Uma Educação Alternativa em Habitat Digital

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Ministério da Educação e Ciência Programa de Doutoramento em Educação Educação a Distância e eLearning

Uma Educação Alternativa em Habitat Digital

Plano de Tese Versão Pós - Final

Ida Brandão

Lisboa, 29 de julho de 2013 Resumo Este documento constitui o Plano de Tese de Ida Brandão, intitulado «Uma Educação Alternativa em Habitat Digital», no âmbito do Doutoramento em Educação, especialidade Educação a Distância e eLearning, da Universidade Aberta, do qual constam a problemática a abordar e as questões de


investigação, o enquadramento teórico, a metodologia, aspetos inovadores, o cronograma das fases dos trabalhos e as referências bibliográficas. Pretende-se investigar os modelos de escolas alternativas que seguem abordagens pedagógicas centradas no aluno, das influências mais remotas (escolas da linha democrática, movimento da escola moderna, e outras), a modelos mais recentes emergentes da utilização generalizada da Web 2.0 e da dimensão da conectividade (elearning, blearning, flipped classroom e outros). Pretende-se opor uma educação vigente dominada pelos mercados e pela competição, orientada para os «rankings», formatando indivíduos para uma economia liberal e de consumo, a uma educação baseada em valores democráticos e humanista, colaborativa e solidária, plural e respeitando as necessidades individuais. Pretende-se defender uma escola onde se estimule a descoberta e a criatividade e em que as redes digitais promovam o acesso aberto à informação e livre expressão, a conectividade entre pares e comunidades escolares que leve à partilha de ideias, talentos e recursos, tendo em vista formar cidadãos responsáveis e esclarecidos.

Palavras-chave: eLearning, escola virtual, escola alternativa, escola democrática

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Ă?ndice

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1. Introdução à problemática Uma educação virada para uma época industrial, persistindo em pedagogias diretivas, memorização de factos e avaliações sumativas, não é compatível com os desafios duma sociedade que necessita de pessoas criativas potenciando a inovação que a evolução tecnológica tem vindo a proporcionar. Uma organização escolar opressiva, um curriculum rígido, uma prática competitiva gera exclusão e torna a experiência escolar hostil. Num momento de crise económica que arrasta uma crise dos valores democráticos, onde a sobrevivência egoísta tende a exacerbar-se, maior reflexão se exige para repensar o sistema educativo. Se existem visões de educação aberta e democrática desde os princípios do século XX (Dewey, Ferrer Guardia, Freinet, Freire et al.) e pedagogias centradas no aluno (Piaget, Vygotsky, Papert, Gardner et al.), que têm inspiração em séculos anteriores (Rousseau, Pestalozzi, Fröbel, et al.), por que não se generalizaram ou conseguiram uma representação mais alargada até aos dias de hoje, reservando ao ensino tradicional e diretivo uma expressão meramente residual? Muitas

vozes contemporâneas têm

questionado

o

sistema

educativo

vigente através de obra publicada e em conferências amplamente divulgadas na Internet (Ken Robinson, Alvin Toffler, Noam Chomski, Edgar Morin, entre muitos outros). Ken Robinson, no seu livro Out of Our Minds (2011) diz que a Educação deve cultivar os talentos e as sensibilidades de cada um para uma vida melhor e capacitar para criar um futuro para si mesmo. Guy Claxton, psicólogo inglês e professor da Universidade de Warwick, questiona a finalidade da Educação no seu livro «What’s the Point of School?»: «We've come to mistake curricula, textbooks, standards, objectives, and tests as ends in themselves, rather than as means to an end. Where are these standards and objectives taking us? What is the vision they are pointing toward? What purpose do they serve? What ideals guide us? Without ideals, we have nothing to aim for. Unlike

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standards, ideals can't be tested. But they can do something that standards cannot: they can motivate, inspire and direct our work.» (Guy Claxton, 2008: 26)

Noam Chomsky numa conferência sobre «Education for Whom and for What?» de 2012, na Universidade do Arizona, refere duas visões antagónicas sobre a quem se destina a Educação, (i) uma visão da educação para uma elite (orientando o resto da população para um ensino profissional), assente na ideia de que existe um estrato de «intelligentsia», de «pessoas responsáveis» que devem tomar as decisões, e uma vasta população de observadores com o papel de seguidores; (ii) outra visão é que a Educação se destina a todos. No vídeo «The Purpose of Education» fala destas visões antagónicas: The first kind of education is related to the Enlightenment - highest goal in life to inquire and create; search the riches of the past; try to internalize; carry the quest - help people how to learn on their own; it's you the learner; it's up to you what you will master. The second kind of education is related to indoctrination - from childhood young people have to be placed into a framework where they will follow orders that are quite explicit. (Chomsky, 2012)

Num artigo sobre educação e democracia, Chomsky relembra o pensamento de dois grandes intelectuais do princípio do século XX, John Dewey e Bertrand Russell: Let me return to one of Dewey's central themes, that the ultimate aim of production is not production of goods but the production of free human beings associated with one another on terms of equality. That includes, of course, education, which was a prime concern of his. The goal of education, to shift over to Bertrand Russell, is "to give a sense of the value of things other than domination, to help create wise citizens of a free community, to encourage a combination of citizenship with liberty, individual creativeness, which means that we regard a child as a gardener regards a young tree, as something with an intrinsic nature which will develop into an admirable form given proper soil and air and light." In fact, much as they disagreed on many other things, as they did, Dewey and Russell were perhaps the two leading thinkers of the twentieth century in the West, in my opinion. They did agree on what Russell called this humanistic conception, with its roots in the Enlightenment, the idea that education is not to be viewed as something like filling a vessel with water, but rather assisting a flower to grow in its own way. It's an eighteenth-century view which they revived, in other words providing the circumstances in which the normal creative patterns will flourish. (Chomsky, 1994)

Em 1999, Edgar Morin na publicação editada pela UNESCO «Seven Complex Lessons for the Future», sobre os princípios da pertinência do conhecimento no novo

milénio,

escrevia

que

para

compreender

um

mundo

global,

multidimensional e complexo, teria de acontecer uma reforma do pensamento respeitante à capacidade da organização do conhecimento: 5


«The education of the future is faced with this universal problem because our compartmentalized, piecemeal, disjointed learning is deeply drastically inadequate to grasp realities and problems which are ever more global, transnational, multidimensional, transversal, polydisciplinary and planetary.» (Morin, 1999)

Fielding e Moss, professores da Universidade de Londres, defendem na sua obra «Radical Education and the Common School» uma escola de valores: «If we are going to value and work with complexity and diversity, emergence and creativity; if we are to make connections and understand our inter-dependencies; if all of humankind is to survive and to flourish, and to do so on the basis of shared lasting prosperity and distributional equity, and these are all big ‘ifs’ – then it seems important that education adopts certain values, ethics, concepts and images, such as the ones we have discussed.» (Fielding&Moss, 2011: 57)

Hargreaves e Shirley no seu livro The Fourth Way (2009) perfilham da mesma visão crítica da política educativa: «Policymakers are not only shapers of public education but can also be obstructionists, blocking positive movements for educational change that are at odds with other parts of the political agenda and the interests they serve. On occasion, policymakers reduce budgets in the line with the ideology of market fundamentalism or accede to the demands of powerful lobby groups whose interests conflict with those of children in schools.» (Hargreaves & Shirley, 2009: 59)

Robinson sublinha alguns pressupostos e desajustamentos do sistema educativo: «Systems of mass education are built on two pillars. The first is economic: they have been shaped by specific assumptions about labour markets, many of which are now hopelessly out of date. The second is intellectual: they have also been shaped by particular ideas about academic intelligence, which disregard other abilities that are just as important, especially for creativity and innovation.» (Robinson, 2011: 50)

Esta crítica é reforçada no prefácio ao livro Creating Tomorrow’s Schools Today, (2010) onde refere que os sistemas de educação de matriz industrial são impessoais e formatam para a conformidade, a nível do currículo, dos métodos de ensino e duma avaliação padronizada. Os alunos são tratados como matéria prima e as estatísticas como resultados. O sistema distorce as finalidades da educação ao relevar certas áreas do conhecimento em detrimento de outras, as disciplinas úteis (línguas, matemática ciências e tecnologias) e as disciplinas inúteis (história, geografia, artes visuais, performativas e música). «Students within the academic system are taught broadly the same material and they are assessed against common scales of achievement, with relatively few opportunities for choice or deviation. (…) In high schools the day is organized into standard units of

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time and transitions are marked by the ringing of bells or buzzers.» (Robinson, 2011: 57)

A mesma opinião crítica é manifestada por John Taylor Gatto, professor de Nova Iorque, que escreveu obras muito críticas do sistema educativo e da organização escolar, tais como como Dumbing Us Down e Weapons of Mass Instruction: «...the institution (school) is psychopathic - it has no conscience. It rings a bell and the young man in the middle of writing a poem must close his notebook and move to a different cell where he must memorize that humans and monkeys derive from a common ancestor.» (Gatto, 2010: 22) «Schools are intended to produce, through the application of formulas, formulaic human beings whose behaviour can be predicted and controlled.» (Gatto, 2010: 23)

Outro problema crítico é o da avaliação baseada em testes standard, com a obsessão dos rankings, afunilando o papel do professor e do curriculum, investindo-se no treino para o teste para elevar as médias nacionais no quadro das estatísticas internacionais. Como se a complexidade do estudo do mundo que nos rodeia se concentrasse num corpo fixo e específico de conhecimentos que possam ser avaliados por testes que fragmentam, limitam e banalizam o curriculum. Testes que são assumidos como instrumentos de medida cientificamente rigorosos (Kincheloe, 2005). Esta medição dos resultados da aprendizagem através de testes (certo/errado) enquadra-se nos princípios tayloristas da gestão científica do trabalho transposta para a educação. Tudo tem de ser mensurável e as finalidades da educação e o papel do professor têm de encaixar nesta racionalidade instrumental. O currículo tem de estar normalizado e os professores têm de seguir determinados métodos. (Kincheloe, 2005). «In an educational system employing factory language and sharing the ideological assumptions of business, it is not surprising that decisions were made on the basis of quantifiable notions of efficiency. (…) Decisions in curriculum development were made on the basis of the dollar value of teacher-pupil ratio – not on educational considerations. Because of small class sizes a subject like Greek could never be described as efficient; it was therefore dropped from most curricula. The outcomes of the so-called educational efficiency experts’ research were always the same: increase the number of classes offered so that fewer teachers would be needed. (Kincheloe, 2005)

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Esta lógica tecnicista não avalia os contextos de aprendizagem nem as origens de eventuais problemas, é como um termómetro que mede a temperatura do corpo mas não explica donde surge a febre (Kincheloe, 2005) « We assess teacher effectiveness, assign students to curriculum tracks and specific classes, and decide which schools receive excellence awards on the basis of such research data. As a result, we often reward the most conventional teachers, assign creative and highly capable students to non-academic curricula, and celebrate schools which possess a large percentage of upper-middle class students. In all of these cases research strategies focusing only at outcomes, not processes, are employed. In all cases the outcomes measured only partially reflect the texture, complexity, and quality of the process: what is good teaching? what makes a good student?; what does a good school do? » (Kincheloe. 2005)

Quando o ensino é orientado por este tipo de avaliação nega-se a possibilidade aos alunos de aprenderem a interpretar e a organizar o conhecimento com base na reflexão das suas motivações e experiências. Ken Robinson considera que a educação deve ter em conta quatro grandes planos (i) proporcionar o desenvolvimento individual, pois todas as crianças nascem com um imenso e natural poder de imaginação e curiosidade; (ii) cultural, ajudar as crianças a compreenderem as tradições e avanços das suas comunidades e doutras culturas, numa base de tolerância; (iii) económica, ajudar à sua independência financeira e criação de riqueza de forma ética e sustentável; e (iv) social, a escola encontra-se no seio da comunidade, as famílias e as parcerias locais têm um papel na promoção do espírito de comunidade e participação responsável. Ken Robinson sublinha ainda que se vive, hoje, uma realidade mais conectada e influenciada pela informação sobre a história da humanidade. A cultura da Web é aprofundada por Leadbeater no seu livro We Think - Mass Innovation not Mass Production, onde fala duma cultura de partilha e colaboração, e das oportunidades que a Web oferece na forma como trabalhamos, consumimos e inovamos: «The We-Think generation is living out the hopes of the 1960’s radicals for the creation of a harmonious, post-scarcity society that is free, decentralized and yet apparently egalitarian a world in which, as Fred Turner put it, each individual could act in his or her own interest and at the same time produce a unified social sphere, in which we are all one» (Leadbeater, 2008).

