penetração dos modelos teóricos e das práticas da economia sobre os outros campos da vida social. Naquele período de grande expansão do capitalismo, o paradigma industrial — o industrialismo, uma das quatro dimensões da modernidade, segundo Giddens — inspirava as ações do estado-providência fazendo com que os serviços públicos (saúde, educação, transporte, habitação etc.) fossem também organizados em bases fordistas, ou seja, de modo racionalizado e planejado, em larga escala, de massa (GIDDENS, 1 994). No campo da educação, esta lógica de massa” vai evidenciar-se na expansão da oferta de educação (universalização do ensino fundamental e depois do ensino secundário) e nas estratégias implementadas (grandes unidades, planejamento centralizado, otimização de recursos, uso de tecnologias). Faz também parte deste quadro o surgimento uma nova disciplina, que irá transpor para os processos educacionais os modelos industriais: a tecnologia educacional (EVANS e NATION, 1992). O modelo fordista estendeu-se para além dos limites da produção de bens de consumo, tornando-se um discurso político, uma forma de ação do estado, quase um estilo de vida: Os estados pretenderam responder às demandas da economia de necessidade de novos serviços, emprestando as idéias e métodos do fordismo industrial. Arquitetos progressistas tentaram aplicar os métodos de Ford à habitação, escolas e hospitais. Eles desenhavam modelos básicos e então estandardizavam os componentes e o processo de construção. A falta de variedade era justificada em termos de economia e igualdade, e tornou-se inextricavelmente ligada ao princípio de universalidade do welfare state, a disponibilidade, para todos, de direitos e serviços estandardizados. Refeições escolares, carteiras e uniformes poderiam ser produzidos e vendidos como para o exército. Este era o welfare dream fordista (MURRAY, 1991, in CAMPION e RENNER, 1992: p. 20).


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A educação não é exceção neste quadro geral de prevalência de modelos economicistas e, no caso específico da EaD, trata-se de uma modalidade de educação onde os modelos fordistas mostravam-se muito adequados, tal como afirmava Peters. A partir dos anos 70, o modelo fordista de produção industrial não mais consegue assegurar o sucesso operacional, por muitas razões, notadamente: a resistência às formas tayloristas de organização do trabalho, representada pela baixa produtividade; recessões econômicas, saturação dos mercados de massa, aumento das despesas sociais, mundialização dos mercados, demanda de diversificação de produtos e viabilidade de pequenas unidades de produção pelo uso intensivo de tecnologias mais avançadas (CAMPION e RENNER, 1992: p. 10). Na educação o modelo fordista parece cada vez menos adaptado para responder às novas exigências sociais: Este modelo fordista está todavia mal equipado para responder ao substancial crescimento que ocorrerá na área do desenvolvimento profissional e da educação continuada, área na qual vão predominar materiais de aprendizagem sofisticados, de curta vida útil e menor volume para mercados especializados (RAGGAT, 1993: p. 23).

Uma forma de superar este impasse seria considerar a EaD não como uma atividade do setor secundário (industrial), mas como uma atividade de prestação de serviços (setor terciário). Nesta perspectiva, a lógica de adaptação personalizada aos interesses do cliente é predominante e substitui a lógica de produção em massa de produtos estandardizados (TRINDADE, 1998).

IMPACTO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Aplicadas à organização de sistemas de EaD, as estratégias fordistas sugerem a existência de um provedor altamente centralizado, operando em single-mode (isto é, exclusivamente em EaD), de âmbito nacional, fazendo economias de escala através da oferta de cursos estandardizados para um mercado de massa e justificando deste modo um maior investimento em materiais mais caros. Um sistema de tal modo racionalizado implica um incremento do controle administrativo e uma divisão do trabalho mais intensa, já que o processo de produção é fragmentado num número crescente de tarefas (CAMPION, 1995). Como Peters (1983 e 1 989) mostrou e Rumble (1 989) analisou e criticou, a EaD pode ser vista como um produto e um processo da modernidade: suas características básicas (sistemas administrativos, redes de distribuição e processos de produção impressa) assemelham-se às características das sociedades modernas com produção de massa e culturas de consumo e de gestão muito desenvolvidas (EVANS, 1995; GIDDENS, 1 994). Stewart, um importante dirigente da Open University, criticou estes modelos como passíveis de destruir os fundamentos da vida neste planeta e de desempenharem um papel de desintegração de nossa sociedade, pois contribuem para o isolamento e evitam a interação pessoal e crítica.

Naturalmente, para este autor, a Open University não pode ser assimilada a modelos industrialistas, pois se fundamenta em uma filosofia humanista, tanto na concepção de ensino quanto nas práticas de gestão (SEWART, 1995). No estado atual das relações paradigmáticas entre industrialização e educação,


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a inadequabilidade do formato fordista não humanista aponta para a necessidade de novos caminhos que podem ser também buscados em paradigmas industriais (pósfordismo) que facilitariam principalmente processos burocráticos mais flexíveis e empreendedores (CAMPION, 1993).

Nos “novos tempos” do capitalismo, estes diferentes paradigmas econômicos coexistem na sociedade, no processo de produção econômica, e seu impacto na educação não se caracteriza nem pela exclusividade (ao contrário, concorrem com concepções e práticas pré-fordistas e artesanais), nem por uma evolução necessária e predeterminada (RENNER, 1995; STEVENS, 1995). Como sabemos, o campo da educação é extremamente complexo e altamente resistente à mudança, e esta confusão de orientações e paradigmas sinaliza a necessidade de definir mais claramente o campo da EaD e da aprendizagem aberta (AA), buscando escapar dos modelos economicistas. Farnes (1 993) sugere que às diferentes fases da produção (pré-industrial, industrial pré-fordista, fordista e pós-fordista) correspondem quatro estágios do setor educacional: do modelo artesanal à educação elementar de massa, seguida da educação secundária de massa e, como objetivo ainda por atingir, à educação superior e continuada também de massa. Segundo este autor, o alto grau de industrialização da educação interfere com as avaliações sobre a qualidade do ensino. Chamando a atenção para o fato de que a educação convencional também é industrializada (de massa), ele ressalta que o não-reconhecimento deste fato tende a exagerar as diferenças entre ensino convencional e a distância, o que pode levar a considerações injustificadas sobre diferenças de qualidade. A qualidade da educação deveria “permanecer distinta de modelos industriais que servem ao propósito de estruturar os modos de distribuição do ensino enquanto produto, mas não às formas como a educação é concebida”. Embora tal distinção possa parecer desejável, na prática sabemos que ela é dificilmente realizável: os modelos industriais de produção já penetraram em todas as esferas sociais, e o setor educacional não é uma exceção. Fazendo uma resenha analítica deste debate, em um artigo cujo título resume a questão (“Have the shifting sands of Fordism resulted in ground lost or ground gained for distance education?”), Síevens questiona: se o fordismo não é satisfatório para as condições econômicas atuais, quais condições estão mudando e em que medida estas mudanças são relevantes para a EaD? Seu trabalho procura revelar o conflito subjacente à EaD em sua busca de respostas nos paradigmas da sociologia industrial: Partindo da necessidade de mudanças em EaD, o debate enfocou a necessidade de um paradigma pósindustrial para EaD de acordo com os conceitos de pós-modernidade. (...) Neste discurso sobre fordismo e EaD, os modelos de fordismo e pós-fordismo acabaram por dividir, de acordo com aqueles paradigmas industriais, as respectivas entidades educacionais de EaD e de AA. É esta divisão de conceitos educacionais que indica a necessidade de princípios próprios à EaD, como um processo educacional a ser identificado, mais que identificar modelos de produção e paradigmas de métodos de produção, que caracterizam EaD como um mero modo de fornecimento (1996: p. 248).

Por sua importância nas práticas de EaD, o papel do modelo fordista no campo da EaD tem sido criticado, mesmo por especialistas de universidades abertas consideradas típicas deste modelo. Como observa com muita pertinência Rumble (1995), da UKOU, o problema mais importante é o fato de que poucos sistemas de EaD estão realmente atendendo a mercados de massa. Embora reconhecendo os aspectos positivos da Open University em termos de custo/eficiência, este autor critica a “inflexibilidade de um provedor exclusivo e especializado (single mode), verticalmente integrado (envolvido em todas as fases da produção)” e chama a atenção para o fato de


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que, na prática da maioria das instituições fornecedoras de EaD, práticas artesanais pré e pós-fordistas coexistem e misturam-se com o modelo fordista. A aplicação de modelos industriais e behaviouristas à EaD não significa apenas o caráter passivo do estudante considerado como objeto e como um público de massa, mas envolve também o professor: “Proletarização, desqualificação, divisão do trabalho, democratização do espaço de trabalho e produção nova são aspectos da educação industrializada que implicam igualmente o professor e o estudante” (RENNER, 1995: p. 292). Ao criticarem o “industrialismo instrucional” e defenderem a importância do diálogo entre professores e alunos, Evans e Nation (1989 e 1993) propõem explorar “novas formas de educação aberta” tais como “aprendizagem aberta”, “aprendizagem flexível”, “fleximodo”, “campus aberto” ou “campus virtual”, que eles consideram como características emergentes da EaD típicas da “modernidade tardia” (late modernity). De modo geral, as novas formas de educação aberta utilizam práticas de EaD para atender às diversidades de currículos e de estudantes e para responder às demandas nacionais, regionais e locais. Os imperativos econômicos estão presentes uma vez que a educação aberta constitui um segmento específico de mercado que tem potencialidades globais. Os interesses públicos e privados organizam-se para atender a estes mercados onde a educação aparece como uma nova mercadoria. O uso intensivo das tecnologias de informação e comunicação deverá permitir sustentar e monitorar estes mercados que tenderão a ultrapassar os limites nacionais. Com o avanço tecnológico e as transformações nos processos de trabalho, a tendência a longo prazo é que a educação como um todo, incluindo EaD e ensino convencional, vá se transformando num complexo organismo de educação aberta (THORPE, 1995; RAGGAT, 1 993; EDWARDS, 1 995). Segundo Edwards (1995), a educação aberta é uma conseqüência da pósmodernidade. Este autor situa o recente interesse pelos debates em torno do fordismo e pós-fordismo no bojo de uma crise das ciências sociais que estariam sofrendo de uma “perda de fé em sua capacidade de descrever o mundo como ele é” e que deveriam “ir além das fronteiras das disciplinas” para tentarem ‘captar as tendências existentes no interior dos diferentes campos de interesse” Pode-se dizer que os modelos da sociologia industrial penetraram no campo da educação aberta e a distância por dois caminhos: de um lado, as mudanças na produção econômica e na organização do trabalho provocaram mudanças na demanda; de outro, houve grande influência destes modelos na organização interna das instituições educacionais, com significativo impacto em suas concepções e estratégias educacionais. A partir dos anos 90, as transformações sociais e econômicas, em ritmo acelerado, aprofundam a defasagem entre o ensino oferecido pelos sistemas educacionais e as demandas sociais. Se no modelo pós-fordista de produção industrial os processos de trabalho estão sendo cada vez mais regidos por formas de flexibilidade, então uma ênfase maior é colocada na necessidade de competências múltiplas do trabalhador (multi-skilling), em técnicas nucleares e transferíveis, em tarefas menos segmentadas exigindo trabalho em equipe. As demandas de formação inicial e continuada mudam substancialmente, apontando para duas grandes tendências: de um lado, uma reformulação radical dos currículos e métodos de educação, no sentido da multidisciplinaridade e da aquisição de habilidades de aprendizagem, mais do que de conhecimentos pontuais de rápida obsolescência; de outro, a oferta de formação continuada muito ligada aos ambientes de trabalho, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning).


