mais do que mil palavras
Morvan Franรงa
Dicionário Nordestino Ilustrações: Esther Azevedo
Edição de Arte: Milton Vieira
BATER A CAÇULETA Morrer
TÁ COM A MULESTA Está agitado ou irritado.
LAMBEDOR Xarope caseiro feito com açúcar queimado LAVA-CU Inseto de asas transparentes. Libélula.
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e seiva de plantas para curar doenças respiratórias.
Escroto, chato, vagabundo, de má índole.
JERERÉ Rede em forma de cone com círculo de madeira ou metal na boca. A isca, geralmente tripa de galinha,
BOTAR CABRESTO
fica pendurada no centro.
Controlar alguém
É usada para capturar siris. Pode ser algo engraçado, hilário: “Que bixooo galadoo!”. Pode ser também escroto ou outros adjetivos pejorativos.
Comida preparada com muito molho e miúdos BOCA DE SIRI Caladinho, na moita.
BUCHUDA Gestante
(bofe, coração, fígado, rim, sangue e tripas) de porco ou carneiro.
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do leitor
Parabéns!!! Finalmente uma revista local que reúne inteligência, elegância, sofisticação, harmonia das formas e cores, congruência na diversidade do seu conteúdo, exibindo de forma ecológica e respeitosa a informação! Amei a matéria da querida Paula Braz… Iara Lopes, Natal, RN
Somente agora pude conferir o conteúdo da Ícone, revista trimestral que trata dos aspectos culturais e turísticos do meu estado (RN) e de assuntos correlatos. Parabéns aos organizadores, em especial ao editor Antonio Nahud, pela vontade e comprometimento em trazê-la para o plano real. Mais Rio Grande do Norte para todos. Madson Reis, Brasília, DF As matérias são deliciosas, convidativas, e a beleza das fotografias me faz até esquecer da vida, rsrs.. Li devagar, apreciando as imagens... amo Bom Jesus da Lapa, amo tudo que está ali, naquelas páginas.. Todo sucesso!! Amei!! Adelaide Ninck, Aracaju, SE Ficou realmente sensacional. Parabéns a toda equipe. Ivan Pinheiro Bezerra, Assu, RN Muito linda mesmo. É um conjunto de belos textos que nos faz refletir sobre o quanto é gostoso olhar para o RN e primordialmente, senti-lo. Bons textos e belas imagens. Tô no aguardo pela n° 2. Wescley Mariano, Natal, RN 6
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Parabéns pela interessantíssima revista Ícone. Cultura, qualidade e muito bom gosto. Jacques Garzon, Juiz de Fora, MG Estupendas fotos, sobre todo el reportaje en blanco y negro sobre la Fe. Juan Carlos Cuba Marchán, Madri, Espanha Mas que linda essa revista! Parabéns! Mayra Barrionuevo Lemos, Copenhague, Dinamarca Nossa, que revista fantástica! Fala com muita propriedade dos temas, prova disso é a riqueza de detalhes e informações das matérias. Destaque para “São Miguel do Gostoso”, é o primeiro lugar que quero ir quando voltar ao RN. E Morvan capricha na fotografia! Ah, e gostei também da matéria do caju, adoro um prato cheinho dessas “pseudofrutas”. Parabéns, continue assim e terá bastante sucesso. Angelus Melo, Recife, PE Muito legal a revista, bonita e com bom conteúdo. Parabéns! Martinet Celma, Salvador, BA
do editor
mas por que deixar de sonhar com viagens? Até porque há quem prefira viajar fora da alta estação. Por isso mesmo, fomos à procura de lugares que se podem desfrutar em qualquer época do ano. Assim, nesta segunda edição da ÍCONE, deleitamo-nos com Galinhos e Barra do Cunhaú, lugares que conjugam sol, vento e uma natureza riquíssima. Mágicas, tranquilas e belas, são recantos que desmentem a velha frasechavão de que todas as praias nordestinas são iguais. Terras de águas mansas e cristalinas, nativos calorosos e com uma paisagem interminável ao longo de quilômetros do litoral do Rio Grande do Norte, no Brasil. O mar parece ter sido feito por encomenda, e, talvez por isso, nos últimos anos essas duas pequenas cidades tornaram-se escala obrigatória nos roteiros turísticos pelo Nordeste brasileiro. Se não conhece, é preciso descobrir. Pelas suas praias belíssimas, pela indescritível beleza. São lugares onde é sempre verão e o sol brilha o ano todo. Viver é preciso, viajar também, mas à medida que a internet deixa cada vez mais fácil fazer reservas e pesquisar qualquer informação, minguam os aventureiros que acham que sair de casa com tudo planejado tira a surpresa, a fluidez e a espontaneidade da viagem. Aos que continuam com um pé atrás, reafirmo o meu dogma: planejar faz com que se comece a viajar muito antes de embarcar – e o deixa em ponto de bala para identificar o momento de mudar o que tinha planejado. Uma boa pesquisa pode identificar as viagens em que é melhor sair sem tudo reservado – como uma longa jornada de carro pelo litoral nordestino na baixa temporada ou caminhadas sem destino na Chapada Diamantina. De todo modo, planejar é menos uma ciência do que uma arte. Com o tempo vamos aprendendo os macetes. A ÍCONE revela alguns deles. Esta edição está particularmente rica em novidades. E, para que sua leitura fique completa, porque há quem diga que a melhor maneira de conhecer o mundo é viajar pelo universo artístico, apresentamos a palavra afiada de Clotilde Tavares, a pintura abstrata de Ítalo Trindade, o projeto musical Som da Mata, um mapeamento do cinema nordestino atual, a literatura de Eulício Farias de Lacerda, a história do carnaval natalense, entre outras matérias. Experimente e divirta-se com a sua edição da ÍCONE!
Antonio Nahud Editor
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O verão acabou,
roteiro
Viaje POR NOSSAS PÁGINAS
Nossa Capa: “A Casa dos Milagres” | Morvan França
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CAPA Com o objetivo de reconhecer e valorizar a arte popular, a fé e a religiosidade do povo nordestino, o Museu Casa dos Milagres se destaca. ALMANAQUE Típicas expressões nordestinas para não esquecer.
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VISUAIS O inquieto artista potiguar Ítalo Trindade deixa evidente porque é considerado um dos maiores da história das artes visuaisdo Rio Grande do Norte. MOLESKINE O sertão do Seridó pelas lentes da cearense Paula Geórgia Fernandes. O PARAÍSO MORA AQUI Um dos encantos do litoral sul potiguar, Barra do Cunhaú é bacana, familiar, benfazeja e bem-amada. QUEM VEIO DE LONGE A carismática e alto astral apresentadora de teve Luciana Oliveira, de origem pernambucana, conta porque escolheu Natal para viver. 8
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MUNDO ANIMAL PPreá, um típico bicho nordestino, de hábitos noturnos e que vive à beira de lagos, rios e córregos.
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À MODA DA CASA Focada no ecoturismo, a Natureza Tur se destaca com passeio turístico à barco celebrando a preservação dos manguezais.
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CÊNICAS Em Natal, um Baobá, árvore nativa da África, transformou-se num dos pontos turísticos da capital potiguar, rendendo prosa e versos de dezenas de autores. ILUSTRES A trajetória da lendária paraibana Maria Boa, que aportou em Natal em 1942 e fundou o mais famoso cabaré da história natalense. PAPO-CABEÇA Escritora e dramaturga, Clotilde Tavares fala sobre seus trabalhos como artista, seus estudos sobre a cultura popular e sua relação com Natal.
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É PRA LÁ QUE EU VOU A receita duna, vento e tranquilidade segue inabalável na formosa e pequena Galinhos. FINDO DO BAÚ Em 1927, Lampião e seu bando de 53 homens atacaram Mossoró e foram recibos à bala.
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Ano I - No 2 - Abril a Julho’14 Telefone
(84) 9641.2705 / (84) 8806-7523 Contato E-mail: iconenordeste@gmail.com Facebook /revistaiconeturismoecultura
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JOGO RÁPIDO Poema de Civone Medeiros celebra a xanana.
Editor/Jornalista Responsável
CABECEIRA NORDESTINA Clássico literário do paraibano Eulício Farias de Lacerda O Rio da noite Verde é analisado por Luiz Romano.
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LAMBE-LAMBE A visão lírica de fotógrafos e poetas do pôr-do-sol do Rio Potengi, considerado m dos mais bonitos do mundo.
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Fotografia
À la verne O armorial Castelo de Zé dos Montes, em Sítio Novo, erguido a partir da visão da Virgem Maria.
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Andiara Freitas
DOSSIÊ Entre confetes e serpentinas, a história do carnaval Natalense.
Administração/Financeiro
Ana Cláudia Bezerra Barros Redação
Andressa Vieira
Milton Vieira Comercial
Revisão
Andreia Braz Arte-final
Gleyson Miranda
Participações Especiais
Alex Gurgel, Canindé Soares, Carla Belke, Civone Medeiros, Diogenes da Cunha Lima, Esther Azevedo, Flávio Freitas, Gileno Melo, Henio Bezerra, José Antonio Rego Monteiro, Larissa Moura, Leila de Melo, Luiz Romano, Núbia Albuquerque, Paula Geórgia Fernandes, Tiago Lima e Vicente Vitoriano. Impressão
Offset Gráfica
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AS SETE MARAVILHAS Diretoria de palácio ostentoso em Natal planeja consolidar centro criativo para artistas e público. O LUGAR CERTO Lugar agradável, com decoração caprichada, gente interessante e preços convidativos, a pousada Chalé Oásis é ícone em Galinhos.
Projeto Gráfico, Edição de Arte e Diagramação
Rivaldo Júnior
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NA PONTA DA LÍNGUA Investimentos altos e resultado incerto são as marcas da Copa do Mundo em Natal.
Morvan França
Auxiliar Administrativo
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BOSSA O Projeto Som da Mata apresenta todos os domingos, no Parque das Dunas, o melhor da música instrumental feita no Rio Grande do Norte.
Antonio Nahud - DRT/Ba 330
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Tiragem
10.000 exemplares
Conselho Editorial
Agnelo Alves Clotilde Tavares Diogenes da Cunha Lima François Silvestre
Heráclito Noé Iaperi Araújo Valério Mesquita Vicente Serejo
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia e escrita. O conteúdo dos anúncios é de responsabilidade dos respectivos anunciantes. Todas as informações e opiniões são de responsabilidade dos autores.
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ÍTALO
TRINDADE Entre potes de tinta, dezenas de pincéis e telas por todos os lados, o inteligente e inquietante artista potiguar deix a evidente porque é considerado um dos maiores da história das artes visuais do Rio Grande do Norte. Antonio Nahud
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Arte é encanto Tocado pela sensibilidade estética desde criança, o natalense Ítalo Trindade, 59 anos, descobriu-se realmente como artista em 1973, ao ganhar o primeiro prêmio de pintura do Salão dos Novos Artistas do Rio Grande do Norte, promovido pela Fundação José Augusto. Com temporadas criativas em Paris, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, ele investiu no seu trabalho o que aprendeu observando a natureza, focandose em detalhes de folhas, flores, pedras, troncos, raízes e outros elementos. Construindo uma obra meditativa e contemplativa, numa fusão do micro com o macro, tornou-se conhecido por séries de pinturas sobre tela ou papel denominadas Valores Pessoais, Visões Secretas, Ritmos, Spectrocromo e Iluminuras. Atualmente se dedica a grandes formatos sobre tela, numa pesquisa profunda da cor. Estivemos em seu atelier, na Rua Miguel Barra, Tirol, para saber um pouco mais sobre sua arte.
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visuais Influências juvenis “Fui influenciado por várias obras de arte. No meu ponto de vista, a percepção da obra de arte nos possibilita encontrar e reconhecer os nossos próprios referenciais, estes que irão formar todo o conjunto da obra do artista ou mesmo uma única obra. Fui influenciado pelas questões da própria arte, as questões da pintura. Por exemplo, ver Matisse significa o espaço construído pela cor, já em Van Gogh busco as soluções que ele coloca na cor. Quando eu pinto procuro ter uma referência da cor ou da minha memória cromática. Ao ver o preto de Manet tento captar a emoção que essa cor representou para a sensibilidade do artista. O certo é que inicialmente fui seduzido pelo Impressionismo.”
Criação artística “A princípio, o artista deve desenvolver seus próprios questionamentos e ter referências dentro da própria arte. Também acreditar na verdade da natureza, no seu olhar de criança e compreender a matéria que ele irá transformar. Existem, por exemplo, muitos artistas que pintam o vermelho, mas não sabem pintar o espiritual do vermelho. Creio também que o papel do artista no mundo é vivenciar a sua arte, ou seja, intermediar o humano com o divino. O artista se realiza quando se aproxima do seu próprio deus. Essa experiência transcendental ele pode realizar. Afinal, arte é encanto.”
Família “Acredito que minha mãe teve alguma influência artística sobre minha pessoa. O meu olhar evoluiu através da intimidade que eu tinha com ela, quando íamos à lojas de tecido na Avenida Rio Branco. Contemplando os tecidos, as cores iam se formando e criando a minha memória da cor. E minha mãe achava as minhas aquarelas lindas, ela as via como estampas especiais para tecido.”
Artista profissional “Na juventude, eu não entendia muito bem o que era ser um artista profissional, já que não era comum em Natal, que só tinha Dorian Gray Caldas, Newton Navarro e Thomé Filgueira. Lembro que a primeira pessoa que me viu como artista foi a poeta Myriam Coeli. Quando morei no Rio de Janeiro, passei a perceber a arte com mais atenção, principalmente depois do contato com o Centro Lúmen, dirigido por Ivan Serpa. Depois fui estudar na França, onde passei algum tempo. Ao voltar, estava decidido a pintar profissionalmente. Abandonei o curso de Arquitetura, surgindo as primeiras abstrações e um projeto artístico de vida.”
O público A origem “Eu comecei muito pequeno, por volta dos nove anos, desenhando com lápis de cor, colorindo e riscando bordados para a minha mãe. Eu tinha um caderno todo pintado que surpreendia e era sempre mostrado para as visitas. Com 12, 13 anos, comecei a pintar, reproduzindo os impressionistas através de umas gravuras que vinham em folhinhas alemãs para a repartição de papai. Foi o meu primeiro contato verdadeiro com arte. Minha irmã mais velha passou a comprar tintas e tela e eu pintava para as amigas dela que queriam pinturas para decorar a casa. Depois fiz retratos de crianças, a óleo. Mas parei um tempo para estudar, só voltando em 1973, já com um trabalho mais pessoal, inspirado em Rousseau e no Surrealismo.” 12
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“Não penso no público quando pinto. A obra deve funcionar independente, não precisa do julgamento do espectador. A compreensão total deve ser do artista. Nós é que devemos buscar a transformação, a epifania, na nossa criação. A obra quando pronta é independente do artista, não precisa mais dele. Na estética moderna, o estilo é a alma da obra, e não a forma ou o que vão pensar dela. Minha relação é mais comigo. Tenho sempre que trazer algo novo. Preciso do ineditismo. Porque na arte não devemos procurar nada mais além do ineditismo que a obra nos pode oferecer.”
