Revista SP Câncer (Abril de 2014)

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Complexo do Hospital das Clínicas completa 70 anos de muitas histórias Minha História Salva-vida de rodeio ganha nova chance após acidente

Humanização Bem estar é prioridade no atendimento


EDITORIAL

Desenvolvimento e competência na saúde Desde a inauguração do Icesp, em 2008, nos beneficiamos

de

toda

a

experiência,

vivência

e

competência do Hospital das Clínicas. Trouxemos para o cotidiano do Icesp toda a expertise deste complexo ilustre, e absorvemos isso da melhor maneira possível: prestando um atendimento de qualidade aos nossos pacientes. Em 2014, o HC completa 70 anos e não poderíamos deixar de prestar nossa homenagem a esse gigante da saúde. Nesta 16ª edição da SP Câncer, contaremos um pouco da história e da importância do Hospital das Clínicas para a saúde pública e como isso influenciou a nossa vida e a criação do Icesp. Outro destaque é a entrevista com uma das mais respeitadas oncologistas do Brasil. Maria Del Pilar Estevez Diz fala sobre os desafios e avanços do tratamento do câncer no país. Além disso, mostraremos o trabalho de humanização da equipe de Hospitalidade do Icesp e como isso afeta a vida e o tratamento dos pacientes. Outro destaque é um alerta sobre os principais tipos de câncer ginecológico, suas causas e as formas de prevenção existentes. Boa leitura!

Paulo M. Hoff – diretor geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira


ANO 5 | No.16 | Abril

Bate-papo Maria Del Pilar Estevez Diz, coordenadora da Oncologia Clínica, fala sobre os desafios do tratamento da doença

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Palavra de médico Tumor bucal pode ser evitado com medidas simples de prevenção

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Prevenção Conheça os principais tipos de tumores ginecológicos, suas causas e como se proteger

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Especial Saiba mais sobre a história do Hospital das Clínicas, o maior complexo da América Latina

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minha história Peão de rodeio descobriu tumor graças a um acidente com um touro na arena

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Humanização Trabalho da Hospitalidade resgata autoestima de pacientes em tratamento no Instituto

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espaço cidadão As dúvidas dos leitores respondidas pelos especialistas do Icesp

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Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Diretor Geral – Giovanni Guido Cerri Fundação Faculdade de Medicina Diretor Geral – Flávio Fava de Moraes Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Diretora Clínica – Eloísa Silva Dutra de Oliveira Bonfá Superintendente – Marcos Fumio Koyama

Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira Diretor Geral – Paulo Marcelo Gehm Hoff Diretora Executiva – Marisa Madi Diretora Administrativa – Denise Barbosa Henriques Kerr Diretora Geral de Assistência – Wania Regina Mollo Baia Diretora Financeira, Planejamento e Controle – Joyce Chacon Fernandes Diretor de Operações e Tecnologia da Informação – Kaio Jia Bin Diretor de Engenharia Clínica e Infra Estrutura – José Eduardo Lopes Silva Coordenadora de Humanização – Maria Helena Sponton Centro de Comunicação Institucional – Mônika Torihara Kinshoku Jornalista responsável – Vanderlei França (VFR Comunicação) Diagramação – Irene Ruiz (VFR Comunicação) Endereço: Av. Dr. Arnaldo, 251 – Cerqueira César – São Paulo/SP Cep: 01246-000 Telefone: +55 11 3893-2000 www.icesp.org.br Ctp, impressão e acabamento – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo


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BATE PAPO

Presente e futuro

juntos

F

alar sobre câncer ainda é um tabu cultural. Sinônimo de mau-agouro é comum as pessoas não pronunciarem a palavra com medo de atrair a doença. Apesar de ser uma crença que vem do fim da década de 1930, quando começaram os primeiros cuidados com tumores, ela perdura até hoje. Diferentemente do que se possa pensar, o câncer existe há milênios. Desde o antigo Egito, passando pela Grécia de Hipócrates, já se falava em cancros ou “bolas duras” que voltavam a crescer após sua extração. A Oncologia, disciplina médica que estuda o câncer, é muito recente se a compararmos aos registros históricos, porém muito avançada e em constante aperfeiçoamento. Para desmistificar e mostrar a realidade da doença, a SP Câncer conversou com a coordenadora da Oncologia Clínica, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Maria Del Pilar Estevez Diz, que explicou como funciona o trabalho destes médicos oncologistas. Entre uma reunião e outra, a “doutora” Pilar, como é conhecida, mostrou uma perspectiva diferente e positiva dos tratamentos, e, claro, falou sobre o futuro da doença. Embora passe boa parte do seu tempo no Icesp, em suas horas vagas, Pilar gosta de ficar em casa com a família – é casada com um cirurgião pediátrico e tem duas filhas – e com seus animais de estimação: três cachorros e cinco gatos. “De vez em quando, um tucano vem comer amoras”, acrescenta. E, ainda, encontrou um tempinho para cultivar oliveiras, em Minas Gerais.

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“É impossível em uma única consulta passar todas as informações para o paciente, por mais claro e transparente que o médico possa ser.“

SP Câncer — Qual é o trabalho do oncologista? Maria Del Pilar — O oncologista trata do paciente que tem um diagnóstico de câncer. Podemos dividir o tratamento em três grandes grupos: cirurgia, tratamentos sistêmicos (quimioterapia, hormonioterapia, drogas-alvo, imunoterapia) e radioterapia. O oncologista clínico trabalha com o tratamento sistêmico do paciente que, na maioria das vezes, não é o único recurso a ser empregado. Nós dialogamos com o cirurgião, com a enfermeira, com o farmacêutico, com o radioterapeuta. O trabalho, para ser bem sucedido, tem que ser coordenado, multidisciplinar e multiprofissional. O oncologista clínico atua tanto na fase inicial, realizando tratamentos complementares para aumentar as chances de cura – no caso de pacientes que são candidatos a cirurgia – quanto na doença mais avançada, em que muitas vezes o tratamento sistêmico é a intervenção principal. A Oncologia Clínica, por ser uma especialidade nova e tratar de um conjunto de doenças que vem crescendo em todo o mundo, possui muitos investimentos do ponto de vista de tratamento, porém com custos crescentes. Temos que medir a relação custo X benefício, seja custo de sofrimento (os efeitos colaterais compensam o ganho potencial?), seja o custo econômico (meu potencial benefício justifica os gastos?). É uma discussão que tem sido feita por todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento.

