Qüir Magazine Sample - Entrevista Pedro Dias, proprietário Trumps

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entrevista “Os mais jovens começaram a vir ao Trumps porque é um sítio iniciático”

“Foram os clientes que fizeram

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uando veio ao Trumps pela primeira vez? Fez 25 anos no dia 1 de Abril de 2010. Na altura, curiosamente, trabalhava cá uma figura pública de hoje, o senhor José Castelo Branco. O que eu sei destes 25 anos, como cliente que era, foi que isto começou como uma creperie, daí chamar-se Trumps Bar / Restaurante / Snack-Bar, apenas numa das lojas. Cá em cima funcionava o SnackBar, na parte de baixo era o armazém, a casa de banho e o bengaleiro. Teve imenso sucesso e resolveram fazer um bar para as pessoas esperarem, lá em baixo. Tudo muito amador, de resto, segundo me contaram, até foi a senhora que trabalhava nos bengaleiros que fez os banquinhos, e não era para ser uma discoteca, mas sim um bar para as pessoas esperarem por lugar na creprerie.

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A primeira discoteca gay portuguesa assinala o seu trigésimo aniversário. Pedro Dias, proprietário do estabelecimento, dá-nos a sua visão de uma casa, à qual está ligado quase desde o início, e que nasceu por imperativo e necessidade.

A sua ligação ao espaço reforçou-se mais tarde. Em que circunstâncias? Era amigo quer do Artur, quer da Rosa Maria, e tinha empresas financeiras, uma das quais dedicada à avaliação de empresas. Pediram-me para avaliar o Trumps porque se tinham zangado e queriam vender ou comprar, mas não sabiam quanto valia. Resolvi mandar um técnico e pedi uma avaliação de vendedor, uma de comprador e uma avaliação objectiva. Disse-lhe que não queria saber do assunto, ele fazia as

avaliações e entregava o relatório. Assim o fez, mas como eu era amigo dos dois, começaram a pedir a minha opinião e a insistir muito, até que um dia ofereci um preço louco e, para minha surpresa, a Rosa Maria disse que sim, e o Artur, também para minha surpresa, não quis. Foi assim que fiquei dono do Trumps. O Artur é que geria o espaço, uma vez que eu vivia em Madrid, até ao momento em que foi assassinado, há seis anos. Depois disso, começou a ser gerido por um sobrinho dele. A 30 de Outubro fez 4 anos que comprei tudo.

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A sua ligação ao espaço perfaz, portanto, 15 anos. O que é que mudou desde momento até hoje? Muitas coisas. Começámos a fazer vários tipos de espectáculos com a Wanda Stuart, que esteve cá vários anos e fez espectáculos fabulosos e fomos evoluindo para o que temos hoje. A clientela foi também evoluindo. Antes era um clube que enchia com 200 pessoas, agora tornou-se uma coisa massificada e os próprios espectáculos também passaram de um certo estilo que dizem ser muito característico das casas gay para uma população mais heterogénea, que é a nossa. Hoje temos aqui gays e não gays, lésbicas e não lésbicas, mais novos e mais velhos, brancos e pretos, de esquerda e de direita, ministros e varredores de rua, de tudo. Tentamos adaptar os espectáculos e o ambiente a essa clientela. Temos duas áreas distintas de música, uma de house puro e duro, com DJ de nível internacional e que trabalham em Ibi-

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za, Suíça e até Nova Iorque. Temos outra uma pista de música mais pop, com o Fernando, e também trazemos DJ convidados. Há várias pessoas que têm sido fundamentais nesta mudança dos últimos 15 anos, mas refiro apenas dos últimos 4, que é onde me sinto mais responsável. Desde logo o actual director, Cláudio Pais, o Miguel Matoz, DJ de house e artistas dos mais variados que passaram cá a fazer show. Também o Jorge Carvalho, que está agora no Cirque Du Soleil, o Marco Mercier que é um “doutor engenheiro”, que continua a gostar de ser director artístico do Trumps e que é um homem inteligentíssimo. A Vanessa, a Paula Sá e a Carla Moreno, equipa que nos últimos quatro anos têm feito a casa. De facto, é uma casa simpática, internacionalmente conhecida e digo isto com muita vaidade e conhecimento de causa, porque nos sites podemos ver quem nos vê e nós somos vistos em todo o mundo, 152 países já visitaram o nosso site.

