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Romantismo Tânia Regina Oliveira Ramos Gizelle Kaminski Corso

Talvez eu seja o último romântico Dos litorais desse oceano atlântico […] Se é loucura então/Melhor nem ter razão. (Lulu Santos) Procuremos pesquisar o termo romântico e ele se mostrará aparentemente “comum” na atualidade, que parece se fazer presente, principalmente, entre os apaixonados ou às vésperas do dias dos namorados. Ser romântico, ou romântica, na concepção usual da palavra, significa ter atitudes de carinho (trazer flores, bombons, jantar à luz de velas) para com sua companheira, seu companheiro, provocar sentimentos ternos no outro, ser sentimental, ter paixão. Essas atitudes, esses gestos, podem muito bem ser ilustradas por canções de Roberto Carlos, nos versos, “Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo”, “Eu tenho tanto pra ti falar, mas com palavras não sei dizer, como é grande o meu amor por você”, “Você tem que ter um homem como eu romântico/ que adoça a sua vida e saiba te dizer, romântico” ou por filmes gênero de Love story, Vem dançar comigo, Uma Linda Mulher, Crepúsculo. Com a abertura deste tópico sobre o Romantismo, pretendemos justamente demonstrar que a concepção e entendimento da palavra “romântico”, que trataremos ao longo deste tópico, não terá essa equivalência naturalmente, e é sempre preciso desconstruir o falso entendimento de que o Romantismo foi um período histórico com a predominância no sujeito lírico e em temas que tangenciavam amor, paixão e sentimentos individuais.

O Romantismo Segundo Elias Thomé Saliba (1991), foi Rousseau, em um trecho de Devaneios de um caminhante solitário, de 1777, quem introduziu na língua francesa o vocábulo romântico, que até então significava: “como nos antigos romances”, e aproximava-se de tudo aquilo que poderia ser visto como pitoresco, romanesco, fabuloso. Mas romântico era visto também como desordenado, confuso, oposto ao indisciplinado, ao regrado, ao classificado, enfim, oposto ao rigor do “clássico” (SALIBA, 1991, p. 13).


O Romantismo Assim, o Romantismo, pode ser analisado como um movimento sociocultural que ocorreu entre fins do século XVIII e meados do século XIX. Todos os seus projetos se alimentaram de rupturas com o passado, ou seja, de oposição violenta ao Classicismo1 (clareza, transparência, domínio do diurno) e à Ilustração, períodos em que prevaleceu forte racionalismo. Mas, o que é o Romantismo? Escola? Período Literário? Mo(vi)mento histórico? Estado de espírito? Jacó Guinsburg nos responde, dizendo: o Romantismo designa também uma emergência histórica, um evento sóciocultural. Ele não é apenas uma configuração estilística ou, como querem alguns, uma das duas modalidades polares e antitéticas – Classicismo e Romantismo – de todo fazer artístico do espírito humano. Mas é também uma escola historicamente definida, que surgiu num dado momento, em condições concretas e com respostas características à situação que se lhe apresentou. […]. Seja como for, o Romantismo é um fato histórico e, mais do que isso, é o fato histórico que assinala, na história da consciência humana, a relevância da consciência histórica. É, pois, uma forma de pensar que pensou e se pensou historicamente (1978, p. 14).

Para Michel Löwy e Robert Sayre (1995) são designados como “românticos”, desde o século XIX, tanto escritores, poetas e artistas quanto ideólogos políticos, filósofos, teólogos, historiadores, economistas e outros. Para grande parte dos autores que se ocupam do romantismo, o fenômeno está despojado de todas as dimensões políticas e filosóficas e reduzido a uma simples escola literária cujas características mais visíveis são, em seguida, descritas de maneira mais ou menos detalhada. Em sua forma mais banal, essa abordagem opõe o romantismo ao “classicismo” (LÖWY; SAYRE, 1995, p. 12). Figura 1 – O viajante sobre o mar de névoa (1818), Caspar David Friedrich (1774-1840) 1

