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EU Nテグ GOSTO DE ATEUS
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EU Nテグ GOSTO DE ATEUS
Brasテュlia, Distrito Federal 2013 4
Copyright © Melik Silva Brün, 2013 Capa: Hildebrando Ribeiro da Silva Segundo Imagem da capa: Mosaico de Friedrich Nietzsche. Por Hildebrando Ribeiro da Silva Segundo Revisão e organização final: Giullyane Lemes Bittencourt
2013 Todos os direitos autorais reservados a Hildebrando Ribeiro da Silva Segundo.
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Para a amorosa Giullyane, pelo eterno incentivo. Para os pequerruchos amados Mateus e Davi. Para meus pais, pelos valores inestimรกveis.
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AGRADECIMENTOS Ao Beto Avlis pela elaboração artística extraordinária da capa e contracapa. Agradeço pela dedicação e paciência. Aos amigos que acreditaram, mesmo antes de acontecer: Thais, Mônica, Lúcia, Andréa, Rebecka, Renan, Alexandre, Maria José, Nilza, Marcos, Grazielle, Diego, Adriana, Jordana, Leonardo, Bruno, Adilson, Josivaldo, Poliana, Andréia, Ari, Kamyla, Maria Tereza, Tatiana, Aline, Kelly, Érika, Paula, Izabel, Amanda, Albanesa, Luiz Henrique, Fátima, Weslei, Marilene, Fernanda, Alessandra, Ana Luiza, Adão, Francisco, Marilda, Altemar, Rokmenglhe, Celina, Patrícia, Cau, Nani, Pedro, Ronaldo, Dagoberto, Marina, Mariane, Lélia, Rita, Salete, Ivana, Marcos Luís, Ailton, Lourival, Cláudio, Tânia, Luiza, Ana Paula, André, Daniel, Nara, Nanci, Felipe, Bayron, Cristiano, Iris, Kátia, Vânia, Sebastião, Harrisandra, Carlelia, Elio, Laila, Deyverson, Elizabeth, Vera Lúcia, Carina, Angélica, Jairo, Antônio José, Israel, Cleidison, Jandir, Rodrigo, Antônia, Rejane, Dantas, Luciana, Simone, Sérgio, Carla, Jória, Leila, Cláudia, Taís, Josânia, Hyrlando, Rodolpho, Sônia, Ayrton, Angélica, Ailton...
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“E a minha mãe diz: „- Paulo acorda, pensa no futuro que isso é ilusão, Os próprio preto não tá nem aí com isso não, Olha o tanto que eu sofri, que eu sou, o que eu fui, A inveja mata um, tem muita gente ruim‟. Pô, mãe, não fala assim que eu nem durmo, Meu amor pela senhora já não cabe em Saturno. Dinheiro é bom, quero sim, se essa é a pergunta, Mas a dona Ana fez de mim um homem e não uma puta!” Jesus Chorou Racionais Mc’s
“Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes”. Abraham Lincoln
“Vim pra sabotar seu raciocínio Vim pra abalar o seu sistema nervoso e sanguíneo". Capítulo 4, Versículo 3 Racionais Mc’s 8
NOTA AO LEITOR
Meu querido leitor, é com prazer que lhe saúdo ao mesmo tempo em que agradeço sua atenção ao ler meu primeiro livro. Espero que me acompanhe nesta reveladora jornada até os últimos caracteres impressos aqui! Pois bem, vamos a alguns esclarecimentos. Este livro deveria ser classificado como NÃO FICÇÃO, pois é baseado em fatos reais, tudo o que narro aqui realmente aconteceu, e não pense que estou mentindo sobre quem irei falar. Bilhões de pessoas no mundo, de fato, creem na existência deles, mas apenas as arrogantes que se auto intitulam ateias, é que não acreditam. Todavia, tais pessoas não podem nunca, em hipótese alguma serem levadas a sério. Para eles a melhor resposta é a de Jesus citada em Lucas 23:34, “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Contudo, fui instruído pela minha editora por questões de marketing promocional, que seria melhor classificar o livro como FICÇÃO. Assim, ficam aqui registrado meus protestos contra a máquina imperialista e usurpadora das artes, esse monstro denominado capitalismo. Brincadeirinha. Sou totalmente a favor do capitalismo, embora mantenha meu protesto em relação à Editora.