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É preciso lembrar que o crescimento e diversificação da demanda de educação e formação faz parte das mudanças mais gerais e pressionam as instituições educacionais gerando dificuldades de atendimento eficiente através dos meios tradicionais, o que leva os sistemas a adotarem formas mais flexíveis de gestão em sua organização interna e nas estratégias de produção e distribuição dos currículos. O modelo de EaD tem sido identificado com os modelos fordistas de produção industrial por apresentar as seguintes características principais: racionalização, divisão acentuada do trabalho, alto controle dos processos de trabalho, produção de massa de pacotes educacionais”, concentração e centralização da produção, burocratização. As análises críticas dos autores referidos acima apontam seus principais aspectos negativos: desqualificação dos quadros acadêmicos e técnicos das instituições (“alienados” em processos de trabalho fragmentados e estandardizados), desumanização do ensino com a mediatização e a burocratização das tarefas de ensino e aprendizagem. Além disto, em termos puramente econômicos, este modelo tenderia a esgotar-se em virtude de sua inadequabilidade às novas demandas surgidas com as transformações econômicas e tecnológicas. Da mesma forma que na empresa os modelos de gestão encaminham mudanças nos processos de trabalho e de gestão, no campo educacional, e no da EaD em particular, o modelo do grande provedor especializado, produzindo ensino estandardizado para um mercado de massa, tenderia a transformar-se. A adaptação dos serviços ao perfil individual do usuário pode ser conseguida através do fracionamento dos serviços de educação e formação em módulos menores, o que facilitaria a escolha e a composição de um “menu” personalizado (TRINDADE, 1 998). Esta perspectiva, porém, exigirá do estudante-usuário competências de auto-estudo e de autogestão que talvez muitos dos jovens adultos que procuram a EaD não tenham desenvolvido.

APRENDIZAGEM ABERTA Não obstante o discurso dos especialistas em busca de princípios teóricos próprios à EaD, a relação de influência parece continuar: as novas formas ou os novos modelos de AA que pretendem indicar os caminhos desta modalidade de ensino a distância vão buscar inspiração.., nos paradigmas econômicos e da sociologia industrial, nomeadamente no pós-fordismo que, com suas grandes inovações responsabilização do trabalho, flexibilidade, unidades de produção de menor porte e mercados segmentados —, aparece como uma forma mais democrática e aberta de produção capitalista. A estratégia pós-fordista se caracteriza pelos altos níveis das três variáveis: inovação do produto, variabilidade do processo e responsabilidade do trabalho. Opõe-se ao modelo fordista quanto à divisão do trabalho e ao rígido controle gerencial, encorajando a qualificação e a responsabilização da força de trabalho. Um modelo pósfordista de EaD teria que ser descentralizado e conservar a integração entre os diferentes modos de estudo (convencional e a distância). A equipe acadêmica deveria manter o controle e autonomia com relação a seus cursos e assim poder ajustar rapidamente currículos e métodos, atendendo às necessidades cambiantes dos estudantes (CAMPION, 1993: p. 194). O pós-fordismo se caracteriza pela ruptura das estruturas industriais hierarquizadas e burocratizadas. O processo de descentralização e horizontalização da gestão está associado a um modelo de organização menos burocrático e mais empresarial e a uma ênfase na autonomia, iniciativa e flexibilidade oposta à rotina legal e racional do fordismo.


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Segundo Edwards (1995), a EaD, com sua ênfase no fornecimento de oportunidades de aprendizagem a distância, é consistente com o modelo fordista de produção e consumo de massa. Os discursos sobre AA, ao contrário, colocam a ênfase nas necessidades específicas e/ou mercados disponíveis e nos meios necessários para atender a estes mercados. Esta é a diferença fundamental entre estes dois modelos: a ênfase na demanda, seja do ponto de vista do sistema de produção, seja desde a perspectiva das exigências e expectativas do estudante, considerado como consumidor. Tal perspectiva condiz perfeitamente com a filosofia da centralidade do aprendente como princípio orientador da aprendizagem aberta e a distância. Isto pode significar também que as instituições educacionais incorporem formas de flexibilidade de gestão de processos de trabalho encontradas na empresa privada. Segundo Trindade (1 998), a consideração da oferta de EaD como uma atividade do setor terciário, de serviços, e não como uma atividade industrial, permitiria incorporar melhor uma lógica de atendimento mais individualizado aos interesses da clientela, numa perspectiva de oferta de serviços diversificados que o estudante pode organizar segundo suas necessidades e expectativas. No contexto de globalização do capitalismo contemporâneo, com a intensificação das relações sociais em nível mundial e a compressão do tempo e do espaço, muitas tendências contraditórias ocorrem, e a “dialética do global e do local” permeia todas as esferas da vida social, especialmente a educação. Muitos estudos têm enfocado a significação do desenvolvimento tecnológico como fator-chave da globalização, especialmente a aceleração dos transportes e da comunicação tornada possível pelo avanço tecnológico (GIDDENS, 1997). Embora a ênfase na tecnologia possa ser compreendida como uma forma de determinismo, não se pode incorrer no equívoco oposto, que consistiria em minimizar sua importância, pois hoje mais do que nunca os progressos técnicos dão forma aos processos sociais e econômicos (ou modelam-nos), agora de globalização, de transformação das relações de tempo e de espaço e outros tantos que se situam no interior de um processo maior que é a reestruturação do capitalismo contemporâneo, com a flexibilização dos processos e mercados de trabalho, e a variabilidade de produtos e padrões de consumo. Esta “flexibilização” precariza o fator trabalho e enfraquece sua capacidade de pressão. Embora tais transformações estejam longe de ocorrerem todo o planeta, elas constituem tendências muito significativas nas principais economias do mundo. Os “novos tempos” do capitalismo significam uma reestruturação da economia, baseada em princípios pós-fordistas, ao mesmo tempo gerada e possibilitada pela disponibilidade de novas tecnologias de informação e comunicação, correspondendo ao colapso das “certezas” dos anos dourados do pós-guerra (GIDDENS, 1994; EDWARDS, 1991 e 1995). O argumento dos novos tempos’ é que o mundo mudou, não apenas quantitativamente, mas qualitativamente, que a Grã-Bretanha e outras sociedades capitalistas avançadas se caracterizam cada vez mais pela diversidade, diferenciação e fragmentação, mais do que pela homogeneidade, estandardização e por organizações e economias de escala que caracterizavam a sociedade de massa moderna (HALL e JACQUES, in EDWARDS, 1991: p. 36).

Em tal contexto, cabe perguntar se a expansão da AA não representaria uma mudança similar no campo da EaD, um mero reflexo adaptativo dos princípios e sistemas educacionais e de formação, aos imperativos do mercado. O que poderia significar que os discursos progressistas e otimistas sobre as possibilidades


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democráticas e emancipadoras da AA representariam um novo álibi educacional, legitimador da nova fase do liberalismo. Se é verdade que “o mercado de massa está morto e que foi substituído pelo poder e escolha do consumidor” (EDWARDS, 1 99 1: p, 37), então a nova estruturação do capital exige outras competências tanto dos trabalhadores quanto dos consumidores. Novas demandas aparecem no campo da educação, agora concebido como um conjunto fragmentado de segmentos específicos de um mercado global de aprendentesconsumidores. Os novos princípios pós-fordistas envolvem sistemas de produção industriais mais flexíveis, design orientado para os desejos e necessidades de consumidores, dispersos em segmentos específicos de um mercado globalizado. Também presentes neste modelo estão a ênfase no controle de qualidade e a terceirização com enfoque em pequenas empresas mais “empreendedoras” que, segundo Edwards (1 99 1), seriam como “os pássaros no dorso do rinoceronte, que podem ser sacudidos’ quando necessário sem prejuízo para o rinoceronte” As necessidades da economia são, portanto, de maior flexibilidade e inovação, o que leva ao surgimento de novas formas de organização do trabalho e de gestão. Trabalhadores ‘flexíveis” e com múltiplas competências aparecem como o fator-chave destas mudanças. As conseqüências para o campo da educação são claras: necessidade de reformular radicalmente a formação inicial, de desenvolver ações integradas de formação contínua, ao longo da vida, e de transformar os locais de trabalho em organizações de aprendizagem. Analisando o caso da Inglaterra, Edwards (1991) identifica três áreas cruciais nas quais aparece claramente o reflexo das mudanças da economia sobre as políticas de educação e formação: ênfase na necessidade de uma força de trabalho “flexível”, altamente qualificada e com competências múltiplas; desenvolvimento de parâmetros nacionais de qualificação, dando aos empregadores mais poder na definição das qualificações; e orientação para o desenvolvimento de programas de AA para facilitar o treinamento no local de trabalho e de modo individualizado e “flexibilizado”, evitando a reunião e discussão entre os empregados. O autor apresenta algumas preocupações com relação a este modelo: em primeiro lugar, ele favorece o controle crescente pelos empregadores da educação “pósobrigatória” e do treinamento profissional. Além disto, a AA parece gozar de grande popularidade entre os empregadores, porque permite aos empregados realizarem sua formação durante seu tempo livre, sem dispensa do trabalho, além de possibilitar aos empregadores um significativo nível de controle com relação aos conteúdos da formação. Ele acredita que dizer que AA é um ramo progressista de educação e treinamento é uma falácia que precisa ser contestada. Para ele, a AA “perdeu a inocência” que lhe era atribuída por seus adeptos (especialmente os australianos): “a AA fornece a perspectiva teórica e a legitimação desta mudança pós-fordista” (1991: p. 39).