Clímax “O ponto máximo da minha trajetória aconteceu quando expus a série Spectrocromo no Hotel Meridien, no Rio, em 1985. Foi uma exposição muito bonita. Nunca tinha visto algo meu exibido em grande escala. Foi um momento maravilhoso. A última exposição que fiz, no NAC, na UFRN, também considero importante.”
Processo criativo “Trabalho durante o dia, a noite é mais para refletir, já que não dá para pintar em acrílico sob luz artificial. Faço várias pinturas ao mesmo tempo. Pequenas e grandes. Às vezes duas ou três grandes. O meu trabalho é espontâneo, mas sempre sei o que estou fazendo, o que estou procurando. O desenho surge na pintura, mas não tem rigor matemático, é uma relação de ação e reflexão. Muitas vezes deixo uma pintura parada durante meses, então trabalho outras, até surgir a solução para aquela pintura supostamente abandonada. Cada pintura tem seu tempo. Mas a estrutura interna tem uma ordem que organiza esse caos. Mas nunca previ o que vai acontecer. O que eu faço é pensar a cor, a relação entre cores. A minha inspiração é a natureza, de acordo com o campo de visão que desenvolvi. Sigo o meu olhar. Sempre desenhei com critério de arte, observando a natureza.”
A pintura inédita “A obra é um conjunto, mas ela se particulariza na experiência. O que surge em uma pintura se perde noutra e aparece mais adiante. Cada trabalho é inédito, mas faz parte de uma ideia que se forma e se cria numa unidade. É importante ter esse caráter obsessivo para criar uma unidade criativa sem se imitar. Não quero imitar minha própria arte, mas tenho que criar dentro das minhas referências. Uma obra fracassa quando o artista repete uma criação que deu certo.”
O futuro da arte “O artista é essencial no sentido de que a arte é necessária, e no sentido da transgressão da arte. Mas o futuro não importa, porque a arte é atemporal, sem passado ou futuro. O certo é que a pintura nunca morrerá.”
Projetos “Ultimamente tenho feito obras de encomenda, afinal eu vivo do meu trabalho. Paralelo a isso, venho criando pequenas pinturas noturnas e colagens eróticas. Mas não tenho nenhuma exposição planejada. Gostaria muito de ser convidado para dar um curso sobre os sete contrastes de cores.”
Arte nordestina “Acho que a arte no Nordeste se desenvolveu muito, porque existem muitas oportunidades, salões, residências, editais etc. O momento é de crescimento. Há muitas possibilidades. Falta ainda, principalmente em se tratando de Natal, escolas e cursos. Falta iniciativa dos governantes e dos empresários. Mas nunca me liguei em termos de Nordeste. O que me interessa no meu trabalho é a cor. Além disso, a gente não pode exigir muito do Rio Grande do Norte, porque a própria arte aqui não tem nem 100 anos, falta amadurecimento, falta profissionalismo... ”
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Serid贸
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Paula Georgia Fernandes
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moleskine Cearense radicada em Natal há 15 anos, Paula Geórgia Fernandes participou de exposições coletivas no Rio de Janeiro, Porto Alegre e Natal. Seu trabalho “Ser-tão Seridó” foi selecionado para o Festival Internacional de Fotografia GuatePhoto 2012 (Guatemala) e, em 2013, esteve em exposição individual na Pinacoteca do Estado do Rio Grande do Norte e no FestFotoPoa (Porto Alegre, RS). Atualmente, a fotógrafa se dedica a um trabalho autoral, com enfoque na área documental.
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o paraíso é aqui BARRA Do
Simplicidade e Beleza
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Um dos encantos do litoral sul potiguar, CunhaĂş ĂŠ bacana, familiar, benfazeja e bem-amada abril 2014
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o paraíso é aqui
Os visitantes que chegam a Barra do Cunhaú, que pertence ao município de Canguaretama, no litoral sul potiguar, encantam-se com esse berçário natural de peixes e crustáceos, além de paraíso dos esportes radicais. Vizinho da badalada Praia da Pipa, reúne paisagens deslumbrantes, com mar de águas cristalinas. De flora e fauna ricas, destaca-se como santuário ecológico, proporcionando experiências surpreendentes, como o encontro do Rio Cunhaú com o Oceano Atlântico, antigos e altos coqueirais ao vento, mangues que bordam praias, bancos de areia e céu de um azul intenso, coroando o cenário tropical. Para completar: muita tranquilidade. Um local perfeito para quem quer radicalizar nas ondas ou simplesmente aproveitar para admirar, sem pressa, as belezas do lugar. A vila de pescadores oferece praias calmas, permitindo a escolha entre um gostoso banho em suas águas mornas ou aderir ao surf, kitesurf ou windsurf. O vento forte e constante, praticamente o ano todo, faz com que o local seja muito procurado pelos amantes desses esportes radicais. A mesma diversidade de programas pode ser encontrada nos tipos de hospedagem, que vão de resorts a pousadas intimistas. A gastronomia local é abastecida em sua maioria por frutos do mar, como os deliciosos e suculentos camarões, lagosta, entre outros, sendo o caranguejo ao molho de coco e a peixada ao molho de camarão os pratos mais pedidos. Os restaurantes à beira mar são os mais procurados. A maioria desses estabelecimentos é comandada por estrangeiros ou brasileiros que fugiram das cidades grandes em busca de paz e sossego. São 72 quilômetros de Natal até Barra do Cunhaú, indo pela
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BR-101. Ao chegar, são cinco quilômetros de dunas e praias, firmando-se como uma das joias ecológicas do litoral potiguar. Tudo sem poluição. Seu grande manguezal funciona como viveiro de ostras, caranguejos e outros animais marinhos. A pesca esportiva também é uma opção, já que esse braço de mar abriga centenas de espécies de peixe, como sardinhas, tainhas, robalos e xaréus, entre outros. Barra do Cunhaú, aliás, é um polo de carcinicultura, a produção de camarões em cativeiro. Nos últimos anos, as principais atividades econômicas do vilarejo - que antes eram a pesca e a cana-de-açúcar - são a produção de camarão e o turismo. Segundo o historiador Câmara Cascudo, Cunhaú significa “lugar onde as moças bebem água”. Sobre a sua origem, conta-se que tudo começou com a construção de um fortim por marinheiros portugueses, que aqui se demoraram pelo encalhe do seu navio, para se abrigarem enquanto aguardavam o resgate. Esse reduto foi atacado duas vezes pelos holandeses, sendo a primeira em abril de 1634 e a segunda em outubro do mesmo ano, quando empreenderam uma ofensiva rápida e violenta, tomando o fortim. Houve crueldades inomináveis e o saque foi transportado para um barco que foi a pique ao sair da barra. As ruínas do forte foram destruídas completamente pela ação do tempo. Há quem relate que Cunhaú tem uma só praia. Ledo engano, pois são várias e diferenciadas. Assim, nos deparamos com a Praia do Pontal, que se estende por cinco quilômetros, tendo início na Boca da Barra e terminando na Barrinha, onde deságua o Rio Catú, nos limites com Sibaúma. Nela, grandes piscinas naturais, que apontam na maré
baixa. Na Praia do Pontal, a maior de todas, é onde se localiza a maioria das barracas, dos restaurantes, hotéis, pousadas e casas de veraneio, além dos laboratórios para aprimoramento genético do camarão de cativeiro. A Praia da Boca da Barra, além de opção contumaz para os kitesurfistas, é o ancoradouro de onde saem barcos menores e balsas que levam turistas para a Praia da Restinga. Logo na entrada de Barra do Cunhaú, há uma larga faixa de água que corta a Mata Atlântica de um lado e forma um mangue. Muitos se confundem dizendo que se trata do Rio Cunhaú, porém, é um braço de mar, onde o Rio Cunhaú deságua, juntamente com os rios Guaratuba e Curimataú. Vilarejo tranquilo, muito procurado por famílias com crianças e pessoas que estão em busca de sossego. É uma viagem fantástica para quem busca conhecer um pouquinho da tranquilidade do Nordeste brasileiro. Vale a pena passar um bom tempo por lá e conhecer o estilo de vida pacato, alugando uma casa modesta e curtindo semanas de sol e paz, como fazem muitos potiguares, paraibanos e pernambucanos.
COMO CHEGAR Saindo de Natal pela BR-101, no sentido do litoral sul, entrando em Canguaretama. Desse município, são cerca de 13km pela RN-269 até o litoral. Também é possível se chegar pela beira-mar, percorrendo da capital potiguar cerca de 60km de litoral em buggy ou veículos 4x4, durante a maré baixa. Ao chegar à Lagoa de Guaraíras, atravessa-se de balsa até Tibau do Sul. Em Sibaúma, tomase outra balsa para cruzar o Rio Catú. Do outro lado do rio, Barra do Cunhaú.
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quem veio de longe Morvan Franรงa
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“O Programa Virtuall tem o meu perfil, o meu jeito, mas quero evoluir mais preservando a essência. Planejo mudar de estúdio. Vou produzir um espaço, o Luciana Oliveira Beleza & Arte. Vamos levar o programa pra lá, gravar lá, com muitas novidades, mas sem fugir do perfil conquistado. Logo estaremos de volta com tudo. A demora é motivada por esse projeto grandioso, que vai inserir novidades e novos profissionais. Muita coisa boa virá, inclusive o site do programa. Aguardem.”
OLIVEIRA “Comecei a trabalhar muito jovem, na área jurídica, no fórum de Igarassú. Acelerada, elétrica, sufocada com a vidinha familiar tradicional, ainda menor de idade saí de casa para morar sozinha. Logo conheci um cantor baiano, que não gostaria de revelar o nome, apaixonei-me e casei com ele. É o pai do meu filho Brian, que tem dezesseis anos. Foi um bom casamento, que um dia acabou, mas a amizade continua até hoje. Ele incentivou meu lado artístico, passei a trabalhar em eventos, lançamos bandas, produzimos shows etc. Mas já sonhava desde criança em ser artista, promovendo festinhas infantis no clube da minha cidade aos dez, onze anos. As pessoas ficavam impressionadas com a seriedade daquela figurinha minúscula.”
“Lembro que quando eu cheguei a Natal, há doze anos, a cidade era muito bonita, organizada, limpa, eu fiquei encantada, senti orgulho de viver nela. Hoje, lamento o estado em que ela se encontra. É uma pena. Querendo contribuir com a cidade, meu primeiro passo foi a criação de um site. Coloquei tudinho no papel e convidei um profissional para executar o projeto. Deu certo, tivemos muitos acessos, eu me empolguei. Chegou ao ponto que não dava para continuar somente com o site, as pessoas pediam mais. Resolvi montar o Programa Virtuall, mesmo sem experiência televisiva. Visitei os canais de tevê disponíveis, colhi orçamentos e decidi começar num canal fechado, seria uma forma de aprender o ofício de forma discreta. Comecei na TV União, depois passei para a SimTV.”
“Tudo no Programa Virtuall é criação minha. Qualquer detalhe tem minha mão, do cenário ao roteiro, da direção ao figurino. Idealizei quadros, selecionei a equipe, mas gosto de rodízio, sempre experimentando novos profissionais. Eu idealizo a coisa e trabalho até chegar aonde quero. Mas no início foi difícil, fui esnobada. Certa vez, numa festa, uma pessoa conhecida disse, com certo desdém e para que eu ouvisse: ‘Mas quem é ela?`. Hoje, essa mesma criatura, quando me encontra é uma alegria só. Mas nunca tive rancor, sempre fui positiva, bola pra frente. O iniciante sofre, mas hoje é tudo diferente, sou sempre bem recebida.”
“Morava em Recife quando conheci meu segundo marido, um companheiro maravilhoso. Empresário na área de finanças, pouco tempo depois de casados ele recebeu uma proposta irrecusável de trabalho em Natal. Topei a parada. Ao chegar, com calma e cautela fui analisando e planejando futuras ações profissionais, pois eu não conhecia ninguém na capital potiguar. Mas encontrei dificuldade para trabalhar na minha área, a cidade é dominada por grupos fechados, que rejeitam estranhos. Só que a paciência é meu forte. Fui conquistando as pessoas, uma a uma, naturalmente, sem pressão. Sempre achei que agir com a verdade abre portas.”
Bela e carismática, divertida e alto-astral, conhecida pelo sorriso contagiante, a apresentadora de teve Luciana Oliveira nasceu em Paulista, interior de Pernambuco, mas foi criada em Igarassú, onde estão suas raízes. Casada, mãe de Luiza e Bryan, mora em Natal há doze anos e há cinco conduz o Programa Virtuall, na SimTV, aos sábados, às 13h30, um espaço voltado para o mundo das artes e da diversão. Saiba um pouco sobre sua trajetória.
“Nasci sob o signo de Touro e tenho origem indígena. Adoro animais, tenho seis cachorros e outros bichos. Preto e branco são as cores que mais aprecio. Minha maior satisfação é ajudar ao próximo, faço trabalho voluntário para a Hatmo (Humanização e Apoio ao Transplantado de Medula Óssea) e para a GACC-Natal (Grupo de Apoio à Criança com Câncer). Sonho em fundar A Casa das Artes, um local onde teríamos cursos de teatro, literatura, pintura, cinema, artesanato, música e dança, além de exposições e encontros artísticos. Seria voltada para crianças carentes, que teriam também assistência gratuita de pediatras, dentistas, psicólogos etc. Se é um sonho? É, mas vou realizá-lo. Sou persistente.”
Luciana
capa Com o objetivo DE reconhecer e valorizar a arte popular, a fé e a religiosidade do povo nordestino, o Museu é composto por um conjunto de obras que integram uma coleção particular reunida desde a década de 1960.
Caminhos da Fé
Museu Casa dos Milagres Antonio Nahud
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Em 1938, o escritor modernista Mário de Andrade, então Secretário de Cultura de São Paulo, organizou a Missão de Pesquisa e Folclore com o objetivo de percorrer o Nordeste. Coordenada por Luís Saia, inesperadamente revelou o ex-voto, a respeito do qual poucos possuíam referência, despertando interesse em estudiosos e colecionadores. Mas o que é um ex-voto? Objeto votivo em arte popular, geralmente de artistas anônimos, feito em diversos materiais - madeira, gesso, osso, tecido, argila, cera, metais, papel fotográfico etc. -, representando membros do corpo humano, casas residenciais ou animais domésticos com os quais os fiéis católicos pagam promessas, agradecendo por cura ou graça alcançada, escondendo por trás da aparência rústica histórias de superação. Do litoral ao sertão, festas, romarias e peregrinações fazem o dia-a-dia do povo nordestino e atraem visitantes de diversas partes do Brasil e do mundo, encantados por suas tradições religiosas. O ex-voto faz parte desse rico patrimônio histórico-cultural que une fé e arte. Com estética e significado próprio no Brasil, principalmente no Nordeste, tem origem na antiga Grécia, em peças de terracota, dando continuidade na França e Itália, muitas vezes em ouro, prata ou bronze.
