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Vida, carreira e parceria
Entrevista organizada por Rafael dos Santos, editor-chefe.
1- Denise, sua carreira como atriz começou muito cedo aos 17 anos. Como sua família recebeu a notícia sobre sua decisão? Sua família a apoiou?
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Meu primeiro curso de teatro foi feito por incentivo de minha mãe, Dona Jurema, tentando fazer de sua filha uma adolescente menos tímida. Minha família tem origem proletária. Meu pai era ourives, dono de uma pequena loja de presentes na qual esculpia jóias por encomenda. Minha mãe era pespontadeira de sapatos finos, que costurava em casa e entregava semanalmente na fábrica. Cresci num ambiente de trabalho, e esse sempre foi o valor mais importante para meu pai. Minha casa era uma extensão da loja e da oficina onde meu pai e minha mãe trabalhavam. Era uma rua já movimentada naquela época, na zona leste de São Paulo. Tive poucos amigos e amigas, mas gostava de pular corda na rua e tinha uma amiga especial, filha do alfaiate vizinho, e sob sua mesa de costura, brincávamos recolhendo e juntando retalhos de pano. Cresci uma menina tímida, e isso incomodava minha mãe, que sempre foi uma mulher comunicativa e de muito bom humor. Ela adorava o cinema americano, na época exibido nos grandes cinemas Metro e similares. Eram verdadeiros palácios aos quais ela me levava sempre e que faziam minhas fantasias de menina. As matinês com “ A Dama das Camélias”, “O Médico e o Monstro”, “A volta ao mundo em oitenta dias”, “Marcelino, pão e vinho” foram momentos de encantamento e diversão. Acho que ali comecei a admirar a arte de representar. Encorajada por minha mãe, fiz o curso do professor Emilio Fontana no teatro TBC no início dos anos 70. Já na primeira aula, quando pisei no palco pela primeira vez, tive a sensação de estar num lugar familiar e confortável de onde não queria sair. Ao final do curso, já com meus pais contrariados com minha escolha, fui estudar no Teatro de Arena de São Paulo, com Augusto Boal, Cecília Thumin e Heleny Guariba. Meus pais não esperavam que eu me entusiasmasse tanto com o teatro, a ponto de querer fazer dele minha profissão. Fazia a Faculdade de História na USP e passava as noites
nas aulas de teatro, voltando para casa tarde da noite. Nesse período, sofri muita pressão para desistir, pois estava atrapalhando meus estudos acadêmicos e apontando para uma profissão não muito bem vista pela sociedade. Mas sempre fui teimosa e determinada e tinha certeza do que queria, e, no Teatro de Arena, as coisas corriam a meu favor. Entrei no elenco de Arena Conta Zumbi em 1971 para participar do Festival de Nancy, na França, com o espetáculo Arena Conta Zumbi e Teatro Jornal, Primeira Edição, de cujos elencos eu fazia parte . Augusto Boal era prisioneiro político, e a viagem era uma forma de conseguir apoio internacional pela sua libertação. Ali tive a oportunidade de trabalhar ao lado de grandes atores, já consagrados na época, como Lima Duarte, Antonia Pedro, Bibi Vogel, dentre outros. Na volta, minha decisão estava tomada, e passei a me dedicar inteiramente à arte de representar. Casei-me com Celso Frateschi, ator que também fazia parte do Grupo Núcleo 2 do Teatro de Arena. Vendo que toda minha vida agora girava em torno do teatro, meus pais tiveram que aceitar minha escolha. Em 1974, nasce meu filho André, e faço minha primeira novela na televisão Tupi, Ídolo de Pano, que foi um sucesso estrondoso, com o protagonismo de Tony Ramos e Denis Carvalho. Foi o último grande sucesso da emissora, que fecharia em 1979. A partir de minhas participações em novelas, meus pais passaram a aceitar minha escolha e passaram a me apoiar.
Quais eram os critérios para uma jovem se tornar atriz quando você começou?
O mercado de trabalho, naquela época, era muito restrito. A profissão não era regulamentada. Para trabalharmos, a Polícia Federal expedia uma carteirinha de identificação que era atribuída também para as prostitutas. A regulamentação só chegou em 1979, depois de muita luta da classe artística. As produções de TV ainda eram poucas, o mundo da publicidade apenas começava a se desenvolver, o cinema brasileiro produzia pouco. O teatro era nossa casa mais constante. Tive a sorte de começar entre grandes artistas de teatro os quais me deram régua e compasso. A escola de arte dramática de São Paulo preparava jovens atores e atrizes muito bem, então acredito que, na época, o principal critério fosse mesmo o talento e a dedicação. Havia, também, muitos grupos de teatro amador de onde, várias vezes, saíam as atrizes e atores profissionais. Na minha primeira novela, “Idolo de Pano”, eu não sabia nada da arte de representar para a câmera, mas tive um diretor maravilhoso, Henrique Martins, que teve toda paciência do mundo comigo, me ensinando os primeiros passos. Sempre fui muito observadora e, observando atrizes do porte de Laura Cardoso, que integrava o elenco, aprendi
muito. Eu me escondia na coxia e assistia ao seu trabalho, buscando entender sua técnica . Não sei se essa dedicação foi critério para iniciar minha carreira, nem sei se existia ou se existe um critério. Os mundos do teatro e da TV corriam separados. Havia, inclusive, muito preconceito para com os trabalhos da TV. Havia os atores de teatro e os de TV. Felizmente, com o crescimento das telenovelas, muitos grandes atores de teatro foram trabalhar também na TV, e o preconceito foi se diluindo.