Classicismo – “O termo vem de classis, “frota”, em latim, e refere-se aos classicis, aos ricos que pagavam impostos pela frota. Um escritor “classicus” é pois um homem que escreve para esta categoria mais afortunada e mais elevada da sociedade. […]. Depois o vocábulo sofreu várias transformações, passando a designar um valor, estético, ético, mas principalmente didático: um escrito “clássico” veio a ser uma composição literária reconhecida como digna de ser estudada nas “classes” das escolas (Rosenfeld, Guinsburg, 1978, p. 262). O termo classicismo, acrescentam os autores, diz respeito a “princípios e obras que correspondem a certos preceitos modelares, os quais, por seu turno, derivam de certa fase da arte grega e a tomam como padrão. Essa codificação ocorreu principalmente no Renascimento. Foi então que a redescoberta da Antiguidade Greco-Latina ou, como passou a chamar-se, “Clássica”, a revalorização de suas produções intelectuais e artísticas, conjugando-se com um extraordinário surto da criatividade italiana e até européia, puseram novamente na ordem do dia o pensamento e os problemas estéticos” (p. 262).


O Romantismo Michel Löwy e Robert Sayre apresentam um estudo do romantismo como “visão do mundo”, “estrutura mental coletiva” (Löwy; Sayre, 1995, p. 28), que seja capaz de atentar para o romantismo como sendo um movimento que atinge todas as esferas das atividades humanas. E, segundo os autores, é contra as características da modernidade 2 (industrialização, desenvolvimento rápido, conjugação da ciência com a tecnologia, por exemplo) e do capitalismo que se insurge a “sensibilidade romântica” (desencantamento, fuga, idealização de um tempo posterior ou anterior). Para Löwy e Sayre (p. 76), “o romantismo, propriamente dito, enquanto resposta cultural global a um sistema sócio-econômico generalizado, é um fenômeno especificamente moderno”. A oposição romântica à modernidade capitalista-industrial reage a um certo número de características dessa modernidade, a citar (Löwy; Sayre, 1995): 1) O desencantamento do mundo; tentativa de reencantar o mundo também pela religião (magia, artes esotéricas, feitiçaria, alquimia); 2) A quantificação do mundo; 3) A mecanização do mundo; 4) A abstração racionalista; 5) A dissolução de vínculos sociais. Embora o termo “romântico” tenha sido introduzido por Rosseau, o núcleo do fenômeno se deu em três países: França, Inglaterra, Alemanha, na segunda metade do século XVII, sendo impossível afirmar qual deles é o precursor.

Figura 2– A liberdade liderando o povo (1830) Eugène Delacroix (1798-1863)

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É importante, ainda, ter em mente alguns acontecimentos mundiais, para entender o contexto histórico que antecedeu esse movimento literário: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, responsáveis pela formação da sociedade moderna. Com relação à Revolução Francesa, que estimulou burgueses e campesinos a se rebelarem contra a nobreza monopolizadora das grandes propriedades de terras, vale destacar o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Das três palavras que compõem esse lema, os artistas

Compreendida como “fenômeno fundamental e abrangente […] [produzido] pela revolução industrial e [pela] generalização da economia de mercado” (Löwy; Sayre, 1995, p. 35).


O Romantismo românticos talvez tenham colocado mais ênfase em uma delas: Liberdade, “fundamentada na afirmação de que 'os homens nascem livres e devem viver livres'” (Falbel, 1978, p. 33). Eles queriam para si a liberdade de opinião, de criação individual, sem seguir nenhum modelo 2 anterior, especialmente os modelos neoclássicos, já esgotados há algum tempo. O modelo que eles queriam privilegiar era o de sua própria imaginação, de seus sonhos, de suas fantasias. No Romantismo, segundo Jacó Guinsburg, “o homem passa a ser o centro de si mesmo, do sentido de seu viver; e seu estar-no-mundo, perdidos os demais focos de ordenação, constitui-se no âmago de todo e qualquer significado de sua existência e a do mundo, para ele” (1978, p. 21). Dessa forma, todo artista romântico acabou por se voltar para si mesmo, num processo muito forte de egocentrismo, da valorização exagerada do eu individual. Os românticos faziam uma literatura intimista e, muitas vezes, idealizadora de um mundo perfeito que, pretensamente, existia dentro de si. Assim, o modelo “seguido” pelos românticos foi o da irregularidade, da desobediência, da liberação em virtude daquilo que vinha sendo feito/valorizado até então: a fonte clássica, racionalista…