E, neste mundo da Web, Marc Prensky, em Teaching Digital Natives, defende estratégias de parceria professor-aluno, num espaço sem hierarquias: 8


«…the most important changes required of educators are not technological, but rather conceptual – thinking of themselves less as guardians of the past and more as partners, guiding their living, breathing rockets towards the future.»(Prensky, 2010: 13)

1.1.Questões de investigação Poder-se-á interrogar em que medida as redes digitais poderão ajudar a disseminar e fazer convergir muitas visões críticas do sistema de ensino vigente. Em que medida a Web 2.0 e as redes sociais podem promover a aproximação de comunidades educativas alternativas de forma a propagar as suas abordagens pedagógicas e os seus modelos de escola? Em que medida a oferta de modalidades de ensino-aprendizagem online (blended/eLearning) não poderão ser adotadas pela escola, duma forma mais generalizada, nomeadamente ao nível do ensino secundário? O objetivo geral desta investigação é analisar diferentes modelos pedagógicos centrados no aluno, baseados em valores democráticos e de liberdade num conjunto de escolas que seguem pedagogias inspiradas por educadores como Freinet, Ferrer Guardia, A.S. Neill, entre outros. Será analisado o papel da tecnologia e das redes digitais nestas escolas e as redes europeias e internacionais em que se integram (AERO, IDEN, EUDEC). Será analisada a realidade destas escolas, muitas fora da tutela do Estado, e o espaço que as políticas da escola pública reservam (ou deveriam reservar) a modelos mais flexíveis e diversificados. Será ainda abordada a dimensão da escola inclusiva que integra todos independentemente da sua condição social, multicultural ou com necessidades especiais. Por outro lado, serão analisadas realidades de escolas que, influenciadas pelo potencial da tecnologia e conectividade, adotaram modelos pedagógicos mais flexíveis ou iniciativas baseadas na personalização da aprendizagem e na autonomia do aluno, libertando-o duma orientação diretiva e normalizadora, centrada no professor. A Web e as redes digitais fazem-nos pensar se aquilo que podemos partilhar ou que é pertença de todos não será tão importante quanto aquilo que é propriedade de cada um. Na economia das coisas é-se identificado por aquilo 9


que se possui - casa, terrenos, carro -, mas na economia das ideias que a Web está a criar outras dimensões prevalecem - com quem se está conectado, que redes sociais integramos, que ideias, imagens, vídeos, ligações partilhamos. A maior mudança que a Web tem provocado é esta dimensão da partilha e quantas mais ideias partilhamos mais ideias são geradas, sofrem mutações e são desmultiplicadas e este processo é fonte de criatividade, inovação e bem estar. (Leadbeater, 2008). O conceito de «openness» poderá funcionar como charneira aglutinadora da visão democrática da escola, de liberdade, de colaboração e partilha, dos modelos inspirados por Dewey, Guardia, Ferrer, Montessori, A.S.Neill, e da realidade atual da aprendizagem aberta proporcionada pelos recursos educativos abertos, acesso aberto às publicações científicas, cursos online abertos (MOOCs), software aberto, ferramentas livres da web 2.0 e redes sociais, que trazem capacitação (empowerment) a quem pretende aprender. Tapscott fala de um mundo mais aberto e transparente e numa inteligência em rede (network intelligence) na sua TED Talk «Quatro Princípios para um Mundo Aberto». Num dos artigos incluídos na publicação de atas da conferência LINK 2013 sobre inovação e qualidade das aprendizagens define-se o conceito de aprendizagem aberta nas escolas : «Open School Learning introduces the concept of Open Education within schools by improving the variety of learning styles, amongst others through the use of e-Learning and Open Educational Resources. Open School Learning establishes the vision of Creative Classrooms where teachers are continuously changing their roles according to the scenarios and students are cooperating, amongst others through developing a network of communities across Europe» (Stracke, 2013).

Os objetivos desta investigação incidem em: •

analisar visões para a educação, teorias de aprendizagem e correntes pedagógicas centradas no aluno desde o início do século XX;

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conhecer os pontos de vistas de representantes das organizações e associações europeias e internacionais de modelos e escolas alternativas ao ensino tradicional;

identificar e descrever escolas nos continentes europeu e americano que seguiram

correntes

pedagógicas

centradas

no

aluno

e

visões

alternativas ao modelo tradicional de ensino; •

comparar as vantagens destes modelos alternativos de escola face à escola tradicional predominante;

descobrir qual o papel das redes digitais na relação entre estas escolas alternativas ou como estas poderão ser enriquecidas com a dimensão tecnológica;

explicar as vantagens duma diversificação da oferta de diferentes modelos de escola alternativa no sistema público de ensino;

explorar o potencial dum habitat digital para um modelo de aprendizagem centrado no aluno, assente numa visão democrática. Poderemos sintetizar o problema de investigação nos seguintes termos: Problema de investigação A partir do conceito de «openness» 1, da centralidade no aluno e da sua autonomia, esta tese pretende analisar modelos de escola democrática e o impacto das tecnologias, ao nível dos projetos e atividades dos alunos, na interação com escolas doutros países, na constituição de redes internacionais que comungam da mesma visão alternativa de educação. Analisar se a tecnologia poderá ampliar os valores democráticos e de partilha com enriquecimento para os alunos. Analisar igualmente escolas que funcionam numa base estritamente virtual em regime de eLearning e como esses valores estão presentes ou se essa experiência é demasiado solitária, resultando numa perda da relação humana do presencial. 1 Vide esquema na pág. 45, em Aspetos Inovadores

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Com base numa pequena seleção de escolas, de diferentes países, serão elaborados um conjunto de estudos de caso descritivos.

2. Enquadramento teórico O enquadramento teórico desta investigação tem como fontes de inspiração a (i) obra dos educadores e pedagogos acima referidos do princípio do séc. XX, (ii) de teorias de aprendizagem construtivista/construcionista (Piaget, Vygotsky, Papert), da pedagogia crítica de Paulo Freire, das múltiplas inteligências (Howard Gardner), da aprendizagem em contexto (situated learning, Lave & Wenger), do conetivismo (Downes & Siemens), (iii) de investigadores e personalidades da atualidade com visões críticas do sistema de ensino predominante. Estas visões convergem para dimensões e valores comuns: (i) a centralidade do aluno, as suas necessidades e motivações; (ii) a construção da autonomia e a criatividade; (iii) a colaboração e a solidariedade. A dimensão da tecnologia e conectividade é mais recente e o seu poder transformador pode ser potenciado para reforçar aqueles valores.

2.1.A visão democrática da educação e a centralidade no aluno A visão democrática da escola perpassa pelos séculos, defendida por grandes pensadores como John Dewey, filósofo, psicólogo e ativista político de vanguarda, nascido em meados do séc. XIX e falecido em meados do séc. XX nos EUA, com obra notável sobre a democracia e a sociedade e uma referência para a educação progressiva. Apesar da influência que a filosofia de Hegel exerceu na sua juventude, o seu pensamento orientou-se para uma dimensão pragmática, designada por instrumentalismo ou pragmatismo, defendendo que as ideias devem estar ao serviço da resolução de problemas reais. Viveu num contexto histórico particular, da revolução industrial e do desenvolvimento do capitalismo americano, em que uma mão de obra rural acorria a uma indústria urbana, em que as pessoas se tornavam escravas de trabalhos mecanizados e onde predominava a normalização e a conformidade. Dewey defendia valores 12


democráticos que a educação podia fomentar e praticar, numa abordagem da criança como um todo, nas suas dimensões física, emocional e intelectual. Na sua crítica à filosofia tradicional das ideias abstratas, da transcendência, da metafísica e da verdade absoluta contrapunha o saber adquirido da experiência e da experimentação e considerava que as crianças aprenderiam melhor realizando tarefas associadas aos conteúdos. A verdade não representava uma ideia à espera de ser descoberta, só poderia ser concretizada na prática (Apple&Teitelbaum, 2001). Acreditava no potencial da criança e preconizava que a escola devia proporcionar práticas conjuntas e colaboração entre os alunos, em vez de os tratar de forma isolada, não deixando de reservar um papel importante ao professor. Uma visão altruísta e em prol da autonomia, desenvolvendo um pensamento crítico e científico, muito em linha com outras correntes na época de inspiração anarquista. Dewey reservava à escola o papel na transformação para uma sociedade melhor, a escola podia ajudar a eliminar barreiras e distinções de classe. A sala de aula podia ser o microcosmos de vida comunitária e democrática, preocupada com a dignidade humana e com a inteligência científica. A Educação era a melhor forma de prevenção da ignorância, da pobreza e da miséria. O conceito de democracia para Dewey é caracterizado na sua obra «Democracy and Education» nos seguintes termos: «A democracy is more than a form of government; it is primarily a mode of associated living, of conjoint communicated experience. The extension in space of the number of individuals who participate in an interest so that each has to refer his own action to that of others, and to consider the action of others to give point and direction to his own, is equivalent to the breaking down of those barriers of class, race, and national territory which kept men from perceiving the full import of their activity.»(Dewey)

E a transposição da democracia para a sala de aula é traduzida do seguinte modo: «One of the first things Dewey did in development his democratic classroom (Mayhew & Edwards, 1966) was to bring portions of the children’s larger society in to the classroom in the form of occupations. These occupations would later evolve into a multi-faceted project approach (1916).4 It is in the process of coming together as a functioning society to meet goals for the everyday problems presented by projects where students learn essential social knowledge for a true democracy. This means that all members of a group are potential contributors; that the notion of competing agendas in the solving of a community problem is a debilitating illusion.» (Glassman&Kang,2006)

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2.1.1. Ferrer Guardia e a Escola Moderna Estes ideais eram defendidos, à época na Europa, por educadores como Ferrer Guardia, o qual cria em 1901 a sua Escola Moderna em Barcelona, inspirada na escola francesa de Cempuis (1900), na coeducação dos sexos, por uma educação integral. Livre pensador, pertencente à maçonaria, profundamente anticlerical, pelo papel obscurantista da Igreja na promoção da superstição, do medo e da obediência, defensor duma educação esclarecida, racional e científica, «(…)an emphatic rejection of the ancient type of school which still survives, and a careful experiment in the direction of imbuing the children of the future with the substantial truths of science. I was convinced that the child comes into the world without innate ideas, and that during the course of his life he gathers the ideas of those nearest to him, modifying them according to his own observation and reading. If this is so, it is clear that the child should receive positive and truthful ideas of all things, and be taught that, to avoid error, it is essential to admit nothing on faith, but only after experience or rational demonstration. With such a training the child will become a careful observer, and will be prepared for all kinds of studies.» (Ferrer Guardia, 1913)

A Escola Moderna abre em 1901 com 30 alunos (12 raparigas e 18 rapazes), estabelecendo o seu programa com a missão de: «La misión de la Escuela Moderna consiste en hacer que los niños y niñas que se le confíen lleguen a ser personas instruídas, verídicas, justas y libres de todo prejuicio. Para ello, sustituirá el estudio dogmático por el razonado de las ciencias naturales. Excitará, desarrollará y dirigirá las aptitudes propias de cada alumno, a fin de que con la totalidad del propio valer individual no sólo sea un miembro útil a la sociedad, sino que, como consecuencia, eleve proporcionalmente el valor de la colectividad. Enseñará los verdaderos deberes sociales, de conformidad con la justa máxima: No hay deberes sin derechos; no hay derechos sin deberes. En vista del buen éxito que la enseñanza mixta obtiene en el extranjero, y, principalmente, para realizar el propósito de la Escuela Moderna, encaminado a preparar una humanidad verdaderamente fraternal, sin categoría de sexos ni clases, se aceptarán niños de ambos sexos desde la edad de cinco años. Para completar su obra, la Escuela Moderna se abrirá las mañanas de los domingos, consagrando la clase al estudio de los sufrimientos humanos durante el curso general de la historia y al recuerdo de los hombres eminentes en las ciencias, en las artes o en las luchas por el progreso. A estas clases podrán concurrir las familias de los alumnos. Deseando que la labor intelectual de la Escuela Moderna sea fructífera en lo porvenir, además de las condiciones higiénicas que hemos procurado dar al local y sus dependencias, se establece una inspección médica a la entrada del alumno, de cuyas observaciones, si se cree necesario, se dará conocimiento a la familia para los efectos oportunos, y luego otra periódica, al objeto de evitar la propagación de enfermedades contagiosas durante las horas de vida escolar.» (Ferrer Guardia, 1901)

A conceção da Escola Moderna é progressista e de vanguarda, preconiza a educação de ambos os sexos, de diferentes classes sociais, desde a idade dos 14