Quais são para si os elementos mais importantes para construir e manter um espaço destes? Na noite, em geral, os proprietários fazem ainda hoje um erro que eu considero crasso, que é darem um poder incrível aos porteiros. Entra na casa quem eles querem. Eu acabei com isso rapidamente. Aqui entra a socie-

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entrevista dade portuguesa, com as excepções que a lei me impõe e que o ambiente que eu quero aqui me impõe. Como vê a evolução do Trumps? A evolução é basicamente na sociedade portuguesa e não sei se foi no sentido positivo, porque há o período crítico da história da Casa Pia. Houve uma alteração na maneira como os gays eram olhados, que se alterou profundamente. Antes desse processo, os níveis de tolerância estavam a aumentar progressivamente e de uma forma rápida. A partir da Casa Pia, os gays, principalmente os mais velhos, passaram todos a ser pedófilos. As pessoas mais velhas deixaram de sair ou passaram a vir ao Trumps, um local seguro onde esse tipo de fobias não existem. Os mais jovens começaram a vir ao Trumps porque é um sítio iniciático. Aliás, os jovens até aprenderem os códigos de identificação da orientação sexual de cada um, nomeadamente da orientação homossexual, vêm para aqui. Quando os conhecem, já se arriscam a ir para outros sítios. Isto é uma espécie de incubadora e não é cara, já que nós não aumentamos os preços há dez anos. Graças a deus agora há sempre fila para entrar no Trumps, às sextas e sábados, e não é que se crie um funil à porta. Aliás, o porteiro sabe que odeio ver fila. A regra é “entrar, entrar, entrar”. Ainda há o sentimento de as pessoas não quererem ser vistas à porta do Trumps? Há, sim. Podia contar histórias muito engraçadas, não necessariamente sobre o Trumps, mas sobre a história do Coming Out. Quer contar-nos uma? Eu tinha uma empresa financeira, de

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“Todos nós temos que ter a preocupação de tratar muito bem os clientes, e acho que é por isso que vêm cá”

“Se fosse um negócio mau já o tinha vendido”

de certeza que o mais novo anda com o mais velho por causa do dinheiro. Mas não é só no mundo homossexual, é também no heterossexual.

gestão de património, e um dos meus clientes era um jovem muito rico, do Porto. E quando vinha a Lisboa, vinha no seu Ferrari. Um dia, quando veio, fomos jantar ao Pap’Açorda, e ele quis ir de carro (ainda se podia entrar lá de carro). Depois, fomos ao Frágil beber um copo. Tínhamos deixado o carro no Pap’Açorda e de seguida viemos ao Trumps. A primeira coisa que ouvi quando cheguei ao Trumps foi: “estamos bem de vida, já damos Ferraris aos meninos”. Isto foi há 25 anos, mas podia ser hoje. Ou seja, há paradigmas e fobias que não mudaram. Um homem mais velho e um homem mais novo,

A forma de estar dentro do Trumps mudou? O Trumps para mim tem dois períodos distintos: os primeiros e os últimos 15 anos. Os primeiros 15 porque não os conheci bem, apenas como cliente. Os outros porque os conheci como dono, como sócio. Dentro destes últimos, há três períodos: até o Artur morrer, a gestão do meu filho e do sobrinho dele, e de há quatro anos para cá. São períodos diferentes, na sociedade portuguesa. Do ponto de vista económico, em que nestes últimos seis anos a crise já estava instalada, e foi quando começou a sentirse o desemprego, e isso sente-se logo aqui, e claro que há diferenças. Essas diferenças resultam de fenómenos internos do Trumps, da sua gestão; e externos, da sociedade, da maneira como encara os gays e do nível económico que a nossa clientela tem.

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Está a falar de consumo, é isso? Estou a falar de atitude. Notámos que, com a história da Casa Pia, a nossa clientela aumentou, ou seja, as pessoas voltaram ao sítio seguro. Claro que prejudicou muita gente, e eu tenho pena que o tenha feito, mas a nós beneficiou-nos. Esse tipo de fenómenos exteriores e os interiores, o tipo de empregados que temos, a maneira como se tratam os clientes, a filosofia do relações públicas - a começar em mim e a acabar na menina das casas de banho, somos todos preparados para desempenhar essa função -, isso conta muito. Todos nós temos que ter a preocupação de tratar muito bem os clientes, e acho que é por isso que vêm cá. Como encara a abertura de novas casas? Tudo o que abrir no Bairro Alto e no Príncipe Real é bom. O Trumps já chegou a ter influência no Bric e em mais bares da zona. Tudo isso foi acabando com a morte do Artur, porque eu não tinha nem tempo nem paciência

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e ele é que tratava dessas coisas. O Bric, a partir do momento em que nós saímos começou a cair, o que nos preocupou imenso... E agora está de regresso, e ainda bem. Desejo-lhe o melhor sucesso, porque o que é bom para ele é bom para mim. O mau é se as pessoas saírem desta zona. Abriram agora dois bares de ‘Bears’, óptimo, trouxeram mais gente. Não tenho a mesma atitude em relação a bares e discotecas gays que abram noutras zonas, isso já são concorrência e já me tiram os clientes desta área. E os clientes deste tipo de casas tendem a circular muito. Alguma vez sentiu a necessidade de crescer, aumentando o espaço? Todos os fins-de-semana sinto essa necessidade. A primeira coisa que fiz depois de ter comprado a quota do Trumps foi tentar comprar o prédio. Não consegui, até hoje. Se pudesse, comprava na hora. Se o prédio do lado estivesse à venda, e eu fosse dono deste, comprava na hora. A coi-