Nossos bosques tem mais vida Alfredo Bosi, em História Concisa da Literatura Brasileira (46ª ed., 2006), em capítulo reservado ao Romantismo, afirma: O amor e a pátria, a natureza e a religião, o povo e o passado, que afloram tantas vezes na poesia romântica, são conteúdos brutos, espalhados por toda a história das literaturas, e pouco ensinam ao intérprete do texto, a não ser quando postos em situação, tematizados e lidos como estruturas estéticas (BOSI, 2006, p. 91). Figura 3 – O Colosso (1808) Francisco de Goya (1746-1828)

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A Revolução Francesa, aind a q ue abolisse o s direitos e as instituiçõ es feudais, não aboliu a d esiguald ade entre os homens. A liberdad e sem a igualdade foi co nsiderad a insatisfatória, propondo-se, já naquela ocasião, que a pro priedade fosse limitada perante a lei e se reduzisse a distância abissal entre po bres e ricos, ou entre os possuidores e “os que nada tinham a perder” (FA LBEL, 1978, p . 3 4).


O Romantismo Com essa afirmação, o professor da Universidade de São Paulo, busca esclarecer a ideia de que os conteúdos vistos como “característicos” da literatura romântica permeiam as demais produções literárias ao longo do tempo; não são exclusivos do Romantismo. Para que o sejam, é preciso que os textos sejam colocados em situação, ou seja, contextualizados, tematizados e lidos como estruturas estéticas. Com isso, Bosi critica arduamente o entendimento da literatura por suas classificações temáticas. O Romantismo em solo brasileiro ocorre em um momento de busca pela independência 4 política. O Brasil era uma nação egressa do colonialismo, e mantinha ainda a rota da monarquia conservadora, mesmo havendo manifestações republicanas. E nossa sociedade contou, segundo Bosi (2006), tanto com os filhos de famílias abastadas do campo (Macedo, Alencar, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, por exemplo) que saíam do interior para receber instrução em São Paulo, Rio e Recife, quanto com filhos de comerciantes luso-brasileiros e de profissionais liberais (Gonçalves Dias, Joaquim Norberto, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Silvio Romero) para a formação de sua inteligência. Formação de índole europeia, a qual absorvia padrões culturais, que não os nacionais, que se refletiam na ansiedade de fundar uma marca própria 5 (apelo à natureza, refúgio no passado, exotismo, bem como relações de solidão, devaneio, sonho).

Figura – Iracema (1865) – José Maria de Medeiros (1849-1925)

As produções desse momento costumam privilegiar o tema do “sujeito”, aliás, observa Bosi (2006, p. 93), “o fulcro da visão romântica do mundo é o sujeito”, o “eu” romântico, o membro

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Em um momento de independência política e independência literária; porém a segunda estava “por fazer/vir”. 5 “A natureza romântica é expressiva. Ao contrário da natureza arcada, decorativa. Ela significa e revela. Prefere-se a noite ao dia, pois à luz crua o sol impõe-se ao indivíduo, mas é na treva que latejam as forças inconscientes da alma: o sonho, a imaginação” (BOSI, 2006, p. 93).


O Romantismo que se desloca para outro habitat como forma de se desmembrar da realidade. Em relação ao nível estético, renasce a balada e a canção em vez do soneto e da ode, e a renovação atingiu o verso, o ritmo, e o “paisagismo árcade […] cedeu lugar ao pitoresco e à cor local” (Bosi, 2006, p. 96). No teatro, borram-se as diferenças entre comédia e tragédia e instaura-se o “drama”, que funde grotesco e sublime. Gênero contemplado dentre todos, de acordo com Bosi, foi o “romance”, que não se eleva mais às dimensões da ação épica, da história de uma comunidade, mas se enriquece de um conteúdo original ao se abrir para a complexidade interior que a vida individual passa a adquirir no “mundo moderno”; o romance é a epopeia de uma sociedade burguesa. Alguns escritores foram responsáveis por introduzir o Romantismo como programa literário no Brasil. Domingos José Gonçalves de Magalhães, tendo em vista uma reforma da literatura brasileira, fundou, em Paris, a revista Niterói, revista brasiliense (1836) com seus amigos Porto Alegre, Sales Torres Homem e Pereira da Silva. Agraciado pelo Imperador Pedro II, foi sempre tido como o mestre da nova poesia.

Tendo-nos dado o lírico e o dramático, faltava-lhe o épico; fê-lo retomando Durão e Basílio, lidos sob um ângulo enfaticamente nativista, e compôs a Confederação dos Tamoios quando Gonçalves Dias já fizera públicos os seus cantos indianista e Alencar redigia a epopéia em prosa que é O Guarani (BOSI, 2006, p. 99).

Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, por exemplo, constituíram o que se poderia chamar de “primeira geração romântica”, aquela que percorreu a tradição literária nacionalista, e pretendiam registrar a permanência dos valores primordiais, as marcas da terra, ou seja, serem os responsáveis pela legitimação nacional na literatura. O Brasil seria o pano de fundo sobre o qual se desenvolveriam os argumentos em prol de uma identidade nacional, da valorização da prata da casa em relação ao estrangeiro, principalmente o europeu. A natureza é exaltada como o que há de mais legitimamente brasileiro. “Não é à toa que os versos de Gonçalves Dias foram retomados, quase na íntegra, para fazer parte da letra do Hino Nacional Brasileiro, numa estrofe que institucionalizou definitivamente esta atitude” (Rouanet, 1991, p. 244). Os versos a que a autora faz referência, “Nossos bosques têm mais vida/ Nossa no teu seio mais amores” foram retirados do poema “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, que transcrevemos a seguir:


O Romantismo Canção do Exílio Gonçalves Dias Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar –sozinho, à noite– Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que disfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.

De Primeiros cantos (1847) Como você pode ver neste poema, o “eu-lírico” se apresenta distante de sua terra natal, exilado. A tropicalidade brasileira é representada primordialmente pelo cenário, que inclui “palmeiras”, “sabiá”, “bosques”, “flores”, melhor dizendo, pela natureza, que é “uma das vigas mestras da construção do discurso romântico, em qualquer das suas manifestações” (Rouanet, 1991, p. 245). E essa natureza é apresentada/destacada [quase] sempre por suas diferenças relativas e comparativas à Europa, o que é possível de ser percebido nos seguintes versos de Dias: “Minha terra tem primores,/ Que tais não encontro eu cá;/ Em cismar –sozinho, à noite–/Mais prazer eu encontro lá”. O país se tornou um painel pitoresco, alvo de olhares curiosos do mundo ocidental, e a poesia, para ser boa, precisava apresentar/ser uma pintura fiel da paisagem. O tema do exílio foi uma das constantes nas produções de inúmeros poetas brasileiros no intuito de construir uma nacionalidade. O discurso dos poetas no Romantismo brasileiro vai ser limitado a repetições de um “cá” e de um “lá”, de “monotonia”, de um “sempre a mesma coisa enquanto evita, a todo custo, quaisquer acréscimos ou discordâncias” (Rouanet, 1991, p. 254) – algo que pode ser visto 6 no poema mencionado. Uma prole de mesmices instauradas nos temas, nos títulos dos poemas, nas imagens, por exemplo. Ver a nossa diferença em relação às origens portuguesas, “origens estas que se revelavam especialmente ameaçadoras em virtude da adoção, por parte da nova Nação, da língua falada pela antiga Metrópole” (Rouanet, 1991, p. 294). 6

Releia o poema de Gonçalves Dias e observe atentamente essas questões.