5 anos, valoriza o indivíduo mas igualmente o coletivo, na defesa de valores de fraternidade e solidariedade humana, uma educação baseada em factos científicos e não em preconceitos religiosos. Introduz preocupações com hábitos de higiene, com intervenção médica junto dos alunos, como prevenção e controle de doenças. A Escola Moderna pretende criar um ambiente intelectual estimulante em que a nova geração absorva as ideias de progresso. A escola não é um empreendimento comercial, mas sim uma experiência pedagógica, sem recompensas ou punições. O legado de Ferrer Guardia perdura para lá da sua morte (1909), executado pelo Estado espanhol, com a cumplicidade da Igreja. A sua morte gera reações de indignação nos meios intelectuais na Europa e nos EUA e várias escolas, (ateneus) e universidades populares surgem noutros países, inspirados no seu modelo. A biblioteca escolar editada por Ferrer Guardia será adotada e traduzida para outras línguas. Muitos educadores serão influenciados pelas ideias libertárias da Escola Moderna de Ferrer Guardia. 2.1.2. Célestin Freinet e a Escola Moderna francesa Freinet é outro educador que inicia a sua atividade de professor nos anos 20, em meio rural no sul de França, seguindo abordagens pedagógicas centradas na prática e na experiência do aluno. À semelhança de Dewey e Ferrer Guardia, considerava que o aluno deveria aprender realizando tarefas reais, com base na experimentação, por oposição a um ensino teórico e desligado da vida. Desenvolve a tipografia nas aulas como forma de produção de materiais próprios de aprendizagem, levando os alunos a comporem os trabalhos, muitas vezes em grupo e a editá-los, retirando importância ao manual escolar. O jornal escolar, atividade que se tornou corrente em muitas das nossas escolas até aos dias de hoje (agora editado digitalmente), tem inspiração nesta prática de Freinet. Outras práticas foram desenvolvidas por Freinet como a aula ao ar livre «classe-promenade» e a troca de correspondência entre escolas e alunos. Os seus métodos decorriam da observação que fazia das crianças e perceção do 15


que as motivava. O contexto da escola e a comunidade social em que se inseria faziam parte da formação do aluno, estimulando formas de participação e colaboração, norteado por valores de solidariedade e fraternidade (tal como Ferrer Guardia). A sua pedagogia assenta em quatro eixos: (i) «le tâtonement expérimental», a pesquisa de situações reais e problemas; (ii) «organization coopérative», o trabalho em grupo, a distribuição de responsabilidades e a definição de regras de trabalho; (iii) «travail individualisé» negociação de trabalhos, avaliação formativa, fichas, plano de trabalho; (iv) «expréssion et communication», textos livres, expressão corporal e artística. Em 1964, Freinet teoriza trinta princípios para a pedagogia que defende, que designa de «Invariants», princípios pedagógicos válidos independentemente do espaço geográfico e do tempo histórico: Invariant n°1 L'enfant est de la même nature que l'adulte. Invariant n° 2 Etre plus grand ne signifie pas forcément être au-dessus des autres. Invariant n° 3 Le comportement scolaire d'un enfant est fonction de son état physiologique, organique et constitutionnel. Invariant n° 4 Nul - l'enfant pas plus que l'adulte - n'aime être commandé d'autorité. Invariant n° 5 Nul n'aime s'aligner, parce que s'aligner, c'est obéir passivement à un ordre extérieur. (…)2

2.1.3. O método de Maria Montessori Maria Montessori é outra referência na história da Educação. Nasce no séc. XIX e é a primeira mulher a formar-se em Medicina em Itália, numa época em que a profissão era exclusivamente exercida por homens. Participa em finais do séc. XIX no I congresso feminino em Berlim. A sua experiência com crianças com deficiência na clínica psiquiátrica da Universidade de Roma e, mais tarde, no ensino de crianças de um bairro pobre de Roma, levou-a a desenvolver o seu próprio método, em rotura com o método tradicional de ensino. O seu sucesso com estas crianças foi tal que se tornou conhecida pelo seu trabalho na «Casa dei Bambini», fundada em 1907, sendo convidada a proferir conferências em muitos países, nomeadamente nos EUA, em 1913. Embora nos anos 20 tivesse tido o apoio de Mussolini, dado o seu prestígio internacional, as relações vêm a deteriorar-se, com uma conferência sobre a 2 In ICEM website http://www.icem-pedagogie-freinet.org/node/2952

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Paz realizada em 1934, que originou uma ordem oficial para o encerramento de todas as escolas Montessori em Itália, incluindo a escola de formação de professores

em

Roma

(Scuola

di

Metodo),

replicando-se

idênticos

encerramentos na Alemanha e na Áustria, e levando-a a exilar-se. Viveu na Índia, durante cerca de uma década e trabalhou em prol duma educação pela paz, tendo sido nomeada para o Prémio Nobel da Paz. Regressa a Itália depois da guerra, onde recupera o seu anterior prestígio. Montessori partilha alguns dos princípios comuns à visão duma escola moderna assentes na atividade, na individualidade e na liberdade da criança. Acreditava no potencial da criança, valorizando a experiência sensorial e um ambiente estruturado que fosse mais estimulante para a criança, favorecendo o seu pleno desenvolvimento físico, mental, emocional e espiritual. «Ho visto che il bambino, lasciato libero di lavorare, impara, diventa colto, assorbe conoscenze e fa esperienze personali, che acquistate in questo modo si fissano nel suo spirito e come semi piantati in uno terreno fecondo, non tarderano a germolliare, a dare frutti.» (Montessori, Conferência em San Remo, 1949)

Tinha como objetivos desenvolver a curiosidade, a iniciativa, a persistência, a concentração, o sentido de ordem e a autoconfiança na criança. O ambiente prima pela serenidade, harmonia e silêncio. Tal como Freinet, considera que a criança se desenvolve através de atividade prática «Il bambino no si stanca com il lavoro, lavorando cresce e perció il lavoro aumenta la sua energia» 3. Reserva ao professor o papel de organizador do ambiente e de observador, não de transmissor, compete-lhe apenas demonstrar o uso correto dos materiais didáticos «nell’ambiente del bambino tutto deve essere misurato oltrechè ordinato e che dall’eliminazione di confusioni e superfluità nascono appunto l’interesse e la concentrazione». Após a publicação da sua primeira obra «Il Metodo della Pedagogia Scientifica», em 1909 (traduzido em inúmeras línguas), seguem-se muitas conferências por muitos países. No entanto, a abordagem de Montessori colhe grande controvérsia entre os anarquistas que defendem a escola moderna de Ferrer Guardia, nos EUA, pelo seu caráter muito estruturado e ordenado. 3 In http://mariamontessori.it

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«Of the subjects debated in the Modern School, none aroused more controversy than the methods of Maria Montessori, which Leonard Abbott thought had much in common with those of Francisco Ferrer. To this Manuel Komroff replied with ‘An Attack on the Montessori Method’, finding its religious exercises particularly abhorrent to the libertarian spirit. The debate sharpened in the fall of 1913, when Cora Bennett Stephenson introduced Montessori equipment into the Ferrer kindergarten, provoking a blast of Stewart Kerr, who drew a sharp line between Montessori and Ferrer. Though both condemned the prevailing system of education, Kerr admitted, ‘the teaching of Ferrer is libertarian and that of Montessori is authority in subtle disguise’» (Avrich, 2006: 173).

2.1.4. A.S. Neill e Summerhill A.S.Neill, psicólogo escocês, funda em 1921 a sua escola na Alemanha (Dresden), parte integrante da escola internacional «Neue Schule». Em discordância com algumas normas proibitivas, transfere-a para a Áustria, onde encontra resistência e animosidade da comunidade católica local, mudando-se para Inglaterra em 1923. A sua visão é de total liberdade para as crianças, sem condicionamento dos adultos, deixando à responsabilidade de todos as decisões sobre regras de funcionamento interno, tomadas em assembleia democrática, pela comunidade de alunos, professores e outro staff. «I am only just realizing the absolute freedom of my scheme of Education. I see that all outside compulsion is wrong, that inner compulsion is the only value. And if Mary or David wants to laze about, lazing about is the one thing necessary for their personalities at the moment. Every moment of a healthy child's life is a working moment. A child has no time to sit down and laze. Lazing is abnormal, it is a recovery, and therefore it is necessary when it exists.»4 (Neill)

Summerhill foi sempre alvo de grande polémica, pela sua conceção radical de ver a criança, mas desde os seus primórdios teve o apoio de Bertrand Russell e Henry Miller e a simpatia dos defensores da escola moderna nos EUA. Uma dessas escolas era «Mohegan Modern School» dirigida por Jim Dick que escreve uma carta em 1928 a A.S. Neill, partilhando a sua visão e experiência de escola: «Dear Neill, I have just received a copy of «New Era» containing your report of «Summerhill» and I cannot refrain from writing to you about the similarity of your methods (or lack of them) with ours at the Mohegan School. (…) Problem children we have in galore only to find that it is the problem parents that is the seat of the trouble. We have had «thieves» and «vagabonds» from families of «respectability», but with a dose of freedom and a hale-fellow-well-met attitude they soon develop into something like social being.» (Avrich, 2006: 323)

4 In http://www.summerhillschool.co.uk/pages/history.html

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Summerhill teve sempre características próprias, com o seu caráter residencial (alunos internos), de pequena dimensão, sem aulas obrigatórias, alunos de várias nacionalidades, em ambiente rural. Acredita na bondade natural da criança e considera que a educação não se deve restringir ao desenvolvimento intelectual, mas acima de tudo atender ao plano emocional. Neill discordava de qualquer forma de punição da criança ou de disciplina imposta, pois considerava que isso gerava medo, hostilidade e hipocrisia, paralisava o esforço e reprimia a autenticidade. A disciplina rígida e autoritária prejudica e distorce o desenvolvimento psíquico. Os sentimentos de culpa não favorecem a independência da criança e geram um ciclo de rebeldia, arrependimento, submissão e nova rebeldia. A culpa leva ao ato de desobediência por reação ao autoritarismo e por medo da represália. Não importa se os sentimentos de culpa são gerados por punição física, ausência de afeto ou exclusão, a culpa tem como resultado o medo e este alimenta a hostilidade. (Fromm, 1960).

2.1.5. Ivan Illich e a crítica à escola institucional Uma das obras mais radicais sobre a sociedade e a escola - Deschooling Society - foi publicada por Ivan Illich, em 1971. Muito crítico da sociedade industrial e de consumo, via a escola como um reprodutor da mesma: «I have chosen the school as my paradigm, and I therefore deal only indirectly with other bureaucratic agencies of the corporate state: the consumer-family, the party, the army, the church, the media. My analysis of the hidden curriculum of school should make it evident that public education would profit from the deschooling of society, just as family, life politics, security, faith and communication would profit from na analogous process». (Ivan Illich, 2002: 2)

Segundo Illich a escola está construída no axioma de que a aprendizagem é resultado do ensino e refere que, ironicamente, a sabedoria institucional continua a aceitar este pressuposto, apesar de evidências em contrário, pois todos nós aprendemos mais fora da escola do que nela. «In school we are taught that valuable learning is the result of attendance; that the value of learning increases with the amount of input; and, finally, that this value can be measured and documented by grades and certificates.» (Illich, 2002: 39)

Dedica um dos capítulos do livro à noção de redes de aprendizagem e considera que um bom sistema de educativo devia apontar para três grandes finalidades: (i) devia providenciar, a todos, acesso aos recursos disponíveis, em 19


qualquer momento das suas vidas; (ii) dar a possibilidade àqueles que desejam partilhar o que sabem de encontrarem os que desejam aprender com eles; e (iii) dar a oportunidade àqueles que desejam debater questões de apresentar esses desafios publicamente. Illich via na tecnologia (à data, gravadores de som e TV) um meio para promover a Educação: «Nor should the public be forced to support, through a regressive taxation, a huge professional apparatus of educators and buildings which in fact restricts the public’s chances for learning to the services the profession is willing to put on the market. It should use modern technology to make free speech, free assembly, and a free press truly universal and, therefore, fully educational.» (Illich, 2002: 76)

Em certa medida, parecem estar hoje reunidas melhores condições tecnológicas para cumprir alguns dos objetivos da educação que Illich propunha. 2.1.6. A pedagogia crítica e Paulo Freire A pedagogia crítica tem como o seu principal inspirador Paulo Freire e a escola americana tem sido uma das impulsionadoras da sua visão através de Michael Apple, Henry Giroux, Peter McLaren, Joe Kincheloe, entre outros. O projeto Freire tem uma escala internacional e vários seguidores em vários países no mundo, com uma intervenção ativa de Nita Freire, viúva de Paulo Freire (http://www.freireproject.org). A pedagogia crítica tem por base a grande interrogação «aprender para quê?» - aprender para participar e decidir, ter uma voz na democracia, aprender para ser livre

e autónomo. Esta visão é uma reação à educação diretiva, de

«domesticação» e conformismo acrítico ao poder dominante. «A não decisão e a inação, a passividade e a acomodação, o imobilismo e a irresolução representam obstáculos incontornáveis a uma conceção crítica, problematizadora e libertadora de educação, como é a de Freire, pois é impossível educar e ensinar sem deliberar sobre múltiplos aspetos de ordem política-educativa, ético-moral, afetivo-comunicativa, pedagógico-didática. Ensinar é, portanto, necessariamente tomar decisões, tanto individualmente quanto com outros profissionais e, em certos casos, também mesmo com a comunidade, os alunos e suas famílias. Não é, por isso mesmo, um ato puramente técnico, desligado da política e da ideologia » (Lima, 2011)

