“Epífora Congénita: como resolver os casos difíceis?”
Mesa Redonda realizada em Outubro 2014 na Reunião Conjunta dos Grupos de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo e Oculoplástica e Órbita.
Participantes: Cristina Brito, Guilherme Castela, Paulo Vale, Prada Sanchez e Rui Tavares
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“Epífora Congénita: como resolver os casos difíceis?” Mesa Redonda realizada em Outubro 2014, na Reunião Conjunta dos Grupos de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo e Oculoplástica e Órbita. Participantes: Cristina Brito, Guilherme Castela, Paulo Vale, Prada Sanchez e
Rui Tavares (não foi possível recuperar a contibuição prestrada pela Dra Prada Sanchez).
PV: Como ponto de partida desta discussão, a epífora congénita é uma condição que afeta 6 a 20% dos recém-nascidos e tem uma resolução espontânea com tratamento conservador (massagem, se necessário antibioterapia tópica) em 90% dos casos. A sondagem deve ser realizada por volta dos 12 a 18 meses, caso não haja resolução da epífora, podendo ser realizada mais cedo em caso de a gravidade dos sintomas o justificar (ex: conjuntivites muito frequentes, insistência dos pais). Começaríamos por abordar três situações especiais, que são o mucocelo ou dacriocistocelo, a criança que nos chega tardiamente com uma epífora congénita não resolvida e crianças com alterações dismorfológicas. O dacriocistocelo é uma condição relativamente rara (1% das epíforas congénitas), um saco distendido e estéril, presente aquando do nascimento, com um aspeto azulado, inferior ao canto medial. Resulta da obstrução lacrimal distal e obstrução simultânea da válvula de Rosenmuller, que pode ser uma membrana verdadeira ou apenas uma prega de mucosa obstruindo o saco. O tratamento médico (compressas quentes, massagem, antibioterapia) leva à resolução numa percentagem variável de casos (até 40%), mas há quem preconize o tratamento cirúrgico imediato na 1ª, 2ª semana, dada a frequência com que sobrevêm infeções. Pode estar associado a dacriocelo nasal, que é uma extensão nasal da mucosa lacrimal, responsável pela obstrução das vias aéreas no recém-nascido.
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1. Qual a atitude a ter perante um dacriocistocelo congénito, uma atitude inicial conservadora, ou pelo contrário esta condição tem à partida uma indicação cirúrgica? Pede usualmente TAC para investigar a existência de mucocelo nasal? Utiliza algum outro procedimento além da sondagem? CB: No dacriocistocelo congénito habitualmente peço TAC e colaboração com
ORL. A minha atitude inicial é conservadora – massagem e observação de sinais de dacriocistite. Da minha pouca experiência tenho verificado que é muito frequente a dacriocistite pelo que quase sempre recomendo antibioterapia endovenosa. A sondagem deixo-a para depois de arrefecimento do processo, até porque algumas crianças ficam sem sinais de obstrução após esta terapêutica inicial antibioterapia e massagem. RT: Nos casos de dacriocistocelo opto sempre por realizar estudo de imagem e
sondagem precoce; habitualmente faço-o 1 semana após tratamento médico com antibiótico sistémico e conto sempre com o apoio ORL para endoscopia nasal, pois esta condição cursa com quisto intranasal em 75% dos casos que pode necessitar drenagem e marsupialização.
GC: Nos casos de Dacriocistocelo sem celulite orbitária opto por um tratamento
conservador com massagem e solução salina nasal associada a tratamento antibiótico oral e tópico durante cerca de 1 semana. Se não houver resolução após esse tempo ou em casos de celulite orbitária, opto por realizar um RM para excluir extensão nasal e realizo sondagem precoce sob visualização endoscópica. Em casos de mucocelo nasal peço colaboração da ORL.