O Romantismo Meus oito anos Casimiro de Abreu Oh! Souvenirs! Printemps! Aurores! V. Hugo. Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores. Naquelas tardes fagueiras 7 À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais! Como são belos os dias Do despontar da existência! – Respira a alma inocência Como perfumes a flor; O mar é – lago sereno, O céu – um manto azulado, O mundo – um sonho dourado, A vida – um hino d'amor! Que auroras, que sol, que vida, Que noites de melodia Naquela doce alegria, 8 Naquele ingênuo folgar O céu bordado d'estrelas, A terra de aromas cheia, As ondas beijando a areia E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância! Oh! meu céu de primavera Que doce a vida não era Nessa risonha manhã! Em vez das mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minha irmã! Livre filho das montanhas, Eu ia bem satisfeito, Da camisa aberto o peito, – Pés descalços, braços nus – Correndo pelas campinas À roda das cachoeiras. Atrás das asas ligeiras Das borboletas azuis! 9

Naqueles tempos ditosos Ia colher as pitangas, Trepava a tirar as mangas, Brincava à beira do mar; Rezava às Ave-Marias, Achava o céu sempre lindo, Adormecia sorrindo E despertava a cantar! Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! – Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais! 10

Lisboa – 1857 - As Primaveras 7

Que afaga; meigo, carinhoso. Afável, ameno, brando, suave. Agradável, prazeroso. Fig. Satisfeito, alegre, contente: lépido e fagueiro. 8 Entregar-se a divertimentos, danças etc.; brincar. Dar folga ou prazer a. Alargar, desapertar. Descansar, ter alívio nos trabalhos. Ter prazer com alguma coisa, gostar. 9 Q ue tem boa sorte; venturo so, afo rtunado, feliz, felizardo. 10 D isponível em: <http://alecrim.inf. ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0042-00737.html>. Acesso em: 24 jul. 2011.


O Romantismo Estes versos do poeta Casimiro de Abreu são um bom exemplo da linguagem do Romantismo. Veja como o poeta usa a primeira pessoa: “eu tenho”, “minha vida”, por exemplo. O poema “Meus Oito Anos” foi um dos mais revisitados por autores do modernismo. Outros temas foram explorados pelos poetas: a pátria, a mãe, a família, a infância, o amor, a natureza, a religião. O “par romântico” era sempre idealizado e era ressaltada a beleza física e espiritual do homem e da mulher. Abaixo, vão outros exemplos da poesia lírica romântica:

A minha mãe

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Se eu morresse amanhã!

Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo

Se a terra é adorada, a mãe não é mais digna de veneração. Digest of hindu law. Como as flores de uma árvore silvestre Se esfolham sobre a leiva que deu vida A seus ramos sem fruto, Ó minha doce mãe, sobre teu seio Deixa que dessa pálida coroa Das minhas fantasias Eu desfolhe também, frias, sem cheiro, Flores da minha vida, murchas flores Que só orvalha o pranto!

Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã! Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã! Que sol! que céu azul! que dove n'alva Acorda a natureza mais louca! Não me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanhã!

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Disponível em: <http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00784.html>. Acesso em 24 jul. 2011. 12 Disponível em: <http://www.casadobruxo.com.br/poesia/a/seeu1.htm>. Acesso em 24 jul. 2011.