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OUÇA A CANÇÃO!
Olá, já começou a leitura? Estamos em sintonia? Escutou a curta nota de guitarra? Pois é, nossa música começou, não nossa eu e você, não me entenda mal, afinal estamos sendo apresentados agora. Na realidade, eu quis dizer, eu e ela. - Quem é ela? Ops, vejo que você é bem curioso, porém isso não é problema algum, também sou. A respeito dela, tudo será revelado no momento apropriado. Agora, apenas ouça as batidas, secas, marcantes e ritmadas do mais extraordinário baterista que já pisou na Terra. Ouça! São batidas cadenciadas como uma cavalaria marchando lentamente, em cortante inverno, voltando do combate. Esta música marcou o nosso encontro após aquela louca vibe na Space, em Ibiza. Fomos a pé até a praia, sentamos na areia, era manhã, o alvorecer extasiante e pomposo nos deixou relaxados. Então, ela pediu que eu deitasse na areia, deitou-se ao meu lado e começou a teclar em seu Iphone. De repente, começou a tocar esta música que estamos ouvindo agora. Eu já conhecia a canção, mas naquele cenário e com aquela companhia, tornou-se para sempre inesquecível. Ouça! “Working from seven to eleven every night,
It really makes life a drag, I don't think that's right. I've really been the best, the best of fools, I did what I could, yeah Cause I love you, baby, How I love you, darling, How I love you, 10
baby, How I love you, girl, little girl. But baby, Since I've Been Loving You, yeah I'm about to lose my worried mind, oh, yeah.” Então, agora já sabe de quem estou falando? É claro! Vá ao YouTube e veja ou simplesmente ouça, mas se ainda não sabe, o nome da música é Since I've Been Loving You, do eterno Led Zeppelin. Vamos, entre no clima comigo, afinal contarei uma longa história e é necessário que você esteja conectado, entendeu?
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MEU NOME? AL PACINO FREITAS ALMEIDA
O que tenho para contar é muito louco e também polêmico. Vivi isto nos últimos dias e foi surpreendente. Você ficará certamente boquiaberto sobre algo que, sem nenhum exagero, qualquer ser humano jamais viveu antes. Presunçoso você, não acha escritor novato? Não é presunção! Só para que você tenha ideia, fiquei na maior dúvida se deveria revelar ao mundo tais acontecimentos, correndo o risco de ser tachado de louco, ou se deixava apenas na minha memória. E você, o que faria se passasse por uma experiência muito surreal? Revelaria ou ocultaria? Desculpeme! Como é que você poderia responder se não sabe do que se trata. Sabe, estou muito ansioso para lhe contar. Ah! Mais uma coisa antes de começar. Após terminar de ler este meu livro, e eu espero que você termine, dê uma palavrinha sobre ele para seu pai, mãe, irmão, sogra ou vizinho, vale até conversar com o cachorro. Dê esta força, mesmo que para criticar! Sou escritor independente e estou completamente imerso naquele dito popular “Falem mal, mas falem de mim!” Todavia, não vou negar, espero um pequeno elogio. Vamos deixando de lado o jabá, chega de embromação, vamos começar. Sou baiano da capital. Por capital leia-se Barra da Estiva. Acho que contei uma novidade para você, não é mesmo? Vou esclarecer porque a Barra é a capital do meu pujante e formoso estado da Bahia. Vou dar um exemplo concreto, que rapidamente irá lhe convencer que a capital da Bahia é a minha amada cidade natal e não Salvador como todos conhecem. 12
