Lições da pedra.

Page 1









Porque somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência escrevemos as cavernas e os cadernos — Adília Lopes


Ícaro Lira Lições da Pedra

Prefácio

18

Lições da Pedra

22

Frente de Trabalho

42

Campo Geral

62

Outros Textos

92

English Texts

102

Biografias/Créditos

120


A matéria do mundo Gabriel Bogossian

Uma educação pela pedra: por lições; para aprender a pedra, frequentá-la (...). João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra O livro Lições da Pedra, de Ícaro Lira, reúne uma seleção dos registros fotográficos de três das principais exposições individuais deste que é um dos mais consistentes artistas contemporâneos brasileiros de sua geração em atividade. Realizadas entre 2015 e 2020 em galerias de São Paulo e Paris, Campo Geral, Frente de Trabalho e Lições da Pedra dão mostra dos questionamentos e dos procedimentos poéticos que atravessam a produção recente de Lira. Acompanhados dos textos escritos pelos curadores que foram seus interlocutores nesses projetos, os registros contidos neste livro servem como marco inicial de jornada e introdução ao universo conceitual do artista, pondo em evidência também o amplo leque de referências e diálogos – artísticos e teóricos – organizados por ele. Apresentada na Central Galeria, Campo Geral teve curadoria e texto realizados por Marta Ramos-Yzquierdo. A partir de uma apropriação não-normativa da prática arqueológica, a exposição buscava reunir os “resíduos encontrados”, como diz Ramos-Yzquierdo, em séries de viagens de Lira pelo interior do Brasil e por nossos arquivos, museus e bibliotecas. De clara inspiração foucaultiana, o procedimento herdava do pensador francês também o interesse pelas formas assumidas pelo poder de Estado e seu uso contra suas próprias populações. Sem buscar reconstituir uma imagem exata do passado, tal arqueologia reunia seus resultados em uma série de obras compostas com objetos coletados (pedras, ossos, fragmentos de tecido e de imagens votivas), imagens de autoria de outros artistas, publicações e periódicos, em uma aparente cacofonia de elementos. Esse material, tratado como found footage, era editado espacialmente na sala expositiva de maneira a organizar enunciados cujos sentidos, ora mais, ora menos evidentes, apontavam todos para uma investigação histórica sobre o Brasil e suas autorrepresentações. Frente de Trabalho foi apresentada na galeria Jaqueline Martins, e teve curadoria e texto realizados pelo autor deste prefácio. Sem abrir mão do interesse pelos procedimentos arqueológicos e do desejo de iluminar os desvãos do poder estatal, a contra-história e as existências minoritárias que habitam em seu bojo, o conjunto de obras punha em

18

ÍCARO LIRA

19

LIÇÕES DA PEDRA


foco a questão do trabalho em suas expressões variadas. O título da exposição fazia referência aos mutirões de trabalhadores organizados pelo poder público em diferentes momentos da história brasileira; o conjunto de obras, no entanto, não se restringia à exploração da força de trabalho e da sua ociosidade pelo Estado, mas, de maneira mais ampla, abordava a dimensão coletiva dessa atividade tão cotidiana quanto universal. Assim, estavam presentes variados instrumentos de trabalho, concebidos pelo design vernacular em ofícios tão distintos quanto a pesca e a construção civil, além de fragmentos da história do trabalhismo e, novamente, referências a outros artistas, como a indicar o caráter coletivo também desse ofício. Na exposição, como em Simone Weil, a mística do trabalho era ponto de partida para o exercício poético possível diante da história. Finalmente, Lições da Pedra, que empresta seu título a este livro, teve curadoria e texto assinados por Elena Lespes Muñoz. Reunindo a produção mais recente de Lira, a exposição apresentou um depuramento de sua dicção poética, como se, estudante aplicado, o exercício das lições trouxesse ainda mais exatidão e rigor à sua enunciação. O ir e vir entre passado e presente, e entre um lugar e outro, parece ao mesmo tempo mais abstrato e mais preciso; com mínimas intervenções técnicas sobre os materiais, as justaposições de elementos delimitam um universo semântico definido pela despossessão e pelo desenraizamento, não só dos sujeitos históricos evocados pelas obras mas também dos elementos que os evocam. Menos interessadas no documental (e, no entanto, sem descartá-lo), a relação das obras com o real e seus objetos, como nos diz Muñoz em seu texto, baseava-se ao mesmo tempo no aspecto indicial desses elementos, e em sua dimensão conotativa, revelando um pensamento poético “que resiste precisamente ao inteligível.” Livro de artista que se constitui como uma espécie de coletânea de coleções, Lições da Pedra é encerrado com Projeto Popular e Frente de Trabalho, textos respectivamente das curadoras Beatriz Lemos e Marta Mestre. Escritos na ocasião das inaugurações de Campo Geral e Frente de Trabalho, eles percorrem os eventos históricos e as premissas poéticas que orientam a prática artística de Lira, ampliando a compreensão sobre ela. Nesse conjunto, fica evidente, por um lado, a progressiva clareza de procedimentos e a abordagem consistente de certo imaginário brasileiro – como se o artista buscasse elaborar uma espécie de autoconsciência nacional a partir da retomada crítica de momentos de profundo investimen-

20

ÍCARO LIRA

to na invenção de nossa tradição –, e, por outro, uma atenção dedicada à materialidade do mundo e de suas coisas, fonte de parte dos sentidos que se mostram e se ocultam aqui. Em uma prática com tantas e tão profundas raízes na história e na política brasileiras, chama atenção também a constância com que a literatura é evocada, seja diretamente, nos livros utilizados na composição das obras, seja de modo indireto, em seus títulos. Além de Guimarães Rosa (e seu Campo Geral) e de João Cabral de Melo Neto, cujo A educação pela pedra é referido nesta publicação, está presente Lavorare Stanca [Trabalhar cansa], coletânea de poemas em que Cesare Pavese acompanha a vida sem brio de trabalhadoras e trabalhadores das cidades e do campo. Tal como Pavese, Lira transita pelas margens do mundo em busca de uma linguagem que, afeita a pequenos gestos, se aproxime da dicção cotidiana e da experiência concreta das coisas. Nesse sentido, vale recordar os últimos versos de Paesaggio, que encerra Lavorare Stanca: “O magari un ragazzo scappato di casa/ torna proprio quest’oggi, che sale la nebbia/ sopra il fiume, e dimentica tutta la vita/ le miserie, la fame e le fedi tradite,/ per fermarsi su un angolo, bevendo il mattino./ Val la pena tornare, magari diverso.”

21

LIÇÕES DA PEDRA


1

Lições da Pedra Galeria Salle Principale, Paris, França 21 de novembro de 2019 — 1 de fevereiro de 2020 Curadoria Elena Lespes Muñoz

23

LIÇÕES DA PEDRA


Lições da Pedra Elena Lespes Muñoz

24

Pacientemente e um pouco ao acaso, porém com uma curiosidade concentrada, ele tira da caixa o conteúdo que vai dispondo no chão. A imagem devota de uma Virgem azulada, um pedaço de pano endurecido que parece cartão costurado, uma carta manuscrita cujas primeiras linhas foram lidas sem as tentar entender e pequenas fotografias amareladas com cantos redondos e acizentados. Espalhados desta forma, montados como um quadro no atrito da areia, o conjunto funciona por afloramentos. Não que esses objetos venham da mesma caixinha de metal para dizer algo comum – o tempo, a costura da história –, mas esse ato de organizar e de montar que Ícaro engendra tem algo de edição. Documentário ou ficção, não interessa. Sentada ao seu lado, vejo–o manusear os objetos no sótão da minha bisavó. Sem timidez, mas com a modéstia do estrangeiro em território íntimo, levanta tampas, puxa papéis de uma pilha de documentos, sopra poeira, para em miniaturas de objetos infantis presas por uma corda áspera, passa rapidamente para outros, faz perguntas, ouve. Não podemos dizer que esteja à procura de alguma coisa, mas essa tênue atenção que ele dá aos objetos, às histórias que eles podem ou não contar, aos seus eventuais deslizes para outras histórias, reencontraria mais tarde ao caminhar nas ruas de Londres, trocando ideias sobre a exposição que estávamos preparando para a galeria Salle Principale. Faz vários anos Ícaro Lira, artista brasileiro cuja Lições da Pedra é a primeira exposição individual na França, se interessa pelas questões do deslocamento, do controle e do isolamento social. Uma história de fissuras e movimentações, a história da migração é mais do que uma história de origem – do lugar de onde se vem –, é uma história de circulação e de demarcação – onde se vive, onde permanecemos, o que foi preciso para aí ficar. Uma demarcação em relação à terra nativa, é claro, mas sofrida, implícita ou explicitamente, na terra de recepção. O que é viver em algum lugar? Pertencemos ao lugar onde moramos? O que define o nosso pertencimento a determinado lugar? Em relação ao quê, mas também a quem somos estrangeiros? Dos territórios do Nordeste brasileiro de onde ele vem e aos quais nunca para de voltar, às ruas de São Paulo, Londres, Paris, Nápoles ou a uma pequena vila andaluza, o artista vive em passagem. Não mais viajante do que exilado ou migrante, Ícaro Lira não celebra o nomadismo, mas está interessado nas transfigurações – políticas, econômicas, sociais, mas também íntimas – que ÍCARO LIRA

25

LIÇÕES DA PEDRA


as circulações engendram. A partir das suas 1 “(...) todos já ouvimos falar de paus, lanças e viagens, que são sobretudo encontros, traz espadas, de todos esses instrumentos com os quais objetos de volta: ripas de madeira, pedras, se bate, se perfura e se dessas coisas quadros, lixo, documentos administrativos, golpeia, longas e duras. Por outro não ouvimos nada sobre artigos de imprensa, mas também entrevis- lado, o que colocamos outras tas em áudio e notas pessoais. Tantos traços coisas, sobre o recipiente e as coisas nele. Aqui com histórias singulares que, justapostos e está uma nova história.” Le Guin, em (título em conjunto, formam uma malha de signifi- Ursula original: The Carrier Bag Theory of Fiction, 1986). cado frágil aberta à interpretação. Assim, pela acumulação díspares de detalhes, talvez inicialmente inócuos, algo provém do seu trabalho. Forma–se algo parecido com uma narrativa, ou algo que toma o lugar do rascunho. Para silenciar o espaço, avançar nas histórias, deixar surgirem as aproximações, como arquivista consciente, Ícaro Lira dedica–se à tarefa que lhe parece ser incumbida. Com regras de classificação, separação e atribuição, prefere o acumular modesto e discreto de objetos heterogêneos e as linhas de fuga abertas por associações efêmeras. Dizer, mas preferir não. Procurar contar a história de trajetórias íntimas ou coletivas por agrupamentos frágeis e pouco ruidosos, para dar a ver linhas de significado irredutíveis às grandes narrativas. E com a voz monótona, prefere o arquivo íntimo, forma físsil e não homogênea por excelência. Assim, o deslocamento de um objeto sempre será possível e, com ele, uma escrita que incessantemente não se consegue concluir. Talvez seja o que Ícaro está tentando fazer aqui, um cesto de ficção1: uma história que seria contada a partir de cacos e papéis enfiados às cegas no bolso da calça jeans. Os objetos e documentos coletados e montados por Lira constituem um agenciamento plástico que remete a uma dicção poética. Assemelha–se a uma prosa interior na qual o olhar e o pensamento vêm fundir–se aos gestos repetidos de deslocamento, justaposição, separação, recuperação e associação. Os objetos funcionam igualmente como significantes e como sinais. Para além do valor documental que uma fotografia tirada da revista Paris Match ou que uma nota de mil cruzeiros possa ter, parece–me que existem dois modos de se relacionar com o real. No primeiro, baseado numa lógica de índice, o documento, como um vestígio, referindo–se a um regime específico de conhecimento e de representação, é um veículo de acesso ao passado; de acesso a essas histórias esticadas pelo tempo e pelos silêncios, que, por se tornarem

26

ÍCARO LIRA

membranas tão finas, quase poderiam ser apagadas pelo palimpsesto de vozes e de memórias. O segundo, mais precário, revelaria um pensamento: um pensamento como aquilo que resiste precisamente ao inteligível. Nesse sentido, com detalhes como uma romã seca ou um pedaço de ardósia, Ícaro trabalha mais com conotações do que com certezas, conseguindo, com isso, atingir algo do real. Seria errado conceber esses documentos e objetos como único meio de acesso aos fatos, buscar nos seus pormenores uma linha de sentido que lhes concedesse toda a importância e justificasse sua presença no dispositivo aqui implantado. Em vez disso, levam–nos a pensar em como acessar os fatos que conseguem contar. Duas edições da imprensa nacional brasileira – da Folha de São Paulo – uma de 8 de abril de 2018, outra de 29 de outubro de 2018, estão dispostas lado a lado, no chão, no papel que serviu para protegê-las e transportá–las. Uma anuncia a prisão de Lula, outra a eleição de Bolsonaro como presidente do Brasil. Ícaro transportou consigo esses dois números na mala, por um ano, sem saber o que haveria de fazer com eles. Nem o que fazer com aquilo que eles enunciam. Leveza, não tenho certeza – preso / peso (prisioneiro / peso). A sua materialidade resiste ao discurso. As montagens de Ícaro iludem qualquer forma de integração num discurso, são avessas à linearidade e à demonstração, preferindo a possibilidade de investimento íntimo à síntese de um discurso totalizador. O paradigma de indexação é, portanto, bloqueado. Depositados aqui e ali, objetos como um pedaço de rocha obsidiana, figurinhas de Chiquilin ou um livro acompanham as obras – elas próprias feitas de outros objetos –, enfatizando a sua dimensão material e irredutível. A obra torna– se, assim, o espaço expositivo de uma coleção pessoal, onde se pode ler trechos de histórias, que giram constantemente em torno dos vestígios que Ícaro vai recolhendo. Nesse conjunto, os objetos nunca funcionam em estado bruto, mas engajados numa lógica de montagem e de exibição. Portanto, é menos a restituição de uma história que se desenrola diante de nossos olhos do que um relacionamento íntimo com ela. Por essa abordagem – que não pretende de todo fechar–se, mas oferecer–se, como escuta, à pluralidade de histórias e vozes, à sua vulnerabilidade – Ícaro Lira dá conta de uma profunda empatia pelas experiências vividas. A exposição na galeria Salle Principale aparece como um nó. Um nó temporário de vozes, encontros e histórias, de territórios