A pedagogia crítica tem como finalidade ajudar os estudantes a ganhar uma consciência da liberdade, a identificar tendências autoritárias e a estabelecer relações entre conhecimento e poder, a compreender os respectivos direitos e responsabilidades para participarem como cidadãos e não se limitarem a

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serem governados - a educação como processo de autoreflexão e autogestão da vida. «Indeed, far from a mere method, education is a political and moral practice that provides the knowledge, skills and social relations that enable students to explore the possibilities of what it means to be citizens while expanding and deepening their participation in the promise of a substantive democracy» (Giroux,2010)

A pedagogia crítica questiona o «senso comum» e a aceitação da inevitabilidade do estado das coisas; é, pelo contrário, um modo de problematização e intervenção. E uma das funções primordiais dos educadores é a de intervir por um mundo socialmente mais justo, em que uma atitude crítica em conjugação com valores de racionalidade, liberdade e igualdade funcionem com vista a uma mudança progressiva da sociedade. Para Paulo Freire o ser humano é aquele que tem a capacidade para se problematizar a si mesmo, de se inquietar e de querer saber sempre mais. A humanização é um dos aspetos centrais da pedagogia do oprimido. Os homens são seres da praxis que conseguem objetivar o mundo podendo conhecê-lo e transformá-lo com o seu trabalho. Dois conceitos antagónicos surgem na sua obra de referência, o de educação «bancária» e educação «libertadora». A educação bancária não é humanizadora, é instrumento de opressão e nega o diálogo, não problematiza a realidade, tenta acomodar e conformar. Esta assenta numa relação hierárquica professor-aluno, parte do princípio de que educar é memorizar, depositar conteúdo nos alunos, e que o saber é uma doação do professor aos alunos (os que não sabem). A educação libertadora é aquela em que a relação educador-educando busca a autonomia e a libertação, assente no diálogo, uma educação orientada para «ser mais» e não para «ter mais». «A primeira ‘assistencializa’; a segunda, criticiza. A primeira, na medida em que, servindo a dominação, inibe a criatividade e, ainda que não podendo matar a intencionalidade da consciência como um desprender-se ao mundo, a ‘domestica’, nega os homens na sua vocação ontológica e histórica de humanizar-se. A segunda, na medida em que, servindo à libertação, se funda na criatividade e estimula a reflexão e a ação verdadeiras dos homens sobre a realidade, responde à sua vocação, como seres que não podem autenticar-se fora da busca e da transformação criadora.» (Freire, 2003)

No entanto, a visão de Paulo Freire deposita toda a esperança na capacidade humana para resistir às ideologias e instituições opressivas. A esperança é um ato de imaginação moral que capacita as pessoas para agirem em conformidade. A pedagogia é definida pelo contexto e deve ser abordada como projeto de transformação individual e social, não se reduzindo a simples 21


método. A sala de aula é influenciada pelas diferentes experiências que os alunos trazem, pelos recursos disponíveis, pela relação aluno-professor, pela autoridade dos administradores escolares sobre a autonomia dos professores e os respetivos discursos teóricos e políticos. O contexto é contingente ao tempo histórico e às forças políticas vigentes. Mas as grandes questões sobre as finalidades e objetivos da educação parecem estar subjugadas a questões de meios e técnicas. Os conteúdos curriculares definidos de cima para baixo promovem a memorização de factos e falham na capacidade de autoreflexão e investigação. «Teaching that fails to escape instrumental rationality and as a result does not explore alternative ways of approaching issues, is not ironcal about its own assumptions, is not reflective and self-critical will tend to produce lower level cognitive activity and a limited view of the phenomena under study. All curricula come from somewhere... A self conscious curriculum, therefore, is aware of the power relations that shape it.» (Kincheloe, 2008)

A tendência para segmentar a aprendizagem em unidades de aprendizagem isoladas e desconectadas perpetua-se e o todo não é mais do que a soma das partes. A educação resume-se ao domínio de um conjunto de objetivos, os alunos copiam a informação do quadro ou das projeções, sublinham manuais escolares para selecionar informação fragmentada que responda às questões que lhes são colocadas nos testes de escolha múltipla. Os alunos limitam-se a escutar, a responder quando são chamados, a escrever frases curtas em resposta aos exercícios. Raramente são orientados para planear ou conceber um projeto da sua iniciativa, que os leve a um aprofundamento das questões «They are learning to be deskilled, to be passive, to be citizens who are governed, not citizens who govern» (Kincheloe, 2008). Neste cenário, não há espaço para a dúvida ou para a inovação. A educação está moldada por métodos científicos de eficiência e produtividade, na base do Taylorismo industrial. Há apenas uma maneira de executar a tarefa, uma norma bem especificada para alcançar determinado resultado, que na educação é medida por um teste. Nesta base, o aluno adquire uma «inteligência industrial», com competências técnicas, uma atitude dócil, uma capacidade para acatar ordens, respeitar a autoridade e ser um trabalhador produtivo. A educação tem de ser medida de acordo com normas prévias, de acordo com um curriculum pré definido e delimitado, em que a margem de atuação do 22


professor se encontre balizada, destituída da conceptualização do ato de ensinar. O reconhecimento do desempenho do professor passa por obedecer à norma e aulas criativas serão penalizadas na sua avaliação. A gestão da escola passa por este tipo de supervisão e por uma sobrecarga da administração do ensino, numa adopção de técnicas de gestão de negócio e de produção de fábrica. «We assess teacher effectiveness, assign students to curriculum tracks and specific classes, and decide which schools receive excellence awards on the basis of such research data. As a result, we often reward the most conventional teachers, assign creative and highly capable students to non-academic curricula, and celebrate schools which possess a large percentage of upper-middle class students» ... «When instruction is directed by outcome measurements students are denied the opportunity to learn how to interpret, to decode, to organize knowledge in a way which reflects their own passions and experiences» (Kincheloe, 2008)

Nenhum curriculum é neutro, o que se estuda na escola é o resultado de uma escolha que reflete a perspectiva daqueles que têm o poder de decidir. Infelizmente, as dimensões sociais, históricas, filosóficas e políticas da educação têm sido excluídas do debate público.

2.2.Teorias de aprendizagem Esta tradição de visões de rotura com a escola tradicional comunga do conceito de

educação,

em

sentido

lato,

como

promoção

do

bem-estar

e

desenvolvimento da criança e do jovem e na sua capacidade para interagir com o ambiente que o rodeia, como processo para crescerem individualmente e, simultaneamente participarem na comunidade e em sociedade. Numa aceção lata, a educação tem preocupações nos domínios social, ético, cultural, emocional, físico e estético. O conceito restrito da educação como escolarização formal focalizada nas capacidades cognitivas e na aprendizagem disciplinar compartimentada é redutora para estas visões. Neste contexto, encontramos algumas pontes e elos de ligação com as teorias de aprendizagem centradas no aluno, embora com enfoques diferentes, que iremos referenciar. Algumas destas teorias estarão mais ligadas a investigação com crianças e outras com adultos, algumas têm um enquadramento mais psicológico e outras tenderão a afastar-se deste campo. Outras teorias ficarão omissas como a teoria da atividade de Engeström, a aprendizagem transformativa de Merizow ou a teoria da aprendizagem social de Bandura.

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2.2.1. O Construtivismo de Piaget A investigação de Piaget influenciou muito do pensamento sobre Educação no séc. XX. A sua formação em biologia e psicologia e o seu trabalho com outros ilustres psicólogos, como Carl Jung, irá levá-lo a investigação sobre Epistemologia

Genética,

considerando

que

o

desenvolvimento

do

conhecimento é resultado da interação do sujeito com o meio e que o processo de construção do conhecimento evolui dum nível elementar para níveis superiores, atingindo o conhecimento científico. Durante a sua permanência na Universidade da Sorbonne (1919) realizou testes com crianças e, da observação realizada, interessou-se pelos processos cognitivos das mesmas, constatando que a mente da criança evoluía, por diferentes fases, até ao estado adulto. A criança vai assimilando e recriando a realidade, passando por processos sucessivos de maior complexidade, de conceitos simples a conceitos mais complexos ao longo dos diferentes estádios. Determinou quatro estádios de desenvolvimento cognitivo: estádio sensório-motor (0-2 anos), estádio pré-operatório (2-7 anos), estádio operatório concreto (7-12 anos); estádio operatório formal (12-15 anos). Os conceitos chave da sua teoria envolvem a assimilação e a acomodação para atingir o equilíbrio, cuja explicação é formulada pelo Prof. Marcel Lebrun no seu livro «Teorias e Métodos Pedagógicos para Ensinar e Aprender»: «Durante todos os estádios que referimos, a criança reutiliza as estruturas que construiu anteriormente. Se uma experiência que vive corresponder a uma experiência já vivida, encontra um lugar que já lhe foi concedido na estrutura cognitiva, o equilíbrio é mantido, é como se já o tivesse vivido, é o processo de assimilação. A criança compreende o que se passa, o que lhe é dito, o que lhe explicam. Se a experiência vivida é diferente, nova, surpreendente, inédita, o equilíbrio é quebrado, a estrutura preexistente deve mudar, desenvolver-se, melhorar, a fim de ter em conta os novos elementos, as novas condições. O mecanismo de acomodação está a caminho. A criança aprende o que se passa, o que lhe é dito, o que lhe é explicado. É assim, por uma procura de um novo equilíbrio, de uma estrutura mais rica e eficaz, que a criança constrói estruturas cognitivas cada vez mais adequadas…» (Lebrun, 2002: 114-115)

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Co nceitos chave da teoria de Piaget (traduzido e adaptado)

2.2.2. O Construcionismo de Papert Papert, discípulo de Piaget e professor do MIT, segue a linha do construtivismo, num contexto tecnológico, isto é, a construção mental é facilitada quando a criança constrói objetivamente alguma coisa, as ideias surgem quando constrói as suas obras (por ex: construção Lego, um desenho, um programa informático). Papert trabalhou com crianças e adolescentes concebendo uma linguagem de programação informática LOGO e um pequeno robot designado tartaruga de solo, que permitia dar instruções informáticas para fazer, por exemplo, figuras geométricas, no computador ou movimentando a tartaruga de solo. Trata-se duma abordagem de «aprender fazendo», criando um conceito derivado a que designa «construcionismo» que define como: Constructionism - the N word as opposed to the V word - -shares constructivism's connotation of learning as "building knowledge structures" irrespective of the circumstances of the learning. It then adds the idea that this happens especially felicitously in a context where the learner is consciously engaged in constructing a public entity, whether it's a sand castle on the beach or a theory of the universe.(…) When one looks at how people think and learn one sees clear differences. Although it is conceivable that science may one day show that there is a "best way," no such conclusion seems to be on the horizon. Moreover, even if there were, individuals might prefer to think in their own way rather than in the "best way." Now one can make two kinds of scientific claim for constructionism. The weak claim is that it suits some people better than other modes of learning currently being used. The strong claim is that it is better for everyone than the prevalent "instructionist" modes practiced in schools. A variant of the strong claim is that this is the only framework that has been proposed that allows the full range of intellectual styles and preferences to each find a point of equilibrium. (Papert, 1991)

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Edith Ackermann, num artigo sobre as diferenças entre o construtivismo de Piaget e o construcionismo de Papert refere que o primeiro descreve as maneiras de fazer e pensar das crianças, nas diferentes etapas de desenvolvimento, e as circunstâncias em que estas desistem ou persistem nos seus pontos de vista, enquanto que Papert dá relevo ao «aprender a aprender» (não tanto ao potencial cognitivo), está mais interessado em analisar como os alunos fazem para aprender, como se envolvem com os artefactos, dando maior importância às ferramentas, aos meios e ao contexto. Interessa-lhe analisar como os indivíduos constroem o sentido para as suas experiências, na interação com o que os rodeia (Vygotsky também havia dado particular importância aos artefactos culturais - ferramentas, linguagem, pessoas). Papert presta especial atenção ao contexto e é mais pragmático. A dimensão do contexto (situated learning) será desenvolvida por outros investigadores como Lave e Wenger. Ackermann estabelece a relação entre visões de diferentes psicólogos e pedagogos ao longo dos tempos: Psychologists and pedagogues like Piaget, Papert but also Dewey, Freinet, Freire and others from the open school movement can give us insights into: 1. How to rethink education, 2. imagine new environments, and 3. put new tools, media, and technologies at the service of the growing child. They remind us that learning, especially today, is much less about acquiring information or submitting to other people’s ideas or values, than it is about putting one’s own words to the world, or finding one’s own voice, and exchanging our ideas with others.(Ackermann, 2001)

Papert esteve envolvido noutros projetos conhecidos como o

Mindstorms

(robots da Lego) e One Laptop per Child. Um dos seus conhecidos discípulos é Mitch Resnick, professor no MIT, que desenvolveu a linguagem de programação Scratch, muito utilizada nas escolas. 2.2.3. O Construtivismo de Vygotsky Vygotsky é um dos pensadores russos mais influentes no campo das ciências da educação, embora só muitos anos após a sua morte (1937), a sua obra se torne conhecida. Analisa as funções psicológicas humanas, considerando as funções psicológicas elementares, ou seja, as reações automáticas, os reflexos e as associações simples de origem biológica manifestadas pelas crianças, que à medida que vão crescendo e interagindo com o meio, vão desenvolvendo as

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funções psicológicas superiores, o conceito «scaffolding» traduz a ideia dos degraus que se vão subindo no desenvolvimento individual. Vygosty considera que o desenvolvimento cognitivo deriva diretamente do meio social, cultural e histórico que envolve a criança, que está na origem dos conceitos, ideias, factos, competências e atitudes. O desenvolvimento cognitivo está fortemente associado à relação sociocultural e na mediação através da linguagem e com o outro «que sabe mais». Publica uma obra de referência sobre Pensamento e Linguagem e desenvolve um conceito importante para a teoria da aprendizagem – zona de desenvolvimento proximal – que se relaciona com a diferença entre o que a criança consegue realizar sozinha e aquilo que, embora não consiga fazer só por si, tem potencial para realizar com a ajuda de «outro» mais experiente. A Zona de Desenvolvimento Proximal é, portanto, tudo o que a criança pode adquirir em termos cognitivos quando lhe são proporcionadas as condições. A principal diferença entre este paradigma e o construtivismo de Piaget é o papel central concedido por Vygostsky às interações sociais e à linguagem. Enquanto, para Piaget as interações (as manipulações) com o meio são essencialmente físicas ou simbólicas, para Vygostsky tornam-se relacionais. O desenvolvimento é fortemente influenciado pelas instituições sociais ou pelos grupos que produzem a cultura e as ferramentas que desenvolvem, como a linguagem e a tecnologia.» (Lebrun, 2002: 132)

O construtivismo de Vygotsky é de natureza sociocultural enquanto que o construtivismo de Piaget é de natureza cognitiva. Entre John Dewey e Vygotsky existem convergências entre as relações da atividade e da aprendizagem, tais como trazer as experiências do quotidiano para a sala de aula ou a importância do contexto social na aprendizagem. Mas algumas diferenças se podem constatar no papel da história social, na concetualização da experiência e cultura e no questionamento humano (Glassman, 2001), que se pode visualizar no seguinte esquema:

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Estas diferenças refletem-se na prática da sala de aula e no posicionamento do professor. 2.2.4. Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner Howard Gardner, psicólogo e professor em Harvard, publica em 1983 a sua teoria das inteligências múltiplas, contributo muito relevante para as teorias de aprendizagem. Definindo a inteligência como a capacidade ou o potencial para aprender nas várias relações e conexões, considera que há uma carga pessoal que distingue os indivíduos, nomeadamente a sua natureza biológica, o seu meio cultural, as suas histórias pessoais e as suas experiências e, por isso, os alunos quando chegam à escola não são uma «tábua rasa», nem são indivíduos unidimensionais que seguiram um único eixo de desenvolvimento intelectual. Possuem diferentes inteligências, com diferentes forças e interesses. Cada indivíduo tem formas diferentes de aprender e de processar a informação.

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Inteligências múltiplas de Howard Gardner (traduzido e adaptado)

Ao longo dos anos Gardner tem revisto estas dimensões, mas no essencial, têm-se mantido. Numa compilação de Knud Illeris sobre teorias de aprendizagem contemporâneas, publicada em 2009, existe um capítulo de Howard Gardner que apresenta seis dimensões: (i) narrative, associada à linguística verbal; (ii) quantitative/numerical, associada à lógico-matemática; (iii) foundational/existential, associada à existencial; (iv) aesthetic, associada à visual/espacial e musical; (v) hands-on, associada à cinestésico-corporal; (vi) social, ligada à interpessoal. Na sua obra Frames of Mind. The theory of multiple intelligences (1983) refere que os defensores do behaviorismo e dos testes psicométricos acreditavam que a inteligência era uma entidade única e herdada e que os seres humanos podiam ser treinados para aprender qualquer coisa desde que apresentada de forma

apropriada.

Correntemente,

muitos

investigadores

acreditam

precisamente o contrário, de que existe uma multiplicidade de inteligências, independentes umas das outras, cada uma com as suas forças e limitações. Embora independentes, raramente operam independentemente, são usadas em simultaneidade e tendem a complementar-se à medida que as pessoas desenvolvem capacidades ou resolvem problemas.

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Gardner questionou os estádios de desenvolvimento definidos por Piaget, considerando que uma criança pode acumular diferentes estádios de desenvolvimento num determinado nível etário (por ex: no domínio da numeracia e no domínio espacial/visual). Esta perspetiva contraria a lógica da organização escolar por idades, retirando a possibilidade de interação entre alunos mais novos e mais velhos, podendo estes ajudar a superar algumas dificuldades pela sua própria experiência mais próxima dos mais novos.. A teoria das inteligências múltiplas tem evidentes consequências pedagógicas em encarar aluno como um ser único, com potencialidades mais fortes num domínio ou noutro em que estas inteligências se manifestam. 2.2.5. Teoria da aprendizagem situada e das comunidades de prática de Lave & Wenger Jean Lave e Étiènne Wenger, professores na Universidade da Califórnia/Berkeley publicaram em inícios dos anos 90 a sua obra «Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation», uma abordagem pragmática de que a aprendizagem se faz em contexto e em comunidade de prática. Em termos simplistas, a aprendizagem tem lugar no mesmo contexto em que é aplicada. A aprendizagem não se resume a uma transmissão de conhecimento abstrato e descontextualizado dum indivíduo para outro, mas é um processo de construção com o outro ou com a comunidade. As teorias das práticas quotidianas em contexto consideram que as ações das pessoas e a atividade do meio social não se podem separar. Se o contexto é encarado como o mundo social onde as pessoas interagem, tanto o contexto como a atividade surgem como algo flexível e em mudança. A atividade em contexto (situada) envolve mudanças no conhecimento e ação que são centrais à aprendizagem. (Illeris, 2009: 201). A teoria da aprendizagem situada e as comunidades de prática estão ligadas à educação de adultos e à resolução de problemas (nomeadamente no plano profissional). Aprende-se através da socialização, da visualização e da imitação. Aprende-se a resolver problemas que surgem na vida real e quando se está enquadrado em comunidades com interesses comuns.

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Wenger propõe uma teoria social de aprendizagem com enfoque na participação ativa e com componentes interligados de sentido/significado, prática, comunidade e identidade que apresenta no seu diagrama:

Componentes da teoria social de aprendizagem de Wenger (Illeris, 2009: 211)

• • • •

meaning: a way of talking about our (changing) ability – individually and meaning: collectively – to experience our life and the world as meaningful; practice: a way of talking about the shared historical and social resources, practice: frameworks, and perspectives that can sustain mutual engagement in action; community: a way of talking about the social configurations in which community: our enterprises are defined as worth pursuing and our participation is recognizable as competence; identity: a way of talking about how learning changes who we are and creates identity: personal histories of becoming in the context of our communities. (Illeris, 2009: 211)

Segundo Wenger, todos pertencemos a comunidades de prática, em casa, na escola, no trabalho, nos nossos hobbies, e as comunidades a que pertencemos vão acontecendo e mudando ao longo da nossa vida. Em recentes obras e intervenções públicas, Wenger tem dado especial relevo ao impacto das tecnologias nas comunidades e ao entrelaçar das suas relações. No livro de que é co-autor Digital Habitats refere que mesmo em comunidades mais restritas a utilização das tecnologias as transformam: «Even largely co-located communities are changed by their use of technology to share documents, augment face-to-face interactions, stay in touch between meetings, or make community announcements. Wide adoption of community-oriented technology is due to the fact that it expands the available infrastructure for something fundamental to our humanity: social interaction.» (Wenger et al., 2009: 20)

2.2.6. Modelo de aprendizagem para o eLearning de Marcel Lebrun Marcel Lebrun, professor belga da Universidade de Lovaina, tem obra publicada sobre o eLearning e investigação em plataformas abertas (Claroline). Desenvolveu um modelo de aprendizagem de eLearning que publicou em artigos científicos e no seu livro «eLearning pour enseigner et apprendre». 31


Nesse modelo dinâmico de aprendizagem, de inspiração construtivista, que entrecruza a pedagogia e a tecnologia, intervêm vários elementos que dizem respeito ao contexto (económico, social político…) em que se aprende; à motivação da pessoa, autonomia e responsabilidade; à informação e recursos relevantes; às competências de análise, síntese, avaliação e sentido crítico; à interação e trabalho em equipa; e à construção dum produto ou duma atividade:

Modelo dinâmico de aprendizagem de Marcel Lebrun (traduzido e adaptado)

«Les rectangles en ligne presente un modèle d’apprentissage d’inspiration constructiviste: les connaissances antérieures, les données, les informations, les cas, les problèmes… sont transformés (activités) par l’apprenant pour construire de nouvelles connaissances (traduites, par example, sous la forme d’un rapport, d’un project, d’une analyse de cas, etc); les facteurs de motivation et d’interaction initient, soutiennent, entraînent et valident cette transformation. Ils ont chacun une composante externe (la motivation extrinsèque d’une parte et le rôle, la responsabilité tenus par l’apprentissage est utile pour développer ou évaluer un dispositif d’apprentissage (avec TIC ou pas) censé…favoriser l’apprentissage.» (Lebrun, 2005)

2.2.7. O conectivismo de Siemens e Downes George Siemens, professor americano da Universidade de Manitoba, criou o termo conectivismo e, juntamente com Stephen Downes, professor canadiano da Universidade de Athabasca têm desenvolvido a teoria do conectivismo. No seu longo ebook «Connectivism and Connective Knowledge», Downes defende a tese «Connectivism is the thesis that knowledge is distributed across a network of connections, and therefore that learning consists of the ability to construct and traverse those networks.». Dá enfoque aos domínios do (i) conhecimento,

analisando

as

propriedades

cognitivas

das

redes;

(ii)

aprendizagem, como aprendem as redes; e (iii) comunidade, identificando as propriedades das redes. «Knowledge is literally the set of connections between entities. In humans, this knowledge consists of connections between neurons. In societies, this knowledge consists of connections between humans and their artifacts. What a network knows is not found in the content of its entities, nor in the content of messages sent from one to

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the other, but rather can only be found through recognition of patterns emergent in the network of connections and interactions. Learning is the creation and removal of connections between the entities, or the adjustment of the strengths of those connections. A learning theory is, literally, a theory describing how these connections are created or adjusted. (…) In the concept of community we describe the conditions for successful or effective networks, that is, networks that can learn, networks that can adapt, or networks that avoid stagnation or network ‘death’.» (Downes, 2012)

Assume o conectivismo como uma teoria que se inclui noutra mais vasta a «teoria das redes» (que surgiu nos anos 50) para análise das redes sociais, das relações do indivíduo com os grupos em que se insere, com as organizações e a sociedade e, como estas influenciam o seu comportamento e crenças. O enfoque é nas relações entre as pessoas e não nas características intrínsecas do indivíduo. George Siemens e Stephen Downes são dois dos defensores da noção de abertura (openness) na educação e têm sido grandes promotores dos cursos abertos a todos (MOOC - Massive Open Online Courses), na abordagem mais genuína de aprendizagem, rejeitando a ideia redutora de um conjunto de conteúdos que são testados e avaliados. Aprender num «curso conectivista» é crescer e desenvolver-se, criar uma rede de ligações em si mesmo: «Connectivist learning is a process of immersion in an environment, discovery and communication – a process of pattern recognition rather than hypothesis and theoryformation. Learning is not a matter of transferring knowledge from a teacher to a learner, but is rather the product of the learner focusing and repeating creative acts, of practicing something that is important and reflecting on this practice. (Downes, 2012: 11)

Considera quatro princípios para a democracia na educação: (i) autonomia, o sistema educativo deve formar para a autonomia, deve guiar os alunos a aprender a orientar-se por objetivos e valores, na medida em que partilha os mesmos valores com a sua comunidade e que o faz livremente e de acordo com as razões e as crenças que defende; (ii) diversidade, o sistema educativo deve estar estruturado para maximizar a autonomia, não pode proporcionar o mesmo a todos indiferenciadamente, mas sim promover a criatividade e a diversidade dos seus alunos, para que cada um represente a sua perspetiva individual, a sua experiência pessoal e a sua visão como contributo para a 33


sociedade; (iii) abertura (openness), o sistema educativo deve promover a abertura, deve facilitar a livre entrada ou saída do sistema e deve fomentar o livre fluxo de ideias e artefactos; (iv) interatividade, o sistema e os recursos educativos devem estar estruturados para maximizar a interatividade, pois a aprendizagem resulta dum processo de imersão na comunidade ou na sociedade e o conhecimento da comunidade ou da sociedade é produto de interações cumulativas da sociedade no seu todo.(Downes, 2012: 437) Downes estabelece diferenças entre o conectivismo e o construtivismo justificando: «…one of the major differences between connectivism and constructivist theories generally is that in connectivism learning is a property of the system, something that happens all the time, and is not therefore the subject of intentional activity. You don't decide to learn now, and maybe to not learn later, you are learning all the time, it's what the brain does, and the only choice you exert over the process is what you will do to affect the experiences leading to your learning. (…) Similarly, where constructivists say "you make meaning", I disagree with the expression, because the production (so-called) of meaning is organic, and not intentional.» (Downes, 2012: 110)

Assistimos a um movimento em prol da educação aberta, que abrange o acesso aberto às publicações científicas, os recursos educativos abertos (OER), o software aberto (opensource), os cursos online abertos (open courseware), defendidos por muitos académicos, nomeadamente David Wiley, Lawrence Lessig (Creative Commons), Stallmann (freeware, GNU), e outros, bem como instituições como a UNESCO e a Commonwealth of Learning. A Comissão Europeia lançou iniciativas abertas recentemente, relativas ao acesso aberto a publicações científicas e a cursos online massivos (MOOC -openuped.eu).

3. A educação a distância e o eLearning A evolução da tecnologia e o crescente acesso à Internet abrem possibilidades de aprendizagem e de produção de trabalho criativo que não existiam até agora. «The Internet is the most powerful and pervasive communication system ever devised. It grows daily, like a vast, multiplying organism; millions of connections are being added at an ever faster rate in patterns that resemble dendritic groupings or ganglia in the brain. Just like the brain, the synapses that fire most often have the most robust response.» (Robinson, 2011: 27)

34


Estamos todos suspensos em redes semânticas, influenciados pelas ideias uns dos

outros.

O

uso

criativo

das

tecnologias

permite

personalizar

a

aprendizagem: «Information technologies are among the driving forces of economic and cultural revolutions and one of the reasons why the industrial model of education is becoming obsolete. Some of the most powerful tools for promoting creativity, communication and collaboration ever devised now offer unprecedented opportunities for education to be personalized: to cater for the interests, abilities and learning styles of every student.» (Robinson, 2011: 252).

Em «Teaching Digital Natives», Marc Prensky preconiza os seguintes papéis na parceria entre professores e alunos, reservando aos alunos a responsabilidade de: • Encontrarem e seguirem a sua paixão • Usarem a tecnologia disponível • Pesquisarem informação • Responderem a questões e partilhar as suas opiniões • Porem em prática as suas ideias, sempre que possível • Criarem conteúdos multimédia e aos professores fazerem o que sabem melhor: • Formular as questões certas • Orientar os alunos • Criar os contextos • Explicar individualmente • Promover o rigor • Assegurar a qualidade dos resultados Wenger et al. falam da construção de habitats digitais, partindo do significado original de habitat, enquanto espaço que integra as características ambientais e biológicas necessárias à sobrevivência e reprodução duma espécie, mas em que a espécie também contribui para a sua transformação. O habitat está sujeito a mudanças, é dinâmico e é mutuamente influenciado pelas relações entre a espécie e o ambiente. «Just as a natural habitat reflects the learning of a species, a digital habitat is not just a configuration of technologies, but a dynamic, mutually defining relationship that depends on the learning of the community. It reflects the practices that members have developed to take advantage of the technology available and thus experience this technology as a ‘place’ for a community. A digital habitat is first and foremost an experience of place enabled by technology» (Wenger et al., 2009: 38)

Neste habitat tecnológico, Keri Facer, professora da Universidade de Manchester e ex-directora do Futurelab, no seu livro Learning Futures analisa as mudanças sociais e tecnológicas e as suas implicações na educação, constatando os seguintes factos: (i) a capacidade de computação aumenta e o seu custo reduz-se, tornando-se mais acessível às massas; (ii) os dispositivos eletrónicos integram-se em muitos outros objetos (nos edifícios, sensores com múltiplas funções, códigos de barras, dispositivos de comunicação) e interligam-se; (iii) as ferramentas áudio e de imagem são cada vez mais 35


sofisticadas, o presencial e o virtual tendem a esbater-se; (iv) trabalhamos com dispositivos sofisticados e com redes complexas, que tomam conta da nossa vida pessoal, social e institucional; (v) as ciências biológicas e as neurociências estão em desenvolvimento, trazendo novo conhecimento; (vi) a população mundial está a envelhecer, embora com diferentes padrões entre o ocidente e o oriente, com risco de profundas desigualdades; (vii) as alterações climáticas, o consumo de energia e de recursos minerais continuam a crescer sem sustentabilidade; (viii) o fosso entre desigualdades sociais e económicas nalguns países desenvolvidos geram instabilidade e radicalização de posições entre classes. Ora, a compreensão destes fenómenos tem de ser tratada pela educação.

3.1.A escola virtual As escolas virtuais têm tido um crescimento significativo nos últimos anos, particularmente em países com tradição de educação a distância como os EUA, Canada e Austrália. Esta realidade decorre da massificação da tecnologia e da Web, agora ao alcance das massas e fazendo parte integrante da vida quotidiana das pessoas, na sua relação social e profissional. Essa crescente procura decorre também de alguma insatisfação com o modelo de escola predominante, com o desejo de maior flexibilidade na aprendizagem e com a globalização. A capacidade que as redes digitais oferecem para se interagir com os conteúdos e com os outros torna o ambiente virtual mais motivador. As escolas virtuais tendem a consolidar-se através de (i) modelos de aprendizagem totalmente online (elearning), parcialmente online (blearning) e de colaboração online, (por ex: open courseware e MOOCs) (ii) nos modos como as pessoas interagem, apresentam informação e partilham ideias, (iii) na abertura e livre acesso aos recursos e ferramentas cada vez mais abundantes (recursos abertos, software aberto, cursos livres, etc), (iv) na facilidade em estabelecer relações e comunidades de interesses comuns. Ao nível do ensino básico e secundário alguns modelos cruzados de aprendizagem formal e informal já estão a ser ensaiados, nomeadamente nos EUA, reduzindo as aulas tradicionais e incluindo mais atividades experimentais 36


fora da sala de aula. Outro modelo mais aberto designado «flipped classroom» promove a aprendizagem dos recursos e materiais educativos online fora da sala de aula (em casa), reservando o tempo e o espaço da aula para as discussões, esclarecimentos de dúvidas, colaboração de grupo e de projeto. Muitos alunos estão recetivos a estes modelos alternativos, em particular os alunos mais autónomos e com maior capacidade de autodisciplina. Uma educação mais personalizada em que o aluno tenha margem de opção e controlo parece surtir melhores resultados junto da diversidade de alunos. A tecnologia pode apoiar esta personalização. Os modelos de avaliação terão de acompanhar novos modelos de aprendizagem, com maior tónica na avaliação formativa. Nos EUA, desde 2004, tem sido produzido anualmente um relatório sobre as políticas e as práticas do ensino virtual «Keeping Pace with K-12 online and blended learning-2012». Existem escolas virtuais públicas em 27 estados com cerca de 1.816.400 alunos inscritos em 2009-2010, 74% dos quais no ensino secundário. A maioria dos Estados oferece modalidades de blearning, com maior procura. Existem escolas públicas a fazer esta oferta e outras em parceria privada. Tem-se verificado uma crescente procura por parte dos alunos, com um aumento de inscrições na ordem dos 15% no último ano do relatório em análise. Estimam-se em cerca de 275.000 alunos a frequentar cursos totalmente online. No relatório, consideram-se requisitos para o blearning: 1. A meaningful online component, using online content and a learning management system(LMS), or similar technology, that allows students to work with an element of control over time, place, path, or pace; 2. A significant, supervised, onsite component that includes face-to-face instruction or mentoring; and 3. A technology system that captures and reports student data in a way that allows the teacher and/or other adults involved in instruction to personalize learning to each student.

O INACOL é a associação internacional para o ensino virtual nas escolas e tem desenvolvido vários estudos e orientações para esta modalidade de ensino. Numa publicação de 2013 «Necessary for Success: Building Mastery of WorldClass Skills», a introdução inicia desta forma:

37


«After two decades of major education reforms without seeing major gains for lowincome students, state leadership is coming to the conclusion that there is something inherently wrong with America’s K-12 system. There is something in the factory model —in which students chug along from kindergarten through high school, unless they fall off the conveyor belt before obtaining a diploma—that is reproducing low achievement and inequity, year after year, generation after generation.» (INACOL, 2013)

Registando-se um coro de opiniões nos EUA em redesenhar a educação pública e centrá-la no aluno e na aquisição de competências, propõe-se uma personalização da aprendizagem que motive e prepare os alunos para prosseguirem estudos ou seguirem uma carreira. A equidade não pode ficar-se no plano do acesso tem de garantir que os alunos trilhem um percurso de aprendizagem de sucesso, ajudando-os nas suas dificuldades e potenciando as suas capacidades. A personalização do ensino necessita da tecnologia: «Personalized learning is enabled by smart e-learning systems, which help dynamically track and manage the learning needs of all students, and provide a platform to access myriad engaging learning content, resources, and learning opportunities needed to meet students’ needs anywhere at any time, but which are not all available within the four walls of the traditional classroom.» (INACOL, 2013)

A oferta de educação a distância e eLearning tende a generalizar-se no ensino superior, mas ainda é uma oferta residual nos níveis de ensino básico e secundário. O projeto europeu VISCED fez um levantamento em 2011-2012 sobre as instituições que na Europa (e noutros continentes) tinham oferta de ensino online, com o objetivo «to make an inventory and to carry out a systematic review of international and national levels of innovative ICTenhanced

learning/teaching

'Exemplar'

initiatives

and

'e-mature'

major

secondary and post-secondary education providers for the 14–21 age group (including Virtual Schools and Colleges).» (VISCED, 2011)

Foram registadas cerca de 70 escolas virtuais em 19 países europeus, mas sabe-se existirem mais. A sua dimensão é muito variada, pode ir dos 25 alunos aos 1.400. Em muitos casos os alunos constituem grupos específicos e tipificados, a nomear, alunos de famílias em itinerância, viajantes, expatriados, alunos com doença grave, reclusos, alunos com deficiência, jovens grávidas, alunos que não completaram a escolaridade obrigatória, alunos que se encontram isolados geograficamente, filhos de imigrantes (com pouco domínio da língua do país de acolhimento).

38


O número de alunos que as frequentam não excede em nenhum país 1% da população escolar. Este facto dever-se-á a um certo conservadorismo dos Ministérios da Educação, o facto de prevalecer o ensino público presencial e uma certa obsessão com as notas e as médias nacionais em detrimento duma avaliação mais holística. A Finlândia é uma exceção onde existe uma rede virtual de escolas, talvez por que a avaliação tenha outra abordagem. O VISCED identificou diferentes tipos de escolas virtuais: • • • • •

Fully virtual school/college – this includes bricks-and-mortar schools offering a full distance education in parallel with f2f classes; Semi-virtual school – extra learning available outside school timetable (see discussion of Supplemental Schools later in this section); Virtual school-in-school – virtual school within a school or college which does not offer a full curriculum; e-Mature school or college – making good use of blended learning; Informal school/college – organizations such as Notschool or Mixopolis.(VISCED, 2011)

Do levantamento feito, realizaram 50 estudos de caso de vários países entre os quais o exemplo português Ensino a Distância para a Itinerância (ex- Escola Móvel ), dirigido aos alunos de famílias em itinerância (feirantes e circenses), e o exemplo belga BedNet um sistema de videoconferência para alunos com doenças graves. Considerando as escolas virtuais como um modelo a prosseguir para diversificação e maior personalização da aprendizagem, o VISCED produz um conjunto de recomendações para os decisores políticos: • • • • • • •

Validation of courses across borders and boundaries; Bringing virtual schools into national accountability and inspection regimes; Ensuring the legality of virtual schools; Establishing common standards for online teaching; Supporting early adopters and encouraging widespread roll-out; Constructing informed assessments of performance of virtually schooled students; Virtual schools owning the qualifications achieved by their students.(VISCED, 2011)

O VISCED contou com a colaboração do INACOL que reportou um grande aumento de escolas virtuais nos EUA nos últimos 15 anos e um número crescente de alunos, cerca de 3% da população escolar do K-12 (1,5 million) estava inscrita em 2009-2010 em cursos «fully online» e «blended». O Canadá 39


apresenta um número expressivo de alunos a frequentar cursos ou programas online, entre 2,8% e 3,4% (200.000) Esta realidade tenderá a expandir-se e seria desejável que, na Europa, o ensino online, totalmente online ou blended (por ex: flipped classroom) pudesse constituir uma oferta pública para os alunos e famílias que o desejassem.