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No Museu Casa dos Milagres, inaugurado em agosto de 2013, ocupando a capela do Centro de Turismo de Natal (Rua Aderbal Figueiredo, 980 – Petrópolis), entre gravuras antigas das devoções populares, seios, olhos, altares, braços, jarros, candelabros, pernas, cabeças, mãos, santos e corpos inteiros, foram reunidas cerca de duas mil e quinhentas peças de arte sacra e ex-voto, expostas de forma alegórica e estilizada. Pertencem ao acervo particular do professor e colecionador de arte Antonio Marques de Carvalho Júnior, e foram coletadas com a finalidade de serem salvas do esquecimento ou da destruição. Ele se dedica a reunir essa coleção desde adolescente. Seminarista, ao viajar a Canindé, centro de odisseia religiosa no interior do Ceará, pediu permissão ao bispo local para recolher ex-votos que seriam queimados, iniciando sua preciosa coleção. Antonio Marques conviveu com Newton Navarro, Iaponi Araújo e outros artistas identificados com a arte popular. Estudou na Europa durante dez anos, levando na bagagem esse amor pela arte nordestina. De volta ao Rio Grande do Norte, visitou santuários e fez amizade com zeladores e padres, reforçando sua coleção. Finalmente, no ano passado, surgiu a oportunidade de exibi-la publicamente. Empolgado por ver seu sonho concretizado, desenvolvido em parceria com equipe afinada de treze pessoas - entre eles a pesquisadora e agente de cultura Ana Paulina Fagundes -, dedicou-se com afinco à revitalização da capela fechada há mais de trinta anos, anexo da construção erguida como casa de veraneio do industrial potiguar Juvino Barreto, depois utilizada como orfanato feminino, abrigo de mendigos e casa de detenção. O desgaste não era grande, mas foi preciso pintá-la, ativar a instalação elétrica e transformá-la num templo de arte barroca. Trabalho concluído, resta a esperança de torná-la um museu consolidado, multifuncional e dinâmico, com recursos para contratação de funcionários, climatização, iluminação e limpeza diária. Importante local de fortalecimento da cultura popular nordestina autêntica e genuína, o Museu Casa dos Milagres não tem intuito religioso, o contexto é artístico, mas alguns visitantes ainda assim rezam, fazem promessa e até deixam moedas. Ele abriga cerca de vinte artistas representados em ex-votos e figuras sacras icônicas (São Sebastião, Santa Rita de Cássia, Santa Menina, Nossa Senhora dos Impossíveis etc.). Dentre esses artistas, podemos citar: Luzia Dantas, Ambrósio Córdula, Sebastião Figueredo, Gean de Santa Cruz, Ana Dantas, Elias Sultano, Júlio Cassiano e Zé de Neuza (Nicássio). À esquerda do altar-mor, encontra-se o espaço de devoção ao Padre João Maria (1848-1905), religioso lendário cultuado em todo o Estado, cujo processo de beatificação foi aberto em 2002. A mostra revela a força da arte popular e os caminhos do turismo religioso no Rio Grande do Norte. A visitação está aberta ao público de segunda a sábado, entre 10h e 18h. A entrada é gratuita.
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mundo animal
Ilustração: Esther Azevedo Edição de Arte: Milton Vieira
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O preá é um bicho que prefere crepúsculos e madrugadas para caminhar. Imita a flauta, mas não por vadiação, mas sim quando está fugindo, com medo, com fome atroz ou para a comunicação entre os seus. Nas trilhas, costuma andar em grupos de três a doze. Seu caminho é regular, vai e volta pela mesma vereda. O seu nome vem do tupi apé-rea, cujo significado: “que se encontra no caminho ou que mora no caminho”. Esse pequeno roedor pertence à família dos cavídeos, no Seridó e no Oeste do Rio Grande do Norte, é chamado de pé-seco. No sul do país é confundido com o porquinho-da-Índia, da mesma família, a que Manuel Bandeira dedicou poema de tanta ternura que o compara à sua primeira namorada. Bicho de pelo, tem o corpo robusto, patas nervosas, orelhas curtas, sem cauda, pesa entre 500 gramas e 1 quilo, tem pelagem cinza-parda. Dizem que é surdo, que tem os ouvidos tapados. O preá, plebeu, mais democrático, mora nas capoeiras, barreiras de rios e canaviais, alimentando-se de capins e raízes. Muitas vezes, para sua proteção, mora entre macambiras e outras plantas espinhosas. O preá-do-reino, mais nobre e bonito, é criado em cativeiro, pode ser branco, preto e branco, de cores esmaecidas. A reprodução, de dois a três filhotes, ocorre três a quatro vezes ao ano. O acasalamento é precedido de dança nupcial. Estando a fêmea no cio, com a vulva inchada, o macho dança ao seu redor até que emita o som de aceitação. Dizem ser mais prolífico nos períodos de bom inverno. É tão sábio que pouco se reproduz nos períodos secos para evitar sofrimento aos descendentes. Emigram e voltam com as primeiras chuvas. Os seus predadores naturais são as raposas, o carcará e as cobras, notadamente a salamandra, a corre-campo, a cobra-de-veado e a cascavel. Alguns ditados se referem ao preá: “Tem mais tesão do que preá”, a fêmea engravida logo depois de parir, naturalmente pelo tesão do macho que tem “ovos” grandes; “Macho que só preá-do-reino”. Dizem que quando o homem fica fraco das forças, menos viril, come pirão de mocó. O pirão é o precursor nordestino do viagra...
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à moda da casa Destino Ecológico Antonio Nahud
Morvan França
Focada no ecoturismo, empresa em Cunhaú se destaca com passeio turístico à barco celebrando a preservação dos manguezais A destruição dos mangues em função do crescimento da carcinicultura (criação de camarão em cativeiro), fez com a Natureza Tur, em Barra de Cunhaú, investisse na conscientização ecológica. Há dezesseis anos a empresa realiza um sensível roteiro turístico celebrando a preservação dos manguezais, além de constante trabalho do replante e fiscalização na área. O ecossistema da região, chamada de “Amazônia Potiguar”, tem se mantido firme. Os passeios são feitos em cinco barcos que comportam de 65 a 100 pessoas, respeitando a capacidade de carga determinada pela Capitania dos Portos, oferecendo lanche a bordo (camarão, peixe e ostras), drinques e ducha. Há duas opções de percurso: o tradicional, que passa pelos mangues do braço de mar, com parada para a pesca do caranguejo sá e banho na Ilha da Restinga, uma praia com águas mornas e calmas, dunas, barracas e serviço de bar que inclui peixes, camarões, lagostas e ostras fresquinhas, além de bebidas à base de frutas exóticas regionais; e o roteiro que segue mais fundo pelo extenso manguezal, revelando diversificada fauna e flora. 32
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José do Egito | Zequinha
O passeio da Natureza Tur tem início às 10h da manhã, todos os dias da semana, apresentando paisagens naturais através do percurso de aproximadamente duas horas e trinta minutos. A bordo, vive-se uma aventura de conhecimento geral e tranquilidade, visualizando, em média, 5.600 hectares de mangue, onde 70% é mangue sapateiro e 30% mangue branco (canoé, ratinho e manso). O passeio revela a biodiversidade do manguezal, farto em lambreta, unha-de-velho/mexilhão, sururu e ostra; peixe-boi, boto, tartaruga, tainha, carapeba, pescada, robalo, mero, peixe-espada, peixe-galo, carapicu, sardinha, ubarana, xaréu, pampo, vermelho, dentão, ariocó, arenque, tibiro, amoré, moreia, arraia, linguado, cavalo-marinho; seis espécies de caranguejo (aratu, tesoureira, chama maré, sá e siri); uma variedade de aves como as garças azul, real, parda, pintada e branca; socó, maçarico, martim pescador, papagaio do mangue, jandaia, gavião do mangue; a bananinha-do-mangue; macaco guariba, jacaré do papo amarelo, bicho-preguiça, guaxinins, tamanduá mirim e várias espécies de cobra, incluindo sucuri com cerca de oito metros. Todos esses animais haviam sido atingidos pelos SERVIÇO impactos destrutivos causados no mangue, mas hoje vivem em harmonia no ecossistema. NATUREZA T UR A tragédia começou em meados de 1995, www.naturezatu quando se aumentou os investimentos em emr.com.br e-mail: contato presas de camarão em Barra do Cunhaú, dan@ naturezatur.co m.br do lucro para a região e para quem investia. Tels.: (84) 32414487 e Com isso, surgiram inúmeras fazendas, o que (84) 9127-3090 ameaçou os manguezais. Além de produtos químicos colocados nas águas, devastaram o mangue, que foi transformado em viveiro de camarão. A população ficou preocupada com esse desastre ecológico, que afetava diretamente os que viviam da pesca. Um desses moradores, José do Egito de Oliveira, conhecido por Zequinha, ao perceber tal situação, investiu numa estrutura para passeios de barco, mostrando aos turistas os quatro mil hectares que ainda restavam do mangue e desenvolvendo um projeto ambiental que inclui replante de algumas espécies de mangue e luta contra a pesca predatória de caranguejo. Assim, em 1998, nascia a Natureza Tur, que conta atualmente com trinta e dois funcionários, entre fixos e terceirizados, recebendo grupos do mundo inteiro (incluindo celebridades como o ator Fábio Assumção, a modelo e apresentadora de televisão Ana Hickmann e o elenco da telenovela global “Flor do Caribe”). Passados dezesseis anos, Barra do Cunhaú vem sendo considerada uma das maiores reservas preservadas de mangues do Nordeste brasileiro. abril 2014
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cênicas
Baobá: Antonio Nahud
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Morvan França
a árvore da vida
As árvores sempre exerceram grande fascínio nas pessoas e ocupam posição de destaque na literatura. Buda recebeu sua iluminação sob uma figueira. Em Natal, um baobá, árvore nativa da África, rara no Brasil, transformou-se num dos pontos turísticos da capital potiguar, rendendo prosa e versos de dezenas de autores. Gigantesco e de formas sinuosas, ele reina imponente na Rua São José, em Lagoa Seca. De tronco gigantesco, tem dezessete metros de circunferência. Para abraçá-lo, são necessárias vinte pessoas. A espécie, da família das Bombáceas, atende pelo nome científico de Adansonia e tem longevidade de três a seis mil anos, tronco volumoso, com numerosas cavidades ou protuberâncias; flores brancas, solitárias, em forma de sino; fruto oblongo, coberto com uma camada de pelos aveludados; e folhas digitatas. Árvore sagrada na África, algumas tribos enterram seus guerreiros e sacerdotes junto aos baobás para que suas almas se misturem à alma da árvore. Acreditam que espíritos, incluindo os de seus ancestrais, vivam nelas. São temidas e veneradas de acordo com isso, e são o foco de vários costumes, de rituais de fertilidade a cerimônias para uma boa colheita. O aproveitamento de suas folhas e frutos na alimentação, bem como a capacidade de reservar água em seu interior, aplacando a sede dos animais nas grandes secas, conferem ao baobá o portentoso apelido de “árvore da vida”. É, dessa forma, cultuado e respeitado como divino nas diversas religiões africanas. Apesar da importância, a baobá natalense correu riscos de desaparecer. Em 1991, o proprietário do terreno no qual ela se encontra pôs o espaço à venda. Preocupado com o iminente perigo pelo qual passava a árvore, o poeta e advogado Diogenes da Cunha Lima transformou-se em seu protetor, comprando o local. O negócio foi notícia
Árvore sagrada na África, algumas tribos enterram seus guerreiros e sacerdotes junto aos baobás para que suas almas se misturem à alma da árvore. Acreditam que espíritos, incluindo os de seus ancestrais, vivam nelas.
no Brasil e no exterior, gerando reportagem de capa no suplemento da revista Veja. “Ao chegar a Natal, ainda menino, tive um encantamento especial por aquela árvore magnífica. Resolvi comprar pelo temor de que árvore de tal importância pudesse um dia ser derrubada, para em seu lugar ser construído um prédio”, conta Diogenes. Hoje a árvore é conhecida como Baobá do Poeta. Não se sabe a origem do baobá natalense, mas a curiosidade de como veio parar em Natal é comumente despertada nas pessoas. A partir daí, as melhores intenções promovem as mais engenhosas elucubrações. Segundo o historiador Luís da Câmara Cascudo, foi trazido por escravos africanos. Outros acreditam que o colonizador holandês Maurício de Nassau trouxe a semente, naquele distante primeiro século de Brasil. Diz-se também que veio com as árvores migratórias. Mas são suposições. Estudos concluem que baobás com seis metros de diâmetro possuem aproximadamente 1.010 anos. O de Natal possui diâmetro superior, o que nos leva a imaginar como a árvore pode ter chegado antes dos colonizadores. Desse baobá, fala-se também que inspirou Antoine de Saint-Exupéry na criação do famoso O Pequeno Príncipe. O piloto e escritor francês esteve em Natal várias vezes no final dos anos 20 do século passado. Na descrição poética do autor, o vegetal de enorme porte ameaça o pequeno planeta do Pequeno Príncipe, permanecendo para sempre fixado no imaginário iconográfico de quem o leu. abril 2014
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ilustres As meninas de Maria Andressa Vieira
Esther Azevedo
“Que vantagem Maria tem? É boa!” O trecho da música intitulada “Maria Boa”, de autoria de Assis Valente e já interpretada por Ney Matogrosso, poderia até ser uma homenagem à paraibana que aportou em Natal em 1942 para, alguns anos mais tarde, fundar o mais famoso cabaré da história natalense. O apelido já vinha dos tempos de colégio em Campina Grande e não tinha, a princípio, conotação pejorativa, como o leitor possa talvez imaginar. Em festejos e situações do cotidiano, a menina Maria de Oliveira Barros tinha o costume de ajudar a quem precisasse, sempre prestativa. Os hábitos de bondade renderam-lhe a alcunha de “Maria Boa”, que logo foi repreendida pelo pai, severo. Não que isso tenha feito com que o apelido fosse extinto. Ao contrário, cruzou as fronteiras territoriais e seguiu Maria até o Rio Grande do Norte, onde ela viveu a maior parte da sua vida, dos 22 anos até a sua morte, em 1997, em virtude de um acidente vascular cerebral. Dos anos 40 até meados dos anos 90, quando o casarão fechou suas portas, várias gerações de frequentadores passaram pelas dependências da casa de drinks de Maria. Desde os soldados americanos cujas presenças decorriam do papel de “Trampolim de Vitória” de Natal na Segunda Guerra Mundial, até empresários, doutores, políticos e homens da alta sociedade natalense. Vários ainda hoje têm orgulho de dizer que frequentaram o cabaré de Maria Boa. Admitir ter estado no casarão da Rua 36
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Padre Pinto, nº 816, na Cidade Alta, concerne algum status de participação histórica o qual quase todos querem ostentar, se não por meio de uma ação própria, mas de algum familiar, seja ele próximo ou distante, que em algum momento da vida já pisou os pés no afamado bordel. O icônico historiador Câmara Cascudo costumava chamar carinhosamente as mulheres do bordel de “as meninas de Maria” e, neste texto, em que focaremos nas atividades do casarão que foi point na Natal dos anos 40 e 50, nenhum título viria a caber melhor para a matéria. É provável que nem tudo o que o leitor lerá a seguir seja verdade, mas se é comentado, a sua parcela de veracidade deve ter. As informações foram colhidas através de documentos, depoimentos de ex-frequentadores, amigos, primos, colegas e filhos de ex-frequentadores, e também de pessoas que nunca frequentaram, nem conhecem ninguém que o fez, mas em algum momento ouviram uma história válida de se passar adiante sobre o mito que se criou em torno das fatídicas noites da Casa de Drinks de Dona Maria.
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ilustres O prefeito à baiana Conta-se que um ex-prefeito de Natal era frequentador do cabaré de Maria Boa. Descobrindo os destinos noturnos do marido, a esposa não contou conversa e foi atrás do homem. Maria, na tentativa de apaziguar a situação, recebeu a mulher, insistindo que aquele não era lugar para uma senhora como ela. Sem sucesso na tentativa de barrar a fúria da primeira dama, a anfitriã vestiu o prefeito com uma roupa de baiana, simulando o disfarce para que ele conseguisse fugir sem ser percebido. A mesa vazia Maria Boa era mulher elegante, adorava copiar modelos de atrizes hollywoodianas, mas sempre agia de forma discreta. De alguma forma, ela tinha medo de ofender as pessoas da sociedade devido a sua posição marginalizada. Costumava custear festas de primas e sobrinhas, fossem de casamentos ou de debute. Nas de casamento, ela sempre chorava, talvez desejando um dia estar diante do altar. Em um aniversário de 15 anos de uma sobrinha, num local reconhecido socialmente, Maria fez questão de dar a festa, mas a mesa destinada a ela própria permaneceu vazia durante toda a noite. As meninas e os acrósticos O escritor e professor Diogenes da Cunha Lima conta que quando estudante não podia frequentar as disputadas noites no bordel de Maria Boa por falta de condições financeiras. Então, deu seu jeito de aproximar-se das garotas residentes. Durante o dia, ia ao casarão e presenteava as meninas com acrósticos (espécie de poema que traz cada letra de uma palavra com a primeira letra de uma outra palavra ou verso) com seus nomes. Todas elas tinham ao menos um acróstico, e adoravam recebê-los. E assim Diogenes obtinha alguns minutos de atenção. O poeta e a gaúcha Um poeta natalense-carioca escuta os lamentos de um amigo de Natal. O motivo era que ele havia sido deixado pela esposa gaúcha, que preferira ir prestar serviços no cabaré de Maria Boa. Alegando dor de cabeça, o poeta se despede e, sem contar passadas, vai direto até o bordel. Chegando lá, indaga: “Cadê a gauchinha que está por aí?”.
Maria e as meninas Maria Boa era conhecida entre suas meninas por sua competência e visão empreendedora na administração da casa. Na convivência, conta-se que a higiene era de suma importância, sendo inadmissível para Maria que elas se apresentassem desmazeladas. Também gostava de nomear as garotas sempre que chegavam ao bordel; raramente alguma sustentava o mesmo nome de batismo. Certa vez, percebendo que faltava uma “novidade” no estabelecimento, Maria trouxe uma garota japonesa para fazer parte de seu elenco. 38
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Núbia Albuquerque
Um chifre e um conselho Um membro importante da sociedade potiguar do século passado casou e acabou levando um chifre, sendo con solado por Maria, que lhe disse que o problema foi ter casado com uma virgem inexperiente e imatura. Deveria escolher uma de suas meninas. O dito homem visitou o bordel e acabou aceitando o conselho. Escolheu uma das moças e, para fugir dos comentários em Natal, partiu com ela rumo a uma cidade no interior de São Paulo. No lugar, foi eleito prefeito por dois mandatos, e a primeira-dama era muito querida.
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papo cabeça Clotilde Tavares nasceu em Campina Grande, na Paraíba, no dia 14 de dezembro de 1947. Acumula em seu currículo trabalhos nas mais variadas áreas, estimulando o que a vontade lhe impulsiona a fazer. Desde criança teve referências culturais e sempre lhe pareceu normal o envolvimento com o meio artístico, mesmo durante os anos da faculdade de medicina, que concluiu em 1975, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a mesma instituição onde foi professora universitária por mais de vinte anos, tendo se aposentado em 2002. Hoje, a escritora contabiliza um total de 22 publicações, entre primeiras edições e reedições, fora a participação em antologias. Já no teatro, assina seu nome em 16 espetáculos, como atriz, autora, produtora ou compositora. Foram também inúmeros prêmios e títulos no decorrer de sua atuação – que ainda está longe de se dar por encerrada. Além disso, Clotilde é usuária ativa das mídias sociais e autora do blog Umas e Outras - www.umaseoutras.com.br Andressa Vieira
Morvan França
TAVARES “A arte não tem utilidade”
papo cabeça
O povo diz: ‘Como você se sente como uma escritora feminina?’. Eu digo: ‘Eu não sou feminina, eu sou um homem, é porque eu tenho essa aparência mesmo...’ (risos) O que eu escrevo é indiferente ao fato de eu ser mulher ou homem...
Vivemos numa cultura em que os artistas sobrevivem com dificuldade. É uma coisa meio de guerrilha, tudo muito à base de editais. O que você acha que é necessário para fortalecer mais o meio artístico em Natal? A cultura vai ótima. Os artistas estão produzindo, os músicos estão compondo, os escritores estão escrevendo, os atores estão no palco, os grupos estão funcionando. A cultura de Natal, tanto a cultura erudita quanto a popular, vai muito bem. O que é ruim nesta cidade é a gestão pública na área de cultura. Isso vai muito mal. Principalmente a nível de Estado. A nível de município, houve um caos de quatro anos, mas esta nova gestão está tentando recuperar. Mas os artistas continuam produzindo, porque é natural do artista produzir. Se ele não produz arte, não é artista. Aquele camarada que pintou um quadro em mil e novecentos “e vôtz” e diz que é artista plástico, não é. Nunca parei de escrever, independente da política pública. Você não pode ficar eternamente esperando pelos editais. Existe uma atitude de espera pelos editais, e quando eles não vêm, há um choro e ranger de dentes terrível. E existe uma atitude da qual eu compartilho que é atitude de produzir. Daí as pessoas dizem “Ah, é porque você já tem nome”. Sim e quando eu não tinha? Eu não nasci com um nome. Há trinta anos eu escrevia minhas coisas e pregava nos quadros de aviso da universidade onde eu trabalhava. Eu acreditava que eu era escritora, então eu fiz as pessoas acreditarem nisso. Temos um estado extremamente produtivo culturalmente que é Pernambuco. Em Natal, temos gente boa, que produz, e gente que reclama mais do que produz. É esse o problema? Eu acho que em Pernambuco se tem uma gestão melhor na área da cultura. Pernambuco é um estado onde se tem uma grande autoestima. Coisa que aqui não tem. O povo não tem autoestima, não tem pique para ir atrás das coisas. E você acha que também falta ídolo? Por exemplo, a Paraíba tem grandes ídolos, pessoas de quem se orgulhar, Pernambuco também, talvez falte isso a Natal? O povo pensa que a Paraíba, em relação ao Rio Grande do Norte, é o paraíso. Eu morei na Paraíba por cinco anos, é a mesma coisa daqui. O povo de lá reclamando, do mesmo jeito do povo daqui, e o povo achando que Natal tem tudo e a Paraíba não tem nada. Mas lá na Paraíba e em Pernambuco as pessoas têm mais autoestima, se orgulham de dizer que são de lá. Mas eu não gosto muito de localizar, não suporto esse negócio de “artista da terra” ou “artista local”. Ninguém venha me chamar de escritora local, que eu fico logo com raiva. Não sou escritora local, eu sou escritora. Mesmo que eu escrevesse histórias passadas no Rio Grande do Norte, eu não sou local, eu sou escritora. Do mesmo jeito que eu não sou escritora feminina. Eu sou uma escritora. Quando você
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põe um adjetivo geralmente é para diminuir. O povo diz: “Como você se sente como uma escritora feminina?”. Eu digo: “Eu não sou feminina, eu sou um homem, é porque eu tenho essa aparência mesmo...” (risos) O que eu escrevo é indiferente ao fato de eu ser mulher ou homem... Mas independente da sua arte, você tem apego à Natal? Eu amo Natal, adoro esta cidade. Sou cidadã natalense por um ato da Câmara Municipal de Natal, que me deu esse título, do qual me orgulho muito. Em vim pra cá em 1970, eu tinha 22 anos, vim fazer faculdade. Eu me misturei tanto com essa cidade que quando eu me formei eu não consegui mais voltar para a Paraíba. Eu já tinha criado a ligação de afeto e amor. Nós de Natal somos mais cosmopolitas, somos mais internacionais, modernos, com tudo que isso traz de bom e de ruim. E eu gosto disso. Qual a sua relação com a astrologia e o esoterismo? Eu sou cética, não acredito em absolutamente em nada. Nem em Deus, nem em santos... não, dos santos eu até gosto. Acho santo a coisa mais linda do mundo. Acredito em milagres... quer ver um milagre? Daqui a pouco tá acontecendo: o sol se pondo. Ele cai dentro de um buraco, você não sabe para onde ele foi, e amanhã ele volta. É um milagre. Mas o que eu quero dizer é que durante algum tempo eu estudei, tive uma curiosidade por essas coisas, entendo muito de astrologia, de tarô, mas eu não sou mística, nem acredito muito em nada não. Entendo e estudei porque sou curiosa e gosto de aprender coisas. Eu escrevi um livro chamado Iniciação à Visão Holística, que não tem nada a ver com tarô, nem com esoterismo, nem com nada. É uma forma de ver o mundo, de compreender o mundo. Agora o povo escuta “holística”, talvez porque rima com mística, e aí viaja na maionese. Como você lida com essa relação medicina/arte? Eu sou uma artista na medida em que eu sou atriz, escritora, e medicina foi uma profissão, como poderia ser engenharia, ou outra coisa. Eu não vejo nenhuma relação, nenhum contraste, nem nada. Ser artista é uma natureza. Desde que me entendo por gente eu sempre produzi coisas que não serviam para nada, como é o caso da arte. A arte não tem utilidade. É como a dança: é um movimento que não lhe leva a lugar nenhum. É um movimento desnecessário, digamos assim. Você faz a arte num impulso de querer comunicar algo que você não sabe o que é, porque quando você sabe já deixa de ser arte. Arte é uma forma de você levantar o véu que separa os dois mundos: o mundo visível do mundo invisível, e olhar lá dentro e trazer aquela visão para os seus semelhantes. Tudo bem, se você quiser me oferecer dinheiro para eu levantar o véu, eu acho ótimo. Como biógrafa, qual a sua opinião sobre o “Procure Saber” e a questão das biografias não autorizadas? O escritor tem direito a escrever o que ele quer e se o biografado não gostar que processe o escritor e que o juiz julgue para saber quem tem razão. Agora se for para proibir “Seu Fulano” de escrever biografia, então se tranque dentro de casa e não conte seu nome a ninguém. Na medida em que você é uma pessoa pública, é um político, um artista, um cantor, uma figura que vive colocando a cara na mídia, então você se expõe e as pessoas querem saber sua história. E vão escrever. Então, se você achou ruim, processe por calúnia, injúria ou difamação. Mas querer impedir o escritor de escrever é a coisa mais sem noção que eu já vi na minha vida. E quanto aos nomes consagrados que defendem isso, acho que é uma babaquice. Taí, eu queria três, quatro biografias minhas diferentes. Quando todo mundo lançasse eu dizia: “Agora vocês vão saber o que aconteceu de verdade”, e publicava minha autobiografia. Queria ver se ninguém ia comprar.