PV: Em relação à criança com epífora que chega tarde à consulta, excluídas outras causas de epífora que não a obstrução congénita do ducto nasolacrimal, este
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poderá ser também um caso de resolução mais difícil, numa idade em que já se solucionaram espontaneamente as obstruções simples. Isto apesar de diversos autores (Robb, PEDIG 2007) referirem elevado sucesso da sondagem, independentemente da idade. 2. As questões que se colocam aqui são: até que idade deve a sondagem lacrimal ser considerada como primeiro procedimento numa epífora? e de que forma pode ou deve neste caso ser alterado o procedimento habitual da sondagem? CB: Normalmente começo por tentar sondagem. Com mais de 2 anos ou se a
história sugere maior complicação, normalmente peço observação por ORL. RT: A sondagem como procedimento primário deve ser realizada até aos 2 anos
de idade. Vários estudos apontam para uma maior taxa de falência da sondagem, em crianças mais velhas. Katowitz, o exemplo mais clássico, obteve um sucesso de apenas 33% em crianças com mais de 24 meses. Estudos mais recentes mostram, ao contrário, que poderá ser um procedimento eficaz pelo menos até aos 3 anos. GC: A eficácia da sondagem após os 3 anos de idade baixa para valores próximo dos 50%. Nestas idades as estenoses residuais são mais complexas normalmente associadas a fibrose, estreitamento ósseo distal ou alterações dos cornetos. Mesmo assim e como na minha experiencia tenho alguns doentes com sondagens eficazes até aos 5 anos de idade, realizo sempre como primeiro procedimento até esta idade sondagem sob visualização endoscópica. Em alguns casos posso optar por entubar no mesmo tempo operatório. 3. Em que casos solicita estudo adicional com meios de imagem? CB: Quando a obstrução não se parece relacionar apenas com uma obstrução
lacrimonasal congénita simples, primária.
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RT: Está indicado recorrer a exames de imagem (nomeadamente TC) sempre que
se suspeite de dacriocistocelo. Poderá realizar-se também em casos complexos, em casos de falências repetidas ou dismorfias faciais. GC: Reservo os exames de imagem para os casos de dacriocistocelo, e também em casos de agenesias da via lacrimal muitas vezes associadas a Síndromes Craniofaciais. Nas crianças opto por realizar RM para reduzir a exposição a radiação. Em casos de suspeita de fistula da via lacrimal é importante a realização de uma Dacricistografia para avaliar a sua conexão com a via lacrimal e se a via lacrimal é ou não patente.
PV: Na maioria dos casos, a sondagem resolve a epífora em aproximadamente 90% dos casos, o que deixa grosso modo 1 a 2/1000 crianças que mantêm a epífora. Uma criança que continua a chorar após uma 1ª sondagem pode fazer parte de um subgrupo em que existam alterações mais complexas, nomeadamente obstruções altas, na junção do saco com o ducto nasolacrimal (DNL), obstruções ósseas baixas não membranosas, malformações ósseas, agenesias, etc. 4. Numa criança que mantém epífora após 1ª sondagem, qual o procedimento que adota a seguir? repetição de sondagem, entubação, dilatação com balão? e repetindo a sondagem, em que muda o procedimento no sentido de o tornar mais eficaz? utilização de sondas mais largas? luxação do corneto inferior? endoscopia? CB: Actualmente tendo a não repetir sondagem sem que primeiro seja feita
observação por ORL. Se for uma criança com menos de 3 anos e não houver nada assinalável do foro ORL posso repetir a sondagem ou alternativamente propôr intubação. Quando a faço é com ajuda do ORL. RT: Quando falha a primeira sondagem opto por repetir a mesma, mas desta feita
sempre com controlo endoscópico endonasal. Pode associar-se uma intubação bi
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ou monocanalicular dependendo da facilidade da sondagem e dos achados endoscópicos. Não opto habitualmente pelo recurso a sondas de Bowman de maior calibre pois tal pode danificar o sistema canalicular proximal. Procuro evitar a luxação/fractura da concha inferior na medida do possível pois tal não melhora os resultados e potencialmente poderá causar alterações do fluxo nasal nas crianças. Em casos complexos como o Síndrome de Down ou síndromes craniofaciais opto pela dacrioplastia com balão com apoio endoscópico e sempre associado a intubação prolongada da via lacrimal. Procedo de igual modo nos casos de falência de sondagem com ou sem intubação, particularmente em crianças mais velhas. GC : Se falha uma primeira sondagem prossigo para a intubação ou balão,
excepto nas situações em que a sondagem não foi feita por mim e então repito a sondagem sempre sob visualização endoscópica. A eficácia de uma segunda sondagem baixa bastante. Uma primeira sondagem não eficaz pode resultar em estenoses secundarias cicatriciais ou falsas vias ou podemos estar perante uma estenose mais complexa que não vai ser resolvida por uma nova sondagem. Opto por realizar balão em vez de intubação acima dos 3 anos pois parece estar associado a uma maior eficácia nesta faixa etária. Uso sempre sondas de Bowman de dois ou três zeros. O risco de realizar falsas vias e de danificar os canalículos com sondas de maior calibre é grande. A luxação do corneto inferior é um procedimento que se pode conjugar com qualquer uma das técnicas, permitindo uma melhor visualização do meato inferior durante a endoscopia. Deve ser feita em situações em que a sondagem é eficaz mas não se visualiza fluoresceína no nariz. A fractura é eficaz em situações em que existe um aposicionamento do corneto inferior tornando o meato inferior muito estreito causando oclusão do ostium do canal lacrimonasal.