O FUTURO PÓS-FORDISTA O futuro pós-fordista é apresentado nos discursos oficiais europeus, especialmente na Inglaterra thatcheriana dos anos 80, como um “paraíso” inevitável: o avanço e expansão das tecnologias de informação e comunicação levaria a mudanças sem precedentes na atividade econômica e nos padrões de trabalho e de lazer; a qualidade terá que substituir a quantidade; a adaptabilidade torna-se essencial; estas


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mudanças tendem a se acelerar e atingir nos próximos anos todos os setores da economia e afetar grupos cada vez mais numerosos: A idéia de ter o mesmo emprego durante toda a vida está se tornando cada vez mais insustentável. Aqueles com maiores capacidades de adaptação sobreviverão com sucesso; aqueles menos adaptáveis, nações ou pessoas, fracassarão (ACAFE, in EDWARDS, 199 1: p. 39).

Esta visão do futuro, tipicamente neoliberal, que Edwards considera como um “darwinismo econômico”, apresenta-se como inelutável e exige dos sistemas de educação que se adaptem a ela. Os dados da realidade, porém, tendem a desmentir esta visão otimista de um futuro radioso modelado pelo pós-fordismo neoliberal. Uma segmentação radical da população ativa poderá corresponder à expansão deste modelo de produção: estimativas mais pessimistas calculam que apenas uma minoria (25%) da força de trabalho será formada de trabalhadores com empregos permanentes em grandes empresas e protegidos por acordos coletivos de trabalho; uma outra minoria (25%) será de trabalhadores periféricos com empregos mal remunerados, precários e não qualificados; enquanto cerca da metade da população ativa será constituída de trabalhadores subempregados, desempregados e marginalizados, com trabalhos ocasionais ou sazonais, sobretudo no setor de serviços (CORZ, 1 989, EDWARDS, 1991: p. 40). A se verificarem tais previsões, isto significaria que o modelo se aplica a uma significativa minoria da força de trabalho, que teria de manter seu emprego através da flexibilidade e treinamento contínuo, enquanto a grande maioria dos trabalhadores potenciais precisará ser extremamente flexível para afrontar sua situação precária de desemprego estrutural. Em tal situação, propostas de IAAD aparecem como um discurso legitimador de políticas de formação e treinamento. A AA está aí para manter a aparência de oportunidade, eludindo a visão de que no mercado de educação e treinamento são aqueles com maior capital em termos de experiência prévia de aprendizagem que serão os maiores e mais prováveis clientes (EDWARDS 1991; p. 40).

Os discursos sobre uma força de trabalho flexível e multicompetente construindo um modo de produção capitalista mais aberto e democrático (porque baseado na autonomia do trabalhador) constituiriam então um engodo no sentido de que a “experiência da minoria está sendo construída como a norma” (idem: p. 40). As conseqüências destas questões no campo da educação, e no da EaD em particular, são extremamente importantes, pois, do mesmo modo que nos processos de trabalho o indivíduo passaria a ser considerado responsável por seu sucesso ou fracasso em se adaptar às novas regras do trabalho e da tecnologia, em estar ou não entre a minoria de trabalhadores privilegiados com empregos, também no campo educacional o indivíduo seria responsável pela realização de sua própria formação, constituída à la carte, segundo um amplo menu oferecido por um conjunto de instituições produtoras e distribuidoras de cursos e materiais. Neste quadro de possibilidades, como num passe de mágica, o desemprego estrutural e o enfraquecimento do peso relativo do fator trabalho, elementos essenciais do capitalismo tardio, e as políticas que os favorecem, são deslocados da esfera pública para a esfera privada, individual.


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EDUCAÇÃO, ENSINO OU APRENDIZAGEM À DISTÂNCIA? DEFINIÇÕES ⇒ O termo educação a distância cobre várias formas de estudo, em todos os níveis, que não estão sob a supervisão contínua e imediata de tutores presentes com seus alunos em salas de aula ou nos mesmos lugares, mas que não obstante beneficiam-se do planejamento, da orientação e do ensino oferecidos por uma organização tutorial (HOLMBERG, 1977). ⇒ Ensino a distância é o ensino que não implica a presença física do professor indicado para ministrá-lo no lugar onde é recebido, ou no qual o professor está presente apenas em certas ocasiões ou para determinadas tarefas (Lei francesa, 1971). ⇒ Educação a distância pode ser definida como a família de métodos instrucionais nos quais os comportamentos de ensino são executados em separado dos comportamentos de aprendizagem, incluindo aqueles que numa situação presencial (contígua) seriam desempenhados na presença do aprendente de modo que a comunicação entre o professor e o aprendente deve ser facilitada por dispositivos impressos, eletrônicos, mecânicos e outros (MOORE, 1973). ⇒ Educação a distância é uma relação de diálogo, estrutura e autonomia que requer meios técnicos para mediatizar esta comunicação. Educação a distância é um subconjunto de todos os programas educacionais caracterizados por: grande estrutura, baixo diálogo e grande distância transacional. Ela inclui também a aprendizagem (MOORE, 1990). ⇒ [Educação a distância] é uma espécie de educação baseada em procedimentos que permitem o estabelecimento de processos de ensino e aprendizagem mesmo onde não existe contato face a face entre professores e aprendentes — ela permite um alto grau de aprendizagem individualizada (CROPLEY e KAHL, 1983). ⇒ [Educação a distância] é um modo não contíguo de transmissão entre professor e conteúdos do ensino e aprendente e conteúdos da aprendizagem — possibilita maior liberdade ao aprendente para satisfazer suas necessidades de aprendizagem, seja por modelos tradicionais, não tradicionais, ou pela mistura de ambos (REBEL, 1983). ⇒ Educação a distância é um termo genérico que inclui o elenco de estratégias de ensino e aprendizagem referidas como “educação por correspondência”, ou estudo por correspondência” em nível pós-escolar


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de educação, no Reino Unido; como “estudo em casa”, no nível pósescolar, e “estudo independente”, em nível superior, nos Estados Unidos; como “estudos externos”, na Austrália; e como “ensino a distância” ou “ensino a uma distancia”, pela Open University. Na França, é referido como “tele-ensino” ou ensino a distância; e como “estudo a distância e “ensino a distância”, na Alemanha; “educação a distância”, em espanhol, e “teleeducação”, em português (PERRIAULT, 1996). ⇒ Educação a distância se refere àquelas formas de aprendizagem organizada, baseadas na separação física entre os aprendentes e os que estão envolvidos na organização de sua aprendizagem. Esta separação pode aplicar-se a todo o processo de aprendizagem ou apenas a certos estágios ou elementos deste processo. Podem estar envolvidos estudos presenciais e privados, mas sua função será suplementar ou reforçar a interação predominantemente a distância (MALCOMTIGHT, 1988). ⇒ Educação a distância é um método de transmitir conhecimento, competências e atitudes que é racionalizado pela aplicação de princípios organizacionais e de divisão do trabalho, bem como pelo uso intensivo de meios técnicos, especialmente com o objetivo de reproduzir material de ensino de alta qualidade, o que torna possível instruir um maior número de estudantes, ao mesmo tempo, onde quer que eles vivam. É uma forma industrializada de ensino e aprendizagem (PETERS, 1973).

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD) Com exceção da definição de Peters, que aplica à EaD o “paradigma” econômico elaborado para descrever o processo de produção industrial de um dado período do capitalismo (fordismo), as definições acima são de modo geral descritivas e definem EaD pelo que ela não é, ou seja, a partir da perspectiva do ensino convencional da sala de aula. O parâmetro comum a todas elas é a distância, entendida em termos de espaço. A separação entre professores e alunos no tempo não é explicitada, justamente porque esta separação é considerada a partir do parâmetro da contigüidade da sala de aula que inclui a simultaneidade. Como veremos adiante, a separação no tempo comunicação diferida — talvez seja mais importante no processo de ensino e aprendizagem a distância do que a não-contigüidade espacial. Os poucos exemplos acima revelam a complexidade da questão e a nãounanimidade em torno do assunto. Representante típica da corrente americana, a inspiração behaviourista das definições de Nloore reforça a importância da tecnologia educacional, pois o uso de meios tecnológicos e a existência de uma estrutura organizacional complexa são considerados como elementos essenciais à EaD. Moore explicita alguns dos principais parâmetros necessários à definição de EaD: separação professor/aluno, uso dos meios de comunicação tecnicamente disponíveis, segmentação do ensino em duas áreas (preparação e desempenho em sala de aula) que na EaD são ambas realizadas em separado dos estudantes. Desenvolvimentos posteriores desta corrente introduziram outras noções importantes: a maior segmentação do ensino e a possibilidade maior de escolha do aluno (KEECAN, 1 983: p. 10).