SP Câncer — Como é a relação médico X paciente? Maria Del Pilar — Umas das marcas da Oncologia Clínica e do exercício desta especialidade, talvez pela complexidade do diagnóstico, pela angústia que ele traz e pela especificidade do tratamento, é o estabelecimento de uma interação muito forte com o paciente. É importante que exista uma relação de confiança entre as duas partes porque há uma grande expectativa no resultado do tratamento, no sentido de cura e na melhora dos sintomas, e o paciente deposita essa confiança no médico e na equipe que o assiste. Cabe a nós, médicos, trazer essa expectativa para o patamar real. O melhor resultado é aquele que é possível alcançar e é importante que isso seja compreendido por todos. O médico tem que saber qual é o melhor resultado possível naquele contexto, com aquela pessoa, com aquele diagnóstico. Colocar a situação de uma maneira que não seja desesperançosa, mas apropriada e aceitável, é um dos nossos objetivos. É impossível em uma única consulta passar todas as informações para o paciente, por mais claro e transparente que o médico possa ser. O paciente sempre tem dúvidas e esperanças, e um dos trabalhos é permitir que ele coloque suas questões e expectativas para que nós possamos respondêlas e pontuá-las, e, assim, criar as condições para que o paciente tenha a compreensão correta da sua situação.

“O oncologista clínico trabalha com o tratamento sistêmico do paciente que, na maioria das vezes, não é o único recurso a ser empregado.“ Abril 2014 | 5


A relação médico paciente na Oncologia é muito intensa e precisa ser firme para que haja confiança e para que o paciente, inclusive, faça os tratamentos necessários. Os procedimentos são duros – fazer quimioterapia não é brincadeira – e têm muitos efeitos colaterais, podendo mudar bastante a vida da pessoa. O mesmo ocorre com a radioterapia e a cirurgia. O que podemos oferecer é a possibilidade de cura, aumento da expectativa de vida ou a melhora dos sintomas. É importante que seja estabelecida uma relação transparente, honesta, positiva e de confiança. Seja o câncer curável ou não, de uma maneira geral, sempre temos o que fazer para melhorar o estado clínico e emocional do paciente. Durante nosso trabalho, devemos enxergar o que pode ser melhorado no momento atual e não dar falsas expectativas ou prometer o que não pode ser alcançado. SP Câncer — E nos casos terminais? Como é a abordagem? Maria Del Pilar — Durante o tratamento sempre há a oportunidade de situar o paciente em relação a sua doença. Todos os pacientes têm condições de compreender a extensão da doença, se existem metástases, se o tratamento está sendo efetivo ou não. Nós estimulamos a clareza com o paciente, mas é claro que é necessária a adequação da linguagem e é fundamental que essa comunicação seja feita com delicadeza – não é fácil para o médico falar e não é fácil para o paciente ouvir. Esta comunicação é importante, inclusive, para que o paciente tome suas decisões e conduza seu tempo de vida da melhor maneira possível. É fundamental o diálogo constante com o paciente terminal, o que muitas vezes resulta na mudança do foco do tratamento, pois nosso objetivo é a melhora dos sintomas, oferecendo todo o conforto possível. Neste momento, devem ser evitados tratamentos considerados fúteis e, para isso, é preciso conversar constantemente com o paciente sobre os procedimentos e tratamentos que ainda possam trazer benefício. Mudar o objetivo não significa que não há nada de bom para ser feito.

Neste ponto, o hospital acaba favorecendo a clareza na comunicação. O seu nome, Instituto do Câncer, é um facilitador para comunicação do diagnóstico, do prognóstico e da evolução do tratamento. Temos uma equipe de Cuidados Paliativos, para a qual o paciente pode ser encaminhado quando apresenta uma série de complicações. Em uma boa parte de sua fase terminal, ele estará junto com o oncologista e, em muitos casos, ficará com a nossa equipe até o fim. Cabe também a nós, médicos, conversar diariamente com o paciente e com sua família, sobre estas questões. O trabalho se dá com uma equipe ampliada: os médicos, o paciente e o núcleo familiar. SP Câncer — Como explicar o aumento do número de casos de câncer? Maria Del Pilar — É uma questão multifatorial. Existe um fenômeno mundial que é o aumento do número de casos de câncer relacionados com a industrialização, o aumento da expectativa de vida e com mudança de hábitos: exposição aos carcinógenos, tabagismo, maior consumo de gorduras e álcool, sedentarismo, obesidade, redução de consumo de fibras, para citar alguns fatores. Temos que lembrar que no Brasil, na década de 1950, a maioria da população residia em áreas rurais (N.E. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – 63,84% dos brasileiros moravam no campo). Hoje, a situação é inversa, estamos cada vez mais urbanos. Com certeza mais diagnósticos são realizados atualmente, mas o aumento do número de casos de câncer não pode ser atribuído à maior facilidade para o diagnóstico. Se esse fosse o principal fator, teríamos um pico de incidência seguido de decréscimo e estabilização. O aumento do número de casos de câncer é real e temos uma curva ascendente. Estima-se que a mortalidade por câncer suplante as doenças cardíacas por volta de 2020 e o Brasil está inserido neste contexto. O câncer é uma doença do futuro e temos que nos preparar para isto.

“Estima-se que a mortalidade por câncer suplante as doenças cardíacas por volta de 2020 e o Brasil está inserido neste contexto. “ 6 |Abril 2014


faremos muitos diagnósticos nos próximos anos, precisamos oferecer um tratamento de qualidade, isso é essencial. Sem esta combinação, nós não conseguiremos mudar a curva de mortalidade. Não temos a menor ilusão que, mesmo estimulando a prevenção, vamos continuar tendo muitos diagnósticos e o diagnóstico precoce não é garantia de cura se não houver um tratamento efetivo. O câncer é uma doença que depende de certa sofisticação no tratamento e de prazos adequados para executá-los. Para fazer tudo isso, precisamos de uma rede organizada que seja capaz de oferecer exames diagnósticos e preventivos, hospitais bem estruturados, medicamentos disponíveis, médicos capacitados e todas as outras equipes muito bem treinadas. Enfim, precisamos ter toda essa estrutura para dar um atendimento correto, do ponto de vista técnico e humano.