Vamos lá, qual é a capital do Brasil? Certamente, você levantou a mão como um bom aluno CDF faria diante daquela pergunta que o professor faz na sala de aula e para a qual ele tem a mais absoluta e certa resposta, Brasília! Concordo e não concordo. Primeiro, porque de fato, jurídica e administrativamente Brasília é a Capital Nacional. Porém, quando o referencial muda e tudo é relativo, como falou o grande Albert Einstein, Brasília perde seu posto, quer ver? Qual é o centro cultural e financeiro do Brasil, da América Latina e que ostenta tal título entre as maiores cidades do planeta? São Paulo! Respondeu o garotinho lá no fundo da sala, ops, este garoto é você leitor, nota dez! Com Barra da Estiva não é diferente. Encravada na bela Chapada Diamantina, no sudoeste baiano, ela é a primeira cidade nesta imponente formação geológica brasileira sentido leste oeste, daí surgindo o codinome “Portal da Chapada”. A Barra, para os íntimos, é o centro cultural e financeiro da Bahia. De lá saem as mais brilhantes mentes, incluindo, em uma modesta e sincera opinião, eu. O PIB per capita a preços correntes da capital cosmopolita, em 2010, segundo IBGE, era de 5.942,45 reais, sem falar na grande população que extravasava os 21.187 habitantes residentes. Enfim, a Barra é um monstro sagrado dos dados estatísticos mundiais. Então, agora concorda ou não que Barra da Estiva está para a Bahia assim como São Paulo está para o Brasil e Nova Iorque para os Estados Unidos? Isto porque eu não quero me gabar da beleza geográfica expressa nos cartões postais. Ah, fico nostálgico ao lembrar a maravilhosa imagem das grandes montanhas que distam 7 km da capital, de onde se tem a mais bela visão panorâmica do Morro do Ouro, com 1.187 metros de altitude, e do Morro Santa Bárbara, mais 13
conhecido como Morro da Torre, de altitude similar, quase o pico do Everest no Himalaia. Juntos, formam literalmente um portal por onde passa a rodovia de acesso à cidade e à própria Chapada, transformando a entrada em um arco geologicamente imponente. Ok, sei que estou sendo bairrista, além do mais moro há um ano em Brasília. Tenho 18 anos, 1,83 metro de altura, cabelos pretos, lisos e longos, um palmo abaixo dos ombros, estilo metal e me chamo Al Pacino Freitas Almeida. Por enquanto isto é suficiente. Pois é, deixe-me adivinhar o que você pensou, achou meu nome familiar, não é? Na universidade, a galera me chama de Tony Montana, John Milton, mas o apelido mais comum é Michael Corleone, alguns dos personagens famosos do Al Pacino, e as piadinhas sempre começaram desde o primeiro dia de aula. O nome famoso me foi concedido compulsoriamente pelo meu pai, como acontece com qualquer bebê, não é mesmo? Em certa ocasião perguntei sobre o porquê da escolha deste nome, e ele respondeu, em tom gutural, como se estivesse em campanha política para Presidente da República: Meu garoto, seu nome é inspirado no maior e mais competente ator que já existiu. A atuação dele no filme 'O poderoso chefão' foi simplesmente apoteótica e mágica, nunca esqueço! O Al Pacino, meu filho, é o deus da interpretação. Lembro perfeitamente do discurso dele tentando me convencer de que meu nome era uma singela homenagem a um cara que eu nunca vi pessoalmente e o pior, nem ele. Tudo bem, eu terei meus filhos para poder 'homenagear' quem eu gosto. Estou brincando. Mas, não pense que eu não gosto do meu nome, eu gosto, só não curto aquelas brincadeiras sem graça quando o professor faz a chamada de 14
presença, Al Pacino!, então ouço o coro da galera Al, Al, Al, como latidos de cachorro, pura e ridícula onomatopeia. Contudo, vamos deixando de lado as apresentações, se bem que só eu falei de mim. Aguardo a sua apresentação na net, ok? Sem mais delongas, vamos lá. Tentarei contar em detalhes o me ocorreu recentemente, começando pela explicação sobre a capa e o título do livro, que tem tudo a ver com os tais dias.