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PV: Em situações especiais, como em crianças com anomalias craneofaciais ou síndromes genéticos (ex: S. Down), que podem estar associados com alterações do sistema lacrimal, há maior possibilidade de haver alterações mais complexas, nomeadamente ósseas. Os tubos de silicone funcionam como um stent temporário, restaurando a via anatómica nasal, em vez de criar um bypass. São usados desde os anos 70 sob a forma de entubação bicanalicular, enquanto a entubação monocanalicular começou a ser popular apenas a partir dos anos 90. Os tubos podem tratar também anomalias subtis valvulares/ de bomba e dilatam áreas de estenose dentro do sistema (p ex canaliculares)
5. Quer se recorra à intubação como 1º procedimento após falência da sondagem, ou apenas após uma 2ª sondagem sem êxito, qual o tipo de tubos que usa e qual o tempo de permanência? Usa habitualmente endoscopia? Prefere entubação mono ou bicanalicular? Costuma suturar os tubos à mucosa nasal, ou deixa-os soltos? CB: Uso tubo de silicone, tipo Guibor, bicanalicular e ficam soltos na cavidade
nasal. A colocação é sempre com endoscopia nasal efectuada por ORL. RT: A decisão entre intubação mono ou bicanalicular vai depender da idade e
colaboração da criança. O objectivo seria obter o mesmo sucesso sem necessidade de uma segunda ida ao bloco operatório para remoção do stent. Habitualmente disponho de apoio endoscópico e prefiro a intubação bicanalicular. Nos casos em que opto pela intubação monocanalicular utilizo a técnica de Ritleng, sempre pelo canalículo superior e não fixo ao nariz, pois tal diminui a mobilidade do stent com o pestanejo. A intubação permanece sempre mais de 3 meses e não mais de 12 meses. GC: Opto sempre por intubação bicanalicular dado haver um maior risco de extrusão nas intubações monocanaliculares, nomeadamente nas crianças. Coloco sempre a intubação sob visualização endoscópica e não suturo os tubos à mucosa
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nasal. Mantenho a intubação sempre por um período superior a 3 meses e retiroos também com endoscopia verificando a permeabilidade da via lacrimal com fluoresceína. 6. Qual o papel dos novos tubos (Masterka, Nunchaku)? CB: Não tenho experiência
GC: Estes novos sistemas permitem uma intubação sem necessidade de manipulação do nariz. Nas crianças, como uso sempre intubação bicanalicular, penso que a intubação com tubos de Nunchaku pode ser uma opção para quem não tem endoscopia. Por outro lado mesmo que mínima, existe sempre manipulação e risco de lesar a mucosa nasal quando se retira os tubos metálicos ou de silicone do nariz, o que torna este sistema válido. A intubação monocanalicular com Masterka, reservo para pacientes adultos com obstruções da via lacrimal próximal. PV: A dilatação com catéter-balão (dacrioplastia), que em vez de furar a válvula de Hasner, dilata verdadeiramente o DNL, tem sido usada por alguns, nomeadamente nos USA, como 1º procedimento no tratamento da epífora. Outros usam como procedimento em casos especiais (ex: crianças com S. Down), em que a sondagem tem uma taxa maior de insucessos. Uma das vantagens é evitar a utilização de tubos, com os inconvenientes destes (perda precoce, “wiring” dos canalículos, granulomas, necessidade de anestesia para extração); outra é que permitem uma dilatação superior (2 ou 3mm) à obtida por sondagem (à volta de 1mm). 7. Que papel para a dilatação com catéter-balão? Não estando este tratamento, por uma questão de custo, disponível na maioria dos serviços de oftalmologia, quais os casos que potencialmente beneficiam mais com a dacrioplastia? CB: Não tenho experiência
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RT: A meu ver a dacrioplastia com balão tem um papel muito importante nos
casos complexos de síndromes craniofaciais, nos quais deve ser o procedimento de escolha, a par da utilização de intubação e apoio endoscópico endonasal. Também está indicada nos casos de falência de outras técnicas, particularmente em crianças mais velhas. Continua, no entanto, a ter um grande “drawback”: a questão económica. É um dispositivo muito dispendioso. GC: A dacrioplastia com balão tem grandes vantagens, a simplicidade da técnica, permite dilatar uma estenose mais difusa em vez de romper e evita algumas das complicações da intubação, nomeadamente
a necessidade de uma segunda
anestesia para retirar os tubos de silicone. A sua grande desvantagem é o custo, sendo neste momento todo o sistema descartável. Na minha prática clínica uso o balão nos síndromes craniofaciais e em situações em que a sondagem ou a intubação não funcionam acima dos 3 anos, como segundo procedimento. Abaixo dos 3 anos uso a dacrioplastia como terceiro procedimento, após uma sondagem e uma intubação ineficazes. 8. Nesta mesa redonda, há participantes que utilizam por sistema a endoscopia nasal, outros que têm frequentemente a colaboração de ORL e ainda quem não use habitualmente a endoscopia nasal, quer na sondagem, quer na entubação. Quando é que a endoscopia nasal é prescindível e quando é essencial? CB: Acho que é prescindível na sondagem de vias lacrimais, em especial quando
se trata de uma obstrução primária. Essencial: dacriocistocelo/ dacriocistite; suspeita de outras anomalis das vias; falência de intervenções prévias, intubação. Não tenho experiência em DCR, mas penso que também é essencial. RT : Pessoalmente tendo a recorrer à endoscopia nasal em todos os casos, mesmo
em casos de sondagens “simples” na idade adequada (embora admita que tal não é absolutamente necessário). Penso que estará sempre indicada nos casos de falência da primeira sondagem ou em casos a priori potencialmente mais complexos.
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Trabalho em equipa multidisciplinar com ORL numa unidade de patologia da via lacrimal
pelo
que
a
endoscopia
é
habitualmente
realizada
pelo
otorrinolaringologista. GC: Para mim a avaliação do nariz é fundamental. É importante na avaliação
pré, peri e pós-operatória, complementando o exame clínico. Logo, o endoscópio é uma ferramenta importante na avaliação e tratamento da patologia das vias lacrimais. Penso que se pode prescindir da sua utilização numa primeira sondagem desde que se verifique a sua eficácia de outra forma (drenagem de fluoresceína, contacto metal com metal, etc...). Em todas as outras situações eu utilizo o endoscópio. Existem outros sistemas menos completos como o rinoscópio (espéculo nasal com fonte de luz de Xenon) que nos permitem visualizar o nariz em ambiente de consulta, e que eu tenho vindo a utilizar. 9. Por fim, a partir de que idade se pode fazer uma DCR na criança? Qual a sua taxa de sucesso? Que diferenças entre a DCR no adulto e na criança? DCR por via externa ou endoscópica? CB: Não tenho experiência RT : Habitualmente opto pela DCR em crianças mais velhas, com mais de 5 anos.
Antes dessa idade procuro evitar para não causar qualquer perturbação no normal processo de maturação óssea. Ambas as técnicas têm sucesso. A DCR endonasal endoscópica é apelativa pois evita uma cicatriz facial, mas exige material adequado dispendioso e nesta idade a abordagem é mais difícil, as fossas nasais têm pouco espaço e há uma maior proximidade à base do crânio. GC: A idade ideal a partir da qual se realiza DCR em crianças é um tema controverso. Parece não estar indicada antes dos dois anos de idade devido á maturação óssea da face, e a maioria dos autores não realiza antes dos 4-5 anos. Na minha prática clínica opto pela DCR, quando todas as medidas falham e acima dos 4-5 anos de idade. Realizo sempre DCR externa em crianças, com intubação bicanalicular que deixo cerca de 6 semanas. Não tenho experiencia em
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DCR endonasal nas crianças, mas penso que a dimensão reduzida do nariz torna difícil a realização de endoscopia. A eficácia da DCR externa na criança é igual ao adulto, ao contrário da DCR endonasal que parece acompanhar-se de uma eficácia inferior.