Foto: William Pereira

SP Câncer — E como amenizar este futuro? Maria Del Pilar — O primeiro passo, que já está sendo bastante trabalhado, é tentar trazer a doença para o senso comum, desmistificando o câncer para a população em geral. O segundo é prevenir a doença com bons hábitos. É importante que isto aconteça desde a infância e a juventude porque mudar nossos costumes diários depois de adultos é muito difícil. O fato de gostar ou não de determinadas coisas tem relação com aquilo que você aprendeu. Mais fácil que mudar hábitos é adquiri-los desde criança. Acho que todas as pessoas podem contribuir neste sentido. Não é papel exclusivo do médico, mas podemos contribuir, por exemplo, com a capacitação de professores para disseminar esse conhecimento. É Importante estimular a prevenção e realizar o diagnóstico precoce, mas quando temos os resultados, e não tenho dúvidas de que

A oncologista diz que hábitos saudáveis devem praticados desde a infância para levá-los por toda a vida

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Foto: William Pereira

PALAVRA DE MÉDICO

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Cirurgia de Cabeça e Pescoço é uma especialidade médica, clínica e cirúrgica, voltada ao tratamento das doenças na região da face até o pescoço, localizadas em áreas diretamente envolvidas com as funções da fala, deglutição, respiração, paladar e olfato. Os médicos especialistas do grupo atuam em procedimentos de baixa e alta complexidade, além de desenvolver conhecimentos oncológicos para a prevenção e diagnóstico precoce do câncer. A especialidade teve início no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) em 2009, sob a chefia de Lenine Garcia Brandão, professor titular de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da USP, atuando inicialmente no tratamento de doenças da glândula tireoide. A partir de 2010, houve um aumento progressivo no tratamento dos tumores bucais, sendo hoje o mais frequente no grupo, além de ser o quinto mais comum no mundo. O câncer de boca tem como fator predisponente o tabagismo, a ingestão de bebidas alcoólicas, assim como infecções pelo HPV (papilomavirus humano). Apesar do grande número de casos, o potencial de prevenção da doença é alto, que pode ser prevenida com medidas simples como não fumar e nem consumir bebidas alcoólicas em excesso, além de dar preferência a alimentos pobres em gordura e ricos em fibras, que 8 |Abril 2014

ajudam a evitar o desenvolvimento dos tumores. Entre os sintomas mais comuns estão manchas brancas na boca, dor, lesão ulcerada ou com sangramento e cicatrização demorada, nódulos no pescoço presentes por mais de duas semanas, mudanças na voz ou rouquidão persistente e dificuldade para engolir. Para o auxílio na reabilitação funcional dos pacientes acometidos por essa doença é necessário, também, a participação de outros profissionais da saúde, como oncologistas clínicos e radioterapeutas, cirurgiões plásticos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e nutricionistas. Em cinco anos de trabalho dentro do Instituto foram realizadas um total de 3.226 cirurgias e, aproximadamente, 24 mil consultas ambulatoriais. Com o intuito de reduzir sequelas decorrentes do tratamento, proporcionando melhor qualidade de vida aos pacientes, a Cirurgia de Cabeça e Pescoço ainda agrega novos recursos tecnológicos para a Instituição. Como exemplo, temos a monitorização da laringe por meio de eletroestimulação, operações vídeo-assistidas, cirurgias exclusivamente pela boca e as realizadas com o auxilio do robô. Marco Kulcsar Chefe de clínica de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do ICESP


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prevenção

Tumor ginecológico: o perigo silencioso Exames periódicos, conhecer o próprio o corpo e levar uma vida mais saudável são itens indispensáveis para a prevenção desse tipo de câncer

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ada vez mais presentes na vida moderna, pode-se dizer que há uma notícia boa e outra ruim quando se trata de tumores ginecológicos. A ruim é que o atual estilo da vida da mulher está diretamente ligado ao aparecimento de alguns tipos da doença. Maus hábitos alimentares, sedentarismo e obesidade influenciam o surgimento do câncer do corpo uterino, também chamado de tumor do endométrio. Em 1980, por exemplo, 18% da população feminina brasileira apresentava sobrepeso. Atualmente, esse número saltou para 48,5%, quase metade das mulheres brasileiras está acima do peso. A boa notícia é que grande parte destas enfermidades podem ser detectadas – e evitadas – com exames simples de rotina feitos anualmente, como o papanicolau. O professor associado de Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e chefe da equipe de Ginecologia Oncológica do Icesp, Jesus Paula Carvalho, explica que os prin-

cipais tumores ginecológicos estão divididos em quatro órgãos: colo do útero, corpo do útero, ovário, e vulva (confira infográfico nas páginas 10 e 11). Entre eles, o tumor de colo do útero ainda é o mais frequente em nosso meio e o da vulva é o mais raro. Embora o útero seja um órgão único, os tumores que acometem o colo e o corpo têm características bem diferentes. O do colo é mais comum em mulheres mais jovens, entre 25 e 50 anos, e está relacionado com a infecção pelo vírus do papiloma humano (HPV). Já o do corpo do útero tem incidência maior na pós-menopausa e está relacionado com fatores hormonais e obesidade. Carvalho explica que um indicativo muito importante de que algo está errado é o sangramento vaginal após a menopausa. “Para se ter uma ideia, a cada cem sangramentos que ocorrem nessa fase da vida, cerca de três deles indicam que a pessoa tem câncer. É um número muito alto e é preciso investigar o quanto antes”, explica o ginecologista. Abril 2014 | 9


De olho nos genes Cerca de 5 a 15% dos carcinomas de ovário são decorrentes de predisposição genética. A investigação genética detecta mutações nos genes BRCA1 e BRCA2. O professor explica que se o exame der positivo e, portanto, a mutação do gene está comprovada, a pessoa tem até 60% de chance de desenvolver câncer de mama, de ovário ou os dois tipos. “O teste que detecta estas mutações ainda é caro, e somente é indicado depois de uma avaliação do risco familiar realizada

por um geneticista, e deve ser feito até no máximo os 35 anos.” Nas mulheres com mutação comprovada destes genes, indica-se a retirada dos ovários e das tubas uterinas antes dos 35 anos de idade. Porém, esta é uma medida bastante drástica, segundo o médico, pois a falta desses hormônios vai antecipar a menopausa, ou seja, a paciente apresentará sintomas como pele seca, vagina sem lubrificação, calores e perda de cálcio. A reposição hormonal é possível.