sa que mais odeio é ver filas, e a coisa que mais odeio é chegar a uma certa altura da manhã e dizer acabou, não há mais. Não me apetece ver isto demasiado cheio, ter pessoas à porta, à espera, e muito menos mandar pessoas embora. As pessoas chegam pela primeira vez ao Trumps cada vez mais novos? É essa a tendência e o público-alvo? Tem tudo a ver com o tipo de música. Quando nós dedicámos uma pista à Beyonce ou à Shakira, claro que vem a malta jovem. Se vierem aqui a um sábado vêm as duas pistas completamente cheias. A média etária da pista house é 30, a da pista Pop é 20. Há alguns jovens na pista house, porque é a única onde se fuma. Quando isto foi feito, há 15 anos, o que é hoje a pista pequena de música pop era uma sala de estar. Tinha um bilhar, sofás e música ambiente. Era um sítio onde as pessoas queriam repousar do ambiente frenético da pista grande. Era onde as pessoas

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entrevista Qual é balanço que faz destas três décadas de casa? Positivo. Muito. Se fosse um negócio mau já o tinha vendido. Tive propostas de compra do Brasil e de Espanha. Há umas semanas fizeram-me uma oferta que a maior parte das pessoas tinha aceite. Nunca quis vender isto. E para o futuro? Tenho dois filhos, um excelente director, uma sócia – que é a mãe deles –

começavam a noite. Depois, às 2 da manhã, começavam as hostilidades na pista grande. Mais uma vez foram os clientes que fizeram a casa. Da mesma maneira que foram os clientes que tornaram o bar de espera do snack-bar em discoteca, foram os clientes que transformaram a sala de estar do Trumps em discoteca. Foi a procura que levou à oferta, que é como todos os negócios devem ser. Agora é a procura que cria a oferta. Às vezes fala-se de droga, que se acabasse a oferta acabava a procura. Mentira. Agora que se instalou, e mesmo antes de se instalar. Só existe porque há procura. Logo que deixar de haver procura, deixa de haver oferta. E já detectaram, alguma vez, o consumo de drogas neste espaço? Se apanhamos aqui alguém a transaccionar droga é posto na rua. E atenção que temos aqui três tipo de pessoas a olhar a isso. Temos três clientes fantasma – que nem o director sabe quem são, só eu é que sei – e

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que têm ordens para se verem livres das criaturas que encontrem a traficar. E não me pergunte qual é porque eu não sei. Além disso, sabendo que a Polícia Judiciária tem uma presença aqui constante, ou imaginamos que tenha, também é fortemente dissuasora. E também temos PSP à porta, paga por nós. Em relação ao consume… we don’t ask, we don’t tell, you don’t tell, I don’t ask. Se são apanhados, são postos na rua. A noite tem sempre droga. Não estou a dizer que o Trumps é uma zona livre de droga, é um disparate dizer isso. E também não estou a dizer que sejamos capazes de controlar todo o tráfico. Agora, que está fortemente limitado, está. E histórias curiosas, recorda-se de alguma? Uma vez veio cá um ministro – cuja identidade não vou revelar – justamente no dia em que estava cá uma televisão espanhola. Eu não sabia onde me havia de meter e embora tivesse avisado a televisão para não

“Faz parte da filosofia da casa mudar. A única coisa que é permanente é a parede dourada”

filmar. Passei a noite toda numa ânsia louca atrás do operador. Se ele filmasse, destruía-lhe a câmara, pode ter a certeza. Isso foi uma história recentíssima. Outra história recente foi um dia em que, por acaso, tinha cá a minha família toda: filhos, noras, genros, ex-mulheres, que são duas. Foi uma festa lindíssima, uma estreia de um espectáculo. Estas duas marcaram-me porque me preocuparam muito, se não iam dar uma grande caldeirada. Porque não eram só ex-mulheres e filhos, e noras e genros, eram muitos ‘ex’. Foi uma grande misturada, estava cá muita gente, gente a mais. Mas correu tudo bem.

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e, portanto, se eu resolver retirar-me ou se tiver uma “macacoa”, como já tive, aqui há uns anos, tenho os meus filhos, e eles farão disto o que quiserem, não tenho esse problema. Quer revelar alguns detalhes do aniversário? Já há muita coisa planeada? Já há imensas coisas... Vai ser uma grande, grande festa. E não lhe vou dar mais pormenores.

Qual foi o dia mais complicado no Trumps? O dia mais complicado de todos foi o dia em que falhou a electricidade. Houve uma sobrecarga em Lisboa e houve um blackout aqui na zona. Dois, três minutos estava toda a gente na rua, mas foram os minutos mais longos da minha vida, porque eu tenho aqui duas grandes preocupações: a segurança dos meus clientes e a higiene e conforto, depois é que vem o resto. E eu entrei em pânico, porque tinha a casa cheia. Correu tudo bem, mas foi um grande susto. Já alguma vez pensou em fazer a deslocalização do T dentro da zona? Já. Recentemente perdi um negócio de um palacete em frente a São Pedro de Alcântara. Estou constantemente à procura de um espaço maior. Faz parte da filosofia da casa mudar. A única coisa que é permanente é a parede dourada, faz parte do feng shui da casa.

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