depoimento antonio campos

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Antônio Campos

Ele aprendeu Libras aos 11 anos e passou a usa-la em sua batalha por mais qualidade de vida aos surdos O ex-presidente da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), Antônio Campos de Abreu, nasceu em Abaete (MG) com deficiência auditiva e aprendeu a se comunicar através de sinais que ele próprio inventava. Como na cidade não havia recursos para educação de surdos, Abreu foi para escola aos11 anos, quando aprendeu Língua Brasileira de Sinais. A partir de então sua vida mudou, pois passou a comunicar-se com maior desenvoltura e a aprender sobre o mundo que o cercava. Por pensar que a Libras é essencial na vida dos surdos, passou a atuar em instituições que estimulavam seu uso e foi um dos fundadores da Feneis. Hoje, ao lado da esposa , que é surda, e de três filhos, todos ouvintes, observa que sociedade que está melhor preparada para incluir quem possui uma deficiência. Para ele, os surdos já encontram boas escolas e oportunidades no mercado de trabalho. Como foi sua infância em Minas? Eu tinha boa auto-estima e fui uma criança levada, estava sempre brincando na fazenda de seu pai. Sempre tinha muita crianças em casa, pois tenho quatro irmãos e uma irmã. Eu me comunicava pela português, sinalizando as palavras para a família, amigos e vizinhos. Eu inventava os sinais. Como sua família agia em relação a sua deficiência? Eles já conheciam outros surdos e a gente tinha parentes com outras deficiências. Tínhamos um primo com síndrome de Down e outro com deficiência física, por isso já estavam habituados com as diferenças. Meus pais sempre foram tradicionais e linha-dura, mas faziam questão de estimular o diálogo para orientar os filhos. Como foi o início de sua vida escolar? Minha mãe ficou muito preocupada em me arrumar uma escola, pois queria que eu fosse educado, mas tínhamos dificuldade financeira. Meus irmãos, que não são surdos estudaram em escolas do interior, minha irmã estudou em uma escola para surdos de Belo Horizonte. Meu pai não concordava com a escola especializada, queria que ela estudasse na escola normal, como meus irmãos. Quanto a mim, um primo que era deputado financiou uma viagem para eu estudar no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro. Era muito difícil arrumar vaga lá, mas ele me ajudou a conseguir. Minha mãe ficou muito preocupada na primeira vez que me levou na escola, até perceber que eu estava feliz e aprendendo. Comecei a estudar tarde, tinha 11 anos, mas tive apoio psicológico, fazia várias atividades e comecei a treinar a fala. Saí do INES em 1973 e fui para Belo Horizonte, estudar o ensino médio na escola comum, mas estranhei muito. Aquele mundo era muito diferente do que eu estava acostumado. Não tinha intérprete de Libras para mim. Nessa época precisei muito da ajuda de minha irmã, que me ensinava tudo. Depois que terminei o ensino médio, aos 27 anos, comecei a trabalhar como colaborador da Associação de Surdos de Minas Gerais e depois fui trabalhar na Usiminas. Em 2004, voltei a estudar, fazendo supletivo, dessa vez em um projeto inclusivo, com a presença de intérprete. Em 2005, passei no vestibular da Universo, no curso de História, que terminarei esse ano. Na sua cidade havia recursos para educação de crianças surdas? Havia muito desconhecimento sobre a educação especial, o que tornava difícil a presença de surdos na escola, que tinha poucos recursos. Hoje, as cidade do interior têm mais recursos e políticas de educação. Quando passou a estudar no INES o que mudou em sua vida? Aprender ficou mais fácil? Sim, mudou muita coisa no meu comportamento, passei a ter mais conhecimento e informações gerais. Ficou mais fácil trocar idéias e tive contato com muitas pessoas de áreas diferentes. O INES tem serviço de encadernação, marcenaria, costura, tipografia e os alunos aprendiam muitas coisas. O principal foi aprender a língua de sinais, que na época era chamada de linguagem das mãos. Enfim, no INES aprendi


