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Precisamos Falar Sobre Suicídio

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Hospital Nosso Lar

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Nossa maior riqueza é a vida.

O que leva um ser humano a dar fim ao que lhe é (ou deveria ser) mais valioso... sua própria existência?

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Entrevista com Paulo Picanço

por Rita Brito

Psiquiatra, membro titular da Academia Cearense de Medicina e psiquiatra com mais de 50 anos de atuação na área de saúde mental.

O assunto ainda é visto como tabu, mas apenas com o debate aberto em sociedade, é possível desmistificar o assunto e reforçar ações de prevenção.

A gente começa esta reportagem com uma pergunta: - Você conhece alguém que cometeu suicídio? Trata-se de uma medida extrema, em que a pessoa quer acabar com um grande sofrimento e não necessariamente com a própria vida.

Primeiramente é necessário entender o que há em comum entre as pessoas que cometem suicídio. De acordo com o especialista, dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) esclarecem que entre 95 e 98% dos suicídios são praticados por pessoas que passam por transtornos mentais. Apenas cerca de 2 a 4% dos casos envolvem pessoas que nunca tiveram diagnóstico de doença mental.

Ainda segundo Paulo Picanço, são 4 os principais transtornos mentais que levam ao suicídio: a depressão maior, a esquizofrenia, e as dependências em álcool e drogas.

E a quantidade de registros tem sido alarmante, tanto que a situação precisa ser encarada como um problema de saúde pública. Apenas em 2016, pontua o especialista, foram registrados mais de 800 mil suicídios em todo o mundo. Nenhuma classe social escapa ao problema, que atinge principalmente os homens. Eles responderam por 75% dessa triste estatística e as mulheres por 25% dos casos. Os dados também são da OMS.

De acordo com o especialista, cerca de 14% dos pacientes que sofrem com transtornos mentais acabam atentando contra a própria vida. E os registros vêm ocorrendo cada vez mais em pessoas jovens, muitas vezes ainda crianças, ressalta

Picanço. Já em relação aos dados internacionais, os suicídios são registrados, principalmente, entre os adultos jovens, entre 25 e 35 anos.

“Acredito que é porque é na faixa etária em que a pessoa está se inserindo no processo social, independência familiar, financeira, econômica e profissional. E, às vezes, a pessoa não atinge esse nível de realização e entra em um processo de depressão e de fracasso, sentimento de culpa”, afirma o especialista.

Nesse contexto, é muito importante diferenciar o sentimento de tristeza da depressão. “Depressão é a aquele estado em que a pessoa leva mais de 15 dias, 30 dias, em processo de falta de estímulo pela vida, sentimento de desvalia, sentimento de fracasso, de culpa, de falta de perspectiva na vida, desilusão. Sentimento, principalmente, de que a vida não vale mais a pena”, enfatiza Picanço.

Ele explica ainda que, além de ser grave, a depressão é uma doença que tem fundo genético hereditário e fundo biológico neuro-químico. “Na depressão, nós vemos uma deficiência nos mecanismos de serotonina e de dopamina, principalmente. E alterações de noradrenalina, que são os 3 principais neurotransmissores cerebrais que estão presentes nos transtornos mentais”, explica.

Picanço ressalta ainda que existem depressões que são só episódicas. Mas a chamada depressão maior, ou depressão bipolar, é mais severa, devendo o paciente se submeter a tratamento médico e medicamentoso por toda a vida. Em casos assim, cuidar do paciente com remédios, mas sem tratamento psicológico mostra-se insuficiente. O mesmo vale para pacientes com esquizofrenia.

“A esquizofrenia tem também esse fundo hereditário, biológico, neuro-químico. Em que ocorre uma alteração principal da dopamina cerebral. O excesso de dopamina gera excitação, alucinações, delírios. A pessoa sai do contexto da realidade”, explica Paulo Picanço.

