Feira Livre do Som - Uberlândia, 1972

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PAULEIRA BRAVA EM UBERLÂNDIA

A intenção audaciosa de se reunir 9 grupos musicais em Uberlândia. O transporte de aproximadamente 40 músicos, O Terço, Sá Rodrix e Guarabira, Milton Nascimento, Os Mutantes, Serguei, Ficção 2000, Antônio Carlos e Jocafi, Jorge Ben e Tim Maia. A apatia da população local. A história de mais um concerto louco no Brasil.

A ideia nasceu aqui no Rio de Janeiro. Um concerto em Uberlândia que chamasse a população de pelo menos 10 cidades vizinhas para o maior acontecimento de som a se realizar no Brasil nos últimos tempos.

Por que Uberlândia? Essa pergunta soava como um desafio para os organizadores da Feira Livre deSom. Uberlândiaé uma cidade rica, com muitas Faculdades nas cidades vizinhas, e com uma população local de aproximadamente 120.000 habitantes. Esperava-se um afluxo total, desde Goiânia até Uberaba. A bilheteria, para que não houvesse prejuízo deveria registrar um mínimo de 10.000 tickets de preços que variavam de Cr$ 15,00 a Cr$ 20,00.

DIA 9 DE DEZEMBRO GRANDE FEIRA LIVRE DE SOM. A cidade estava cheia de cartazes impressos pelo Rolling Stone, e quando se ligava o rádio, as chamadas vinham de 5 em 5 minutos. “Estamos esperando os artistas que chegarão no Aeroporto à 1 hora da tarde”, nos intervalos programavam as músicas dos artistas convidados. A impressão que se tinha, era de que a coisa daria certo. O melhor hotel da cidade estava reservado para os artistas. Eu fiquei hospedado como repórter do Rolling Stone, num hotel alternativo, o Hotel Central, cuja diária era pelo menos 3 vezes mais barata que a do Hotel Presidente.

A chegada dos artistas, como estava programada, foi em desfile num carro do Corpo de Bombeiros, com queima de fogos lembrando os tradicionais desfiles alegóricos das cidades do interior. Tudo parecia estar correndo às mil maravilhas,mas eu que observava a coisa de fora, sentia que o clima da cidade, era de uma apatia absoluta ao que estava acontecendo. Quase ninguém nas ruas a não ser alguns freacks, vindos de várias partes do Brasil para assistir ao concerto, como sempre sem nenhum dinheiro. De qualquer forma isto me animava. Estes freacks são pessoas que amam som acima de qualquer lugar para assistir a um concerto de música. São criaturas mágicas de uma beleza selvagem, que fascina e chama a atenção de todo mundo. À tarde quando fomos visitar o Palácio de Esportes, o Arnaldo dos Mutantes fez um comentário de amor a essa gente, aglomerada na porta, recostados em suas mochilas, em grupos, muitos deles com crianças e animais.

Chegou a hora. 9 horas da noite. O clima de tensão entre os organizadores aumentava à medida que se conferia o resultado das bilheterias. Às 10 horas da noite, aproximadamente 3.000 pessoas haviam pago para entrar e não havia mais possibilidade de entrar ninguém, nem de se adiar o concerto.

Daí para frente a coisa aconteceu como tinha de acontecer Milton Nascimento, Antônio Carlos e Jocafi e Jorge Ben, se recusaram a tocar. O Terço faz a abertura do concerto. Um som calmo cheio de boas vibrações, que serviu para modificar tudo o que estava acontecendo. Dali em diante, música e nada mais. Ademir entra em cena, vestido da maneira mais louca, e anuncia: - Ladies and Gentlemans, com vocês os Mutantes!

PAULEIRA BRAVA EM UBERLÂNDIA! 2.000 watts de muito som e muita vibração. A plateia, na sua maior parte composta de público não acostumado com esse tipo de som, escuta entre surpresa e atemorizada o som do rock mais pesado que existe entre nós no momento. Rita Lee, na plateia, como uma Mutante assiste feliz à apresentação de seus ex-companheiros de conjunto. Arnaldo anuncia as músicas em êxtase, consciente daquilo que ele está mostrando. – Rock and Roll, não é só um tipo de música, é mais que isso, é isso que nós estamos mostrando e o que vocês estão sentindo.

E tome pauleira! A segunda música que eles apresentaram foi feita para a Rolling Stone, “uma revista irmã da gente”. Mais dez músicas em duas horas de som pesado enlouquecem quem tinha de ficar louco, e os que gostam de dançar, pulavam e gritavam ao som dos Mutantes. Tudo de tornou mágico como a música dos meninos. Essa apresentação valeu a distância que muitos tinham percorrido para ouvir alguma coisa boa Depois deles, Serguei, apocalíptico, se apresenta, e a sensação é de que naquela noite pelo menos, não haveria nada tão vibrante como os Mutantes. Sá Rodrix e Guarabira tocam as suas músicas e Tim Maia é o último a se apresentar. A apresentação de Tim, foi de graça, por pura vontade de fazer som, e “control yourself” parecia o recado de um profissional que tinha ido ao Concerto acreditando receber o que havia sido contratado. (Cr$ 10.000).

No final, os organizadores choravam os Cr$ 80.000 perdidos em mais uma aventura de som acontecida no Brasil, e a gente pensava da falta de imaginação empresarial em organizar um Concerto tão bom, com tanta gente boa, em Uberlândia.

DROPÉ

Rolling Stone Brasil - Pirata - Nº 34 (Dezembro de 1972)

Transcrito por: Hugo Moreira Neves

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