a ser independente. Como você fazia para se comunicar com as pessoas antes de aprender Libras? Minha língua natural já era sinalizada e eu consegui me comunicar bem com a família e pessoas conhecidas da cidade. Você foi um dos fundadores da Feneis. Como foi essa experiência? Minha primeira experiência foi como diretor da Associação dos Surdos de Minas Gerais, onde atuei por 32 anos. Depois fundei a a Federação Mineira Desportiva de Surdos e a Confederação Brasileira de Desportivo dos Surdos, trabalhando como voluntário. Mais tarde me uni a um grupo de surdos para fundar a Federação Nacional das Associações de Surdos. Sempre tive o objetivo de estimular a integração entre surdos e ouvintes, valorizar a cultura do surdo, o uso da Libras e a prática de esportes. Tive a oportunidade de fazer um curso de liderança nos Estados Unidados, na Universidade dos Surdos. E sou membro da Federação Mundial de Surdos. A vitória por tudo que já conquistamos na Feneis não é só minha. Eu sou muito agradecido a comunidade dos surdos. Quais foram suas maiores conquistas na presidência da Feneis? Contribui para que a Feneis fosse estruturada e crescesse. Mas a principal contribuição foi o apoio que demos para a aprovação da Lei de Libras e quando levamos o movimento ao MEC para capacitação de instrutores surdos e professores. Você acredita que nos dias atuais o surdo é melhor recebido pela sociedade? Sim, para alívio nosso a sociedade recebe melhor os surdos, inclusive em universidades. As pessoas já convivem bem com o surdo, respeitam sua identidade e o Governo tem cumprido as leis que dizem respeito à inclusão. Antes, a relação dos surdos com a sociedade era difícil, conflituosa e as pessoas tinham um sentimento de piedade pelo surdo. A criação de leis e decretos que favorecem a inclusão do surdo, a criação do Prolibras também têm contribuído muito. Para você, qual a importância da Libras na vida do surdo? É o principal instrumento de comunicação e de interação com as pessoas. Acho importante salientar que as crianças surdas devem ter acesso à comunicação o quanto antes, para que tenham condições de criar uma identidade na sociedade. Como você avalia o mercado de trabalho para os surdos? As oportunidades de emprego para surdos estão aumentando. A atuação do Ministério Público e Ministério do Trabalho para o cumprimento da Lei de Cotas também tem ajudado muito na abertura de vagas. Isso tudo contribui para mostrar que os surdos são capazes de desenvovler diferentes trabalhos, bastando que tenham oportunidades. Por isso é preciso que as escolas pensem também na formação profissional do surdo e que eles tenham acesso à universidades, pós-graduações para que possam competir no mercado. Fonte:Sentidos


ANTONIO CAMPOS DE ABREU, depois de formado em História, em dezembro de 2007.

Entrevista: 1) Quais os fatos mais marcantes de sua infância, adolescência e juventude? Na minha infância, não percebia nada sobre o que significa ser surdo. Lembro que, na minha infância, eu morava com minha família morava em Abaeté - Minas Gerais. Lá, tinha duas fazendas diferentes: A Fazenda de Malhada, que era de meu pai e a Fazenda Saco Bonito, que era de minha avó. Todas as crianças da minha família e das famílias dos empregados sempre brincavam juntas nos campos. Todos eram levados e faziam muita bagunça nos pátios das fazendas com os animais, como por exemplo, porcos e bezerros. Depois das brincadeiras, sempre íamos nadar no rio. Logo que completei 11 anos de idade, fui transferido para Escola de Surdos, no Rio de Janeiro. Esta escola era o INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos. E foi nesta escola que comecei a aprender a Libras - Língua Brasileira de Sinais, que naquela época era conhecida com Língua de Sinais. Na adolescência, minha vida foi diferente da infância. Nesta época, a convivência com primos e amigos, de minha terra natal, só acontecia férias escolares do INES, quando ia para a fazenda de meu pai. Foi na adolescência que comecei a me comunicar, ao mesmo tempo, com a Comunidade Surda do Rio de Janeiro, através da Libras, e com a Comunidade Ouvinte, de minha terra natal, através de modo natural (gestos espontâneos), principalmente com os adolescentes que freqüentavam minha antiga escola, onde estudavam meus primos e meus amigos de infância. Já na juventude comecei a entrar em contato com os grupos de Associação dos Surdos de Minas Gerais. Nesta época, comecei a conhecer muitos outros grupos de surdos porque viaja sempre com os surdos para todas as festas de aniversário de fundação das associações dos surdos todo Brasil


Esta fotografia registra a infância de ANTONIO CAMPOS DE ABREU. Nela aparecem vários membros da família CAMPOS DE ABREU, representantes de várias gerações, além de empregados e agregados, igualmente acompanhados pelos respectivos familiares, na Fazenda Saco Bonito, em Abaté / MG.