Proporção de câncer ginecológico na população feminina Os casos de câncer ginecológico para cada 100 mil mulheres 17 desenvolvem câncer de colo do útero 6 desenvolvem câncer de corpo do útero 4 desenvolvem câncer de ovário 1 desenvolve câncer de vulva

Ovário Causas – Os tumores que se desenvolvem nesse órgão podem ser benignos ou malignos. Embora ele possa acontecer em qualquer fase da vida, observa-se que em cada três casos da doença, dois são em mulheres com mais de 50 anos. O câncer de ovário mais frequente se chama Carcinoma Seroso e também é sua forma mais grave. Não há causa conhecida, apenas que um percentual de 5% a 15% das pessoas que desenvolvem esse tumor têm histórico familiar. Sintomas – A mulher tem sensação de inchaço do abdômen e emagrecimento. “A paciente perde gordura, mas a barriga cresce. Ela apresenta sintomas de dispepsia, que é a digestão inadequada e ‘burburinhos’ na barriga”, diz Carvalho. Prevenção – O câncer de ovário é o câncer ginecológico mais difícil de detectar, pois ele pode se desenvolver em poucas semanas. Se existe histórico familiar, pode ser feito o estudo genético. Segundo o ginecologista, percebeu-se que esse tipo de câncer tem início nas tubas uterinas (trompas) e estas células migram para os ovários. Uma forma de prevenir é retirá-las na laqueadura (cirurgia para evitar filhos). “É uma técnica mais moderna que se mostra bastante eficaz.” Tratamento – São retirados útero, ovários, trompas e os tumores que estiverem no abdome. Também é feita a quimioterapia. Segundo o médico, esse tumor tem alta probabilidade de reaparecer em outra região do abdome.

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Corpo do útero Causas – O tumor no endométrio está relacionado aos hormônios. Ele costuma surgir entre 60 e 70 anos. Mulheres obesas e diabéticas também têm mais chance de desenvolver a doença. Maus hábitos, como dieta gordurosa e sedentarismo, favorecem o aparecimento do câncer neste órgão. Sintomas – Sangramento vaginal após a menopausa é sinal de alerta e a mulher deve procurar o médico imediatamente. Prevenção – Mudança de hábitos e cuidados com a saúde. Caso a mulher esteja 20 quilos acima de seu peso ideal, ela dobra a chance de desenvolver esse câncer. Tratamento – Retirada do útero e sessões de radioterapia e quimioterapia.

Colo do útero Causas – É o mais frequente. Seu aparecimento está relacionado com a transmissão do HPV (Papilomavírus humano) por meio da relação sexual. Outros fatores que contribuem para o seu aparecimento são o uso de drogas, tabagismo e medicamentos imunossupressores, usados principalmente após transplantes e doenças autoimunes. Sintomas – Sangramento vaginal espontâneo ou após relação sexual e corrimento. Prevenção – O exame anual do papanicolau, se realizado rotineiramente, é capaz de detectar o tumor em quase 100% dos casos. Meninas e adolescentes podem tomar a vacina contra o HPV antes de iniciarem a vida sexual. Tratamento – As lesões em estágio inicial podem ser tratadas de forma simples e no consultório, utilizando técnicas como cauterização e laser. Em casos de estágio avançado, o útero é retirado e é feita a radioterapia e a quimioterapia. “Mesmo que não se retire os ovários este órgão perde a função na primeira sessão de radioterapia”, esclarece Carvalho.

Vulva Causas – É o mais raro entres os cânceres ginecológicos. Ocorre em mulheres idosas, com mais de 70 anos. É um tumor agressivo que pode surgir por causa de uma doença de pele chamada liquen ou pelo HPV. Sintomas – Começa com uma coceira no local e depois vira uma úlcera. De acordo com Carvalho, as mulheres ficam constrangidas com esses sintomas e não procuram o médico. “Elas, geralmente, tentam resolver o problema por conta própria com pomadas, aí o quadro pode ficar complicado, pois a doença se desenvolve e a paciente pode sentir muita dor.” Prevenção – Exames regulares e procurar orientação do ginecologista em caso de coceira, corrimento ou qualquer desconforto. Tratamento – A vulva pode ser retirada parcial ou totalmente por meio de cirurgia. A radioterapia e a quimioterapia também fazem parte do tratamento. Atualmente, existem métodos menos mutilantes, mas em muitos dos casos é preciso fazer reconstrução. Abril 2014 | 11


Especial

70 anos com muita saúde Hospital das Clínicas, maior complexo da América Latina, conta sua história que é um marco de desenvolvimento e de evolução da medicina

D

oenças tropicais como a febre amarela, malária e dengue preocupavam John Davidson Rockefeller. O americano, proprietário de uma empresa petrolífera, queria evitar a chegada dessas epidemias nas fronteiras do sul dos Estados Unidos. O ano era 1915, e a possível ameaça fez com que o empresário criasse a Fundação Rockefeller. Uma equipe foi encarregada de estudar essas enfermidades em diversos países com a intenção de planejar medidas sanitárias. A iniciativa desse americano iria mudar os rumos da saúde no Brasil. Inaugurada em 19 de dezembro de 1912, a Escola de Medicina e Cirurgia de São Paulo não tinha um hospital escola em suas dependências para as aulas práticas de seus alunos. Em 1916, a faculdade iniciou suas negociações com a Fundação Rockefeller, que ofereceu bolsas de estudos em instituições americanas para o aperfeiçoamento dos professores. A escola mudou de nome e passou a se chamar Faculdade de Medicina de São Paulo (FMSP), como é conhecida até hoje. Sob o patrocínio de Rockefeller, uma comissão Planejou as instalações para a futura faculdade. 12 |Abril 2014

Projetos para um edifício central, para laboratórios e para o Hospital das Clínicas foram elaborados por professores, que visitaram instituições médicas nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa. O local escolhido foi a colina do Araçá, como a região onde hoje fica a Avenida Doutor Arnaldo, era conhecida. A partir daí, a FMSP ganhou impulso e visibilidade. O primeiro projeto para a criação do Hospital das Clínicas dependia de verbas do governo estadual e não havia previsão para o início das obras. Houve tentativas de começar a construção aos poucos, com dois blocos, um para serviços de maternidade e outro para a cadeira de Psiquiatria. As obras da maternidade já estavam em andamento, mas mudanças no governo suspenderam sua construção. Nesta época, existia uma grande campanha na imprensa encabeçada por estudantes e professores para que o projeto do hospital fosse levado a diante. A criação da USP veio em 25 de janeiro de 1934, e a universidade absorveu as instituições de ensino superior públicas existentes em São Paulo. A cidade se desenvolvia, e as doenças endêmicas e epidêmicas já eram realidade. O Estado já


havia se transformado no maior centro industrial da América Latina e a capital paulista tinha mais de um milhão de habitantes. Surgiam os primeiros casos de leptospirose, devido às precárias condições de saneamento e a presença constante de ratos.