27

LIÇÕES DA PEDRA


atravessados, habitados e carregados em cada um, de temporalidades distintas constantemente reconduzidas por colagens renovadas. Neste sentido, opera não como uma instituição, mas no ato de romper e abrir. A enunciação é plural e especular. Faz–se ouvir de repente, nas sequências e articulações da montagem, no eco dos encontros que a viram nascer e que ela faz suscitar. Novembro de 2020

28

ÍCARO LIRA

29

LIÇÕES DA PEDRA


30

ÍCARO LIRA


32

ÍCARO LIRA

33

LIÇÕES DA PEDRA


34

ÍCARO LIRA

35

LIÇÕES DA PEDRA


36

ÍCARO LIRA

37

LIÇÕES DA PEDRA




43

LIÇÕES DA PEDRA


2

Frente de Trabalho Galeria Jaqueline Martins, São Paulo, Brasil 07 de abril — 12 de maio de 2018 Curadoria Gabriel Bogossian

45

FRENTE DE TRABALHO


Frente de Trabalho Gabriel Bogossian

46

“Frente de trabalho” foi o nome dado, em diferentes contextos e épocas, a políticas públicas que abordavam o problema da força de trabalho ociosa no Brasil. Instrumento utilizado com frequência para combater o desemprego e os efeitos da seca, a organização de tais frentes previa a mobilização de trabalhadores para atuar de maneira temporária a serviço do Estado ao mesmo tempo em que, em alguns casos, participavam de programas de qualificação profissional. Sem seca ou Estado, a mobilização que se vê em Frente de trabalho, de Ícaro Lira, é de outra ordem. Anunciado desde a entrada como local de produção, o espaço expositivo é ocupado com um conjunto de obras realizadas a partir de documentos e objetos reunidos pelo exercício coletor que é base das operações poéticas de Lira. Como nos textos canteiros de obras de Francis Ponge, onde a matéria poética é constituída pelas diversas tentativas de elaborá-la, busca-se aqui, lançando mão de diferentes recursos, produzir uma reflexão em torno do trabalho e do trabalhar – gesto tão cotidiano quanto universal –, sem ignorar questões relativas ao trabalho artístico e seu lugar no sistema que o sustenta e explora. Um desses recursos se destaca pela regularidade com que serve à composição do conjunto de obras na exposição e, mais além, à prática artística de Lira: a apropriação de conteúdos históricos como matéria-prima poética, que impõe um gesto seletivo e reinterpretativo sobre um magma de documentos, objetos e publicações, como se fosse preciso organizar não só o pessimismo diante da história, mas os escombros do progresso aos pés do anjo. A aproximação produzida entre materiais de diferentes períodos resulta em uma espécie de contra-história do trabalho, onde trabalhadores de épocas e ofícios distintos são postos em perspectiva e é possível notar analogias, recorrências e repetições, não só entre momentos diferentes do passado, mas entre estes e nosso presente. Postos lado a lado, os registros fotográficos realizados pelo modernismo paulista, a produção de artistas contemporâneos e itens de memorabilia da ditadura civil-militar de 64 compõem um panorama a partir do qual contemplamos eventos que permanecem geralmente à sombra da memória e da história. Aí, como nas frentes de trabalho referidas no título, é possível ouvir um amplo coro de vozes. A obra, então, conforma-se como um relatório de uma pesquisa em processo; ao se pensar como ÍCARO LIRA

47

FRENTE DE TRABALHO


lugar de emergência do passado, funciona como porta para os conteúdos que, do lodo dos nossos recalques históricos, retornam. E se o recurso à história busca também elaborar um lugar para o trabalho de arte diante de um pacto social violento e traumático, como o brasileiro, que não deixa de marcar nossas narrativas culturais, este processo não se dá exclusivamente no isolamento do estúdio ou dos arquivos em que se pesquisa, mas em diálogo com outros processos produtivos e outros atores sociais. Em Frente de trabalho ganha relevo o trabalho coletivo, que, para além da panorâmica histórica e das citações nominais a outros artistas e autores – Juraci Dórea, Traplev e Stefan Zweig, entre outros, presentes na forma de publicações –, é visível nos fragmentos da história do trabalhismo, nos documentos provenientes de arquivos e coleções variados e nos processos de composição e reaproveitamento dos objetos concebidos pelo design vernacular em diversas profissões. A soma de braços e esforços presente na pesca, na construção, no preparo da goma de tapioca ou do couro, na pedreira, nos carregadores de piano, na ocupação do antigo hotel Cambridge e no trabalho de arte serve ao mesmo tempo como objeto de investigação e método poético. Como em um mutirão, é a valorização da dimensão coletiva e dialógica do trabalho que dá sentido à obra e à perspectiva que ela instaura. Por último, cabe mencionar a presença de certa herança cinematográfica, evidente na maneira de estruturar as composições e articulá-las em uma sequência. Considerados em conjunto, os elementos constituintes de Frente de trabalho parecem organizados pelo olhar de um diretor-artista, cuja subjetiva decupa em planos a posição dos objetos no espaço, se aproximando em zoom de alguns ou dispondo outros em profundidade, como elementos de um longo plano sequência. Como se reinventasse o processo de edição de um filme, desmembrando e espacializando sua matéria prima, Lira modula diferentes pontos de vista e épocas e produz uma mescla singular entre poesia e história. Do seu interior, corpos reduzidos a ‘carne de trabalho’ e autores às margens do cânone falam novamente, emergindo do anonimato ou do esquecimento para afirmar uma vez mais sua singularidade e sua presença. Abril de 2018

48

ÍCARO LIRA

49

FRENTE DE TRABALHO


50

ÍCARO LIRA


52

ÍCARO LIRA

53

FRENTE DE TRABALHO


FRENTE DE TRABALHO


56

ÍCARO LIRA

57

FRENTE DE TRABALHO



60

ÍCARO LIRA

61

FRENTE DE TRABALHO



3

Campo Geral Central Galeria, São Paulo, Brasil 07 de outubro — 05 de dezembro de 2015 Curadoria Marta Ramos-Yzquierdo

65

CAMPO GERAL


Campo Geral Marta Ramos-Yzquierdo

EXERCÍCIO 1 ... atravessava muito depressa o Campo de Concentração. — Rachel de Queiroz, O Quinze1 Se estamos ignorando nossa própria história, só penetraremos no passado arqueologicamente. — Giorgo Agamben2 Para saber desconfiar do que vemos, devemos saber mais, ver, apesar de tudo. Apesar da destruição, da supressão de todas as coisas. Convém saber olhar como um arqueólogo. E é através de um olhar desse tipo – de uma interrogação desse tipo – que vemos que as coisas começam a nos olhar a partir de seus espaços soterrados e tempos esboroados. — Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta3 Um primeiro exercício como ponto de partida. A leitura de citações heterogêneas, inclusive contraditórias, num mesmo texto e sua associação: Primeiro, um campo. Atravessado rapidamente, visto tão fugaz que até se pode esquecer, apesar de que, ou talvez por isso mesmo, remete às memórias mais dolorosas. Esse campo, que afinal é também qualquer um dos campos, das paisagens que percorremos, que fotografamos ou que lemos. Segundo, duas formas de olhar para ele. O olhar que ignora, com um conceito de arqueologia como ciência normativa e fria que existe dentro de um sistema cúmplice, fundamentalmente político, no qual o controle da narração do passado procura construir uma forma determinante sobre as possibilidades do presente e do futuro. Ou o olhar inquieto, que elude esses discursos hegemônicos: escava, rastreia no insólito e questiona, através da criação de novas relações que revelam outras histórias, as esquecidas, as inomináveis, articulando novas vias do saber.

66

ÍCARO LIRA

67

CAMPO GERAL


CAMPO DE SÃO PAULO I Caminhos até monumentos de histórias já inventadas

Luiz Alves de Lima e Silva. Duque de Caxias (1803-1880). Defensor da monarquia brasileira, lutou contra revoltas liberais e nas fronteiras e contra movimentos de secessão e ataques estrangeiros. Escultura de Victor Brecheret, instalada em 1960.

1. Vire à esquerda para permanecer na Praça Ramos de Azevedo 120m Vire à esquerda no Viaduto do Chá 250m Vire à direita na R. Líbero Badaró 190m

CAMPO SÃO PAULO II Tipos e aspectos do Brasil

Continue em direção à Praça Ouvidor Pacheco e Silva 63m Vire à esquerda no Largo São Francisco O destino estará à direita 86m

4. Vire à esquerda na R.dos Timbiras 650m

Idílio ou Beijo Eterno, imagem do amor entre uma índia e um francês. Homenagem ao poema de Olavo Bilac (1865-1918), poeta, membro fundador da Academia Brasileira de Letras e criador da letra do Hino à Bandeira. Parte do conjunto escultórico alegórico de William Zadig, 1920.

Continue em direção à Av.Sen.Queirós 700m Continue em direção à Av.Mercúrio 600m Vire à esquerda na Rua do Gasômetro 700m Continue em direção ao Viaduto Gasômetro 290m Continue em frente no Largo da Concórdia 26m

Sendo uma das áreas mais povoadas do Brasil, o Nordeste é o filão incansável que fornece ao país os contingentes impressionantes de braços para todas as atividades profissionais. Mas, não só a isto se deve a dispersão das gentes da terra sáfara na procura de outros rincões que se estremam pelas latitudes pátrias: o que expulsa o nordestino de sua gleba é mais propriamente a intermitência dos flagelos climáticos aliados ao descaso e abandono em que o homem de EUCLIDES se confina. (O pau-de-arara, Francisco Barboza Leite)4

2. Continue em direção à Av.Dr.Arnaldo 1,5m Continue em direção ao Viaduto Okuhara Koei 200m Continue em direção à Av. Rebouças 58m Continue em direção à R. da Consolação 100m Curva suave à direita na Av.Paulista O destino estará à direita 1,0km

Bartolomeu Bueno da Silva, mais conhecido como Anhanguera (1672 - 1740). Um dos bandeirantes, exploradores e conquistadores do interior brasileiro. Seu apelido provém do nome do povo indígena anhanguera, do rio Tocantins, que ele escravizou para obter ouro. Escultura de Luiz Brizzolara, 1924.

Tradicionalmente, a “grande história” formou-se como uma relação de nomes e de marcos. Além da seleção de reis, guerreiros e governantes e suas façanhas, encontra-se outro protagonista: o povo. Um ator coletivo que, como parte do imaginário nacional, serve para que todo cidadão possa se identificar ou se projetar num mesmo ideal de glória pátria. Em 1966 o IBGE publica “Tipos e aspectos do Brasil”, uma coleção de descrições de cada uma das regiões do país, ainda com a divisão antiga de regiões na qual a Bahia estava no leste e São Paulo estava no sul. Cada capítulo se estrutura através de vários conceitos: as paisagens que são fontes de riqueza natural, os trabalhadores que as exploram e algumas peculiaridades regionais, tratadas como exóticas ou problemas conjunturais. Cada um daqueles homens, com seu ofício especificado e

3. Continue em frente para permanecer na Praça Mal.Deodoro 450m Continue em direção à Av.São João 450m Vire à esquerda na Rua Helvétia 500m Vire à direita na Rua Guaianases 100m Praça Princesa Isabel

68

ÍCARO LIRA

69

CAMPO GERAL


com seu fenótipo descrito, é uma das forças de trabalho que moldam um país, motor de progresso do conjunto nacional.

campos de Guarapuava / carreteiro / carroças coloniais / casa do praiano / casas de madeira do Paraná / charqueada / colheita do café / coxilhas / ervais / ervateiros / extratores de pinho / geadas e nevadas / bananeiro / galpão / gaúcho / uru / peão / pescadores do litoral Sul / pinhal / rodeio / serraria / travessia do gado / Vila Velha // REGIÃO CENTRO-OESTE / alça prima / boiadeiro / bois de sela / buritizal / caçadores de onça / campo cerrado / casa do agregado / curral de aparte / derrubada / floresta-galeria / garimpeiros / mata de poaia / obrageiro / poaieiro / pantanal / tapera

ENUMERAÇÃO DOS CAPÍTULOS DO ÍNDICE DE “TIPOS E ASPECTO DO BRASIL”: REGIÃO NORTE / arpoadores de jacarés / caboclo amazônico / campos do Rio Branco / canoeiros dos rios encachoeirados / castanhais / gaiolas e vaticanos / pesca do pirarucu / pescador do pirarucu / regatões / seringueiros / trecho de um rio na Amazônia / vaqueiro do Marajó / vaqueiros do Rio Branco / Vero-pêso // REGIÃO NORDESTE / fazedeira de redes / agreste / água de cacimba / aguadeiro / usinas de caroá / babaçuais / balsas / caatinga / caiçaras no Rio Grande do Norte / cambiteiros / canavial / Carnaubais / cerâmica popular / cercas sertanejas / colheita de carnaúba / coqueirais das praias / criação de caprinos / engenhos e usinas / fabricante de farinha / fabrico de rapadura / feira do sertão nordestino / jangadeiros / legendas de caminhões nas estradas / mocambo / mutirão / colhedor de cocos / mandiocal / “pau-de-arara” / pescador de tarrafa / tangerino / vendedor de redes / porteira de moirões / rendeiras / tipos de pesca / tirador de caroá / trecho encachoeirado do São Francisco / vaquejada / vaqueiro / viveiros de peixe do Recife // REGIÃO LESTE / gruta de Maquiné / lavadeira / barranqueiros / barqueiros do São Francisco / burros de carga / cacaual / carro de boi / carvoeiro / costeiras / fabrico de tijolos de alvenaria / faiscadores / favelas / feira de gado / floresta da encosta oriental / gerais / grutas calcárias do São Francisco / manguezais / muxuango / negras baianas / espia / vendedor de coco verde / planície dos Goitacases / pranchas / região central de Minas Gerais / restinga / salinas / voçoroca // REGIÃO SUL / agregado / vindima / cachoeiras do Iguaçu / cafezal / campos de criação no Rio Grande do Sul /

70

ÍCARO LIRA

Tão grande é a sua tarefa e tão poucos os seus recursos que ele a divide com os vizinhos, os compadres, os amigos: faz um mutirão. Todos se reúnem para levar de vencida a empreitada: o que um homem sozinho levaria muitas semanas para fazer será feito em poucos dias, nessa espécie de cooperativismo onde o trabalho será retribuído com o trabalho e diz muito bem que a união faz a força. (Mutirão, Rosalvo Florentino de Sousa)5 CAMPO SÃO PAULO III: Tempos Vire à esquerda na R.Aurélia 700m Continue em direção à R.Heitor Penteado 2,3km Continue em direção à Av.Dr.Arnaldo 1,2km Vire à esquerda na R.Maj.Natanael O destino estará à esquerda 140m

Chronos. Escultura de João Batista Ferri, 1945, situada no nicho do Cemitério do Araçá. Chronos, o primigênio, divindade que personifica o tempo universal. Existia antes da formação do universo e, após seu acasalamento com Ananké, a Inevitabilidade, formou uma espiral em torno do ovo originário, dando lugar ao mundo ordenado em terra, mar e céu. É representado como um velho de cabelo e barba longos.

71

CAMPO GERAL


Muitas vezes ele é confundido com Cronos, o mais jovem dos titãs, que derrocou seu pai Urano (o céu) para ser o governante único na mítica Era Dourada. E, por sua vez, foi destronado pelos seus filhos Zeus, Hades e Poseidon. É associado ao momento da criação e representado com uma foice, a que utilizou para castrar seu pai e permitir assim a formação do mundo. Com ele chegam as colheitas e o tempo humano, regido pelo calendário da terra. Cíclico. Que se repete estação após estação.

narração. Em suas declamações, não é o momento do fato o que conta, mas sim em que plano temporal este é apresentado. Segundo diz o Dr. Menezes de Souza7, seguindo a descrição do antropólogo Roberto DaMatta, distinguem-se dois momentos ou lugares denominados (pela ciência acadêmica): “presente anterior” e “presente atual”. O primeiro, que na concepção ocidental se identifica com o mítico, corresponde a uma unidade na qual o mundo e tudo o que nele se encontra – seres e objetos, sem distinção – muda continuamente; o segundo, assimilado como nosso tempo presente, refere-se a tudo o que acontece depois de um suposto “grande desastre primordial”, onde as formas se fixaram permanentemente, deixando os seres isolados. Como “presentes”, os dois são sincrônicos, coexistentes em dois planos paralelos de realidade, sendo um cisão do outro e não colocados como sucessão um do outro. A tragédia do “presente atual” é não ser mais variável e uno em essência, como no “tempo anterior”, mas instituir indivíduos e objetos fixos, não mutáveis e sem comunicação entre si. As histórias orais indígenas diluem qualquer conceito de imutabilidade: a figura do pajé, que tem a capacidade de se transportar de um plano para outro, procura em cada relato atualizações segundo as necessidades do momento da repetição da história, não existindo, dessa forma, um único tempo nem um único narrador em sua tradição. Assimilar esta concepção temporal significaria um movimento em direção ao pensamento descolonizado dos conceitos ocidentais hegemônicos que estruturaram certa tradição em nossa sociedade. No texto “O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem”8, Eduardo Viveiros de Castro analisa o olhar colonial sobre a cultura tupi, olhar que não conseguia compreender a não violência e o canibalismo destes povos, que significariam uma capacidade de absorção e negação num mesmo tempo. Sendo a figura do indígena um dos mitos do imaginário colonial brasileiro, que passou do índio como bom selvagem ao índio inconstante e traidor, refletir partindo da cultura tupi abre um novo conceito de construção de conhecimentos, de relações com o outro e com a temporalidade. Para o tupi, assim como se extrai da análise da estrutura dos relatos nas culturas primigênias de Menezes de Souza, sua identidade se constrói na alteridade e não na origem. Está no outro, no desejo de intercâmbio e autotransfiguração. O choque se produz por ser o projeto civilizador colonial um programa com um sistema único. Não há espaço

O tempo entrou na cena só depois de “um certo tempo” para dar lugar a uma gênese e, assim, engrenar um processo e desencadear uma evolução. — Étienne Klein, Las tácticas de Cronos6 Assim como há dois Cronos, duas imagens do tempo que se confundem, existem várias concepções do devir temporal. São tempos que influem diretamente na estrutura e desenvolvimento de uma narração, portanto também na construção do relato histórico e, consequentemente, na identidade da comunidade que o gera. Se pensamos as questões e as propostas que oferecem cada um deles, poderíamos repensar as ideias de história e identidade, agora e daqui para frente. Se falamos do tempo histórico, a semiótica identifica o tempo no qual aconteceu um fato, o tempo do enunciador – o momento em que se escreve a narração do fato – e aquele no qual se encontra o leitor – momento em que este a recebe e a lê. Por serem três momentos diacrônicos (que sucedem linearmente), pode se produzir entre eles diferentes tipos de descontinuidade, já que não se leva em conta a defasagem temporal entre o tempo crônico, o tempo escrito e o tempo lido. Um enunciador, proclamado testemunha direta ou coletor privilegiado de testemunhos, molda nestes descontínuos a realidade a transmitir, em suas escolhas e, principalmente, em seus esquecimentos. Somemos mais uma interpretação do tempo diacrônico. Distingue-se na cultura ocidental entre tempo mítico, de um passado remoto e não comprovável segundo os parâmetros da ciência, e o tempo histórico, dos dados cientificamente contrastados. No entanto, nas culturas orais indígenas brasileiras, exemplos de criação coletiva do relato, esses dois conceitos de tempo – o legendário e o supostamente fidedigno – se borram, numa noção não linear da

72

ÍCARO LIRA

73

CAMPO GERAL


para outra cultura, e menos ainda para uma em que o poder só se estabelece na alteridade, e que codifica, assim, a absorção de novos conhecimentos e a relação temporal deles mesmos nesta experiência, não numa imposição linear de passado-presente-futuro. Abre-se, então, a possibilidade de romper a unidade temporal e sua representação. Deixa-se entrar outro tipo de tempo, o paradoxal, que coloca sua essência na pluralidade e na capacidade de fragmentação e recomposição sem linha nem necessidade de continuidade. Estaríamos falando do fim do tempo estático da filosofia ocidental, o tempo que Ernst Bloch chama de “ainda não” e que Boaventura de Sousa Santos traz em sua elaboração como uma “sociologia das emergências”. Nela se poderia “substituir o vazio do futuro de acordo com o tempo linear por um futuro de possibilidades plurais e concretas, simultaneamente utópicas e realistas, que vão se construindo no presente a partir das atividades de cuidado.”9

giosos, movidos por uma ideia de modernidade e com o progresso econômico como alvo, transformaram esse estado de seca num laboratório de novas medidas higiênicas, comportamentais, médicas e de controle da população, cujos efeitos são percebidos e repetidos até hoje, numa naturalização do patrimonialismo e do colonialismo interno. Configura-se, assim, uma cartografia hegemônica, onde os lugares são apagados e suas memórias negadas, numa estratégia de apropriação e violência. Os retirantes, pessoas que tinham abandonado suas terras e procuravam comida e trabalho na capital, eram, dessa forma, tratados como personae non gratae por serem elementos que perturbavam a imagem de progresso, beleza e modernidade que o estado procurava. A luta e o confronto foram a realidade contínua entre essas medidas disciplinares e as tentativas, usos e normas surgidos organicamente entre os milhares de pessoas que sofreram essa tecnologia do controle dos padrões biopolíticos. Com essas premissas, duas linhas de ordenamento foram criadas: a dos campos de concentração, que seguiam a linha do trem ao interior, e a dos envios de trabalhadores da borracha nos navios que subiam pelo rio em direção à Amazônia. Vendidas como chance de entrada no sistema, essas viagens unicamente serviriam para continuar fora de lugar, fora das “oportunidades” da modernidade, revelando-se como “inserções que excluem”.

CAMPO COMO PAISAGEM “Não muda a paisagem. (...) Assim para mim a Amazônia da borracha é a Paisagem do delírio e o Sertão é a Paisagem da miragem”10 I. — O RIO, O GARIMPO, A BORRACHA, A HIDRELÉTRICA:

CAMPO [Cinema, Fotografia, Televisão] Área que pode ser coberta por uma câmara. Roland Barthes, em seu texto O discurso da história, lança uma pergunta inicial: “a narração de acontecimentos passados, que em nossa cultura, desde os gregos, está submetida geralmente à sanção da “ciência” histórica, situada sob a imperiosa garantia de “realidade”, justificada por princípios de exposição “racional”, essa narração difere realmente, por alguma característica específica, por alguma indubitável pertinência, da narração imaginada, tal como podemos encontrar na epopeia, no romance, no drama?”11 A ferramenta para gerar as conexões entre os campos – assunto, tema – é a imaginação, “o elemento afetivo tanto quanto o cognitivo”12, cuja dimensão subjetiva permite a configuração de uma nova cartografia. Na obra de Ícaro Lira, os campos se revelam nos objetos,

Manaus – Rio Negro / Iranduba – Rio Solimões/ Amazonas: Santarém/ Alter do Chão/ Belterra – Rio Tapajós: Itaituba/ Aldeia Sawré Muybu-Munduruku/ Fordlândia/ Altamira/ Belo Monte – Rio Xingu: Belém. II. — O TREM, OS RETIRANTES, OS CAMPOS OU OS CURRAIS, OS MILAGRES E OS SANTOS: Fortaleza/ Ipu/ Canindé/ Quixadá/ Quixeramobim/ Senador Pompeu/ Iguatu/ Cariús/ Crato/ Nova Olinda/ Juazeiro do Norte.