2) O que mais você gostaria de contar sobre a sua vida? Um fato que nunca me esqueço, em minha vida, foi a primeira viagem que fiz ao exterior. Fui aos Estados Unidos da América sozinho. Quando, peguei o avião e já estava voando, fui pensando em como seria essa experiência e quando cheguei lá, achei tudo estranho, diferente naquele país estrangeiro. E, antes minha família, muito preocupada, criticava e duvidava, achando que seria impossível, um surdo não sabendo como se comunicar no idioma inglês etc, viajar sozinho para tão longe. Acho que eles estavam preocupados de verdade, com medo que eu morresse. Eu, de verdade, fiquei apavorado. Por fora, eu parecia estar firme, mas por dentro eu estava muito preocupado, pensativo e com muito medo. Mas, ao mesmo tempo, eu falava pra mim mesmo: Lá não têm nenhum monstro, não tenha medo de nada! Eu ficava pensando como iria me comunicar lá, com as pessoas surdas dos EUA, na Gallaudet University (Universidade de Surdos) e, depois que estava lá, me encontrei com as pessoas e tudo ficou resolvido, etc.. Hoje, eu penso como foi importante, eu ter lutado para estabelecer e para aumentar os contatos com os surdos no Brasil e no exterior. Isso foi muito importante para influenciar positivamente a auto-estima dos surdos. As viagens, o convívio nas associações de surdos, esporte e vida social etc. no passado era muito diferente que na atualidade, quando tudo está mais fácil.


ANTONIO CAMPOS DE ABREU com sua família

3) Qual a importância da família em sua vida? Minha vida família é muito importante para mim. Tenho 3 (três) filhos e, juntamente, com minha esposa, RITA DE CÁSSIA, formamos nossa família. Todos juntos se comunicam sinalizando. Trabalhamos e lutamos para dar educação, orientação e lazer para nossos filhos, que já estão sendo encaminhados, cada qual construindo o próprio futuro e dando andamento à própria vida. E minha mulher, Rita de Cássia, está sempre preocupada com os filhos e com a casa. Temos bom convívio com os demais familiares, mas cuidamos de nossa própria família, sempre lutando e nunca pedido ajuda, mesmo passando por dificuldades, que todos surdos passam. Eu e Rita não aceitamos a palavra difícil. Alguns surdos, porque não escutam, consideram difícil compreender o comportamento dos filhos. Mas, nós conseguimos bem educar nossos filhos porque sempre temos atitudes positivas diante deles. Geralmente, a sociedade questiona se para as pessoas surdas, seria mais fácil educar filhos surdos ou filhos ouvintes. E algumas pessoas já antecipam e dizem que seria melhor "rezarmos" para termos filhos ouvintes. E eu sempre digo que tanto faz ter filhos ouvintes ou filhos surdos, pois o que importa é o respeito, o amor e o carinho dentro da família. E que pais e filhos nunca podem um ter vergonha do outro ou preconceito por causa de ser surdo ou ouvinte.


ANTONIO CAMPOS DE ABREU, no início da adolescência, com professores e alunos no INES Instituto Nacional de Educação de Surdos / RJ 4) Como você seleciona os seus amigos? Meus primeiros amigos, eu os consegui nas escolas onde estudei e depois nas associações onde participei. Sempre que os reencontro me sinto voltando ao passado e recomeçando a amizade. É sempre bom encontrar antigos amigos e fazer novas amizades. É muito bom conversar, compartilhar conhecimentos e trocar idéias, etc.