Hospital das Clínicas de São Paulo Em abril de 1938, Adhemar Pereira de Barros foi nomeado interventor federal, cargo que deu ao médico status de governador. Formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, ele havia sido o médico oficial do exército. Até aquele momento, o governo estadual não havia cumprido a promessa de construir o edifício do hospital escola da Faculdade de Medicina. Barros sabia exatamente o que era preciso para treinar os futuros médicos e da necessidade de aumentar os espaços para atendimento da população. Ele concordou em retomar as obras para a construção do Hospital das Clínicas que foram reiniciadas, oficialmente, com o lançamento da pedra fundamental, em 18 de setembro de 1938. Os custos da construção somaram Cr$ 32 milhões e mais Cr$ 11 milhões para a montagem. A prefeitura investiu mais de Cr$ 1 milhão para criar a atual Avenida Enéas de Carvalho Aguiar.

A inauguração O Hospital das Clínicas foi inaugurado pelo interventor federal Fernando Corrêa da Costa em 19 de abril de 1944, data do aniversário de Getúlio Vargas, e contando com a presença do presidente aniversariante. O complexo já “nasceu” como re-

ferência e ganhou o status de “maior hospital da América do Sul”. Suas dependências dispunham de 423 leitos para a população. Logo após o início de suas atividades, o HC ficava cada vez mais conhecido, e isso refletia na procura pelos seus serviços. Em 1950, o número de leitos saltou para 1.070. O arquivo médico aponta que, naquele ano, 50.960 doentes foram registrados e outros 42.595 passaram pelos ambulatórios. Uma década após sua inauguração, O HC atendia praticamente todos os casos de emergência de São Paulo, além de pacientes de outros estados e até de outros países. Essa grande demanda era consequência da ausência de médicos especializados e falta de recursos para solucionar os casos difíceis. A chamada era da cirurgia cardíaca teve início do Brasil em 1960. A enfermagem começou o trabalho de prevenção de infecções para não prejudicar a recuperação de pacientes. Em 1965, foram realizados os primeiros transplantes renais. Na década de 70, a farmácia do HC era considerada a maior hospitalar do mundo, com uma área de cinco mil metros quadrados e produção industrial de seus medicamentos. O médico Celso Bernini, diretor técnico do serviço de cirurgia de emergência, é testemunha da história do hospital nos últimos 40 anos, pois ingressou na FMUSP em 1971 e, desde 1975, o pronto-socorro do HC faz parte da sua vida. Hoje, Bernini chefia uma equipe composta por 27 médicos no Instituto Central. Ele conta que acompanhou o avanço do atendimento hospitalar e que, hoje, o HC se equipara aos hospitais de primeira linha do país. “Temos a tradição em ensino e pesquisa.

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danças para os próximos 30 anos, quando completará seu centenário. O objetivo desse projeto grandioso é que o HC, além manter seu posto de referência no país, melhore ainda mais o seu atendimento. Uma equipe está fazendo estudos, junto aos médicos da instituição, para saber como esse trabalho será colocado em prática para beneficiar pacientes e profissionais da saúde. Entre os próximos passos do hospital estão a reforma da ala de Obstetrícia, a criação de instalações adaptadas para tratar pacientes obesos, mais uma UTI, um centro de diagnósticos modernizado e novos leitos para o Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (ITACI).

A nossa escola cirúrgica é considerada a melhor do país e formamos médicos de ponta.” Bernini diz que, quando começou sua residência, ele atendia acidentados de toda a cidade que chegavam em estado grave e, na época, não havia os atuais recursos de terapia intensiva para dar suporte à vida do paciente. “As UTIs do Serviço de Emergência, como temos hoje, foram fruto do empenho dos profissionais que deram a visão de área de atuação especializada.”

Planos para o futuro O Hospital das Clínicas de São Paulo está desenvolvendo uma série de ações e já planeja mu-

Linha do tempo

1912 – A Escola de Medicina e Cirurgia de São Paulo abre seu primeiro curso

1944 – Em 19 de abril é inaugurado, oficialmente, o prédio do Hospital das Clínicas, o primeiro hospital universitário do país. A Clínica Ortopédica e Traumatológica da Faculdade de Medicina de São Paulo foi a primeira a ser transferida para a instituição

1918 – Laboratório de Hygiene é criado após doação de US$ 10 mil da Fundação Rockefeller, que também ofereceu bolsas em instituições americanas

1916 – Fundação Rockefeller inicia suas negociações com a Faculdade

1934 – Faculdade de Medicina passa a fazer parte da Universidade de São Paulo (USP)

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1945– A Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina é instalada no Hospital das Clínicas

1938 – Iniciam-se as obras de construção do prédio do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HC FMUSP

1960 – Com objetivo de liberar leitos no HC, os doentes convalescentes passam a ser encaminhados para o Hospital Auxiliar de Suzano

1949 – É fundado o primeiro laboratório de Isótopos da América Latina na FMUSP. A Fundação Rockefeller fez a doação dos equipamentos e dos recursos


Tradição e referência mundial O complexo hospitalar do HC possui oito Institutos e dois Hospitais Auxiliares. Ao todo, são oferecidos aos seus pacientes 2.400 leitos e 21.600 funcionários trabalham em suas dependências. Abaixo, veja o balanço anual em números:

• 1.680.000 consultas ambulatoriais • 320.000 atendimentos de emergência • 80.230 internações • 40.100 cirurgias

1970 – O Centro de Medicina Nuclear é incluído como complemento do Departamento de Radiologia e Radioterapia. Foi criado o Centro de Reabilitação Profissional da Associação Paulista de Assistência aos Paraplégicos, dando início a era científica da reabilitação no Brasil

2008 – O Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octávio Frias de Oliveira (Icesp) abre suas portas em maio. No prédio, de 28 andares, cerca de 6 mil pacientes com diagnóstico de câncer são atendidos mensalmente.

