inventario do cotidiano

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Universidade de São Paulo Centro Universitário Maria Antonia Curso de Especialização em Design Gráfico Design e Humanidade 2008/2009

Andrea Vanessa Borges Oliveira

Inventário do cotidiano.

Memória, design e cultura material.

Trabalho final apresentado ao Centro Universitário Maria Antônia da Universidade de São Paulo para obtenção de título de especialista em Design Gráfico. O trabalho final compõem-se do presente texto e imagens fotográficas dos objetos suporte dos experimentos gráficos.

Orientadores: Maria Argentina Bibas Minoru Naruto

São Paulo Setembro de 2009



A minha mãe, que ao contar as estórias de nossa família sempre foi minha fonte de inspiração. Ao Renato que sempre me apoiou e me deu incentivo em todos os momentos. A minha família, que mesmo longe sempre esteve comigo. Aos meus orientadores, Tina e Minoru. A todos do sebo Presentes do Passado. E a todos os amigos queridos que participaram do projeto: Adriano, Alessandra, Anna Karina, Anderson, Clarissa, Daniel, Debora, Katia, Laura, Marco, Mariana, Kiko, Raphael, Reinaldo, Silvia, Suiane.



Quem conhece o solo e o subsolo da vida, sabe muito bem que um trecho de muro, um banco, um tapete, um guarda-chuva, são ricos de idéias ou de sentimentos, quando nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as coisas compõem um dos mais interessantes fenômenos da terra.”

Machado de Assis, Quincas Borba, capítulo 142



Esse projeto pretende abordar a produção e o consumo de objetos de uso cotidiano sob o ponto de vista de nossas relações afetivas — através da memória e da narrativa literária — com esses mesmos objetos. Tem como objetivo ser uma pequena reflexão sobre nossos fetiches com relação a mercadoria e as formas com que podem ser manipulados em nosso sistema de produção e consumo atual.



07 Introdução 11

Nossos objetos mais íntimos são objetos de massa.

15

O nível da velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento.

27

Na coleção a prosa cotidiana dos objetos se torna poesia.

33

Aura é esse sentimento de que nós olhamos o objeto e que ele nos devolve o olhar.

37

O desejo do homem é o desejo do outro.

45

Item 679366

56

Item 159352

68

Item 148041

80

Item 047920

92

Item 945729

104 Item 540608 116 Item 340500 128 Item 129848 140 Item 249379 152 Item 211273 164 Item 992657 176 Item 008312 188 Item 991432 200 Item 192535

Índice

212 Item 372112 224 Item 010060 236 Item 020634 248 Item 000000 260 Seus produtos não eram apenas ‘coisas’, mas ‘práticas sociais, símbolos e preferências’. 264 Citações 267 Bibliografia



nossos objetos mais íntimos são objetos de massa.

Excerto extraído da aula do professor Alexandre Carrasco


Onde começa a fetichização de nossos objetos de uso cotidiano? Podemos afirmar que começa na concepção desses objetos, em seu projeto inicial de design, tendo seu ápice em sua comercialização, e terminando quando nós, enquanto consumidores, assumimos o papel de depositários desses artefatos? Ou, talvez que ela possa ter um início quando começamos a revestir de outros significados qualquer coisa à nossa volta, onde nossos olhos possam encontrar o desejo de dar alguma alma a objetos inanimados? O fato é que nosso sistema de produção se utiliza muito bem do fetiche para incrementar ainda mais o consumo desses artefatos. Neste processo de despertar desejos realizado pelo mercado cria-se uma abundante coleção de mercadorias, cada vez mais descartáveis, gerando consumidores que estão sempre em uma busca impulsiva pela novidade, mesmo que esta seja apenas uma fantasia do “novo”. Esse universo fantasmagórico produz cada vez mais consumidores alienados

Fetichismo é o ato de investir os objetos de significados que não lhes são inerentes. É a ação respectivamente espiritual, ideológica e psíquica de acrescentar valor simbólico à mera existência concreta de artefatos materiais: ou seja, de dar uma outra vida, estranha, as coisas.2 Uma relação social definida, estabelecida entre homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. (...) É o que acontece com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias. Chamo a isto de fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias.3 A produção não cria somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto.4 O quê, para quê e com que consequências se produz, no fundo não interessa, nem ao vendedor da mercadoria força-de-trabalho nem ao comprador.5 (...) mal-estar contemporâneo que se expressa em um sentimento de monotonia ou “tédio crônico”, monotonia que conduz a um desinvestimento em valores.6


Tudo está agora sempre a ser permanentemente desmontado, mas sem perspectiva de nenhuma permanência.Tudo é temporário.7

O novo valor atribuído ao transitório, ao fugidio e ao efêmero, a própria celebração do dinamismo, revela um anseio por um presente estável, imaculado e não corrompido.8

Entre as maneiras com que o consumidor enfrenta a insatisfação, a principal é descartar os objetos que a causam. A sociedade de consumidores desvaloriza a durabilidade, igualando “velho” a “defasado”, impróprio para continuar sendo utilizado e destinado à lata de lixo.9

(...) com a produção que visa tão somente o mercado, dá-se a queda do tempo qualitativo em tempo quantificado, tempo que é reificação da duração, pois esta se encontra plasmada no presente - o que resulta na perda da qualidade dialética do vivido, vivido que se tecia de lembrança e esquecimento. E onde não há tempo, tampouco pode haver recordação nem redenção.10

e eternamente insatisfeitos, angustiados, procurando sempre aquilo que poderá preencher o vazio deixado pela perda da idéia de valores permanentes. O senso de perda, de vazio, dessa forma de produção alienada provoca um “sentir-se estranho no mundo, o sentimento de não pertencimento, o de ser supérfluo”1, tanto para quem projeta quanto para quem consome esses artefatos. Essa fluidez de nossa sociedade nos deixa em estado de constante impermanência, tanto nas relações humanas quanto nas relações com nossos objetos do dia-a-dia. Tudo pode ser substituído por um modelo novo, projetado para ser desejado por muitos, senso comum na cadeia de consumo que em pouco tempo será descartado e terá outra novidade em seu lugar. O ritmo veloz das mudanças na contemporaneidade não permite que consigamos nos fixar a nada, e desse modo como vamos conseguir reter na memória nossos novos hábitos, costumes e artefatos? Como determinar o que vale ou não a pena ser lembrado? E até que ponto nós precisamos dessas lembranças?



o nĂ­vel da velocidade ĂŠ diretamente proporcional Ă intensidade do esquecimento.