ANTONIO CAMPOS DE ABREU, já adulto, em seu ambiente de trabalho e logo após a formatura no Curso de Licenciatura em História no ano de 2007 5) Como você se comunica com seus familiares, amigos e público em geral? Eu me comunico sem problemas. Sempre estou disponível para conversar com todos de minha família, com meus amigos e com o público. Mas tem algumas pessoas que fica bem mais fácil comunicar porque estão mais disponíveis para usar sinais e gestos espontâneos na comunicação. Comumente, utilizo duas formas de comunicação: A Libras utilizo na Comunidade Surda e gestos espontâneos, utilizo na Comunidade Ouvinte. E, na minha família uso um pouco de Libras, gestos espontâneos e soletração. 6) O que a Libras (Língua Brasileira de Sinais) significa para você? Pra mim Língua Brasileira de Sinais - Libras é a língua que nós, surdos, temos mais importante para nossa comunicação. Agora, que a Libras foi reconhecida com língua, podemos ter a esperança que um dia possamos usá-la na comunicação com qualquer pessoa, que tenha interesse por aprender e por usar esta língua. Já contamos com a lei ao nosso favor, mas houve época em que a sociedade não achava nada importante a nossa língua (a Libras). E esse reconhecimento legal da Libras está sendo fundamental para os surdos. Assim com já se reconhece a existência de muitos idiomas diferentes, como dos índios, que têm as línguas próprias deles. Os surdos não tinham este mesmo direito, isto é, não tinham o direito de ter sua língua (a Libras) reconhecida como língua. Mas, se hoje já temos esse direito a ter nossa língua respeitada como língua, isso custou muita luta da Comunidade Surda.


Local da solenidade de formatura do Curso de Licenciatura em História. 7) Você está plenamente satisfeito com sua vida profissional? Eu trabalho na Usiminas há mais de 30 anos e, também, por mais de 20 anos presto serviços voluntários na Feneis - Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos e por mais de 34 anos em Associações de Surdos. Sinto muita satisfação por estar lá, trabalhando porque tenho de tudo que preciso para trabalhar e porque gosto de minha profissão e de meus serviços... Só que acabei de me formar, agora, como historiador e fui convidado a trabalhar em um Colégio, na parte da manhã e da tarde. Mas, infelizmente, não estou podendo trabalhar neste Colégio agora, porque não posso deixar o meu emprego na Usiminas. Somente vou me aposentar daqui há uns 3 anos... Gostaria de trabalhar à noite em alguma escola, só que tenho preferência para trabalhar em escolas com alunos surdos porque assim não precisarei ficar acompanhado com intérpretes nas escolas regulares. Mas não sei o que realmente vou fazer daqui pra frente...Vamos ver....


Formandos na solenidade. 8) O que você faz para se divertir ou se distrair? No momento, que já consegui terminar a Faculdade, estou chegando mais cedo em casa. Logo depois, que saio da Usiminas, pego minha bicicleta e vou dar umas voltas. 9) O que você mais gosta de fazer atualmente? Além de andar de bicicleta, de vez em quanto, dou um pulinho nos barzinhos e fico sentado, lendo bons livros sobre cultura geral dos surdos e, também, bebendo um bom choop bem geladinho.... De vez em quanto, fico vendo TV. Gosto de assistir jornais, documentários e etc....Nos fins de semanas, faço caminhada e compras de alimentação para casa. Também, gosto de ir ao clube e de sair com amigos e filhos.


ANTONIO CAMPOS DE ABREU na solenidade de formatura do Curso de Licenciatura em História, em dezembro de 2007, na Universidade Salgado Oliveira (UNIVERSO)

10) O que você mais lhe preocupa no mundo atual? O me preocupa mesmo é ver todos os surdos formados, com empregos fixos de modo a terem vida mais independente e muita outras coisas....não dá pra lembrar de tudo...(risos) 11) Quais são seus planos para o futuro? Pretendo fazer curso de Pós-graduação agora em breve, talvez .... 12) Você é uma pessoa feliz? Por quê? Sempre fui feliz e ainda sou até hoje porque sempre tenho estimulo para lutar e conseguir tudo o que penso....Também, hoje, vejo que tudo está correndo bem de tudo....

Fonte:Editora Arara Azul


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