O Romantismo Continua-se! O romance se tornou um gênero dominante, segundo Lawrence Hallewell (1985), no que se refere ao mercado de livros, na França no fim da década de 1830, e a sua expansão se deu quando os jornais da época passaram a depender das rendas da publicidade e precisaram empenhar-se para ampliar a circulação e, consequentemente, os lucros. A 13 solução adotada foi justamente a de roman-feuilleton [romance-folhetim], ou “ficção em série” (Hallewell, 1985, p. 139). Embora a ideia tenha sido introduzida ainda no final de 1820 pela Revue de Paris [Revista de Paris], a prática só se efetivou por volta de 1836. Esse tipo de publicação “na forma de folhetim encorajava os complicados enredos melodramáticos, com cada parte planejada para terminar de forma a deixar o leitor aguardando ansiosamente a continuação” (Hallewell, 1985, p. 139). Isto significava que os 11 autores para conseguirem leitores tinham que escrever com um estilo que trouxesse muita ação, utilizando-se muito de suspense e de história de amor. O escritor tinha que manter o interesse do leitor para fazer com que este tivesse o interesse de saber o que aconteceria no próximo capítulo, para que comprasse a edição seguinte – sensação que 14 muito bem sentimos na pele ao assistirmos a seriados ou a novelas brasileiras, por exemplo. Entre 1839 e 1842, os folhetins-romance são praticamente diários no Jornal do Comércio, no Brasil, traduzidos dia após dia do francês, “introduzindo angústia e suspense com o fatídico 'continua-se'” (Meyer, 1996, p. 283). Inúmeros autores franceses (vários esquecidos, como: Lavergne, Dash, Berthet, Souvestre, cf. Meyer) eram publicados “em fatias” no rodapé do jornal – forma gráfica que permitia o recorte do corpo do jornal. Esses recortes de capítulos que, reunidos, formariam um “livro”: “biblioteca dos pobres, emprestada, trocada, colecionada” (Coco, 1991, p. 20). Mas a publicação mais esperada pelos leitores brasileiros era aquela que chegou somente em 1844, na tradução em língua 15 portuguesa de R. (Justiniano José da Rocha), os Mistérios de Paris, do francês Eugene Sue. Ao lado de Sue, Alexandre Dumas…De Sue também O judeu errante. 13

Segundo José Alcides Ribeiro (1996, p . 25), “romance-folhetim francês era u ma narrativa longa, publicada em parcelas consecutivas nos jo rnais diários, semanais ou quinzenais, e nas revistas editad as periodicamente”. À exposição de Ribeiro acrescentamos a d e Pina M aria Arnoldi Coco (1 991, p. 2 1), ao dizer que “o romance-folhetim é visto como uma p rod ução francesa – “impo rtad a” – e, atrelada ao jornal, como uma confecção anônima, feita em linha de montagem e visando apenas o lucro […]”. 14 As telenovelas da atualidade seguem o mesmo procedimento dos romances do sécu lo X IX , isto é, tentam manter o interesse do espectador ao terminar os capítulos sem que ele saiba o d esfecho d e cada situação. 15 “São dele as versões b rasileiras de Mistérios de Paris, O conde do Monte C risto e muitos outro s, e trabalhava tão rapidamente que o Jorna l do C ommercio conseguia sua publicação quase simultaneamente com o jornal de Paris […]” (Hallewell, 1 985, p. 139).


O Romantismo Tão fulgurante e rápida penetração do folhetim francês sugere a constituição no Brasil, nas décadas de 1840 e de 1850, de um corpo de leitores e ouvintes consumidores de novelas já em número suficiente para influir favoravelmente na vendagem do jornal que as publica e livros que as retomam (MEYER, 1996, p. 292).

Em 1858, segundo Meyer (1995, p. 287), o Jornal do Comércio iniciou a publicação de O horóscopo, de Alexandre Dumas, que se estende até o ano de 1859. Romance Rocambole de Ponson Du Terrail… 16

Assim como os romances franceses, os, hoje, romances brasileiros como A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, e O Guarani, de José de Alencar também foram responsáveis pelas fatias de leituras cotidianas dos leitores brasileiros. Alencar, de fato, começou sua carreira literária publicando Cinco minutos, em capítulos, no Correio Mercantil, em dezembro de 1856; apenas alguns anos mais tarde foram reunidos e publicados em livro por B. L. Garnier. É importante salientar que o romance, enquanto gênero literário, refere-se aos textos narrativos desenvolvidos principalmente a partir do século XIX nas principais cidades européias, influenciado pela ascensão da Burguesia e início da imprensa. Descendente da epopéia, ou poemas sobre as ações heróicas, teria como precursor a obra Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, publicada no início do século XVII. Embora muitos teóricos tenham se dedicado ao tema, não há um consenso sobre como definir o que é o romance. Isso acontece porque nem a extensão nem o modo como a trama é articulada são suficientes para agrupar textos tão variados produzidos nos últimos séculos sob uma mesma denominação. Além disso, discutem-se também quais as perspectivas do romance na contemporaneidade. Apesar de seu fim já ter sido decretado inúmeras vezes desde seu surgimento, ele ainda sobrevive, mesmo em face de uma sociedade virtual. Os escritores românticos trouxeram à tona os valores da sociedade burguesa, seja contra, seja a favor. Como já afirmado acima, valores como pátria, família e religião tiveram grande importância dentro da estética da primeira metade do século XIX.

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Entre os primeiros folhetinistas brasileiros estariam Martins Penna, Gonçalves de Magalhães e os historiadores Varnhagen e Pereira da Silva (cf. Hallewell, 1985, p. 140).


O Romantismo Ao se ocuparem da pátria, os escritores românticos escreveram algumas narrativas que foram classificadas como literatura nacionalista. Através delas, eles ressaltavam as belezas da natureza, as diferenças e especificidades regionais e valorizavam o passado histórico da pátria. No Brasil, a busca de uma origem histórica fixou-se na imagem do índio, tematizado em muitos poemas e romances. Em algumas narrativas ele era idealizado, puro, bom; em outras, o índio era um elemento narrativo, uma personagem, que queria marcar a diferença do Brasil e da Europa. Através de tais protagonistas, os autores queriam mostrar que tínhamos uma identidade própria, distinta da européia e, sobretudo, da portuguesa. Das narrativas, você vai conhecer agora um fragmento de O Guarani de José de Alencar. IV 17 CAÇADA Quando a cavalgada chegou à margem da clareira, ai se passava uma cena curiosa. Em pé, no meio do espaço que formava a grande abóbada de árvores, encostado a um velho tronco decepado pelo raio, via-se um índio na flor da idade. Uma simples túnica de algodão, a que os indígenas chamavam aimará, apertada à cintura por uma faixa de penas escarlates: caía-lhe dos ombros até ao meio da perna, e desenhava o talhe delgado e esbelto como um junco selvagem. [...] Era de alta estatura; tinha as mãos delicadas; a perna ágil e nervosa, ornada com uma axorca de frutos amarelos, apoiava-se sobre um pé pequeno, mas firme no andar e veloz na corrida. Segurava o arco e as flechas com a mão direita calda, e com a esquerda mantinha verticalmente diante de si um longo forcado de pau enegrecido pelo fogo. […] Nesse instante erguia a cabeça e fitava os olhos numa sebe de folhas que se elevava a vinte passos de distancia, e se agitava imperceptivelmente. Ali por entre a folhagem, distinguiam-se as ondulações felinas de um dorso negro, brilhante, marchetado de pardo; às vezes viam-se brilhar na sombra dois raios vítreos e pálidos, que semelhavam os reflexos de alguma cristalização de rocha, ferida pela luz do sol. Era uma onça enorme; de garras apoiadas sobre um grosso ramo de árvore, e pés suspensos no galho superior, encolhia o corpo, preparando o salto gigantesco. […] O índio, sorrindo e indolentemente encostado ao tronco seco, não perdia um só desses movimentos, e esperava o inimigo com a calma e serenidade do homem que contempla uma cena agradável: apenas a fixidade do olhar revelava um pensamento de defesa. 17

Disponível em: <http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-01154.html>. Acesso em: 24 jul. 2011.