Milan Kundera, em: Vida para o consumo, p. 109


Se tudo é temporário, inconstante e tedioso, então nossa busca pelo novo tornou-se frenética. Produzimos, consumimos, e descartamos muito. Mas, até que ponto conseguiremos continuar nesse frenesi do “CHEGOU. NOVO. EXPERIMENTE.” amplamente propagado em nossos centros de consumo e que gera cada vez mais descarte de objetos materiais e a sensação de incompletude pra quem os adquire? E que fim leva todo esse universo de coisas que produzimos, consumimos e com os quais nos relacionamos cotidianamente? Será que chegamos a nutrir por eles algum tipo de afeto, além de usufruir de suas características funcionais? De que forma nos livramos do convívio diário com nossos descartados e ultrapassados aparelhos de celular, nossas xícaras, nossos televisores, nossos ipod’s? Os objetos não morrem. Muito mais do que simplesmente serem descartados como lixo — nos deixando a falsa idéia de que desapareceram — eles sobrevivem empilhados, inventariados e muitas vezes esquecidos em depósitos de mercadorias usadas.

Não é tanto pelas coisas que a cada dia são manufaturadas, vendidas e compradas que se pode avaliar a opulência de Leonia, mas sim pelas coisas que a cada dia são jogadas fora a fim de abrir espaço para as novas. E assim você começa a imaginar se a verdadeira paixão de Leonia é realmente, como eles dizem, o desfrute de coisas novas e diferentes, e não, o praer de expelir, descartar, limpar-se da impureza recorrente.12

A nossa enorme economia produtiva exige que façamos do consumo a nossa forma de vida, que tornemos a compra e uso de bens em rituais, que procuremos a nossa satisfação espiritual, a satisfação de nosso ego no consumo. Precisamos que as coisas sejam consumidas, destruídas, substituídas e descartadas a um ritmo cada vez maior.13

A instabilidade dos desejos e a insaciabilidade das necessidades, assim como a resultante tendência ao consumo instantâneo e à remoção, também instantânea, de seus objetos, harmonizam-se bem com a nova liquidez do ambiente em que as atividades existenciais foram inscritas e tendem a ser conduzidas no futuro previsível.14


Os pesadelos que assombram o Homo consumens são coisas, animadas ou inanimadas, ou as sombras delas — que ameaçam ficar por mais tempo do que deveriam, espalhando-se pelo palco de forma desordenada.15

A vitrine mostra, expõe, liga o interior e o exterior, mas ao mesmo tempo, devolve a imagem, reflete: “não como um espelho mas como só o vidro sabe refletir, isto é, provocando uma superposição de imagens.Tudo se passa (...) no registro óptico”.16

Antropomórficos, estes deuses domésticos, que são os objetos, se fazem, encarnando no espaço os laços afetivos da permanência do grupo, docemente imortais até que uma geração moderna os afaste ou os disperse ou às vezes os reinstaure em uma atualidade nostálgica de velhos objetos.17

A visão de transitoriedade das coisas e a preocupação em salvá-las para a eternidade estão entre os temas mais fortes da alegoria (barroca) (...). A alegoria se instala mais duravelmente onde o efêmero e o eterno coexistem mais intimamente.18

Enquanto permanecem nesses locais seu valor-de-troca é baixo, já que de um modo geral não contam com o poder de exposição e sedução das vitrines. Ficam largados, amontoados, sujos e sem função, até que alguém os resgate e os tragam de volta à nossa convivência. Os frequentadores desses espaços, muitas vezes buscam nesses pedaços materiais do cotidiano, o gatilho para resgatar e reviver lembranças de épocas nem sempre tão remotas. Despertamos emoções e anseios, muitas vezes fazendo uso da memória afetiva que temos com experiências de outras épocas, outros objetos e outros costumes. Mas será que hoje, com a velocidade com que os substituímos, podemos dizer que nossos objetos são “tempo embalado para lembrança11”?


Chris Jordan, Running the Numbers, 2006-200819


Sebo Jovem Guarda, agosto de 200920


Sebo Jovem Guarda, agosto de 200920


Sebo Jovem Guarda, agosto de 200920


Sebo Jovem Guarda, agosto de 200920


Sebo Jovem Guarda, agosto de 200920


Sebo Jovem Guarda, agosto de 200920


Sebo Jovem Guarda, agosto de 200920



na coleção a prosa cotidiana dos objetos se torna poesia.

Jean Baudrillard, O sistema dos objetos, p. 95


As lembranças que esses objetos descartados ativam podem ter sido vivenciadas ou não pelos usuários que as consomem, já que a apropriação da estética e formas do passado pelos objetos contemporâneos é um dos fenômenos que temos vivenciado com muita frequência em nosso sistema de produção e consumo. MP3 players com capas no formato de fita cassete, eletrodomésticos e móveis com design inspirado nos anos 50, são alguns dos exemplos desse apelo ao retrô. As experiências de satisfação com esses artefatos antigos nos deixam traços na memória, que se forem agradáveis, sempre que possível queremos repetir, seja em objetos originais ou resignificados. No momento em que são recuperadas desses depósitos, e que ganham novos significados com o apelo da estética retrô, essas mercadorias passam a ter alto valor-de-troca, deixam de ser resíduo e se transformam em objetos de coleção e desejo.

