Revista Onírico

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O onírico “Eu sou egoísta

DEMAIS

para me incomodar

com os outros.”

ele, o

exagerado


[...] Pra quem vê a luz, mas não ilumina suas

minicertezas

vive contando dinheiro e não muda quando é lua cheia [...]


sumário

especial

A vespa solitária

de ferruada dolorida 07

05

entrevista com a mãe

Lucinha Araújo legado

06

O poeta está vivo


entrevista

“Além das belas músicas

que ele deixou, Cazuza foi um

exemplo de coragem.”

Lucinha Araújo

F

ranca, sem censura, repleta de revelações: é a homenagem de uma mãe que nunca se deixou vencer pela tragédia que levou seu filho deste mundo na plenitude da juventude e da criação. Marco Lacerda: Lucinha, em que altura da trajetória de Cazuza você descobriu que era mãe de um criador único na música brasileira? Lucinha Araújo: Demorou um pouco para a ficha cair. Eu sabia que ele era diferente. Sempre foi muito inteligente, mas não era bom aluno no colégio - muito rebelde. Nunca pensei que fosse um gênio, como hoje em dia reconheço que ele foi. Comecei a pensar nisso muito tempo depois, ele já era adulto. Quando criança, achava que era coisa minha, pretensão de mãe. Lacerda: Houve algum momento em que você se opôs à carreira dele como músico e cantor? Lucinha: Não, absolutamente, porque nossa família era diferenciada. Meu marido nunca trabalhou em outra coisa que não fosse música. Desde os 16 anos, sempre esteve em gravadora. Eu gravei dois discos, sempre cantei. Então foi a lei natural das coisas o Cazuza gostar de música. Ele viu nascer muita gente importante, de Elis Regina aos Novos Baianos, passando por

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Chico e Caetano. Para mim não foi surpresa, pelo contrário, adorei. A surpresa foi saber que ele era tão bom. Lacerda: Qual é, na sua opinião, a importância de Cazuza na música brasileira e como um artista que mexia com os costumes da sociedade? Lucinha: Antes de mais nada, além das belas canções que deixou, Cazuza foi um exemplo de coragem. Claro, ele vai marcar a música brasileira como Noel Rosa, que viveu 26 anos mas até hoje é falado. No entanto, a coragem foi o grande legado que deixou para o Brasil. Imagine uma pessoa no auge da beleza, do sucesso, da fama, vendendo discos, ganhando o dinheiro, se declarar soropositivo para que milhões de pessoas na mesma situação tenham o exemplo. Foi um ato de extrema coragem. Este ato me surpreendeu, não sabia o filho que tinha dentro de casa. Depois disso, acredito que o lugar dele vai ficar pra sempre, porque ele foi muito diferente, de vanguarda. Até hoje é de vanguarda. Tudo que ele falou aconteceu e até hoje o Brasil não tomou jeito (politicamente falando). Fora as canções de amor: Cazuza, como ninguém, cantou o amor de forma nua e crua. Sou suspeita, mas estou falando como fã, não como

mãe. Lacerda: Você disse uma vez nunca superou a morte do seu filho e que podem se passar 150 anos que você nunca vai superar essa perda. Você pode falar um pouco sobre esse sentimento? Lucinha: Quem perdeu filho vai me entender: a gente não supera. Na verdade, não quero superar. Quero sentir esta dor enquanto for viva. Outro dia a Angélica esteve aqui gravando sobre o meu trabalho e fez esta mesma pergunta. A resposta foi a mesma: não superei e não quero superar. Agora, não sou uma pessoa para baixo. Sou sempre alto astral, como ele queria. Tenho sim os meus momentos de sofrimento, choro. Não devo nada a ninguém. Mas vou à luta, continuo a minha vida ajudando a quem puder, tenho as minhas crianças, o meu trabalho e ainda um casamento de 53 anos, que não é pouca coisa. Superar a dor da perda de filho é uma coisa antinatural: não vou superar nunca. O normal é o filho enterrar a mãe e não o contrário. Lembro-me que, no dia que vi meu filho morto, minha vontade foi de pegá-lo de volta e colocá-lo no meu útero novamente. Não vou superar, não quero superar e vou morrer chorando a morte dele.