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Peters provocou muita polêmica ao utilizar conceitos da economia e da sociologia industrial para definir EaD. Suas teses representam, todavia, uma tentativa de ir além das definições meramente descritivas — ou pelo menos de descrever EaD pelo que ela é — e buscar explicar a partir do contexto socioeconômico mais amplo as particularidades da EaD com relação ao ensino convencional e ao mercado de trabalho. Seus trabalhos tiveram grande importância durante os anos 70 e 80 e exerceram provavelmente forte influência em algumas das experiências de EaD mais importantes da Europa, como a Ferns Universitat de Hagen, na Alemanha (que ele dirigiu por muito tempo), ou a Open University na Inglaterra e a UNED na Espanha, por exemplo. Segundo Evans e Nation (1 992), a explicação fordista de Peters estimulou muitas pessoas a adotar, ou a ver em sua prática, um modelo industrial de EaD”. Peters inclui a separação professor/estudante e o uso de meios técnicos como elementos essenciais da EaD, mas vai além e examina os modos de organização dos sistemas e sua estrutura didática que, segundo ele, “pode ser mais bem entendida a partir de princípios que regem a produção industrial, especialmente os de produtividade, divisão do trabalho e produção de massa” (PETERS, 1973: p. 157). Para Peters, a EaD implica a divisão do trabalho de ensinar, com a mecanização e automação da metodologia de ensino e a dependência da efetividade do processo de ensino com relação às tarefas prévias de planejamento e organização dos sistemas (mais do que à habilidade do professor), conduzindo a uma transformação radical do papel do professor. As relações professor/estudante se caracterizam por aspectos essencialmente diferentes daqueles que ocorrem no ensino convencional: elas são controladas por regras técnicas mais do que por normas sociais; são baseadas em pouco ou nenhum conhecimento das necessidades do aprendente; são construídas a partir de orientações e diretivas e não no contato pessoal; e buscam atingir os objetivos pela eficiência e não pela interação pessoal (KEEGAN, op. cit.: p. 11).Como vimos, as teorias de Peters levantaram muitas objeções, em que pese seu rigor científico, e muitas vezes as críticas confundiram suas análises teóricas com a defesa de um modelo e/ou de uma instituição de EaD. Para ele, a EaD, por sua própria natureza, é o modo mais industrializado de educação e por isso reflete em sua organização institucional e pedagógica os princípios da produção industrial.A ênfase nas diferenças em relação ao ensino convencional — baseadas na organização industrial e na separação professor/aluno como elementos definidores de EaD — leva à redução da abrangência do conceito ao universo de um tipo específico de sistema: o provedor especializado de grande porte, praticando uma economia de escala, exemplificado pelas universidades abertas européias. Ora, outras formas de organização de EaD existem e coexistem com modelos mais ou menos fordistas, tais como as experiências australianas e americanas realizadas por universidades convencionais. Também a confiança excessiva no valor heurístico dos modelos economicistas prejudicam as teses de Peters, que deixou de considerar em sua justa medida a especificidade do campo da educação, ao qual pertencem, embora de modo particular e às vezes algo marginal, as experiências de EaD. As críticas a Peters feitas por professores e dirigentes da Open University inglesa defendem sua instituição, apontada como um exemplo do “industrialismo instrucional”, e afirmam a prevalência de uma “filosofia


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humanista” orientadora da educação lá ministrada, não obstante a importância da tecnologia educacional e da necessária organização industrial (SEWART, 1983 e 1995; EDWARDS, 1991; RUMBLE, 1989). Também os australianos, defensores de modelos institucionais mais “integrados” e processos de aprendizagem mais “abertos e flexíveis”, criticam o reducionismo do modelo de Peters e apontam para outros modelos de EaD mais adequados à fase “pós-fordista” (ou pós-moderna) do desenvolvimento capitalista do fim do século XX. Segundo Evans e Nation, falta ao campo da EaD uma reflexão teórica que fundamente as práticas, sendo necessário submeter à análise os discursos e a prática no sentido de “desconstruir o industrialismo instrucional dominante na EaD e na aprendizagem aberta (AA) e construir novas formas de educação adequadas ao mundo pós-industrial” (1992: p. 3).

APRENDIZAGEM ABERTA E A DISTÂNCIA (AAD) Mais coerente com as transformações sociais e econômicas, a aprendizagem aberta e a distância (AAD) se caracteriza essencialmente pela flexibilidade, abertura dos sistemas e maior autonomia do estudante. Embora este conceito enfatize o uso de meios técnicos para aumentar a eficácia do sistema, ele não prioriza a produção de materiais e a organização industrial daí decorrente como fatores definidores da MD. Também a não-contigüidade e a não-simultaneidade deixam de ser elementos centrais nesta concepção. As experiências australianas de EaD ocorrem em universidades convencionais (ou sistemas integrados”) que atendem a estudantes em situações presenciais e não presenciais (on e off campus). O fundamento deste modelo é a centralidade do aprendente no processo de aprendizagem. Com efeito, nos modelos de EaD esboçados pelas definições apresentadas no início, nota se uma ênfase excessiva nos processos de ensino (estrutura organizacional, planejamento, concepção de metodologias, produção de materiais etc.) e pouca ou nenhuma consideração dos processos de aprendizagem (características e necessidades dos estudantes, modos e condições de estudo, níveis de motivação etc.). Pode-se dizer que as práticas propostas e/ou descritas por estes modelos referem-se muito mais aos “sistemas ensinantes” do que aos “sistemas aprendentes” (CARMO, 1997). A idéia de auto-aprendizagem — ausente ou apenas implícita nas definições behaviouristas e economicistas — é, no entanto, crucial para a educação a distância: muito mais do que no ensino convencional, onde a intersubjetividade pessoal entre professores e alunos e entre os estudantes promove permanentemente a motivação, na EaD o sucesso do aluno (isto é, a eficácia do sistema) depende em grande parte da motivação do estudante e de suas condições de estudo (KEEGAN, 1983: p. 29). Também do ponto de vista do aprendente, coloca-se outro dos elementos fundamentais da EaD: a “abertura”, entendida ao mesmo tempo como acessibilidade aos sistemas e como flexibilidade do ensino: A relação entre os conceitos de aprendizagem aberta e aprendizagem a distância é mais complexa. Aprendizagem aberta tem essencialmente dois significados: de um lado refere-se aos critérios de acesso aos sistemas educacionais (‘aberta” como equivalente da idéia de remover


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barreiras ao livre acesso à educação e ao treinamento); de outro lado, significa que o processo de aprendizagem deve ser, do ponto de vista do estudante, livre no tempo, no espaço e no ritmo (time-free, place-free e pace-free). Ambos os significados estão ligados com uma filosofia educacional que identifica abertura com aprendizagem centrada no estudante (TRINDADE, 1992: p. 30).

A auto-aprendizagem de adultos constitui um tema relativamente novo no campo da educação. Embora de modos variados segundo países e regiões, as teorias construtivistas e interacionistas e as pedagogias ativas exerceram grande influência sobre as teorias e práticas pedagógicas na educação infantil. Esta influência, porém, é bem menos presente no ensino superior e mesmo no secundário, onde os modelos tradicionais e/ou behaviouristas são ainda fortemente predominantes. Isto significa que os processos de aprendizagem do estudante adulto são ainda pouco conhecidos e as metodologias de ensino praticadas nas universidades podem ser, grosso modo, classificadas com o conceito de “educação bancária” de Paulo Freire (1971). O desenvolvimento de pesquisas sobre metodologias de ensino mais ativas para a educação de adultos, centradas no estudante e tendo como princípio sua maior autonomia, passa a ser condição sine qua non para o sucesso de qualquer experiência de EaD que pretenda superar os modelos instrucionais e behaviouristas. A produção de conhecimento nesta área pode vir a ser extremamente proveitosa também para o aperfeiçoamento didático do ensino convencional. Parece surgir uma nova área temática no campo da psicologia e da educação: a andragogia (SAYERS, 1 993). A experiência adquirida no campo da educação de adultos revelou que os métodos pedagógicos e didáticos para crianças e jovens não se mostraram adequados para adultos: a razão disto é que o modelo pedagógico é essencialmente heteronômico, dado que a relação educativa é estabelecida por um controle externo agindo sobre o sujeito, enquanto o modelo andragógico é sobretudo “autonômico” e autodirigido. Adultos acham em si mesmos as motivações para, e as necessidades de, aprender; e o processo de aprendizagem não pode ser imposto por fontes externas independentes, nem ignorar as habilidades e competências já adquiridas e as condições de vida (situação familiar, profissão, meio social) do indivíduo (TRINDADE, 1992: p. 27).

Um processo de ensino e aprendizagem centrado no estudante será então fundamental como princípio orientador de ações de EaD. Isto significa não apenas conhecer o melhor possível suas características socioculturais, seus conhecimentos e experiências, e suas demandas e expectativas, como integrá-las realmente na concepção de metodologias, estratégias e materiais de ensino, de modo a criar através deles as condições de auto-aprendizagem. Enquanto para a EaD os parâmetros definidores essenciais são a separação professor/aluno e o uso de meios técnicos para compensar esta separação, na AA estes elementos podem estar presentes, mas não são considerados essenciais: AA se define fundamentalmente por critérios de abertura, relacionados a acesso, lugar e ritmo de estudo. Isto não quer dizer que AA se opõe a EaD; ao contrário, é no campo da EaD que este modelo de educação, aberto e flexível, encontra terreno mais fértil para se desenvolver. Mais precisamente pode-se dizer que os dois conceitos referem-se a dois aspectos diferentes do mesmo fenômeno: EaD diz respeito mais a uma modalidade de educação e a seus aspectos institucionais e operacionais, referindo-se principalmente aos sistemas “ensinantes”: enquanto AA relaciona-se mais com modos de acesso e com metodologias e estratégias de


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ensino e aprendizagem, ou seja, enfoca as relações entre os sistemas de ensino e os aprendentes. A rigor, poderíamos dizer que os conceitos presentes nas propostas de AA se opõem não a uma modalidade de ensino (EaD), mas ao conjunto de teorias, metodologias e práticas de ensino e aprendizagem propostas pela tecnologia educacional e em grande parte ainda dominantes em muitas experiências importantes de EaD que, por motivos históricos e políticosociais, oferecem um ensino baseado em pacotes instrucionais” de inspiração behaviourista e em sistemas demasiado burocratizados de acesso, controle e avaliação (LEWIS, 1 990; RUMBLE, 1989; EVANS e NATION, 1993; CARMO, 1997; THORPE, 1995). Marsden afirma que as práticas dominantes em EaD baseiam-se em uma “ontologia empiricista” e uma “epistemologia positivista” e que esta compreensão de causalidade e explicação permeia a EaD pela mediação da tradição behaviourista e da instrução programada. Esta concepção do conhecimento tem conseqüências diretas sobre a concepção de métodos de ensino e dos cursos e materiais. Por exemplo, o positivismo não distingue método de descoberta e método de prova, do que decorre que só se pode descobrir no laboratório (onde a prova é possível), desencorajando e desvalorizando a idéia de que os estudantes podem aprender sobre mecanismos causais através da observação do mundo natural e social, no âmbito de sua própria experiência (MARSDEN, 1 996: p. 23 1). Não decorre do que foi dito acima que se deva jogar fora o bebê com a água do banho. As aquisições da tecnologia educacional continuam sendo necessárias como metodologias operacionais tanto para o planejamento do ensino como para a produção de materiais, devendo ser “resgatadas” do “industrialismo instrucional” e “renovadas” para adequar-se às mudanças em curso nas sociedades pós-industriais, mais “reflexivas” e mais orientadas para o diálogo e a democracia, e sobretudo nas quais as exigências do mercado de trabalho são radicalmente diferentes (GIDDENS, 1994; EVANS e NATION, 1993; CAMPION, 1992). Uma síntese bastante clara destas questões nos é oferecida por Trindade, que integra em uma definição mais “operacional” os principais elementos definidores de EaD e AA: EaD é uma metodologia desenhada para aprendentes adultos, baseada no postulado que, estando dadas sua motivação para adquirir conhecimento e qualificações e a disponibilidade de materiais apropriados para aprender, eles estão aptos a terem êxito em um modo de auto-aprendizagem (1 992: p. 52).

Segundo este mesmo autor, são princípios da EaD: aprendizagem autodirigida, disponibilidade de meios e materiais, programação da aprendizagem e interatividade entre estudantes e agentes de ensino. Estão presentes nesta definição (parte de um estudo de viabilidade para a criação de uma estrutura européia de EaD) todos os elementos essenciais para a compreensão do que é EaD no contexto das sociedades contemporâneas: a definição de uma população-alvo, considerada mais como um usuário autônomo do que como aluno; um princípio orientador, ou uma “filosofia”, de centralidade do estudante capaz de autonomia e autodireção na escolha e organização de seus estudos; a necessária disponibilidade de materiais e equipamentos apropriados; e uma série de princípios operacionais ligados à concepção de estratégias de


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acompanhamento e apoio ao estudante, agrupados no conceito de interatividade, e de produção de materiais, com base nas aquisições da tecnologia educacional. Um outro componente essencial para a aprendizagem aberta e a distância que complementa a definição acima é apresentada pelo mesmo autor, através do conceito “salame”, metáfora para ilustrar a modularização dos cursos, ou seja, a apresentação dos conteúdos curriculares em módulos autônomos de menor dimensão, organizados não em um currículo de curso com grande coerência interna, mas em menus de temas relevantes, que oferecem ao estudantes amplas possibilidades de escolha, de tal modo que “um determinado curso pode ser ‘fatiado ‘em um número significativo de partes ou módulos, cada um tendo direito de existir separadamente, sem perder relevância científica e utilidade didática” (TRI NDADE, 1991). Atualmente, ao final dos anos 90, a expressão mais largamente usada e recomendada pelos organismos internacionais é “aprendizagem aberta e a distância” (open distance learning), adotada pela Comissão da União européia, e que inclui diferentes formas e regimes de EaD (GT da Confederação das Conferências de Reitores da União Européia, 1998). Os conceitos rapidamente discutidos acima estão longe de esgotar a variedade de concepções ligadas à EaD e AAD. A partir dos anos 90, no bojo do movimento “pós-moderno” de crítica aos modelos industrialistas, baseados nas teorias behaviouristas de aprendizagem e nas práticas desenvolvidas pela tecnologia educacional, observa-se a consolidação de conceitos mais abrangentes e mais abertos cuja inspiração é extremamente ampla, mas nos quais podemos identificar duas grandes fontes: as teorias cognitivas, especialmente o construtivismo, por um lado, e por outro, os “paradigmas” sociológicos e econômicos que podemos agrupar sob as etiquetas de pós-modernidade, globalização, pós-fordismo. Na primeira fonte, os especialistas buscam caminhos ou inspiração para a elaboração de métodos e estratégias de ensino que levem realmente em consideração a situação de auto-aprendizagem e aprendizagem autônoma dos estudantes de EaD. O sucesso das teorias e práticas construtivistas veio abalar as certezas do objetivismo behaviourista, levando muitos especialistas a colocarem em questão as técnicas e metodologias baseadas na tecnologia educacional (EVANS e NATION, 1993: p. 208). Se este fenômeno conduzirá ao surgimento de um novo campo científico (e prático) tal como afirmam aqueles que falam de andragogia — que complementará a pedagogia é ainda uma questão em aberto. Podemos observar, no entanto, a consolidação do conceito de aprendizagem aberta e a distância (open distance learning), em torno do qual há certa unanimidade, e a tendência de a tecnologia educacional evoluir para uma concepção mais ampla de comunicação educacional.

A ABORDAGEM FRANCESA Cabe destacar que na França estas questões apresentam um desenvolvimento particular: EaD e AA são entendidas mais do ponto de vista da formação continuada (isto é, ao longo da vida), fazendo parte de um conjunto mais amplo de sistemas de transmissão do saber. Como vimos, a definição francesa dos anos 70 refere-se ao ensino e não à educação ou à aprendizagem, colocando claramente a ênfase na transmissão de conhecimentos e bastante presa


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ao modelo da sala de aula convencional e propondo atividades presenciais como meio de compensar a separação professor/aluno. Ao contrário do que ocorreu em outros países europeus, as experiências francesas de EaD não tiveram grande importância com relação aos sistemas convencionais, e suas funções se situaram mais nas “franjas” do grande mercado francês de educação regular e de formação contínua. É preciso lembrar que a França tem sistemas alternativos variados e bastante eficientes para a formação profissional, que têm experimentado metodologias inovadoras e uso intensivo de meios técnicos. Mas estas formações são fundamentalmente presenciais. A partir dos anos 80, e especialmente nos 90, no bojo das transformações tecnológicas trazidas, por um lado, pelas redes telemáticas e pela disseminação dos computadores pessoais (PCs) e, por outro lado, pela influência das teorias sociais relacionadas com a pós-modernidade, observasse o aparecimento de concepções de formação inspiradas na idéia de uma “sociedade do saber e da informação”. Em tal contexto, de complexidade e de reflexividade, a educação passa a ser identificada com a transmissão de saberes ao longo de toda a vida de todos os indivíduos e não mais como um rito de iniciação social e um treinamento para o trabalho que, uma vez adquiridos, tornavam o indivíduo apto de uma vez por todas a viver em sociedade. As mudanças da modernidade radical tenderão a transformar também radicalmente os sistemas educacionais. A ênfase está posta na formação do indivíduo, numa concepção de educação ao longo da vida fortemente ancorada na crença iluminista da acessibilidade de todos ao saber como condição de emancipação do indivíduo-cidadão. A EaD é entendida como uma modalidade importante dos sistemas de formação, da mesma forma que o uso intenso e inovador das tecnologias de informação e comunicação e a disponibilização de recursos educacionais (mediatecas, centros de recursos técnicos, monitorias e tutorias) de forma ampla e democrática. Estas novas tendências “pesadas” são assim sintetizadas por J. Perriault, pesquisador do CNED e responsável por atividades do Futuroscope, laboratório de novas tecnologias aplicadas à formação que está entre os mais avançados do mundo: 1. Enfoque no usuário, que está na origem da demanda e não mais ‘pendurado nas saias’ da instituição acadêmica. Ele acredita cada vez menos que sua freqüência assídua e submissa (a esta instituição) lhe fornecerá um trabalho no futuro. 2. As novas tecnologias de comunicação, que já funcionam muito bem, são doravante incontornáveis, pois permitem uma gestão mais cômoda de relações a distância. Isto é tão verdadeiro que a geração jovem entrementes já domesticou estes aparelhos dos quais faz um uso corrente. 3. A indústria, por este fato, entrou no domínio educacional, o que ela buscava havia muito tempo. Ela aí entrou para não mais sair. Eis-nos, pois, confrontados com a necessidade de considerar doravante a difusão dos conhecimentos como um campo de atividade de caráter industrial. 4. A quarta tendência pesada, de longe a mais significativa, é a de contribuir para o ensino e a formação tradicionais, inserindo neles, segundo modalidades diversas, contribuições novas através da formação aberta e a distância. A hipótese feita


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pelos decisores é que esta mixagem revitalizará os sistemas educacionais (1996: p. 19).

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NA EUROPA Estudos e debates realizados no âmbito da União Européia preocupam-se com a defasagem ou desigualdade entre ensino superior convencional e EaD (mais de 600 universidades convencionais e apenas cerca de 15 universidades abertas), cujo desenvolvimento pode, segundo as políticas que se implementarem no setor, ou acentuar esta separação entre as instituições ou, ao contrário, contribuir para ‘colocá-las em sinergia”. Observa-se a partir dos anos 90 uma mudança de escala do modo de acesso ao saber educação a distância e aprendizagem aberta cuja expansão pode vir a ter efeitos benéficos sobre os sistemas de educação e formação, estimulando-os a se tornar “mais adaptativos”. Nota-se a existência de uma dupla preocupação: renovação dos sistemas educacionais e desenvolvimento de uma indústria cultural européia. A tendência que parece mais forte considera que esta renovação deverá passar pela sinergia entre setores de formação aberta e a distância e os sistemas tradicionais de formação, como condição para que as universidades abertas não venham a se constituir em guetos de especialistas em formação a distância e multimídia, e para que as universidades convencionais se transformem em dispositivos de formação mais apropriados às demandas sociais (PERRJAULT, 996; LJOSÂ, 1992; BLANDIN, 990; CARMO, 1997). As realizações no campo da EaD podem de fato vir a contribuir para os sistemas convencionais de educação, especialmente no que se refere à inovação metodológica e tecnológica. Segundo Carmo, a combinação das principais contribuições da EaD produz, não raras vezes, um efeito sinérgico muito positivo nos sistemas educativos dos respectivos países, uma vez ultrapassada a fase de desconfiança de que as instituições de ensino superior e formação a distância (IESFD) têm sido tradicionalmente alvo (1997: p. 301).

A situação européia mostra-se particularmente interessante para compreender o que está em jogo neste campo. Ostentando seus sistemas educacionais bem estabelecidos pelo menos nos países mais ricos, a Europa vê-se agora às voltas com a constatação da inadequação destes sistemas perante os imperativos da nova fase econômica, política e social oriunda da unificação dos mercados. A partir dos meados da década de 80, os organismos europeus vêm desempenhando um papel determinante para encorajar o desenvolvimento de ações de formação aberta e a distância. Foram criados grandes programas (COMETI, DELTA) de estímulo e financiamento para iniciativas regionais e plurinacionais para aproximação entre universidades e indústrias e para a criação de redes de cooperação entre regiões da Europa. Programas mais recentes de pesquisa e desenvolvimento (SÓCRATES, LEONARDO) vieram a ampliar os recursos dedicados a estes desenvolvimentos (PERRIAULT, 1996: p. 18; TRINDADE, 1992). Estes programas estão possibilitando a realização de muitos projetos de âmbito europeu no campo da EaD e do uso das tecnologias de informação e comunicação para a educação, tendo contribuído para reforçar a posição (muitas vezes contestada e até marginal) das universidades abertas e outras instituições de EaD (como o CNED francês, por exemplo) e estimular seu desenvolvimento.


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A partir do que foi dito neste capítulo, podemos identificar algumas fortes tendências para o futuro da EaD no campo educacional, considerando uma perspectiva de educação ao longo da vida: em primeiro lugar, haverá uma grande expansão de experiências diversificadas de ensino a distância que virão a complementar ou substituir os sistemas convencionais no atendimento a certas demandas emergentes de formação inicial e/ou contínua; em segundo lugar, surgirão cada vez mais formas híbridas de educação e formação, combinando atividades presenciais e a distância e tendendo a promover a cooperação, intercâmbio e integração dos dois tipos de sistemas; e, por último, estas inovações educacionais tenderão a utilizar de modo mais intenso e integrado todas as potencialidades pedagógicas das NTIC (CARMO, 1997; PERRIAULT, 1996; BLANDIN, 1990).


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APRENDIZAGEM AUTÔNOMA O ESTUDANTE DO FUTURO QUEM É O ESTUDANTE A DISTÂNCIA Como vimos, seja do ponto de vista dos paradigmas econômicos, seja desde a perspectiva das grandes definições, as tendências mais fortes apontam para urna EaD centrada no estudante e mais apropriada às novas exigências dos mercados capitalistas em sua fase “pós”. As características fundamentais da sociedade contemporânea que mais têm impacto sobre a educação são, pois, maior complexidade, mais tecnologia, compressão das relações de espaço e tempo, trabalho mais responsabilizado, mais precário, com maior mobilidade, exigindo um trabalhador multicompetente, multiqualificado, capaz de gerir situações de grupo, de se adaptar a situações novas, sempre pronto a aprender. Em suma, um trabalhador mais informado e mais autônomo. Por suas características.intrínsecas, por sua própria natureza, a EaD, mais do que as instituições convencionais de ensino superior, poderá contribuir para a formação inicial e continuada destes estudantes mais autônomos, já que a auto-aprendizagem é um dos fatores básicos de sua realização. Por aprendizagem autônoma entende-se um processo de ensino e aprendizagem centrado no aprendente, cujas experiências são aproveitadas como recurso, e no qual o professor deve assumir-se como recurso do aprendente, considerado como um ser autônomo, gestor de seu processo de aprendizagem, capaz de autodirigir e auto-regular este processo. Este modelo de aprendizagem é apropriado a adultos com maturidade e motivação necessárias à auto-aprendizagem e possuindo um mínimo de habilidades de estudo (TRINDADE, 1992: p. 32; CARMO, 1 997: p. 300; KNOWLES, 1990). A imagem que se tem comumente do estudante típico de EaD não parece corresponder a este ideal. Estudos realizados com estudantes de vários tipos de experiências de EaD têm mostrado que muitos estudantes a distância tendem a realizar uma aprendizagem passiva, digerindo pacotes instrucionais” e “regurgitando” os conhecimentos assimilados nos momentos de avaliação (RENNER. 1 995: p. 292; PAUL, 1990: p. 3; WALKER, 1 993). O fato de que este fenômeno tem evidentemente muito a ver com os modelos behaviouristas e diretivos que presidem em geral a concepção dos cursos, e com as práticas excessivamente industrializadas e burocratizadas de acesso, distribuição de materiais e de avaliação não deve esconder a outra dimensão essencial do fenômeno: as características do aprendente e as condições de “estudo em casa” (homestudy). Afinal quem são os estudantes de EaD? Que características são estas? Walker fornece uma imagem bastante peculiar, elaborada a partir de pesquisas com estudantes australianos: Uma imagem dominante é a do silêncio, tranqüilidade e solidão. Um tema recorrente é o tempo de estudo: tarde da noite, quando as crianças estão acomodadas, o marido vendo televisão na sala (muitos estudantes são mulheres), está escuro lá fora, pode haver um cão ou um gato por perto, a cozinha está limpa e arrumada, os lanches para o dia seguinte estão prontos na geladeira, e a estudante arranja um espaço na


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ponta da mesa, desarrumando o mínimo possível a mesa posta para o café da manhã. Os livros estão abertos e o “estudo” pode começar (1993: p. 23).

Embora não possa ser generalizada, esta imagem é um retrato revelador de uma determinada visão da EaD como algo ‘marginal socialmente e até mesmo na economia doméstica”. Tal visão, no entanto, tende a evoluir e se transformar, no bojo das mudanças sociais e grandes tendências da modernidade tardia já mencionadas: a clientela potencial de educação a distância ou convencional está se modificando rapidamente, tendendo a aumentar em número e a se diversificar muito em termos de demandas específicas, segundo uma lógica contraditória de globalização e “localização” (mudanças nas culturas e subculturas locais, em função da globalização). Além disto, esta clientela tende a se tornar mais reflexiva” e consciente da importância da educação e da formação contínua e mais exigente em termos de qualidade e liberdade de escolha (GIDDENS, 1 994: CARMO, 1 997). Os sistemas educacionais terão que enfrentar as novas demandas daí decorrentes, e então será essencial conhecer as expectativas e necessidades dos estudantes e conceber cursos, estratégias e metodologias que as integrem efetivamente. A resposta de Marsden à questão quem é o estudante de EaD?” questiona o pouco conhecimento que afinal de contas as teorias e práticas educacionais de modo geral têm do aprendente, fato revelador de uma filosofia da educação centrada no professor e não no estudante: O estudante em EaD é o indivíduo abstrato da educação tradicional, imaginado em locais distantes. O estudante neste esquema é uma abstração mental, exatamente como o estudante tradicional é uma abstração real. O estudante é o fantasma da EaD, uma criação do discurso do design instrucional. Porque a EaD enfoca o “como” ao invés do “por quê” ou do “o quê”, a concepção dos cursos postula que uma vez que todos os estudantes têm o mesmo processo de pensamento podemos falar de “o estudante” (1996: p. 227).

A questão é complexa, pois se é verdade que qualquer ação educacional deva conhecer e considerar as características, condições de estudo e necessidades dos estudantes, é importante lembrar que é também preciso conceber princípios gerais uma filosofia da educação — que oriente as escolhas e definições relativas às finalidades da educação (por quê) e a seus conteúdos (o quê), superando o enfoque tecnicista centrado no “como” dos meios técnicos e suas metodologias. O conceito de aprendente autônomo, ou independente, capaz de autogestão de seus estudos é ainda embrionário, do mesmo modo que o estudante autônomo é ainda exceção no universo de nossas universidades, abertas ou convencionais. A única unanimidade em torno do assunto talvez seja a convicção de que a educação em geral e o ensino superior em particular devem transformar-se para dar condições e encorajar uma aprendizagem autônoma que propicie e promova a construção do conhecimento, isto é, que considere o “conhecimento como processo e não como mercadoria” (PAUL, 1990: p. 32). Em qualquer situação educacional, e muito especialmente em EaD, a aprendizagem efetiva é necessariamente ativa, sabemos disto há muito tempo. Para ir além das afirmações puramente retóricas, porém, será necessário que os professores (os “da academia”) que elaboram metodologias e/ou as aplicam considerem efetivamente que, embora seja o professor quem realiza o “trabalho observável” de definir e distribuir o currículo, quem realiza a aprendizagem é o aluno. Segundo Renner (1995: p. 291), há uma tendência prevalente, ainda em curso na EaD, de considerar o estudante como matéria-prima de um processo industrial onde o


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professor é o trabalhador e a tecnologia educacional é a ferramenta. Neste modelo, o currículo funciona como o plano de modelagem do produto, que é o aluno educado. Na aprendizagem autônoma, ao contrário, o estudante não é objeto ou produto, mas o sujeito ativo que realiza sua própria aprendizagem. No quadro geral da educação, pode-se dizer que estamos longe deste ideal de ir além da assimilação/regurgitação de conhecimentos pontuais sem sentido e “entrar no reino da compreensão profunda, que implica que o aprendente deve ser capaz de abstrair os conhecimentos e aplicá-los em situações novas” (RENNER, 1 995: p. 292).

APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA Em nível mais geral, cabe lembrar que a clientela de educação aberta e a distância é adulta e em geral trabalha, ou seja, estuda em tempo parcial. Este fato deve necessariamente deslocar o enfoque da formação inicial científica e profissionalizante para a formação ao longo da vida como único caminho para alcançar ou manter condições de competitividade em nível individual ou nacional, numa economia globalizada altamente tecnologizada. A educação ao longo da vida será crucial para a competitividade do indivíduo no mercado de trabalho, assegurando igualdade de oportunidades, e para a competitividade do país, que necessita de recursos humanos cada vez mais qualificados (LJOSÂ, 1 992). A formação contínua, que há apenas duas décadas era considerada do ponto de vista do direito do indivíduo de aprender, mesmo adulto, passa agora a ser um dever da sociedade e do estado: prover oportunidades de formação continuada tanto para atender às necessidades do sistema econômico, quanto para oferecer ao indivíduo oportunidades de desenvolver suas competências como trabalhador e cidadão, capaz de viver na sociedade de incertezas do século XXI. As características essenciais das sociedades contemporâneas complexidade, mudança acelerada e globalização colocam demandas crescentes com relação à educação necessária para o indivíduo enfrentar sua vida em sociedade. Ljosa menciona três destas demandas que ele considera fundamentais: Nível geral e qualidade da educação, não apenas em termos quantitativos de número de anos dispendidos no sistema de educação inicial, ou número de graduados com relação à população, mas de melhoria da qualidade e extensão de atividades de aprendizagem contínua ao longo da vida. Atualização e retreinamento para atender à necessidade de adaptabilidade em muitas dimensões exigida pelas sociedades modernas, bem como à necessidade de dominar situações e tecnologias novas. Competências e carreiras múltiplas que representam a tendência do mercado de trabalho, decorrente do avanço acelerado da ciência e da tecnologia, que provoca a obsolescência do conhecimento e das técnicas, e das novas regras que flexibilizam e precarizam o fator trabalho (LJOSA, 1992: p. 26). Segundo este autor, em virtude da aceleração das mudanças no campo do trabalho e das tendências demográficas (de envelhecimento da população), poderá ocorrer, num futuro próximo, nos países europeus, uma perda de competitividade por falta de mão-de-obra qualificada em quantidade suficiente, embora esta carência possa coexistir com altas taxas de desemprego e de exclusão.


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Em países como o Brasil, a questão da qualificação se coloca em todos os níveis: não apenas será necessário oferecer à força de trabalho oportunidades de formação contínua de atualização e retreinamento exigidas pelas mudanças econômicas e tecnológicas, como também será imprescindível elevar o nível de educação básica dos trabalhadores. Para atender a estas demandas, muitos campos de pesquisa estão em aberto e, em especial, do ponto de vista da sociologia da educação, será preciso desenvolver o conhecimento dos “sistemas aprendentes”. Carmo lembra que o aumento do número de aprendentes e sua crescente diversidade devem-se à conjugação de três fatores: aumento demográfico da população jovem, especialmente nos países menos desenvolvidos; aumento das necessidades de formação contínua da população adulta: e crescente consciência da importância do nível de educação da população para o desenvolvimento econômico e social. Daí estar ocorrendo uma “explosão de aprendentes” que acarreta uma pressão sobre os sistemas, não preparados para atender a uma significativa demanda quantitativa e extremamente diversificada (CARMO, 1997: p. 162). Segundo este autor, esta demanda de novas necessidades educativas relaciona-se diretamente com os três grandes processos da sociedade contemporânea (aceleração da mudança, planetarização dos problemas sociais e alteração dos sistemas de poder) e exige “políticas de adaptação ao choque cultural e de condução do processo de mudança” e estratégias voltadas para a promoção do desenvolvimento e da solidariedade (para fazer face ao agravamento das desigualdades sociais e regionais devidas à globalização), bem como para a promoção da autonomia e da democracia. Carmo chama também a atenção para o fato de que estas novas necessidades dizem respeito ao conjunto da população (e não só aos jovens), o que aumenta a pressão sobre os sistemas educativos que não estão preparados para responder a este aumento qualitativo e quantitativo da demanda educacional (idem: p. 1 82).

SISTEMAS “ENSINANTES” Este é o desafio para os sistemas “ensinantes”, nos quais a EaD poderá vir a se tornar um setor cada vez mais importante, com grandes contribuições a oferecer. Estão as instituições de EaD preparadas para responder a este desafio? Referindo-se especificamente às universidades abertas, Paul (1 990: p. 33) relaciona uma série de problemas a superar para atingir os objetivos de abertura e flexibilidade dos sistemas e promover a aprendizagem autônoma:

A separação entre professor e aprendente e a produção de materiais préempacotados’ deslocam o enfoque da tomada de decisões sobre o currículo do aprendente para a instituição e seu staff. Os pacotes pré-preparados de materiais de curso exercem uma autoridade indevida para muitos estudantes, que se tornam conseqüentemente menos aptos a questionar o que aprendem. Os cursos tendem a ser demasiado pesados em termos de conteúdo (porque esta é a característica de maior visibilidade entre os pares da academia e para os estudantes), o que pode encorajar os estudantes a enfocarem a digestão’ dos conteúdos em detrimento da busca do significado e da aplicação dos conhecimentos. Os cursos em geral fornecem os materiais de referência prescritos, o que é lógico e útil para estudantes isolados em casa (e de fontes de


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informação), mas isto não os encoraja a buscar suas próprias fontes ou desenvolver ‘competências de biblioteca’. Pacotes de cursos, produzidos centralizadamente, têm dificuldade de incluir a infinita variedade de tipos de tutoria e serviços de apoio demandados pelos aprendentes e oferecem pouco para suas diferenças individuais de backgrouncl, necessidades e estilos de aprendizagem. Embora a maioria das universidades abertas ofereça acesso a serviços de tutoria e mesmo atividades presenciais de apoio, falta aos estudantes um retorno imediato vindo de uma interação mais regular com outros estudantes e com os tutores, o que os torna menos aptos à reflexão, à discussão ou ao questionamento com relação aos conteúdos da aprendizagem.

Segundo este autor, dados consistentes mostram que os estudantes a distância são na maioria adultos entre 25 e 40 anos, que trabalham e estudam em tempo parcial, bastante reduzido. Muitos estão voltando a estudar muitos anos após sua última experiência como aluno e muito freqüentemente tiveram experiências educacionais negativas. O aprendente autoatualizado é um mito, e muitos estudantes encontram dificuldades para responder às exigências de autonomia em sua aprendizagem, dificuldades de gestão do tempo, de planejamento e de autodireção colocadas pela aprendizagem autônoma. Muitos se acham despreparados, têm problemas de motivação, tendem a se culpar pelos insucessos e têm dificuldades de automotivação (idem: p. 33). O primeiro grande desafio a ser enfrentado pelas instituições provedoras de educação aberta e a distância refere-se, portanto, mais a questões de ordem socioafetiva do que propriamente a conteúdos ou métodos de cursos; mais a estratégias de contato e interação com os estudantes do que a sistemas de avaliação e de produção de materiais... Se a motivação e a autoconfiança do aprendente são condições sine qua non do êxito de seus estudos, o primeiro contato com a instituição é crucial: informações claras e honestas (e não de marketing publicitárias) sobre os cursos e seus requisitos, oferta de cursos de preparação e nivelamento para aqueles que necessitam, serviços eficientes de informação e de orientação são básicos para assegurar o ingresso e a permanência do estudante no sistema. A EaD visa prioritariamente a populações adultas que não têm possibilidades de freqüentar uma instituição de ensino convencional, presencial, e que têm pouco tempo disponível para dedicar a seus estudos. A separação física do contexto convencional de sala de aula é em geral considerada apenas em seus aspectos relacionados com a ausência de interação entre professor e aluno e entre os estudantes. Há porém outros aspectos fundamentais desta separação, como a ausência de contato com o ambiente da escola (acesso a bibliotecas, laboratórios etc.), o deslocamento do ambiente de estudo da escola para a casa e o isolamento com relação aos colegas, que modificam radicalmente as condições de estudo.

ESTUDANTE-USUÁRIO E PEDAGOGIA DA PESQUISA O conceito de aprendizagem autônoma implica uma dimensão de autodireção e autodeterminação no processo de educação que não é facilmente realizada por muitos estudantes típicos de EaD. Para que as instituições de educação aberta e a distância possam atender às demandas prementes e realizar a finalidade de ensinar a aprender e formar o aprendente autônomo, será necessário que a pesquisa sobre educação de


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adultos se volte para a clientela, produzindo conhecimento sobre suas características socioculturais e socioeconômicas, suas experiências vividas, e integrando este conhecimento na concepção de estratégias e metodologias que criem efetivamente condições para a aprendizagem autônoma (LJOSA, 1992; TRINDADE, 1992; SAYERS, 1993). A imagem de uma aprendizagem passiva, receptiva e individualizada ao ponto de se tornar solitária desafia a criatividade dos conceptores de cursos, educadores e tutores em EaD. Walker, da Deakin University (Austrália), exprime do seguinte modo suas reflexões sobre sua experiência como professor de educação a distância na área da educação: É também uma imagem que desafia muitas de minhas suposições, pois tenho tentado conceber cursos baseados em atividades, socialmente interativos e concebidos a partir de concepções do conhecimento como comunitário. Em nossos cursos, recomendamos aos estudantes tirar fotografias, falar com as pessoas, observar seus filhos quando brincam, tomar notas do que os filhos dizem ao voltar da escola (...), ouvir conversações com um “novo ouvido”; todas as atividades que recobrem tanto quanto possível as demandas cotidianas. Mas, enquanto alguns estudantes agarram esta oportunidade para se engajar em um curso ‘diferente’, muitos ficam perturbados pelo conflito que isto cria com a visão do ‘estudo’ como sinônimo de isolamento, quietude e espaço transitório na ponta da mesa da cozinha (WALKER, 1993: p. 23).

Mais otimista, Perriault, do Laboratório Futuroscope e do CNED na França, observa, a partir de experiências de uso de tecnologias de informação e comunicação com finalidades de formação (e considerando o contexto de mudanças no qual se situa esta discussão), que começam a aparecer sinais visíveis de mudança no comportamento dos estudantes, tais como: rejeição de métodos escolares de transmissão do saber na educação de adultos; exigência de retorno imediato de informação, o que explica a receptividade a mídias interativas (telefone, e-mail) ; desejo de encontrar outros estudantes, o que permite comparar dificuldades e discutir sobre a qualidade dos cursos; necessidade de encontrar pessoalmente os tutores; aspiração a encontrar cursos concebidos a partir de suas necessidades especificas; ansiedade com relação à avaliação e auto-avaliação (PERRIAULT, 1996: p. 67). Segundo este autor, está ocorrendo uma mudança extremamente importante quanto à posição relativa dos atores no campo da educação e da formação: Vemos emergir o usuário, o estudante, o cliente, como quisermos, em sua unidade própria. Ele trabalha, ele aprende trabalhando, mas ele quer que o serviço (de formação) no qual está inscrito (ou do qual é assinante?) lhe transmita informações e o socorra em caso de ‘pane’. Desempregado, numa ótica de reconversão, ele quer saber o que vale em termos de conhecimentos e competências (idem: p. 68).

Este novo nível de exigência do estudante-usuário é talvez ainda incipiente, mesmo em países ricos como a França, onde existem sistemas de formação bastante desenvolvidos, mas certamente esta imagem sinaliza a direção de um futuro que irá requerer das instituições de formação e de educação aberta e a distância estratégias de maior conexão com o mundo científico, técnico e industrial, e com o mundo do trabalho. Holmberg (1990) também critica os “pacotes instrucionais” que tendem a tornar os cursos “autocráticos” (que dizem aos estudantes não apenas o que fazer, mas também o que pensar e privando-os de seu próprio senso crítico) e enfatiza a necessidade de interação entre os aprendentes e o sistema, propondo uma estratégia que ele chama de “tráfego de mão dupla” (two-way traffic):


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Para a educação acadêmica, contatos pessoais, embora não contíguos, são de vital importância. Como mostrei em outro de meus estudos, o que eu chamo de conversação didática orientada, uma abordagem para mediar a comunicação que cria uma empatia com os estudantes, reforça a motivação dos estudantes e tende a levar à realização de estudos bem-sucedidos (HOLMBERG, 1990: p. 44).

Para assegurar esta interação, o uso de mídias capazes de criar e sustentar esta comunicação, pessoal embora não presencial, é essencial. Segundo Holmberg, é preciso enfatizar abordagens realmente interativas, isto é, entre seres humanos e não apenas com máquinas, o que implica evitar “pacotes” e instrução programada. Sendo a principal função da EaD facilitar a aprendizagem a distância, é fundamental prover os estudantes de meios que permitam relações pessoais, embora não contíguas, e a oportunidade de discussão, o que exige a escolha de meios não apenas em virtude de suas potencialidades puramente técnicas, mas em função dos objetivos e de sua acessibilidade aos estudantes (idem: p. 45). Partindo da idéia de conversação didática orientada de Holmberg e de pesquisas sobre os estudantes de EaD, Evans e Nation vão além, propondo que a educação aberta e a distância deva basear-se no diálogo e na pesquisa, o que implica uma filosofia da educação que seja centrada no estudante e reconheça sua autonomia. O diálogo deve ser estimulado não apenas entre professores e estudantes, mas entre os próprios estudantes (através de grupos de estudos, grupos tutoriais, redes de auto-ajuda etc.) e entre eles e os contextos sociais onde vivem e trabalham: Com respeito a isto, o diálogo deve ser encorajado através de materiais de curso que ofereçam aos estudantes conhecimentos, habilidades, idéias e valores que sejam relevantes para seus interesses e necessidades, e que eles possam usar ativamente para entender, gerir e mudar seus mundos sociais através do diálogo com seus companheiros (EVANS e NATION, 1989: p. 39).

EDUCAÇÃO COMO MERCADORIA Considerando o contexto de globalização, podemos observar que as fronteiras estão deixando de existir com relação à circulação de todo tipo de mercadoria, e muito especialmente de produtos culturais, cuja imaterialidade e virtualidade tornam bem mais fácil sua veiculação em escala planetária. Do mesmo modo que a cultura, nestas sociedades mundializadas, onde as relações de tempo e de espaço estão sendo redimensionadas ou comprimidas, a educação aberta e a distância flui cada vez mais através das fronteiras nacionais. A educação, que desde o início da modernidade tem sido considerada com elemento essencial de construção do estado-nação, vai se transformando cada vez mais em mercadoria exportável sob diversas formas, inclusive como aprendizagem aberta e a distância. A importância do setor privado neste campo tende a crescer na medida mesma do aumento das demandas, investindo na diversidade e sofisticação de seus produtos e criando um mercado global e competitivo para as instituições de EaD. O tom dos discursos de divulgação deste novo setor da indústria cultural mundializada é em geral celebratório e triunfalista, mostrando um certo deslumbramento com as possibilidades das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC), de modo a fazer acreditar que elas poderão levar por si sós a uma rápida democratização do acesso à educação e à formação. Um exemplo desta crença ocorre na comunidade européia, que tem investido no desenvolvimento de experiências educacionais com uso intensivo das TIC como veículo


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central de distribuição de um currículo de dimensão européia e de ampliação do acesso à educação e formação contínua. Tais discursos são importantes pois determinam políticas e alocação de recursos, mas é preciso ir além da retórica e dos modismos tecnológicos e analisar as implicações sociais desta visão das coisas. Segundo Field (1 995: p. 276), é objetivo da Comissão Européia desenvolver uma sociedade de aprendizagem” através da criação de “centros de recursos de conhecimento” privados, portanto lucrativos, que disponibilizariam novos métodos de ensino e materiais multimídias, acesso às redes telemáticas (Internet e outras) e outros suportes tecnológicos. Este objetivo decorre da convicção de que esta é a forma mais eficaz de aumentar a qualidade e a adaptabilidade do “capital humano” europeu, único caminho para assegurar uma prosperidade sustentada num mercado competitivo e globalizado. A idéia de “centros de recursos” vem ao encontro da proposta de Perriault (1996) de “casas do saber” (maisons du savoir), embora este último não coloque a questão em termos de lucratividade do setor privado, mas de políticas públicas. Embora tais propostas sejam extremamente atraentes do ponto de vista teórico, na prática elas mais colocam problemas do que resolvem. Em primeiro lugar, porque o mercado transnacional para a educação aberta e a distância, mesmo em países da Europa, é limitado e altamente especializado: há grandes tensões entre os objetivos de crescimento econômico e os de solidariedade e coesão regional e social (desemprego crescente atingindo muito duramente as populações jovens e luta para preservar direitos trabalhistas diferentes em cada país). Por outro lado, a demanda de educação e de formação contínua é instável, fragmentada e imprevisível, e poucos fornecedores privados arriscariam grandes investimentos para atender às necessidades das empresas. O mercado é “imaturo, dinâmico, complexo e fragmentado” e transcende dificilmente as fronteiras nacionais e de línguas, tornando difícil, senão impossível, a utilização dos mesmos materiais em países diferentes. Por outro lado, é importante ressaltar que tem ocorrido um grande desenvolvimento da pesquisa e do intercâmbio científico entre os países da Comunidade Européia nesta área, especialmente sobre o uso educativo das NTIC (FIELD, 1 995). O fenômeno de mundialização da cultura não parece recobrir exatamente o campo da educação e da formação contínua profissional stricto sensu, mas antes um campo muito mais amplo que Field chama thin culture, formada de produtos culturais relacionados com conceitos científicos ligados a imagens midiáticas de estilos de vida, que atraem grandes audiências, mas cujo impacto educativo tende a ser “superficial e amplamente instrumental”. Os melhores exemplos destes produtos são sem dúvida os textos de auto-ajuda, videogramas de “autogerência” (self-management), ou toda produção relacionada com habilidades esportivas ou para “manter a forma” (fitness). Embora existam barreiras de linguagem para a circulação transnacional de produtos educativos lato sensu, num mercado de educação aberta e a distância orientado para o consumidor, elas não são insuperáveis: não apenas os textos de auto-ajuda (vide Paulo Coelho) estão amplamente disponíveis em traduções nas mais variadas línguas, por exemplo, como uma ampla gama de programas informativos (viagens ou documentários, por exemplo) estão disponíveis na TV por assinatura. “Todavia, não há evidências de que este próspero mercado de consumo represente de fato o tipo de força social imagina do na estratégia de sociedade da informação da União Européia” (FIELD, 1995: p. 278). Cabe acrescentar que, do ponto de vista dos países menos desenvolvidos como o Brasil, os efeitos da globalização no campo da educação aberta e a distância tendem a ser mais perversos do que positivos, pois, salvo se houver políticas de desenvolvimento


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do setor, corre-se o risco de importação e/ou adaptação de tecnologias (equipamentos e programas) caras e pouco apropriadas às necessidades e demandas, que acabam obsoletas por falta de formação para seu uso. É importante lembrar dois fatores de extrema importância especialmente para estes países: de um lado, o acesso à tecnologia é desigualmente distribuído em termos sociais e regionais em escala planetária; e, de outro, a aprendizagem mediatizada por novas TICs requer dos indivíduos comportamentos e habilidades diferentes tanto dos que ocorrem em situações convencionais de aprendizagem quanto daqueles ativados pelo uso destas tecnologias para o entretenimento; comportamentos e habilidades relacionadas à busca e análise de informação, à pesquisa de fontes e de estudo autônomo, competências pouco desenvolvidas na população em geral, seja em razão dos baixos níveis de escolaridade, seja pela falta de qualidade do ensino.


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