...produtos ganham valor simbólico quando associados a memórias do passado. Objetos que contêm e suprem a lembrança de memória afetiva, têm o poder de “prender” e “soltar” as memórias que as pessoas neles investem: memórias de uma época, de uma pessoa querida, ou de um momento importante. no mais, produtos que lembram pessoas sobre o passado, contribuem para definir e manter o senso de identidade delas.23

A coleção emerge para a cultura: visa objetos diferenciados que têm frequentemente valor-de-troca, que são também “objetos” de conservação, de comércio, de ritual social, de exibição,— talvez mesmo fonte de benefícios. Estes objetos são acompanhados de projetos. Sem cessar de se remeterem uns aos outros, incluem neste jogo uma exterioridade social de relações humanas.24

Para o colecionador, o mundo está presente e, de fato ordenado em cada um de seus objetos. Ordenado, sem dúvida, segundo uma configuração surpreendente e, de fato, ininteligível para o profano. Este último é o ordenamento e a esquematização das coisas comumente aceitos mais ou menos como a ordem em um glossário fraseológico é natural.Tudo isto, os dados objetivos tudo o demais, se converte, para o colecionador autêntico (...) em uma enciclopédia mágica, em um ordenamento do mundo cujo esboço é o destino de seu objeto. 25


(...) tal objeto jamais se opõe à multiplicação do mesmo processo de projeção narcisista em um número indefinido de objetos, ele ao contrário a impõe, consentindo por este meio em um envolvimento total, em uma totalização de imagens de si, que vem a ser exatamente o milagre da coleção. Pois colecionamos sempre a nós mesmos.26

Aqui temos um homem – ele tem de recolher na capital o lixo do dia que passou.Tudo o que a cidade grande jogou fora, tudo o que ela perdeu, tudo o que desprezou, tudo o que destruiu, é reunido e registrado por ele. Compila os anais da devassidão, o cafarnaum da escória; separa as coisas, faz uma seleção inteligente; procede como um avarento com seu tesouro e se detém no entulho que, entre as maxilas da deusa indústria, vai adotar a forma de objetos úteis ou agradáveis.27

Esses objetos não têm definição rígida de tempo, são mais flexíveis, perâmbulam por nosso imaginário passado e atual. Segundo Baudrillard, “o profundo poder dos objetos colecionados não lhes vem com efeito nem de sua singularidade nem de sua historicidade diversa, não é por este meio que o tempo da coleção deixa de ser o tempo real, é pelo fato de a própria organização da coleção substituir o tempo”21. Quando colecionamos objetos os separamos de suas funções originárias, deixando de lado seu valor utilitário, e os juntamos a outros em uma nova classificação que gera novas correspondências entre eles. Esse reordenamento das coisas traz, à sua maneira, os “objetos coletados à própria sociedade que os descartou”22, e acaba gerando novos significados aos mesmos, seja qual for seu projeto. Essa ação, seja sob a forma de intervenção artística ou de consumo, consegue restituir “a aura perdida dos mesmos objetos recolhidos, uma vez que em uma nova ordenação os objetos trazem consigo resíduos de sua origem”22?



Waste Not, instalação de Song Dong no MOMA, junho de 200928



aura é esse sentimento de que nós olhamos o objeto e que ele nos devolve o olhar. Olgária Matos, fragmento extraído do vídeo Paisagens Urbanas


E o que procuramos nesse olhar; reciprocidade, identificação? Se buscamos nesses objetos resquícios de nós mesmos, que tragam um pouco do nosso passado, não teríamos que conviver com eles por um tempo maior para que essas memórias, vivências, fiquem gravadas em suas imagens? O sonho de consumo de nosso sistema capitalista, não nos permite desacelerar, olhar com profundidade as marcas que só o tempo e a vivência podem deixar em nossos objetos. Vivemos rodeados dessas “extensões evidentes de nós mesmos”, mas será que hoje com nossa inconstância, elas continuam sendo “testemunhas de nossas ações e acontecimentos”30?

O que é aura? É a figura singular, composta de elementos temporais e espaciais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho.31

A “escalada da insignificância” resulta em uma lógica do desengajamento em relação a um mundo compartilhado e com respeito também a si mesmo, com a dificuldade de criação de laços duradouros, com a obsolescência de valores como respeito, solidariedade, responsabilidade e fidelidade. O eu procura eliminar todos os laços e sentimentos, reduzidos, agora, a valor de troca, e o mercado conduz ao consumo permanente, induzindo à pressa, constrangendo à rapidez e à aceleração, acentuando a superficialidade nos vínculos (na medida em que os sentimentos exigem a duração para desenvolveremse), produzindo a “pobreza interior”.34


O espetáculo cria um presente eterno em que a repetição contínua das mesmas pseudonovidades faz desaparecer toda memória histórica (...) a fim de que nenhum acontecimento possa mais ser compreendido em suas causas e em suas consequências (...) Disso resulta a dissolução de toda lógica, não só da lógica dialética, mas simplesmente da lógica formal (...). O próprio passado pode ser remodelado impunemente, assim como a imagem pública de uma pessoa (...). Como ainda seria possível haver cidadãos?33

A experiência da aura repousa portanto na transferência de uma forma de reação normal na sociedade humana para a relação do inanimado e da natureza com o homem. Quem é olhado ou se julga olhado levanta os olhos. Perceber a aura de uma coisa significa dotá-la da capacidade de olhar.32

Esse processo de mitificação do novo e das novidades, acabou por empobrecer nossas relações de afeto e desejo com os objetos, tanto os contemporâneos quanto os descartados. Se nosso tempo com estes artefatos é curto demais para que possamos atribuir ‘aura’ a eles, poderíamos dizer que o mercado está ocupando esse papel em nosso lugar? Continuamos atribuindo outros valores — ALMA/AURA — ao que consumimos, ou deixamos que cada vez mais terceiros os atribuam por nós?



o desejo do homem ĂŠ o desejo do outro.