Nas últimas pesquisas no território de sua terra, o Ceará, Ícaro Lira percorreu no mês de julho as duas linhas dos trânsitos migratórios dos retirantes desde a década de 1840, marcados pelo evento climático da “seca”. As leis e decisões dos governos e os poderes oligárquicos e reli-

74

ÍCARO LIRA

75

CAMPO GERAL


os resíduos, as imagens, as memórias, as ficções, os dados coletados e vividos em suas viagens. Necessita-se, portanto, em sua leitura, um uso da percepção a partir do sensível e a partir do inteligível ao mesmo tempo, sendo possível, assim, a construção de uma história paradoxal, capaz de ativar um novo conhecimento que nos permita “ler o nunca escrito”13.

aos de cabeceira. O inteligível e o sensível. Tudo é reunido na mesa de trabalho. Ao mesmo tempo. Sem um tempo linear definido. Abre-se, então, a possibilidade de imaginar novos conhecimentos.”16 Outubro de 2015

“Os colecionadores ou historiadores já não são esses aristocratas ou burgueses afortunados que podem confiar a um secretário a tarefa de realizar o inventário dos seus tesouros. Perambulam pelos caminhos afora, vagueiam, são indigentes. E assim, dada a sua própria pobreza, está ao seu alcance tudo aquilo de que necessitam para fazer a amostragem do caos.”14 CAMPO DE BATALHA – MESA DE EMERGÊNCIAS O modelo desta estratégia de reunião de campos num Campo Geral é o Atlas Mnemosyne de Aby Warburg e a análise que dele realiza Didi-Huberman: essas analogias entre realidades incomensuráveis através de “imagens migratórias que ao ser levadas em consideração transformam todo “estilo artístico” e toda “cultura nacional”, como por abusos e diz, numa entidade essencialmente híbrida, impura, mestiça. Mescla a montagem de coisas, lugares e tempos heterogêneos…”15. A leitura dessas convergências perde seu sentido numa linha vertical inamovível. O espaço tem que ser a mesa de trabalho, os dispositivos móveis que nos permitem reordenar e estabelecer vínculos vez ou outra de maneira inesgotável. Cortar, esmiuçar, construir montagens dinâmicas que mostrem essas “relações íntimas” não visíveis na abordagem classificatória positivista. Desse modo, estamos convocados a um lugar de conflito entre o desejo e a realidade – o qual descreve Foucault no conceito de “história efetiva” de Nieztsche –, nas heterotopias também foucaultianas – esses espaços de “crises e desvios” –, o nos platôs de Deleuze e Guattari – o lugar das variáveis “em estado de variação contínua” –, longe das versões dominantes da modernidade, num movimento não excludente. “As fotos velhas abandonaram os álbuns. Os objetos a guardar são os resíduos encontrados na viagem. Os livros de estudo juntam-se

76

ÍCARO LIRA

NOTAS 1 Queiroz, Rachel de. O Quinze. 1930. 1ª edição. Livraria José Olympio Editora, São Paulo, 1930. 2. “The Endless Crisis as an Instrument of Power: In conversation with Giorgio Agamben” 4/06/2013. http://www.versobooks.com/blogs/1318-the-endless- crisis-as-an-instrument-of-power-in-conversation-with-giorgio-agamben 3. Didi-Huberman, Georges. Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta. KKYM+EAUM, Lisboa, 2013. 4. Tipos e aspectos do Brasil – coletânea da Revista Brasileira de Geografia. IBGE – Conselho Nacional de Geografia. 8ª edição. Rio de Janeiro, 1966. 5. Op. cit. 4. 6. Klein, Étienne, Las tácticas de Cronos. Siruela, Madri, 2005. 7. Menezes de Souza, Lynn Mario T. “Uma outra história, a escrita indígena no Brasil”, website Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental ISA, Brasil, março 2006. (http://pib. socioambiental.org/pt/c/iniciativas-indigenas/ autoria-indigena/uma-outra-historia,-a-escrita-indigena-no-brasil)

77

8. Viveiros De Castro, Eduardo B. A Inconstância da Alma Selvagem e Outros Ensaios de Antropologia. Ed. Cosac & Naify, São Paulo, 2002. 9. Sousa Santos, Boaventura de. Descolonizar el saber, reinventar el poder. Ediciones Trilce, Montevidéu, Uruguai, 2010. 10. Carta de Marta Ramos-Yzquierdo a Ícaro Lira, julho de 2015. 11. Barthes, Roland. El susurro del lenguaje. Más allá de la palabra y de la escritura. Ed. Paidós, Barcelona, Espanha, 1987. 12. Op. Cit. 3. 13. Didi-Huberman, Georges, “Cascas”. In: Revista Serrote n.13, IMS, Rio de Janeiro, Brasil, março 2013. 14. Op. Cit. 3. 15. Op. Cit. 3. 16. E-mail de Marta Ramos-Yzquierdo a Ícaro Lira, setembro de 2015.

CAMPO GERAL


78

ÍCARO LIRA


80

ÍCARO LIRA

81

CAMPO GERAL



84

ÍCARO LIRA

85

CAMPO GERAL


86

ÍCARO LIRA

87

CAMPO GERAL



90

ÍCARO LIRA

91

CAMPO GERAL


Outros Textos

Apêndice

92

ÍCARO LIRA

93

LIÇÕES DA PEDRA


Frente de Trabalho Marta Mestre

94

Recém-inaugurada em São Paulo, Frente de Trabalho de Ícaro Lira é a primeira individual do artista na galeria Jaqueline Martins e uma excelente oportunidade para aprofundarmos as relações que a arte pode realizar com os mais diversos contextos sociais, políticos e culturais. Em meio ao clima efervescente e festivo da programação paralela à feira SP-Arte, esta exposição traz-nos toda a gramática que o artista vem construindo desde há cerca de dez anos, e incita-nos a olhar os interstícios – nem sempre otimistas – da história do Brasil. Depois de Desterro – expedição etnográfica de ficção (2014), Museu do Estrangeiro (2015) e da Residência Cambridge (2016), projetos de longa duração que permitiram a Ícaro Lira consolidar uma prática artística para além do circuito “ateliê-galeria-instituição-coleção”, Frente de Trabalho assume um caráter mais decantado ou filtrado, que prescinde do texto e da resenha histórica e enfrenta a plasticidade visual dos materiais na montagem. No trabalho de Lira, como talvez em nenhum outro artista da sua geração no Brasil, conseguimos entender como a ideia de “objeto de arte” cede relevância à precariedade ou à “pobreza material”, não no sentido das proposições desmaterializadas dos artistas dos anos 60 e 70, mas em afinidade direta com uma “estética do subdesenvolvimento” desses mesmos anos, elaborada por artistas como Glauber Rocha, Artur Barrio, Horacio Zabala, Luis Ospina e Carlos Mayolo contra as narrativas colonizadoras do “desenvolvimentismo” (veiculadas pelas alianças com os EUA)1. Neste sentido, Frente de Trabalho dá continuidade às “obsessões” maiores do artista, empenhado em desenterrar futuros nos escombros do passado, suturar as fissuras da linguagem e restaurar significados que têm vindo a desaparecer, em meio à “obscenidade” política que o Brasil 1 Referimo-nos necessavem atravessando. Mostra-nos ainda um ar- riamente ao cinema “pornomiséria” de Luis Ospina ranjo sensível de materiais (a maior parte e Carlos Mayolo (Grupo de Colômbia); aos textos descarte, “lixo”, objets trouvés) que são críti- Cali, de Glauber Rocha, “Estétyka da Fome” (1965) e “Estétyka cos da arte tornada mercadoria de luxo. do Sonho” (1971); às ações Nas palavras do curador Gabriel Bogos- de Artur Barrio nos anos 70, entre outros. Atualmente em sian (que assina o texto da exposição) Frente cartaz no Museo Jumex, a Memorias del Subde Trabalho “produz uma reflexão em torno exposição desarrollo: el giro descoen el arte de América do trabalho e do trabalhar – esse gesto tão lonial Latina, 1960–1985, propõe um cotidiano quanto universal –, sem deixar de levantamento exaustivo de práticas relacionadas à crílado questões relativas ao trabalho na arte e tica do desenvolvimentismo. ÍCARO LIRA

95

FRENTE DE TRABALHO


ao sistema que o sustenta e explora”. Mas ao invés de Lira tecer um comentário panfletário sobre o trabalho na história do Brasil (o que tornaria a proposta uma mera ilustração, como muitas que vemos por aí), a exposição consolida a ideia de que história e a memória são uma “topografia” que articula imagens, conhecimento e lugares que podem ser misturados e editados. O principal risco deste tipo de operações, que jogam luz sobre personagens e temas excluídos da história (a perspectiva benjaminiana dos “vencidos”), é a criação de utopias vãs, crentes na arte como veículo privilegiado de denúncia, capaz de agir na transformação do mundo, o que não é verdade. No sentido inverso, a exposição de Ícaro Lira reitera a ideia de que a arte pensa (o que é diferente de fazer pensar), num esquema ao mesmo tempo sensível e inteligível por meio do qual uma matéria e uma forma se combinam – nesta exposição existe um especial cuidado no enquadramento dos materiais em áreas destacadas coloridas (“Objeto encontrado #1” e “Sem título, parte #1 e #2, da série ‘Frente de Trabalho’”). Sem roteiro pré-estabelecido como em todos os seus projetos, a sensação que temos é que Frente de Trabalho entrega-nos vários “destroços” (como aqueles que encontramos nas praias depois de uma tempestade), e convida-nos a fazer destes as bússolas de navegação para percorrermos esta mostra, numa deriva de fragmentos e índices. O tom por vezes casuístico e niilista, em que os objetos recusam fixar-se em formas definitivas, é deliberado. Resulta de uma aguda percepção dos entraves coloniais que ainda operam no presente e é visível no “esconde-e-revela” das veladuras, das caixas, das sobreposições, dos áudios distorcidos até à cacofonia, das pedras e dos objetos insólitos aparentemente deslocados de contexto (como o pacote de leite que o governo italiano distribui gratuitamente aos emigrantes e refugiados). Mas um único conjunto deste amontoado de “náufragos”, julgo, resume toda a exposição. Trata-se de uma composição de postais da ditadura divulgando as “grandes obras do regime” (Ponte Rio-Niterói, Itaipu e Mausoléu Castelo Branco) e “flagrantes” de quebradores de pedra, tirados nos anos 30 no contexto da “Missão de Pesquisas Folclóricas”, iniciativa do escritor Mário de Andrade (1893-1945) que percorreu o Nordeste documentando a cultura popular. Ambas geradas na absoluta crença na tecnologia da fotografia, a natureza destas imagens é bastante distinta. Enquanto que os postais da ditadura expressam a

96

ÍCARO LIRA

incursão da tecnologia nos domínios da política – era necessário disseminar propaganda para construir a coesão nacional –, os “flagrantes” dos quebradores de pedras testemunham a urgência em coletar registros de profissões e tradições culturais que estavam a desaparecer. Como escreve Mário de Andrade: “Faz-se necessário que ela [a etnografia brasileira] tome imediatamente uma orientação prática baseada em normas severamente científicas. Nós não precisamos de teóricos (…). Nós precisamos de moços pesquisadores que vão às casas recolher com seriedade e de maneira completa o que esse povo guarda e rapidamente esquece, desnorteado pelo progresso invasor”. Disseminação e resistência, propaganda e “cápsulas do tempo”, de mãos dadas no nosso presente histórico e nesta Frente de Trabalho. Num tempo de visibilidade excessiva em que, tudo indica, não cabe nem ao artista nem à arte nenhum papel ético, talvez devamos resgatar, como faz Ícaro Lira, a ideia de “despesa improdutiva” da arte, traindo a ditadura do trabalho… Lavorare Stanca [“trabalhar cansa”]. Abril de 2018

97

FRENTE DE TRABALHO


Projeto Popular Beatriz Lemos

Se o Brasil é um país sem memória e os arquivos são como cemitérios, onde estarão nossos mortos? Em qual vala comum foi enterrada nossa história de luta? O sufocamento de vozes insurgentes está todo aqui. Nesses arquivos, fotografias, pedaços de jornal, projetos sociais e manifestações populares. São todos parte da cartografia proposta por Ícaro Lira. Dos estopins causadores das revoltas – não deixando silenciar seus respectivos processos sociais de ruptura – ao esmagamento violento por parte do Estado. Episódios históricos cíclicos formadores de um macro sistema de repressão social que a todos nos pertence. Canudos, Caldeirão de Santa Cruz, Revolta da vacina, Cabanagem, Revolta da chibata, Pinheirinho, Massacres de Eldorado dos Carajás, Carandiru. Chacinas da Candelária, Vigário Geral, Baixada, Acari, Messejana. A concentração de iniciativas populares invisibilizadas pelo Estado brasileiro provém do estudo que vem sendo realizado nos últimos anos pelo artista. A prática artística decorrente de vivências e pesquisas de campo, que se alongam por extensos períodos, se aproxima às metodologias comuns usadas em expedições etnográficas, fazendo do trabalho um estudo fronteiriço ao campo da antropologia. O processo coletivo nessas expedições é parte essencial na lógica de ativação do trabalho e acontece via convites a pesquisadores e agentes da arte para experiências de viagens e produção de ensaios a partir da vivência. Essas colaborações partilham do interesse central na produção de Ícaro, que se condensa na busca dos dispositivos de apagamento da memória social. Por que não estudamos nas escolas episódios históricos como os campos de concentração no Ceará? Revoltas. Levantes. Morte. Apagamento. Arquivo. Silêncio. Qual seria a ligação direta entre o Caldeirão de Santa Cruz do Deserto e o projeto educacional de Anísio Teixeira?

98

ÍCARO LIRA

99

PROJETO POPULAR


Neste recorte apresentado como exposição, o artista parte de duas experiências concomitantes: o movimento messiânico liderado pelo beato José Lourenço, no interior do Ceará, e a Escola Parque, projeto educacional realizado na Bahia. Ambos ocorridos entre os anos 1920 e 1930 e que foram duramente rechaçados por medidas governamentais.

Movimento dos Trabalhadores sem Teto ocupa Ministério das Cidades e protesta por moradia emBrasília.

Se por um lado o Caldeirão surge de uma iniciativa popular de moradia, a Escola Parque tinha como filosofia a igualdade de classes e acesso irrestrito à educação. O Caldeirão de Santa Cruz foi o protagonista do primeiro grande bombardeio da história do país. Massacre brutal por terra e por ar do exército nacional. Extinto dos livros de história. Uma comunidade com bases partilhadas, onde o trabalho e a fé eram as diretrizes de sobrevivência em meio ao sertão.

Estudantes secundaristas ocupam mais de setecentas escolas por todo o país.

Frente de Luta pela Moradia ocupa nove prédios e terrenos na capital paulista contra PEC241.