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UM ATEU CONVICTO
Até pouco tempo atrás, eu era o mais ateu entre os mortais, ao menos eu achava isso de mim mesmo. Então imagina o que vão pensar minha família e amigos ao verem este livro, eles que sempre me viram militando pela causa ateia, por um mundo ateu, contra toda e qualquer religião? Eles vão adorar. Pode apostar, era o que eles e em especial minha mãe, sempre quiseram, insistindo para eu procurar Deus e parar com todas as heresias, pois Deus me perdoaria. Enfim, eu era o tipo do cara que andava com uma camisa que eu mesmo mandei confeccionar, já toda surrada de tanto uso, com a estampa do meu ídolo Número Um, Friedrich Nietzsche, com aquele seu famoso bigode, a mesma imagem que você pode ver na capa deste livro. Quis colocá-lo já de cara para que as pessoas vejam o quanto é nocivo e prejudicial ser ateu. Está capa traduz toda minha repulsa e aversão a tal filosofia de vida. O que aconteceu para esta sua mudança? É o que direi agora. Como havia mencionado, moro em Brasília há um ano e meio, para ser mais exato na 208 da Asa Norte, numa quitinete de subsolo em seus infinitos 30 m². É o que meus pais podem pagar, pois aluguel aqui é muito caro. Embora seja no subsolo, é um lugar bem ventilado e legal de se morar. Para descrever com precisão a minha morada é bem simples, com dois cômodos. Um pequeno banheiro três em um, ou seja, lugar onde é possível “meditar” no vaso sanitário enquanto escova os dentes na pia, milimetricamente posicionados lado a lado, e ainda tomando 16
banho no chuveiro que está praticamente em cima do vaso, ou seja, dá para fazer barba, cabelo e bigode, não é demais? O outro ambiente da mansão incrustada no solo é a maravilhosa sala flex, ou seja, sala tradicional, quarto e de quebra a cozinha, tudo em um mesmo ambiente. Loucura total. Países com espaços restritos como o Japão deveriam enviar seus arquitetos para visitarem minha quitinete e afirmo com certeza, que ao invés das mais de 6.800 ilhas nipônicas suportarem os quase 130 milhões de habitantes, depois de adotarem está revolucionária e otimizada configuração residencial, poderiam duplicar sua população, sem problema. Vim para cá porque fui aprovado no vestibular do curso de Direito da Universidade de Brasília-UnB, inegavelmente um dos melhores do país. Como não tenho parentes na cidade, a saída foi alugar esta quitinete que fica bem próxima à faculdade. Desta maneira economizo na passagem de ônibus, vou e volto a pé. Adorei passar a primeira noite na casa nova, sozinho, após a longa despedida da minha mãe, em lágrimas, com as suas intermináveis recomendações de segurança, alimentação, estudo, saúde etc etc etc. Aliás, só estou morando aqui, porque meu pai a convenceu, pois por ela eu só poderia ter passado para a Universidade Federal de Salvador e ido morar com a Tia Maria, irmã de minha mãe. Eu até tentei o vestibular lá também, mas fiz questão de errar umas questões para não haver nem a remota possibilidade de ser aprovado. Sabe, a Tia Maria é pior que minha mãe, parece um general de guerra, não iria me permitir ir nem à padaria sozinho. Tô fora! Em resumo, vir para esta encantadora e urbanizada cidade foi, sem dúvida, minha melhor escolha. 17
A RAINHA DA INGLATERRA