126 canções

gravadas

5 álbuns

lançados

s e õ h l i m 6 e d mais s o d i d n s ve n ú b l a de


06 05


especial

Cazuza: um poeta geuinamente brasileiro Após 23 anos de sua morte, Cazuza se transformou numa lenda, suas milhares de canções ainda permeiam a cultura brasileira andando na borda do que hoje se qualifica como popular, sua voz ainda é escutada e suas letras são atemporais. Vários foram os artistas que gravaram e regravaram suas poesias, e na minha opinião, nenhum deles as interpretam com tamanha sensibilidade e confiança como o genial Ney Matogrosso e o talentoso e estiloso roqueiro

‘’old school’’, Frejat. Destaque para a interpretação de Renato Russo da música Quando Eu Estiver Cantando do Cazuza, aonde ele faz uma homenagem a ele, Renato Russo que foi outro ícone do rock nacional, sofria do mesmo mal que matou Cazuza e também sucumbiu pela a doença. Cazuza já teve uma parcela de sua vida explorada pelo o cinema e pela literatura. O livro Cazuza, Só as Mães São Felizes escrito por Lucinha Araújo, a mãe de Cazuza, é o mais completo e conta com detalhes e sinceridade várias passagens do cotidiano normal de Cazuza, desde sua infância, sua adolescência, sua vida adulta e morte. Infelizmente Cazuza não teve tanta sorte no cinema, apesar do filme Cazuza: O Tempo Não Para de 2004 ser um filme competente, ele foca


apenas nas partes polêmicas da vida de Cazuza e de uma forma tendenciosa, isto dito pela própria família e amigos do poeta e cantor. descobriu no rock n roll a forma de ser, expor e gritar tudo aquilo que queria e sentia, uma forma verdadeira, inteligente, crua e marginal de se expressar que era um soco no estômago da hipocrisia e do conservadorismo da época. Depois de alguns anos cantando rock n’ roll no Barão Vermelho Cazuza aconselhado pelo o seu grande amigo e empresário Ezequiel Neves (1935 - 2010), abandonou a banda e seguiu carreira solo, onde ele incorporou um estilo musical mais pessoal, misturando samba, MPB e rock n’ roll. O que a ditadura militar fez de bom no Brasil, foi fazer com que jovens loucos e rebeldes saíssem de suas

tocas e falassem tudo aquilo que era proibido, da mesma forma que a ditadura tentava de todas as formas oprimir e destruir os espíritos rebeldes, ela sem querer os ajudou a cria-los, e Cazuza foi um destes prolíferos artistas, mesmo com todas as facilidades proporcionadas por sua família bem estruturada financeiramente. Cazuza não foi um grande revolucionário político mas foi um grande revolucionário social. Artistas originais, politizados e autênticos como o Cazuza fazem muita falta na nossa música e na nossa atual sociedade brasileira que está caminhando para um futuro distópico e sem esperanças, uma sociedade totalmente dependente de organizações institucionalizadas como o governo e a mídia, uma sociedade acostumada e conformada com todas as futilidades e banalidades de nosso povo e da nossa cultura, da nossa política e da nossa nação. O que ele estaria fazendo e dizendo hoje com os seus 55 anos? Não tenho ideia, mas a verdade é que, o coração doí de pensar em todas as possibilidades. Cazuza morreu aos 32 anos de idade no dia 7 de julho de 1990 em decorrências das alterações imunológicas causadas pela Aids, o grande mal do século XX, esta foi a grande luta que ele enfrentou em vida. Cazuza não escondia os sinais e sintomas provocados pela doença como o emagrecimento e a fraqueza, e mesmo doente e debilitado, fazia questão em promover grandes shows em grandes casas noturnas para um grande público. Nesta época, o balão de oxigênio se tornou seu companheiro nos shows, do qual ele não tinha vergonha de usar no palco toda vez em que lhe faltava ar. Mídias se aproveitaram da desgraça de Cazuza e da fama da AIDS, para conceber notícias sensacionalistas por puro intuito capitalista, foi o caso da revista Veja que lançou a matéria de capa: CAZUZA, uma vítima da AIDS agoniza em praça pública. Mesmo isso não deprimiu Cazuza que seguiu firme em sua proposta de ser o mártir deste mal, mostrando e conscientizando a população para os males da AIDS que era uma doença pouco conhecida na época, e que ceifou a vida de milhares de jovens pelo Brasil.

© obvious: http://lounge.obviousmag.org/polimorfismo_cultural/2013/04/cazuza-um-poeta-genuinamente-brasileiro.html#ixzz33zUsH2OU Follow us: obviousmagazine on Facebook

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Cazuza Eterno | f fb.com/cazuzaeterno


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