Novembro de 2016

A Escola Parque, projeto do educador baiano Anísio Teixeira, concentrava a utopia de uma sociedade igualitária em sua educação de base, convergindo saberes multidisciplinares em um mesmo ambiente em tempo integral. Local onde o ensino das Humanas era o início da formação de um pensamento revolucionário. Idealizado para as populações carentes do estado da Bahia, não teve continuidade com a eclosão da Ditadura Militar. A Ditadura Militar matou cerca de 8.000 indígenas em disputas relacionadas à propriedade da terra. A produção de Ícaro navega entre história e política social para a edificação de arquivos mutáveis, em constante revisão e acúmulo. Seus projetos são pesquisas, não cabem em uma única obra ou exposição por estarem intrinsecamente conectados no tempo/espaço. “Projeto Popular” contém Campo Geral, que por sua vez é associado ao Museu do Estrangeiro – para citar seus projetos mais recentes e que convivem entre si, atualmente. Para cada investigação, o artista cria inventários de passado e presente que nos levam à constatação de um tempo cíclico e à angustiante sensação de estarmos no mesmo lugar. Contudo, a atenção é necessária: este lugar ainda pode ser uma escolha.

100

ÍCARO LIRA

101

PROJETO POPULAR


Stone Lessons

English Texts

102

103


The matter of the world Gabriel Bogossian

pointed to a historical investigation of Brazil and its self-representations.

An education by stone: by lessons; to learn the stone, to frequent it (...). João Cabral de Melo Neto, Education By Stone The book Lições da Pedra (“Stone Lessons”), by Ícaro Lira, brings a selection of the photographic records of three of the main solo exhibitions of this who is one of the most consistent Brazilian contemporary artists of his generation. Held between 2015 and 2020 in galleries in São Paulo and Paris, Campo Geral (“General Field”), Frente de Trabalho (“Work Group”) and Lições da Pedra show some of the questions and poetic procedures that mark Lira’s recent production. Followed by the texts written by the curators who were his interlocutors in these projects, the records contained in Lições da Pedra serve as an initial milestone of the journey and introduction to the artist’s conceptual universe, also highlighting the wide range of references and dialogues –artistic and theoretical– organized by him.

Frente de Trabalho was presented at Jaqueline Martins gallery and had curatorship and text by the author of this preface. Without giving up the interest in archaeological procedures and the desire to illuminate the nooks of State power, the counter-history and the minority existences that inhabit it, the set of works focused on the question of labor in its varied expressions. The title of the exhibition referred to the work groups organized by public authorities at different times in Brazilian history; the set of artworks, however, was not restricted to the exploitation of the workforce and its idleness by the State, but, more broadly, addressed the collective dimension of this daily and universal activity. Thus, various work instruments were present, conceived by vernacular design in activities as different as fishing and civil construction, in addition to fragments of the history of labor and, again, references to other artists, as to indicate the collective character of this activity as well. In the exhibition, as in Simone Weil, the mystique of work was the starting point for the possible poetic exercise in the face of history.

Presented at Central Galeria, Campo Geral was curated and had its text written by Marta Ramos-Yzquierdo. Based on a non-normative appropriation of archaeological practice, it sought to gather the “found residues”, as Ramos-Yzquierdo says, in Lira’s series of trips through the countryside of Brazil and through the country’s archives, museums and libraries. With a clear Foucauldian inspiration, the procedure also inherited an interest in the forms assumed by State power and its use against their own populations. Without attempting to reconstitute an exact image of the past, this archeology brought together its results in a series of works composed with collected objects (stones, bones, fragments of fabric and votive images), images authored by other artists, publications and periodicals, in an apparent cacophony of elements. This material, treated as found footage, was spatially edited in the exhibition space in order to organize statements whose meanings, sometimes more, sometimes less evident, all

104

the same time on the indexical aspect of these elements and in their connotative dimension, revealing a poetic thought “that resists precisely to the intelligible.” Artist book elaborated as a sort of collection of collections, Lições da Pedra closes with Projeto Popular and Frente de Trabalho, respectively by the curators Beatriz Lemos and Marta Mestre. Written in the occasion of the exhibitions Campo Geral and Frente de Trabalho, they cover the historical events and poetic premises that orient Lira’s artistic practice, broadening the understanding of it. In this set, it is evident, on the one hand, the progressive clarity of procedures and a consistent approach of a certain Brazilian imaginary –as if the artist sought to elaborate a kind of national critical self-awareness from the critical resumption of moments of profound investment in the invention of our tradition– and, on the other hand, an attention dedicated to the materiality of the world and its things, source of part of the senses that are shown and hidden here. In a practice with so many and deep roots in Brazilian history and politics, the constancy with which literature is evoked, either directly in the books used in the composition of the artworks, or indirectly, in their titles, also draws attention. In addition to Guimarães Rosa (and his Campo Geral) and João Cabral de Melo Neto, whose “Education by Stone” is mentioned in this publication, Lavorare Stanca [Working Wearies] is present, a collection of poems in which Cesare Pavese accompanies the life without pride of urban and countryside workers. Like Pavese, Lira travels the margins of the world in search of a language that, attuned to small gestures, approaches daily diction and the concrete experience of things. In this sense, it is worth recalling the last lines of Paesaggio, which closes Lavorare Stanca: “O magari un ragazzo scappato di casa/ torna proprio quest’oggi, che sale la nebbia/ sopra il fiume, e dimentica tutta la vita/ le miserie, la fame e le fedi tradite,/ per fermarsi su un angolo, bevendo il mattino./ Val la pena tornare, magari diverso.”

Finally, Lições da Pedra (“Stone Lessons”), which lends its title to this book, was curated and had its text written by Elena Lespes Muñoz. Gathering Lira’s most recent production, the exhibition presented a depuration of his poetic diction, as if, like an applied student, the exercise of the lessons had brought more accuracy and rigor to his enunciation. The coming and going between past and present, and between one place and another, seems at the same time more abstract and more precise; with minimal technical interventions on the materials, the juxtapositions of elements delimit a semantic universe defined by dispossession and uprooting, not only of the historical subjects evoked by the works but also of the elements that evoke them. Less interested in the documentary (and, however, without discarding it), the works’ relationship with the real and its objects, as Muñoz says in her text, was based at

ÍCARO LIRA

105

LIÇÕES DA PEDRA


Stone Lessons Elena Lespes Muñoz Patiently and a little by hazard, although with a driven curiosity, he takes out of the box its content and sets it on the floor. The holy image of a blue Virgin Mary, a hardened piece of cloth which looks like a seamed card, a handwritten letter whose first lines were read without attempting to understand them and little pale photos with gray and round corners. Scattered like that, arranged as a picture on the sand, the set works by blossoming. It is not that these objects come out of the box with with a common message –time, history seam- , but this arrangement performed by Ícaro holds something of edition. Documentary or fiction, it does not matter. Set by his side, I watch him manipulating the objects in my great grandmother’s attic. Not shyly, but with the modesty of a foreigner in an intimate territory, he lifts covers, pulls papers from a pile of documents, blows dust, stops on miniatures of child objects tied by rough rope, and quickly moves to other objects, asking questions, listening. We can not say he is searching for something, but the tenuous attention paid to objects, to the stories they can or can not tell, to their eventual detours to other stories, would appear again later while walking on London streets, sharing ideas about the exhibition we were preparing to Salle Principale gallery. Ícaro Lira –Brazilian artist whose Lições da Pedra is the first exhibition in France– has been interested in the topics of displacement, control and social isolation for several years. A history of cracks and movements, migration history is more than a history of origins –from where one comes– , it is a history of circulation and demarcation –where one lives, where one remains, what was necessary to stay. Demarcation according to one’s native land, of course, but also the one suffered, implicitly or explicitly, on the new land. What is it to live somewhere? Do we belong to the place where we live? What defines our belonging to a certain place? To what and

106

to whom are we foreigners? Through the territories of Brazilian Northeast, where Ícaro comes from and to where he never ceases to return, to the streets of São Paulo, London, Paris, Naples or a little village in Andaluzia, the artist is always moving. Not more as a traveler an exiled or an immigrant, Ícaro Lira does not celebrates nomadism, but is interested in transfigurations –political, economical, and social, but also intimate– brought by these circulations. Starting from his trips, which are, above all, meetings, he brings back objects: wood pieces, stones, pictures, trash, administrative documents, press articles, and audio interviews and personal notes. So many traces with unique stories that, juxtaposed and taken as a whole, they become a weave of fragile meaning and open to interpretation.

of displacement, juxtaposition, separation, recovery and association. Objects work simultaneously as signs and signifiers. Beyond the documental value perhaps found on a picture taken from Paris Match magazine or a thousand cruzeiros bill, it seems to me that there are two ways of dealing with what is the Real. The first is based on an index logic, the document, as a vestige, referring to a specific regime of knowledge and representation as a vehicle of access to the past; to these stories strained by time and silences that, as they become such thin membranes, the palimpsest of voices and memories could almost erase their existence. The second, more precarious, would reveal a thought: a thought as something that precisely resists to the intelligible. For that matter, with details such as a dry pomegranate, or a piece of slate, Ícaro works more with connotations than with certainties, managing to reach something of the Real. It would be wrong to conceive these documents and objects as the only way to access the facts, to search in its details a meaningful line that would conceal a proper importance and justify its presence in the arranged device. Instead, they make us think about how to access the facts they manage to tell. Two editions of a Brazilian national newspaper -Folha de S. Paulo– one from April 8th 2018, the other from October 29th 2018, are set side by side on the floor, on the wrapping paper used to transport and protect them. One announces Lula’s arrest, the other Bolsonaro’s nomination as Brazilian president. Ícaro carried with him these editions in his suitcase for over a year, without knowing what to do neither with them nor what to do with the content of their messages. Lightness, I am not sure – preso/ peso (prisioner/burden). Its materiality resists to speech.

Thus, through distinct accumulation of details, perhaps initially innocuous, something emerges from his work. A kind of narrative is created, or something takes over the place of the draft. In order to silence space, go deeper on stories, to allow approaches, as a conscious archivist, Ícaro Lira devotes himself to the task he is entitled to. Operating with rules of classification, separation, attribution, he prefers the discreet and modest heterogeneous objects and the lines of flight established by ephemerous association. To say it, but to prefer not to. He seeks to tell stories of collective or intimate trajectories by fragile and subtle arrangements, in order to highlight irreducible meaning to great narratives. Rather than a monotonous voice he prefers the archive, a fissile and non-homogenic path by excellence. Thus, the displacement of an object will be always possible and, along with it, a never ending writing. Maybe this is what Ícaro is trying to do here, a carrier bag fiction1: a story that would be told starting from wrecks and papers blindly shoved in the pockets of a blue jeans.

With this approach –that does not aim to close doors but that offers itself, instead, as a listening place to a plurality of stories and voices and their vulnerabilities–, Ícaro Lira holds a deep empathy by lived experiences. The exhibition at Salle Principale gallery functions like a knot. A temporary knot of voices, meeting, stories, crossed territories, inhabited and carried out inside each person, of distinct temporalities often reoriented by new collages. In this way, it does not act as an institution’s mode, but more in the act of breaking and opening. Annunciation is plural and specular. Makes itself suddenly heard through sequences and articulations of the editing, in the echo of the encounters that saw its birth and that it allows to rise. 1 "(...) we have all heard of sticks, spears and swords, of all those instruments with which you hit, pierce and knock, of these long and hard things. On the other hand, we hear nothing about what we put other things, about the container and the things in it. >> "Here is a new story." << ”Ursula Le Guin, in (original title: The Carrier Bag Theory of Fiction, 1986).

Ícaro’s assemblages mischief any discursive integration, escaping from linearity and the demonstration and preferring the possibility of intimate investment to the synthesis of a totalizing speech. The index paradigm is, therefore, blocked. Set here and there, objects such as a piece of obsidian rock, Chiquilin stickers or a book are together with the

Documents and objects selected and assembled by Lira constitute a plastic agencying that evokes a poetic diction. It resembles an inner prose in which his look and thought come to merge into the repeated gestures

ÍCARO LIRA

artworks –all of them made of other objects– highlighting its material an unbending dimension. The artwork thus becomes the exhibition space of a personal collection where snippets of stories can be read, endlessly revolve around the traces collected by Ícaro. In this set, objects never unction in a raw state, but enchained in a logic of assemblage and display. It is less the restitution of a story that unfolds before our eyes and more a close connection to it.

107

LIÇÕES DA PEDRA


Work Group Gabriel Bogossian “Frente de Trabalho” (Work Group) was the moniker bestowed, in different contexts and at different points in time, on government policies designed to address the problem of labor force inactivity in Brazil. An oft-used tool in fighting unemployment and drought, the creation of work groups entailed the mobilization of workers for temporary labor at the service of the State, in some instances concurrently with professional training programs. With no drought or State involved, the mobilization seen in Ícaro Lira’s Frente de Trabalho is of a different kind. Touted from the entrance as a production site, the exhibition space is taken with works created from documents and objects amassed through the exercise of collecting that underlies the artist’s poetical operations. Like Francis Ponge’s open texts, where poetical matter is made of the various attempts at elaborating it, here Lira taps into several resources to prompt reflection about labor and the act of working–an activity as run-of-the-mill as it is universal–, all the while taking into account issues pertaining to artistic work and the system that both sustain and exploits it. One of such resources springs to attention for the regularity with which it serves the composition of the whole exhibition and, moreover, Lira’s artistic practice: the appropriation of historical contents as raw material for artmaking, which imposes a selective, reinterpretative gesture upon a magma of documents, objects and publications, as if one had to organize not only pessimism in face of history, but also the very rubble of progress at the angel’s feet. The pooling together of material from different periods gives rise to a counter-history of work of sorts, where workers from distinct eras and professions are put into perspective, making evident analogies, recurrences and repetitions not only between different moments from the past, but also between them and our present.

