Revista FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS www.rudders.com.br
Ano 6 Nº 63 R$ 27,00
Dezembro de 2015
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Ano 6 – Nº 63 – Dezembro de 2015
TRECHO LESTE DO RODOANEL INTERLIGARÁ TODAS AS RODOVIAS QUE CHEGAM À CAPITAL PAULISTA APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DO BIOGÁS PRODUZIDO PELA DEGRADAÇÃO DOS RESÍDUOS PODE GERAR ENERGIA E ABASTECER GASODUTOS
PERFIL – CRISTINA SCHMIDT
PASSOS MARCANTES DE UMA ENGENHEIRA NA GEOTECNIA Cristina Schmidt carrega em seu currículo atividades importantes em sua área de atuação e hoje é uma das profissionais que luta pelo crescimento da engenharia no Brasil
Fotos: Arquivo pessoal
Por Dafne Mazaia
A engenheira civil Cristina Schmidt
pela minha família e por um professor de matemática, prestei vestibulinho e cursei a Escola Técnica Federal de São Paulo, onde se abriu todo um mundo de conhecimentos e possibilidades e onde senti que realmente a engenharia seria a continuidade natural dos meus estudos”, recorda a engenheira. Com um pai engenheiro florestal e um irmão formado em engenharia mecatrônica, a futura engenheira tinha inicialmente seus olhos voltados para os esportes e até chegou a formar-se na Escola Municipal de Bailados de São Paulo em 1997, mas posteriormente deixou que sua essência a levasse para os caminhos da engenharia civil e hoje não se arrepende de sua escolha. “Minha família me apoiou integralmente. De modo geral, meus amigos também, ainda mais porque muitos deles decidiram seguir o mesmo rumo. Por outro lado, sempre gostei muito de esportes e pratiquei ballet clássico desde os 5 anos. Assim, alguns colegas achavam que eu deveria estudar educação física, mas a engenharia falou mais alto. Hoje, vejo que fiz a melhor escolha”, analisa Schmidt.
“Plié”, “Grand Battement” e “En dehors” são expressões comumente ouvidas em um estúdio de ballet clássico. Acostumada com os nomes franceses desde os cinco anos de idade, Cristina Schmidt deixou que suas sapatilhas a guiassem para o universo das ciências exatas. Ainda no ensino fundamental, a bailarina de descendência alemã desenvolveu uma maquete e percebeu que seus passos a estimulavam para o caminho da engenharia civil. Nascida em São Paulo, no início da década de 1970, Cristina Schmidt sempre teve aptidão com os números das disciplinas de física e matemática. Quando estava no sexto ano do ensino fundamental precisou produzir ao lado de colegas de sua turma uma maquete que representava um quarteirão com muitas edificações, sendo esse o primeiro projeto de muitos que viriam pela frente. Incentivada por seus professores e por seus familiares, decidiu ingressar na área. “Depois do ensino fundamental, incentivada
Após concluir o ensino na Escola Técnica Federal de São Paulo, Cristina Schmidt ingressou para o curso de engenharia civil da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), onde formou-se em 1995 com satisfação, como declara a engenheira. “A graduação da Poli é absolutamente incrível, um desafio enorme, muitas alegrias e lágrimas também. Tive alguns professores excepcionais, profissionais comprometidos, competentes, completamente empolgados com a engenharia. Seria até difícil citar alguns nomes, porque foram muitas influências positivas”, revela. Durante a graduação, foi se afeiçoando às matérias de geotecnia e optou por se especializar no segmento, que a atrai pelas incertezas existentes nos materiais naturais. “Gosto de brincar que a geotecnia não é uma ciência exata, porque existe muita incerteza com relação aos materiais naturais (solos e rochas, por exemplo), exigindo capacidade de interpretação e tomada de decisão do engenheiro. Não existe uma solução única para um problema e isso é o que a
VIDA ACADÊMICA E PROFISSIONAL
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Um trabalho de topografia de Cristina Schmidt, no segundo ano da graduação
torna tão interessante”, declara a engenheira. Em seu último ano de faculdade, realizou um estágio no campo de geotecnia na empresa EGT, com a orientação dos engenheiros e professores da Poli, Gerson de Castro e Kalil Skaf. Depois começou a trabalhar na empresa Vecttor Projetos, onde permaneceu por seis anos. Concomitantemente, Schmidt fez seu mestrado na área de solos, na Escola Politécnica da USP, um período enriquecedor para ela. “Considero que essa foi a época de maior desenvolvimento profissional e pessoal, me dedicando ao trabalho e ao mestrado. Sempre havia muitas reuniões e visitas a obras, inclusive no exterior, oportunidades para ampliar o conhecimento técnico e para aprender