1975 – É inaugurado oficialmente o Instituto do Coração. O Incor é considerado um dos três maiores centros cardiológicos do país

1972 – O edifício da Administração entra em funcionamento

1976 – O Instituto da Criança é inicia suas atividades. Hoje, é considerado centro de referência nacional reunindo especialidades pediátricas.

1980 – O Prédio dos Ambulatórios passou a atender todo fluxo ambulatorial do Instituto Central

1977 – O Hospital Auxiliar de Cotoxó passou a fazer parte do Departamento de Hospitais Auxiliares do Hospital das Clínicas. Os Laboratórios de Investigação Médica integraram o sistema HC, com um total de 62 laboratórios instalados em prédios da Faculdade de Medicina

1989 – Foi realizado o primeiro transplante de fígado no Instituto da Criança.

1986 – Novas instalações do Serviço de Radiologia

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Quando surgia algum caso de tumor entre os seus pacientes, o Hospital das Clínicas encaminhava para o departamento de Radiologia. Quem tinha um câncer de pele, por exemplo, era normalmente tratado por um dermatologista, pois não havia um especialista para cuidar exclusivamente a doença. Com o surgimento da cadeira de professor titular de Oncologia na FMUSP, o complexo hospitalar percebeu a necessidade de uma estrutura própria para o tratamento, para as sessões de quimioterapia e para a recuperação desses pacientes. Na década de 90, o atual prédio do Icesp foi planejado para ser o Instituto da Mulher, mas a obra ficou paralisada por quase 12 anos. Quando retomada, em 2003 na gestão do atual governador Geraldo Alckmin, percebeu-se o aumento do número de diagnósticos de câncer no Estado e o projeto mudou justamente para atender essa necessidade específica. Pensado para atender a demanda cres-

A menina do HC Dona Lourdes acorda bem cedo para chegar ao Hospital das Clínicas às 7 horas e começar mais um dia de trabalho. Aos 74 anos, a moradora do Mandaqui, na zona norte, pega metrô e ônibus e leva cerca de 1h30 até o hospital. Essa é a sua rotina há 36 anos, quando prestou concurso para fazer parte da equipe de costureiras. Naquela época, havia 19 mulheres, hoje são apenas cinco. “A mais nova aqui tem 60 anos, somando nossas idades deve dar quase 400 anos”, brinca Maria de Lourdes Galdino Ferraz, que já se aposentou há 17 anos, mas não abre mão do convívio com suas colegas de trabalho, que se tornaram amigas ao longo de tantos anos. “Nós somos conhecidas como as meninas do HC. Em nossa sala sempre tem um café pronto

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cente, em maio de 2008, o Icesp abriu suas portas e, atualmente, é um dos maiores hospitais especializados em tratamento de câncer da América Latina e que conta com o maior parque radioterápico do país. A médica Marisa Madi, diretora do Icesp, diz que o local admite por mês cerca de 800 a 900 novos casos. Segundo ela, as pessoas em tratamento têm toda a estrutura necessária para a recuperação dentro do Instituto. “Aqui, nós oferecemos atendimento multiprofissional e humanizado. Nós avaliamos a satisfação dos nossos pacientes e dos profissionais que trabalham com eles. É preciso trabalhar a autoestima o tempo todo para que a pessoa não desanime”, diz a diretora. Desde a sua fundação, o Icesp tem se modernizado e oferecido novas técnicas, como a que permite tratar alguns tipos de tumores sem cortes e sem causar danos aos tecidos. Outra preocupação do Instituto é com a sustentabilidade. O Icesp é o primeiro hospital público 100% digital. Todo prontuário é eletrônico e custos com papel e impressões foram reduzidos drasticamente depois da nova medida.

e preparamos festinhas para comemorar as datas importantes”, diz a costureira. Lourdes garante que o serviço que as costureiras realizam é de “primeira linha”. Ela conta que quando começou a trabalhar, na década de 70, até os colchões do hospital eram feitos na seção de costura. Elas cortavam as espumas e encapavam. “Nossa alegria é quando o trabalho sai daqui bem feito. Nunca voltou nada para um ajuste ou houve uma reclamação”, diz a funcionária com orgulho. Hoje, as “meninas” confeccionam aventais, capas plásticas e todo material que o HC não consegue comprar, como protetor dos aparelhos médicos e das mamadeiras. A costureira diz que nesse tempo todo que passou no HC, muita coisa mudou em sua vida e nas dependências do hospital, que se modernizou e aumentou muito sua capacidade de atendimento. Ela lembra que durante sua trajetória entre as máquinas de costura, ela enfrentou perdas muito dolorosas. Seu marido e sua filha morreram durante o tempo dividido entre sua rotina no hospital e sua casa. Hoje, ela mora sozinha, mas está sempre em contato com a outra filha e o casal de netos. “Eu só tenho a agradecer, consegui passar por tudo com muita sabedoria e aqui no meu trabalho considero que tenho uma família. Eu ainda não tive coragem de pedir demissão, acho que vou ter que ser dispensada”, diz a costureira com um sorriso no rosto.

Foto: Vivian Retz Lucci

Do hc ao Icesp


Foto: William Pereira

minha história

Salvo pelo

Bandido Paciente do Icesp descobre tumor no rim graças a um acidente em arena de rodeio

O

ano era 2008 e Weldes Oliveira Sousa, na época com 29 anos, estava em Cajamar, no interior de São Paulo, para participar de mais um rodeio como salva-vidas. Sim, depois de anos montando cavalos e touros em diversos rodeios pelo país e nos Estados Unidos, no Paraguai e no Canadá, ele optou por proteger os peões nestes eventos. “O dinheiro é garantido. Na montaria, nem sempre a gente consegue”, explica o baiano de Vitória da Conquista, que veio para a cidade grande ainda na adolescência para “fazer a vida”. O começo foi bem difícil. Sem muita escolaridade, sem profissionalização, mas com muita vontade de trabalhar e de aprender, Sousa foi morar na zona Norte da capital paulista, onde conseguiu seu primeiro emprego, como faxineiro. Pouco tempo depois, ele já trabalhava como mecânico de avião, indicado por um amigo. “Vim sozinho mesmo”, lembra. De fala mansa e simples, ele recorda, cheio de alegria, quando se apaixonou por rodeios.