Nós de Natal somos mais cosmopolitas, somos mais internacionais, modernos, com tudo que isso traz de bom e de ruim. E eu gosto disso. Como você vê o investimento em cultura e a participação dos artistas na Copa do Mundo em Natal? A Copa do Mundo não é um evento de futebol. É um evento de dinheiro. Um evento de grana e de marketing. Quem achar que a Copa do Mundo é um evento de futebol, tá muito enganado. Não só em Natal, mas em outros estados que lutam com grandes dificuldades na área de saúde, de educação e segurança, e que gastaram um dinheiro imenso construindo estádios e se esqueceram de ajustar o entorno, eu acho isso um negócio meio louco. Meio irresponsável. Quanto à participação dos artistas... eu não sei. Não enxergo de que forma a Copa pode modificar a carreira de um artista, a não ser pelo dinheiro que será pago a eles para produzir determinado trabalho. Só vejo como “mais do mesmo”. Vão dar visibilidade para quem já tem visibilidade. Você estuda e já publicou livros sobre cordel. Como começou a sua relação com essa manifestação da cultura popular? Eu não me envolvi. Eu fui criada nesse meio, escutando minha mãe ler cordel, meu pai recitar, convivendo com os grandes cordelistas que moravam em Campina Grande. Quando fiquei adulta, naturalmente quis saber mais sobre isso porque eu sou curiosa. Então, comecei a estudar e ler sobre isso. Quando eu cheguei a Natal, em 1970, eu já trazia o Dicionário de Folclore de Cascudo para ele autografar. Eu toquei a campainha de Luís da Câmara Cascudo e pedi para ele autografar meu Dicionário de Folclore. Ele autografou e eu fui embora, paralisada, porque eu estava na frente do que pra mim era uma pessoa tão importante que eu não tive o que dizer. Então, sempre me interessei, estudei cordel e escrevi livros sobre. Qual seu dramaturgo favorito e sua frase favorita? William Shakespeare. Uma frase do Hamlet (de Shakespeare) que diz “Estar pronto é tudo”. Mas dizem que nunca se está completamente pronto... Eu pelo menos estou. Não sei as outras pessoas. Mas eu estou prontinha para viver esse momento, agora. abril 2014
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é pra lá que eu vou
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Não é magia, não é miragem. É só um milagre natural. A receita duna, vento e tranquilidade segue inabalável na formosa e pequena Galinhos. Antonio Nahud
Bucólico e semideserto, Galinhos é desses oásis resguardado do turismo de massa graças à localização estratégica. Uma península com águas turquesa, salinas e manguezais, habitat de peixes e frutos do mar. A tranquilidade reina no ritmo dos ventos e das marés, que ora trazem peixes, ora trazem visitantes de longe. Nesse pequeno vilarejo a 170 km de Natal, capital do Rio Grande do Norte, paira a sensação de que o tempo se arrasta. O mar calmo quase sem ondas, barcos de pesca à vista, pássaros de variadas espécies, o vento movendo lentamente as dunas, o trapiche, nativos cordiais sentados nas calçadas, bancos de areia que se formam em meio ao oceano, o Farol, salinas naturais formando pirâmides, imponentes parques eólicos lembrando moinhos de D. Quixote e a rusticidade local criam uma atmosfera poética memorável. Com pouco mais de dois mil habitantes, o local é favorável à pesca e concentrava cardumes de peixe-galo – espécie conhecida pelo formato único, bastante achatado –, de pequeno porte, daí o motivo de o município ter recebido o nome de Galinhos. Até 1963, pertencia a São Bento do Norte, e, no período colonial, as terras foram propriedades do padre jesuíta João de Melo. Reúne três tipos de vegetação: manguezal bem próximo, sertão e caatinga em áreas isoladas, no começo da península. Quem pisa em suas areias, em geral, é o turista que aprecia locais agrestes, sem badalação. Essa tranquilidade seduz europeus, em particular portugueses e franceses, donos das principais opções de hospedagem de Galinhos. Os bons ventos que sopram na região atraem os praticantes do kitesurf e windsurf. No passeio de barco, o visitante é escoltado por águas limpas, avistando o céu azul, o branco opaco das salinas que abastecem os mercados internacionais, arbustos verdes do mangue e areias amareladas das dunas. Aliás, do alto das montanhas de areia é possível avistar o pacato vilarejo e o mar aberto que emolduram e completam a paisagem paradisíaca. O nativo é cordial, e o visitante logo se sente em casa. Basta
Morvan França
sair cumprimentando e certamente será respondido. Ainda não há agências de turismo, mas os próprios moradores se oferecem como guias. Para circular, aluga-se uma charrete, mais conhecida como “jegue-táxi”, o único meio de transporte disponível. Também é uma boa opção para quem chega e precisa se deslocar até alguma pousada. Nesse panorama que cintila ao sol, moram também artistas e poetas, entre eles o escultor açoriano João Monteiro e o poeta de Touros (RN), Ivo Rodrigues Ribeiro. Ivo louva a terra de adoção em versos singelos: “Galinhos de brancas velas / De dunas e praias bonitas / A sua beleza imita / O puríssimo céu azul”. O aposentado Monteiro, que há três anos se divide entre São Paulo e Galinhos, produz vistosas esculturas de figuras humanas e animais, em imburana, mantendo seu atelier aberto para visitação (Rua Diamantina, 19 – Centro), embora não comercialize suas obras. De areias quentes, sol escaldante e águas mornas, a verdadeira magia de Galinhos está na simplicidade. Uma das suas principais atrações é a Praia do Farol. A praia extensa não tem falésias multicoloridas, pousadas e restaurantes sofisticados ou noite agitada. Mas tem sossego, cenários das mil-e-uma-noites e piscinas naturais na Ponta do Farol, local perfeito para curtir o pôr-do-sol. Por volta das 17h30, o astro-rei se transforma numa imensa bola vermelha e inicia seu mergulho no horizonte. O Farol está ativo desde 1934. Mas como nem tudo é perfeito, a cidade sofre com problemas de saneamento básico, coleta de lixo, abastecimento de água e descaso de seus dirigentes. Galinhos convida à contemplação, preguiça e desapego ao corre-corre das grandes cidades. Lugar maravilhoso, de paisagem preservada, sem poluição, carros, violência, muvuca. Um paraíso para quem procura serenidade e descanso. Nele, não há muito que fazer a não ser curtir o sossego e o sol generoso da região, onde quase nunca chove. Tempo necessário para desacelerar e aproveitar o ócio sem culpa.
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é pra lá que eu vou Galinhos RN COMO CHEGAR De carro • Saindo de Natal pela BR 406 sentido Macau. Depois de Jandaíra, mais 16,8 km e entrada no primeiro acesso à direita, seguindo as placas sentido Pratagil (25 km). Deixando o carro no estacionamento da prefeitura (gratuito), se pega um barco para atravessar o braço de mar (antigo Rio Aratuá). Funciona todos os dias, das 5h às 23h. A travessia tem duração média de 10 minutos e o transporte feito pelo barco custa R$ 2,50 por pessoa. De ônibus • Da rodoviária de Natal, a empresa Expresso Cabral é a única que opera linha regular até Galinhos. Saídas somente aos domingos, às 7h. A duração da viagem é 3h30. O ônibus para em Pratagil e depois é preciso pegar um barco para fazer a travessia até Galinhos. Outra opção é ir de van fretada pelas agências de turismo em Natal.
De barco com Tubarão
Jóse Antonio Rego Monteiro
O tour oferecido pelo jovem pescador e guia José Antônio de Miranda Júnior, conhecido como Júnior Tubarão, leva turistas em seu pequeno barco pelo braço de mar margeado por mangues. No caminho, ele identifica, captura e mostra alguns exemplares da fauna local, como o peixe-morcego e o cavalo-marinho. Depois os liberta, como manda o manual do ecoturismo. Durante o passeio, capricha no cardápio, oferecendo uma degustação a bordo de iguarias fresquíssimas, que inclui ostras, peixada, sashimi ou ceviche. Ele pesca quase tudo na hora e prepara a comida na frente dos clientes, depois de revelar sua cozinha improvisada, que tem fogão portátil, frutas e temperos no armário, na proa. O tour, que dura cerca de quatro horas, passa pela Duna do André, Galos, Duna do Capim, Gamboa do Tubarão, Ilha das Cobras, a salina Diamante Branco e termina, estrategicamente, ao lado do Farol de Galinhos. Carismático, Júnior Tubarão cativa com sua conversa amigável durante o bem bolado e disputado tour. Com certeza, um passeio imperdível. Tel.: (84) 9110-2965/8133-4833 / junior.tubarao@yahoo.com.br
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1 Passeio de barco O caminho geralmente é paralelo à praia, onde é possível avistar mangues, salinas e dunas. Destaque para a impressionante Ilha das Cobras, habitada por cabras e onde se podem encontrar conchas enormes.
2 Galos Ao lado de Galinhos, outro bem pacato vilarejo de pescadores. Tem águas calmas, boas para banho. Acesso por barco, jegue-táxi (cerca de 20 minutos) ou mesmo a pé, pela belíssima orla.
3 Kitesurf e windsurf Ventos constantes e algumas ondas ideais para a prática de kitesurf e windsurf.
4 Cavalgada pela praia Passeios a cavalo pelos 16 quilômetros de enseada são famosos entre os turistas. Belas praias de águas claras, dunas e salinas compõem o visual durante o trajeto.
5 Piscinas naturais Formada por recifes e quebra-mares, pequenas piscinas de águas cristalinas são boas para banho e mergulho de snorkel.
ONDE FICAR Chalé Oásis Pousada Av. Beira Rio, s/n - Centro Tel.: (84) 3552-0024 www.oasisgalinhos.com
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fundo do baテコ
O DIA EM QUE LAMPIテグ PEDIU ARREGO Andressa Vieira
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Esther Azevedo
Milton Vieira
MOSSORÓ, RN 12 de junho
Era um domingo de festa na Princesa do Oeste. Não só era período junino e véspera do dia de Santo Antônio em uma cidade onde fogueiras são tradição, como também aconteceria o clássico futebolístico entre o Ipiranga e o Humaitá, os dois times mais tradicionais da cidade. O dia tinha tudo para ser um daqueles que entram para o calendário festivo como uma das maiores celebrações anuais da sociedade mossoroense. A partida de futebol, à tarde, correu bem, mas foi justo no momento de comemoração, mais tarde, no baile promovido pelo Humaitá, que as coisas começaram a desandar. E não fora mesmo por falta de aviso. Coronel Rodolfo Fernandes, o então prefeito de Mossoró, já havia dado o recado de que não tardaria para o cangaceiro famoso aportar por aquelas bandas. Mas como é do costume humano acreditar, “desgraça só acontece dentro da casa do outro”. Mossoró parecia ignorar os ataques nas cidades vizinhas e que a rota natural de Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, seria mesmo se aproximar da, até então, intocada cidade. Foi no meio do baile que correu o boato de que o bando se aproximava. Daí o movimento mudou de locação. Os trens na ferroviária não foram bastantes para os mais de 20.000 habitantes de Mossoró, mas suficientes para esvaziar um pouco a cidade. Na manhã do dia seguinte, a queridinha do Oeste já estaria pronta para receber Lampião. E mostrar que os homens abençoados por Santa Luzia não tinham medo de espingarda nem de cangaceiro.
de 1927
Naquela tarde, Capitão Lampião e seu bando haviam atacado a vila de São Sebastião (hoje, município Governador Dix-Sept Rosado), muito mais para botar medo em Mossoró que por outra coisa. Lampião incendiou um vagão de trem cheio de algodão e não poupou a estação ferroviária, depredando-a sem pena. Manteve também a tradição de destruir a sede do telégrafo, o que sempre fazia, a fim de dificultar os contatos com outras cidades e com a polícia. Ainda assim, a menos de 40 km da capital do Oeste, não iria demorar até que a notícia chegasse aos ouvidos do Coronel Rodolfo Fernandes. E Lampião queria mesmo era que chegasse, assim o prefeito, com medo, poderia desembolsar logo os 400 contos de réis que o cangaceiro pedia e livrar sua cidade do ataque. Virgulino não iria admitir para o seu bando, mas tinha receio de atacar Mossoró. Apesar do histórico do cangaceiro, que já computava mais de 200 combates, a cidade era maior que todas as outras que havia invadido até então. A resistência em pagar o valor proposto não lhe parecia um bom presságio. Mas o ataque já estava programado há tempos, era um desafio que escolhera enfrentar. E não ia recuar nem tocar a campainha. Ia chutar a porta, como lhe era de hábito.
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fundo do baú MOSSORÓ, RN 13 de junho
Na tarde daquele dia de Santo Antônio, Lampião e seu bando de 53 homens se aproximavam de Mossoró. Antes de entrar na cidade, observou a arquitetura imponente que estava prestes a ameaçar. “Cidade com mais de duas torres não é para cangaceiro”, o Capitão pensou alto, o suficiente para que os companheiros escutassem. Do meio da estrada, Capitão Lampião elaborou mais um alerta para o prefeito. Escreveu, em sua ortografia desengonçada: “Cel. Rodopho, estando eu aqui pretendo é drº (dinheiro). Já foi um a viso, ai pª (para) o Sinhoris, si por acauso rezolver mi a mandar, será a importança que aqui nos pedi. Eu envito (evito) de Entrada ahi porem não vindo esta Emportança eu entrarei, ate ahi penço qui adeus querer eu entro e vai aver muito estrago, por isto si vir o drº (dinheiro) eu não entro ahi, mas nos resposte logo. Cap. Lampião”. Mandou entregar. O prefeito Rodolfo Fernandes tinha o dinheiro que o cangaceiro pedia, mas a honra que o título de coronel lhe atribuía não permitiu que cedesse. Se Lampião queria os 400 contos de réis, que fosse buscar. 200 homens engatilhados fariam as honras da casa.
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de 1927
Era por volta das quatro horas de uma tarde neblinosa quando os primeiros tiros foram escutados pelas senhoras que, de dentro de suas casas, rezavam a Santo Antônio que protegesse a sua cidade. Já era certo se deparar com a resistência de Mossoró, mas Lampião não imaginava que ela viesse em uma escala de quatro para cada um de seus homens. Alguns dos combatentes formavam uma trincheira para proteger a sede do telégrafo. Outros, do alto da igreja, disparavam sem piedade contra os cangaceiros. Na batalha, Lampião e o bando ainda conseguiram tomar a Casa dos Artistas, de onde atiravam naqueles que tentavam defender a Estação Ferroviária. Contudo, não foi suficiente para conter os ataques dos mossoroenses, que urgiam em defesa da Princesa do Oeste. Não foi necessário mais que uma hora para que Lampião se desse conta de que aquela guerra de uma batalha só fora perdida. Já havia perdido cabras de confiança, dois dos melhores do bando, quando ordenou a retirada. Debaixo de uma chuva de balas, o bando de Lampião deixava a cidade com homens a menos. Colchete teve o crânio atingido por balas, mas foi a Jararaca que o pior fim foi destinado: capturado, humilhado e torturado, apenas à beira de sua cova foi apunhalado e espancado quase até a morte. Ainda chegou a sentir a textura da areia do buraco onde descansaria quando, em seu último suspiro, o sangue predominou em sua garganta. Foi no fatídico dia de 13 de junho de 1927 que Lampião tombou um dos vários degraus que escalara até a posição de homem mais temido do Sertão. A partir daí, a polícia pôde constatar pontos fracos do mito até então invencível, culminando em sua morte, 11 anos mais tarde, na cidade de Angicos, em Sergipe. Durante mais de uma década de vida após o embate, Capitão Lampião nunca mais deu as caras por Mossoró.
jogo rápido ODE ÀS XANANAS Poema: Civone Medeiros Ilustração: Esther Azevedo
Xananas são exóticas, xananas são albinas, xananas são comuns. Xananas são radiantes, são lenhosas, são bacanas. Xananas são belas e são banais. Xananas são singelas, são sugestas, são factuais. Xananas são fuleiras, são lascivas, são esplêndidas, são substantivas e são substanciais. Xananas são xamãs, xananas são alheias, xananas são danadas, são estoicas, são turneráceas. Xananas são ulmifolias, são estanques, são sacanas, são solares. Xananas são daninhas, são suntuosas, são extemporâneas, são bucólicas, são vulgares. Xananas são tinhosas, são luzentes, são capsulares. Xananas são sagradas, são urbanas, são extáticas, são solitárias. Xananas são pentâmeras, são reiêiras, são rebeldes. Xananas são poéticas, são ornamentais, são descuidadas, são malditas, são tribais. Xananas são emocionais, são malandras, são selvagens, são medicinais. Xananas são Chananas e mais que tais. abril 2014
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cabeceira nordestina
O Rio da Noite Verde O Rio da Noite Verde, de escritor brasileiro até agora desconhecido, assemelha-se a uma fogueira de queimada em pleno Sertão. As fagulhas se inflamam no escuro e nos descobrem outras visões de que só o sertanejo detém o segredo de contar, naquele expressar rude, de uma força quase sobre -humana e de uma franqueza que fere cruelmente. Escritor anônimo, só uma fornalha poderia fazer convergir para ele a atenção. Daí a violência com que narra sua “estória”, numa simplicidade desafetada, quase pueril, sem procura de efeitos calculados. De certo a infância do menino brabo serviu de matriz às formas que encadeou tanta evocação daquelas terras e daquelas vidas primitivas. Só a infância consegue guardar em câmara secreta e misteriosa as lembranças mais longínquas, as priscas imagens de cenas sem lógica, as estórias e ações que se nos lacram ao âmago da sensibilidade, para sempre. (...) Como todo sertanejo que se desbandeira para as terras do brejo em fora, e não torna a viagem, o Autor deverá ter sofrido esse desajuste e o cáustico de se sentir estranho entre irmãos da mesma língua. Sua dor é palpável quase; deslizou através da narrativa e deixou pegadas a marcar as cruzes íntimas que só ele conhece no seu roteiro. Foi esse padecer, que não chega a ser pessimismo, que o forçou ao desabafo. Daí nasceu o “O Rio da Noite Verde”: um “causo”. (...) Com ele – o livro – uma nova obra de ficção que merece estudo e vale o tempo de uma análise, principalmente pelo vigor com que, no domínio do inconsciente, as imagens se movimentam (...). O predomí-
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de Eulício Farias de Lacerda Luiz Romano
nio do anormal, ou a constante das enormidades do enredo, formam um todo em que o medonho exagera as dimensões das coisas, dos bichos e dos sertanejos, a alucinar a própria estória. (...). Entramos, desse modo, no domínio da ficção pura, onde não falta uma vigorosa estabilidade de encenação que nos submete a aceitar os fatos como ocorrências reais. O poder criador é notado e sobejamente perfeito, quando nos influi a esquecer o livro e viver o clima que envolve o todo da narrativa. O enredo, se fosse aproveitado por especialistas, daria nascimento a um motivo cinematográfico, que não transluzisse tentativas, mas sim um documento, dos melhores, pela essência, sobre o “hinterland” brasileiro, fonte generosa para quem tiver sensibilidade e souber expressá-la. Ficamos sob o império da narrativa, fascinados, tal o arfar da vida, como seduzidos pela magia daqueles contadores antigos que magnetizavam o público, dominando-o a seu belo prazer. Livro moderno, “O Rio da Noite Verde”, traz em si, para coroamento da sua revelação, uma significativa expressão de solidariedade que reúne todo aquele mundo num clã, onde a luta para a continuação da vida se transforma na têmpera mais resistente, que destaca dos demais sofridos, o sertanejo brasileiro. O leitor mergulha-se pelo mundo dos lobisomens e jagunços, rasga-se completamente nas farpas dos espinheiros, deixando no chão da caatinga as lágrimas do sangue com que escreve esse livro diferente, que palpita.
O ESCRITOR Nordestino do Vale do Piancó, alto sertão da Paraíba, Eulício Farias de Lacerda ali nasceu em 20 de julho de 1925. Em 1952, mudou-se para Natal, onde fez o curso de Letras e se tornou conhecido como professor de Teoria de Literatura. Demorou a estrear na literatura. Apenas em 1973 publicou o primeiro livro - O Rio da Noite Verde - que obteve o Prêmio Câmara Cascudo. O escritor filia-se a uma vertente literária contemporânea que tenta estabelecer uma articulação entre uma paisagem regional e outra universal, e entre a literatura erudita e a popular, na construção de um regionalismo crítico. Seus personagens vivem os conflitos existenciais com a mesma dimensão com que o fizeram personagens clássicos da literatura. Ao lado de uma preocupação estética, existe, em sua ficção, a denúncia das injustiças vividas pelo homem nordestino. Publicou As Filhas do Arco-Íris (1980), Os Deserdados da Chuva (1981), O Dia em que a Coluna Passou (1982), O Galope do Cavalo na Noite (1988) e Saci Pau-Brasil (1992), deixando transparecer sua preocupação com a linguagem, numa clara revelação das influências que mais o marcaram: Guimarães Rosa e James Joyce. Intelectual de sólida base humanística, apesar de ter vivido a maior parte de sua vida na província, estava sempre atento às mais novas tendências da crítica literária. Deixou inédito o romance A Terceira Manhã.
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lambe-lambe
Henio Bezerra
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Rio Potengi:
Poema-crepúsculo O escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), autor do best-seller O Pequeno Príncipe (1943), considerou o pôr-do-sol do Rio Potengi (em tupi: “rio dos camarões”), em Natal, um dos mais bonitos do mundo. A Ícone também o considera. Em sua homenagem, a visão lírica de fotógrafos e poetas.
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lambe-lambe o potengi me naufraga: eis-me devorado por seus crepĂşsculos seus mangues suas mulheres rosa-dos-ventos e outros alentos
CanindĂŠ Soares
Moacy Cirne
Gileno Melo
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Ipueira-RN Morvan França
labaredas encrespam e lambem a eternidade do tempo Myriam Coeli
o tempo é um menino que brinca, jogando bola. é só olhar a neblina que corta o vermelho das nuvens no desvão desse entardecer. Eulício Farias de Lacerda
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lambe-lambe Carla Belke
quantos rios sĂŁo esse rio? quantas formas espiadas pelo olho azul do cĂŠu, vitral toldado por nuvens, brasa cromo do sol posto? Diogenes da Cunha Lima
Alex Gurgel
tarde morrendo em vermelho e o ouro do sol se refletindo no espelho Câmara Cascudo
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Henio Bezerra
esse rio é tão bonito que perdoo sua loucura. afoga meu pôr-do-sol e corre à minha procura. Nei Leandro de Castro
Morvan França
o farol do pôr-do-sol sangra suas cores no Potengi Yuri Hícaro
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à la verne
G ula Pa
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a rgi eó
s de an n r Fe
N O M
S E T
m e ZÉ g E D a O r L E i T S CA m l a a i r m U mo r a S O D
lu m v is onal u m ic i e sse t r a d a de d a a n d o c id en io o r c “ fo r a e n a p e q u o m p o u a pr la c , ro eq m ue rot ei n a p or u a v i 198 4 q m do ro p , u m de lgo e a t e m u a l i z a , e nt pu ia a r t i r d em sag lso r t a e cu r s, lo c ga r á d a Ta o a p i e a b n d p u a e í o u a mp ont e T e r r a t r u el a esc s q a p e r o i ção e na d a r a o os M a de d d a S , con s j d e a d e p o o nt ,s o d e nt l u g a r e Z é d a c i o t o p a s t el n t a e l c o r ox i m m , a d ç ã o. e m s i d a i v ap ss m lo oC do do p r e s sí ic a ie nt e a I mp o vê. A ”. E a e d i f de s d e o s a d e u C a s t e . Vi n eg a n a d a a s l e e b r t e. s e e r t o a l à “ Po e n d a p u s c é o or t e e ch nt r . n a d e m b u i a t d o N ovo s e a e n h o r a i s l u m r i z o n o q u e g a r p i n i c i r r ol : o d e p l i c e . o i v s s e g d e i o N vê - S e , o o h o z a d “c h e e s s o i s C a e . I s s s s e A pu l f u i o I m l h a r, c o ” e G r a n à S í t a r t o , o s s a l o c a l e t a n a n h e ic di w ac o í s t i R io ç ã o s o f d e N o o p r oj e s t r n a m e a o e L e t a A l e i r o d un a d d ri re o e -s ur a o sio b r e o t e t vo , n m d i e s o r a r i ç ã o b r i n q u e s e p e l m p u l h e g a a g e m p e r g o a o n e c t d n c c c i p o a des ção e n v i r id a , e r so u i? – p ou pa o N ocal es e i u lm i ma Sít r a d a l si mpl or u se va on st r ncipa á p or pa r t ca a p i r d a q a-me at o.” p e s t s o a s i a d o a q u e el a c , p r i e e s t t o d e , i n d i r a s a e o c u p u o g u p s c p e l u e n e d i d s e j a a g e m r o q p o n v i d o u i r p a t o. P r e p l i c o o á i , m f m r a g r i a m n i À r id m a o b s c o , q u e vo s e u o g a s c á s g u e e e i e a e c s r d t d d li e zi il h es o on m ag r pro du a de e a s t r de A m i n h re s p ho qu n o n a d e io sid e q u e o g a t u e c e s i r a m i c c u r n d o p m e d v o r, q q u e r t a o r a e a o f o d r r t on i mp mb p or L e -me, pa r a ouc o z e r it o d e s o, p mu s s e c a Ne abril 2014
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à la verne
r e cia D e sci a té le v a s e r o i n n ã o c o va m n s eg íc io o sa a u d g u ã o c a m i n h e t u d o, i r c h e g ar m c om e o d nc r s ee di a l i s m u m a c a p n t r a d a . ve r s o s , a v a d a e i s . E n c o m a oé nt r e e A t é la b um l i, qu a i n at u r a l d t r i b u íd o a s t a nt e e nt r e i n e ch eg u a p e d r a u m a e s c . e um e s o ada ao e Os d iau i mp ca lu m Ao a den fi m de spaço, les, sem stelo pr ma á rea eg raus que pab , o p or t r e c e i m a ge n p r i a m e a b e r t a q c u r t o s , a u m r e p o r u t r a r a i n d a r d e. n b m s u t a e e e r um d e nt r q u e b r a a p a i s a m a i s o a lu e sa ntos d ito. De ser ia -c a g z de . Es ç o s d a , a go r a b e ç a i e m q u e s e s p a ç o se pa r ei c ol o a m a f s r a ç ã si mb o q u e b e r t o s f , a t r a vé a g i n á r o i s e c o i n t e r n o o qu io o d n s e nt e d e v e v i a d o r m a n ov d a s e r p q u e v a s t r u i n d s , a s e n , s o ol t a , e nt i i se n a çã o os re espa aos n ca st elo, mas não ço. Saí desen h a. A lu do mon poucos era de z os a pa r a , sem v ist a do que p od i de lá o . c íd a s Na á rea ontemp a dei xa com a q ca m i n h ent ra pe Tentei c el ha nte u r o l l e o h c o m b r e u m x t e r n a a r o p ô r d e s u b i el a a d r e , m o s t r o s p o u c e g a r à a d o r om a n n d o s a a d o g esp ca lin pe o -s ra o lo n g o p a r a d i a . E n d e p e d s t e l o h á ol q u e j á d r a q u e a q u e q a t é m a i s a u po p u r fi e do a s s m ca ea r te ,q a a r a o e de r s o r t u e o S e o u t r a e d n u n c i av logo à f t r a z e r uv i r ren an su as e, con u Zé d i ficaç s eg u h ist ó o s M ã o t a o hor i z t e do on e -se m r ia s. o a t é nt e s , à s b é m c o t e. .. e nco n n t r á ve z e s , u s t r u -lo e ti bat e l i z a r um
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À medida que se vai descobrindo o local, o vislumbre se apresenta, seja pela paisagem agreste árida, seja pela construção que se projeta no horizonte.
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Confetes, serpentinas e folia
A história do carnaval natalense Leila de Melo
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Arquivo
A Grécia Antiga gerou a grande festa que seria adotada pela população brasileira
dossiê O folclórico Zé Areia, figura conhecida em Natal na década de 1940, já narrava histórias de um carnaval vistoso e alegre na capital potiguar. O boêmio afeito aos exageros e à malandragem narrava verdadeiras epopeias de folia a respeito das festividades natalenses e dizia que o nosso carnaval era um dos mais prestigiados do país nos tempos saudosos e ingênuos dos entrudos e corsos. Mas as origens carnavalescas datam de bem antes disso. Na Grécia Antiga eram realizadas grandes festas, no início da primavera em agradecimento às colheitas, dedicadas ao deus das festividades, dos ciclos vitais e também do vinho, Dionísio. Esses eventos, com o passar dos tempos, começaram a inserir artes, como a poesia, a dança e peças dramáticas. Os romanos, após a invasão e dominação do território grego, absorveram os festejos e a celebração virou sinônimo de excesso. Os cristãos também comemoravam o Carnaval, entre o domingo e a terça-feira: eles se fartavam de carne, guloseimas e assados para que na quarta todos se vestissem de cinzas, lembrando que todos vêm do pó e ao pó voltarão, o que explica a origem do feriado religioso de Cinzas. A partir da quarta-feira de cinzas, iniciavam os longos quarenta dias sem comer carne, até o domingo de Páscoa. Na Europa, máscaras e fantasias foram se tornando populares. Regiões como Nice, na França, e Veneza, na Itália, se tornaram referências por muito tempo, por conta de seus mascarados. No Brasil, o Carnaval foi introduzido pelos colonizadores portugueses, que logo tornaram a festividade popular. O folclorista e historiador Câmara Cascudo já dizia que as festas populares decorriam das festas religiosas. As primeiras cidades brasileiras a aderirem à folia foram Salvador e Rio de Janeiro; o primeiro registro carnavalesco em Natal data de 1877. As primeiras fantasias a serem comercializadas chegavam à capital potiguar de navio. Os cordões e ranchos (primórdios do que viriam a ser os blocos carnavalescos) tinham os mesmos nomes dos de Recife e do Rio de Janeiro; a tradição do carnaval natalense provinha do frevo e dos entrudos (mela-mela) cariocas. A concentração dos carnavalescos era na antiga catedral, no bairro da Cidade Alta. Até meados do século XX, a Rua da Palha – atual Vigário Bartolomeu - no Centro Histórico de Natal, foi o palco de muitos bailes, foi o segundo ponto de movimentação das festividades. Nesse período já se notara que a elite natalense dominava os festejos. O local foi prontamente esquecido e só nas décadas de 1980 e 1990 voltou à ativa, quando o bloco das Kengas passou a ocupar a esquina com a Ulisses Caldas, fazendo a passarela para o hoje concorrido Desfile das Kengas, sempre no Domingo de Carnaval. A tribo indígena mais antiga a desfilar data de 1919. O desfile das tribos surgiu no final da década de 1910, por influência da Paraíba e de Pernambuco. As tribos tiveram duas fases de muito sucesso, uma na década de 1930 e a outra entre 1961 e 1964, período este que Djalma Maranhão governou Natal. Ainda hoje é possível ver as tribos Potiguares, Comanches, Tapuios, Tabajaras, Tupinambás, Gaviões Amarelos, Tupi-Guaranis e Guaracis nos desfiles. As primeiras escolas de samba de Natal surgiram na década de 1930. Os desfiles aconteciam no Alecrim e na Avenida Rio Branco. abril 2014
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Hoje, elas desfilam na Avenida Duque de Caxias, na Ribeira. Uma das primeiras escolas de samba foi a Batuque do Morro, que surgiu em 1930. Embora descrita como escola, a Batuque na prática ainda era um bloco. Nos anos 1950 surgiu a Asa Branca, que estreou já conquistando vários títulos. Em 1958, na porta da Igreja da Sagrada Família, nas Rocas, nasceu a escola Malandros do Samba, uma das mais tradicionais da cidade, que existe até hoje. Uma cisão entre os fundadores da Malandros, nove anos depois de sua criação, deu origem à Balanço do Morro. Nos anos 1940, o Carnaval migra para o Centro e por lá permanece até o final da década de 70. Esse período ficou famoso pelos blocos da elite natalense: Os Apaches, Os Chefões, Magnatas, só pra citar alguns, há registros de que existiam mais de cinquenta blocos. Escandalizando a sociedade conservadora potiguar, Raimundo Morais se fantasiava de Carmen Miranda, sendo o primeiro homem a se vestir de mulher no carnaval natalense. As crianças também tinham vez na folia, com o baile infantil no Theatro Carlos Gomes (atual Teatro Alberto Maranhão), nas décadas de 1940 e 1950. Existiam outros bailes no Aero Clube (até hoje no mesmo local, na Avenida Hermes da Fonseca), no Natal Clube, no ABC (então na rua Potengi; a sede social ficava onde hoje se encontra o Shopping CCAB-Norte), e o Clube dos Radioamadores. A década de 1950 marca o início da carreira de sucesso de um dos maiores compositores de frevo vivo fora das terras pernambucanas, o potiguar Claudomiro Batista, mais conhecido como Dosinho, que faleceu recentemente. Autor dos hinos do Alecrim Futebol Clube e do ABC FC, há quem diga que ele também foi o responsável por uma versão anterior à atual do hino do América FC. Seus frevos mais famosos são: “Doido também apanha” e “Vão me levando”, esta última foi regravada pelo Quinteto Violado. Os blocos de trenzinhos, puxados a trator, eram muito comuns entre as décadas de 1960 e 1970. Nesse período surgiu o “Psyu”, no Alecrim, considerado por alguns como “bloco de assalto”, isso porque o grupo escolhia a casa de um de seus integrantes para um “assalto”. O termo na época significava uma parada geral para um lanche antes de prosseguir para a folia. Os trios elétricos chegaram ao carnaval de Natal em 1981, nessa época Dodô e Osmar animavam os foliões na Praia do Meio. Em 1983, o bloco Puxa-Saco subiu pela última vez a Av. Rio Branco. Uma tragédia causada por um ônibus desgovernado matou dezessete integrantes do bloco. O motorista do ônibus foi condenado a 21 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado, em 2009, mas até hoje está foragido. No ano seguinte, em 1984, a imprensa noticiava a concentração de foliões nas praias de Maxaraguape e Pitangui. Depois da tragédia, até meados da década de 1990, o carnaval natalense minguou, os foliões ficaram dispersos. A falta de blocos organizados e a expansão do axé music apequenou as festas de rua na capital potiguar. O Baile de Máscaras da Confeitaria Atheneu marca a abertura do período momesco na cidade de Natal. Criado em 1995 por frequentadores da Confeitaria Atheneu, os famosos “confeitaristas”, entre eles Odemam Júnior, Augusto Leal, Ronald Gurgel, Elio Newson e Airton Bulhões, o Baile de Máscaras começou como um bloco de mascarados que saíam pelas ruas do bairro de Petrópolis com uma orquestra de frevo. A iniciativa cresceu e a brincadeira se tornou, nove anos depois, a abertura oficial do Carnaval natalense. Diante do cenário de um Carnaval pequeno, as bandas independentes surgiram para resgatar os áureos tempos de folia na capital potiguar. A Banda do Siri foi a primeira e prontamente repaginou a praia da Redinha como polo carnavalesco. Em seguida surgem a Antigos Carnavais e a Banda Independente da Ribeira. Os polos culturais foram implantados na Redinha, Alecrim, Ponta Negra e Ribeira/Rocas. Novos blocos surgiram da década de 1990 até hoje, ainda que acanhados. Alguns não vingam, duram algum tempo e desaparecem, mas vários resistem até hoje, formando um Carnaval ao mesmo tempo simples e diversificado. É o caso do Baiacu na Vara, de 1990, e que sai na manhã da quarta de cinzas na Redinha; do Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens, em Ponta Negra, criado em 2004; e o Carnapetinga, no Conjunto Santarém, que sai às ruas nas sextas de Carnaval desde 2007. Além do icônico bloco Os Cão da Redinha, que sai toda terça de Carnaval, desde o ano de 1962. 66