108

Placed side by side, photographic documents produced by São Paulo’s modernism, works by contemporary artists, and memorabilia from the 1964 civilian–military dictatorship comprise a panorama through which we contemplate events usually relegated to the fringes of memory and history. Here, like in the work groups that the title alludes to, one can hear an ample choir of voices.The artwork, thus, is a sort of report on an ongoing research; in approaching itself as a place of emergence of the past, it acts as a gateway for the contents which resurface from the slime of our historical hang-ups.

in Frente de Trabalho seem organized by the gaze of a directing-artist whose subjective camera decoupages the position of objects in space into shots, zooming in on some and placing others at depth, like elements in a lengthy sequence shot. As though he were reinventing the process of editing a film, dismembering and spatializing its raw material, Lira modulates different viewpoints and eras to produce a singular amalgamation of poetry and history. From its poetic space, bodies reduced to ‘worker meat’ and non-canon authors get to speak anew, emerging from anonymity to affirm once again their uniqueness and presence.

And while the recourse to history is intended to elaborate a place for the work of art in the face of Brazil’s violent, traumatic social pact that also marks our cultural narratives, this process does not take place in the isolation of the studio or of the archival research, but in connection with other productions and other social actors. Frente de Trabalho highlights the collective labor which becomes visible not only in the historical perspective or by the mention to other artists and authors –Juraci Dórea, Traplev and Stefan Zweig, among others, present in publications– , but in the fragments of the history of laborism, in the documentation from various archives and collections, and in the processes of composition and reuse of objects conceived by vernacular design in different professions. The sum of hands and efforts involved in fishing, in construction, in making tapioca gum or leather, in the quarries, the piano carriers, in the squatting of the old Cambridge Hotel, and in the creation of a work of art at the same time serves the purpose of being an object of investigation and a poetical method. Like a communal work project, the valuing of the collective, dialogic dimension of labor is what lends meaning to the artwork and the perspective that it ushers in. Finally, it’s worth noting the presence of a certain cinematic heritage, made evident by how the compositions are structured out and articulated into a meaningful sequence. Taken as a group, the constituent elements

ÍCARO LIRA

109

LIÇÕES DA PEDRA


Campo Geral Marta Ramos-Yzquierdo EXERCISE 1 ... crossed the Concentration Camp very quickly. — Rachel de Queiroz, O Quinze1 If we are ignoring our own history, we will only penetrate the past archeologically —Giorgo Agamben2 To know how to distrust what we see, we must know more, see, despite everything. Despite the destruction, the suppression of all things. It is good to know how to look like an archaeologist. And it is through such a look - through such an interrogation - that we see that things begin to look at us from their buried spaces and crumbling times. — Georges Didi-Huberman, Atlas, or the Anxious Gay Science3

A first exercise as starting point. Reading heterogeneous, even contradictory, citations in the same text and their association: First, a field. Crossed quickly, seen so fleetingly that you can even forget, even though, or perhaps for that very reason, it reminds you of the most painful memories. This field, which after all is also any of the fields, of the landscapes that we tread, that we photograph or read. Second, two ways of looking at it. The look that ignores, with a concept of archeology as a normative and cold science that exists within an accomplice system, fundamentally political, in which the control of the narration of the past seeks to build a determinant form on the possibilities of the present and the future. Or the restless look, which evades these hegemonic discourses: it digs, traces in the uncanny and questions, through the creation of new relationships that reveal other stories, the forgotten, the unnameable, articulating new paths of knowledge.

CAMPO DE SÃO PAULO I: Routes to monuments of stories already invented 1. Turn left to remain on Ramos de Azevedo Square 120 m Turn left at Viaduct of Chá 250 m Turn right at Líbero Badaró St. 190 m Continue towards Ouvidor Pacheco e Silva Square 63 m Turn left at São Francisco Square Destination will be on the right 86 m

borders against movements of secession and foreign attacks. Sculpture by Vitor Brecheret, installed in 1960. CAMPO SÃO PAULO II: Types and aspects of Brazil 4. Turn left at Timbiras St. 650m Continue towards Sen. Queirós Av. 700m Continue towards Mercúrio Av. 600m Turn left at Gasômetro St. 700m Continue towards Gasômetro Viaduct 290m Continue straight on Concórdia Square 26m

Idyll or Eternal Kiss, image of love between an indigenous woman and a Frenchman. Homage to the poem by Olavo Bilac (1865-1918), poet, founding member of Academia Brasileira de Letras and creator of the lyrics of the Brazilian Flag Anthem. Part of William Zadig’s allegorical set of sculptures, 1920.

Being one of the most populated areas in Brazil, the Northeast is the tireless lode that supplies the country with impressive contingents of labor for all professional activities. But this is due not only to the dispersion of people of the deserted land in search of other corners that are narrowed by the homeland latitudes: what expels the northeastern from his land is more precisely the intermittence of climatic scourges allied to the neglect and abandonment in which the man of EUCLIDES is confined. — O pau-de-arara, Francisco Barboza Leite4

2. Continue towards Dr. Arnaldo Av. 1.5 km Continue towards the Okuhara Koei Viaduct 200 m Continue towards Rebouças Av. 58 m Continue towards Consolação St. 100 m Make a slight turn right at Paulista Av. Destination will be on the right 1.0 km

Traditionally, the “great narratives” were formed as a list of names and landmarks. In addition to the selection of kings, warriors and rulers and their achievements, there is another protagonist: the people. A collective actor who, as part of the national imagination, serves so that every citizen can identify themselves or project themselves in the same ideal of national glory.

Bartolomeu Bueno da Silva, better known as Anhanguera (1672-1740). One of the pioneers, explorers and conquerors of the Brazilian countryside. His nickname comes from the name of the Anhanguera indigenous people of the Tocantins River that he enslaved to obtain gold. Sculpture by Luiz Brizzolara, 1924.

In 1966, IBGE published “Types and aspects of Brazil”, a collection of descriptions of each of the states of Brazil, still with the old division of states in which Bahia was in the east and São Paulo was in the south. Each chapter is structured through several concepts: the landscapes that are sources of natural wealth, the workers who explore them and some regional peculiarities treated as exotic or conjunctural problems. Each of those men, with their profession specified and their phenotype described, is part of the labor force that shapes a country, engine of the progress of the Nation.

3. Continue straight on to remain at Mal. Deodoro Square 450 m Continue towards São João Av. 450 m Turn left at Helvétia St. 500 m Turn right at Guaianases St. 100 m Princesa Isabel Square Luiz Alves de Lima e Silva. Duque de Caxias (1803-1880). Defender of the Brazilian monarchy, fought against liberal uprisings and at the

110

ÍCARO LIRA

111

List of the chapters of “Types and aspect of Brazil”: NORTH REGION / alligator harpoons / Amazonian caboclo / fields of Rio Branco / canoeists of rivers with waterfalls / Brazilian nut trees / travelling boats/ pirarucu fishing / pirarucu fisherman / street vendors / rubber tappers / stretch of a river in the Amazon / cowboy of Marajó / cowboys from Rio Branco / Ver-o-pêso market // NORTHEAST REGION / hammock makers / wild / water well / water seller / caroá factories / babaçu palm tree fields / rafts / caatinga (Brazilian dry forest) / fishermen in Rio Grande do Norte / carriers [cambiteiros] / cane fields / carnaúba fields / folklore ceramics / Northeastern countryside fences / carnauba harvest / beach coconut trees / goat breeding / mills / flour manufacturer / rapadura manufacture / Northeastern hinterland fair / artisanal fishermen / captions of trucks on the roads / cabin / work group / coconuts collector / cassava field / informal bus transport / artisanal fisherman / herdsman / seller of hammocks / farm gate / lacemakers / types of fishing / cará picker / São Francisco river waterfall stretch / vaquejada / cowboy / fish hatcheries from Recife // EAST REGION / Maquiné cave / washerwoman / riparians / São Francisco boatmen / pack donkeys / cocoa plantation / ox cart / charcoal producer / coastal / masonry brick making / gold miners / slums / livestock fair / eastern hillside forest / general / São Francisco limestone caves / mangroves / countryside man / black women from Bahia / spyhole / green coconut seller / plain of the Goitacases / planks / central region of Minas Gerais / sandbank / salt pans / erosion // SOUTH REGION / family friend / grape harvest / Iguaçu waterfalls / coffee plantation / breeding fields in Rio Grande do Sul / Guarapuava fields / trucker / colonial carts / wooden houses in Paraná / salting meat area / coffee harvest / pasture / yerba mate field / mate worker / pine extractors / frosts and snowfalls / banana worker / shed / gaucho / fiber basket / rural worker / fishermen from the south coast / pine forest / rodeo / sawmill / cattle crossing / Vila Velha // CENTRAL-WEST REGION / drover / oxen saddle / buriti field / jaguar hunters / tree-covered savannah / family friend’s house / separate stockyard / logging / forest-gallery / prospectors / poaia forest / lumberjack / poaia picker / pantanal / abandoned house

LIÇÕES DA PEDRA


So great is his task and so few his resources that he shares them with neighbors, brothers, friends: he creates a work group. Everyone gets together to make the endeavour: what for a man alone it would take many weeks to do will be done in a few days, in this kind of cooperativism where the work will be returned with the work and says very well that the togetherness is strength. — Mutirão, Rosalvo Florentino de Sousa5 SÃO PAULO FIELD III: Times 5. Turn left at Aurélia St. 700m Continue towards Heitor Penteado St. 2.3 km Continue towards Dr. Arnaldo Av. 1.2 km Turn left at Maj. Nathanael St. Destination will be on the left 140 m Chronos. Sculpture by João Batista Ferri, 1945, located in the niche of Araçá Cemetery. Chronos, the firstborn, deity who personifies universal time. It existed before the formation of the universe and after its mating with Ananké, Inevitability, formed a spiral around the original egg, giving birth to the world divided in land, sea, and sky. He is represented as an old man with long hair and beard. He is often mistaken for Cronos, the youngest of the Titans, who overthrew his father Uranus (the sky) to be the sole ruler in the mythical Golden Age. And who, in turn, was dethroned by his sons Zeus, Hades, and Poseidon. He is associated with the moment of creation and represented with a scythe, which he used to castrate his father and thus allow the formation of the world. With him come the harvests, and human time, governed by the earth’s calendar. Cyclic. That is repeated season after season. Time did not enter the scene only after “a certain time” to give rise to a genesis and, thus, to start a process and trigger an evolution. Étienne Klein, Las tácticas de Cronos6 Just as there are two Cronos, two images of time that are bewildered, there are many conceptions of temporal becoming. These are times that directly influence the structure and development of a narration, therefore also in the construction

112

of the historical report and, consequently, in the identity of the community that generates it. If we think about the questions and proposals that each of them offers, we could rethink the ideas of history and identity, and from now on.

isting in two parallel plans of reality, both being a separation from the other and not existing in succession to each other. The tragedy of the “current present” is that it is no longer variable and one in essence, as in the “previous time”, but to institute individuals and fixed objects, non-changeable and without communication with each other. The indigenous oral narratives dilute any concept of immutability: the figure of the shaman, who has the ability to move from one plan to another, seeks in each narration updates according to the needs of the moment of ts repetition, not existing, thus, a only single time nor a only single narrator in their tradition.

If we speak of historical time, semiotics identifies the time in which a fact happened, the time of the enunciator –the moment in which the narration of the fact is written– and the time in which the reader is found –moment where s/he receives and reads it. Because these three diachronic moments (which occur linearly), different types of discontinuity can occur, since it is not taken into account the time lag between chronic time, written time and read time. An enunciator, proclaimed as a direct witness or a privileged collector of testimonies, shapes the reality to be transmitted in these discontinuities, in his/her choices and, above all, in his/ her forgetfulness.

Assimilating this temporal conception would mean a movement towards the decolonized thinking of the western hegemonic concepts that structured a certain tradition in our society. In the text “The marble and the myrtle: on the inconstancy of the wild soul”8, Eduardo Viveiros de Castro analyzes the colonial gaze towards Tupi culture, a point of view that could not understand the non-violence and the cannibalism of these peoples, which would mean a capacity for absorption and denial at the same time. As the figure of the indigenous person is one of the myths of the Brazilian colonial imagination, which switched from the image of the good savage to a perception of the indigenous as inconstant and traitorous, to reflect departing from the Tupi culture opens a new concept of knowledge construction, of relations with the other and with temporality. For the Tupi, just as it is extracted from the analysis of the narratives of the reports in the early cultures by Menezes de Souza, their identity is built on alterity and not on origin. It is in the other, in the desire for exchange and self-transfiguration. The shock comes because the colonial civilizing project is a program with a unique system. There is no room for another culture, and even less for one in which power is only established in otherness, and thus encodes the absorption of new knowledge and their temporal relationship in this experience, not in a linear imposition of past-present-future.