“Eu me inscrevi, montei o cavalo e ganhei. E não parei nunca mais”, conta o salva-vida que jamais tinha montando nenhum animal até aquele dia. Depois dessa primeira experiência, ele ganhou o mundo, participando de várias competições. E teve até uma pequena participação na novela América (2005), de Glória Perez, que imortalizou o touro Bandido (veja box na página 18).

Na arena Quando Sousa entrou naquele rodeio, em 2008, não imaginava a mudança que estava para acontecer na sua vida, durante os quatro anos seguintes. Ele estava lá, fazendo seu trabalho (ajudando o peão que tinha caído do touro Bandido), quando o animal deu uma cabeçada que o acertou em cheio nos rins. Ele foi encaminhado para o hospital e nos exames os médicos diagnosticaram cálculos no rim esquerdo. Depois de uma pequena intervenção cirúrgica, ele voltou para os rodeios, mas continuava sentindo dores. Quando teve o primeiro sangramento, foi Abril 2014 | 17


procurar o médico. “Fizeram exames e me encaminharam direto para o Icesp. Chegando aqui, descobriram que eu tinha um tumor no rim direito. Fiz a cirurgia em 2012 e nem precisei fazer quimio nem radio”, conta orgulhoso. Da cabeçada do Bandido ao diagnóstico de câncer passaram-se quatro longos anos. Nesse meio tempo, ele aproveitou e criou a Gazella, sua empresa de salva-vidas para rodeios e continuou a frequentar os eventos em todo o país.

Tudo ao mesmo tempo

Foto: Shutterstock

Quando recebeu o diagnóstico de câncer, Sousa viu seu mundo desabar. Ele passou por todo o tratamento praticamente sozinho em São Paulo, já que sua família estava na Bahia. “O Icesp, praticamente, virou minha casa. Passei muito tempo aqui. Ficava triste porque não recebia nenhuma visita”. Na primeira oportunidade que teve, trouxe a mãe para a cidade. “Moramos no mesmo prédio, mas cada um tem o seu apartamento”, explica. Com apenas 35 anos, Sousa coleciona algu-

mas experiências de vida. Ele já casou três vezes e brinca dizendo que quer ultrapassar o cantor Fábio Jr. Agora, ele está quase pronto para voltar ao batente. “Tenho exames até julho, mas já participei de um rodeio há algum tempo”, revela. Mesmo com a rotina no Instituto, Sousa pretende voltar às arenas muito em breve. “Já temos eventos agendados até o fim do ano e só grandes rodeios”, conta animado. Enquanto se prepara para encarar novamente touros e cavalos, Sousa se dedica ao trabalho voluntário. Sua última ação foi conduzir 17 carretas de doações para as vítimas das enchentes em Minas Gerais, no fim de 2013. “Também distribuímos refeições para os motoristas e recrutamos voluntários para nos ajudar a descarregar os caminhões. Estamos organizando a entrega de mais donativos, agora para Vitória”. Mesmo com toda essa correria, ele não se esquece, em momento algum, dos momentos no Icesp. “Eu só tenho a agradecer: a equipe de cirurgia, os enfermeiros, os médicos, todo mundo, por esta nova oportunidade.”

Quem foi o Touro Bandido? O touro Bandido foi o animal mais famoso dos rodeios brasileiros. Ele era conhecido no circuito por derrubar suas montarias muito rapidamente. Participou de mais de 200 competições e ninguém conseguiu montá-lo por oito segundos. Outra característica marcante era a habilidade do touro em derrubar e perseguir os peões. Bandido ganhou o Brasil na novela América, onde era temido e respeitado pelos peões. Ele morreu em 2009, vítima de um câncer de pele. Com status de celebridade, o enterro, que aconteceu na cidade de Barretos, no interior de São Paulo, a capital nacional do rodeio, teve toque de berrante, flores e muitas homenagens, inclusive uma estátua no Parque do Peão. Pesando pouco mais de uma tonelada, chifres de 27 centímetros e com 1,70 metro de altura, o touro foi resultado de um cruzamento das raças Nelore e Simental. Em 2009, seu preço era estimado em R$ 4 milhões.

Animal de cruzamento das raças Nelore e Simental, a mesma do boi Bandido

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humanização

Pessoas em primeiro lugar Icesp conta com profissionais que se dedicam a manter o bem-estar e a resgatar a individualidade e a identidade de quem está em tratamento

H

Foto: Shutterstock

ospitalidade, de acordo com os dicionários, pode ser definida como efeito de hospedar, qualidade do lugar em que há boa acolhida, e maneira de tratar que expressa gentileza e amabilidade. No Instituto do Câncer do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), esses conceitos são aplicados na prática, desde 2009.

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No Instituto, a área de Hospitalidade entra em ação a partir do momento em que o paciente precisa de internação ou realiza tratamentos prolongados, como as sessões de quimioterapia que chegam a durar até oito horas, dependendo do caso. E de boa recepção, acolhida e bem-estar, eles entendem muito bem. Segundo a gerente de Hotelaria e Hospitalidade, Vânia Pereira, o objetivo é fazer com que pacientes – e também acompanhantes – se sintam bem dentro do hospital. “Nós cuidamos de pessoas. Queremos que elas esqueçam por alguns momentos que estão aqui em tratamento.” O supervisor de Hospitalidade, Marcelo Cândido, diz que uma das metas é promover o encontro de identidade. “Mostramos que, mesmo com uma doença como o câncer, ela pode ter momentos de lazer, momentos com a família e até momentos com ela mesma.” Para a área, todos são clientes e que precisam estar bem. A clientela da Hospitalidade é o paciente – que chega com uma série de medos e preocupações –, a família que tem que dar suporte, e o colaborador que lida com a situação e também com pessoas todos os dias.