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bossa MĂşsica instrumental em contato com a natureza
Leila de Melo
Tiago Lima
O Projeto Som da Mata apresenta todos os domingos, no Parque das Dunas, o melhor da mĂşsica instrumental feita no Rio Grande do Norte abril 2014
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A cena cultural de Natal é repleta de musicistas talentosos. Embora o cenário musical não seja tão famoso como o de alguns estados vizinhos, os potiguares vêm encontrando seu espaço diante do público local e nacional. A diversidade e qualidade musical de seus artistas são notórias aos conhecedores da boa música. O Projeto Som da Mata, que surgiu a partir de uma iniciativa e inquietude do produtor cultural Marcos Sá de Paula, valoriza esse talento musical, tornando-se a casa da musicalidade potiguar. Ao retornar à cidade, depois de um período morando fora, Marcos Sá teve a ideia de realizar shows de música instrumental. O local escolhido, foi o Parque das Dunas. O desejo de levar o projeto musical ao Parque nas tardes de domingo poderia soar arriscado e, apesar dos receios, o Som da Mata está em seu oitavo ano. Ao todo contabiliza mais de 160 apresentações, de gêneros musicais diversos, desde a música clássica ao rock, passando pelo jazz e a MPB. Em sua primeira edição, em julho de 2006, o primeiro artista a subir ao palco foi Manoca Barreto. Mestre Manoca, como era conhecido, foi um dos grandes nomes da cena musical natalense, falecido em 2013. Professor de guitarra e violão da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN), Manoca formou uma geração de instrumentistas potiguares. De acordo com muitos dos musicistas potiguares, ele foi um divisor de águas na musicalidade da cidade. Gentil e talentosíssimo, Manoca voltou várias vezes ao Anfiteatro Pau-brasil em outras ocasiões. Em 2006, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte tinha acabado de entregar o Anfiteatro Pau-brasil e outras instalações no Parque das Dunas e via a necessidade de uma ocupação deles. Marcos Sá, na época, trabalhava com criação de projetos no ProEco, um braço do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema), e desenvolveu então a proposta do Som da Mata. Com a criação do projeto, os vários músicos que trabalhavam acompanhando outros artistas, mas que produziam material próprio, tiveram a chance e o espaço para mostrar seus trabalhos autorais. A seleção dos artistas é eclética e democrática, há espaço para nomes consagrados internacionalmente como o violonista Roberto Taufic, assim como também para a banda de rock alternativo Mahmed. O contato com o público é um dos aspectos, se não o aspecto determinante, para a satisfação do artista. “O alimento do artista é o aplauso. A satisfação do artista ao se apresentar lá é muito grande e o aplauso é muito esfuziante, porque eles não estão acostumados com isso”, diz Marcos. Diferente de tocar em barzinho ou eventos, onde comumente os músicos passam despercebidos, o Som da Mata proporciona o momento de troca, os artistas são prestigiados por um público vasto e caloroso. Um dos bons grupos da cidade, o Macaxeira Jazz Band, foi formado no projeto, os músicos haviam se apresentado antes juntos e em virtude do sucesso da apresentação no Som da Mata, Diogo Guanabara e o Macaxeira Jazz Band nunca mais se separaram. Assim como eles, os dois filhos do multi-instrumentista Antônio de Pádua, Matheus Jardim (baterista) e João Vitor (flautista), subiram ao palco pela primeira vez no Som da Mata. O mais velho, Matheus, agora está na Áustria, em uma das mais conceituadas escolas de jazz, e o caçula, João Vitor, fez o lançamento de seu segundo disco, “Chorinho é Massa!”. A brisa do vento, o cheiro de terra e a vasta flora fazem do Parque Esta68
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Dentre os vários nomes que já passaram pelo projeto estão os baixistas Serginho Groove e Jr. Primata; o pianista e produtor musical Eduardo Taufic; a banda de rock Camarones Orquestra Guitarrística; o grupo de chorinho Nem Choro Nem Vela; a banda de jazz Eduardo Taufic Trio; e Antônio de Pádua.
dual Dunas de Natal um dos lugares mais aconchegantes e revigorantes da cidade, além de ser um dos principais cartões-postais. A reserva de 1.172 hectares de Mata Atlântica declarada Patrimônio Ambiental da Humanidade pela Unesco abriga e recepciona o fiel público do Projeto Som da Mata sempre aos domingos, às quatro e meia da tarde, quando o sol já está se pondo. A programação é divulgada por um mailling aos jornalistas e também a todas as pessoas que têm interesse em receber a programação. Em sua primeira fase, isto é, de 2006 a 2010, teve apoio do Governo do Estado, através do IDEMA. No entanto, por motivos de mudanças de governantes, o programa deu uma parada em 2010 e retornou as atividades em 2013, por meio da Lei Djalma Maranhão de incentivo à cultura, e a Unimed Cultural está a frente do repasse da verba para manutenção do Som da Mata. O projeto já foi renovado por mais um ano. No passado, para ouvir música instrumental, os natalenses frequentavam o elitizado restaurante Fórum, no bairro de Petrópolis. Com o Som da Mata, a música instrumental está mais acessível. Dentre os vários nomes que já passaram pelo projeto estão os baixistas Serginho Groove e Jr. Primata; o pianista e produtor musical Eduardo Taufic; a banda de rock Camarones Orquestra Guitarrística; o grupo de chorinho Nem Choro Nem Vela; a banda de jazz Eduardo Taufic Trio; e Antônio de Pádua. A ideia de um projeto de música instrumental tem chamado a atenção de produtores culturais de outros estados do Nordeste que querem implantar algo semelhante. Como marca registrada, Marcos Sá de Paula fica orgulhoso em saber que o Som da Mata está sendo prestigiado. Crianças, jovens, adultos, idosos, turistas, todos que passam pelo Parque se encantam com o lugar e apreciam o projeto. O pedaço de mata atlântica no meio da cidade revitaliza e alimenta a alma de todos. Vida longa à boa música potiguar e ao Som da Mata!
na ponta da língua
A COPA DO MUNDO
é nossa?
Larisssa Moura
Flávio Freitas e Vicente Vitoriano
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na ponta da língua De 12 de junho a 13 de julho Natal se tornará, na prática, uma das cidades sede da Copa do Mundo FIFA 2014. Segundo dados da Secretaria Estadual do Turismo (SETUR), a expectativa é de que a capital potiguar receba 1.800 jornalistas credenciados e mais de cinco mil não credenciados da imprensa mundial e que 60 a 90 mil turistas de outros países circulem pelo estado. Para atender a esse número, Natal foi a 4ª cidade que mais pediu voos no Brasil para o período da competição. Serão 1.500 voos a mais no período de 6 de junho a 20 de julho, o que deve atrair os olhares do mundo para a cidade, que terá a oportunidade de ser mais uma vez um trampolim da vitória, só que dessa vez, para o hexa da seleção brasileira.
O cenário das competições no Rio Grande do Norte será o estádio Arena das Dunas, projetado especialmente para a Copa ao custo de R$ 400 milhões e capacidade para 42 mil pessoas, que poderão ver de perto pelo menos quatro jogos. O primeiro, no dia 13 de junho, México x Camarões. O segundo, no dia 16, Gana x Estados Unidos, seguido de Grécia x Japão, no dia 19. E por último, o queridinho dos torcedores: Uruguai x Itália, um dos jogos decisivos da primeira fase, que acontecerá no dia 24 de junho. Mas não é somente a Arena que marca o calendário das grandes inaugurações para a cidade neste ano. Está marcado para o dia 04 de abril o primeiro voo do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, que fica na Região Metropolitana de Natal. Batizado com o nome do ex-governador do estado, Aluízio Alves, o novo terminal promete ser o maior aeroporto de cargas e passageiros da América Latina, além do único equipamento consorciado do país construído exclusivamente para o mundial de futebol. O aeroporto terá um terminal de passageiros de 40 mil metros quadrados, 1.500 vagas de estacionamento e capacidade de operação de 6,2 milhões de passageiros por ano. O total de investimento é de R$ 410 milhões, dos quais R$ 326 milhões provêm de um financiamento com o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). Com a chegada da Copa do Mundo na cidade, houve também um aumento generoso na concessão de crédito para investimentos na economia do estado. Em 2013 foram injetados 11 bilhões e meio no RN através de uma linha de crédito oferecida pelo Governo Federal por meio do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), com origem do Ministério do Desenvolvimento Nacional. E para 2014 esse número chegou a R$ 13,100 bilhões, o que representa 40% de aumento. O dinheiro deve ser injetado, principalmente, no comércio, indústria e turismo do estado, beneficiando os empresários através de linhas de crédito com preços diferenciados em juros, carências e prazos. De acordo com a SETUR, essa ação visa manter o foco no empreendedor e fortalecer as cadeias produtivas locais. Além da economia que deve ser injetada pelos turistas na cidade, um dos grandes legados da Copa será, sem dúvidas, as obras de mobilidade urbana, que proporcionarão mais fluidez ao trânsito da cida70
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de. A ordem de serviço assinada pelo prefeito de Natal, Carlos Eduardo Nunes Alves, no dia 10 de setembro de 2013, prevê a construção de cinco túneis e dois viadutos no entorno da Arena até o próximo mês de maio. A obra, orçada em R$ 222,5 milhões, também teve de ser financiada em pelo menos R$ 70 milhões com a Caixa Econômica Federal. O mau legado da Copa Mas para os potiguares, a Copa do Mundo já começou há algum tempo. O primeiro sinal do evento na cidade veio em outubro de 2011, com o início da demolição do Estádio João Cláudio de Vasconcelos Machado, o famoso Machadão, além do Machadinho, uma versão menor da estrutura, utilizado para grandes eventos. Ambos foram projetados pelo arquiteto Moacyr Gomes e inaugurados em 1972, com uma partida da Seleção Olímpica Brasileira contra o Vasco da Gama. Um marco na história do esporte potiguar – demolido em 36 dias. Deu-se, então, início a licitação para a empresa que iria construir a primeira arena multiuso de Natal. E apesar de ser um projeto extremamente lucrativo para a iniciativa privada, a única empresa que obedeceu aos critérios para concorrer ao edital foi a OAS Investimentos S.A, que venceu também a licitação para a Arena Fonte Nova, de Salvador (BA). O contrato assinado entre o Governo do Estado e a empreiteira trata-se de uma parceria público-privada (PPP), o que significa que, se o estádio não der o lucro esperado para a OAS, o Governo garantirá a diferença. Segundo as determinações do contrato de concessão administrativa, depois de pronta, a construtora passará a operar a Arena das Dunas por 20 anos, ou seja, até 2031. Durante esse período, o Governo do RN pagará à OAS pela manutenção parcelas mensais de R$ 10 milhões por 11 anos. Depois, por mais três parcelas de R$ 2,7 milhões. Dentro de uma garantia mínima de lucro, durante todo esse tempo, será mantido ainda um fundo garantidor de no mínimo R$ 70 milhões para ser utilizado caso o Governo Estadual não honre seus compromissos contratuais com a empreiteira. Ainda de acordo com o contrato, o dinheiro provém dos royalties que o Estado recebe da Petrobras pela exploração de petróleo em seus domínios, cerca de R$ 250 milhões por ano.