O despertador tocou, 6 horas em ponto. Estava no chão, ao lado da cama, apenas estiquei o braço direto em sua direção e o desliguei. Fitei o teto do meu ap, muito disposto e revitalizado. Também não era para menos, ontem fui dormir muito cedo, por volta das 21 horas. Levantei, fui direto para o banheiro para tirar uma água do joelho, o que me deixou extremamente aliviado. Nunca perco a mania de beber um copo grande de água gelada antes de dormir. Assim todas as manhãs é a mesma história do joelho como minha primeira ação do dia. Após resolver essa necessidade fisiológica, voltei para o ambiente daquela minha sala flex. Estava seguindo meu ritual matutino, então me encaminhei à estante de madeira cor natural, um pouco desgastada, comprada por Mainha em uma loja de móveis usados para economizar. Para ser sincero este era o melhor lugar da casa, literalmente, já que este móvel ocupava o único canto dos quatro existentes na sala flex. Os outros três já estavam lotados, não por minha causa, mas por responsabilidade do arquiteto que colocou a porta de entrada no primeiro canto, o acesso ao banheiro no segundo e as duas pias, uma para lavar roupa e outra para louça, com 1m de distância entre elas. A estante ocupava o melhor lugar, aliás, nela repousavam meus tesouros, o meu acervo de livros e meu recém chegado micro system com dock station da Sony, presente de aniversário dos meus pais. Repousava sobre um tapete em malha de poliéster cinza, bem felpudo, e havia também duas grandes almofadas de crochê confeccionadas com barbante cru, especialmente feito 18
para mim pela minha querida vozinha Carminha, mãe do Painho. Ou seja, o lugar perfeito para viajar em um livro ou ouvir um clássico do bom e velho rock’n’roll, desfrutando de uma ótima sensação, pode apostar. Mas, no meu ritual daquele dia, o momento não pedia um livro, apenas um digno rock para acordar. O mp3 player já se encontrava fixado no dock station, simplesmente liguei o Sony, selecionei a pasta Metallica, depois escolhi o álbum Master of Puppets, haveria sugestão melhor para começar o dia? É óbvio que não. O Metallica escolheu a música certa para começar este álbum, Battery, com um trecho de guitarra acústica, limpo e lento e depois aquela pauleira de sempre, simplesmente mágico. Fui ao banheiro tomar aquela ducha, continuando minha rotina. Ao tirar a roupa, sentir os pelos do meu corpo se eriçarem, minha herança primitiva, pensei. Porém, desta vez não era porque estava me sentindo ameaçado com medo de um animal prestes a atacar, e sim pela sensação de frio transmitida pelas terminações nervosas da pele, provocando contrações musculares em todo o meu corpo. Em Brasília fazia um inverno rigoroso para os padrões tropicais e a previsão do tempo no Jornal Nacional era de dez graus na madrugada. Abri bem pouquinho a torneira do chuveiro e esperei a água esquentar. Tomei um bom banho com o som bem alto, afinal, rock e sonzinho ambiente não combinam. Saí do banho, me sequei e vesti minhas roupas com a mesma rapidez do Flecha dos Incríveis. Abri o armário, peguei uma xícara, enchi de água do filtro e coloquei para esquentar para fazer um café quentinho. Enquanto isso, abri a geladeira e peguei pão de forma integral com castanha do Pará e manteiga. Lambuzei quatro fatias de pão com manteiga, coloquei-as dentro da 19
torradeira, e nisto ouvi o alarme do micro-ondas indicando que a água estava no ponto. Retirei a xícara, acrescentei quatro colheres repletas de café solúvel extra forte, para acordar mesmo, pois teria uma aula pedreira hoje, Direito Processual Civil, barra pesada. O pão estava no ponto, mas quente demais. Coloquei num prato e sentei na única cadeira existente no ap. Tomei meu café da manhã. Olhei para o relógio Orient, ajustado no meu pulso esquerdo, 6h49, tudo dentro da rotina, pensei. Terminado o café, fui pôr a louça na pia, quando de repente bateram na porta. Quem será a está hora da manhã? Fiquei sobressaltado, deve ser o Francisco, o porteiro da noite, para me dar algum recado, afinal o portão, provavelmente, deve estar fechado, e meus vizinhos não são lá muito de acordar cedo, raciocinei. Ao fundo tocava a canção Orion. Fui até a porta e abri, fiquei alerta, fechei meu punho direito, é verdade que por medo, mas também precaução. Na minha frente estava um homem trajando um impecável terno à Giorgio Armani em tom cinza, com seus quase 1,90 metro de altura (superando a minha altura), cabelos negros e aparentando uns 40 anos. Entretanto, e sem dúvida alguma, o que chamou minha atenção logo de cara foram os olhos do sujeito, em particular a íris, de cor laranja, vívida e radiante, em uma alusão bem especifica à seleção de futebol da Holanda e seu uniforme cítrico. Não me lembro de ter visto ninguém com olhos de tal cor, vai ver ele usa lentes, pensei. Prontamente, perguntei: - Quem é você? Ele refletiu mostrando em seu semblante um sorriso tranquilo. 20
- Bom dia Al Pacino. Falou calmamente, com uma voz grossa, mas em tom amigável. Eu continuei armado, o punho em riste pronto para o ataque. - Como você sabe meu nome, cara? Que brincadeira é essa? Rapidamente, olhei para cima, tentando visualizar o portão do subsolo pelo pequeno ângulo que me restava, sobre o ombro esquerdo daquele homem. Notei que estava trancado, com aquele imenso e pesado cadeado. Subitamente comecei a disparar perguntas: - Como você entrou aqui? O portão está trancado. Quem é você, meu irmão? Qual é a tua? - Desculpe-me Al, jamais tive a intenção de causar transtornos. Estou aqui, nesta hora inapropriada, porque preciso da sua ajuda. - Minha ajuda? Eu nem te conheço, cara! - Mas, eu o conheço há muito tempo. Não se preocupe meu jovem, apenas gostaria de ter a oportunidade de contar meus anseios para você, e é claro, com o seu consentimento, espero que me ajude. Fiquei numa situação confusa, pois apesar daquele coroa ser um completo estranho para mim, sua fala calma transmitia honestidade, além do mais fiquei realmente intrigado e curioso para saber o que aquela pessoa com ar de executivo queria com o futuro advogado aqui. Enfim, não deu outra, relaxei meu punho e o convidei para entrar. Ele entrou e notei sua atenta curiosidade ao ver as paredes da minha kit. E não poderia ser diferente, é um perfeito painel de arte. Nelas estão sete grandes pôsteres que preenchem quase 21
todo o espaço bem restrito. Logo de cara, na parede da frente, reluz com onipotência nos olhos de quem entrar no espaço a melhor banda do mundo na minha opinião. Você já sabe de quem falo, é óbvio, eles, Pink Floyd, em uma imagem rara e realmente antológica dos cincos integrantes juntos, Manson, Barrett, Gilmour, Waters e Wright. Na parede à direita da porta de entrada fica um pôster do Metallica com a formação do álbum And Justice for All, o primeiro que conheci deles, e outro do Pantera em Far Beyond Driven, com um dos meus bateristas e guitarristas favoritos, respectivamente, os irmãos Vinnie Paul e Dimebag Darrel, com seu inconfundível cavanhaque vermelho. Na parede da esquerda ficam meus conterrâneos brasileiros do Sepultura, na clássica foto do álbum Chaos A.D., e ao lado, o inesquecível trio parada dura do Nirvana, Cobain, cabelos vermelhos, Novoselic e Grohl. Para completar e à esquerda, vêse o Bob, ou melhor, Bob Marley & the Wailers que, aparentemente parecem destoar na Catedral do Rock, o carinhoso nome do meu ap (mais para Capela, dadas as reais dimensões). Todavia, a turma das madeixas em dreadlocks tem tudo a ver, não pelo som, mas pela atitude rock‟n‟roll. E por fim completando o ambiente, na parede atrás de quem entra, fica ele, o performático e polêmico Marilyn Manson, com sua tradicional cara maquiada e seus olhos albinos. Mesmo parecendo que a lotação está esgotada, ainda há espaços para mais pôsteres das minhas bandas favoritas só faltando o “cacau” para comprá-los. Não era somente aquele desconhecido que estava impressionado com as imagens e o ambiente. Meus amigos também acham o máximo, porra Al, gostaria de morar sozinho como você, meu velho. Minha mãe não me deixa sequer mudar 22