Os programas do Icesp

Foto: Divulgação/Icesp

Ao todo, são 29 projetos à disposição de pacientes e de acompanhantes do Instituto. A Hospitalidade faz mensalmente cerca de 5 mil atendimentos, para homens e mulheres. E não precisa fazer nenhum tipo de inscrição. A equipe oferece

os programas pelo edifício, além de disponibilizar folhetos explicativos nos quartos do Instituto. A variedade é grande e atende a todos os gostos. Tem teatro, contação de histórias, visagismo, música, o Cinequimio, entre outros. Na área de beleza, por exemplo, a ideia é oferecer o pacote completo. “Nós temos o design de sobrancelha, o Atelier das Unhas para quem gosta delas decoradas, corte de cabelo, higienização da pele, manicure e até barba e bigode”, explica Marcelo Cândido. Os concierges percorrem os leitos e as salas de quimioterapia para mostrar os serviços, uma vez por semana. Os programas também atendem os colaboradores, principalmente aqueles que fazem a linha de frente do atendimento. A equipe de Hospitalidade sempre conversa com eles para saber como está sendo o dia e os convida para participar de diversas atividades. “Além da Recepção, temos a Fisioterapia, o Serviço Social, a Psicologia, entre outras áreas. Eles também precisam ser assistidos e receber este suporte. O bem-estar deles reflete de forma muito positiva no trabalho.” Cândido conta que os projetos são criados a partir de sugestões dos próprios pacientes. É no contato diário e na incessante vontade de entreter a todos que as ideias são conversadas, aprimoradas e desenvolvidas, até o programa ser implantado de fato. “Na Hospitalidade, é muito mais boa vontade do que dinheiro para manter os projetos porque temos o voluntariado e muitas doações, é uma questão de planejamento”, resume.

As mulheres do Icesp pode contar com o Atelier das Unhas para deixar as mãos muito mais bonitas

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O aprendizado de cada dia

Fotos: Rafael Leal e Divulgação

E quando o paciente não quer participar de nenhum programa? Para o pessoal da Hospitalidade é muito positivo porque significa que a pessoa volta ser ela mesma, já que está decidindo entre coisas que gosta e que não gosta. Em resumo: mesmo com a negativa, consegue-se resgatar a identidade do paciente em tratamento.

A inspiração de toda a equipe vem exatamente da convivência com quem está em tratamento. Inspira a ajudar, inspira a fazer o melhor para quem chega e para quem já está no Icesp. “Nossa preocupação é como as pessoas se sentem aqui dentro e como podemos mudar o ambiente. Quem vem de outros hospitais acha que aqui fazemos a mais. Nós fazemos o ideal. É gratificante ver que a pessoa volta a confiar no SUS, nos médicos e nos profissionais de saúde”, finaliza.

O Design de Sobrancelhas devolve a expressão às pacientes. É feito com henna e dura até uma semana. Os homens podem cortar o cabelo e também dar aquele trato nas unhas

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Neste espaço são publicadas dúvidas de pacientes e acompanhantes feitas à reportagem da revista SP Câncer. As perguntas foram respondidas pelo médico Felipe Roitberg, da Oncologia Clínica. É verdade que o HPV pode demorar até 20 anos para causar uma doença relacionada, como o câncer? O HPV pode levar de dois a oito meses, após o contágio, para se manifestar como lesões benignas, verrugas. No caso do câncer de colo do útero, a lesão pré-maligna ou maligna pode demorar muito mais tempo, até alguns anos, por isso é fundamental a realização de exames de rastreamento. Nesse caso, o exame periódico do papanicolau possibilita a detecção de alterações em uma fase muito precoce, antes que estas lesões evoluam para um tumor de colo uterino invasivo, ainda com reais chances de cura.

Todas as mulheres que tem o HPV desenvolvem câncer de colo de útero? Não são todas as mulheres. Na maioria dos casos, as defesas imunológicas do nosso corpo são suficientes para eliminar o vírus por conta própria. Em algumas pessoas, entretanto, o vírus pode persistir no organismo e desenvolver verrugas genitais, bem como lesões prémalignas ou malignas no colo do útero. Em alguns casos, as lesões pré-malignas do colo uterino podem desenvolver um tumor maligno, quando não detectadas precocemente, por meio do exame de Papanicolau, e tratadas a tempo.

Os homens não desenvolvem doenças relacionadas ao HPV? Assim como as mulheres, os homens também podem desenvolver doenças benignas e malignas relacionadas ao vírus HPV. No caso das lesões benignas, surgem verrugas no pênis e boca ou até ao redor do ânus. Tais verrugas, geralmente, são causadas pelo HPV 6 e 11, enquanto outros tipos de HPV de alto risco podem levar ao câncer de pênis e ânus e orofaringe, uma região mais profunda da boca. Cabe ressaltar que as lesões benignas não se transformam em câncer, mas podem denunciar hábitos sexuais que podem aumentar a exposição ao vírus, como sexo sem

As mulheres que já tiveram muitos parceiros sexuais estão mais propensas ao câncer de colo do útero? A relação entre o número de parceiros e a infecção por HPV realmente existe. O sexo sem proteção adequada é um fator de risco para contrair inúmeras doenças sexualmente transmissíveis, entre elas o HPV, intimamente relacionado ao câncer de colo do útero. Entretanto, existem pacientes que tiveram apenas um parceiro e também desenvolveram tumores. Não é possível identificar com exatidão todos os fatores que levaram ao desenvolvimento da doença.

Foto: Rafael Leal

preservativo e, de alguma forma, maior risco para lesões pré-malignas ou malignas.


Espumante de maçã Ajuda no controle da dor para engolir, feridas na boca, náuseas, vômitos e diarreia Rendimento: 4 porções de 300ml Calorias: 105 kcal por porção

Ingredientes • • • • • • •

3 maçãs verdes 1/2 xícara (chá) de suco de limão 3 xícaras (chá) de água ½ xícara (chá) de açúcar 3 de folhas de hortelã 1 litro de água com gás Gelo a gosto

Modo de preparo

Fotos: Divulgação/Icesp

Coloque a maçã, o suco de limão e a água para ferver até amaciar a maçã. Deixe esfriar e bata no liquidificador com as folhas de hortelã. Coe e acrescente a água com gás. Sirva com pedras de gelo.

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