A poucos meses da segunda Copa do Mundo no Brasil, vale a pena o brasileiro se questionar: Será possível torcer pela
seleção brasileira
sem deixar de torcer pelo Brasil? Na mobilidade urbana, ainda no governo de Micarla de Sousa (2009-2012), a prefeitura de Natal anunciou seu primeiro projeto de mobilidade urbana com vistas no mundial de futebol, que iria desapropriar pelo menos 499 famílias da Avenida Capitão-Mor Gouveia, em Lagoa Nova, até a Rua Felizardo Moura, no Bairro Nordeste, para o chamado “Corredor Estruturante”, que ligaria o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante a Arena das Dunas. Após a criação de comitês populares como a Associação Potiguar dos Atingidos Pela Copa (APAC), grupos de discussão na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e na Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a prefeitura recuou a proposta e criou um novo projeto, com base nas sugestões da população, que reduziu o número de desapropriações para zero.
Outra obra que inicialmente foi incluída na matriz de responsabilidade do Programa de Aceleração (PAC) das Obras de Mobilidade Urbana para a Copa do Mundo de Futebol da FIFA seria a nova Avenida Engenheiro Roberto Freire, cuja ampliação das pistas de seis para doze foi barrada por questões ambientais. Com as alterações, a obra migrou para o PAC 2 das Grandes Cidades, já que o Governo do Estado não conseguiria entregá-la antes do Mundial. Diante de tantas alterações, as obras de mobilidade em Natal começaram menos de um ano antes do Mundial, em 21 de outubro de 2013, com previsão de conclusão para maio deste ano, acabaram se restringindo à área do entorno do estádio. A poucos meses da segunda Copa do Mundo no Brasil, vale a pena o brasileiro se questionar: Será possível torcer pela seleção brasileira sem deixar de torcer pelo Brasil?
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Duas ou três coisas sobre a Pinacoteca potiguar Sob a administração de Mathieu Duvignaud, palácio ostentoso em Natal trabalha para consolidar centro criativo para os artistas e o público Andressa Vieira
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Morvan França
O ESCRITOR Nordestino do Vale do Piancó, alto sertão da Paraíba, Eulício Farias de Lacerda ali nasceu em 20 de julho de 1925. Em 1952, mudou-se para Natal, onde fez o curso de Letras e se tornou conhecido como professor de Teoria de Literatura. Demorou a estrear na literatura. Apenas em 1973 publicou o primeiro livro - O Rio da Noite Verde - que obteve o Prêmio Câmara Cascudo. O escritor filia-se a uma vertente literária contemporânea que tenta estabelecer uma articulação entre uma paisagem regional e outra universal, e entre a literatura erudita e a popular, na construção de um regionalismo crítico. Seus personagens vivem os conflitos existenciais com a mesma dimensão com que o fizeram personagens clássicos da literatura. Ao lado de uma preocupação estética, existe, em sua ficção, a denúncia das injustiças vividas pelo homem nordestino. Publicou As Filhas do Arco-Íris (1980), Os Deserdados da Chuva (1981), O Dia em que a Coluna Passou (1982), O Galope do Cavalo na Noite (1988) e Saci Pau-Brasil (1992), deixando transparecer sua preocupação com a linguagem, numa clara revelação das influências que mais o marcaram: Guimarães Rosa e James Joyce. Intelectual de sólida base humanística, apesar de ter vivido a maior parte de sua vida na província, estava sempre atento às mais novas tendências da crítica literária. Deixou inédito o romance A Terceira Manhã.
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Não é difícil deixar-se atrair pelo Palácio Potengi, antigo Palácio do Governo, ou ainda Palácio da Cultura, onde hoje está locada a Pinacoteca do Estado, ao passar pela Praça Sete de Setembro, na Cidade Alta, em Natal. É um dos prédios mais portentosos da cidade e sua importância histórica também é um atrativo para conhecê-lo. Edifício projetado pelo engenheiro Ernesto Augusto Amorim e construído entre 1865 e 1873, é considerado um exemplo da arquitetura neoclássica, sendo tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Ainda com mobiliário original dos tempos áureos, o Espaço Cultural Palácio do Potengi é a antiga sede do Governo do Estado, já tendo funcionado como Tribunal do Júri, Assembleia Legislativa e Tesouraria. Conservado e administrado pela Fundação José Augusto desde 1996, passou a ser espaço cultural, abrigando em suas dependências um acervo de cerca de 500 obras, e recebendo, na maior parte do tempo, exposições artísticas, podendo também ser um espaço para outras manifestações culturais, tais como lançamentos literários etc.. Contudo, os curiosos que se aventurarem a entrar na Pinacoteca podem se sentir levemente desapontados. Apesar do espaço amplo (quase 1.000 metros quadrados) e do enorme potencial do local, o prédio encontra-se atualmente desgastado e esforça-se para retomar sua importância no cenário cultural da Natal. Esse é um problema que, segundo o arquiteto e artista Mathieu Duvignaud, 37, atual gestor da Pinacoteca, será sanado ainda esse ano, com a verba de um milhão recebida da Petrobras. “A gente vai reformar a Pinacoteca inteira: segurança, iluminação, vamos fazer uma nova sala de reserva para guardar as obras, e, graças a esse dinheiro, a gente vai poder elevar a Pinacoteca a outro patamar”. Mathieu, francês que já reside e atua no meio artístico em Natal há treze anos, aceitou o desafio – e a missão – de erguer a Pinacoteca após a saída do jornalista Franklin Jorge, que administrou a casa de janeiro a julho do ano passado. Em setembro, Mathieu assumiu o cargo e desde então tem trabalhado para aproximar a Pinacoteca tanto dos artistas quanto do público. Nos últimos seis meses, foram exposições temáticas, performances, lançamentos literários, eventos culturais e atividades as mais diversas, que reuniram públicos dos mais variados. Em novembro de 2013, a Pinacoteca recebeu a exposição de arte “Uma Parte de Nós”, do Coletivo Aboio, que atraiu principalmente o público interessado em artes plásticas contemporâneas; em 74
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dezembro, aconteceu o lançamento do livro Valdetário Carneiro – A Essência da Bala, que atraiu os interessados em um dos principais personagens da crônica policial do estado até o Palácio; já em janeiro, a exposição fotográfica “Lumos”, do fotógrafo Andrey Lourenço, atraiu principalmente adolescentes que acompanharam a saga literária do bruxo Harry Potter, da autora J. K. Rowling, obra na qual a exposição foi inspirada. Embora a Pinacoteca seja, financeiramente, de responsabilidade da Fundação José Augusto, Mathieu afirma que o dinheiro se mostra insuficiente para todo o trabalho que precisa ser feito. “Eu estou tentando fazer tudo isso na garra, convencendo apoios privados a me ajudar, conseguindo tirar um pouco de dinheiro de onde tem. Consigo fazer as coisas porque as pessoas me conhecem como artista, têm confiança, então trabalham comigo”, conta. Mas um dos principais problemas, estranhamente, advém dos próprios artistas, que, segundo Duvignaud, se mantêm resistentes às propostas de mudanças. “A cabeça dos artistas é dura. Os artistas em geral precisam ampliar o leque de conhecimento, precisam conhecer coisas novas, sempre desequilibrar um pouco para criar. O que eu percebo é que muitos ficam nessa onda do ‘eu conheço, eu sei fazer’ e se fixam nesse patamar. E eu acho que o artista tem sempre que se renovar, para criar”, explica. A proposta atual da Pinacoteca do Estado foca no museu enquanto ambiente aberto e criativo. A intenção é que o espaço etéreo e clássico, que por isso pode afastar uma parcela da população, possa ser fundindo com iniciativas da cultura popular, justamente para que todo o público conheça e se sinta integrado à Pinacoteca. Algumas iniciativas já estão no calendário para 2014 e a ÍCONE traz a dica para quem já conhece – e quem quer conhecer – o prédio.
Próximas atrações A Nova Potiguarda - Em novembro do ano passado, Mathieu visitou seis cidades do interior a fim de conhecer e dialogar com os artistas potiguares que não residem em Natal. O fruto desse contato será a exposição “A Nova Potiguarda”, prevista para junho (período da Copa). A ideia é que os artistas produzam trabalhos autorais, que traduzam a sua arte, para que possam ser expostos durante todo o mês na Pinacoteca.
Exposição Alien - Os fãs de cinema também terão um motivo para irem à Pinacoteca em 2014. Para esse ano também está prevista a exposição “Alien”, com obras do artista plástico suíço vencedor de um Oscar de efeitos especiais, Hans Ruedi Ginger, mais conhecido apenas como H. R. Giger. A obra, como o nome já indica, terá como tema o clássico da ficção científica e terror “Alien – O 8º Passageiro”, dirigido por Ridley Scott e lançado 1979. Ginger assina os efeitos especiais da obra, que serviram como referência para várias produções posteriores. A intenção é que essa seja uma exposição paga. Fellini na Pinacoteca. Durante o segundo semestre de 2014, a Pinacoteca do Estado terá um mês dedicado ao cineasta italiano Federico Fellini. Serão exposições de obras inspiradas no trabalho do diretor, exibições de filmes e lançamento do segundo volume de Mulheres de Fellini, do jornalista Sandro Fortunato. O primeiro volume da obra foi lançado em junho de 2013. Dentre os artistas plásticos que estão compondo obras inspiradas nos filmes de Fellini estão Pedro Balduíno, Clarissa Torres, Leander Moura, Cristiane Cavalcante e Marcos Guerra. Dentre as exibições, são confirmados os títulos: A Estrada da Vida (1954), Noites de Cabíria (1957), Julieta dos Espíritos (1965) e Ginger e Fred (1986).
Bate-papo com Mathieu Duvignaud Vocês são abertos a projetos que não se inserem unicamente na área de artes visuais? A própria nomeação de “artes visuais” é muito ampla, não só quadro e fotografia. Para mim, artes visuais contempla a pintura, a escultura, a fotografia, a performance, audiovisual, tudo o que pode ser visto. Atualmente, qual você diria ser o principal propósito da Pinacoteca para a cidade? Formar. Formar, informar e despertar a curiosidade do público para os artistas. Além disso, tem um outro papel que é a proteção do passado. Temos um acervo amplo, com obras que já têm mais de cem anos, e o papel da Pinacoteca é de proteger esse acervo, de proteger a história das artes visuais do estado. Além dos editais, tem alguma outra forma de pessoas se aproximarem da Pinacoteca? Só subir o primeiro andar e bater na minha porta. (risos) Manda um e-mail, ou segue a gente no Facebook. Não tá complicado falar com ninguém aqui. Temos quase 1000 metros quadrados de liberdade criativa. Vamos usar esse espaço. Você saiu do centro cultural do mundo, Paris, para vir a Natal tentar revigorar uma coisa que tá difícil. Qual o seu estímulo para isso? Paris pode ser o centro de exibição do mundo, mas não o centro criativo. O Brasil está muito mais à frente na criação hoje em dia que a Europa. Aqui as coisas são possíveis, ainda. Na Europa tem a possibilidade de apresentar, tem festivais, tem tudo. Mas para criar, a crise passou por lá e acabou com o estímulo da criação. As pessoas não são mais criativas como antes.
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o lugar certo
Hóspede do Paraíso Antônio Nahud
Morvan França
Quer saber onde se hospedar bem em um ambiente descolado que é a cara do sossego? Indicamos um lugar agradável, com decoração caprichada e gente interessante. 76
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O acesso não é dos mais fáceis, mas esse é um dos encantos desse lugar onde o calor do sol e humano se misturam de forma harmoniosa e despretensiosa. A sensação de estar num mundo à parte compensa. E ninguém duvida que o melhor da pousada Chalé Oásis, em Galinhos, no litoral norte do Rio Grande do Norte, seja mesmo a localização. Não que os ambientes decorados com bom gosto ou as refeições preparadas com todo esmero não façam jus à fama dessa guarida charmosa com clima zen. Mas os ambientes ficam mais interessantes com janelas abertas e as comidas mais apetitosas com a admirável paisagem. O visual é de fato extraordinário, lembra um desses refúgios intocados que Robinson Crusoé conheceu tão bem. Em frente, o majestoso braço do mar e seus barcos pitorescos; em volta, a tranquilidade da península, dunas, o trapiche e parques eólicos. A Oásis aproveita essa localização privilegiada: o restaurante tem vista para águas cristalinas; a piscina debruçase sobre o horizonte bucólico; a sacada tem vista panorâmica. Um lugar perfeito para quem é adepto de contemplações, sem pressa. Para captar a beleza lírica onde fica essa pequena pousada, uma máquina fotográfica não basta. É preciso a imobilidade de uma câmara de cinema – para fazer um longo travelling e, depois, uma panorâmica que abra o quadro infinitamente. Esse filme exibiria mangues, salinas, o céu infinito, o mar e os sulcos de areia. Dá para entender por que, em 2001, os simpáticos proprietários, a angolana Clara Pinto Machado e o português Jorge (Joca) Sotto-Mayor, escolheram essa localização com ar de paraíso perdido para viver. Com o passar do tempo, o imóvel foi restaurado e ampliado, aumentando as visitas. Na pousada, tudo é impecável para receber o hóspede: delicado padrão de atendimento, privacidade e serviço personalíssimo. Há flores frescas por toda parte, biblioteca com dezenas de volumes, videoteca basicamente europeia, sala de televisão e leitura, vários jogos sociais, massagista oriental e programação de passeios diversos. Tudo isso ao som de música de qualidade e bom papo.
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o lugar certo Criatividade e arte se complementam nas instalações, que têm o toque refinado e o carinho da proprietária. Com decoração rústica e exclusiva, conta com chalés confortáveis, diferentes um dos outros nas cores e decoração, levando os nomes de Vênus, Marte, Estrela, Lua e Nuvem. E a suíte máster de luxo que se chama Júpiter. Em madeira, os chalés são equipados com ar-condicionado, varanda com rede, ducha de água quente e ducha de água mineral, chuveiro elétrico e internet wi-fi. A pousada Oásis oferece piscina com vista para o braço de mar, chamado por lá, de rio; além de hidromassagem (jacuzzi) e sauna a vapor. Há também o terraço solarium, uma excelente opção para aproveitar o sol ou contemplar as estrelas, deitado nos sofás de cipó, apreciando a paisagem... Para qualquer lugar que se olhe, há algo a ser admirado. Na área comum, um jardim com redes. Em frente à pousada há espreguiçadeiras para quem quiser relaxar, admirando o cenário. Sob a batuta do talentoso chief Francisco Augusto Firmino, a cozinha serve refeições regionais onde se destacam o peixe e os frutos do mar, nas suas diversas especialidades, e cardápio internacional com clara inspiração lusitana, servindo inspiradas receitas de bacalhau e doces caseiros. Charmosa, a Chalé Oásis realça o efeito de magia em todos os lugares. A sensação é de estar hospedado no “País das Maravilhas” de Alice. Realmente, um local dos mais privilegiados e cheio de encantos do Nordeste brasileiro.
SERVIÇO CHALÉ OÁSIS Rua Beira Rio, s/n - Centro - Galinhos - RN Telefone: (84) 3552-0024 email: oasisgalinhos@hotmail.com site: www.oasisgalinhos.com
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