Excerto extraĂ­do da aula do professor Vladmir Safatle


E que outro é esse que deseja por mim? Em um primeiro momento esse ‘outro’ foi o escritor Machado de Assis, por meio de uma reflexão sobre a nossa relação com as coisas do dia-a-dia em um trecho do livro Quincas Borba: Quem conhece o solo e o subsolo da vida, sabe muito bem que um trecho de muro, um banco, um tapete, um guarda-chuva, são ricos de idéias ou de sentimentos, quando nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as coisas compõem um dos mais interessantes fenômenos da terra. A partir da leitura desse excerto idealizei o projeto Inventário do Cotidiano, com o propósito de re-significar objetos cotidianos através da narrativa literária. Em uma segunda etapa, diferentes escritores assumem o papel do ‘outro”, com trechos de texto nos quais inseriram as relações e interpretações desses objetos. A pesquisa dos textos e objetos a ganharem novos significados teve como fio condutor a busca por ítens que tivessem adquirido — seja na forma, ou no conceito — uma permanência maior em nosso universo de consumo.

Antropomórficos, estes deuses domésticos, que são os objetos, se fazem, encarnando no espaço os laços afetivos da permanência do grupo, docemente imortais até que uma geração moderna os afaste ou os disperse ou às vezes os reinstaure em uma atualidade nostálgica de velhos objetos. Como frequentemente os deuses, os móveis também têm às vezes oportunidade a uma existência segunda, passando do uso ingênuo ao barroco cultural.35

Noé converteu o ato de inventariar todas as criaturas da terra em um antídoto contra a destrutividade do tempo e da morte.36

Quando eu subir, os céus se abrirão e vai começar a contagem do mundo (...) vou me apresentar.37

...é uma tentativa de fazer com que material inanimado expresse sentimentos e pensamentos humanos (...), não apenas de projetar a inteligência no material como também de se valer do material para pensar.38


Uma coisa branca, eis o meu desejo.39

O branco ainda domina amplamente no setor “orgânico”. Banheiros, cozinhas lençóis, roupas íntimas, tudo o que pertence ao prolongamento imediato do corpo é consagrado há várias gerações ao branco, esta cor cirúrgica, virginal, que opera o corpo de sua perigosa intimidade consigo mesmo e encobre os impulsos.40

Os objetos que cercam meu corpo refletem a ação possível de meu corpo sobre eles.41

Depois dessa seleção, os ítens inventariados foram adquiridos em um sebo de objetos usados, e pintados de branco na tentativa de minimizar a presença de qualquer vestígio do seu uso anterior. Em uma terceira etapa, 16 pessoas foram escolhidas para se apropriarem desses fragmentos literários e interagirem com os 18 objetos selecionados. Cada pessoa recebeu além do objeto e seu respectivo texto, uma caixa com alguns elementos selecionados aleatoriamente que poderiam ou não ser usados em sua intervenção. Esses objetos foram inventariados em diferentes etapas: • peça a peça nas mesmas condições em que foram retirados do depósito; • em conjunto;

Quando não produzimos o sentido das coisas, acabamos sendo produzidos por elas.42

• pintados de branco; • recontextualizados pelas ações dos participantes. Um dos objetos selecionados é o livro, que, além de ser recontextualizado, servirá de base gráfica para todo o registro do projeto.










Uso uma máquina de escrever portátil Olympia que é leve bastante para o meu estranho hábito: o de escrever com a máquina no colo. Corre bem, corre suave. Ela me transmite, sem eu ter que me enredar no emaranhado de minha letra. Por assim dizer provoca meus sentimentos e pensamentos. E ajuda-me como uma pessoa. E não me sinto mecanizada por usar máquina. Inclusive parece (?) captar sutilezas. Além de que através dela, sai logo impresso o que escrevo, o que me torna mais objetiva. O ruído baixo do seu teclado acompanha discretamente a solidão de quem escreve. Eu gostaria de dar um presente à minha máquina. mas o que se pode dar a uma coisa que modestamente se mantém como coisa, sem a pretensão de se tornar humana? Essa tendência atual de elogiar as pessoas dizendo que são ‘muito humanas’ está me cansando. Em geral esse ‘humano’ está querendo dizer ‘bonzinho’, ‘afável’, senão ‘meloso’. E é isso tudo o que a máquina não tem. Sequer vontade de se tornar um robô sinto nela. Mantêm-se na sua função, e satisfeita. O que me dá também satisfação.

Clarice Lispector, Gratidão à máquina





ela me transmite









O vidro quebra mas não derrete. O plástico derrete mas não quebra. Assim são os óculos. Estrutura plástica para lentes de vidro. O espelho mostra, o vidro deixa ver. Assim são os vidros. O mármore é usado nos túmulos. A madeira polida não solta farpas. As bolhas quando estouram não deixam cacos. O vidro não apodrece, nem na umidade, nem debaixo da terra. Depois de anos enterrados os mortos míopes, sobram apenas os ossos e os óculos. E quando não restarem mais os ossos ainda estarão intactos os óculos. Se o vidro for negro os olhos desaparecem. Assim são os óculos escuros. Mostram mas não deixam ver.

Arnaldo Antunes, As coisas





mostram mas n達o


d e i x a m ve r








Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara. Sem uso, ela nos espia no aparador.”

Carlos Drummond de Andrade, Cerâmica













A rapariga de óculos escuros ainda lhe pediu que a deixasse ouvir de vez em quando um bocadinho de música, só para não perder a lembrança, justificou, mas ele foi inflexível, dizia que o importante era saber o que ia passando lá fora, quem quisesse música que a ouvisse dentro da sua própria cabeça, para alguma coisa boa nos haverá de servir a memória. (...) O mal-branco não cegara apenas o locutor. Como um rastilho, atingira rápida e sucessivamente quantos se encontravam na estação. Então o velho da venda preta deixou cair o rádio no chão.