Let us add another interpretation of diachronic time. A distinction is also made in Western culture between mythical time, a remote and unprovable past according to the parameters of science, and historical time, that of scientifically contrasted data. However, in Brazilian indigenous oral cultures, an example of collective creation of the narration, these two concepts of time –the legendary and the supposedly trustworthy– blur, in a non-linear notion of the narration. In their recitations, it is not the moment of the fact that counts, but in what temporal plan the fact is presented. According to Dr. Menezes de Souza7, following the description of the anthropologist Roberto DaMatta, two moments or places are distinguished (by academic science): “previous present” and “current present”. The first, which in Western conception identifies with the mythical, corresponds to a unity in which the world and everything in it –beings and objects without distinction– changes continuously; the second, assimilated as our present time, refers to everything that happens after a supposed “great primordial disaster”, where the forms were permanently fixed, leaving beings isolated. As “presents”, the two are synchronous, coex-

ÍCARO LIRA

It opens, then, the possibility of breaking the temporal unit and its representation. Another

113

type of time is allowed to enter, the paradoxical, which places its essence in plurality and in the capacity for fragmentation and recomposition without line or need for continuity. We would be talking about the end of the static time of Western philosophy, the time that Ernst Bloch calls “not yet” and that Boaventura de Sousa Santos brings in his elaboration as a “sociology of emergencies”. It could “replace the void of the future according to linear time and for a future of plural and concrete possibilities, both utopian and realistic, that are being built in the present from care activities ”9. THE FIELD AS LANDSCAPE “The landscape does not change. (…) So for me the Amazon of rubber is the Delirium Landscape and the Hinterland is the Mirage landscape ”10 I - THE RIVER, THE MINING, THE RUBBER, THE HYDROELETRIC PLANT: Manaus - Negro River / Iranduba - Solimões River / Amazonas: Santarém / Alter do Chão / Belterra - Tapajós River: Itaituba / Village Sawré Muybu-Munduruku / Fordlândia / Altamira / Belo Monte - Xingu River: Belém II - THE TRAIN, THE MIGRANTS, FIELDS OR PENS, MIRACLES AND SAINTS: Fortaleza / Ipu / Canindé / Quixadá / Quixeramobim / Senador Pompeu / Iguatu / Cariús / Crato / Nova Olinda / Juazeiro do Norte In the last surveys in the territory of his homeland, Ceará, Ícaro Lira crossed in July two of the major routes of migration in the state since 1840s, marked by the climatic event of the “drought”. The laws and decisions of the government and the oligarchic and religious powers, moved by an idea of modernity and with economic progress as a target, have transformed this state of drought into a laboratory of new hygienic, behavioral, medical and population control measures, the effects of which are perceived and repeated until today in a naturalization of patrimonialism and internal colonialism. After it, a hegemonic cartography is configured, where places are erased and their memories denied, in a strategy of appropriation and violence.

LIÇÕES DA PEDRA


The migrants, people who had abandoned their land and were searching for food and work in the capital, were, thus, treated as persona non grata for being elements that disturbed the image of progress, beauty and modernity that the State looked for. Fight and confrontation were the continuous reality among these disciplinary measures and the attempts, uses and norms organically arised among the thousands of people who suffered with this control technology of biopolitical patterns. Two lines of ordering were created with these premises: the concentration fields that followed the railway line to the countryside and the sending of rubber workers in ships that came up the river towards the Amazon. Sold as chance of entering the system, these trips would only serve to continue out of place, out of the “opportunities” of modernity, revealing themselves as “insertions that exclude”.

“Collectors or historians are no longer those lucky aristocrats or bourgeois who can entrust a secretary with the task of carrying out an inventory of their treasures. They roam the paths, they wander, they are indigent. And so, given their own poverty, everything they need to sample chaos is at their fingertips.”14

FIELD [Cinema, Photography, Television] Area that can be covered by a camera. Roland Barthes in his text “The discourse of history” raises an initial question: “the narration of past events, which in our culture, since the Greeks, is generally subject to the sanction of historical “science ”, placed under the imperative guarantee of “reality”, justified by principles of “rational” exposition, does this narration really differ, by some specific characteristic, by some undoubted pertinence, from the imagined narration, as we can find in the epic poem, in the novel, in the drama?”11

Reading these convergencies would lose its meaning if put in an immovable vertical line. The space has to be the desk, the mobile devices that allow us to reorder and make connections at one time or another in an inexhaustible way. To cut, to analyse and build dynamic assemblies that show these “intimate relationships” not visible in the positivist classificatory approach.

The tool for generating connections between the fields –subject, theme– is imagination, “the affective as well as the cognitive element”12 whose subjective dimension will be the one that allows the reconfiguration in a new cartography. In Ícaro Lira’s work, fields reveal themselves in objects, residues, images, memories, fictions, data collected and lived in his travels. Therefore, in its reading it is necessary to use perception from the sensitive and from the intelligible at the same time, thus making it possible to build a paradoxical history that can activate new knowledge that allows us to “read the never written”13.

114

NOTES 1 Queiroz, Rachel de. O Quinze. 1930. 1ª edição. Livraria José Olympio Editora, São Paulo, 1930. 2. “The Endless Crisis as an Instrument of Power: In conversation with Giorgio Agamben” 4/06/2013. http://www.versobooks.com/blogs/1318-the-endless- crisis-as-an-instrument-of-power-in-conversation-with-giorgio-agamben 3. Didi-Huberman, Georges. Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta. KKYM+EAUM, Lisboa, 2013. 4. Tipos e aspectos do Brasil – coletânea da Revista Brasileira de Geografia. IBGE – Conselho Nacional de Geografia. 8ª edição. Rio de Janeiro, 1966. 5. Op. cit. 4. 6. Klein, Étienne, Las tácticas de Cronos. Siruela, Madri, 2005. 7. Menezes de Souza, Lynn Mario T. “Uma outra história, a escrita indígena no Brasil”, website Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental ISA, Brasil, março 2006. (http://pib.socioambiental.org/ pt/c/iniciativas-indigenas/ autoria-indigena/uma-outra-historia,-a-escrita-indigena-no-brasil) 8. Viveiros De Castro, Eduardo B. A Inconstância da Alma Selvagem e Outros Ensaios de Antropologia. Ed. Cosac & Naify, São Paulo, 2002. 9. Sousa Santos, Boaventura de. Descolonizar el saber, reinventar el poder. Ediciones Trilce, Montevidéu, Uruguai, 2010. 10. Carta de Marta Ramos-Yzquierdo a Ícaro Lira, julho de 2015. 11. Barthes, Roland. El susurro del lenguaje. Más allá de la palabra y de la escritura. Ed. Paidós, Barcelona, Espanha, 1987. 12. Op. Cit. 3. 13. Didi-Huberman, Georges, “Cascas”. In: Revista Serrote n.13, IMS, Rio de Janeiro, Brasil, março 2013. 14. Op. Cit. 3. 15. Op. Cit. 3. 16. E-mail de Marta Ramos-Yzquierdo a Ícaro Lira, setembro de 2015.

BATTLEFIELD - EMERGENCY TABLE The model for this strategy of gathering fields in a General Field is the Atlas Mnemosyne by Aby Warburg and Didi-Huberman’s analysis of it: these analogies between immeasurable realities through “migratory images that when taken into consideration transform all “artistic style” and all “national culture”, as by abuse, in an essentially hybrid, impure, mestizo entity. It mixes the assembly of heterogeneous things, places and times… ”15

In this way, we are summoned in a place of conflict between desire and reality –described by Foucault in Nieztsche’s concept of “effective history”–, in Foucault’s heterotopias –these spaces of “crises and deviations”– , in the plateaus of Deleuze and Guattari –the place of variables “in a state of continuous variation”– , far from the dominant versions of modernity, in a non-exclusive movement. The old photos abandoned the albums. The objects to be stored are the residues found during the trip. Study books are mixed with bedside books. The intelligible and the sensitive. Everything is gathered on the work table. At the same time. Without a defined linear time. The possibility of imagining new knowledge opens up.16

ÍCARO LIRA

115

LIÇÕES DA PEDRA


Work Group Marta Mestre Recently opened in São Paulo, Frente de trabalho (Work Group) by Ícaro Lira is the artist’s first solo show at gallery Jaqueline Martins and a great opportunity for delving deeper into the connections that art can build with myriad a of social, political and cultural contexts. Amid the vibrant, festive feel of events held alongside the SP-Arte fair, this exhibit brings us the entire grammar the artist has been constructing for almost ten years now, inciting us to look at the –not entirely optimistic– interstices in Brazilian history. Following Desterro – expedição etnográfica de fição (2014), Museu do Estrangeiro (2015) or Residência Cambridge (2016) –long-term projects which enabled Ícaro Lira to consolidate an art practice that transcended the “studio-gallery-institution-collection” circuit–, Frente de trabalho takes on a more decanted or filtered down character, foregoing text and historical reviews and dealing with the visual plasticity of materials in its set-up. In Lira’s work, unlikethat of any Brazilian contemporary of his generation, one can grasp how the “art object” notion gives way to precariousness or “material poverty”, not in the sense of the dematerialized propositions of 60s and 70s artists, but in direct affinity with an “aesthetic of underdevelopment” of those same years, put forth by artists like Glauber Rocha, Artur Barrio, Horacio Zabala, Luis Ospina, and Carlos Mayolo, among others, to oppose the colonizing narratives of “developmentalism” (conveyed by alliances with the USA)1. In this sense, Frente de trabalho lends continuity to the artist’s greatest “obsessions”, his drive to unearth futures from among the rubble of the past, to suture the fissures of language and to restore meanings that are on the verge of disappearing, amid the political “obscenity” taking place in Brazil. Additionally, it shows a sensitive arrangement of materials (mostly scraps, “trash,” objets trouvés), in a critique of art as luxury commodity.

116

In the words of curator Gabriel Bogossian (who wrote the exhibition text), Frente de trabalho “prompts reflection about labor and the act of working –an activity as daily as it is universal–, all the while taking into account issues pertaining to artistic work and the systemthat both feeds and exploits it”. But instead of weaving up a pamphleteering comment on labor in Brazilian history (thereby making the proposition a mere illustration, like so many around), the exhibition consolidates the idea that history and memory are “topographies” of images, knowledge and places. The biggest risk in operations of this sort, which shed light on characters and subjects that were left out of history (the Benjaminian perspective of the “defeated”), is that of creating vain utopias, ones whose preferred vessel of denunciation is art, for its supposed ability to transform the world, which is untrue. On the contrary, this exhibit by Ícaro Lira reiterates the notion that art thinks (not the same as provokes thought), featuring a scheme at once sensitive and intelligible whereby matter and form combine –special care was taken in framing up the materials (“Objeto encontrado #1” and “Sem título, parts #1 and #2, from the ‘Frente de Trabalho’ series”).

torship-era Brazil, advertising the “great achievements ofthe regime” (the Rio-Niterói Bridge, Itaipu and the Castelo Branco Mausoleum) and “snapshots” of stone breakers, taken in the 30’s as writer Mario de Andrade’s (1893-1945) “Folk Research Mission” toured the Northeast documenting folk culture. And although both of those image sets were born of an utter belief in the technology of photography, their natures are very distinct.

1 Here we of necessity refer to Luis Ospina’s and Carlos Mayolo’s “pornomiséria” cinema (Grupo de Cali, Colombia); Glauber Rocha’s texts “Estétyka da Fome” (1965) and “Estétyka do Sonho” (1971); Artur Barrio’s 70s actions, among others. Now showing at Museo Jumex, the exhibition Memorias del Subdesarrollo: el giro descolonial en el arte de América Latina, 1960– 1985 sets out to exhaustively survey practices associated with the critique of developmentalism.

Whereas the postcards express the incursion of technology into the domains of politics –propaganda had to be spread in order to build national cohesion–, the stone-breaker “snapshots” are testimony to the urgent need to catalog professions and cultural traditions that were on the verge of disappearing. As Mário de Andrade wrote: “[Brazilian ethnography] practical orientation must immediately become based on strict scientific norms. We do not need theoreticians (…). We need young researchers to knock on doors and to collect, in a serious and complete way, what these people put away and quickly forget, rendered directionless by invasive progress”. Dissemination and resistance, propaganda and “time capsules” walk hand in hand in our historical present and in this Frente de trabalho. In a time of over-visibility when it does not seem to be up to neither artist nor art to play ethical roles of any sort, perhaps we must betray, as does Ícaro Lira, the dictatorship of labor… Lavorare Stanca [“to work is tiresome”].

And since this –like all of his– is a script-less project, one gets the sense that Frente de trabalho delivers bits of “debris” (like those found on a beach after a storm) and invites us to rely on them as compasses to navigate the exhibit. The occasionally casuistic, nihilistic way in which objects refuse to fixate into definitive forms is deliberate. It stems from an acute perception of the colonial obstructions that still operate in the present, and is visible in the “hide-and-show” of the velatures, the boxes, the superimpositions, the audios distorted to the point of cacophony, the stones and unexpected objects, seemingly displaced from context (like the milk box the Italian government gives immigrants andrefugees). But to me, one particular set among these “castaways” sums up the entire show. It’s a composition of postcards from dicta-

ÍCARO LIRA

117

LIÇÕES DA PEDRA


Popular Project Beatriz Lemos

Uprisings. Insurrections. Death. Erasure. Archive. Silence.