a me posicionar nas mais diversas situações”, afirma. No ano de 2001, Cristina Schmidt mudou-se para São José dos Campos (SP) e começou a trabalhar na Solofund Engenharia, com o engenheiro Luiz Antonio Pedroso de Morais, época em que ganhou conhecimentos específicos em fundações. “Nesse período atuei na área de projetos de fundações e contenções, principalmente em empreendimentos imobiliários. Adquiri grande experiência no acompanhamento e liberação de fundações, principalmente de tubulões a céu aberto, atividade que me dava muito medo no início, mas que depois se tornou tranquila”, relata. Ela também atuou de forma autônoma em projetos e consultorias logo depois do nascimento de sua primeira filha e, em 2008 foi contratada pela Huesker – empresa em que trabalha até hoje –, grupo fabricante internacional de geossintéticos. Cristina Schmidt lembra que iniciou um novo ciclo neste período. “Como tinha pouca experiência no projeto e aplicação desses produtos, comecei um novo ciclo de aprendizagem, tentando ao mesmo tempo desenvolver um trabalho relevante para a empresa e adquirir conhecimentos rapidamente nessa área. É interessante notar que as empresas para as quais trabalhei operam na área de geotecnia, porém com áreas de atuação totalmente distintas, o que se tornou uma oportunidade de ampliar minhas especialidades cada vez que iniciava em um novo emprego”, analisa 15 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS
Cristina Schmidt ao lado de colegas durante sua formatura, em 1995
A engenheira em obras do trecho leste do Rodoanel de São Paulo
Schmidt entrando em um tubulão a céu aberto, para fazer a inspeção da fundação de um edifício em São José dos Campos, interior de São Paulo, no começo dos anos 2000
A engenheira ao lado de colegas de equipe durante uma costura de geotêxtil tecido para teste de cobertura de lagoa de rejeitos na empresa Fibria, em Jacareí (SP)
Visita às obras dos pátios de estocagem da Companhia Siderúrgica do Atlântico, em 2010, com o engenheiro colombiano Fernando Ruiz
ATIVIDADES REALIZADAS Ao longo de sua carreira, a engenheira participou de diversos trabalhos, inclusive fora do Brasil. Cristina Schmidt analisou a estabilização de taludes em uma estrada na Bolívia, na região de Tarija, experiência que ela considera um marco para sua vida. “A geologia extremamente complexa da região, com suas lutitas expansivas, me mostrou situações ainda desconhecidas. E poder ver pessoalmente o resultado dos estudos 16 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS
Schmidt ao lado do engenheiro José Carlos Vertematti, em teste de aplicação de geotêxtil em lagoa de rejeitos na empresa Fibria, Jacareí (SP)
que fizemos no escritório foi gratificante. Em uma das visitas à obra, presenciei uma enchente do rio local que transformou rapidamente um fio de água em uma torrente de água e blocos de pedra de grandes dimensões, com um barulho ensurdecedor. Nunca tinha visto nada parecido”, relembra. Outro projeto que foi marcante em sua trajetória profissional foi o acompanhamento das fundações em estação – também conhecidas como estacas escavadas de grande diâmetro – dos viadutos de intersecção do Rodoanel com as rodovias Anhanguera e Bandeirantes em (Região Metropolitana de São Paulo). Sua atuação na Huesker também já lhe trouxe momentos profissionais memoráveis. “Na Huesker, a execução das colunas Ringtrac dos pátios de estocagem de minério da Companhia Siderúrgica do Atlântico foi a primeira grande obra com geossintéticos que tive a oportunidade de visitar e uma das maiores do mundo”, pontua. Entretanto, a engenheira já enfrentou alguns sustos durante sua carreira. Em uma obra em São José dos Campos, havia um tubulão a ar comprimido de 18 metros de profundidade, cujo projeto exigia uma determinada cota de apoio. “A Solofund tinha sido contratada para fazer somente a liberação de campo. Quando a construtora nos chamou pela primeira vez para inspecionar o tubulão, a base já tinha sido totalmente aberta em areia e havia grandes locas por trás da camisa metálica, além do desmoronamento parcial da base. Quando cheguei ao fundo da escavação, fiquei apavorada de ver essa situação e morrendo de medo de não conseguir sair do poço”, revela. Ao ver o rompimento, mesmo sob tensão, ela analisou a situação e soube o que fazer. “Como o material rompido já havia sido retirado e o solo de apoio estava adequado, pedi para concretarem imediatamente o tubulão. Fizemos posteriormente algumas injeções para preenchimento dos vazios e instrumentamos a fundação, que mostrou comportamento adequado. Foi um grande susto”, recorda.