José Saramago, Ensaio sobre a cegueira





O mal-branco n達o cegara apenas o locutor.









Há muito de acaso em tudo isto, e um segundo acaso, o de nossa morte, não nos permite muitas vezes esperar por longo tempo os benefícios do primeiro. Acho bem razoável a crença céltica de que as almas das pessoas que perdemos se mantêm cativas em algum ser inferior, um animal, um vegetal, uma coisa inanimada, e de fato perdidas para nós até o dia, que para muitos não chega jamais, em que ocorre passarmos perto da árvore, ou entrarmos na posse do objeto que é sua prisão. Então elas palpitam, nos chamam, e tão logo as tenhamos reconhecido o encanto se quebra. Libertas por nós, elas venceram a morte e voltam a viver conosco. O mesmo se dá com o nosso passado. É trabalho baldado procurar evocá-lo, todos os esforços de nossa inteligência serão inúteis. Está escondido, fora de seu domínio e de seu alcance, em algum objeto material (na sensação que esse objeto material nos daria), que estamos longe de suspeitar. Tal objeto depende apenas do acaso que o reencontremos antes de morrer, ou que o não encontremos jamais.

Marcel Proust, No caminho de Swann





Libertas por n贸s, elas venceram a morte e voltam a viver conosco.









Por que persistes, incessante espelho? Por que repetes, misterioso irmão, O menor movimento de minha mão? Por que na sombra o súbito reflexo? És o outro eu sobre o qual fala o grego E desde sempre espreitas. Na brunidura Da água incerta ou do cristal que dura Me buscas e é inútil estar cego. O fato de não te ver e saber-te Te agrega horror, coisa de magia que ousas Multiplicar a cifra dessas coisas Que somos e que abarcam nossa sorte. Quando eu estiver morto, copiarás outro E depois outro, e outro, e outro, e outro…

Jorge Luis Borges, Ao espelho





e

o u t r o ,

e

o u t r o ,

e

o u t r o .









O telefone pertence ao mundo das coisas. É um objecto vivo – faço questão de que seja “objecto” e não “objeto”. O “c” é o osso duro do telefone. Ele é um ser doido. É valsa de Mefistófeles. A autópsia do telefone dá pedaços de coisas. Às vezes, quando disco um número, toca, toca, toca sem parar e ninguém atende: comunico-me pálida com o silêncio de uma casa oca. Até que não aguento a tensão e, nervosa, de súbito desligo, nós dois com taquicardia. O telefone é insolúvel. O telefone é sempre emergente. As palavras não são coisas, são espírito. O telefone não fala objectos, fala espírito. (...) E quando eu me comunico com o sinal de comunicação? É um enigma: eu me comunico com um “não”. Quando disco e dá sinal de ocupado, estou me comunicando com o sinal de comunicação. Com o próprio enigma, pois estou me comunicando com “não, não, não, não, não, não”. E espero angustiada que o “não, não, não” se transforme em “sim, sim, sim”. O sinal abençoado da chamada positiva de repente é: alô? de onde fala? (...) O telefone é como a girafa: nunca se deita. E, apesar de ser usual, é como a girafa: inusitado.

Clrice Lispector, História de coisa





sim, sim, sim.









Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto: Madrugada a minha aldeia estava morta. Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã. Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina. O silêncio era um carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador. Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra. Fotografei a existência dela. Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei sobre. Foi difícil fotografar sobre. Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça. Representou para mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski – seu criador. Fotografei a Nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir a sua noiva. A foto saiu legal.

Manoel de Barros, O fotógrafo





a foto ficou legal









— O h! Es tá c hove nd o? Não foi p rop r iame nte p or c aus a d a c h u va , m a s o garoto ab r ir a o guard a-c huva p a r a d i s f a r ç a r sua timid e z ao p as s ar e m fre nte à l o j i n h a o n d e a g arota e s tava s e ntad a. No e ntanto, s e m d iz e r nad a, e l e es t en d eu o g uard a-c huva p ar a c ob r í-l a. El a a p en a s d ei x o u um

omb ro

ser

c ob e r to

pelo

g u a rd a - c h u va .

M ol had o, o garoto não c ons e guia s e a p rox i m a r e conv id á-l a a s e p rote ge r mais . El a q u er i a s eg u r a r com e l e o c ab o e, no e ntanto, o t em p o t o d o pare c ia e s tar p re s te s a fug ir d o gua rd a - c h u va . O s d ois e ntar am no e s túd io fo t og r á f i c o. O pai d o garoto, um func ionár io d o g over n o, for a tr ans fe r id o p ar a um te r r a d i s t a n t e. E r a a fotog r afia d e d e s p e d id a.

Yasunari Kawabata, O guarda-chuva






Era a fotografia de despedida








II Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

Manoel de Barros, Uma didática da invenção






pente. (o que existe, o que ĂŠ? ser, coisa, objeto)








I nela não se auréola, nem é falsa a idéia, que dela se alça, como o fogo da lenha um grego, aliás, quem a aprisionou, como a um inseto sobre a camurça-conceito: na língua, terceiro objeto, menos cadeira, se a escrevo tampouco devo (se a quero) nos arrabaldes das sílabas buscar madeira de mobília preciso (para que a tenha) adestrar-me ao negativo, do branco contíguo da parede, hauri-la como figura: literal (modo-de-éden) nua entre lençóis de cal II ícaro sem penas noiva muda em cendais de secagem rápida quadrúpede engendrado para solidões

Claudia Roquete Pinto, Cadeira de Mykonos





quadrĂşpede engendrado para solidĂľes.









Pense nisto: quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente o relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra-pedras que você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você – eles não sabem, o terrível é que eles não sabem – dão a você um novo pedaço frágil e precário de você mesmo, algo que lhe pertence, mas não é seu corpo, que deve ser atado a seu corpo como sua correia, como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a necessidade de dar corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que continue sendo um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrinas das joalherias, na notícia do rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de perdê-lo, de que seja roubado, de que possa cair no chão e se quebrar. Dão sua marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de comparar seu relógio aos outros relógios. Não dão um relógio, o presente é você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.

Julio Cortázar, Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio





pense.









Era uma peça vasta, clara graças ao sol e à pintura amarela, com vinte leitos, todos ocupados. Linda morria acompanhada — acompanhada e com todo o conforto moderno. O ar era constantemente animado por alegres melodias sintéticas. Ao pé de cada cama, diante do ocupante moribundo, havia um aparelho de televisão. Deixavase funcionar a televisão, como uma torneira aberta, da manhã à noite. A cada quarto de hora, o perfume dominante na sala era automaticamente mudado.

Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo





linda morria acompanhada e com todo conforto moderno.









Esta é uma caneta especial que escreve de baixo para cima, de cima para baixo, de trás para diante e de diante para trás! — (Observem!). Escreve em qualquer idioma, sem o menor erro de gramática! (E apenas 100 cruzeiros!) Esta caneta não congela com o frio nem ferve com o calor; resiste à umidade e pressão; pode ir à Lua ou ao fundo do mar, sendo a caneta preferida dos cosmonautas e escafandristas. Uma caneta para as grandes ocasiões: inalterável ao salto, à carreira, ao mergulho e ao vôo! A caneta dos craques! Nas cores mais modernas e elegantes: verde, vermelha, roxa...(apreciem) para combinar com o automóvel! Com a gravata! Com seus olhos!... (Por 100 cruzeiros!) (...) Adquirindo-se uma destas maravilhosas canetas, pode-se dominar qualquer hesitação da escrita: a caneta Ciclope escreve por si! Acabaram-se as dúvidas sobre crase, o lugar dos pronomes, as vírgulas e o acento circunflexo! Diante do erro, a caneta pára, emperra — pois não é uma caneta vulgar, de bomba ou pistão, mas uma caneta atômica, sensível, radioativa. Candidatos a concursos, a cargos públicos, a lugares de responsabilidade! — a caneta Ciclope resolve todos os problemas ortográficos e caligráficos! E ainda esta caneta não apenas escreve, mas pensa! (E por 100 cruzeiros) Não mais dificuldades de rima nem de concordância! Com esta caneta pode-se escrever com igual facilidade qualquer romance policial, peça de teatro, folhetim, artigos, crônicas, procurações e testamentos! Tudo rápido, correto, limpo! Cartas de negócio e cartas de amor! Tudo com o mesmo sucesso: porque esta caneta Ciclope (como o nome está dizendo) é um gigante que transporta qualquer idéia para qualquer lugar. (E custa apenas 100 cruzeiros: a melhor caneta, do melhor contrabando!)

Cecília Meireles, Camelô caprichado













AUGGIE (Ainda sorrindo) Você não vai entender nada se não olhar mais devagar, meu amigo. PAUL Como assim? AUGGIE Quer dizer, está virando depressa demais. Mal está olhando para as fotos. PAUL Mas são todas iguais... AUGGIE São todas iguais, mas cada uma diferente de todas as outras. Tem as manhãs ensolaradas e as sombrias. Tem a luz do verão e a luz do outono. Tem os dias úteis e os fins de semana. Tem pessoas de casaco e galocha, tem pessoas de short e camiseta. Às vezes as mesmas pessoas, às vezes diferentes. E às vezes as diferentes se tornam as mesmas, e as mesmas desaparecem. A terra gira ao redor do sol, e cada dia a luz do sol atinge a terra num ângulo diferente. PAUL (Erguendo a vista do álbum para AUGGIE) Mais devagar, hã?”

Paul Auster, Cortina de fumaça





vocĂŞ nĂŁo vai

entender nada

se nĂŁo olhar

mais devagar.









Com esta história eu vou me sensibilizar, e bem sei que cada dia é um dia roubado da morte. Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida. As palavras são sons transfundidos de sombras que se entrecruzam desiguais, estalactites, renda, música transfigurada de órgão. Mal ouso clamar palavras a essa rede vibrante e rica, mórbida e obscura tendo como contratom o baixo grosso da dor. Alegro com brio. Tentarei tirar ouro do carvão. Sei que estou adiando a história e que brinco de bola sem bola. O fato é um ato? Juro que este livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta.

Clarice Lispector, A hora da estrela





Este livro ĂŠ uma pergunta.






seus produtos não eram apenas ‘coisas’, mas ‘práticas sociais, símbolos e preferências’. Klaus Krippendorff, em: Design, ergonomia e emoção, p. 7


A escolha desse trecho literário da obra de Machado de Assis como fio condutor de toda a pesquisa para o projeto Inventário do Cotidiano teve como proposta buscar outras significações para o design, menos voltadas para os aspectos funcionais dos objetos e mais para a convivência emocional diária que temos com eles. As “reflexões de parceria entre os homens e as coisas” que o texto sugere, fazem — ou, pelo menos, deveriam fazer — parte do cotidiano do designer, elas deveriam ajudar a elaborar todo o repertório usado para construir identidades e significados nas coisas que ele projeta. Repertório esse que, além de ser construído pelas experiências técnicas, funcionais, também é feito de memórias, de experiências afetivas. Não deixa de ser um questionamento sobre a responsabilidade que o designer deveria ter na atribuição de significados e de desejos nos objetos de consumo no atual sistema econômico, da produção ao descarte dos mesmos. Nesse cenário de consumo e descarte desmedido o designer não deveria assumir o compromisso de designar significados mais duradouros ao que projeta?