Qual o seu conselho para as jovens que querem seguir a carreira de atriz nos dias de hoje?
A grande mestra Fernanda Montenegro responde a essa pergunta dizendo: "Desista! Agora, se você ficar doente, deprimido, não conseguir pensar em outra coisa, então vá em frente, mas saiba que vai enfrentar uma das batalhas mais duras da sua vida”. Ela diz mais ou menos isso, e eu concordo. É uma carreira ingrata, cheia de altos e baixos, na qual você precisa aprender também a lidar com o sucesso e com o fracasso, que são inevitáveis. Hoje o mercado de trabalho é bem mais variado e há várias portas de entrada. Sempre recomendo as boas escolas profissionalizantes ou as faculdades como primeiro passo, mas nenhuma delas garante a profissionalização. Por outro lado, muita gente acaba entrando no mercado através de algum reality show, programa de auditório, ou até mesmo pelo número de seguidores na rede social. Isso é um grande risco para a qualidade dos trabalhos, embora, com o tempo, alguns deles terminam por se aperfeiçoar . Não se pode esquecer, porém, que a procura é muito maior que a oferta, e, hoje, são muito comuns os testes, com enorme quantidade de pessoas, para escolher o intérprete para um papel. Os grupos de teatro amador ou apoiado por alguma lei municipal ou estadual de incentivo também preparam bons profissionais, que se especializam nas tábuas do palco em contato direto com o público.
Dentre todos os tipos de trabalho que você já fez e faz hoje, com qual você mais se identifica e gosta?
Na TV, no cinema e no palco, já fiz comédias, dramas e tragédias. Cada um traz um desafio diferente. O prazer e a angústia são os mesmos. O prazer é obvio, mas a angústia vem com a necessidade de agradar ao público. Atores e atrizes se submetem a uma exposição radical; no palco e nas telas, estamos sempre sob o julgamento do público. Adoro gravar novelas e séries por exigirem a prontidão . Você tem que estar esperto e sempre preparado , pois tudo acontece com muita rapidez e intensidade. É o texto que tem que ser introjetado e assimilado em pouco tempo; as ações, que têm que se tornar verdadeiras; o jogo com o colega, sem tempo para preparar a troca. É aquela ordem vinda do fone: “GRAVANDO!” E o artista tem que acionar toda sua concentração e habilidade para chegar, com a emoção correta, na marca exata dada pelo diretor. É uma vitória quando os técnicos riem ou choram ao final de uma cena. É a indicação de que cumprimos bem nossa tarefa.
Adoro também o mergulho em águas profundas que o teatro proporciona . Tudo preparado lentamente nos ensaios, num jogo eterno de tentativa e erro. Uma personagem tem inúmeras possibilidades de interpretação.[ Por isso somos chamados de “intérpretes”]
Gostei muito de fazer A Margot, em Hard, na HBO, cuja segunda temporada estreia agora em fevereiro, em que trabalho na linha da comédia
discreta. Joquebede, em “ Os Dez Mandamentos”, foi uma personagem épica, dramática, às vezes beirando a tragédia , a qual me projetou em vários países. E no palco, recentemente, fiz “ Medeia”, de Heiner Muller , com direção de Guilherme Leme Garcia, o que me rendeu o prêmio Shell de Melhor Atriz. Este foi um desafio minimalista incrível.
A vida das celebridades é acompanhada nos tabloides, jornais e revistas tanto no Brasil como no exterior. Você, em algum momento, pensou em não fazer pública a violência que sofreu por algum motivo?
A maior violência que sofri foi durante a ditadura militar, quando podíamos ser presos sem nenhuma acusação e vivíamos ameaçados pela censura. Mesmo que de forma discreta, essa violência foi relatada no livro “MEMÓRIAS DA LUA”, de Tuna Dwek, uma pequena biografia da coleção Aplauso. Os tabloides, revistas e mesmo os grandes jornais não publicavam esses assuntos. Sempre tive a felicidade de trabalhar com elencos harmoniosos e, talvez pela minha timidez, nunca sofri nenhum episódio de assédio. Acompanhando os tantos casos que hoje aparecem cujas vítimas têm tido a coragem de denunciar, percebo que tive muita sorte.
Você é umas das atrizes mais conceituadas do Brasil e sempre esteve muito visível na mídia. O que você acha da mídia de hoje em relação a quando você começou?
Quando comecei, a mídia se resumia a algumas revistas sobre fofocas de tv que costumavam colocar em letras garrafais o nome do artista, acompanhado do que estava acontecendo com a personagem. Então seria assim: A baronesa Bárbara Ventura era internada numa clínica psiquiátrica, e a revista publicava:
DEL VECCHIO É INTERNADA
Foi difícil minha mãe se acostumar com isso (risos). Os jornais publicavam importantes e boas críticas sobre os espetáculos teatrais. Havia espaço para crítica e réplica, e os cadernos de cultura eram completos e abrangentes.
Hoje vivemos em outro mundo. As notícias se espalham rapidamente pelas redes sociais. Se a pessoa não faz parte das redes, praticamente não existe. Vemos a imprensa escrita minguando, enquanto a imprensa digital ocupa cada vez mais espaço. Sinto falta de mais profissionalismo no mundo virtual, pois muitas vezes pessoas despreparadas e inconsequentes se metem a escrever sobre o que não entendem. Os programas vespertinos na TV são outro exemplo, salvo raras exceções, estão repletos de programas de fofocas, nos quais, quase nunca, é analisada a qualidade dos nossos trabalhos, mas apresentam um interesse desmedido por nossa vida particular e, muitas vezes, por fake news. Por outro lado, pressionados pela necessidade de likes e de seguidores que lhe garantam popularidade, muitos artistas passam a inventar , eles mesmos, ou através de seus assessores de imprensa, histórias que lhe tragam notoriedade. Nunca a verdade e a mentira se confundiram tanto.
Hoje você tem uma relação muito próxima com seus fãs. Principalmente no Instagram, você faz questão de ter uma proximidade muito grande com todos. Como você explica essa nova forma de comunicação?
Desde sempre, gostei muito da proximidade do público. Eles são o reconhecimento e a razão de ser do meu trabalho. Não nego autógrafos, foto, ou um simples cumprimento. Em casa, levo uma vida absolutamente normal e é curioso perceber as pessoas estranhando me verem na banca de tomates, na feira ou no mercado. Há ainda a ideia de que o artista vive numa torre dourada sendo servido por um séquito de criados. A realidade é bem diferente , felizmente. Adoro meu papel de mãe, avó e esposa. Gosto de cuidar da minha casa e de preparar uma boa comida para todos. Nesses tempos de pandemia principalmente, a proximidade com os fãs via Internet é deliciosa. Toda manhã é uma surpresa. Eles garimpam tesouros perdidos, imagens e cenas que nem sabia que ainda existiam. Recebo críticas e
sugestões importantes e, no isolamento, sintome menos sozinha. As lives, o Instagram , etc. me aproximaram mais dos fãs e me puseram em contato com gente de toda parte do Brasil e do mundo. É incrível!
Você está sendo indicada para um prêmio..., podemos saber sobre a indicação? ( recordome de você me falar sobre isso; quero saber mais sobre o prêmio) (risos).
Fui indicada para o prêmio “ Observatório da Televisão” na categoria melhor atriz coadjuvante em comédia, pela Margot, em Hard. Um grupo de críticos especializados faz a indicação, e o público vota nos finalistas pela internet. Acho muito difícil comparar trabalhos e escolher o melhor. Não é um esporte em que se decide por centímetros ou por quem marca mais pontos. Somos tão diferentes! Cada uma dando o seu melhor. Já acho um trabalho impressionante dos jurados escolherem os 5 que consideram melhores. Depois parte-se para o voto popular na internet, no qual o que conta não é a qualidade do trabalho, mas a torcida. A maioria das pessoas nem viu o que está julgando. As empresas que patrocinam os prêmios deixam de prestar uma homenagem e transformam os concorrentes em veículos de promoção do seu produto através da votação na internet. Por isso a indicação, para mim, já é uma vitória. Foi muito bom receber a indicação por uma comédia. Ainda existem, por parte de alguns, dúvidas sobre minha capacidade de fazer comédia. Talvez por meu humor não ser explícito. Trabalho sempre com a verdade que o personagem tem. Se for engraçada, serei engraçada.
Você está sendo a primeira convidada e primeira capa da Revista Melhor do Brasil. Pode nos dizer como é para você ser a primeira convidada brasileira dessa revista Inglesa?
Confesso que ainda estou me beliscando para saber se é verdade! É muita honra receber esse convite. Eu, que ainda não tive a oportunidade de conhecer a terra de Shakespeare e sonho com isso, vou chegar aí virtualmente. Tenho enorme admiração pelo trabalho dos atores e atrizes inglesas, os quais considero estarem entre os melhores do mundo e são inspiração e exemplo para o meu trabalho. Infelizmente, não tive a oportunidade de assistir ao trabalho deles ao vivo, mas não perco uma série inglesa . Eu, que moro em São Paulo e geralmente trabalho no Rio sob temperaturas escaldantes e sol brilhante, adoro um dia cinzento e frio. Dias assim pedem recolhimento, estudo, intimidade, com os quais me sinto muito bem. Só posso agradecer a honra desse convite e oxalá eu possa corresponder à expectativa do público da revista.
Vida, carreira e parceria