a posição da cama, é um saco! Volta e meia eu ouvia desabafos deste tipo, pois minha casa era quase sempre a escolhida para realização de trabalhos em grupo da faculdade, e, por favor, nem me pergunte o porquê. Estou brincando, liberdade é a resposta certa. - Por favor, sente-se! Mostrei a cadeira para o coroa, filha única. Fiquei de pé na sua frente e perguntei: - Então, qual é o caso? Sabe meu nome, sabe onde moro e sei lá mais o quê, e ainda me vem com este papo super estranho de que precisa da minha ajuda. Afinal, quem é você? - Al, vou direto ao assunto! Meu nome é bastante conhecido, uns me chamam de Diabo, outros de Belzebu, Coisa Ruim, Capeta, Satã, Cabrunco. Outros ainda preferem Cão Tinhoso, Chifrudo, Beiçudo, Rei das Trevas, Pé De bode, Tição, Bode Preto, Cão Danado, Tranca Rua, Zé Pilintra, Excomungado, Exu, Satanás, Demo, Espírito de Porco e mais uma infinidade de nomes. Para ser sincero com você, fiquei perplexo ao saber que todos estes se referem a minha pessoa. Entretanto, meu verdadeiro nome é Lúcifer, para ser mais exato Luciffer Grttwanm. Ele disse isso na maior tranquilidade. Não me contive e dei uma gargalhada pausada e irônica. - Ha, ha, ha! Prazer, sou a rainha da Inglaterra. Então, coroa, você tem a ousadia de bater na minha porta a essa hora da manhã, dizendo que precisa muito da minha ajuda e agora me vem contando piada. Meu amigo, eu por acaso tenho cara de otário? Por favor, saia agora da minha casa! Fui andando em direção à porta para abri-la, porém ele 23
insistiu. - Al Pacino, não estou mentindo! Contudo, já esperava esta atitude de você, afinal a minha imagem foi deturpada e é por isso que estou aqui. - Amigo, por favor, preciso ir para faculdade, então me deixe em paz. Abri a porta, ele se levantou da cadeira, mas continuou a falar. - Ok Al, não vamos entrar em conflito. Eu sou um verdadeiro amante da arquitetura, artes, história e cultura, portanto, embora neste momento ache que estou tripudiando com você, lhe farei apenas um pedido. Por favor, me encontre em frente ao Congresso Nacional que como você sabe é um conjunto arquitetônico de poder do seu país. Uma vez lá, eu lhe darei provas de que realmente sou o Luciffer e formalizarei as razões que me motivaram a vir procurá-lo. - Cara, você deve tá mesmo brincando! Além de tudo, ainda quer que eu vá ao Congresso te encontrar? Você não está falando sério, tá? - Veja Al, hoje você tem apenas a primeira aula, que será de Direito Processual Civil. Fiquei nervoso e falei veementemente. - Espera aí, você andou tendo contato com algum colega para me impressionar, não é? Ele deu um sorriso. - Não meu caro, jamais tive contato com alguém que você conhece, entretanto venho lhe acompanhando há algum tempo. Relaxe meu jovem, eu venho em paz! Veja, marcarei com você hoje às 11 horas, tempo suficiente para que você assista à sua 24
aula e chegue na hora marcada no Congresso Nacional. Esperarei até as 11h30, se não aparecer saberei que não acredita em mim e não quis nem me dar uma chance. Neste momento não resisti e o interrompi bruscamente. - Pois então, coroa, não perca seu tempo. Não irei a porcaria de lugar algum para ouvir seus devaneios! - Al, é um direito que lhe cabe, seu livre arbítrio. Apesar de ficar extremamente triste, tendo em vista que não tenho outra pessoa em todo o planeta Terra com o seu perfil para me ajudar. Mesmo assim, enfatizo, respeitarei e prometo que nunca mais irá me ver. - Oh, que beleza! Confesso que viverei bem com isto. Adeus! Resmunguei com total impaciência gesticulando com o braço esquerdo o típico movimento de a porta da rua é a serventia da casa, enquanto segurava a porta com a mão direita. O maluco, muito educado não posso negar, mais parecia um aristocrata de filmes de época. Ao passar por mim na porta me deu um último sorriso afável, deixando suas palavras finais. - Bons estudos! Fechei a porta e voltei para a mesa a fim de terminar meu café e comer meu pão. Poxa, estão gelados!
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