O design é, em última análise, um processo de investir os objetos de significados, significados estes que podem variar infinitamente de forma e de função, e é nesse sentido que ele se insere em uma ampla tradição ‘fetichista’.43 (...) é óbvio que a funcionalidade, no sentido resttrito da palavra, se refere só a uma pequena parte das funções de nossos objetos e das razões pelas quais os escolhemos. Além de basear nossas escolhas em suas funções específicas, adquirimos nossos objetos para que nos ajudem a comunicar-nos com os demais, para fazer visíveis certos aspectos de nossa pessoa.44 (...) a natureza essencial do trabalho do design não reside nem nos seus processos e nem nos seus produtos, mas em uma conjunção muito particular de ambos: mais precisamente, na maneira em que os processos do design incidem sobre os seus produtos, investindo-os de significados alheios à sua natureza intrínseca.45 (...) os objetos estão sujeitos a toda espécie de dispersão, apropriação e até transmutação pelo uso e pela posse.46 Todo artefato é produzido por meio da ação de dar forma à matéria seguindo uma intenção. (...) No sentido amplo, fabricar é informar.47


(...) podemos falar da cultura material da nossa própria sociedade como uma maneira de entender melhor os artefatos que produzimos e consumimos, bem como a maneira em que estes se encaixam em sistemas simbólicos e ideológicos mais amplos.48 Estamos começando a nos tornar cada vez mais conscientes do caráter efêmero de todas as formas (e consequentemente, de toda criação). (...) A questão da responsabilidade e da liberdade (inerente ao ato de criar) surge não apenas quando se projetam os objetos, mas também quando eles são jogados fora. Pode ser que essa tomada de consciência da efemeridade de toda criação (...) contribua para que futuramente se crie de maneira mais responsável, o que resultaria numa cultura em que os objetos de uso significariam cada vez menos obstáculos e cada vez mais veículos de comunicação entre os homens. Uma cultura, em suma, com um pouco mais de liberdade.49

Se uma das formas de compreendermos — pelo menos em parte — nossa sociedade através do tempo é a cultura material, com a análise dos artefatos que produzimos, que papel o designer pretende tomar para si já que ocupa — ou deveria ocupar — um lugar importante na concepção desses mesmos artefatos? Esses foram alguns dos questionamentos levantados por este pequeno inventário na pretensão de discutir nossas relações com os objetos programados, produzidos e consumidos em um sistema econômico que privilegia o consumo do efêmero, do simulacro, da indiferença e dos valores transitórios.


Me vejo no que vejo Como entrar por meus olhos Em um olho mais límpido Me olha o que eu olho É minha criação Isto que vejo Perceber é conceber Águas de pensamentos Sou a criatura Do que vejo Octavio Paz, Blanco, tradução de Haroldo de Campos


1; 6; 10; 34. MATOS, Olgária C. F.. O mal-estar na contemporaneidade: performance e tempo. Disponível em: http://www.comciencia.br/comciencia/ ?section=8&edicao=38&id=459 . Publicado originalmente em Medeiros, Beatriz; Monteiro, Marianna; MATSUMOTO, Roberta. Tempo e performance. Brasília: Editora de pós-graduação em arte da Universidade de Brasília, 2007 2. CARDOSO, Rafael. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Em: Arcos. Design, cultura material e visualidade, volume 1, outubro de 1998, Rio de Janeiro, p. 28. 3. MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, livro 1, v. 1, p.81. 4. MARX, Karl. Para uma crítica da economia política. Abril, São Paulo, 1978, p.100. Em: Identidades flexíveis como dispositivo disciplinar: Algumas hipóteses sobre publicidade e ideologia em sociedades “pós-ideológicas”,Vladimir Safatle. 5; 33. JAPPE, Anselm. Guy Debord. Tradução de Iraci D. Oleti, Petrópolis: Vozes, 1999, p.32. Em: MATOS, Olgária C. F .Um mundo ao revés. Disponível em: http://www.revista.criterio.nom.br/debordolgaria001.htm 7. BAUMAN, Zygmunt. A sociedade líquida. Em: Folha de São Paulo, Caderno Mais, São Paulo, 19 de outubro de 2003. 8. HABERMAS, Jürgen. Em: Condição pós-moderna, uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural, David Harvey, São Paulo: Loyola, 2002, p.291. 9. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Trad. Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p.31. 11. “Música é tempo embalado para lembrança”. WISNIK, José Miguel e SQUEFF, Enio. O nacional e o popular na cultura brasileira (música). São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982.

Citações

12. CALVINO, Italo. Cidades Invisíveis. Em: BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Trad. Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p.52. 13. LEONARD, Annie. The Story of Stuff. Disponível em: http://www.storyofstuff.com/ 14. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Trad. Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p.45. 15. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Trad. Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p.127. 16. BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo, ED. Brasiliense, 1984, p.246. Em: MATOS, Olgária C. F.. O iluminismo visionário: Benjamin, leitor de Descartes e Kant. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1999, p. 24.


17. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Tradução Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008, p. 22. 18. MATOS, Olgária C. F.. O iluminismo visionário: Benjamin, leitor de Descartes e Kant. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1999, p. 115. 19. JORDAN, CHRIS. Runing the numbers. Disponível em: http://www. chrisjordan.com/ . http://www.ted.com/talks/chris_jordan_pictures_ some_shocking_stats.html 20. SEBO JOVEM GUARDA, presentes do passado. Rua da Mooca, 3401, São Paulo. http://presentesdopassado.com.br 21. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Tradução Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008, p. 103. 22. PEIXOTO, Marcelino. A reordenação do mundo: Arthur Bispo do Rosário e Tony Cragg. Disponível em: http://coletivoxepa.blogspot.com/ 23. DAMAZIO, Vera e MONT’ALVÃO,Vera. Design, ergonomia e emoção. Rio de Janeiro: MauadX: FAPERJ, 2008, p.39. 24. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Tradução Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008, p. 111. 25. BENJAMIN, W. Paris Capitale du XIXe Siécle; Le Livre dês Passages. Paris: CERF, 1993, p.274. Em: PERRONE, Claudia Maria e ENGELMAN, Selda. O colecionador de memórias. Disponível em: http://www.ilea.ufrgs.br/ episteme/portal/pdf/numero20/episteme20_artigo_perrone_engelman.pdf. 26. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Tradução Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008, p. 99. 27. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III – Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1994, p.78.

Citações

28. DONG, SONG. Waste not. Disponível em: http://www.oesquema.com. br/conector/2009/07/28/conector-em-gotham-parte-11-nao-gaste-meufilho.htm e http://moma.org/visit/calendar/exhibitions/961. 29. KRAMARZ, ANDRZEJ. Things. Disponível em: http://www. lensculture.com/kramarz.html?thisPic=13 30. FARIAS, Agnaldo. A educação pelos objetos. Disponível em: http://queri. multiply.com/journal/item/6 31. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Em: Obras escolhidas, vol. 1. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994, p.170. 32. BENJAMIN, Walter. Sobre alguns temas em Baudellaire. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1975. Em: MATOS, Olgária C. F.. O sex appel da imagem e a insurreição do desejo. Disponível em: http://www. revista.criterio.nom.br/debordolgaria002.htm 35. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Tradução Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008, p. 32.


36. MACIEL, Maria Esther. O inventário do mundo: Arthur Bispo do Rosário e Peter Greenaway. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/ ag31maciel.htm 37. PEIXOTO, Marcelino. A reordenação do mundo: Arthur Bispo do Rosário e Tony Cragg. Disponível em: http://coletivoxepa.blogspot.com/ 38. MILANO, Dante. Imagem. Em: MORICONI, Italo. Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001. 39. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Tradução Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008, p. 40. 40. BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1999, p. 15. 41. CRAGG, Tony. The articulated column. Em: PEIXOTO, Marcelino. A reordenação do mundo: Arthur Bispo do Rosário e Tony Cragg. Disponível em: PEIXOTO, Marcelino. A reordenação do mundo: Arthur Bispo do Rosário e Tony Cragg. Disponível em: http://coletivoxepa.blogspot.com/ 42. MATOS, Olgária C. F.. Trecho extraído em sala de aula do curso Design e Humanidade, 21 de maio de 2009. 43. CARDOSO, Rafael. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Em: Arcos. Design, cultura material e visualidade, volume 1, outubro de 1998, Rio de Janeiro, p. 29. 44. FRASCARA, Jorge. Diseño gráfico para la gente. Em: MENEZES, Cristiane Schifelbein de. Design & Emoção: Sobre a relação afetiva das pessoas com os objetos usados pela primeira vez. Orientador:Vera Damázio, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Conferir em: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0510314_07_ pretextual.pdf

Citações

45. CARDOSO, Rafael. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Em: Arcos. Design, cultura material e visualidade, volume 1, outubro de 1998, Rio de Janeiro, p. 17. 46. CARDOSO, Rafael. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Em: Arcos. Design, cultura material e visualidade, volume 1, outubro de 1998, Rio de Janeiro, p. 31. 47. FLUSSER,Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação: FLUSSER,Vilém, organizado por Rafael Cardoso. Tradução de Raquel Abi-Sâmara, São Paulo, Ed. Cosac Naify, 2007, p.12. 48. CARDOSO, Rafael. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Em: Arcos. Design, cultura material e visualidade, volume 1, outubro de 1998, Rio de Janeiro, p. 19. 49. FLUSSER,Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação: FLUSSER,Vilém, organizado por Rafael Cardoso. Tradução de Raquel Abi-Sâmara, São Paulo, Ed. Cosac Naify, 2007, p.198.


BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Tradução Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Trad. Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. ___. A sociedade líquida. Em: Folha de São Paulo, Caderno Mais, São Paulo, 19 de outubro de 2003. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Em: Obras escolhidas, vol. 1. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994. CARDOSO, Rafael. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Em: Arcos. Design, cultura material e visualidade, volume 1, outubro de 1998, Rio de Janeiro. DAMAZIO, Vera e MONT’ALVÃO,Vera. Design, ergonomia e emoção. Rio de Janeiro: MauadX: FAPERJ, 2008. HARVEY, David. Condição pós-moderna, uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 2002. JAMESON, Frederic. O pós-moderno e a sociedade de consumo. In: KAPLAN, E. Ann. O mal estar no pós-modernismo – teorias e praticas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993.

Bibliografia

LEONARD, Annie. The Story of Stuff. Disponível em: http://www.storyofstuff.com/ MATOS, Olgária C. F.. O iluminismo visionário: Benjamin, leitor de Descartes e Kant. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1999. ___. O mal-estar na contemporaneidade: performance e tempo. Disponível em: http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=38&id=459. Publicado originalmente em Medeiros, Beatriz; Monteiro, Marianna; MATSUMOTO, Roberta. Tempo e performance. Brasília: Editora de pósgraduação em arte da Universidade de Brasília, 2007 ___. Um mundo ao revés. Disponível em: http://www.revista.criterio.nom.br/ debordolgaria001.htm ___. O sex appel da imagem e a insurreição do desejo. Disponível em: http:// www.revista.criterio.nom.br/debordolgaria002.htm PEIXOTO, Marcelino. A reordenação do mundo: Arthur Bispo do Rosário e Tony Cragg. Disponível em: http://coletivoxepa.blogspot.com/ PERRONE, Claudia Maria e ENGELMAN, Selda. O colecionador de memórias. Disponível em: http://www.ilea.ufrgs.br/episteme/portal/pdf/ numero20/episteme20_artigo_perrone_engelman.pdf. SAFATLE,Vladimir. Identidades flexíveis como dispositivo disciplinar: algumas hipóteses sobre publicidade e ideologia em sociedades “pós-ideológicas”. São Paulo, 2006.


ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1998. ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Em: ASSIS, Machado de. Obra Completa, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. AUSTER, Paul. Cortina de fumaça & Sen fôlego. Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Ed. Best Seller, 1995.

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