O Romantismo Assim, durante um curto instante, a fera e o selvagem mediram-se mutuamente, com os olhos nos olhos um do outro; depois o tigre agachou-se, e ia formar o salto, quando a cavalgata apareceu na entrada da clareira. Então o animal, lançando ao redor um olhar injetado de sangue, eriçou o pêlo, e ficou imóvel no mesmo lugar, hesitando se devia arriscar o ataque. O índio, que ao movimento da onça acurvara ligeiramente os joelhos e apertava o forcado, endireitou-se de novo; sem deixar a sua posição, nem tirar os olhos do animal, viu a banda que parara à sua direita. Estendeu o braço e fez com a mão um gesto de rei, que rei das florestas ele era, intimando aos cavaleiros que continuassem a sua marcha. Como, porém, o italiano, com o arcabuz em face, procurasse fazer a pontaria entre as folhas, o índio bateu com o pé no chão em sinal de impaciência, e exclamou apontando para o tigre, e levando a mão ao peito: —É meu!... meu só! Estas palavras foram ditas em português, com uma pronúncia doce e sonora, mas em tom de energia e resolução. O italiano riu. —Por Deus! Eis um direito original! Não quereis que se ofenda a vossa amiga?... Está bem, dom cacique, continuou, lançando o arcabuz a tiracolo; ela vo-lo agradecerá. Em resposta a esta ameaça, o índio empurrou desdenhosamente com a ponta do pé a clavina que estava atirada ao chão, como para exprimir que, se ele o quisesse, já teria abatido o tigre de um tiro. Os cavaleiros compreenderam o gesto, porque, além da precaução necessária para o caso de algum ataque direto, não fizeram a menor demonstração ofensiva. Tudo isso se passou rapidamente, em um segundo, sem que o índio deixasse um só instante com os olhos o inimigo. A um sinal de Álvaro de Sá, os cavaleiros prosseguiram a sua marcha, e entranharam-se de novo na floresta. Mas a maior herança que o romantismo deixou foi a idealização do par romântico: uma moça graciosa, bonita, meiga, delicada, educada e um rapaz belo, corajoso, forte e puro de alma. Os dois tinham que manter uma relação singela e terna, quase sempre se realizando no casamento final. Se o casal não fazia nada “errado”, segundo a moral burguesa e cristã da época, casariam e seriam felizes para sempre. O romance A Moreninha, escrito por Joaquim Manuel de Macedo, é um bom exemplo desses elementos da prosa romântica. Então, vamos fazer uma síntese das principais idéias da literatura romântica: Liberdade de criação individual; Fuga de modelos;


O Romantismo Individualismo; Intimismo; Subjetivismo; Fantasia, sonho, imaginação; Fuga da realidade; Idealização da realidade; Conflito “eu” e o mundo; Temas como nacionalismo, regionalismo, natureza, indianismo, saudosismo,

amor, religiosidade, morte, pessimismo, tédio. Poderíamos, ainda, falar de Castro Alves que reforçou o sentimento nacionalista a servir de bandeira a causas nobres, como a luta contra a escravidão. Eis um fragmento de um dos seus mais belos poemas, O Navio Negreiro, que poderão ler na íntegra no site de Literatura Brasileira da UFSC. Era um sonho dantesco... O tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho, Em sangue a se banhar, Tinir de ferros...estalar de acoite... Legiões de homens negos como a noite Horrendos a dançar... O movimento romântico se prolongou muito no Brasil, podendo nele ser reconhecido três gerações de poetas e romancistas. Poderemos hoje também dar visibilidade a tantas mulheres que escreveram poesia e prosa no século XIX e foram esquecidas pela historiografia literária brasileira, tão preocupada em ratificar o cânone literário hegemônico e masculino. A leitura renovada de escritores, escritoras e obras do movimento romântico, que pode ser considerado o momento de afirmação de uma literatura nacional e da paisagem literária de nosso século XIX de tantas marcas e de tantos marcos. Ao se entender o movimento romântico e suas manifestações literárias passa-se a ter outras referências e outros paradigmas não mais simplificadores como os que apontamos no início desse tópico: Afinal, o que é ser romântico para você?


Referências BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 46.ed. São Paulo: Cultrix,

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Créditos Curso de Licenciatura em Letras- Português na Modalidade a Distância Diretor da Unidade de Ensino: Felício Wessling Margotti Chefe do Departamento: Izabel Chirstine Seara Coordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Zilma Gesser Nunes Coordenador de Tutoria: Renato Miguel Basso Coordenação Pedagógica: LANTEC/CED Coordenação de Ambiente Virtual: Hiperlab/CCE Equipe de Desenvolvimento de Materiais Laboratório de Novas Tecnologias- LANTEC/CED Coordenação Geral: Andrea Lapa Coordenação Pedagógica: Roseli Zen Cerny Material Hipermídia Supervisão e Design de Hipermídia: Marilisa Bialvo Hoffmann, Francisco Fernandes Soares Neto Conteúdo: Tânia Regina Oliveira Ramos, Gizelle Kaminski Corso Layout e Programação: Marilisa Bialvo Hoffmann


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