Já em relação aos transtornos mentais causados pelo uso de álcool e drogas, o especialista é taxativo: “o que nós sabemos é que, a maioria das pessoas que procura álcool e drogas, procura para se medicar, entre aspas, das suas dificuldades emocionais. Tentando encontrar no álcool a alegria que ele não encontra na vida, o estímulo, as amizades que ele passa a ter em função do álcool. E das drogas também”, conclui.

BUSCAR AJUDA É A MELHOR SAÍDA

Depois que o transtorno mental é percebido, o mais indicado é não esperar uma crise mais grave para buscar ajuda. Mas, infelizmente, não é isso o que acontece. De acordo com Picanço, uma pesquisa americana revelou que, em média, uma pessoa leva dois anos sofrendo com sintomas de doença mental antes de procurar um psiquiatra.

E essa não é a única questão. Muitas vezes, a procura inicial é por médicos como clínicos gerais e neurologistas. Por traz de tudo isso, ainda impera uma forte carga de preconceito. “As pessoas resistem a isso, muitos só vão ao serviço de psiquiatria quando entram em uma crise maior, que a família traz às vezes de forma tempestiva, ou às vezes unidades policias trazem aquela pessoa completamente fora do seu controle”, pontua. Para o especialista, o ideal seria que a população usasse os serviços de assistência preventivamente.

AOS POUCOS, OS AVANÇOS CHEGAM

Apesar do cenário ainda preocupante, o psiquiatra Paulo Picanço faz questão de lembrar os avanços que têm sido obtidos em relação a problemas psicológicos, muitas vezes identificados ainda na infância.

Ele ressalta que hoje já existem serviços de saúde mental que tentam atuar de forma preventiva. Essa preocupação pode ser vista em muitas escolas, que dispõem de setor de psicologia, para onde são encaminhados casos relacionados a déficit de atenção e dificuldade de aprendizagem, por exemplo. Várias indústrias também já incorporaram o profissional de psicologia em seus quadros.

O problema é que, muitas ações necessárias, esbarram na falta de financiamento, como explica o especialista. De acordo com ele, a OMS prevê um gasto diário em saúde de 6 reais por habitante no Brasil. Mas hoje, esse gasto diário só é de 2 reais. A falta de leitos para pacientes com transtornos mentais também preocupa o especialista. De acordo com ele, depois da reforma psiquiátrica, os leitos caíram de cerca de 120 mil para apenas 20 mil. “Deveríamos ter, no Ceará, 1.300 leitos em hospitais gerais ou somando com psiquiátricos. Desses 1.300, só temos em torno de 700 leitos”, afirma.

Os desafios são enormes, mas o trabalho dos profissionais segue em meio à adversidade. Quem sabe, no futuro, quando alguém perguntar a você aquele questionamento que fizemos no início da reportagem, sua resposta seja um belo e aliviado “não”. Assim esperamos.

“O suicídio é o recurso que a pessoa usa pra se livrar do sofrimento, que é grande. Sentimento de desesperança, de fracasso e de culpa. O deprimido, mesmo sem ter culpa, se julga culpado de estar sendo impotente pra ter a felicidade ou alegria que os outros têm. Então ele termina decretando pra ele mesmo a pena de morte, que é a pena que nem existe no Brasil”.

Saiba onde encontrar ajuda em Fortaleza

Centro de Atenção Psicossocial (Caps) São 15 ao todo e integram a rede municipal de atendimento. Endereços estão disponíveis em catalogodeservicos.fortaleza.ce.gov.br/categoria/ saúde/serviço/321

Centro de Valorização da Vida ( CVV) Atendimento voluntário via telefone ou internet. Funciona 24 horas, oferecendo acolhimento emocional gratuitamente pelo número 188. Já o site pode ser acessado pelo seguinte endereço: www.cvv.org.br

Instituto Dimicuida www.institutodimicuida.org.br

Instituto Bia Dote www.institutobiadote.org.br

Projeto 4 Varas www.varas.com.br

Programa de Apoio à Vida ( Pravida /UFC) Projeto de extensão da faculdade de medicina da UFC. Oferece atendimento gratuito, além de promover capacitações e pesquisas sobre suicídio. Mais informações: 984005672.

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