If Brazil is a country without memory, and if archives are like cemeteries, where will our dead rest? In what mass grave our history of struggle has been buried?

What would be the link between the Caldeirão de Santa Cruz do Deserto and the educational project designed by Anísio Teixeira?

The suffocation of insurgent voices is all in here. In these files, photographs, newspaper fragments, social projects and popular movements. They are all part of the cartography proposed by Ícaro Lira. From the fuses that spark insurrections -without letting their respective disruptive social processes be silenced- to their violent crushing by the State. Cyclical historical episodes that shape a system of social repression that belongs to all of us. Canudos, Caldeirão de Santa Cruz, Revolta da vacina, Cabanagem, Revolta da chibata, Pinheirinho, Massacres de Eldorado dos Carajás, Carandiru. Chacinas da Candelária, Vigário Geral, Baixada, Acari, Messejana. This collection of popular initiatives made invisible by the Brazilian State comes from a study that has been carried out in recent years by the artist. The artistic practice, as the result of experiences and field research developed during extended periods, uses methodologies common in ethnographic work, making the artistic practice a study that borders the field of anthropology. The collective process on the expeditions organized by the artist is crucial to the work’s activation and it happens through invitations to researchers and art agents to join research trips and to produce essays based on those experiences. These collaborations share the core interest of Ícaro’s production, which lies in the search for the devices responsible for the erasure of social memory. Why don’t we learn about historical episodes such as the concentration camps in Ceará in school?

118

ject Popular” contains Campo Geral, which is linked with the “Museu do Estrangeiro” -to mention his most recent projects that currently coexist. For each investigation, the artist creates inventories of past and present that ultimately lead us to the realize the cyclical aspect of time and the he harrowing feeling that we are in the same place. However, attention is needed: this place can still be a choice.

In this fragment presented as an exhibition, the artist departs from two concomitant experiences: the messianic movement led by Beato José Lourenço, in the countryside of Ceará, and Escola Parque, an educational project carried out in Bahia. Both occurred between the 1920’s and 1930’s and were strongly neglected by government policies.

Movimento dos Trabalhadores sem Teto occupy Ministério das Cidades and protest for Housing in Brasília. Frente de Luta pela Moradia occupy nine buildings and lots in São Paulo’s capital against PEC 241.

If, on the one hand, the Caldeirão arises from a popular housing initiative, on the other the Escola Parque had as philosophy class equality and unrestricted access to education. The Caldeirão de Santa Cruz was the place of the first major bombing in the country’s history. A brutal massacre, by land and air, led by the national army. Extinct from history books. A community with shared bases, where work and faith were the guidelines for survival amidst the sertão.

High school students occupy over 700 schools all over the country.

The Escola Parque, project by the pedagogue Anísio Teixeira, centered the utopia for an egalitarian society in its basic education, converging multidisciplinary knowledge in an environment with a full-time program. A place where teaching Humanities was the base for the formation of revolutionary thinking. Designed for the underprivileged populations in the state of Bahia, it was interrupted with the outbreak of the military dictatorship. The military dictatorship killed about 8,000 indigenous individuals in disputes related to land ownership Ícaro’s production navigates between history and social politics for the construction of ever changing archives, in continuous process of revision and accumulation. His projects are ongoing researches that do not fit into a single work or exhibition as they are intrinsically temporally and spatially connected. “Pro-

ÍCARO LIRA

119

LIÇÕES DA PEDRA


Biografias Biographies

Beatriz Lemos Niterói, Brasil [Brazil], 1981 Pesquisadora e curadora-adjunta do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. É mestre em História Social da Cultura pela PUC-RJ e idealizadora e diretora da plataforma Lastro – Intercâmbios Livres em Arte. Faz parte da equipe curatorial da 3ª Frestas – Trienal de Artes (Sorocaba). Integrou o programa Curador Visitante da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro) e as comissões curatoriais do 20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (São Paulo) e da Bolsa Pampulha (Belo Horizonte, 2018/2019). Researcher and adjunct curator at Museu de Arte Moderna of Rio de Janeiro. MA in Social History of Culture at PUC-RJ and creator and director of the platform Lastro – Intercâmbios Livres em Arte. Lemos is part of the curatorial team of the 3rd Frestas – Triennial of Arts (Sorocaba). Participated of the Visiting Curator program at the School of Visual Arts of Parque Lage (Rio de Janeiro) and of the curatorial committees of the 20th Contemporary Art Festival Sesc_Videobrasil (São Paulo) and Bolsa Pampulha (Belo Horizonte, 2018/2019).

Elena Lespes Muñoz Paris, França [France], 1988 Historiadora de arte formada pela Universidade de Paris I e pela Universidade de São Paulo. Coordenou projetos em arte contemporânea na Fundação Kadist (Paris), na associação Artesur, plataforma dedicada à arte contemporânea da América Latina e seus intercâmbios com a Europa, e na Galeria Aline Vidal. Foi curadora das exposições Le bruit des choses qui tombent (Marseille) e Video SUR (Paris), entre outras. Atualmente, é gestora de comunicação e mediação da CAC Brétigny (Brétigny-sur-Orge).

120

ÍCARO LIRA

121

Art historian graduated at Universidade de Paris 1 and Universidade de São Paulo. Muñoz coordinated contemporary art projects at Fundação Kadist (Paris), Artesur association, an independent platform focused in Latin American contemporary art and its exchanges with Europe, and Galerie Aline Vidal. She curated the exhibitions Le bruit des choses qui tombent (Marseille) and Video SUR (Paris), among others. Presently she is mediation and communication manager at CAC Brétigny (Brétigny-sur-Orge).

Gabriel Bogossian Rio de Janeiro, Brasil [Brazil], 1983 Curador e editor independente. Foi curador adjunto da Associação Cultural Videobrasil (São Paulo, 2016-2020), curador convidado da 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Comunidades imaginadas (São Paulo) e da Screen City Biennial (Stavanger). Realizou as exposições Nada levarei quando morrer, aqueles que me devem cobrarei no inferno; Resistir, reexistir; Amanhã vai ficar tudo bem – Akram Zaatari; e Cruzeiro do Sul, entre outras. Independent curator and editor. He was adjunct curator of the Associação Cultural Videobrasil (São Paulo, 2016-2020), invited curator of the 21st Biennial of Contemporary Art Sesc_Videobrasil | Imagined Communities and of the Screen City Biennial (Stavanger). Bogossian curated also the exhibitions Nada levarei quando morrer, aqueles que me devem cobrarei no inferno; Resistir, reexistir; Tomorrow everything will be alright – Akram Zaatari; and Cruzeiro do Sul, among others.

LIÇÕES DA PEDRA


Guilherme Falcão São Paulo, Brasil [Brazil], 1984 Criador, editor, pesquisador e educador. Sua prática abrange pesquisa e crítica em visualidade, educação, cultura e história de design, e a produção de autopublicações. É criador da editora CONTRA. Atualmente, atua como Diretor de Arte do Grupo Nexo; paralelamente promove oficinas e atividades sobre caminhos e realizações do design. Também colabora com pessoas e instituições em projetos de mídia impressa e digital. Creator, editor, researcher and educator. His practice includes research and criticism in visual culture, education, history of design, and self-publishing. He is the editor and creator of CONTRA press. He currentlyworks as the Art Director of Grupo Nexo; and promotes workshops and activities on graphic design. He also collaborates with people and institutions in print and digital media projects.

Ícaro Lira Fortaleza, Brasil [Brazil], 1986 Artista, sua produção se debruça sobre algumas das implicações contemporâneas de eventos da história brasileira, aproximando práticas arquivísticas, arqueológicas e ficcionais. Participou da 3ª Bienal da Bahia, do Rumos Itaú Cultural (2016) e do 20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (São Paulo). Realizou exposições individuais no Paço das Artes (São Paulo) e nas galerias Jaqueline Martins e Salle Principale. Integrou coletivas no Palais de Tokyo (Paris), no Padiglione d’Arte Contemporanea (Milão), na Bienal de Yogyakarta (Yogyakarta) e no Instituto Tomie Ohtake (São Paulo), entre outras.

Marta Ramos-Yzquierdo Saint Mandé, França [France], 1975

Brazilian history articulating archivist, archeological and fictional practices. Participated of the 3rd Bahia Biennial, of Rumos Itaú Cultural (2016) and of the 20th Contemporary Art Festival Sesc_Videobrasil (São Paulo). Held solo shows at Paço das Artes (São Paulo) and at the galleries Jaqueline Martins (São Paulo) and Salle Principale (Paris). Participated in group shows at Palais de Tokyo (Paris), Padiglione d’Arte Contemporanea (Milan), Biennale of Yogyakarta (Yogyakarta) and Instituto Tomie Ohtake (São Paulo), among others.

Curadora independente, formada em história da arte pela Universidade Complutense de Madrid e mestre em Gestão Cultural pelo Instituto Ortega y Gasset. Parte do Independent Curators International (Nova York). Trabalhou em diferentes instituições chilenas e brasileiras, como o MAC Santiago (Santiago) e o Pivô Arte e Pesquisa (São Paulo). Foi diretora do LOOP Barcelona e residente na Academia Real da Espanha, em Roma. É professora de Práticas Curatoriais no mestrado da Escuela SUR, na Universidade Carlos III, em Madri. Colabora com El Cultural e a revista a-desk.org.

Marta Mestre Beja, Portugal [Portugal], 1980

Independent curator, BA in Art History from the Complutense University and MA in Cultural Management at the Ortega y Gasset Institute. Part of the Independent Curators International (New York). Worked in different Chilean and Brazilian institutions, such as MAC Santiago (Santiago) and Pivô Arte e Pesquisa (São Paulo). Directed LOOP Barcelona and was resident at the Royal Academy of Spain in Rome. Ramos-Yzquierdo is professor of Curatorial Practices at the Master of the Escuela SUR, at Universidad Carlos III, Madrid. She collaborates with El Cultural and the magazine a-desk.org.

Curadora, editora e crítica de arte. Formada em História da Arte e em Cultura e Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa e pela Université d´Avignon. É curadora-geral do Centro Internacional das Artes José de Guimarães (Guimarães). Foi curadora no Instituto Inhotim (Brumadinho), curadora-assistente no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, curadora-convidada e docente na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro) e coordenadora do Centro de Artes de Sines, em Portugal. Curator, editor and art critic. Graduated in Art History and Culture and Communication – Universidade Nova de Lisboa and Université d´Avignon, with a master’s research on Mediation and Contemporary art. Mestre is chief-curator at José de Guimarães International Arts Center (Guimarães). She was curator at Inhotim Institute (Brumadinho), assistant curator at Museum of Modern Art of Rio de Janeiro, guest curator and teacher at the School of Visual Arts of Parque Lage (Rio de Janeiro) and coordinator at the Center for Arts of Sines, in Portugal.

Artist, his work approaches some of the contemporary implications of events of

122

ÍCARO LIRA

123

LIÇÕES DA PEDRA


CRÉDITOS DAS IMAGENS IMAGE CREDITS Lições da Pedra Cortesia Courtesy Salle Principale Fotografias Photography Dominique Mathieu Frente de Trabalho Cortesia Courtesy Galeria Jaqueline Martins Fotografias Photography Gui Gomes Campo Geral Corteria Courtesy Central Galeria Fotografias Photography Isadora Brant TEXTOS TEXTS Beatriz Lemos Elena Lespes Muñoz Gabriel Bogossian Marta Mestre Marta Ramos-Yzquierdo

AGRADECIMENTOS ACKNOWLEDGEMENTS Atelier des artistes en exil Beatriz Lemos Cité internationale des arts Deborah Viegas Delfina Foundation Dorothée Dupuis Elena Lespes Muñoz Gabriel Bogossian Guilherme Falcão Isadora Brant Jaqueline Martins Jimmie Durham Juraci Dórea Manoel Friques Maria Thereza Alves Marta Mestre Marta Ramos-Yzquierdo Maryline Brustolin Miguel Chaia Ocupação Hotel Cambridge Pedro Barbosa Sofia Caesar

TRADUÇÕES TRANSLATIONS Deborah Viegas Elena Lespes Muñoz Gabriel Pomerancblum Yvanna Peixoto CONCEPÇÃO CONCEPTION Ícaro Lira PROJETO EDITORIAL EDITORIAL PROJECT Ícaro Lira Guilherme Falcão PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO GRAPHIC DESIGN AND TYPESETTING Guilherme Falcão

124

ÍCARO LIRA


COLOFÃO Impresso no parque gráfico da Gráfica Cinelândia em abril de 2021. Tipografias Utilizadas National (Kris Sowersby / Klim Type, 2007) Silva (Daniel Sabino / Blackletra, 2014) Space Mono (Colophon Foundry / Google Fonts, 2020). © CONTRA EDITORA, 2021

NÃO NEGOCIAR O INEGOCIÁVEL

126


Ícaro Lira Lições da Pedra


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.