3.2. O Ensino a Distância para a Itinerância – Escola Móvel O projeto da Escola Móvel nasceu no Ministério da Educação em 2005-2006 tendo sido gerido centralmente até 2010, altura em que passou a estar sedeado numa escola pública e a ser coordenado pelo Prof. Fernando Albuquerque Costa do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (Portaria nº 812/2010), sob a designação de Ensino a Distância para a Itinerância (EDI). De acordo com um artigo publicado em 2012, o EDI abrangia 120 alunos (de famílias do circo e itinerantes), dos 10 aos 17 anos, do 5º ao 12º ano. Na maioria dos casos os alunos assistem às aulas na roulotte e não têm grande acompanhamento familiar nas tarefas escolares. O tempo dedicado ao estudo é escasso e, em geral, ocupam o tempo a ajudar os pais na profissão. A maioria valoriza a modalidade de ensino a distância e o uso das TIC, pois existe uma tutoria personalizada. As aulas são síncronas e os alunos interagem em tempo real. O horário é idêntico ao do ensino regular presencial. Considera-se que esta abordagem pedagógica é mais adequada para jovens que ainda necessitam duma certa orientação e disciplina. Esta modalidade de ensino e/ou outras variantes deveriam constituir oferta alargada no sistema educativo, como opção das famílias. Poder-se-ia equacionar uma rede de escolas de ensino a distância, com uma distribuição distrital, em que se poderiam estabelecer sessões presenciais periódicas, de contacto entre os alunos e os professores no seu conjunto. O regime presencial já deveria fazer amplo uso das plataformas virtuais das escolas (muitas possuem Moodle) para os professores organizarem as suas áreas disciplinares e disponibilizarem os recursos e feedback aos alunos, permitindo o acesso aos pais. Uma rotina de utilização da plataforma como apoio às aulas, resolveria alguns problemas de impossibilidade temporária de frequência das aulas por razões de doença, internamento, tratamento dos 40


alunos. A abundância de ferramentas Web 2.0 livres, nomeadamente de videoconferência, resolveria o contacto síncrono entre alunos ausentes e professores.

4. Metodologia A metodologia desta investigação será iminentemente qualitativa, recorrendo a alguma informação

quantitativa, baseada

em

estudo

de

casos

múltiplos, que

serão

constituídos por escolas que seguem modelos alternativos de ensino-aprendizagem.

4.1.O que é o estudo de caso? São várias as definições encontradas e as características apontadas por autores de referência que se dedicaram a esta abordagem de investigação. O «estudo de caso deriva de métodos de investigação naturalistas, holísticos, etnográficos, fenomenológicos e biográficos» (Stake, 2007). O estudo de caso tem uma natureza fortemente descritiva, analisa o caso em profundidade (indivíduo, instituição, comunidade...), no seu contexto natural, em toda a sua complexidade. A pesquisa do estudo de caso é holística e sistémica, deve preservar o seu todo e a sua unicidade. Citamos algumas definições de estudo de caso: «A case study research is an empirical enquiry that investigates a contemporary phenomenon within a real-life context where the boundaries between phenomenon and context are not clearly evident, and in which multiple sources of evidence are used» (Yin, 1984, citado em Moritz &Zaremba) «...é a estratégia de investigação mais adequada quando queremos saber o 'como' e o 'porquê' de acontecimentos atuais sobre os quais o investigador tem pouco ou nenhum controlo' (Yin, 1994, citado em Coutinho & Chaves, 2002) «O estudo de caso é a exploração de um sistema limitado, no tempo e em profundidade, através de uma recolha de dados profunda, envolvendo fontes múltiplas de informação ricas no contexto.» (Creswell, 1994, citado em Coutinho & Chaves, 2002)

E por que se deve usar o estudo de caso? •

Para explicar as relações de causa em situações de vida real que são demasiado complexas para se recorrer apenas à inquirição (estudo explicativo)

Para descrever os contextos de vida real em que uma situação ocorre (estudo descritivo) 41


Para avaliar uma situação que tenha ocorrido (estudo de avaliação)

Para explorar as condições em que uma situação ocorreu e cujos resultados ou consequências não são claros ou lineares (estudo exploratório)

4.1.1. Tipologia e características do estudo de caso Os estudos de caso podem ter diferentes objetivos e Robert Yin propõe a seguinte tipologia: •

Estudo de caso descritivo (descriptive), o que tem como objetivo descrever um fenómeno, por ex: um processo ou um evento, responder a questões sobre «o quê», «quem», «onde», «quantos».;

Estudo de caso explicativo (explanatory), o que tem por objetivo investigar

ou

explicar

as

características

do

fenómeno

em

profundidade, por ex: inter relações, perguntando «como» e «porquê»; •

Estudo de caso exploratório, em que se exploram novos campos de investigação quando apenas se detém um ou nenhum antecedente como explicar o fenómeno (por ex: quadros de referência, teorias).

Robert Stake propõe três tipos de estudos de caso: •

estudo

de

caso

único

instrumental,

com

enfoque

numa

questão, sendo selecionado um caso para o ilustrar, pode servir para fornecer introspeção sobre o assunto, para refinar uma teoria, para proporcionar

conhecimento

sobre

algo,

funciona

como

um

instrumento para compreender outros fenómenos; •

estudo de caso múltiplo ou coletivo, com enfoque numa questão, selecionando múltiplos casos para a analisar. O investigador utiliza procedimentos de replicação para cada caso, para possibilitar, pela comparação, conhecimento mais profundo sobre o fenómeno, população ou condição;

42


estudo de caso intrínseco, o enfoque é no caso em si mesmo, por apresentar uma situação única e invulgar, o investigador pretende uma melhor compreensão do caso.

4.1.2. Estudo de caso múltiplo O tipo de estudo de caso que se pretende levar a cabo é um estudo de caso múltiplo, descritivo, em que serão identificadas algumas escolas de diferentes países e com diferentes inspirações pedagógicas, tendo por denominador comum, a centralidade no aluno. Cada escola corresponderá a um caso que será tratado em capítulo individual no relatório final. A amostra das escolas será feita tendo em conta os seguintes critérios: •

diferentes inspirações de pedagogos e/ou abordagens pedagógicas (por ex: A.S.Neill, Freinet, Montessori, escolas virtuais (com modelos totalmente online ou blended), isto é, amostra de casos típicos ou especiais;

diferentes países (limitado a línguas de trabalho que a investigadora domina: inglês, francês, italiano, espanhol, português);

grupo reduzido de escolas a visitar, consoante disponibilidades de tempo

(férias) e financeiras

para

suportar

as

deslocações,

completadas por soluções de comunicação virtual, em suma, uma amostra de conveniência; •

sujeita a disponibilidade e abertura das escolas para a investigação.

4.1.3. Recolha de dados Na recolha de dados serão utilizados diferentes instrumentos na sua maioria qualitativos, mas também alguns quantitativos: •

documentação e literatura temática, com pesquisa na Internet

grupo de discussão, técnica baseada na produção de discursos verbais dum grupo social que reflete perspetivas da realidade, interações sociais, normas, valores; a utilização de um guião não será impeditivo de aprofundar aspetos do decurso da discussão que 43


possam ser relevantes par o aprofundamento das questões, devendo contudo não perder o controlo da discussão e o risco de divagação sobre aspetos acessórios; pretende-se reunir diferentes elementos das escolas a visitar (direção, professores, alunos, pais, outro staff) •

entrevista semiestruturada pessoal e/ou virtual, preparação de guião mas flexível, aproveitando para aprofundar aspetos interessantes que as respostas possam induzir; as entrevistas virtuais serão conduzidas, de modo síncrono ou assíncrono, dependendo das disponibilidades dos entrevistados.

observação in loco, recolha em contacto direto. A partir dos aspetos observados poder-se-á fazer uma reflexão teórica e interpretar as conexões do que se observou.

histórias de vida serão recolhidas junto de ex-alunos das escolas em análise, obtidas através de entrevista, com vista a perceber os impactos da escola na sua vida pessoal e profissional

A recolha será tão extensiva quanto possível para triangulação e validação da mesma. Robert Yin recomenda que se salvaguarde: •

validade do conceito - utilizar o melhor instrumento de medida para avaliar

validade interna - utilizar diferentes métodos e instrumentos para triangulação, que outros métodos para verificar o mesmo fenómeno

validade externa - até que ponto os dados se aplicam a outras situações generalizáveis

fidelidade - até que ponto os resultados podem ser replicados de forma a darem os mesmos resultados, até que ponto são rigorosos e estáveis. Será que o estudo pode ser repetido por outros e os resultados serão os mesmos?

44


O corpo de informação e dados no estudo de caso a realizar será identificado de entre bibliografia relativa à temática, pesquisa na Internet e recolha de dados a partir de observação direta e discussão de grupo nas escolas a visitar, entrevistas pessoais e virtuais e questionários online. A discussão de grupo, entrevistas e questionários incidirão sobre: •

a organização e gestão das escola, junto de responsáveis e staff;

a organização da sala de aula e pedagogia, junto dos professores e alunos;

contexto familiar e social junto dos pais;

impactos da escola na vida pessoal e profissional de ex-alunos.

4.1.4. Análise dos dados recolhidos Considerando que a quantidade de dados será vasta num estudo de caso múltiplo, haverá que preparar a sua organização e criar uma base de dados que reúna todo o tipo e formato de registos a tratar. Quanto maior for a preparação e organização dos dados mais fácil se tornará a sua análise. Assim deverá ser equacionado um conjunto de procedimentos: •

definição de modelos e de conceitos chave para a investigação

criação/utilização de base de dados para codificar os dados

preparação de guiões para entrevistas e grupos de discussão

elaboração de questionários em função dos destinatários

procedimentos para registos de campo: notas, registos áudio/vídeo

formatos para o relatório da narrativa.

Ao reunir a informação devem analisar-se padrões e relações causais, devem ser anotados pormenores de observação, comentários e ilustrações, criar uma espécie de diário de bordo sobre o caso.

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Ao analisar os dados recolhidos deve-se manter em presença o objetivo da investigação e tentar encontrar as relações entre os dados e o cerne da investigação, pois é fácil perder-se em tantos dados e informação de tantas fontes. Não perder a essência do que se pretende investigar e triangular com os diferentes dados de diferentes fontes. Os grupos de discussão poderão esclarecer alguns dados existentes. Elaborar fluxogramas e outras visualizações, analisar a frequência de certas ocorrências são uma boa forma de analisar a informação. O cruzamento de dados quantitativos de inquirições com dados qualitativos pode ser uma outra forma de validação. A

utilização

de

programas

informáticos

para

análise

qualitativa

de

dados (Nvivo, Atlas.ti, CAT, Dedoose, etc) é uma forma de lidar com um grande volume de dados e de conseguir fazer uma categorização e codificação mais rápida. Liberta

o

investigador

dum

trabalho

manual

de

codificação,

possibilitando uma validação e auditoria mais objetiva à investigação qualitativa. No entanto, a sua utilização também pode levar

a centrar

a atenção na quantidade e volume dos dados, com dedicação de tempo à exploração do funcionamento da aplicação informática, distraindo do cerne da investigação, do significado e do aprofundamento das questões do trabalho de campo. 4.1.5. O relatório final O estudo de caso geralmente toma a configuração final de relatório. As questões da investigação são normalmente apresentadas

com base em

citações ou informação quantitativa e qualitativa recolhida. A informação qualitativa pode corresponder a histórias, transcrições de entrevistas, registos áudio/vídeo, e outros dados empíricos de várias fontes. O relatório também faz uso de bibliografia e literatura publicada que confirma ou não os dados recolhidos.

5. Considerações éticas As questões éticas sempre se colocaram, na investigação tradicional e, mais recentemente e com algumas particularidades, na investigação online. 46


A investigação online é cada vez mais influenciada pelos seguintes fatores: 1. Volume de dados e informação, diversidade de ferramentas, diversidade geográfica e cultural e multiplicidade de línguas; 2. Velocidade no acesso, maior rapidez das ligações à Internet; 3. Diversidade nas formas de comunicação, interação e formas de processar a informação; 4. O valor da investigação, associado à qualidade, a facilidade de disseminação dos resultados, mais rápida e sem custos. A investigação online tem levantado muita polémica sobre o código de ética a seguir, podendo interpretar-se que o que se encontra em livre acesso e foi tornado público na Internet não deverá estar sujeito a autorizações de utilização. Os contextos determinam em grande medida as opções tomadas pelo investigador, sendo de acautelar ambiguidades e possíveis contestações que possam por em causa a própria investigação, e citando o livro «How to Research», publicado pela Open University Press: « The conduct of ethically informed research should be a goal of all social researchers. (…) Nevertheless, all social research (whether using surveys, documents, interviews or computer-mediated communication) gives rise to a range of ethical issues around privacy, informed consent, anonymity, secrecy, being truthful, and the desirability of the research. (…) You owe a duty to yourself as a researcher, as well as to other researchers and to the subjects of and audiences for your research, to exercise responsibility in the processes of data collection, analysis and dissemination.» (Blaxter et al., 2010: 161)

A Associação de Psicologia Americana, à semelhança de outras organizações de profissionais, segue um código de ética, que se preocupa com questões de propriedade intelectual e «copyright», de consentimento informado dos inquiridos e de questões de privacidade e confidencialidade. Os mesmos princípios são analisados por Kanuka e Andersen, adaptados para o seguinte diagrama:

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O International Journal of Internet Research Ethics dedica-se precisamente à ética na investigação online, sendo vasta a literatura sobre esta matéria.

6. Aspetos inovadores A inovação desta investigação estará na ponte estabelecida entre visões democráticas da educação e métodos pedagógicos centrados no aluno, na sua autonomia e liberdade, muito avançados no contexto histórico em que se manifestaram em séculos passados (séc.XIX-XX), assumindo a rotura com os modelos vigentes à época (e no presente), e modelos emergentes da generalização da utilização pedagógica da Web 2.0, das redes sociais e tecnologias móveis para fins de aprendizagem nas décadas mais recentes, nomeadamente na expansão de modelos total ou parcialmente online para o ensino

básico

e

secundário,

igualmente

assentes

na

autonomia

e

independência do aluno. Estabelecem-se pontos de ligação a partir dum conceito central de abertura «OPENNESS» com os valores democráticos, a autonomia do aluno e a conectividade do mundo atual e teorias e pedagogias de aprendizagem do passado e do presente centradas no aluno.

48


Podemos estabelecer uma relação natural entre o pragmatismo de Dewey de há um século atrás - no qual o pensamento emerge das relações entre as pessoas e do seu quotidiano que criam conhecimento dinâmico e não de fontes de conhecimento pré-determinadas ou hierárquicas – e o conectivismo assente na revolução do acesso à informação que a Internet tem permitido, na democratização e abertura desse acesso e na multiplicação de comunidades de prática online. As neurociências e o desenvolvimento das redes digitais vieram reforçar o Pragmatismo no que respeita à aplicação concreta. As neurociências reforçaram o modelo conectivista e a ideia de arquitectura cognitiva através do processo de aprendizagem indutivo, modelo em que as redes sociais online se desenvolvem. «We make the argument that the Internet is actually the externalization of human thinking processes. In much the same way Vygotsky suggested there were two planes of development for social thinking patterns, one internal and one external, with the content moving from the external to the internal in the form of language, concepts and tools (Wertsch,1985) – we suggest that the processes of thinking move reciprocally and dinamically in the form of social networks and hubs (e.g. communities, sites) of knowing» (Glassman & Kang, 2010)

Dewey aprofundou as relações entre conhecimento, informação, experiência e actividades do quotidiano como elementos do seu pragmatismo instrumental. A informação é uma componente crítica para a resolução de qualquer problema e a diversidade de fontes, a sua distribuição e disponibilidade é crucial para a compreensão do problema e respetiva solução. O conectivismo vem dar relevo aos nós que se estabelecem entre as diferentes fontes de informação e relações virtuais entre pessoas e comunidades. Tal como no pragmatismo de Dewey, o conectivismo não atribui o desenvolvimento do conhecimento a um núcleo central controlador mas antes a uma rede de nós e hiperligações que se desmultiplicam, relações não lineares e dinâmicas (Glassman&Kang, 2010). As iniciativas de open source espelham essa convergência de interesses entre pares na resolução de certos problemas numa lógica de partilha em comunidade e de abertura democrática. A construção comum de projetos como a Wikipedia espelha igualmente essa dinâmica democrática e inovadora de comunidades que criam conhecimento e dão significado e valor à informação. Estas redes atingem dimensões à escala mundial, têm um forte cunho de liberdade e uma capacidade para se auto-organizarem e cooperarem.

49


«The Wikipedia phenomena suggests that given the opportunity, humans will naturally gravitate towards a model built on scale-free/connectionist processes that are devoid of the top-down/expert based knowledge systems»(Glassman&Kang, 2010)

David Wiley, professor americano das áreas da psicologia e da tecnologia, fundador da iniciativa Opencontent.org, definiu este conceito em 1998, e temse dedicado à causa da abertura da Educação para todos à escala mundial. Em 2002, a OCDE pediu a David Wiley que definisse e caracterizasse o conceito de «OER – Open Educational Resource» e em 2007, produziu um trabalho para a OCDE intitulado «On the sustainability of Open Educational Resources for Higher Education», onde analisa modelos de desenvolvimento e financiamento de projetos de recursos educativos abertos: «Ideally , open educational resource projects will become another service that the public simply expects of every institution of higher education, and each institution will find the will and the resource within itself to engage in these projects. In the intervening years until that time comes, pilot open educational resource projects must navigate the highly contextual waters of sustainability.» (Wiley, 2007)

Num dos capítulos da sua publicação «Game Changers» - «Why Openness in Education?» (2012) - advoga as vantagens dessa abertura nos seguintes termos: «Openness is impacting many areas of education—teaching, curriculum, textbooks, research, policy, and others. How will these individual impacts synergize to transform education? Will new and traditional education entities leverage the Internet, the affordances of digital content (almost cost-free storage, replication, and distribution), and open licensing to share their education and research resources? If they do, will more people be able to access an education and, if so, what will that mean for individuals, families, countries, and economies? If scientists and researchers have open access to the world's academic journal articles and data, will diseases be cured more quickly? Will governments require that publicly funded resources be open and free to the public that paid for them? Or will openness go down in the history books as just another fad that couldn't live up to its press? Only time will tell.» (Wiley, 2012)

Estas ideias têm sido disseminadas em TED Talks, como a que proferiu em 2010 em Nova Iorque «Open Education and the Future» e em 2011 na sua própria universidade (Brigham Young University) «Live Innovation». Em 2001, Larry Lessig adotou o conceito de conteúdo aberto e liderou o movimento Creative Commons para garantir que os conteúdos criados com esta perspetiva de abertura ficassem com a marca de licenciamento que permitissem a outros usá-los e adaptá-los sem incorrerem em problemas de direitos de autor. O conceito de «fair use» foi adotado por Lessig para permitir a liberdade de recriar (remix) e respeitar o autor. As licenças Creative Commons 50


vêm simplificar os termos da utilização sem ter que pedir autorização ao seu autor. Don Tapscott na sua TED Talk (2013) «Four Principles for an Open World», baseada no seu último livro «Radical Openness: Four Unexpected Principles for Success» aborda o conceito amplo de «openness» associado a ideias positivas de liberdade, acesso, flexibilidade, envolvimento e partilha. A sua abordagem está muito focalizada no campo económico e no sector empresarial, mas é intuitiva a transposição para outros sectores. Na sua ótica, o tempo do segredo do negócio, da opacidade, das reuniões à porta fechada e das conversas reservadas está ultrapassado. A abertura traz vantagens contrapondo-se

à

lógica

burocrática,

hierárquica

e

entrincheirada

no

secretismo, pois a transparência gera confiança e pode acelerar acordos (comerciais). A indústria abre-se à inovação, envolvendo parceiros e clientes como fontes de ideias e conhecimento. Um número crescente de empresas e organizações começa a ceder os direitos de propriedade intelectual e patentes com vista a incentivar a investigação e a promover parcerias para estimular o progresso (e obter lucro). Esta é uma mudança transformadora nas organizações, que têm de se adaptar a um tempo em que a informação corre de forma muito célere e sem fronteiras, com uma massificação de telemóveis e acesso à Internet que permite estabelecer ligações com qualquer ponto do mundo, numa dimensão de ubiquidade. Além do mais, a opacidade e o secretismo não resistem ao escrutínio público dos media e das redes sociais. E no que respeita à inovação, a abertura também é mais vantajosa, deixando de se depender dum laboratório isolado que faz determinada investigação, para uma colaboração entre laboratórios e organizações que estejam a investir num mesmo tipo de solução ou produto, cujas pontes de cooperação trarão mais rapidez nos resultados. Em contrapartida, a abertura também traz riscos para a privacidade, identidade, segurança, autonomia pessoal do cidadão (denunciada pela Wikileaks). Para as empresas essa informação sobre os consumidores permitirá oferecer produtos e serviços mais personalizados, no entanto, os cidadãos terão de se defender dos abusos da utilização dos seus dados pessoais, seja pelas empresas, pelo Estado, ou por privados. Tapscott encerra a conferência com 51


uma metáfora da organização em rede onde não existe um líder mas que consegue gerir o seu funcionamento em proveito da comunidade, oferecendo uma bela imagem de nuvens de estorninhos que, num aparente caos se auto organizam num voo articulado e regulado. No campo da educação a colaboração e a partilha são valores que favorecem o desenvolvimento das competências dos alunos. As redes abrem horizontes permitindo a livre circulação de ideias e consequente debate, bem como uma perspetiva mais global dos problemas, pela diversidade das áreas de conhecimento que cada um domina e pelas raízes culturais que cada um transporta.

Quanto à perspetiva dum ensino virtual futuro (básico e secundário) ainda haverá algum caminho a percorrer. Como Barbour refere, mesmo em países como os EUA, onde o ensino virtual se vem expandindo nos últimos 15 anos, ainda há muito para investigar sobre as capacidades e preparação dos alunos para seguirem uma escola virtual (totalmente online) e terem sucesso. 52


While distance education at the K–12 level has been around for over a century, the use of online learning in K–12 environments and the organization of these programmes into formal entities are still quite new. In North America, virtual schooling has been a reality for only about 15 years, and it is less in many other jurisdictions. There is therefore still much that we don’t know about this form of distance education with this population of students. Having said that, as the percentage of K–12 students enrolled in online learning continues to grow, and as the population of students who access these opportunities continues to expand, more is needed to prepare both students and teachers to be successful in these environments. (Barbour, 2009).

A opção pelo ensino e aprendizagem virtuais poderá decorrer da insatisfação com o sistema de ensino presencial, da rigidez curricular, da fixidez dos tempos letivos, poderá decorrer também de condicionalismos e mobilidade dos alunos e das famílias atrás referidos, mas também dos perfis de certos alunos, mais disciplinados, mais persistentes, auto motivados e que contam com um ambiente familiar de suporte.

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ANEXO I – Trabalho de Campo

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ANEXO II - Cronograma ATIVIDADES

ANO 1

ANO 2

1º trimestre 2º trimestre 3º trimestre 4º trimestre 1º trimestre 2º trimestre 3º trimestre 4º trimestre

Identificação de literatura e fontes de informação Identificação e auscultação às escolas Preparação de guiões de entrevistas, focus group e questionários Preparação de base de dados para recolha de informação/aplicação informática Escola 1 - deslocação e visita - focus group e questionários online Tratamento e análise da informação recolhida escola 1 Escola 2 - entrevistas virtuais e questionários online Tratamento e análise da informação recolhida escola 2 Escola 3 - deslocação e visita - focus group e questionários online Tratamento e análise da informação recolhida escola 3 Escola 4 - entrevistas virtuais e questionários online Tratamento e análise da informação recolhida escola 4 Escola 5 - deslocação e visita - focus group e questionários online Tratamento e análise da informação recolhida escola 5 Escola 6 - entrevistas virtuais e questionários online Tratamento e análise da informação recolhida escola 6 Análise comparativa dos dados e elaboração do relatório

Nota: Poder-se-á equacionar o prolongamento da elaboração do relatório da tese pelo 3º ano do doutoramento

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