PRÓXIMOS MOVIMENTOS Futuramente, pretende realizar um doutorado para se aperfeiçoar mais e ainda voltar a se aproximar de professores e do
Cristina Schmidt no estande da empresa Huesker durante o COBRAMSEG (Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica) em 2014
ambiente acadêmico. “Seria a oportunidade para detalhar um procedimento de análise de estabilidade global de aterros sobre solos moles com a fundação melhorada com colunas de areia ou brita, considerando a concentração de carga nas colunas, com o objetivo de definir o reforço geossintético horizontal adequado na base do aterro, sobre as colunas. Existe pouca bibliografia publicada sobre o tema e acredito que esse estudo possa apresentar resultados interessantes”, assegura. Seu futuro profissional está hoje atrelado à Huesker e continuar auxiliando no desenvolvimento da empresa é um de seus principais focos. “Meu principal objetivo é fazer com que o departamento de engenharia continue crescendo e amplie ainda mais seu campo de atuação. Quando comecei a trabalhar na empresa, não havia um departamento de engenharia formal. O setor técnico-comercial fazia o contato com os clientes e também desenvolvia o cálculo das soluções. Com a minha chegada na Huesker, fui assumindo a missão de dimensionar as propostas técnicas. Hoje, a engenharia conta com quatro profissionais para dar suporte ao departamento técnico-comercial e eu gostaria que essa equipe dobrasse em cinco anos, com outras equipes completas e especialistas nas áreas de geotecnia, pavimentos, hidráulica e ambiental”, conta. Lecionar em cursos e palestras é algo que lhe atrai, mas dar aulas em instituições de ensino ainda é algo a se realizar, devido ao tempo e dedicação que a atividade exige. “Tenho grande prazer em dar palestras e cursos e fico grata por essas atividades fazerem parte do meu cotidiano na empresa. Tenho alguns amigos professores que me convidam a falar sobre geossintéticos para seus alunos e a Huesker sempre está divulgando nossas tecnologias por meio de apresentações em faculdades, empresas e eventos diversos. Gostaria muito de lecionar em um curso formal, mas para isso é necessária muita dedicação e tempo e tenho dúvidas se conseguiria conciliar as aulas com as atividades na empresa e a vida pessoal nesse momento”, argumenta.
REFERÊNCIAS, O PALCO DA GEOTECNIA E O EQUILÍBRIO Entre os nomes que a inspiraram em seu trabalho, Cristina 17 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS
Schmidt cita os professores da Escola Politécnica da USP. “A professora Heloísa Helena me mostrou a geotecnia e com sua simpatia me incentivou a seguir nessa área. Meu orientador Waldemar Hachich não deixou que desistisse do mestrado, quando eu perdi absolutamente todo o trabalho que tinha desenvolvido e tive que recomeçar, e sou muito grata a ele por isso. O Werner Bilfinger é um engenheiro excepcional e me ensinou a conciliar a teoria com a prática, fazendo engenharia com senso crítico, e me ajudou a evoluir rapidamente no início da minha carreira. Guardo também grandes recordações das ‘aulas’ teóricas e de campo do geólogo Mario Motidome”, destaca. Além de seus mentores acadêmicos, a engenheira menciona também seu chefe, na empresa Huesker. “Tenho grande admiração pelo meu chefe, Flávio Montez, pelo seu extenso conhecimento em geossintéticos e, principalmente, pelo seu otimismo e confiança inabaláveis”, enaltece. Mesmo com um cenário repleto de dúvidas, Cristina Schmidt se mantém otimista em relação ao mercado de geotecnia. “Vivemos tempos muito difíceis e de grande incerteza. É triste receber notícias de bons profissionais que estão perdendo o emprego e de empresas que não sabem se sobreviverão ao próximo ano. Por outro lado, o Brasil já passou por outras crises anteriormente e conseguiu superá-las. Nosso país ainda tem uma carência muito grande de infraestrutura, essas necessidades são as mesmas, e acredito ser apenas uma questão de tempo para a retomada das grandes obras tão necessárias”, acredita. Para ela, os profissionais devem manter-se atualizados, para estarem preparados quando a situação retomar o ritmo. “A geotecnia sempre terá papel fundamental nessas obras e os bons profissionais irão sobreviver. Quem tiver oportunidade deve aprofundar seus conhecimentos por meio de cursos de especialização, se preparando para o momento da retomada da engenharia nacional”, aconselha. Casada com um engenheiro e mãe de duas filhas, Cristina Schmidt sente orgulho de sua família. “É engraçado perceber que elas também adoram matemática e talvez uma delas siga para a engenharia. Assim como a maioria das mulheres que trabalha fora, o grande desafio é conciliar a profissão e a vida familiar. Quando as crianças eram pequenas, eu me cobrava muito e era muito difícil deixá-las em casa e ir para o escritório. Quando precisava viajar, morria de tristeza e saudades. Hoje, elas estão mais velhas e a cobrança diminuiu. Já entendem que eu preciso trabalhar não somente pela remuneração, mas também pela minha realização pessoal”, declara. Duas décadas depois de sua formatura, ela olha feliz para onde está hoje. “Considero-me privilegiada por ter frequentado uma ótima universidade e por ter tido a oportunidade de trabalhar com excelentes engenheiros ao longo de toda a minha carreira. Acho que na vida precisamos ter sorte para nos depararmos com as oportunidades, mas também trabalho e competência para mantê-las. A Huesker hoje me dá uma visibilidade que eu não imaginei para minha carreira e que me traz grande satisfação. Olhando para esses 20 anos desde a minha formatura, fico bastante feliz onde consegui chegar”, afirma. Atualmente Schmidt é responsável pelo Departamento de Engenharia da Huesker e também atua como secretária do Núcleo São Paulo da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica).